bairro da lata - john steinbeck

147

Upload: itachi

Post on 16-Nov-2015

43 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

bem falado

TRANSCRIPT

  • A violncia, a misria e o vcio de que to frequentemente se revestem as personagens de Steinbeck so como que elementos de contraste destinados a realar a generosidade e humanidade dessa mesma gente. Pcaras e dramticas, as histrias de Bairro da Lata ilustram admiravelmente uma atitude moral bem caracterstica de um dos maiores romancistas norte-americanos.

  • ICanneryRow,emMonterey,naCalifrnia,umpoema,umfedor,uma

    estridncia, uma gradao de luz, um som, um vcio, uma nostalgia, umsonho. Cannery Row acumulao e desperdcio; lata ferro, ferrugem egravetos; pavimentos escavados, terrenos de ortigas e amontoados decordame; fbricas de enlatar sardinhas de chapa ondulada, dancings,restaurantes,bordisepequenasmerceariasatravancadas;laboratriosealbergues.Os seushabitantes so, comodisseohomemcertavez,piegas,alcoviteiras, batoteiros e ilhos dame, como que pretendia dizer toda agente. Tivesse o homem espreitado por outra frincha e talvez dissesse:santoseanjos,mrtiresehomensbons,esignificariaamesmacoisa.

    Pela manh, quando a frota da sardinha fez boa safra, entram asbarcaas na baa a apitar, balouando pesadamente. Cheios a deitar porfora,osbarcosacostamali,ondeorabinhodasfbricasmergulhanabaa.

    Aimagemdeavisadaescolha,porqueseasfbricasmergulhassemaboca na baa as sardinhas enlatadas que emergem do extremo opostoseriam, metaforicamente pelo menos, ainda mais repugnantes. Depoisestridulam as sereias das fbricas, e em toda a vila homens e mulheresen iam as suas andainas e correm direito ao Bairro para dar comeo faina.

    Automveis reluzentes levam as classes superiores, ossuperintendentes,osguarda-livros,ospatres,que logodesaparecemnosescritrios. Da vila surgem italianos, chineses e polacos em torrente,homens emulheres de calas, casacos de borracha e aventais de oleado.Chegam correndopara limpar, cortar, lotar, cozinhar e enlatar o peixe. Arua todarumoreja,geme,guincha, trepida,enquantoosprateadosriosdepeixeseescoamdosbarcos,osquaisvoalteandomaisemaisat icaremvazios. As fbricas rumorejam, trepidam e guincham at o ltimo peixeestar limpo, cortado, cozinhadoeenlatado;eentoestridulamdenovoassereias,eositalianos,oschineses,ospolacos,homensemulheresapingar,estafados,fedorentos,arrastam-sederreadospelomonteacimaacaminhodavila,eCanneryRowvoltaaserelemesmotranquiloeencantado.Asuavidanormalrestabelece-se.

    Os ralaos que, indignados, se acolheram debaixo do cipreste negrovo sentar-se nos canos ferrugentos do terreno baldio; as pequenas daDora saem em busca de um pouco de sol, se o h; o doutor emerge doLaboratrioBiolgicoOcidental, atravessaa ruaevai merceariadoLee

  • Chongpordoisquartilhosdecerveja;Henri,opintor,fareja,qualpodengo,por entre a tralha no terreno das ortigas, procurando um pedao demadeiraoudemetaldequecareceparaobarcoqueestaconstruir.Jsein iltra a escurido; acende-sea luzda rua fronteira casadaDora olampio que derrama em Cannery Row permanente luar. Ao BiolgicoOcidentalchegamvisitasparaodoutoreesteatravessaaruaevaiaoLeeChongporcincoquartilhosdecerveja.

    Como emprestar aqui vida ao poema, ao fedor, estridncia, gradao da luz, tonalidade, aovcio, ao sonho? Quando se colecionamanimaismarinhosencontram-severmesespalmadosquedetofrgeissetorna impossvel colh-los intactos porque ao tocar-lhes se partem edesfazem. preciso deixar que se arrastem e deslizem por si prpriosparauma lminaedirigi-losentocuidadosamenteparadentrodo frascode gua domar. Ser esse talvez o processo para escrever este livro abrirafolhaedeixarqueashistriasdeslizemparaelaporsiprprias.

    AmerceariadeLeeChong,conquantonofosseummodelodeapuro,eraummilagrede fornecimento.Exguaeatravancada,masnoseunicocompartimentoquemquerpodiaencontrar tudooquedesejavaedoqueprecisava para viver e ser feliz roupas, comida, tanto fresca como emlatas, alcois, tabaco, apetrechos de pesca, mquinas, beros, cordame,bons,costeletasdeporco.Podia-seadquirirnalojadeLeeChongumparde chinelos, um quimono de seda, uma quarta de usque e um charuto.Podiam-se engendrar combinaes que se adequassem a quase todos osestadosdeesprito.AnicacomodidadequeLeeChongnopossuapodiaobter-senooutroladodoterreno,naDora.

    A mercearia abria de madrugada e no fechava enquanto no sedespendessealtimamoedaerranteouanoretirassemparaorepousoda noite. No que Lee Chong fosse usurrio, no era;mas, se algum sedispunha a gastar dinheiro, estava s ordens. A posio de Lee Chongdentrodacomunidadesurpreendia-oaeletantoquantoerasusceptveldesurpresas.

    ComodecorrerdosanostodosemCanneryRowlhedeviamdinheiro.Nunca apertava com os fregueses, mas, se a conta se tornavademasiadamentegrandecortava-lhesocrdito.Nacontingnciadesubiromonteatvila,ofregusgeralmentepagavaoufaziaopossvelparaisso.Lee possua uma cara bolachuda emaneiras delicadas. Falava um inglsenftico, nunca empregando a letra R. Durante as guerras de Tong1 , naCalifrnia, encontrou-se Lee uma ou outra vez com a cabea posta a

  • prmio.SeguiaentosecretamenteparaSoFrancisco,internando-senumhospitalatoperigoterpassado.Oquefaziadodinheironuncaningumosoube. Talvez no chegasse a receb-lo. Talvez a sua riqueza consistisseinteiramenteemcontasporpagar.

    Vivia bem no entanto e gozava do respeito de todos os vizinhos. Iaiando aos fregueses at o crdito atingir o ridculo. Por vezes fazianegcios furados,mas at esses conseguia transformar emvantagem, emboa vontade, quanto mais no fosse. Assim aconteceu com o PalcioFlophouse e Grill. Qualquer outro que no fosse Lee Chong teriaconsideradoatransaoumaperdatotal.

    O posto de Lee Chong na mercearia era por trs do balco doscharutos. Ficava-lhe assim esquerda a caixa registradora e direita oaparador. Dentro do balco de vidro estavam os charutos castanhos, oscigarros,osBullDurham,amisturadoDuqueosFiveBrothers,enquanto,em prateleiras na parede por trs dele, estavam quartilhos, meiosquartilhosequartasdeOldGreenRiver,OldTownHouse,OldColoneleofavoritoOld Tenessee mistura de usque velho de quatro mesesgarantidos, muito barata e conhecida nas redondezas por Old TennisShoes.NoerasemrazoqueLeeChongseinterpunhaentreousqueeofregus. J em vrias ocasies alguns espritos prticos tinham tentadodesviar-lhe a ateno para outros pontos da loja. Na parte restante doestabelecimentoatendiamprimos,sobrinhos, ilhos,noras,masLeenuncaabandonava o balco dos charutos. O tampo de vidro constitua a suasecretria.Assuasmos,gordinhas,delicadas,descansavamsobreovidro,com os dedinhos a agitarem-se quais salsichas irrequietas. Uma largaaliana no dedo mdio da mo esquerda era a sua nica joia e com eladava pancadinhas silenciosas no tapetinho dos trocos cujos dentes deborracha h muito se encontravam gastos. Lee tinha a boca grossa,benevolente,e,quandoseria,ochispardoouroeramagnnimo,cordial.

    Usava culos de meia-lua, e, como observava tudo atravs deles,recuavaa cabeaparaver as coisas adistncia.Percentagens,descontos,contas de somar, de subtrair, tudo executava sobre o balco com osirrequietos dedinhos em formade salsicha, os benvolos olhos castanhosvagueandopelaloja,osdentesfaiscandosorrisosaosfregueses.

    Uma tarde, no seu pouso, sobre uma camada de jornais destinada aconservar-lheospsquentes,reviaelecomironiaetristezaumatransaoque efetivara nessa tarde e reefetivaramais tarde nomesmodia. Saindoda mercearia, atravessando em diagonal o terreno baldio, tateando por

  • entre os enormes canos ferrugentos rejeitados pelas fbricas, encontrar-se-umcaminhoentreaservas.

    Siga-se este at ultrapassar o cipreste, atravesse-se a linha frreasubindoo carreirodasgalinhaspontilhadode cunhose alcanar-se-umedi cio comprido e baixo onde de hmuito tempo se guarda farinha depeixe.

    EraumbarracoenormeepertenciaaumatribuladosenhorchamadoHoraceAbbeville, que tinhaduasmulheres e seis ilhos edurante algunsanosconseguirapormeiode lamriasepersuasoelevarasuadvidanamercearia a uma soma tal que no havia outra emMonterey que se lhecomparasse. Nessa tarde aparecera namercearia, e o seu rosto sensvel,cansadoe tristecontraiu-seperanteoarseveroqueperpassoupelacaradeLee.Osdedos lcidosdeLee tamborilavamno tapetinhodeborracha.Horace ps asmos de palmas para cima sobre o balco dos charutos edisse comsimplicidade:Creio que j lhe estou a dever umaporodedinheiro.

    Os dentes de Lee faiscaram emhomenagem a uma entrada to hbilcomojamaisouviraaalgum.Meneougravementeacabea,masesperouqueahabilidadesedesenvolvesse.

