o espelho perfeito

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    O spelho Perfeito

    Kamala 

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    Original: “The Flawless Mirror”Copyright © 1964 by Kamala Silva

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    O Espelho Perfeito

    Kamala

    “A Divindade não tem, sobre a terra, lugar mais adequadoà Sua natureza do que uma alma pura e santificada.”

    Demófilo 

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    Kamala (1906-1997)

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    Este livro é dedicado

     A cada Leitor

    Oro para que as palavras de Paramhansa Yogananda“acendam lâmpadas de sabedoria” em seu caminho, e tragam

    doces lembranças de Deus a seu coração.

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    Paramhansa Yogananda, emissário espiritual

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    ÍNDICE 

    PREFÁCIO ........................................................................................................................................ 9

    C  APÍTULOS 1. UM SÁBIO ILUMINADO .......................................................................................................... 11

    2. AMIZADE DE OURO ............................................................................................................... 15 

    3. HÓSPEDE DE HONRA ............................................................................................................ 21 

    4. VISITAS NO HOSPITAL ........................................................................................................... 24

    5. A IOGA INVADE O PAÍS ......................................................................................................... 28

    6. PRECIOSOS PRECEITOS ........................................................................................................... 31

    7. RECEBO INICIAÇÃO EM K RIYA............................................................................................... 368. RECEBO DE MEU GURU A ORDENAÇÃO PARA O MINISTÉRIO.............................................. 41

    9. BÊNÇÃOS DA GRAÇA ............................................................................................................. 45

    10. LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA.................................................................................................. 50

    11. A “AUTOBIOGRAFIA DE UM IOGUE”..................................................................................... 52

    12.  VIDA EM MT. WASHINGTON................................................................................................. 54

    13.  TRANSMITO OS ENSINAMENTOS DE MEU GURU ................................................................... 59

    14. 

    UMA PROFECIA DE SRI YUKTESWAR ..................................................................................... 6415.  CORRESPONDÊNCIAS GUARDADAS COM CARINHO ............................................................. 67

    16.  A SEARA DO MESTRE: DEVOTOS DE DEUS ............................................................................ 70

    17.  MONTAGEM DE TRABALHO, SABEDORIA E HUMOR............................................................. 73

    18.  HORAS PRIVILEGIADAS COM MEU GURU .............................................................................. 78

    19.  O MESTRE ENTRA NO GRANDE S AMADHI ............................................................................ 83

    20.  MEU GURU VEM TRAZER-ME DOCES LEMBRANÇAS DE DEUS............................................. 89

    21.  POEMAS DE PARAMHANSA YOGANANDA .... ..................................................................... 101

    22.  IN MEMORIAN:  KAMALA SILVA (1906-1997) .................................................................... 109

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     Swami Yogananda palestrando no Philharmonic Auditorium, Los Angeles, 1925

    “O Único Oceano do Espírito está oculto sob as ondas das formas finitas.”

    Paramhansa Yogananda

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    PREFÁCIO

    “A introspecção é um espelho maravilhoso; melhor, porém, é ver sua

     própria imagem no espelho perfeito da mente de um sábio.”Paramhansa Yogananda, em The Master Said [“O Mestre Disse”]* 

    Sabendo da fome que os devotos têm por palavras a respeito de seu Preceptor,registrei aqui minha convivência com meu Guru, Paramhansa Yogananda, por umperíodo de mais 27 anos, em intervalos longos e curtos, em diversas localidades e sobdiferentes circunstâncias.

    As pessoas me pedem com tanta freqüência: “Fale de seus dias com o Mestre!” É o que

    procurei fazer. Estas páginas encerram apenas aquilo que toca diretamente o meudiscipulado, e as horas em que tive o privilégio de estar na companhia dele. É possível quealguma passagem ou descrição de uma cena ofereça uma visão da qualidade eterna dorelacionamento do Guru com o discípulo. Que esse vislumbre possa abençoar, do mesmomodo como foram abençoados todos os que entraram em contato com a vida dele.

    * Agora reduzido e rebatizado pela Self-Realization Fellowship como Sayings of Paramahansa Yogananda [“Ditosde Paramahansa Yogananda”]. (N. T.) 

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    “Um perfil sorridente de meu Guru”

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    CAPÍTULO 1

    UM SÁBIO ILUMINADO 

    Á,  na vida, encruzilhadas que mudam toda a direção da viagem. Foi o queaconteceu quando vi meu Guru. Seus preceitos iluminariam minha jornada pelocaminho que leva o coração e os pensamentos para Deus.

    Na noite de 13 de janeiro de 1925 – data memorável – o Philharmonic Auditorium, emLos Angeles, estava com sua capacidade de 3 mil assentos completamente lotada. Aspessoas formavam filas que contornavam o edifício, estendendo-se a longas distâncias,esperando que as portas se abrissem. Às 7 horas da noite, não havia mais assentodisponível para as centenas que ainda queriam entrar. Isto se repetiu todas as noites,durante muitas semanas. Todos se reuniam para ouvir um certo emissário da Índia.

    Daquele país onde sábios têm sido nutridos, estávamos para conhecer um de seus maisiluminados.

    Swami Yogananda subiu à tribuna, com sua túnica alaranjada que o identificava comoalguém que pertencia a uma antiga ordem de renunciantes. Alegremente, traduzi em meudiário minha primeira e espontânea impressão: “O sorriso dele é como o brilho de sol daalma”. Era jovial e transmitia um entusiasmo que parecia a todos envolver.

    Por que eu estava presente? Minha mãe*  vira os cartazes com o retrato dele. Ointeresse dela baseava-se no respeito que tinha pelos ensinamentos da Índia, e ela estava“buscando a verdade”. Fui com ela, e assisti a todas as palestras e a uma série de aulas,chamadas preliminares, avançadas e superavançadas, repletas de centenas de estudantesentusiasmados. Em resposta a um pedido por voluntários, servi como indicadora delugares nas aulas e palestras.

    Estava eu buscando? Não conscientemente; mas quando o vi, pensei: “Agora encontreialguém que pode responder a qualquer pergunta que eu queira fazer”. O estudo escolartrouxera-me respostas acadêmicas, mas careciam de profundidade – uma dimensão queeu sentia que deveria existir. Na igreja, eu havia recebido os ensinamentos cristãos semuma “pedra da roseta” que os traduzisse em experiência. Esta sabedoria, eu a encontreiem Swami Yogananda.

    Paramhansaji†  ensinava métodos científicos de meditação, que permitem à pessoasaber como mergulhar no seu íntimo e seguir o caminho da alma para o Infinito. As poucase simples técnicas de ioga que ele apresentou eram essencialmente diretas: guiavam apessoa sem desvios.

    As palestras de Swami eram precedidas pela execução de músicas ao órgão e,freqüentemente, a “Canção da Índia” anunciava seu aparecimento. Antes da conferência,ele lia um poema, às vezes de seu livro Songs of the Soul [“Cânticos da Alma”]. Suapoderosa declamação, anunciando a permanente sobrevivência da alma ao longo de eõesde tempo, está gravada em minha memória.

    * Dra. Frances Grant Buchanan. 

    †  Título que lhe foi conferido por seu Guru alguns anos mais tarde e, desde então, usado no lugar de“Swami”. 

    H

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    Ele tinha uma farta munição de histórias cativantes e inesquecíveis, cada umatransmitindo um preceito espiritual. Muitas eram colhidas de suas próprias experiências;algumas ele trouxera da Índia.

    Uma noite, ele mencionou que, na infância, era extremamente magro e que o seu peso

    atual viera como uma bênção de cura de seu Guru. Estava ciente de que, no mundoocidental, a santidade está associada à magreza, a ponto de definhamento. Com seu agudosenso de humor, explicou que na Índia é desejável ser gordo, porque um instrutor magro éuma propaganda ambulante de que ele tem poucos discípulos para alimentá-lo!

    Outra noite, alguém lhe perguntou a idade. Espontâneas conjeturas estenderam-sedesde dezesseis anos até vários séculos. Mas ele replicou, com um sorriso:

    – Eu nunca digo minha idade.

    Isto deixou a questão ainda aberta à especulação. Ninguém, na época, compreenderaplenamente que ele não media a vida unicamente por sua breve residência no corpo, pois

    o espírito não tem idade.Após uma palestra, convidou a todos para virem tocar seus braços, os quais ele fez

    com que vibrassem de energia, à maneira de um gerador elétrico. Foi um recarregamentodo corpo por meio do poder da vontade e da força vital – uma maneira benéfica de seexercitar, que ele ensinava nas aulas.

    Diversos médicos participavam de seus cursos. Em uma ocasião, ele perguntou sealguns médicos presentes gostariam de observar o controle dos batimentos cardíacos. Elesficaram muito interessados e subiram à tribuna. Com um médico de cada lado tocando-lheo braço à altura do pulso, cada um registrou diferentes contagens à esquerda e à direita.

    Em seguida, ele fez cessar inteiramente a pulsação e, também, a respiração. Os médicosnão puderam detectar o menor sinal delas.

    Certa noite, Swami convidou todos os homens da polícia de Los Angeles, que estavampresentes às portas do  Auditorium, para se aproximarem e vissem se seriam capazes detirá-lo do equilíbrio ou de movê-lo do lugar onde estava. Alguns deles atenderam eficaram surpresos ao constatarem que de nada valia o peso maior que tinham, em seusesforços para tirá-lo do lugar.

    Vim a saber que tais demonstrações eram dadas raramente por ele, pois sua intençãoera levar os outros a Deus por meio do amor ao Pai Celestial, e não pela exibição de

    poderes fenomênicos.Na primeira noite em que o escutamos, ele falou a respeito da mente superconsciente,

    descrevendo-a como a mente espiritual. Chamou a mente subconsciente de um imitador,que imprime e grava todas as nossas ações, pensamentos e experiências.

    Ele falou quase todas as noites, durante muitas semanas, e suas palavras tinham umaespécie de oratória que despertava o ouvinte da modorra espiritual. Aos que tendiam aexaltar a personalidade dele, dizia: “Não pensem em Yogananda, mas Naquele que meenviou”. Também dizia: “Não aceitem cegamente o que digo; pratiquem e provem paravocês mesmos, por sua própria experiência”.

    Havia serviços de oração, que incluíam afirmações para o bem-estar físico, mental eespiritual. Todos participavam, e as orações e vibrações poderosas de Swami reforçavamas nossas. Depois de uma dessas reuniões, escrevi: “Hoje, fui para o serviço de cura e, no

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    final das orações, uma onda maravilhosa desceu e encheu a sala. A sensação foi de umagrande bênção.”

    Referências às suas aulas aparecem em anotações de meu diário. Incluo algumas aqui:

    21 de janeiro. Nesta manhã, pratiquei os exercícios. Eles me fazem sentir forte esaudável. Swami falou de “como usar a Consciência Cósmica na vida diária”. Significaestar em contato com o amor, a coragem, a tolerância, a compaixão e a sabedoria.