    Horace umedeceu os lbios com a lngua em execuo perfeita, decantoacanto:

    No me agrada que essa situao ique suspensa sobre a cabeadosgarotosdisse. Voc se calhar nemumpacotinho de pastilhas dehortel-pimentalhesfiava.

    AcaradeLeesancionouestaconcluso.Polodemassadisse.Horaceprosseguiu:Vocconheceaquelemeuterreno,para ldocarreiro,ondeesta

    farinha de peixe? Lee Chongmeneou a cabea. Era dele a farinha depeixe.Horaceprosseguiucomgravidade: Seeu lhedesseesse terrenosaldavaaminhadvidaparaconsigo?LeeChongrecuouacabeae itouHoraceatravsdametadedosculos,enquantoasuaimaginaoadejavapor entre clculos e a mo direita remexia, agitada, no aparador.Considerou a construo, que era fraca, o terreno, quepodia valorizar-sesealgumadasfbricassedesenvolvesse.

    SimdisseLeeChong.Bem,tragalospapisepasso-lheumadeclaraodevendadesse

  • terreno.Horacepareciaapressado.NoprecisapapeldisseLee.Passorecibodeliquidaototal.Concluram a transao com dignidade e Lee Chong acrescentou-lhe

    um quartilho de Old Tennis Shoes. Depois Horace Abbeville, muitoaprumado,atravessouoterreno,ultrapassouocipreste,seguiupeloatalho,subiuocarreirodasgalinhasatconstruoqueforasua,ecomumtiroicou-sesobreummontedefarinhadepeixe.E,emboranadatenhaavercom esta histria, nuncamais faltou a nenhum dos pequenos Abbevilles,fossequalfosseame,umapastilhadehortel-pimenta.

    Mas, voltando quela tarde, Horace jazia sobre a marquesa com asagulhas de embalsamar espetadas, e as suas duas mulheres estavamsentadas nos degraus da casa com os braos em volta uma da outra(permaneceram amigas at ao inal do enterro, aps o qual dividiram ascrianasenuncamaissefalaram).

    Lee Chong estava por trs do balco dos charutos com os seussimpticos olhos castanhos volvidos para o ntimo em perene e tranquilamelancolia chinesa. Sabia no lhe ter sido possvel evitar aquilo, masdesejava t-lo sabido e tentado talvez dar-lhe remdio. Fazia parteintegrante da bondade e solidariedade de Lee considerar inviolvel odireito de um homem sematar; todavia um amigo pode s vezes tornarisso desnecessrio. Lee contribura logo para o funeral e enviara sfamlias atingidas um cesto da lavandaria com gneros. Agora Lee Chongerasenhordoedi ciodeAbbeville:umbomtelhado,umbomsoalho,duasjanelas, uma porta. Estava, certo, cheio at acima de farinha de peixe,cujo cheiro era sutil e penetrante. Lee Chong considerou-o bom paraarrecadaodegneros,espciedearmazm;mas,apssegundare lexo,desistiu. Ficava demasiado distante e qualquer pessoa podia entrar poruma janela. Tamborilava sobre o tapetinhodeborracha coma alianadeouroeconsideravaoproblemaquandoaportaseabriueMackentrou.

    Mack era o mais velho, o chefe, o mentor, e em certa medida oexploradordeumpequenogrupodehomensquenopossuamambiesentresinemfamlia,nemdinheiro,nemambiesalmdasdacomida,dabebida e doprazer.Mas enquanto amaior parte dos homens se aniquilanansiadoprazeredesanimadacaimuitoaqumdoseualvo,Mackeosamigostopavamcomoprazerporcasualidade,serenamente,eabsorviam-no devagar. Mack e Hazel, jovem de muita fora, Eddie, que ocupava olugar de barman no La Ida, Hughie e Jones, que de tempos a temposcaavam rs e gatos para o Biolgico Ocidental, viviam habitualmente

  • naquelesenormescanosferrugentosnoterrenocontguoaodeLeeChong.Isto,viviamnointeriordoscanosquandoomautempoatalosobrigava;quando estava bom tempo icavam no alto do terreno sombra docipreste. As ramadas formavam um dossel debaixo do qual um homempodiadeitar-seeobservarofluxoeavitalidadedeCanneryRow.

    LeeChongretesou-seumtudo-nadaentradadeMackeosseusolhospercorreramrapidamenteoestabelecimentoacertificar-sedequeoEddie,oHazel,oHughieouo Jonesnotinhamtambmentrado,esgueirando-seporentreamercadoria.Mackdispsascartascomfranquezaaliciante.

    Leedisse,eu,oEddieeosoutrosouvimosdizerquevocodonodacasadoAbbeville.

    LeeChongmeneouacabeaeesperou.Eueosmeusamigosdecidimosperguntar-lhesenosdeixairpral.

    Tomvamos-lhe conta da propriedade acrescentou pressuroso. Ningumdeixvamoslentrar,nemestragarcoisaalguma.Osgarotossocapazes de lhe escaqueirar as janelas, sabe? avisou Mack. A casapode arder se no estiver l quem esteja de olho nela. Lee recuou acabea, ixou os olhos de Mack atravs dos seus culos de meia-lua e otamborilar do dedo diminua de intensidade medida que ia re letindointensamente.OsolhosdeMacktraduziamboavontade,camaradagemeodesejo de fazer a felicidade de todos. Porque se sentiu ento vagamentecercado? Porque procuraria o seu esprito uma sada, cautelosamente,comoumgatoentrecactos?Acoisaforaapresentadacomgentileza,quasecomsentido ilantrpico.OespritodeLeemediuaspossibilidadesnoas probabilidades e o tamborilar do seu dedo diminuiu ainda mais deintensidade. Viu-se a recusar o pedido deMack e visionou os vidros dasjanelas todos partidos. Depois Mack oferecer-se-ia segunda vez paracuidar eolharpelapropriedadedeLee, e segunda recusaLeepodia jsentir o cheiro do fumo, podia ver as chamazinhas crepitarem pelasparedesacima.EMackeosamigosajudariamaextinguirofogo.OdedodeLee teve uma pausa ligeira. Fora vencido. Sabia-o. S lhe restava umaprobabilidade: salvar a cara, e a era Mack suscetvel de ser muitogeneroso. Disse Lee:Voc paga aluguel da minha casa? Voc vive lcomofossehotel?

    Macksorriuabertamenteefoigeneroso.Toma!exclamou. uma ideia. E que mesmo. Quanto?

    Lee re letiu. Sabia que no importava o preo. De qualquer modo no oreceberia.Jagoravaliaapenapedirumaquantiachoruda,querealmente

  • lhelimpasseacara.Cincodlaresasemanadisse.Mackcontinuouojogoatfinal.Tenho de consultar os rapazes disse, irresoluto.No podia

    baixarissopraquatrodlaresporsemana?Cincodlares!disseLeecomfirmeza.Bem,vouveroquedizemosrapazesretorquiuMack.Foiassimqueaconteceu.E todos icaramsatisfeitos.Esese julgaque

    Leesofreucom issoperda total, ele,pelomenos,noviuocasoassim.Asjanelas no foram partidas, no houve incndio, e, embora nunca fossepaga uma s renda, quando os inquilinos tinham dinheiro e tinham-nomuitasvezes,nolhesocorriaaideiadeogastaremqualqueroutralojaquenofosseamerceariadeLeeChong.

    Ficava assim com um pequeno grupo potencialmente ativo defreguesesencapotados.Ea coisa iamais longe. Sealgumbbedocausavadistrbiosna loja,seosgarotos irrompiamdeNovaMontereydecididospilhagem,LeeChongstinhadechamar,eosinquilinosapareciamemseuauxlio. Outro pacto foi estabelecido: no se deve roubar o prpriobenfeitor.OqueLeeChongeconomizavaem latasde feijo,de tomate,deleiteeemmelespagavaerepagavaarenda.Eseseveri icavadesusadoecrescente escoamento nas outras mercearias de Nova Monterey, LeeChongnadatinhaavercomisso.

    Entraramosrapazesesaiuafarinhadepeixe.Ningumsabequemdeuonomecasa,que icousempredepoisaser

    conhecida por Palcio Flophouse e Grill. Nos canos e debaixo do ciprestenunca houve espao paramoblia, nem para os pequenos requintes queso no s o indicativo, mas as fronteiras da nossa civilizao. Uma vezdentrodoPalcioFlophouse,osrapazesdeitaram-seamobil-lo.Apareceuumacadeira,umacama,outracadeira.Umadrogariaforneceuumalatadetinta encarnada, sem relutncia, porque no se deu conta do fato, e medidaqueiaaparecendoouumamesaouumbancoeramestespintados,oquenosostornavamuitobonitos,mastambmosmascaravaatcertoponto para o caso de o anterior dono por l passar. Comeou ento afuncionar o Palcio Flophouse e Grill. Os rapazes podiam sentar-se soleiradasuaportaealongaravistapelocarreiro,peloterreno,pelarua,paradentromesmodas janelasda frentedoBiolgicoOcidental.Denoitepodiam ouvir amsica vinda do Laboratrio. E os seus olhos seguiram odoutor pela rua fora quando este foi pela cerveja ao Lee Chong. E disseMack:Aqueledoutorumexcelentetipo.Nsdevamosfazerqualquer

  • coisaporele.

  • IIAPalavraumsmboloeumdeleitequesorveohomem,apaisagem,

    rvores, plantas, fbricas e pequineses. Ento a coisa toma a forma dePalavra e volta de novo a ser Coisa, mas urdida e tecida em fantsticodesenho.APalavrasorveCanneryRow,digere-o,vomita-o,eoRowtomaacintilaodomundoverde,dosmaresemquesere leteocu.LeeChongjmaisdoqueummerceeirochins.Temdeser.Talvezdesniveladonabalana e sustido pelo bem planeta asitico preso sua rbita pelompeto de Lao Tze, e desviado de Lao Tze pela forma centrfuga doaparador e da caixa registradora, um Lee Chong suspenso, volteando,rodopiandoporentremercadoriase fantasmas.Homemduro tratando-sedeuma lata de feijes, homembrando tratando-se das ossadasdo av. queLeeChongescavouasepulturaemChinaPointeencontrouasossadasamarelentas,ocrniocomcabeloviscosoaindaaderente.ELeeempacotoucuidadosamenteosossos,fmuresetbias,bemdireitos,ocrnioaocentrocomaplviseasclavculasemvoltaeascostelasemarcodeumladoedooutro.DepoisLeeChongenviouoempacotadoequebradioavporsobreo mar do Oriente, para que repousasse en im no solo que os seusantepassadoshaviamsagrado.

    EMackeosrapazesrodopiavamtambmnassuasrbitas.SoelesaVirtude, a Graa, a Beleza da impetuosa e amalgamada loucura deMonterey; a csmica Monterey, onde os homens, de fome e de medo,destroemosestmagosna lutapara se asseguraremdealimentos certos,ondeoshomensfamintosdeamordestroememsitudooquepossuemdeamorvel.MackeosrapazessoaBeleza,aVirtude,aGraa.Nummundogovernadoportigrescomlceras,violentadoportourosemciorecalcado,revolvidoporcegoschacais,Mackeosrapazesjantamrequintadoscomostigres, acariciam os bezerros excitados e ajuntam as migalhas com quealimentam as gaivotas de Cannery Row. Pois que aproveita ao homemconquistar omundo todo, e entrarnapossedaquilo que conquistou, comumalceragstrica,umaprstatainflamadaebifocado?Mackeosrapazesevitam a armadilha, descon iam do veneno, saltam por cima da laada,enquantoumageraodehomensacorrentados,envenenados,laados,osinvetiva e apelida de inteis, safardanas, ndoas-da-cidade, ladres,malandros, pulhas. O Pai Nosso que est na natureza, que prodigaliza odom da sobrevivncia ao lobo, ao vulgar rato pardo, ao pardal ingls, corriqueiramosca e falena deve albergar uma incomensurvel ternura

  • pelosinteis,pelosquesoasndoas-da-cidade,pelospulhaseporMackepelos rapazes. Virtude, graa, indolncia, deleite. Pai Nosso que estais nanatureza.

  • IIIA loja de Lee Chong ica direita do terreno vago (porque se chama

    vagoquandoestatulhadodechaleirasvelhas,canosferrugentos,grandestoros quadrados e pilhas de latas de cinco gales, que ningum saberdizer). Por trs do terreno vago ica a linha do comboio e o PalcioFlophouse. Mas no limite, esquerda do terreno, situa-se a austera emajestosa casa de pegas da Dora Flood; uma casa de prazer decente,asseada, honesta, recatada, onde um homem pode beber uma cervejaentreamigos.Estanodaquelascasasbaratasdepernoitar,deentraresair,masumclube ixe,respeitvel,edi icado,mantidoesujeitodisciplinada Dora, a qual, senhora e menina nestes cinquenta anos, se tem feitorespeitarpelaspessoasinteligentes,cultasehumanas,pelosseusdotesdetato, honestidade, caridade e certo realismo. Por estes mesmos dotes aodeia a intrigante e lasciva irmandade dascasadas-solteiras de quem osmaridosrespeitamoslaresmasosnoapreciamgrandemente.

    Dora umamulher grande, umaavantajadamulherque tem cabelosalaranjados eumapredileopelos vestidosdenoite, verde-nilo.Mantmum estabelecimento honesto de preo nico, no vende bebidas fortes eno permite em sua casa linguagem torpe nem altercaes. Das suaspequenas, umas esto inativasdevido idade ou doena, porm Doranuncaaspedeparte, emboraalgumas, comodiz,no rendam trspausporms e comam trs refeies por dia. Nummomento de ternura pelolugardeuDorasuacasaonomedeRestauranteGuiodoUrsoecontam-se vrias histrias de pessoas que foram ali pedir um sanduche.Habitualmente h na casa doze raparigas, contando com as velhas, umcozinheiro grego e um homem que passa por ser o guarda, mas quedesempenha todaaespciedetarefasdelicadaseperigosas.Pe termoazaragatas, expulsa bbedos, acalma histricas, cura dores de cabea eatende o bar. Pe pensos em feridas e contuses, passa o dia com ospolcias, e, como grande parte das pequenas, pertence Cincia Crist,contribui com a sua parte de leitura da Cincia e Sade nas manhs dedomingo. O predecessor, homem bem equilibrado, teve mau im, comorelataremos mais adiante; Alfred, porm, saiu vitorioso do ambiente elevouoambienteaelevar-seconsigo.Elesabequaisoshomensquedevemali ir e os que no devem. Conhecemais da vida ntima dos cidados deMonterey do que outro qualquer da cidade.Quanto a Dora leva vida

  • atribulada.Comovaicontraalei,contraassuasregraspelomenos,temdeacatar duas vezes mais a lei do que outrem. Que no haja bbedos,zaragatasoudesconchavos,decontrriofechamacasadeDora.E,comoilegal,Doratemdeserparticularmentefilantrpica.Todosaexploram.Seapolciaorganizaumbaile a favorda sua caixadepenses, e todaa genteconcorrecomumdlar,Dora obrigadaadarcinquentadlares.Quandoa Cmara de Comrcio fez melhoramentos no seu jardim os negociantesderamcincodlarescadaum,masDorapediramcemeeladeu-os.Comtodoorestosucedeamesmacoisa;paraaCruzVermelha,aCaixaPblica,os escuteiros, so os proventos sem loas nem reclamo vergonhosamentesujos, que a Dora aufere do pecado, que vo cabea da lista dosdonativos. Mas foi por ocasio da crise que ela sofreu mais duramente.Almdashabituaisobrasdecaridade,Dora,vendoascrianasesfomeadasdeCanneryRow,os pais desempregados e asmes desesperadas, pagoucontasdemerceariaatortoe adireitodurantedoisanosequasefaliacomessamaneiradeproceder.AspequenasdeDoraestobemtreinadasesodelicadas.Nunca sedirigemaalgumna ruaaindaqueali tivesseestadonanoite anterior.Antes doAlfred, o guarda atual, ocupar o lugar, deu-seumatragdianoRestauranteGuiodoUrsoquepenalizoutodaagente.Oantigo guarda chamava-seWilliam e era um homemmoreno, de aspectosolitrio. De dia, tendo pouco que fazer, enfastiava-se da companhia dasmulheres.DajanelaenxergavaoMackeosrapazessentadosnoscanosdoterreno vago balouando os ps sobre a malva daninha, gozando o solenquantodiscorriam ilos ica e paulatinamente sobre assuntos demuitointeresseenenhumaimportncia.Via-ostirardequandoemquandoumagarrafadeOldTennis Shoes e apsumoutro limpar-lhe o gargalo comamanga e lev-la boca, eWilliam entrou de desejar fazer parte daquelegruposimptico.Umdiadirigiu-seaolocalesentou-senocano.Aconversacessou e um silncio hostil e inquietante pesou sobre o grupo. PoucodepoisWilliamregressoudesconsoladoaoGuiodoUrsoeentristeceu-sevendo pela janela que a conversa recomeara. O rosto tornou-se-lhesombrioecarrancudoeabocatorceu-se-lhederancor.

    No dia seguinte voltou l, levando dessa vez uma garrafa dewhisky.Mackeosrapazesbeberamowhisky no imdecontasnoeramparvos,massdisseram:Quesorteecestamos.

    Passadopouco tempoWilliamvoltouparaoGuiodoUrso,eaoolharpelajanelaouviuMackdizeremvozalta:

  • M raios se no embirro com alcoviteiros! Ora isto,evidentemente, era falso, embora William no o soubesse. Mack e osrapazes no gostavam simplesmente de William. O corao de William,porm, despedaou-se. Os pulhas no o queriam na sua companhia.Achavam-no muito abaixo deles. William fora sempre introspectivo epropenso a censurar-se. Ps o chapu, e pela beira-mar seguiu at aoextremodo farol. Quedou-se ali no lindo cemiteriozinho de onde se ouviaperpetuamente marulhar as ondas. William entregou-se a pensamentosnegrosetristes.

    Ningum o estimava. Ningum o queria. Podiam chamar-lhe guarda,masnarealidadeeraumalcoviteiroumalcoviteironojento,acoisamaisreles domundo. Depois considerou que tinha tanto direito a viver e serfelizcomoqualqueroutro.Eque tinhamesmo,porDeus.Regressouemfria,mas serenou quando chegou ao Guio do Urso e subiu as escadas.Era ao entardecer, a grafonola tocava a LuadeCeifa, eWilliam recordouque a primeira espertalhona que o pescou gostava daquela cano. Istoantesdeela fugiretercasadoedesetersumido.Amelodiaencheu-odetristeza. Dora estava na salinha do fundo a tomar uma chvena de chquandoWilliamentrou.

    Queaconteceu?perguntou.Estdoente? No respondeu William. Mas a quanto monta a minha

    percentagem? Sinto-me neura. Est c a parecer-me que vou daquienfrascar-me.

    Dora lidara com muitos neurticos no seu tempo. Tira-se-lhes a mdisposiolevandoacoisaprapardiaeraoseulema.

    Bem, faz issonashoras livresenomeemporcalhesos tapetes disseela.

    Uma nuvem densa e plmbea abateu-se sobre o corao deWilliam;saiu devagar, atravessou o trio e bateu porta de Eva Flanegan. Estatinha cabelos ruivos e confessava-se todas as semanas. Toda espiritual ecom uma famlia enorme de irmose irms, era no entanto borrachonaincorrigvel. Quando ele entrou compreendeu que ela estava indisposta,no consentindo Dora que qualquer rapariga trabalhasse sem estar emforma.

    Ela pintava as unhas e fazia-o desastradamente. Tinha verniz nosdedosatprimeirafalangeeestavafuriosa.