    28 de janeiro. Hoje à noite foi uma revelação para nós, que estamos aprendendo aconhecer Deus e ouvi-Lo por meio do Som Cósmico. Swami conhece as leis para se entrarem contato com Deus, e somos muito felizes por aprendê-las.

    30 de janeiro. Nossas lições e tudo que Swami diz são de grande valor. Ele fala a partirde uma fonte interior de sabedoria. Esta noite foi o término do primeiro curso, e já tenho osuficiente para manter-me ocupada pelo resto da vida.

    13 de fevereiro. Hoje, em meditação, uma maravilhosíssima percepção veio a mim: um grande amor por Deus, meu Pai, de Quem me sinto próxima.

    Depois de apenas um mês, tive esse sentimento íntimo, pessoal, por Deus, que nuncaantes experimentara. Confirmou-me que as técnicas de meditação capacitam a pessoa aaproximar-se de Deus. Swami disse: “Para amar a Deus, é preciso conhecê-Lo. Então, apaz Dele entrará em seu coração.”

    Em 8 de março, Swami falou de seus planos para comprar o edifício e os terrenos doHotel Mt. Washington, a fim de usá-los para o trabalho da Yogoda.* Situava-se em uma dasáreas residenciais de Los Angeles e, quando ele encontrou o lugar, o qual já tinhacontemplado antes em uma visão, ficou especialmente contente por ter sido batizado emhonra do grande pioneiro da liberdade da América.

    Mount Washington foi adquirido e tornou-se a permanente sede internacional daYogoda (SRF). Os terrenos abrangem muitos acres no topo de um monte, e, do edifício,tem-se a visão das colinas ondulantes e das luzes cintilantes da cidade, ao longe. Aprimeira reunião ali realizada foi na Páscoa: um serviço ao nascer do sol. Swami falou de

     Jesus e da experiência da Consciência Crística em nossos corações.

    No final da primavera e durante o verão, Swami falou em diversas cidades da

    Califórnia, inclusive San Francisco. Já havia palestrado ali, no ano anterior, e agora, outravez, encontrou grande receptividade. Também viajou para o norte, ao longo da costa, paracumprir compromissos de regresso nos estados de Oregon e Washington; muitosestudantes em Portland e Seattle o aguardavam. Em Spokane também, durante a visitaque fez em setembro, ele encontrou platéias lotando, todas as noites, o imenso salão deconferências. Em outubro, ele voltou a Los Angeles para falar novamente no Philharmonic

     Auditorium. Escrevi em meu diário: “Meu grande mestre, Swami Yogananda, está de volta.Ele falou da Yogoda e dos meios pelos quais os Mestres da Índia alcançaram a realizaçãodivina.”

    * Yogoda designava os seus ensinamentos, nome que foi mais tarde mudado para Self-Realization Fellowship.Na Índia, o nome original de Yogoda Sat-Sanga continua sendo usado. Traduzido, significa “o que confere aunião (da alma individual com Deus), por meio da associação com a verdade”. 

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    Sempre trazíamos amigos a todas as palestras. Nosso entusiasmo não tinha limites.Mamãe e eu éramos atraídas por sua grande sabedoria, serenidade e radiante forçaespiritual, que qualquer um podia sentir. Enquanto eu absorvia seus ensinamentos, nãosentira a necessidade adicional de dirigir-me até ele para ter uma entrevista pessoal, comofaziam muitos estudantes. Agora, no entanto, como estávamos prestes a nos separar, quisfalar com ele. Passaram-se nove meses desde que assisti a suas palestras pela primeira vez,em janeiro, e esta noite, 13 de outubro, seria a minha primeira conversa com ele.

    Após a conferência, fui aos bastidores e o vi, de pé, próximo às cortinas. Observei-lhe asuave dignidade, e a reserva que sempre lhe foi natural. Esse mestre era reverenciado emminha mente e em meu coração, de um modo que eu não podia descrever, mas que,posteriormente, soube que era o sentimento natural do discípulo pelo Guru.

    Aproximei-me, e ele me cumprimentou. Trocamos algumas palavras, e ele me disseque também estava partindo em breve para palestrar em outros estados.*  A seu ladoestava o instrutor que acabara de chegar a Mt. Washington, e ele nos apresentou.† Swami

    disse que viéssemos vê-lo outra vez, antes de partirmos.Seu discurso naquela noite fora uma linda palestra a respeito de como viver a vida de

    Cristo, de Krishna e de Buda. Disse que Cristo viera quando o amor era necessário, queBuda trouxera a determinação espiritual e Krishna enfatizara a atividade guiada pelasabedoria. Na noite seguinte, sua esclarecedora palestra foi sobre “Como acelerar aevolução humana”, e ele descreveu a ajuda que as técnicas da ioga proporcionam.

    Recebi uma bênção de meu Guru na noite seguinte. Swami falou de seu própriogrande mestre, Sri Yukteswar. Após a palestra, fui vê-lo. Ele me saudou e, durante aconversa, disse:

    – Sempre conserve sua dignidade, e lembre-se do poder de seu pensamento e de suavontade.

    Quando me despedia, pedi-lhe a bênção. Ele colocou a mão sobre minha cabeça eorou. No começo, senti uma quietude interior; depois, uma alegria sagrada me inundou,enquanto meu espírito era erguido a uma imensa tranqüilidade.

    Swami Dhirananda, o Mestre, Dra. Buchanan (mãe de Kamala) e Kamala; Mt. Washington, 1926

    * Suas palestras, nos meses seguintes, estavam programadas para Chicago, Rochester, Cleveland, Pittsburg eno Carnegie Hall de Nova York. † Swami Dhirananda. (N. T.)

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    CAPÍTULO 2

    AMIZADE DE OURO 

    ERVIÇOS dominicais e palestras semanais eram agora realizados na nova sede de Mt.Washington. Mamãe e eu participávamos regularmente. No verão de 1926, fomos lápara morar e servir, a convite do instrutor residente que fora posto na direção por

    Swami Yogananda.

    O edifício era pouco ocupado e tínhamos à nossa escolha dúzias de quartos – todossem mobília, naquela época. Escolhemos uma suíte no segundo andar e a pintamos;depois, mandamos buscar nossa própria mobília. Mamãe doava uma quantia mensal paracobrir nossas despesas de alimentação e estadia. Ela recebia os visitantes que vinham delonge e de perto, e fazia sala para eles até que o instrutor pudesse recebê-los. Mamãe era

    médica, e seu serviço voluntário foi possível porque havia acabado de se aposentar doexercício da medicina.

    Descobri que a despensa precisava de atenção e, imediatamente, comecei a colocá-laem ordem, trabalhando firmemente todos os dias. Trabalhei também no escritório,respondendo algumas cartas enviadas por estudantes da Yogoda.

    Na maior parte do tempo, Swami Yogananda estava palestrando por todos os EstadosUnidos, mas retornava à Califórnia, onde ficava por períodos prolongados. Cadaoportunidade de vê-lo e os pensamentos que exprimia em minha presença deixaramprofundas impressões. Ele logo estaria aqui para passar as férias de verão.

    Muitos detalhes desses dias estão anotados em meu diário. Essas anotações deixamum registro mais concreto e confiável do que a memória. De algumas recordações, pode-sever o fragmento de um dia, e espero que um caleidoscópio de cenas como essascomponham um quadro multifacetado.

    Em 18 de agosto, estávamos alegremente ocupados em Mt. Washington com ospreparativos para a chegada de Swami. Na tarde seguinte, muitos estudantes o receberamno trem e o presentearam com um lindo ramalhete de flores. Quando voltávamos, mamãee eu fomos no carro com ele. Ele parecia imerso em Deus. Mais tarde, nos disse:

    – Cultivem a amizade com Deus, meditem Nele e sintam-No. Sejam como a criança

    teimosa que bate na porta até que Ele a abra.À noite, conversou conosco por um tempo e disse que estava muito contente por

    estarmos ali.

    Swami trouxera consigo, da costa leste, algumas mangas frescas. Na noite seguinte,tivemos sorvete de manga, que ele havia planejado como uma surpresa para todos.Tocando uma flor que estava sobre a mesa, ele comentou:

    – Nas flores capturamos a beleza de Deus.

    Trouxe discos de Galli-Curci* e muitas canções espirituais da Índia, que ele tocou paranós. Gostava de ouvi-las e partilhá-las conosco.

    *  Amelita Galli-Curci, famosa cantora lírica, foi durante toda a sua vida, discípula de ParamahansaYogananda. Ela escreveu o prefácio do livro dele, Whispers from Eternity [“Sussurros da Eternidade”]. (N. T.) 

    S

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    Assistimos a um concerto com Swami e ouvimos “Morte e Transfiguração”, deStrauss. Estávamos no Hollywood Bowl, e Ralph Waldo Trine (autor do livro In Tune withthe Infinite) também lá estava. Swami e ele eram amigos. Juntamente com a esposa e ofilho, foram convidados para o almoço, no dia seguinte, em Mt. Washington. Tirei retratosdeles com Swami.

    Nós, que morávamos em Mt. Washington, e outros hóspedes fomos convidados porSwami para uma excursão de férias em Catalina Island. No hotel, recebemos quartosexcelentes e, depois, saímos para passear em volta da ilha. Fizemos também umpiquenique, na hora do almoço. Em seguida, muitos foram nadar e, depois, houve umacorrida a pé. Cinco participaram da competição. Notei que os pés de Swamimovimentavam-se com a mesma rapidez que os pistões de um motor, e as passadas largasdos outros não podiam competir com ele. Ele se distanciou do mais próximo umquarteirão inteiro, em uma corrida de dois quarteirões! Mamãe e eu apreciamos muitotestemunhar esse evento.

    Na manhã seguinte, passeamos em barcos a motor por muitos quilômetros, sobreáguas tranqüilas, e observamos muitas focas. Mais tarde, fizemos um passeio especial, nobarco com fundo de vidro. Foi extraordinário. Vimos jardins lindos e coloridos debaixo daágua límpida. Naquela noite, em outro passeio, os peixes voadores assemelhavam-se araios prateados saltando da água, às vezes para dentro do barco. Descobrimos muitascoisas interessantes para ver e fazer, nos dias felizes que ali passamos. Swami foi ummaravilhoso anfitrião para todos.

    Quando voltamos à terra firme, Swami aceitou nosso convite para pararmos em nossacasa de praia, na cidade vizinha de Manhattan Beach. No caminho, fizemos compras e,

    depois, preparamos uma refeição indiana, que foi apreciada por todos. Amigos nossosvieram visitar-nos, e Swami divertiu os filhos deles ensinando-lhes algumas brincadeiras.Mais tarde, fomos a pé para a praia, onde ele e um de seus convidados foram nadar.