    Quetemordeu?disse.Williamps-setambmfurioso.

  • Vouemborrachar-merespondeu,violento.Evadesatouaosgritos:Issoumpecadosujo,reles,nojentoclamava.Edepois:No

    mesmo teu dar-te na veneta quando mal tenho foras pra dar umpasseiozito a Saint-Louis?Meu grande bastardo, que nome prestas pranada.BerravaaindaquandoWilliamfechouaportaatrsdesiesedirigiuparaacozinha.

    Estava farto de mulheres. O grego seria um descanso depois dasmulheres. De avental amplo e mangas arregaadas, o cozinheiro fritavacosteletas de porco em duasgrandes serts, virando-as com o pico dogelo.

    Ol,Kits.Comovoascoisas?Ascosteletasdeporcocrepitarameestralejaramnasserts.

    Nosei,LoudisseWilliam.svezesparece-mequeamelhorcoisacair!epassouodedodeumladoaooutrodopescoo!

    O grego pousou o pico do gelo sobre o fogo e arregaou mais asmangas.

    Eudigooqueeuouve,Kitsdisse.Euouvequeotipoquediznunca faz. A mo de William adiantou-se para o pico e pegou-lhenaturalmente. Os seus olhos mergulharam com intensidade nos olhosescuros do grego e viram ali incredulidade e ironia, mas enquanto osixava, os olhos do grego tornaram-se inquietos e depois a litos. Williamnotouamudana: viuprimeiroqueo grego sabiaque ele era capazdeofazeredepoisqueogregosabiaqueofaria.Assimquepercebeuistonosolhosdogrego,Williamcompreendeuquetinhadeoexecutar.Ficoutriste,porque j lhe parecia idiota. Amo ergueu-se e o pico penetrou-lhe nocorao. Foi espantoso como penetrou com tanta facilidade.William foi oguardaantecessordeAlfred.

    TodosestimavamAlfred.Elepodia sentar-senos canosna companhiadeMackedosrapazessemprequelheapetecesse.

    PodiaatirdevisitaaoPalcioFlophouse.

  • IV tardinha, mesmo ao anoitecer, acontecia uma coisa singular em

    Cannery Row. Ocorreria no espao entre o pr do Sol e o acender doslampies da rua. Havia ento ummomento de paz breve e nebuloso. Nodeclivedoouteiro,passadooPalcioFlophouse,surgiadescendoocarreirodas galinhas e atravessando o terreno vago um velho chins. Usava umantiquado chapu de palha desabado, ternode ganga tanto o casaco,comoascalasesapatosgrossos,umdosquaiscomasoladespregadadeformaqueestalavanochoaocaminhar.

    Levavanamoumcestodevergatapado.Tinhaorostonegro,tisnado,encordoado,eolhoscastanhosatobrancodosolhoseraacastanhado encovados de tal maneira que olhavam do fundo de uns buracos.Passavamesmoaoescurecer,e,atravessandoarua,metiapelapassagementre o Biolgico Ocidental e o hediondo Cannery. Atravessava depois apraiazinha e desaparecia por entre os pilares e os postes de ao quesustentamoembarcadouro.Ningumvoltavaav-loantesdamadrugada.

    Masdemadrugada, hora emque j apagadoo lampioda rua, nosurge ainda a luz do dia, o velho chins engatinhava de entre os pilares,atravessandoapraiaearua.Ocestodevergaiaagorapesado,molhado,apingar.Asoladespregadaiaestalandonocho.Elesubiapelomonteatsegundarua,en iavapelacanceladasebealtaelargaenovoltavamav-lo seno tardinha. Os que dormiam ouviam os estalidos da soladespregadaedespertavampormomentos.Durava aquilohaviaanos,masningum se habituava. Alguns pensavam que era Deus, os muito velhospensavam que era a morte e as crianas pensavam que era um chinsvelhoeengraado, comosemprepensamascrianasquesoengraadasas coisasvelhase estranhas.Noentantoas crianasnooatormentavamou no lhe gritavam como seria natural, porque ele trazia consigo umaaureolazita de terror. Apenas um rapazinho de dez anos, de Salinas,destemidoe lindo,chamadoAndy,desa iouumavezo velho chins.Andyencontrava-se emMonterey. Viu o velho e entendeu que devia gritar-lheainda que no fosse seno por respeito por si prprio; mas at Andy,corajoso embora, sentiu a aureolazita de terror. Andy viu-o passar noiteaps noite e o dever e o medo travaram luta. Ento, uma noite, Andydecidiu-see,correndoatrsdovelho,cantounumfalseteesganiado: Um

  • chin, chin, china, nas grades se sentou. Veio um homem branco e orabicholhecortou.Ovelhoestacouevoltou-se.Andyparou.Osencovadosolhoscastanhos ixaramAndyeos lbiosdelgadosmoveram-se.O que sepassouentonuncamaisfoipossvelaAndyexplicarouesquecer.Porqueostaisolhosalargaram-seatdeixardehaverchinsparasersum olhoolhocastanhodescomunal, tograndecomoumaportade igreja.Andyolhou pela porta castanha e transparente e atravs dela viu um camposolitrio plano ao longo de milhas mas terminando de encontro a umasequncia demontanhas fantsticas do feitio de cabeas de vaca, de co,decogumelos,debarracas.Naplancieumaervagrossa,rasteira;aquiealipequenos diques. Em cada um destes diques estava sentado um bichoparecidocomumcastor.

    Easolido,afriadesolaodainspitapaisagem izeramchorarAndy,poisningumrestavanomundo,seleficara.

    Andycerrouosolhosparanocontinuaraver;aoabri-losencontrou-se em Cannery Row e o velho chins ia passando entre o BiolgicoOcidental e o hediondoCannery. FoiAndyo nicomeninoque algumdiaousoufazeristoenoreincidiu.

    V

    O Laboratrio Biolgico Ocidental situava-semesmo do outro lado darua, em frente do terreno vago. A mercearia de Lee Chong icava naesquina em diagonal esquerda e o Restaurante Guio do Urso,pertencenteDora,naesquinaemdiagonaldireita.OBiolgicoOcidentalnegocia em estranhas e belas mercadorias. Vende lindos animaismarinhos, esponjas, anmonas, tunicados, estrelas-sol bivalves, bemacas,minhocas, conchas, rs e lores vivas do mar; tetrabrnquios enudibrnquios, bojudos ourios espinhosos e eriados, caranguejos emeioscaranguejos, dragezinhos, frenticos camares escuros, totransparentes que mal projetam sombra. O Biolgico Ocidental vendepulges, caracis, aranhas, cobras cascavis ratos, abelhas de mel elagartos monstros. Estes so todos para venda. Mas h, alm destes,pequenos seres humanos em embrio, uns inteiros outros reduzidos alminasdelgadasemontadasemplacascorredias.E,paraosestudantes,tubaresdissecadosemcujasveiaseartriasfoisubstitudoosanguepor

  • substnciasazuiseamarelasparaselhespoderemseguirossistemascomum escalpelo. H ainda gatos com as veias e as artrias coloridas e rsigualmente. Pode encomendar-se ao Biolgico Ocidental um ser vivo sejaelequalforquemaistardeoumaiscedosevirareceb-lo.

    umedi cio atarracado com frentepara a rua.A cave o armazm,com as prateleiras; prateleiras at ao teto, cheias de frascos que contmanimais. Tem a cave tambm um tanque e apetrechos para injetar eembalsamar. Vai-se depois pelo ptio das traseiras at um alpendrecoberto, elevado sobre estacas acimadomar; aqui estoos tanquesparaanimaismais corpulentos; os tubares, as raias e os polvos, cadaqual noseu tanque de cimento. Do lado de fora do edi cio encontra-se umaescadariaeumaportaquedparaoescritrio.Nestev-seumasecretriaatravancadadecorrespondnciaporabrir, cacifosparaosarquivoseumcofre com a porta escancarada. Em certa ocasio o cofre foi fechado semquerereningumsabiaosegredodafechadura.Nocofreestavaumalatade sardinhas aberta e um pedao de queijo Roquefort. Antes de ofabricante ter enviado a chave do segredo deu-se um contratempo nointeriordocofre.Foientoqueodoutorconcebeuumsistemaparaquemumdiadesejassetirarvinganadealgumbanco.Alugue-seumcofrenumbanco,disse,deixe-seldentroumsalmofrescointeiroeausente-sepeloespao de seis meses. Depois do contratempo com o cofre no mais foipermitido pr ali comida. Guardava-se nos contadores dos arquivos. Portrs do escritrio h um compartimento onde, numaqurio, estomuitosanimaisvivos.

    Aliencontram-setambmmicroscpios,lminas,armriosparadrogas,caixotes de frascos, bancas de trabalho, pequenosmotores e substnciasqumicas. Deste quarto emanam cheiros: a formalina, estrelas-do-marsecas,guadomarementol,cidocarbnicoecidoactico,cheiroapapelpardodeembrulho,apalha,a cordas; cheiroa clorofrmio,ater; cheiroaoozniodos motores, cheiro a ao puro e ao inssimo lubri icante dosmicroscpios; cheiro a leo de banana e a tubos de borracha, cheiro demeiasdelasecareabotas,ocheiroforteeacredascobrascascaviseocheiro pestilento e concentrado dos ratos. Ainda pela porta do fundo, ocheiroaalgascalcinadaseaborrachaquandoamarestbaixaeocheiroasaleaespumaquandosobeamar.esquerda,oescritrioabreparaumabiblioteca.Asparedesdesta esto forradasde estantesde livros ataoteto,caixasdepan letos,separatas,livrosdetodaaespcie;dicionrios,enciclopdias,poesia,peas.Encostadaparedeumaenormegrafonolae

  • juntodela,alinhados,centosdediscos.Porbaixoda janelaestumacamade pau-rosa e pelas paredes e nas estantes vem-se espalhadasreprodues de Daumier, Graham, Ticiano, Leonardo, Picasso, Dali eGeorge Groz penduradas altura dos olhos, de maneira a poderem serexaminadas.Nestequartinhohcadeiras,bancos,eacama,claro.Jalisereuniramquarentapessoasdeumasvez.