    Depois, à tarde, Swami leu para nós algumas estrofes de um livro de poemas queestava na casa; então, tornamo-nos muito quietos. Após um período de silêncio, os olhosdele encheram-se de lágrimas de devoção. Ele disse:

    – Oh, Brahma é tão bondoso comigo! Há uma correnteza circulando dentro de mim epor todo o meu corpo. Que bem-aventurança!

    Horas depois, enquanto meditávamos, tive uma experiência espiritual. A respeito

    dela, escrevi: “É apenas o começo. Não posso descrever a alegria.”Foi uma inesperada felicidade termos Swami em nossa casa, e o começo de um tempo

    que permitiu que nossa amizade crescesse e se aprofundasse com a bênção da convivênciadiária.

    Permanecemos alguns dias na praia em Manhattan Beach, depois viajamos comSwami e os convidados para Santa Barbara. Foi a primeira visita dele à nossa casa.Naquela noite, após uma conversa a respeito das peças de Shakespeare, Swami deleitou-nos com uma representação dramática do famoso discurso de Antônio, no drama “JuliusCæsar”. Ele fez a declamação de maneira espontânea, com sua memória impecável. Foi à

    luz de velas, pois, na época, não havia eletricidade.*

      Pouco depois, os versos de

    * Mamãe tinha acabado de construir a casa, mas, em vez de ocupá-la, tínhamos ido a Mt. Washington. 

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    Shakespeare e todo o drama foram esquecidos, enquanto voltávamos a mente e o coraçãopara a meditação.

    Depois, enquanto nos sentávamos fitando o céu iluminado de estrelas, Swami falou daalegria que sentia em Deus.* Então, começou a falar poeticamente, dizendo que o Dia e a

    Noite conversavam juntos, como amigos, e, contudo, cada um queria que o outro seretirasse! O Dia ansiava por revelar as belezas do mundo; a Noite sentia que o mantomacio da escuridão trazia serenidade à humanidade.

    Suas palavras tornaram-se um poema, criado naquele momento, em que descrevia abusca do cosmos pelo Ser Infinito. Ele perguntou à estrela e à nuvem: “Digam-me, emsilêncio, a quem vêem? É Àquele que, dentro de mim, fez-me vibrar com um toqueinvisível e, rapidamente, fugiu sem ser visto?” E perguntou a toda a Natureza: “Viu SuaPresença oculta?”

    Cada um de nós sentia a inspiração desses dias. Pareciam passar tão depressa! Swami

    sempre irradiava uma aura de paz, um halo de serena felicidade.†

     Quando voltamos paraManhattan Beach, ele me deu um álbum de autógrafos. Eis os pensamentos que eleescreveu:

    Existe um liame invisível unindo Oriente e Ocidente, e todos os estranhos. Somostodos estranhos e, contudo, não há estranhos, pois todos pertencemos a Deus, nosso únicoPai. Adore-O como Bem-aventurança, o que há de mais interessante dentro de você.

     Aquele que eu sinto no frio toque da brisa, que vejo competindo nas ondas do mar, queouço no bramir do oceano e que vejo emergindo do portão petalado das flores que se abrem– que Ele seja seu por toda a eternidade.

    Nesta casa, em todo canto que rezei, deixei um altar permanente de devoção, erguidono éter invisível, onde você sempre O encontrará. Nesses mesmos lugares, mergulhe rápidae profundamente em seu íntimo, com reverência e devoção firme, e você encontrará essealtar secreto.

    Swami Yogananda

    Quando regressamos a Mt. Washington, entrevistas e numerosos assuntosrelacionados à organização mantiveram Swami ocupado a maior parte do tempo, massempre havia períodos de meditação, refeições em comum e conversas tranqüilas. Um diaele nos levou para vermos o filme “Mare Nostrum”. Todos os dias, ele jogava tênis na

    grande quadra que fica no outro lado da via de acesso. Também passava tempo com seusescritos e dava palestras nos serviços de domingo e de meio da semana. Ele lembrava aosdevotos: “Aprofundem seu amor por Deus; tenham devoção acima de tudo. Usem semprepalavras gentis, e não usem só a mente, mas o coração também.” Ele também dizia: “Atranqüilidade é um dos maiores atributos da alma”.

    *  Ele a descreveu como Nirbikalpa Samadhi: um estado de consciência de Bem-aventurança em Deus, quepermanece constante, mesmo enquanto a pessoa se ocupa de atividades externas. 

    † Para todos os que conheceram Paramhansa Yogananda por meio de sua  Autobiografia de um Iogue, seráimensamente difícil compreender que, pelo fato de esse livro não ter sido ainda escrito, nós fomos aospoucos conhecendo as amáveis qualidades dele, sem o descortino que o livro nos oferece como pano defundo. 

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    Mamãe e eu tivemos a bênção de estar com ele certa noite, quando seu amor por Deusexpressou-se na efusão de uma prece ao Infinito, proferida com muita doçura. Suaabsorção extática e seu semblante beatífico testemunhavam a resposta e a bênção daDivindade. Outra discípula, que estava presente, teve a inspiração de anotartaquigraficamente suas palavras.* Era muito raro conversarmos durante horas. Certa vez,perguntei:

    – Como devem as crianças rezar?

    Ele respondeu:

    – Precisa haver orações para elas.

    Ele então compôs orações, em linguagem simples, de bondade, consideração eintegridade. Expressou modos de trazer a presença de Deus para perto das crianças, a fimde que percebessem o amor Dele nos pais e amiguinhos, a ajuda Dele através dosprofessores, a beleza Dele no seio da natureza, e para que O percebessem no silêncio,

    como paz e alegria em seus corações. Quando a alvorada iluminava a sala, espalhandouma cor rósea pelo céu, Swami ficou de pé, deu a cada uma de nós sua bênção e, então,retirou-se para seus aposentos, deixando conosco a lembrança inesquecível daquelashoras.

    Swami voltou à casa de praia a fim de passar o tempo que lhe restava antes de partirpara a costa leste. Ele gostava da simplicidade de nossa casinha perto do mar, que davauma vista do oceano e situava-se em meio ao barulho das águas. Também havia quietude,sem demandas de seu tempo. Ele sempre meditava pela manhã, livre de interrupções.Perto do meio dia, estava pronto para o seu primeiro banho de mar diário e,freqüentemente, voltava ao mar outra vez, durante o dia.

    Em nosso culto vespertino, ele cantava e tocava cânticos ao piano. Esses cânticos† incluíam muitos que ele mesmo compôs, e também outros da Índia. Mamãe e euadorávamos ouvir esses cânticos devocionais.

    Swami gostava de passear de carro, no final da tarde ou no começo da noite. Às vezes,íamos à vizinha Palos Verdes e, lá, nos detínhamos para meditar, sentados no chão, emuma encosta defronte ao oceano. Naquele lugar, nos dias quentes de verão, a brisa doPacífico era suavemente fria, e Swami logo se absorvia profundamente em samadhi. (Naépoca deserta, tornou-se desde então uma área residencial.) O panorama que dali sedescortinava incluía diversas cidades costeiras, ao longo da orla, e à noite cada uma se

    assemelhava a um cacho de jóias com um colar de luzes interligando-as. Freqüentementepasseávamos de carro sobre os montes e víamos uma fazenda eventual aninhada nessaárea aparentemente remota, que distava alguns minutos da cidade.

    Às refeições, tínhamos caril – muito gostoso e muito picante! Swami gostava deescolher os vegetais no mercado e fazia a maior parte do preparo. Nós ajudávamos nocozimento. Ele usava uma ampla variedade de verduras, cogumelos e, às vezes, channa(ricota), um queijo que pode ser cozido e preparado de diversas maneiras. O arrozcostumava ser servido integral, com molho de caril, e, de sobremesa, frutas frescas.

    * Essas orações, inclusive aquelas para as crianças, aparecem no livro dele Whispers from Eternity [“Sussurrosda Eternidade”] publicado em 1929. 

    † Aparecem no hinário “Cantos Cósmicos”. 

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    Em todos os seus anos ocupados com palestras e viagens, a dieta de Swami consistiaprincipalmente de frutas e nozes, com raras oportunidades para refeições caseiras de suaterra natal. Ele as aceitava de bom grado e partilhávamos do seu prazer.

    Um dia, quando sua data de partida se aproximava, perguntei o que eu deveria ler. Ele

    sugeriu alguns versículos da Bíblia e do Bhagavad Gita, todos os dias. E acrescentou:– Ore, medite e seja honesta consigo mesma. – E também me disse:

    – Lealdade ao Preceptor é de grande importância no caminho espiritual.

    Deu-me um bracelete feito de prata, cobre e ouro, fabricado de maneira especial.* Elesentia que o uso desse bracelete seria benéfico para mim.

    Voltamos da cabana de praia para Mt. Washington. Swami partiu pouco depois, paracumprir uma agenda repleta de palestras, em cidades da costa leste. No trem, deu umabênção a todos e disse para sermos bondosos e vivermos em harmonia uns com os outros.

    Recebi de meu Guru, em novembro, a seguinte carta. Ele me chama de Kamala, comosempre o fez. É o nome que me deu, e significa Lótus. Meu nome de batismo é Mary.† 

    Cincinnati, Ohio

    Querida Kamala,

    Terei que lhe responder por telegrama, pois estou lutando contra o tempo. Fiqueicontente em receber suas cartas. Parece que foi ontem que vim para cá. Tive grande êxito.

    Fico feliz que você saiba de minha sinceridade. Este é o meu tesouro mais precioso.(Refere-se a algo que eu tinha escrito.)

    Em dezembro, estarei tão empatado que será impossível me ver livre. Tenho que estarem diversos lugares. Queria estar em Los Angeles para ver vocês todos.  Prepare-se para a

     grande obra de Deus.

    Escreva-me. Estarei aqui até 28 de novembro.

    Com bênçãos, sempre,

    Swami Yogananda

    Esta e outras cartas de meu Guru aparecem como ele as escreveu, exceto pela omissãoocasional de algumas linhas ou parágrafos, seja para encurtar, seja porque a mensagem era

    confidencial.Em 24 de dezembro, recebemos de Swami, como presente de Natal, um artefato de

    cobre feito na Índia, e no cartão ele contou de suas próximas atividades e palestras emWashington, D.C. Também enviou suas bênçãos para o nosso “maior desenvolvimentoespiritual”.

    Antes de minha ida a Mt. Washington, eu fizera uma cirurgia no joelho e um defeitoainda precisava ser corrigido. Swami refere-se a isto em uma carta que enviou deWashington, D.C., em março (1927), na qual escreveu: “Informe-me da decisão de seumédico. Minhas bênçãos e orações sempre a protegerão.”

    * O propósito desse tipo de amuleto recebe detalhada explicação em Autobiografia de um Iogue. 

    † Mary Isabel Buchanan (21 de junho de 1906 - 29 de novembro de 1997). (N.T.)