    Nas traseiras desta biblioteca, salo de msica ou o que queiramchamar-lhe,estacozinha,umcompartimentoestreitocomumfogoags,esquentadoreum lavadouro.Mas,enquantopartedacomidaguardadanos contadores dos arquivos, as travessas, as gorduras e os legumes soguardados na cozinha, nas divisrias envidraadas das estantes. No foicapricho a origem de tudo isto; aconteceu. Do teto da cozinha pendembocadosdepresunto,desalameechouriodesangue.Foradacozinhahumlavatrioeumchuveiro.O lavatrioverteuguaduranteanosatumhspedegentileamvelovedarcomumpedaodegomaelstica.

    OdoutoroproprietrioeofuncionriodoBiolgicoOcidental.Sobreo baixo, parecendo pequeno, o doutor rijo e forte, e, quando assaltadopor frias de maugnio,capaz de tornar-se muito violento. O seu rosto,com barbicha, meio de Cristo meio de stiro e do seu rosto emana averdade.Diz-sedelequetemajudadomuitamoaasairdeumembaraoparaameternoutro.Odoutortemasmosdeumcirurgiocraniologistaeesprito lcido e avisado. Costuma levar a mo ao chapu quando passapelosces,eelesreconhecem-noesorriem.Capazdematarsejaoqueforpornecessidade,todavia incapazdeferirsentimentosporprazer.Nutreumnico receio, o de molhar a cabea de modo que tanto de VerocomodeInvernousachapuimpermevel.Podemeter-senumcharcoatao pescoo e no sentir a umidade, mas um pingo de chuva na cabeadeixa-oaterrorizado.Nodecorrerdos anosafundara-seodoutoraumtalponto em Cannery Row que nem ele prprio suspeitava. Transformou-seem fonte de iloso ia, de cincia, de arte. Foi no laboratrio que aspequenasdaDoraouvirampelaprimeiravezascanesdas pradariaseamsica gregoriana. Lee ouviu ler Li Po em ingls. Henri, o pintor, tomoupela primeira vez conhecimento com o Livro dos Mortos e toimpressionado icouquemudoudematerial.CostumavaHenripintarcomcola, ferrugem e coloridas penas de galinha, mas mudou; os quatroquadros seguintes foram executados inteiramente com cascas de noz dediferentes qualidades. O doutor prestava-se a ouvir toda a sorte deasneiras,transformando-asnumaespciedesabedoria.

  • O seu esprito no tinha horizontes nem bices a sua simpatia.Conseguia falar s crianas de coisas profundas de forma a que oentendessem. Vivia num mundo de maravilha e de entusiasmos. Eraconcupiscentecomoumcoelhoecarinhosocomoningum.

    Todos os que o conheciam estavam em dvida para com ele. E todos,pensandonele,logoresolviam:Realmentetenhodefazeralgumacoisapelodoutor.

  • VIOdoutorandavanarecolhadeanimaismarinhosna lagoaGrandeda

    Mar,napontadapennsula.umlugardefbula:namaralta,baciadeondas revoltas, leitosa de espuma, batida por vagalhes que seguemrolando desde a boia de apito aos recifes; mas quando a mar vaza, opequeno mundo aqutico torna-se tranquilo e encantador. Fica o marmuito lmpidoeo fundoapresenta-se fantsticocomasua faunabuliosa,aguerrida, comilona e procriadora. Correm os caranguejos de fronde emfronde das algas ondulantes. Acaapam-se estrelas-do-mar sobremexilhes e lapas aplicando-lhesos seusmilhesde ventosasminsculasquesugamcomenergiaincrvelatapresadespegardarochaprojetando-seentooestmagodaestrela-do-mar,queenvolveoalimento.Estriados,mosqueados; nudibrnquios cor de laranja deslizam graciosos sobre asrochas, os folhos adejando, como saias de bailadeiras espanholas. Ecabeas de enguias negras espreitam de entre as fendas aguardando aspresas. Os lagostins, em repentes, do estalidos secos com as pinas. Omundocoloridoeencantadorapresenta-sevidrado.Caranguejoseremitas,quais crianas assustadas, en iam pelo fundo da areia. E agora um,descobrindo uma concha de caracol vazia, que prefere sua, sai, e,expondo por instantes o corpo lcido ao inimigo, recolhe nova concha.Quebra-seumaondasobreodiqueepormomentosaguavidrinaagita-se,provocaumborbulharnalagoaeretomaasualimpidez,voltando asertranquila,fascinante,mortfera.Aquiumcaranguejoarrancaumapernaaoseu irmo.Asanmonas, distendendo-se como loresmacias e brilhantes,convidamobichinhocansadoeirresolutoadeitar-seummomentoemseusbraos,equandoumpequenocaranguejoaceitaoconviteverdeevioleta,as ptalas contraem-se, as clulas aceradas cravam as suas agulhazinhasnarcotizantesnapresaeesta logosetornafracaesonolenta,enquantooscidoscauterizantes,custicos,digestores,lhevodissolvendoocorpo.Alio tentacular assassino, o polvo, insinua-se voluptuoso, de mansinho,movendo-se como nvoa cinzenta, simulando agora um pedao de alga,logoumarocha,depoisumbocadodecarne apodrecida,enquantoosseusolhosmal icosde cobraaguardam friamente.Desliza, lutuadiretoa umcaranguejo, e conforme se aproxima cintilam-lhe os olhos, torna-se-lherosadoocorpo,dacorpalpitantedaantecipaoedagula.Correento,de

  • sbitoligeiro,naspontasdostentculos,toferozcomoumgatonoassalto.Avana brutalsobre o caranguejo, despede um jato de lquido negro e ovultoemluta icaobscurecidonanuvemspiaenquantoopolvoassassinao caranguejo. Sobre as rochas expostas gorgolejam as bemacas por trsdassuasportascerradaseressecamaslapas.

    As moscas negras descem at s rochas para comer o que por lencontram.Oscheiros,ativodasalgas,sperodoscorposcalcrioseforteda protena, o odor a esperma, a ova, saturam o ar. Sobre as rochassalientes as estrelas-do-mar depositam smen e ovos de entre os seusraios. Os cheiros de vida e seiva, de morte e digesto, de putrefao egerminao enchem o ar. E a babugem salgada arremessada do dique,ondeooceanoaguardaoseumpetodemarcheiaquelhepermitaentrardenovonalagoaGrandedaMar.Enotopodorecifeaboiadeapitomugecomoumtourotristeepachorrento.Na lagoaodoutoreHazel trabalhamjuntos.Hazel vive no PalcioFlophouse comMack e os rapazes. RecebeuHazeloseunomedemaneiratoestapafrdiacomoestapafrdiafoidesdeento asua vida. A infeliz me teve em oito anos sete ilhos. Hazel foi ooitavo, e ame, quando ele nasceu, estabeleceu confusoquanto ao seusexo. Estava fraca e cansada de alimentar e vestir sete crianas alm dopai. Todos os meios possveis tentara para fazer dinheiro lores depapel, cogumelos de cultivo caseiro, coelhos, negociando tanto a carnecomo a pele , enquanto o marido, da sua cadeira de lona, lhe iaministrando todo o auxlio que os seus conselhos, argumentos e crticaspodiam oferecer. Tinha ela uma tia-av chamada Hazel, beneficiria,segundoconstava,deumsegurodevida.Altima crianarecebeu,pois,onomedeHazelantesdeametercompreendidoqueHazeleraumrapaz;depois j ela estava habituada ao nome e no se adaptou ideia de omudar.Hazelcresceu,fezquatroanosdeescolaprimria,outrosquatrodereformatrio e nada aprendeu em qualquer deles. Os reformatriosdestinam-se a combater o vcio e o crime, porm Hazel no prestavaatenosuficiente.

    Saiudoreformatriotoisentodevciocomoignorantedefraesededivises.Hazelgostavadeouvirfalar,masnoligavaosentidospalavrass ao tom da conversa. Fazia perguntas no para ouvir as respostas,apenas para manter a corrente. Tinha vinte e seis anos era moreno,alegre, forte,prestvele leal.Acompanhava frequentementeodoutornassuas colheitas, desempenhando-se muito bem da sua misso uma vez

  • inteiradodoqueeraprecisoprocurar.Osseusdedosconseguiamdeslizarcomoumpolvo, agarrareprender comoumaanmona.Era irmedepssobreas rochasescorregadias e adorava a caa. O doutor conservava notrabalho o seu chapu impermevel e as suas botas altas, mas Hazelchafurdava de um lado para o outro de sapatos de tnis e cales deganga.

    Apanhavam estrelas-do-mar. O doutor recebera uma encomenda detrezentas. Hazel apanhou do fundo da lagoa uma grande estrela roxa emeteu-anoseusacodelona,jquasecheio.

    Quefazemcomelas?perguntou.Fazemcomqu?perguntouodoutor. Com as estrelas-do-mar disse Hazel. O senhor vende-as.

    Despacha uma barrica delas. Que lhes fazem os tipos? No se podemcomer.

    Estudam-nas respondeu o doutor pacientemente, lembrando-sedeterjelucidadoHazeldziasdevezes.

    Possua, no entanto, o doutor um hbito mental que no conseguiamodi icar.Sealgumlheperguntavaqualquercoisa odoutorentendiaqueera para saber a resposta. Era assim o doutor. Nunca perguntava coisaalguma, a no ser para saber e no concebia um crebro curioso sem odesejo de conhecimentos. Hazel, todavia, que apenas queria ouvir o somdaspalavras,adotaraosistemadefazerdarespostaauma perguntabaseparaoutra.Faziaassimprolongaraconversa.

    Quiqueleslhesachampraestudar? continuouHazel.Sosestrelas-do-mar.Hp'ramilhes.Podiaarranjar-lhesummilhodelas.

    Sobichoscomplicadoseinteressantesdisseodoutor,umpoucona defensiva.Estes vo para o Oeste Central, para a Universidade doNoroeste.

    Hazelaplicouoseusistema.Lnotmestrelas-do-mar?Lnohmardisseodoutor. Ah! fez Hazel e procurou ansiosamente um gancho onde,

    pendurasseoutrapergunta.Aborrecia-overterminarassimumaconversa.No era su icientemente rpido. Enquanto procurava uma pergunta j odoutorfaziaoutra.Hazelembirravacomaquilo;foravaacabeaamagicaroutra pergunta, emagicar era para Hazel como deambular sozinho nummuseu deserto. A cabea de Hazel estava atafulhada de espcimes no

  • catalogados. Nunca se esquecia de coisa alguma mas no se dava aotrabalho de pr em ordem as suas recordaes. Estavam todasamalgamadas como apetrechos de pesca no fundo de um bote; anzis,chumbos,linhas,engodos,arpes,tudodecambulhada.

    Odoutorprosseguiu:ComovaiissolpeloPalcio?Hazelpassouosdedosporentreos

    cabelosnegroseespreitouabaralhadadoseuesprito.Maisoumenosbemdisse.OGayparecequevai viver coma

    gente. Amulher bate-lhe. Ele no se rala quando est acordado,mas elaespera at quele adormea e depois que o zurze. Ele chateia-se comaquilo.Temdacordaredar-lhepancada.Nemdescansa;porissoquevaijuntar-segente.

    Issonovidaderespondeuodoutor. Elacostumavadarpartedeleemet-lonacadeia.

    Era!disseHazel.Mas isso foi antes de construrem a cadeianovaemSalinas.Trintadias,eGay icavaempulgasprasaircp'ra fora;masestanovaelerdionorefeitrio,boascamarataseoxerifeumtipo simptico. Vai p'ra l e no quer de l sair. Gosta tanto daquilo quemulher deixou do mandar prender. Foi por isso que deu em bater-lhequandooapanhaadormir.dearrasarosnervos,dizele.EosenhorsabetobemcomoeuoGaynoachapiadaemandartaponamulher. Sfazprasedaraorespeito.Masestfarto.Achoqueagoravaivivercomagente.

    O doutor endireitou-se. As ondas j rebentavam contra o dique dalagoaGrandedaMar.Amarcomeavaasubirejescorriamdasrochaspequeninosrios.Dasbandasdaboiadeapitooventosopravafrescoedealm do cabo chegava o latir das morsas. O doutor empurrou o chapuparaococuruto.

    J temos estrelas que cheguem disse, e prosseguiu: Olha,Hazel,seimuitobemque levasanofundodosacoseisousetepequenosbzios. Se formos detidos pelo guarda do defeso vai dizer que mepertencem,quefoicomminhalicena,no?

    Oh,cumraio!exclamouHazel.Olhadisse o doutor combrandura, imaginaque recebouma

    encomenda de bzios e que o guarda entende que abuso da licena decolheita?Imaginaqueeleseconvencedequeeuoscomo?

    Oh,comumraio!repetiuHazel.

  • D-se o mesmo com a Junta Industrial dos Alcois. So unsdesconfiados.Julgamsemprequebeboolcool.Pensamomesmodetodaagente.

    Enoobebe?Nomuitodisseodoutor.Azurrapaquelhemisturamtemum

    gostohorrveledavamuitotrabalhodestil-lodenovo.Amisturanomdetodo.Ququelhebotam?Iaodoutor a responderquando sedeu contadeque se tratavamais

    umavezdotruquedeHazel.Vamosindodisse.Atiroucomasacoladasestrelas-do-marparao

    ombro.EsqueceraosbziosclandestinosdofundodosacodeHazel.Hazel seguiu-o engatinhando para fora da lagoa e pelo regueiro

    escorregadio at cho irme. Pequenos caranguejos espantadiosafastavam-se do caminho. Hazel sentiu que seria melhor cimentar asepulturasobreaquestodosbzios.

    Aqueletipo,opintor,voltouprPalcioanunciou.Sim?disseodoutor.Pois!Novqueletinhafeitoosnossosretratostodoscompenas

    degalinhaeagoradizquetemdefaz-losoutravezcomcascasdenozes?Dizelequemudouoseumed...medium.

    Riu-seodoutor.Elecontinuaaconstruirobarco?PoisdisseHazel.Mudou tudo. Quer um barco de umgnero

    completamentediferente.Secalhardesmancha-otodoprotransformar.Eleestarprulas?

    O doutor deixou descair o pesado saco das estrelas at ao cho equedou-seumpoucoofegante.

    Prulas?indagou.Ah, sim, creioque sim.Prulasestamosnstodos,masdemaneiradiferente.

    NuncaocorreraaquiloaHazel.Considerava-seumacristalinalagoadepurezaeasuavidaumaembaciadavidraademalcompreendidavirtude.Aafirmaododoutorchocou-osobremodo.

    Masotalbarcoexclamou,queusaiba,hsetanosqueleandana construo do barco. Os moutes apodrecem-lhe e vai ele e faz-lhemoutesdecimento.Decadavezqueotemquaseprontofazmodi icaesetornaacome-lo.Cpramimprulas.Setanosrodadumbarco!

    Sentadonocho,odoutordescalavaasbotasdeborracha.

  • Tu no compreendes disse com doura , Henri adora osbarcos,mastemhorroraomar.

    Entopraquequereleobarco?inquiriuHazel.Gostadebarcosdisseodoutor. Mas imaginaqueeleacabao

    barco? Uma vez acabado, todos lhe vo perguntar: Porque no omete gua?Eseeleolanaguaterdeirneleeeleodeiaagua.Porisso, jvs,nuncaacabaobarcoparanoterdeolanargua.

    Hazelseguiraoraciocnioatcertaaltura,abandonando-opormantesda concluso, e no s o abandonou mas tambm tentou por qualquermeiomudardeassunto.

    Achoqueeleprulasrepetiufracamente.Pelosolonegroonde loresciamaservasdoorvalho rastejavamcentos

    decarrapatasnegras.Muitasdelasandavamderaboalado.Olhe-me pra todas estas carrapatas nojentas observou Hazel

    agradecidoscarrapataspelasuapresena.Somuitocuriosasdisseodoutor.Estbem,masporqueandamelasassimderaboproar?O doutor enrolou as meias de l, meteu-as dentro das botas de

    borrachaetiroudaalgibeirapegaslavadaseumpardesandliasleves. No sei porque ser disse. Li bastante a respeito delas

    ultimamente; so bichos muito vulgares e o que mais costumam fazer alar o rabo. Mas nenhum dos livros que li faz uma nica referncia aofato,nemporquerazoandamassim.

    Hazelvirouumadascarrapatascomapontadoseusapatomolhadodetnis e a carrapata luzidia, desesperada, barafustando com as pernas,tentouendireitar-se.Vejal;easi,porquelheparecequefazemisto?

    Julgoqueestoarezarrespondeuodoutor.Qu?!admirou-seHazel,escandalizado.O que extraordinrio disse o doutorno elasalarem o

    rabo; na realidade a coisa inacreditavelmente surpreendente ns aacharmosespantosa.Snostemosansmesmosparabitola.Sefizssemosuma coisa assim to estranha e inexplicvel estaramos provavelmente arezar,porissotalvezelasestejamarezar. Coabreca disseHazel,vamosmaspr-nosdaquiprafora.

  • VIIO Palcio Flophouse no se desenvolveu repentinamente. Em boa

    verdade, quando Mack e Hazel, o Hughie e Jones para l foramconsideraram-nopoucomais do queum abrigo contra o vento e a chuvaumlugarparaondeirquandotudofechasseouquandooacolhimento,pordemasiado repetido, fosse frio e seco. O Palcio era, data, apenas umcompartimento comprido e nu, fracamente alumiado por duas janelinhas,deparedesdemadeira sempinturaetresandandoafarinhadepeixe.Naaltura no lhes mereceu grande simpatia. Mack compreendeu que setornavaurgenteumaorganizaoqualquer, sobretudonumgrupode todesenfreados individualistas. Um exrcito em treinos que no tenha sidoequipado com canhes, artilharia e tanques, utiliza armas simuladas ecanhes ingidosparaarremedarum armamentodestruidore os seussoldados calejados acostumam-se s peas de artilharia manejandomadeirossobrerodas.Mackdesenhounochocomumpedaodegizcincoretnguloscomsetepsdecomprimentoe cincodelargura,eemcadaumescreveuumnome.Esteseramascamassimuladas.Cadaumdoshomenstinha direitos inviolveis de propriedade dentro do seu espao. Podiacastigar legalmente quem lhe invadisse o quadriltero. O resto docompartimento era propriedade de todos. Isto foi nos primeiros dias,quando Mack e os rapazes se sentavam no cho, jogavam as cartas deccorasedormiamnosobradoduro.Talveztivessemcontinuado sempreaviver assim se no fosse um revs do tempo. Porm, uma chuvada semprecedentes,queduroumaisdeummsmodificoutudo.Enclausurados,osrapazes cansaram-se de icar agachados no cho. Indignaram-se os seusolhos com a nudez das tbuas das paredes. A casa, porque os abrigava,tornou-se-lhesquerida.

    Demais, possua o encanto de nunca experimentar a visita de umultrajado proprietrio. Lee Chong nem por l passava. Ora uma tardeHughieapareceucomumacamadecampanhacoma lona rasgada.Levouumas duas horas a coser o rasgo com io de pesca. E nessa noite osoutros, deitados no cho nos seusquadrilteros, viram Hughie en iar-segraciosamentepara dentro da sua cama, ouviram-no suspirar de abismalconforto,adormecereressonarantesdequalquerdeles.