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    Uma cirurgia foi marcada para julho. Eu ficaria engessada por algum tempo, assimmamãe e eu voltamos à casa de praia até chegar a época. Escrevi a Swami para perguntar-lhe se ele viria à costa oeste durante o verão, e expressei a esperança de que ele nosvisitasse. De Buffalo, Nova York, ele me enviou a resposta, em junho.

    Querida Kamala,Não sei se estarei ou não em Los Angeles. Se eu for, certamente terei o prazer de

    aceitar a hospitalidade sua e de sua mãe, como na última vez, e que muito apreciei.

    Com bênçãos para você e sua mãe,

    Swami Yogananda

    Trecho da dedicatória do álbum de autógrafos, mencionado na página 17

    Kamala, sua mãe, Swami Yogananda e o pai dela, em Catalina Islands

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    CAPÍTULO 3

    HÓSPEDE DE HONRA 

    RA  o meio do verão quando houve uma batida em nossa porta, e Swami, todosorrisos, estava ali. Viera à Califórnia para passar as férias, chegando a ManhattanBeach em julho (1927). Sentimo-nos abençoadas por ele estar conosco. Mamãe e eu

    estávamos conscientes de sua elevada estatura espiritual, contudo a simplicidade de suasmaneiras permitia que o respeito comum especial que sentíamos se combinassenaturalmente com a amizade que ele nos dava. Ele trouxe uma atmosfera de alegria.

    Durante a visita, mamãe e eu o levamos de carro até Santa Barbara e ficamos em nossacasa. A cidade tinha, na época, um aspecto muito vagaroso; ninguém parecia afobado, oque transmitia um sentimento de tranqüilidade, muito apreciado por nós. Os dias eram

    bonitos e quentes. Swami nadou na praia. Prosseguimos para dar uns passeios por lugarespitorescos próximos, que eram muito belos e cenários de inspiração espiritual.

    Uma tarde, enquanto íamos de carro, meu Guru entrou no estado de samadhi.Externamente imóvel, ele estava interiormente absorto em Deus – sua consciênciacompletamente interiorizada. Eu estava ciente disso; quando o carro chegou em casa,mamãe e o motorista entraram, mas eu hesitei, sem saber se ele queria estar sozinho ou sedesejava que alguém ficasse por perto. Por isso, permaneci por alguns instantes, muitoquieta, e, depois, entrei em casa. Ele entrou mais tarde. Compreendi, algum tempo depois,que quando ele entrava nesse estado de comunhão profunda, era um privilégio para odiscípulo permanecer, meditar em sua companhia e receber a bênção de estar próximo.

    Ele trouxera consigo um harmônio: um instrumento indiano com modulações deórgão e teclado de piano. Ele o usava para acompanhar seu canto em nossas meditaçõesvespertinas.

    Uma vez, fomos de carro até Pismo Beach, muitos quilômetros acima da costa, e jantamos lá. Adorávamos conviver com Swami, e seu senso de humor era daquele queparecia borbulhar de alegria, e todos nós apreciávamos as coisas duas vezes mais.

    Em nossa viagem de volta a Manhattan Beach, ele me contou que tinha visto muitas desuas vidas passadas e, com elas, aprendera que a alma não aceitará por muito tempo nadaque não seja a perfeição. Ele disse:

    – Nenhum ser humano pode dar a alegria que só Deus concede; procure Deus sempre;dê a Ele a sua vida.

    Durante esses dias de verão, amigos ocasionalmente passaram por lá e conheceramSwami. Em todos os ambientes, a conduta dele era cortês e sossegada. Por meio dessaquietude, ele transmitia um entusiasmo e uma doçura que eram sentidos por todos.

    Foi nessa época, que meu pai*  encontrou-se com meu Guru pela primeira vez, epassaram um tempo juntos, em conversa amigável. Meus pais se haviam divorciadoquando eu tinha doze anos. Nenhum deles voltou a se casar e sempre continuaramamigos, com sentimentos de bondade um pelo outro. Durante toda a vida, meu paimostrou interesse por nosso bem-estar e esteve presente em todas as emergências, dando

    * William James Buchanan.

    E

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    conforto e eficiente ajuda. Bastante querido, fez muita falta em minha vida depois de seufalecimento, alguns anos depois.

    Perguntei a Swami o que eu poderia fazer além de estudar e praticar as lições daYogoda. Ele me disse:

    – Medite por mais tempo, com maior intensidade; do contrário a mente apenas mordea isca, mas nenhuma experiência virá.

    Ele sugeriu que eu observasse por algum tempo uma dieta específica, o que fiz,beneficiando-me tremendamente em saúde e energia. Ele também escreveu esta lista:

    1. Meditação2. Dignidade3. Perfeita Cooperação4. Dieta

    5. Não dar motivo à crítica6. “Aprimore-se e sirva por prazer.”7. A solidão é o preço da grandeza.

    Pouco tempo depois, Swami partiu na companhia de seu motorista para meditar emPismo Beach. A pequena cidade costeira, agora florescente, consistia então,principalmente, de dunas de areia ondulantes. Ele permaneceu lá alguns dias. Quandovoltou, o motorista comentou com mamãe, em tom de perplexidade:

    – Eu não sei o que ele fazia. Apenas se sentava no meio das dunas, de frente ao oceano,e ficava lá o dia inteiro, todos os dias.

    Swami retornou com a refulgência daqueles dias de comunhão com Deus em torno desi e, quando entrou na sala, permaneci quieta, sentindo seu êxtase interior. Ele disse aDeus algumas palavras a meu respeito, preciosas e sagradas; então falou, com solenidade:

    – Só me fale de Deus.Naquela vibrante bem-aventurança na qual permanecera em comunhão ininterrupta,

    teria sido doloroso e constrangedor desviar o olhar de sua absorção no Infinito paracolocá-lo em qualquer outro assunto.

    Uma característica de sua autêntica santidade reside na disposição e capacidade deenfrentar o mundo ruidoso da constante atividade pública e lidar com cada dever,enquanto continuava, permanentemente, no santuário da beatitude interior. Aqui, agora,ele podia passear pela Imensidão Cósmica, sem que nem mesmo uma parte de sua menteprecisasse voltar-se para a multidão de afazeres da vida diária. Assim como Jesus ia aotopo da montanha para orar, assim também meu Guru fora à praia para comungar com oPai Celestial.

    Alguns dias depois, Swami deixou a Califórnia. Despediu-se de nós, e disse que nosmanteria em suas orações. Seu itinerário de outono incluía Minneapolis, St. Paul eFiladélfia.

    Mamãe e eu íamos de carro a Mt. Washington para assistir aos serviços de domingo eàs palestras do meio da semana, que eram conduzidos pelo líder dirigente. Ao longo dosanos, sempre participamos regularmente. A distância, da praia até aqui, era de quarentaquilômetros, mas desde então, o tempo de deslocamento foi reduzido, graças às rodovias.Perto da área montanhosa de Mt. Washington, a pessoa subia até a Sede Central por uma

    estrada sinuosa, com um número inacreditável de curvas. Velhas fotografias mostram essecaminho, que agora é usado raramente. A avenida atual tem, comparativamente, poucas

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    curvas. Todavia, lembramo-nos da velha estrada com carinhoso afeto, porque passamospor ela muitas vezes e, quando nela chegávamos, já estávamos perto do nosso destino.

    Swami nos escreveu a respeito do jantar especial comemorativo do segundoaniversário de fundação do Centro de Mt. Washington, em outubro. Ele não poderia

    voltar, mas esperava que estivéssemos presentes. No banquete dessa noite, o instrutorresidente convidou mamãe para falar. Ela me perguntou se eu faria o discurso em seulugar. Falei de nosso amigo muito querido, o fundador desse Centro, Swami Yogananda,que estava conosco em espírito naquela noite.

    Paramahansa Yogananda e Ralph Waldo Trine.(Fotografia tirada pela autora: veja-se pág. 16)

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    CAPÍTULO 4

    VISITAS NO HOSPITAL 

    NZE  meses se passaram antes que meu Guru retornasse à costa oeste. Os doisseguintes excertos de meu diário precederam os dias do regresso de SwamiYogananda à Califórnia, para suas férias de verão de 1928. Eu estava hospitalizada,

    após recente cirurgia, com o corpo inteiro engessado, permanecendo assim durante setemeses.

    7 de julho. Pensei em Deus e na Onipresença enquanto submetia-me à anestesia, masnão pude meditar nos dias seguintes por causa da dor, salvo por uma experiênciamaravilhosa, alguns dias depois. A enfermeira estava ocupada em meu quarto e mamãe,sentada perto de mim. Eu estava acordada, mas fechei os olhos e, instantaneamente,absorvi-me em meu íntimo, inteiramente fora deste mundo. Foi tão de repente! Eu estavalivre da dor; o corpo foi esquecido no sentimento de paz, de amplo espaço, e de Deus. Euestava consciente de ser parte Dele. Aprendi a grande diferença entre a consciência comume a da Eterna Intemporalidade.

    12 de julho. Diariamente, mamãe está de um lado para outro, quase todo o dia. Tenhoum pequeno quarto só para mim. Todos são bondosos. Sinto dor continuamente, e é o que

     posso esperar por alguns dias. O médico me visita todos os dias por alguns minutos. A presença de minha mãe me ajuda a sentir-me melhor: o amor e a ternura dela significammuito para mim.

    O fato de mamãe ser médica deu-lhe o privilégio de permanecer no hospital por umtempo maior.* 

    Um dia, quando mamãe entrou no quarto, notei sua expressão de deleite. Alguémestava com ela, e ela sabia que eu ficaria alegre. Meu Guru estava aqui! É difícil descrevero impacto de sua presença, naquela hora e sempre que eu o via. Externamente, oscumprimentos foram silenciosos; apenas algumas palavras, mas o coração e o espíritoestavam radiantes. Pude senti a radiação que o seu estado sempre-presente de bem-aventurança transmitia. Anotações no diário lembram algumas de suas visitas.

    16 de julho. Swami Yogananda veio ver-me no hospital. Ficou por uma hora. Ele e seu

    motorista têm estado em nossa casa de praia desde hoje cedo.

    17 de julho. Swami e mamãe vieram por algum tempo, e trouxeram balas de leiteinglesas. Depois que se foram, comecei a chorar, sentindo a falta deles. Oh, onde está meuaprendizado de ioga? Se eu apenas pudesse meditar mais…

    * Mamãe recebera seu diploma na Denver and Gross College of Medicine, da Universidade de Denver, alguns

    anos após a virada do século. Mais tarde, foi a Chicago para tomar cursos adicionais na área deotorrinolaringologia, com especialização em oftalmologia. Seu campo de serviço foi o de clínico geral, e elaexerceu a medicina no Colorado, em Utah e na Califórnia, onde foi membro titular da filial da  American

     Medical Women’s Association em Los Angeles. 

    O

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    19 de julho. Swami me trouxe um saboroso prato de caril, que ele mesmo preparou nacasa de praia. Comemos juntos e ele permaneceu por algum tempo. A dor diminuiu e possomeditar melhor agora.

    21 de julho. Estou tão feliz esta noite: Swami Yogananda esteve aqui por duas horas.

    Disse-me que já viu a mãe dele várias vezes, depois que ela faleceu. Também falou demuitas coisas espirituais.

    24 de julho. Swami falou da felicidade que viu entre as crianças deste hospital.Enquanto conversávamos, ele disse: “Vejo casamento para você”. Ele explicou certascondições que eu encontraria se me casasse. (Mais tarde, aconteceram exatamentecomo ele as descrevera.)

    26 de julho. Swami jantou comigo esta noite. Ele me falou da palestra que fizera nodomingo sobre o tema “É esta vida um sonho?” Depois, escreveu dois poemas maravilhosos

    e os leu para mim. Comoveram meu coração. Senti fortemente a santidade dele.

    É possível imaginar as refeições na companhia de meu Guru. Seu prato era colocadosobre uma pequena mesa; minha bandeja ficava a meu lado, pois eu estava engessada esob tração. Que maravilhosa gentileza da parte dele em preparar a comida e trazê-la paramim. Ele sabia da felicidade que essas horas em sua companhia me proporcionavam.

    Mamãe estava vivendo em Los Angeles para ficar perto de mim. Swami a incluiu emmuitos de seus planos de férias. Ele e seu motorista permaneceram em nossa casa de praiagrande parte de suas férias.

    27 de julho. Swami e mamãe vieram ao meio-dia ver meu médico, que os levou a percorrer o hospital e os jardins. É o Dr. G. L. Lowman, fundador deste HospitalOrtopédico Infantil. Swami disse que o doutor está fazendo um trabalho semelhante ao deCristo. (Em 1971, ele recebeu o título de “Médico do Século”.)

    28 de julho. Maravilhosa conversa com Swami. Ele me disse que Deus planeja tudo tãomaravilhosamente quando O amamos e Lhe entregamos nossos corações, enquantoservimos Seu trabalho. Também me contou da feira que ele e mamãe visitaram ontem, emLong Beach.

    Mamãe e Swami foram de carro até Santa Barbara, para verem a Festa Espanhola. Esseevento anual é um animado reavivamento da antiga Califórnia. Os trajes, as canções e asdanças, a parada com os garbosos cavalos de raça, as carruagens de andar vagaroso commembros de antigas famílias espanholas… tudo é festivo, conservando contudo adignidade dos “don” e “doña” da outra geração.

    3 de agosto. Swami me trouxe um presente da Festa. É um disco de prata que se abre e fecha sem qualquer dobradiça externa. A perfeição artesanal é extraordinária. Dentro, háespaço para uma pequena fotografia. Mamãe disse que quando Swami o viu, ficouabsolutamente fascinado pela habilidade requerida para fabricá-lo. Tão amável da parte deletrazê-lo para mim.

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    5 de agosto. Hoje à noite, quando Swami esteve aqui, disse-me que estava partindo para palestrar em Boston e cumprir outros compromissos de conferências. Sentirei a faltadele, mas suas bênçãos continuarão comigo.

    Sei que a cura divina chegou a muitas pessoas pelo canal de meu iluminado Guru.

    Entretanto, jamais busquei ou solicitei qualquer tipo de cura física, por causa de umpedido que fiz a Deus. Eu havia pedido a Deus que trouxesse todos os meus débitoscármicos para esta vida, a fim de que eu pudesse pagá-los e me livrasse deles de uma vez.Posso ter pedido demais, considerando nossas numerosas vidas passadas!

    Uma vez, antes de fazer esse pedido, quando eu tinha 19 anos, recebi uma curainstantânea, graças às orações de minha mãe. Eu estava muito doente e mamãe sentava-seao lado de minha cama, no quarto do hospital. Não soube, senão depois, que ela estiverarezando e que a cura veio a mim como viera a ela uma vez, miraculosamente. Ela rezouporque eu estava muito doente há vários dias. Eu tinha passado esse dia em silêncio,pensando na Estrela de Luz, tentando permanecer tranqüila. No começo da noite, senti derepente a presença de uma Grande Alma no quarto. Eu disse a minha mãe:

    – Há um Mestre aqui.* 

    Ele permaneceu ao pé de minha cama durante vários minutos e, antes que partisse,suas bênçãos livraram-me completamente de meu sofrimento. As orações de mamãeforam respondidas. Eu estava curada.

    Pode ser relevante falar do carma, e de minha crença e aceitação precoces do carmacomo sendo a lei  justa da vida. Deus não planeja nossos destinos; se o fizesse, seríamosautômatos. Nossas próprias inclinações e desejos, fortemente desenvolvidos, tendem a

    dirigir nossas opções de ação; essas ações desenham o projeto de nossas vidas, por meio deseus efeitos resultantes. O carma coloca sobre nós mesmos a responsabilidade por nossasações. A lei de causa e efeito, denominada carma, transfere-se de uma encarnação a outra,dando ao carma um longo espaço de tempo para amadurecer ou cumprir-se, emcircunstância ou ambiente que sejam propícios.

    Todos os aspectos de nossas vidas, não apenas o físico, são influenciados pela lei decausa e efeito, e todas as ações do presente estão sendo tecidas de modo a formar odesenho do amanhã. Se nos transformarmos da maneira correta, nossas curas serãopermanentes, do contrário serão apenas um paliativo. Freqüentemente, a medicinatrabalha com a natureza para curar “com o tempo”, enquanto a pessoa pode aprender a

    lição e pagar a dívida. Curas instantâneas, por meio da ciência e da oração, funcionam deacordo com o carma. Quando um mestre concede a cura, é somente com a permissão deDeus.

    Eu acreditava que, se tivesse semeado um campo com muitas ervas daninhas, deveriacolher o que plantei. Contudo, reconhecia que a oração, o amor e a meditação profundasão forças luminosas, cujo poder curativo pode ajudar a modificar o traçado cármico denossas vidas.

    Algum bom carma floresceu para mim, também! Tive o grande amor e a bondade queme circundaram, e a continuada orientação e paciência de meu Guru, enquanto eu

    resgatava as condições cármicas. Sempre contei com a ajuda incansável dele, para que eu

    * Em visão posterior, soube que fora Sri Yukteswar. 

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    mudasse (a mim mesma), de modo que futuras plantações trouxessem a colheita do tipocorreto de frutos.

    Em meu culto, Deus era sempre o Espírito, a ser percebido na Onipresença e na Luz.

    Estar nessa Luz, sentir a Onipresença no Espírito: eis os meus anseios. Deus como Espíritoera o Deus que eu amava e adorava. Escrevo “Ele” por ser o termo usado por Jesus narelação de filho para com o “Pai Nosso”, nosso Criador. Senti que Deus como Espíritoestava “mais próximo do que o pensamento e o alento”, na Bem-aventurança, Inteligênciae Amor Divino, e sempre presente para cada um percebê-Lo por meio da sintonia.Desconcertava-me pensar que houvesse um aspecto de Deus que fosse mais pessoal doque esse. Assim, foi em uma das muitas ocasiões que meu Guru veio ver-me no hospitalque lhe perguntei:

    – Deus é Pessoal ou Impessoal?

    O Mestre escreveu sua resposta à minha pergunta e, então, a leu para mim. Apresentoaqui sua bela resposta. Foi incluída em seu livro Whispers from Eternity [“Sussurros daEternidade”], publicado posteriormente.

    Tu és Impessoal, Oculto, Invisível, Sem Forma, Onipresente, contudo, congelado porminha devoção, contemplei-Te às vezes como Krishna, às vezes como Cristo – pessoal,visível, aprisionado no pequeno espaço, dentro do templo de meu amor.

    Ó Espírito Oculto, assim como congelaste Tua invisível Infinitude na visível FinitudeCósmica, aparece também a mim, em forma visível e vivente, para que eu Te possa servir.Quero ver-Te como o Oceano da Vida, com e sem as ondas da criação finita.

    Com bênçãos,

    Swami Yogananda

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    CAPÍTULO 5

    A IOGA INVADE O PAÍS 

    MA  carta de meu Guru chegou a nós em maio (1929), de Nova York. Nela, elefalava de seus planos para o verão: “Estou indo ao México, partindo no dia 23 demaio, e depois visitarei Los Angeles por curto tempo”.

    Ele visitou muitas partes do México e, durante sua permanência, encontrou-se com opresidente daquele país, Sr. Portes Gil, por cortesia da embaixada britânica.

    Swami sempre mostrou entusiasmo pelas belezas da natureza em todas as terras.Admirava as maravilhas do Parque Nacional de Yellowstone, o augusto esplendor doAlasca, o empolgante Himalaia e a majestade do Pico Pikes, no Colorado, só paramencionar algumas. No México, ficou encantado com muitos lugares e incluiu os lagos

    Chapala e Xochimilco entre os pontos mais belos da Terra, que ele já vira.Suas férias foram também um tempo de meditação profunda, e durante esse período

    compôs a letra e a música do cântico “Meu Deus, Serei P’ra Sempre Teu”.

    Swami permaneceu no México por muito mais tempo do que planejara. Mamãe e euestaríamos no Colorado no meio do verão e escrevemos perguntando se poderia nosvisitar no caminho. Ele respondeu que podia nos ver.

    30 de agosto de 1929

    Querida Kamala,

    Finalmente consegui algum tempo de folga. Estou atrasado um mês e meio em minha programação.

    Fiquei muito feliz em saber de vocês. Chegarei a Colorado Springs em 4 de setembro,quarta-feira, às 7:15 da manhã. Espero encontrá-las na estação. Muitas coisas para contarquando vir vocês.

    Bênçãos incessantes para vocês duas,

    Swami Yogananda

    Aguardamos ansiosamente a hora em que ele estaria conosco. Alva chuva de neve

    tocava as Montanhas Rochosas no dia que Swami chegou. Fomos encontrá-lo e o levamosde carro ao nosso chalé na montanha. Tínhamos hóspedes, e todos ficamos felicíssimospela oportunidade de estarmos com ele. Foi um tempo de conversas e bênçãos perto dalareira, muito necessária por causa do súbito fim do verão.

    No dia seguinte, fomos de carro até Denver, onde passamos a noite com amigos que,sabíamos, estavam muito interessados nos ensinamentos de Swami. O Mestre,gentilmente, concordou com os planos e viu que esse casal tinha muitas perguntas paralhe fazer. Reconhecendo a grande sinceridade dos dois, perguntou-lhes se gostariam dereceber lições sobre as técnicas. A resposta afirmativa veio com feliz expectativa. À noite,

    todos nós nos sentamos em torno da mesa e lembro-me que praticamos as técnicas deconcentração e meditação enquanto ele as explicava. Ele concluiu com uma bênção,enquanto mostrava a cada um a luz espiritual interior.