  • Nodia seguinte,Mack, bufandopelomorro acima, carregava com umcolcho de arame ferrugento que encontrara num depsito de sucata.Quebrou-se ento a apatia. Excediam-se os rapazes uns aos outros noalindamentodoPalcioFlophouse, de sorteque empoucosmeses este, abemdizer,regurgitava.Haviapelochotapetesvelhos,cadeirascomesemassento.Mack tinhaumcanapdevergapintadodevermelhovivo.Haviamesas,umrelgiodecaixa alta semmostradornemmquina.Caiaramasparedes, o que tornou a casa quase clara e com aspecto arejado.Comearam a aparecer quadros na maior parte calendrios ondeinverossmeis louras adocicadas exibiam garrafas de coca-cola. Henricontribuiucomdoisespcimesdoseuperododaspenasdegalinha.Aumcantohaviaummolhodecanasdeplumasdouradas,epregadonaparede,ao lado do relgio, um feixe de penas de pavo. Levaram tempo paraadquirirumfogo,equandofinalmenteencontraramoquequeriamummonstro todo arabescos prateados com fornos loreados e uma fachadaque eramesmo um niquelado jardim de tulipas tiveram um trabalhoinsanoparaoobter.Grandede maisparaserroubado,oseuproprietriorecusava separar-sedeleparaodar viva enferma comoito ilhosqueMackinventaraepatrocinaraaumtempo.Odonoqueriadlaremeio poreleenodesceuparaoitentacentsdurantetrsdias.Osrapazes icaram-senosoitentacentspassando-lheumvale,queele certamenteaindahojepossui. Esta transaoefetuou-se em Seaside e o fogo pesava trezentaslibras. Mack e Hughie esgotaram todas as possibilidades de transportedurantedezdias,esquandoconcluramqueningumlheslevariaofogoacasadecidiramcarregarcomele.Levoutrs diasasertransportadoatCannery Row, uma distncia de cincomilhas, acampando eles de noite aseulado.Mas,umavezinstaladonoPalcioFlophouse,foieleaglria,olar,ocentro.Assuas lorese folhagemniqueladasespargiamalegriacintilante.EraodentedeourodoPalcio.Aceso,aqueciatodoocompartimento.Oseuforno era umamaravilha e sobre a sua chapa negra podiam estrelar-seovos.Juntamentecomofogoentrouavaidade,e comavaidadeoPalciotransformou-se em lar. Eddie plantou uns ps de bons-dias paracrescerem aos lados da porta e Hazel adquiriu umas fcsias raras, que,plantadasembidesdecincogales, tornavamaentradaumtantoformaleumpoucoatravancada.MackeosrapazesadoravamoPalcio,chegandomesmo a limp-lo de longe em longe. Escarneciam intimamente das

  • pessoaserrantessemcasaondeseacolhessem,e,nasuavaidade,levavamamideumconvidadoparaficarcomelesumoudoisdias.

    EddieeraassistentedebarmannoLaIda.SubstituaWhitey,oefetivo,quando este adoecia, o que acontecia tantas vezes quantas o Whiteyconseguiaescapulir-se.SemprequeEddieosubstituadesapareciamumastantas garrafas; por isso no podia substitu-lo muitas vezes. Todavia,Whitey estimava que fosse o Eddie a ocupar-lhe o lugar, pois estavaconvencido, e com razo, de queEddie no era homempara lhe tomar olugar de vez. Qualquer se podia dar no Eddie at esse ponto. Eddie noprecisava de subtrair muito vinho. Conservava por baixo do balco umjarrodegaloenabocadojarroum funil.Todososrestosquevinhamdoscopos deitava-os Eddiepelo funil abaixo antes de os lavar. Enquanto setravava uma disputa ou se entoava uma cano no La Ida, ou pela noitedentro,quandoaboacamaradagematingialgicoremate,Eddie despejavanofunilcoposmeiocheioseadoisteros.Oponche resultantequelevavapara o Palcio era sempre interessante e por vezes surpreendente. Amisturadeaguardente,cerveja, bourbon,scotch,vinho,rumegenebra eramais oumenos certa,mas de quando em quando um fregus requintadopediaumlicor,umaniseteouumcuraau,eestestoquesdavamaoponcheumcarterespecial.Eddietinhaporhbitomisturarsempreum poucodebitterno jarro antesde sair. Emnoitesde sorteEddie obtinhaumas trsquartasdegalo.Eraparaelemotivodesatisfaoqueningum icasseaperder. J observara que um homem tanto se embebeda commeio copocomo com um cheio; isto se realmente se est na disposio de seembebedar.EddieeraumocupantemuitoapreciadonoPalcioFlophouse.Nunca os outros lhe pediam para ajudar s limpezas, e em certa ocasioHazellavouquatroparesdemeiasaoEddie.

    Ora na tarde em que Hazel se encontrava com o doutor na lagoaGrande daMar estavam os rapazes sentados a beberricar uma recentecontribuio de Eddie. Gay, o ltimo membro do grupo, tambm l seencontrava. Eddie sorvia contemplativamente golinhos do copo e faziaestalarosbeios.

    Tempiadacomoseestabelecemcorrentes disse.Anoitedontem,por exemplo.Plo menos dez tipos pediram manhattans.H ocasies emque se passa umms sem ningum pedir ummanhattan. a grenadinequedestegostoaisto.Mackprovouodele umlongosorvoevoltouaencherocopo.

  • Simdisse ele, compenetrado, so as pequeninas coisas quefazem a diferena. Circunvagou o olhar para ver como acolhiam osoutrosestajoia.ApenasGayapreendeutodoosentido.

    pois.disse.Ser.OndepararhojeoHazel?perguntouMack.Hazel foi plas estrelas-do-mar com o doutor informou Jones.

    Mackmaneou,compenetrado,acabea.Aqueledoutorumtipolegalavalerdisseele, capazdedar

    umacoroaemqualqueraltura.Quandomecortei punha-meumaligaduranova todos os dias. um tipobom a valer. Os outros a irmaram com acabeaabsolutaconcordncia.

    Andocamagicarh tempocontinuouMackqu que gentepodiafazerporelecoisadecentequelegostasse.

    DoquelegostavaeradeumadamadisseHughie.DamastemelejduasoutrsobservouJones.A gente sabe logo: corre as cortinas da frente e pe na grafonola

    aquela espciedemsicadigreja.Mack dirigiu-se repreensivamente aHughie:Lporqueandap'radediap'lasruascomumadama,pensasqueodoutorcelebratrio.

    Qucelebratrio?perguntouEddie.quandonoseconseguearranjarumadamarespondeuMack.JulgueiqueraumaespciedefestacontinuouJones.Fez-sesilncio.Mackremexeu-senocanap,Hughiedeixoupousarno

    choaspernasdianteirasda cadeira. Fitaramo espaoedepoisolharamtodosparaMack.Estefez:Hum!

    Quegnerode festa que vocs acham quo doutor gostaria?perguntouEddie.

    Nohsenoumgnero,poisno?acrescentouJones.Mackponderava:Odoutornoapreciaestamisturadadojarrocomcerteza.Comosabestu?inquiriuHughie.Nuncalhofereceste.Ora,seidisseMack.Eleandounaescola.Vientrarp'raliuma

    vezumadamadecasacodepeles.Noavisair. Eramduashorasquandoespreiteialtimavez,eamsicadigreja indacontinuavaa tocar.N,noselhepodeofrecernadadisto.Encheudenovoocopo.

  • Isto,depoisdo terceirocopo,nonadamau disseHughie comentusiasmo.

    NodisseMack.Mas no prodoutor. Tem de ser usque doautntico.

    Ele gosta mas de cerveja disse Jones. Passa a vida a irbuscar cerveja ao Lee, s vezes at a meio da noite.Eu c acho quequandosecompracervejacompra-setaraamais. Tomemlvocsoitoporcento da cerveja, pois gasta-se o dinheiro em noventa e dois por centodgua, corante, lparo e outras coisas assim. Eddie, achas que podiasarranjaraumasquatrooucincogarrafasdeusquenoLaIdadaprimeiravezquoWhiteyficardoente?disseMack.

    Podia,poisrespondeuEddie.T visto que podia, mas acabava-se tudo; l siam os ovos douro.

    Mesmoassim,achoquoJohnie jandadescon iado.Nooutrodiadisseme:cheiramaquiaumratochamadoEddie.

    Eu estava com teno de parar e trazer s o jarro durante algumtempo.

    Ehp!exclamouJones.Nopercasoemprego.SeacontecessealgumacoisaaoWhiteyatpodias l icarumasemanaoumaisenquantono arranjavamoutro. Acho que essa gente vai dar uma festa ao doutor,temosdecomprarowhisky.Quantocustacadagalo?

    NoseidisseHughie.Eup'ramimnocompromaisdemeioquartilho, duma vez, bem entendido. sabido; compra-se um quartilho earranjam-se logo amigos. Mas sa gente comprar meio quartilho, podirbeb-loprterrenoantesque,ora,antesquapareaumadatadegente.

    Pra fazer uma festa ao doutor inda vai custar muito baguinhodisseMack.Sa gente damos a festa, temde ser festa rija. Devia haverumbologrande.Quandosoosanosdele?

    NoprecisoelefazeranospradarmosafestaretorquiuJones. No, mas tinha piada acrescentou Mack. Acho queram

    precisas dez ou doze coroas pra dar uma festa ao doutor que noenvergonhasseagente.

    Olharamunsparaosoutrosinterrogativamente.Hughiesugeriu:OHediondoCannerycontratarapazes.NatalhouMack.Agentetemcanossareputaoenovai

    estrag-la.Qualquerdensquandarranjaumempregoconserva-se lum

  • msoumais;porissoquarranjamossempreempregoquandoqueremos.Imaginemquagentesempregavasporumdiaoudois;perdamoslogoareputao de parar nos empregos. E depois quando a gente precisassedum emprego ningum nos queria. Os outros acenaram pressurosoassentimento.