    U

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    Nas primeiras horas da manhã seguinte, meu Guru atravessou a rua e dirigiu-se a umparque, de frente à casa. Tudo estava branco com as primeiras neves do inverno. Ali, aolado de uma linda lagoa, havia um lugar segregado para suas devoções, e ele meditounesse ambiente tranqüilo.

    Quando estávamos de partida, nossos amigos nos surpreenderam e deleitaram com opresente do filme de uma viagem à Índia, feito pelo filho deles. Swami adorou ver o filme.Depois que deixou o Colorado, ele o exibiu em muitas cidades durante suas viagens deconferências, e fez uma palestra especial intitulada “Visões da Índia”.

    Quando chegou sua hora de despedida, estávamos naturalmente relutantes em vê-lopartir. Quando entrou no trem que o levaria embora, veio-me um sentimento de solidão,mas estávamos felizes porque ele conseguiu inserir esses dias em sua agenda ocupada.

    É difícil descrever o imenso escopo de suas atividades, que começaram com suaprimeira viagem transcontinental de conferências, em 1924, e prosseguiram por todos os

    anos seguintes. Cidadãos de todas as profissões apoiaram sua mensagem: educadores,advogados, ministros religiosos, juízes, editores, deputados e homens de negócios. Ele foiconvidado a falar em universidades, clubes e igrejas de muitas denominações. Em diversascidades, foi convidado de honra a muitos banquetes. Tudo isto em acréscimo a suaspalestras e aulas programadas.

    Swami Yogananda foi apresentado ao presidente dos Estados Unidos, Sr. CalvinCoolidge, na Casa Branca, pelo Sr. John Balfour, da embaixada britânica. A National Leagueof American Pen Women, em Washington, deu-lhe uma recepção de honra.

    “Nunca antes o Capitólio Nacional teve uma efusão tão grande de bênçãos espirituaisderramadas em todas as linhas de credos”, comentou Sr. Louis Van Norman, então adidode assuntos comerciais do U. S. Department of Commerce  e antigo editor do The Nation’sBusiness.

    Recortes de jornais da época mostram o grande entusiasmo com que todas as partes daAmérica o receberam. Em Washington, D.C., o Washington Herald declarou: “Multidõesestão concorrendo para ouvirem Swami Yogananda, ilustre sábio da Índia que estáconduzindo uma série extraordinária de doze palestras públicas no Washington

     Auditorium,  sob o patrocínio de uma comissão de cidadãos de destaque do CapitólioNacional. Na semana passada, suas platéias aumentaram a cada noite, em número eentusiasmo, e agora toda a capacidade do Auditorium (6.000) está completamente tomada.”

    O Washington Post escreveu: “Swami quebrou todos os recordes de manter o interesseque ele mesmo despertou nos milhares que já o ouviram falar”.

    Quando Swami falou em Buffalo, o Courier-Express noticiou: “Mais de 3 mil pessoasouviram sua primeira palestra. A audiência superlotou os assentos disponíveis no salão, emuitos ficaram de pé durante as duas horas.”

    O Pittsburg East Liberty Tribune escreveu: “A aula de Yogananda para quase milpessoas foi uma revelação para a população conservadora de Pittsburg.(…) Eleentusiasmou e surpreendeu Pittsburg inteira com suas lições e palestras a respeito do usoe da conservação da energia vital.” O jornal acrescentou que Swami foi hóspede do juiz A.

    D. Brandon, do tribunal de costumes. O juiz queria ver a reação da mente de um orientalaos delitos dos ocidentais. Ele comentou: “A doutrina de Swami, do amor que tudo

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    permeia e para que sempre nos voltemos à luz da compreensão, estendia-se até às misériasque ele viu no tribunal”.

    O Cincinnati Enquirer escreveu: “Swami Yogananda, educador, filósofo e poeta hindu,abordou todas as questões com naturalidade imparcial, perante um grupo de jornalistas.

    Seu inglês era perfeito e fluía com facilidade, enquanto ele debatia religião, política,misticismo, poesia e reformas, acrescentando ocasionalmente definições que mostravamnão ser ele um mero lexicógrafo. Cada questão provocava uma resposta em que eraexpressa uma idéia infinita. Não há sinal de juventude ou de velhice em seu rosto.Fitando-lhe os olhos, que se diriam quase inocentes, não se poderia ver neles um traço damarcha do tempo.”

    O Detroit Free Press declarou: “Ele não tem credo do gênero sectário.(…) Elemodernizou algumas das práticas mais antigas da Índia. É um fervoroso defensor da pazmundial e da fraternidade humana.”

    A respeito de Yogananda, o Los Angeles Times escreveu: “Um hindu invadindo osEstados Unidos para trazer Deus (…) em meio a uma comunidade cristã, pregando aessência da doutrina cristã”.

    A revista bimensal East-West era publicada regularmente, representando de modooficial o trabalho da Yogoda e mantendo os membros informados de todas as atividades.Apresentava tópicos de valor espiritual. O primeiro fascículo foi publicado em novembrode 1925 e continha um relato do trabalho de Swami na Índia e na América.

    Esta revista continua sendo publicada por mais de meio século, embora, por muitosanos, impressa com o título de Self-Realization.* 

    O símbolo usado em todas as literaturas da SRF representa o lótus. Sobreposto a ele,um disco dourado que contém um centro azul escuro e, dentro dele, uma estrela de luzprateada. Esta é a descrição do “olho único” visto em meditação, que está em todos nós efoi mencionado por Cristo, quando disse: “Se, portanto, o teu olho for único, todo o teucorpo estará cheio de luz” (Mateus 6:22).

    As atividades da Yogoda Sat-Sanga estão espalhadas por toda a Índia, com muitos Ashrams da YSS em diversas partes do país. Lá, Swami também fundou internatos, paradar às crianças uma educação completa. Treinamento iogue em concentração, meditação,exercícios de energização e valores morais são ensinados, junto com o currículo acadêmicobásico.

    Swami Yogananda veio aos Estados Unidos em 1920 como delegado da Índia aoCongresso de Religiosos Liberais, em Boston. Nessa assembléia, ele falou a respeito de  ACiência da Religião – uma palestra posteriormente elaborada no seu livro de mesmo título.† Ele primeiro fundou um centro em Boston, e lá permaneceu por quatro anos, ensinando.Foi em sua viagem à costa oeste, em 1924 e nos anos subseqüentes, que ele levou amensagem da Ioga prática para toda a América.

    * Designada “revista da SRF” em outras referências nestas páginas. 

    † The Science of Religion, publicado pela Self-Realization Fellowship. (N.T.)

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    CAPÍTULO 6

    PRECIOSOS PRECEITOS 

    WAMI retornou em novembro (1929) a Los Angeles, onde fez palestras e permaneceupor algum tempo em Mt. Washington. Mamãe e eu estávamos de novo na Califórniae assistimos a suas conferências. Também estávamos presentes nas meditações e

    festividades do Natal, quando Swami foi o anfitrião para a reunião de discípulosresidentes e convidados.

    Essa época prefaciou o advento do novo livro de meu Guru, Whispers from Eternity [“Sussurros da Eternidade”]. No cartão de Natal que dele recebi estava escrito:

    Para Kamala, Por sua imorredoura devoção a Deus e à Yogoda. Bênçãos incessantes.Um Whispers from Eternity logo estará saindo, para sussurrar Deus eternamente a você.

    Swami Yogananda

    Suas palavras, como sempre, exprimiam a verdade. Essas orações plenas de inspiraçãotêm erguido meus pensamentos a Deus. Seus preceitos orientadores, expressos em figuraspoéticas, estão inflamados com sentimento devocional pelo Infinito.

    Seu livro Whispers from Eternity reflete os Sussurros de Deus em sua alma.

    No cartão de Natal de mamãe, ele também escreveu uma saudação especial emencionou o volume que ela receberia. Quando nossas cópias chegaram, ambas vieramautografadas e incluíam uma mensagem para cada uma. Em minha cópia, ele escreveu:

    Para Kamala: Mire firmemente a Estrela Polar de Sua Presença. Ele sabe que você estátentando alcançá-Lo, apenas continue tentando. Assim que O convencer, ali Ele estará.Sem desvios, vamos correndo a Seu encontro.

    Swami Yogananda

    Em janeiro (1930), Swami foi convidado a fazer o discurso principal na consagração doTemplo Sique, em Stockton, na Califórnia. Diversas pessoas de Mt. Washington estavamindo para acompanhá-lo, e mamãe levou algumas delas em seu carro.

    Quando chegamos ao templo, Swami deixou o carro e misturou-se com os homens queestavam nos jardins, em volta do novo edifício. Uma animada discussão estava ocorrendo.Os membros siques (todos, homens) debatiam se deviam introduzir cadeiras no templo,ou se deviam sentar-se no chão atapetado: o novo versus o antigo. As cadeiras venceram!Os ofícios foram celebrados naquela noite e o discurso de Swami foi feito em sua línguamaterna.

    Quando entrei no templo naquela noite, com nosso grupo, eu não sabia que todos osmembros da fé sique tinham o sobrenome Singh. Antes que a cerimônia começasse, o Sr.Singh que viera no carro conosco estava sendo procurado por Swami. Todos estavamsentados e fui enviada para pedir-lhe que viesse ao fundo da sala. Desci o corredor e

    quando o vi, algumas fileiras adiante, chamei em um sussurro audível: “Sr. Singh”.Quando fiz isto, todas as cabeças no espaçoso salão voltaram-se para mim! Vou-me abster

    S

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    de descrever meus sentimentos, mas o “nosso” Sr. Singh respondeu e veio para o fundo dasala.

    Passamos a noite em Stockton. Em nossa viagem de regresso, ocorreu um incidenteque revelou a percepção de meu Guru. Tive um aperto no coração quando soube da

    história toda. Em nosso carro, mamãe e outras pessoas alternavam-se ao volante. Eu fuicom Swami no carro dele. Quando chegamos à velha e sinuosa Ridge Route, além deBakersfield, a neve estava caindo e grande parte dela estava se transformando em gelo. Foiali que Swami pediu que seu carro parasse, e que se fizesse sinal para que o carro demamãe parasse também. Ele acautelou mamãe e os outros para que dirigissem com muito,muito cuidado. A mim, ele disse:

    – Vejo algum perigo.

    Eu tinha fé em que suas orações nos dariam a divina proteção. Soube da gravidade doperigo quando mamãe comentou comigo, por puro acaso, muito tempo depois. Disse-me

    que enquanto dirigiam pela estrada montanhosa, íngreme e escorregadia, ela falou com omotorista, mas ele não respondeu. Ele estava dormindo ao volante! Ela tomou a direção nomomento exato.

    Um dia, Swami convidou a mamãe e a mim para virmos a Mt. Washington eacompanhá-lo a um piquenique, na manhã seguinte bem cedo. Fomos inevitavelmenteretidas em Manhattan Beach, o que nos fez chegar atrasadas, e o encontramos ocupadocom o trabalho organizacional, assuntos importantes que exigiam sua atenção. Swami noscumprimentou e, então, disse:

    – Vocês estão atrasadas!

    Mamãe respondeu que lamentava muito.– Mas – ela acrescentou – eu sabia que não importa o quanto atrasadas estivéssemos,

    ainda assim chegaríamos antes.

    Ele lhe pediu que repetisse essas palavras, ditas com tanta espontaneidade, paracertificar-se de que as ouvira corretamente. Então, seus olhos encheram-se de umaexpressão de divertimento, e ele gostou de repetir essa afirmação ambígua, rindo comapreciação da verdade que ela continha. O atraso era comum, devido às muitasinterrupções que impediam sua saída. Naquele dia específico, saímos com ele de Mt.Washington para nosso piquenique às 6 horas da tarde. Esta era uma das razões por que

    meu Guru freqüentemente voltava à nossa casa de praia durante as férias: para afastar-sepor alguns dias das constantes demandas de seu tempo.

    Raramente tirávamos fotografias de Swami, já que sua vida durante o ano inteiro eratão cheia de atividades que nos parecia uma cortesia não lhe pedir para posar. Mas nãoacredito, quando penso nisto agora, que ele tivesse se importado, e adoro as poucasfotografias que dele tenho. Várias delas aparecem nestas páginas.

    Um dia, quando estávamos na casa de praia com Swami, trouxe-lhe um caderno eperguntei se escreveria algo nele. Ele assentiu e pegou a caneta. Por um momento, fitou omar azul e escreveu:

    O oceano lá fora é imóvel, nem sempre ao alcance – por isto, banhe-se no Mar SemPraias, que você sempre traz em seu íntimo, nas ondas vibrantes da alegria, que semprebrotam do contato com Deus – sempre que quiser, em qualquer tempo, em toda parte.

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    Aprendi, pela observação, muitos preceitos de meu Guru. Notei como elecumprimentava as pessoas com uma amizade e cordialidade que a todos incluíamdivinamente. Seu sorriso e expressão mostravam igual respeito para com todos. Tornou-seuma lição para mim, quando eu observava as outras pessoas na troca de olhares quesugerem galanteios. Percebi que o magnetismo dos olhos é um poder que pode refletir oego, atraindo a atenção para si próprio quando usado dessa maneira. Mas esse podermagnético pode ser transformado no fulgor do divino sentimento por todos, quandoreflete a vasta Alma, como no exemplo de meu Guru. O contraste era tão marcante, quesenti que era um preceito a ser imitado, se a pessoa estivesse buscando Deus comseriedade.

    O Mestre dava ajuda prática para a solução de problemas nos negócios e em outrasáreas para se ganhar o meio de vida. Nas leis do êxito que ensinava, ele dava ênfase àoração e à compreensão da influência magnética do ambiente. Obtemos benefícios quandonos associamos com os outros em seu ambiente de sucesso. Isto também se aplica à

    espiritualidade. Swami falava das qualidades divinamente magnéticas das vidas dossantos e dos lugares sagrados, que podem influenciar fortemente os que são receptivos.

    Para mim, as seguintes palavras do Mestre continham uma declaração surpreendente:“A companhia é mais poderosa do que a força de vontade”! Foi preciso que eu meobservasse por um longo tempo para compreender plenamente essa verdade pragmática.Comprovei que recebemos, daqueles que vemos mais freqüentemente, as atitudes, asidéias, as maneiras de falar, os hábitos, os ideais, ou a falta deles. Pode ser imediatamente,ou mais tarde, depois que eles se afastaram de nossas vidas. Mas eles deixam suasimpressões. Nós absorvemos inconscientemente e somos influenciados em um grau muitomaior do que percebemos. A companhia mundana tira da mente os pensamentos a

    respeito de Deus. Da boa companhia, recebemos benefícios. O Mestre escreveu: “Oambiente é da maior importância”.

    Swami disse: “Uso a minha sensibilidade apenas para absorver a espiritualidade”.Observei que ele permaneceu fiel a esse raro preceito durante todos os anos. Como énatural reagirmos a humores, comentários e atitudes negativas dos nossos associados! Elenunca fez isso, mas as portas de sua compreensão estavam escancaradas para qualquerum que demonstrasse um interesse sincero pelas coisas do espírito. Uma vez, quandoestava sentado no trem, em profundo estado meditativo, o cobrador passou por ele muitasvezes, fitando-o admirado; finalmente, deteve-se e disse:

    – O senhor parece tão tranqüilo, sentado aí.Swami respondeu:

    – Quisera que você pudesse sentir o que estou sentindo.

    O homem replicou:

    – Pois eu quero!

    O Mestre ofereceu-se para ensinar-lhe como encontrar essa paz na meditação. Quandoo cobrador terminou suas obrigações, voltou ao Mestre, que lhe ensinou as técnicas daslições.

    Swami sempre agia com vontade positiva; nada fazia com indiferença. Dizia: “Exercitesua vontade em tudo que faz”. Seus preceitos descrevem a vontade cega, a vontade

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    ponderada e a Vontade Divina. Refleti sobre esta última, procurando o que significava aVontade de Deus com relação à minha própria, para saber como diferenciá-las. NossoGuru nos lembrou que a Vontade de Deus não está separada da nossa: “Se sua vontade éguiada pela sabedoria, ela é a Vontade de Deus. Se sua vontade é guiada pelo ego, não tema aprovação divina. Faça o melhor que puder. Deus quer de nós a continuidade de esforço,e que não devemos fugir de nossos deveres.”

    Quando o Mestre disse: “Concentre-se nas similaridades, não nas diferenças”, referia-se às nações e às pessoas em seus múltiplos relacionamentos: familiar, social e profissional.Descobri que essa é a chave para estabelecer harmonia com os outros. Dissolve atitudescríticas, pois as diferenças separam as pessoas. Aproximamo-nos mais uns dos outros,quando mantemos nossa atenção nas coisas que temos em comum.

    O uso de cânticos devocionais pelo Swami enfatizava as bênçãos que podem serpercebidas por meio dessa forma de culto. Cantar nos ajuda a entrar em sintonia comDeus. Pode aliviar tensões e distúrbios emocionais, criando assim uma quietude interior.

    Como ocorre com as afirmações, o poder vibratório inerente a certas palavras chega aofundo de nossa consciência por meio da repetição, e influencia nossos afazeres diários,como também nossa vida espiritual interior.

    Uma tarde, em Mt. Washington, Swami dirigiu-se à varanda do quarto andar (quemais tarde foi fechada), para um período de culto. Quando desceu para o salão, ondevários de nós estávamos presentes, comentou que quando estivéssemos meditando nãohavia a menor necessidade de fazermos ostentação, falando sobre isto. Ele aconselhou quea pessoa pode simplesmente dizer: “Eu estava um pouco ocupado”.

    Meu Guru me disse: “Quando os outros terminam, estou apenas começando”. Às

    vezes, quando eu estava para concluir minhas meditações, lembrava-me de suas palavrase continuava; freqüentemente para ser abençoada em uma medida não alcançada durantea primeira parte.

    Os primeiros esforços para tornar-se quieto são difíceis para quase todos. Não é fácilretirar-se da costumeira identidade e do apego com relação ao corpo e suas posses.Raramente sabemos como desligar-nos de nossas memórias, das lembranças dos eventoscotidianos e de toda inquietude mental, emocional e física. O método “Hong-Só” deconcentração, que o Mestre nos ensinou, confere quietude à mente e ao corpo. A paz emuitas outras bênçãos são encontradas nesse estado de relaxamento; uma quietude emque a respiração esquece seu movimento incessante. Essa lição de Ioga tem sido para mimda maior ajuda. Acredito que foi minha prática regular e prolongada dessa importantetécnica que abriu caminho para o grande número de bênçãos que recebi de Deus e doGuru. Firme na prática diária, acrescentei outros momentos a esse exercício: enquantoviajava ou aguardava minha vez em compromissos, ocasiões em que os outros não notamo que a pessoa faz quando está sentada em silêncio.

    Na meditação, procuramos viver nessa Consciência pura, que permanece imutável portoda a eternidade. Apenas essa Consciência pode conhecer Deus. Os avatares, vivendonesse estado iluminado, oferecem ajuda aos seres humanos. “A sabedoria é implantadapelo Guru”, disse o Mestre, “mas a receptividade e o poder de crescimento precisam ser

    fornecidos pelo devoto.”Somos propensos a permanecer nas trilhas familiares dos hábitos, das tendências e das

    inclinações, e seguir em círculos uma rota bem conhecida: movendo-nos, mas sem subir.

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    Os Preceitos do Guru podem ser estranhos no que se referem à prática e às disciplinas daioga, mas nos levam para cima, onde a alma deixa cair seus arreios transitórios e sualimitada submissão aos sentidos, para reivindicar a Liberdade e a Soberania do Espírito.

    Meu Guru ensinou que se “olharmos para o Puro Facho Luminoso da Presença de

    Deus”, veremos que a substância fantasmagórica das imagens que se movem na tela davida provêm, todas elas, da Divina Cabine de Projeção. É só quando tiramos os olhos dascenas e miramos para cima, que podemos ver o Facho Luminoso que é projetado da cabine.É nesse Facho que percebemos a Realidade, não nos movimentos sobre a tela.

    Yogananda, poeta, sábio da Ordem dos Swamis

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    CAPÍTULO 7

    RECEBO INICIAÇÃO EM K  RIYA 

    933 foi um ano em que vi meu Guru freqüentemente, quase todos os dias, a começarcom sua visita inesperada à nossa casa de Santa Barbara, em 4 de janeiro. Quemaravilha receber essa bênção! Fiquei saturada pela felicidade que sua presença

    tranqüila sempre trazia.

    Ele viera para fazer uma série de conferências públicas e aulas. Assisti a todas e anoteitaquigraficamente suas palestras. Eu tinha acabado de completar um curso desecretariado, com duração de 15 meses, na Santa Barbara Business College, que agora seprovou útil para o serviço à obra do Guru.* 

    Anotei em meu diário que Swami esteve conosco no dia 5 de janeiro. Muitos anos

    depois, eu soube que esse era o dia de seu aniversário. Ele não fez menção a isso, mas comcerteza encontrou nossos corações repletos do feliz regozijo por sua presença entre nós.

    Ele estava hospedado em um bangalô alugado, na companhia de seu motorista e deEttie Bletch, uma discípula de Mt. Washington, que cuidava das coisas para ele durante asérie de palestras. (Mais tarde, ela o acompanhou à Índia.) Houve um terremoto em LosAngeles naquela ocasião, e ele tomou o carro para lá imediatamente, para ver se todos emMt. Washington estavam bem e dar-lhes o conforto de sua presença. Ettie me convidoupara ficar com ela. Ficou contente porque pude vir, e tornamo-nos boas amigas. Duranteessa época, transcrevi a máquina algumas das palestras de Swami, a partir de minhasanotações taquigráficas.

    Quando Swami retornou, todos vieram a nossa casa, para o resto de sua estadia emSanta Barbara, enquanto ele conduzia as aulas. Do quarto que ocupou quando lá esteve,ele podia contemplar o nascer do sol sobre as águas espelhadas da baía e, ao crepúsculo,podia ver os últimos raios do sol que mergulhava no oceano, no horizonte ocidental. Essavisão panorâmica incluía a longa extensão das Montanhas Santa Inez. Os carvalhos eeucaliptos que circundavam os montes criavam um cenário encantador para a cidade deSanta Barbara.

    Todas as palestras e lições do Mestre eram feitas de maneira improvisada, emboraseguissem uma ordem de pensamento preparada de antemão. Quando ia de carro com ele,

    certo dia, perguntei-lhe se ele poderia contar, durante a aula, duas histórias a respeito deum grande iogue, o rei Janaka. Eram minhas favoritas, dentre as que eu lhe ouvira contaranteriormente. Ele respondeu:

    – Bem, elas não combinam com a lição desta noite, mas vou contá-las, se você deseja. –Com sua maneira atenciosa, e para meu deleite, ele narrou as histórias, e todos adoraram.

    As histórias que Swami entremeava em seus ensinamentos podiam ser ouvidas muitasvezes, com crescente percepção de seu valor instrutivo. Muitas delas estão agoracompiladas nas Lições Praecepta da SRF. Uma que eu gosto descreve, de modo divertido,uma cobra perigosa que se reformou a pedido de um santo e, depois, quase perdeu a vida

    *  Meus estudos acadêmicos foram, anteriormente, na Santa Barbara State Teacher’s College; depois, naUniversidade da Califórnia, em Los Angeles, e cursos de pós-graduação na San Francisco State College. 

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    quando deixou de ser temida. Quando a pobre serpente, toda ferida, descreveu sua tristecondição ao santo, o sábio replicou: “Eu lhe disse que não mordesse, mas não disse quenão silvasse”.

    A maneira de meu Guru de contar histórias era inigualável. De vez em quando ele

    habilmente usava mímica para retratar uma atitude, como, por exemplo, quando narroueste incidente de suas memórias de infância. Uma senhora da família passava muitotempo “em meditação” e, por causa disto, considerava-se extremamente piedosa. Essaopinião não era compartilhada por todos! Swami começava a questionar os benefícios dameditação, pois não se via qualquer influência benigna dos anos de prática dessa senhora.Ele então começou a observar que, durante o dia inteiro em que ela passava em retiro,numerosos envolvimentos com atividades externas formavam um padrão regular. Ela, nasmuitas horas que passava “em reclusão”, mantinha um ouvido habilmente atento esintonizado com tudo o que se passava na casa e, freqüentemente, aparecia para dar umareprimenda, uma instrução ou incluir uma lista quando alguém saía para o mercado.

    Devido a seus interesses externos, só lhe sobravam momentos excessivamente curtos paraa comunhão divina. Quando o Mestre percebeu essa conduta, sua fé na meditação foirestaurada! Ilustrava graficamente para nós a importância da atenção focalizada nointerior, durante a meditação, se dela queremos obter benefícios.

    Um dia, Swami entregou-me para ler um artigo que acabara de escrever sobre “O queacontece durante o sono?” Estávamos na praia, e ele caminhou pela orla, sobre a areia,enquanto eu lia. Quando voltou, perguntou-me:

    – Leu tudo? Fale-me sobre ele.

    Comecei a descrever os pensamentos que o artigo continha. Quando ele ficou

    inteiramente satisfeito por eu ter compreendido, acenou com a cabeça e disse:– Sim, é isto mesmo.

    Uma noite, achei sobre a mesa o livro  Metaphysical Meditations [“MeditaçõesMetafísicas”]  do Mestre. Absorvi-me imediatamente no livro, lendo as belas orações eafirmações que canalizam a mente e o coração para Deus.

    Uma tarde, eu estava saindo da Trenwith’s Department Store, e o carro de Swami estavaparado ali, esperando por mim. Mamãe lhe dissera que eu estava na cidade e ele disse queme levaria de carro para casa. Foi tão inesperado vê-lo ali! Senti como se o fulgor do solestivesse iluminando e aquecendo toda a área e os arredores. Como se pode descrever essa

    força espiritual?O Mestre estava examinando uma nova edição do Rubaiyat de Omar Khayyam, que

    tínhamos comprado recentemente, e começou a falar dos significados profundos, ocultosnos versos. Insistimos para que ele ficasse com o exemplar. Essa edição fora impressa comcada estrofe colocada no topo da página, deixando o resto inteiramente em branco. Swamicomeçou a escrever debaixo de cada verso. Sua interpretação completa do significadointerior do poema inteiro apareceu em fascículos sucessivos da revista da SRF. Ele mefalou, depois:

    – Foi todo este espaço em branco, em cada página, que me encorajou a escrever as

    interpretações espirituais – disse, piscando um olho, ao admitir sua própria reação naturala esses espaços vazios.

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    Meu Guru viu meu jogo de xadrez um dia, e comentou:

    – Temos tão pouco tempo para realizar Deus completamente…

    Ele não sugeriu que alguém se afastasse das recreações sadias, mas eu vi a verdadeque ele estava me transmitindo. Diz respeito ao sem número de coisas que deixamos que

    absorvam horas preciosas. Podemos escolher o que é valioso para nós. Esta foi uma dicaimportante em minha vida, porque me levou a observar as atividades (além dos deveres)que enchem nossas horas, e a estar consciente dos interesses que absorvem nossospensamentos. Descobri que muitas atividades podem ser desfrutadas, ocasionalmente,sem a necessidade de infinitas repetições.

    Mamãe uma vez perguntou ao Mestre o que fazia quando mulheres paqueradorasvinham até ele para consultas. O Mestre respondeu, com uma risada:

    – Falo de assuntos transcendentais com elas. Isto as desencoraja completamente.

    Tínhamos um pequeno recipiente de cobre, selado, contendo água do rio Ganges.Mamãe o deu a Swami, que pareceu satisfeito. Muitos anos depois, quando estive afastadade Mt. Washington por um tempo e voltei para ver meu Guru, ele me cumprimentou e,depois, colocou esse memento em minha mão, perguntando se eu me lembrava. Foi umgesto muito atencioso. Esse objeto, esquecido até aquele instante, trouxe de volta esses diasem Santa Barbara, que mamãe e eu tivemos o privilégio de compartilhar com ele.

    Uma tarde, Swami estava folheando as páginas de um álbum de fotografias, vendocada retrato com evidente interesse, mas sem fazer qualquer comentário, até que chegou auma criança de três anos de idade, de pé sobre uma cadeira, com uma expressão séria (eumesma). Ele apontou para ela e disse:

    – A Pequena Oradora. – Sua observação foi uma previsão precisa dos anos posteriores,em que palestrei e dei aulas da SRF.

    O Mestre concluiu essas aulas em Santa Barbara com a especial Iniciação em Kriya.Escrevi em meu diário: “Guardo esta Iniciação como um tesouro – um presente de Deuspor meio das bênçãos dos Gurus. Esses ensinamentos são o que há de mais maravilhosopara proporcionar o jubiloso contato com Deus.”

    Esta foi a primeira das muitas vezes em que eu receberia Kriya de meu Guru. A belacerimônia que acompanha a Kriya ajuda a imprimir o seu propósito sagrado na consciênciado devoto.

    Swami costumava conversar e meditar conosco, perto da lareira. Uma noite, ele mepediu que “pensasse a respeito de palestrar para a Yogoda”. Ele sabia que meu interesseera servir em seu trabalho, mas até então eu não tinha pensado em palestrar. Depois quesuas aulas foram concluídas, ele voltou para Los Angeles. Logo depois, recebi dele estacarta:

    8 de fevereiro de 1933

    Querida Kamala,

    Fiquei muito alegre em receber sua carta e saber dos cumprimentos de sua mãe. Estouanexando a programação de palestras em Hollywood, para seus amigos. É maravilhoso vervocê cooperar com a Yogoda.  É o que sempre quis que você fizesse. Eu lhe darei umacópia de todas as minhas palestras e números atrasados da revista East-West (SRF), para

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    que você se prepare para palestrar. Gostaria de saber se você pode vir no dia 26, paradiscutirmos o assunto. É necessário fazer um planejamento completo.

    Com bênçãos incessantes para você e sua mãe,

    Swami Yogananda

    Fui a Mt. Washington na data que ele mencionou. Mamãe estava trabalhando comuma tradução e permaneceu por ora em Santa Barbara. Assisti às aulas avançadas queSwami conduziu em Hollywood, as quais incluíram uma cerimônia de Kriya. Seguiu-seuma série de palestras em Los Angeles, e fiquei para ajudar na venda de livros e no quefosse necessário. Quando a secretária dele precisou afastar-se inesperadamente, tambémservi nessa função.

    Era uma vida ativa, muito ocupada. Durante o dia, o Mestre dava entrevistas de meiahora cada, assim já estávamos na cidade por volta das 8 horas da manhã, e suas consultascontinuavam sem pausa até o final do dia; depois regressávamos a Mt. Washington, por

    uma hora, até as aulas noturnas.Antes de sair para sua palestra, o Mestre passava por seu quarto e permanecia de pé,

    em silêncio reverente, diante de uma grande fotografia de seu Guru, Sri Yukteswar. Comoé estimado o Guru no coração do discípulo – laço alicerçado sobre um vínculo eterno, quenão muda!

    Ao acabarem as palestras noturnas e entrevistas, voltávamos para casa, para termos onosso jantar, um tanto atrasado, que o Mestre compartilhava comigo e duas outrasdiscípulas. Havia tempo para um pouco de sossego, ou pequenas tarefas, depois ameditação e, geralmente, cada um se retirava para dormir às 4 horas da madrugada. Sono

    rápido! Esse período em que dormimos apenas três horas por noite, sem cochilos duranteo dia, durou exatamente um mês, e quando mamãe veio a Los Angeles, ficamos surpresasao constatar que eu tinha ganhado, nesse curto tempo, os quatro quilos e meio de queprecisava. Parecia um milagre. Entretanto, discípulos próximos do Mestre podem dartestemunho de bênçãos semelhantes.

    Meu Preceptor às vezes me pedia para datilografar as anotações que fiz de algumas desuas palestras. Lembro-me que uma vez prossegui pela noite adentro, a fim de completá-las pela manhã. Todos se retiraram para dormir ou meditar, enquanto minha máquina dedatilografar continuou trabalhando durante horas. Quando eu transcrevia a última página,naquela madrugada de primavera, a luz estava aparecendo. Mais tarde naquele dia, oMestre perguntou:

    – Já terminou?

    Apresentei-lhe o trabalho, e seu comentário de aprovação foi a respeito de minhaautodeterminada perseverança, e não pelo manuscrito em si. Não senti cansaço; energia ebe