    T-mecaparecerquemevoupra trabalharumpardemeses;Novembro e parte de Dezembro disse Jones. Sabe bem ter umdinheiritomoploNatal.Podamosassarumperuestiano.

    Equepodamos, caramba! a irmouMack.Sei dum lugar lplasbandasdovaleCarmelondehmilequinhentosnumsbando.

    ValeapoiouHughie.Vocs sabem queu costumava apanharumascoisasprodoutorlnovale;tartarugas,caranguejosers.Tiravaumnquelemcadar.

    EeuacrescentouGayumavezapanheiquinhentasrs.So doutor precisar de rs, t tudo feito disseMack.A gente

    podia subir ao rio Carmel, ter umas feriazinhas; no se dizia nada aodoutorprqueraedava-se-se-lheumafestadarromba.

    UmgrandeentusiasmopairounoPalcioFlophouse.GaydisseMack.Chegai a espreitar porta e v so carro do

    doutorestlemfrentedacasa.Gaypousouocopoefoiespreitar.Indanodisse.Bom, deve estar a rebentar, mais minuto menos minuto disse

    Mack.Agoraagentevaifazeracoisadestamaneira.

  • VIIIEmAbrilde1932rebentoupelaterceiraveznoHediondoCanneryum

    dostubosdacaldeira,eoconselhodadireo,compostoporMr.Randolpheporumestengrafo,decidiuquesaamaisbaratocomprarumacaldeiranovadoqueencerrarasportastofrequentemente.AseutempochegouanovacaldeiraeavelhafoilevadaparaoterrenovagoentreacasadeLeeChong e o Restaurante Guio do Urso e colocada sobre blocos paraaguardarumainspiraodeMr.Randolphcomvistasa extrairdelaalgumdinheiro.

    Gradualmenteoengenheirodasmquinas foi tirandoatubagemparaconsertarcomelaoutrosaparelhosavariadosdoHediondo.

    A caldeira parecia uma antiquada locomotiva sem rodas. Tinha umaportagrandeaomeiodafrenteeaportadafornalha.Apoucoepoucofoi-se tornando vermelha e esboroando de ferrugem e pouco a pouco iacrescendo a malva daninha sua volta e as escamas de ferrugem iamalimentando a malva. Pelos lados trepava-lhe a murta em lor e o anis-bravoperfumavaoaremseuredor.Algumatirou tambmparaaliumaraizdedatura,earvore,carnudaegrossa,cresceu;grandes campnulasbrancas debruaram-se sobre a porta da caldeira, e pela noite as loresexalavamoaromaaamoreaagitao,aromaincrivelmenteperturbanteedeleitvel.

    Em 1935 Mr. e Mrs. Sam Malloy foram morar para a caldeira.Desaparecida toda a tubagem, era um compartimento espaoso,aconchegado,seguro.Verdadeseja queparaseentrarpelaportadofornose tornava necessrio faz-lo de gatas,masuma vez l dentro no podiadesejar-se lugar mais quente e seco para morar. Foraram um colchopelaportadofornoeinstalaram-se.Mr.Malloysentia-sealicontenteefeliz,dando-se o mesmo com Mrs. Malloy durante bastante tempo. Abaixo dacaldeira havia na colina numerosos canos igualmente abandonados peloHediondo. A pelos ins de 1937, aps uma pesca abundante, as fbricastrabalharamnoiteediaedeu-seumacrisedehabitao.FoientoqueMr.Malloy se meteu a alugar a homens solteiros os canos mais avantajadoscomoquartosdedormir,porumpreoassaz razovel.Comumpedaodepapel alcatroado numa das pontas e um quadrado de tapete na outra,formavamquartosconfortveis,muitoemboraquemestivessehabituadoa

  • dormirenroscadofosseobrigadoamudardehbitosouair-seembora.Havia quem alegasse que os prprios roncos ecoando pelos canos o

    acordavam.Mas,deumamaneirageral,Mr.Malloy faziaum negociozinhomuitoaprecivelesentia-sefeliz.

    Mrs.Malloyviviasatisfeitaenquantoomaridonosetornousenhorio.Depoismudou:primeiroexigiuumtapete,aseguir umacolcha;depoisumcandeeirocomquebra-luz desedaestampada.E inalmenteumdiaentroudepsemosnacaldeira,ps-sedepedisse,umpoucoofegante:HumsaldodecortinasnoHolman.Cortinasderendaverdadeiradebruadasde azul e cor-de-rosa; um dlar e noventa e oito o par com varesincludos.

    Mr.Malloyergueu-senocolcho.Cortinas?inquiriu.SantonomedeDeus,paraqueprecisastu

    decortinas?GostodeterascoisasbonitasdisseMrs.Malloy.Sempregostei

    deprtudobonitoeolbioinferiorcomeouatremer-lhe.Mas, minha querida exclamou Sam Malloy , eu nada tenho

    contraascortinas.Atgostodecortinas.SumdlarenoventaeoitoinsistiuMrs.Malloycomvoztrmula

    , e tu regateias-me um dlar e noventa e oitoe fungou, arrancandosuspirosdopeito.

    Eu nada regateiodisseMr.Malloy. Mas, minha querida, emnomedeCristo,quevamosns fazercomcortinas?Notemos janelas.Mrs.Malloychorou,chorou,eSamaninhou-anosbraoseacarinhou-a.

    Oshomens nada percebemdo que sente umamulher soluavaela.Oshomensnuncaexperimentarampr-senolugardasmulheres.ESam,deitadoaseulado,acariciou-lheascostaspormuitotempoantesqueelaconseguisseadormecer.

  • IXQuando o carro do doutor regressou ao Laboratrio, Mack e os

    rapazes, ocultos, observaramHazel, que ajudava a carregar os sacos dasestrelas-do-mar. Poucos minutos depois, Hazel, encharcado, subia ocarreirodasgalinhasataoPalcio.

    Levavaoscalesensopadosdeguadomaratscoxas,eondeestasecavaiam-seformandorodelasbrancasdesal.

    Pesadamente sentou-se na cadeira de balouo que lhe pertencia earremessouforaossapatosdetnis.

    Entocomovaiodoutor?perguntou-lheMack.timorespondeuHazel.Nosepescaumapalavradoquediz.

    Sabesoqueledissedascarrapatas?No,melhornotedizer.Epareceu-tebemdisposto?perguntouMack. Claro retorquiu Hazel. Apanhamos duzentas ou trezentas

    estrelas.Tsatisfeito.Noseisagenteh-dirtodos?,perguntava-seMack,erespondiaasi

    prprio: No, parece-me qu melhor ir s um. Se fssemos todos podiafazer-lheconfuso.

    Quih?perguntouHazel.TemoscunsprojetosdisseMack.Voueumesmo,praeleno

    sassustar. Vocs iquem aqui e esperem. Volto j. Mack saiu, saltitoupelocarreiroforaeatravessouoterreno.

    Mr.Malloyencontrava-seemfrentedasuacaldeira,sentadonumtijolo.Comovais,Sam?perguntouMack.Menosmal.Comovaiasenhora?MenosmaldisseMr.Malloy. Sabes dalguma cola comque se

    possa pegar pano ao ferro? De ordinrio, Mack ter-se-ia engolfado afundonoproblema,masnessaocasionosedeixoudistrair.

    Nodisse.Meteupeloterrenovago,atravessouaruaeentrounacavedoLaboratrio.

    O doutor estava agora sem chapu, pois no havia praticamenteprobabilidade demolhar a cabea a no ser que rebentasse algum cano.Ocupava-se em tirar asestrelas-do-mar de dentro dos sacos molhados eemdisp-lasnochofrescodecimento.Asestrelasestavamtodastorcidas

  • e emaranhadas, porque as estrelas-do-mar gostam de agarrar-se aqualquer coisa e estas no espao de uma hora s se tinham encontradoumas s outras. O doutor dispunha-as em ilas compridas e elas iam-seendireitandodevagaratquesequedavamemestrelassimtricasnochodecimento.

    Enquanto trabalhava, a barba castanha e pontiaguda do doutorumedecia-se de suor. Ergueu, um pouco nervoso, os olhos entrada deMack. No que viesse sempre com ele um contratempo, mas com eleentravasemprequalquercoisa.Comot,doutor?inquiriuMack.

    Muitobemdisseodoutor,inquieto.JsabeoquesucedeuPhyllisMae,doGuiodoUrso?Pregouuma

    pra num bbedo e enterrou-se-lhe um dente namo e t infectada atcimaaocotovelo.Mostrou-meodente;eradadentadura.Umdentefalsovenenoso,doutor?

    Acho que tudo o que sai da boca humana veneno replicou odoutorcomoadvertncia.Elajmandouchamaromdico?

    OMata-SetejtratoudaquilodisseMack. Vou levar-lhe sulfamidas disse o doutor, e esperou que

    rebentasse a tempestade. Sabia que se Mack se achava ali era paraqualquercoisa,eMackestavainteiradodequeelesabia.

    O doutor no estar a precisar de mais nenhuns bichos? perguntouMack.Odoutorsuspiroudealvio.

    Porqu?perguntou,nadefensiva.Macktornou-sefrancoeconfidencial:Eu lhedigo,doutor, ceumaisos rapazes temosquarranjarumas

    massas; temos, por fora. pra uma causa boa, podemesmo chamar-seumacausajusta.

    paraobraodePhyllisMae?Mackviuaoportunidade;pesou-a,edesistiu.Bem, no disse.ma coisa mais importante. No se pode

    matar uma marafona. No, a cois outra. Eu mais os rapazes pens amos,bemagentepensouquesodoutorprecisassedequalquercoisapodamosarranj-laprodoutorefazamosumnegociozito.

    Parecia simples, inofensivo.Odoutorcolocoumaisquatroestrelas-do-maremfila.

    Faziam-mejeitoumastrezentasouquatrocentasrs declarou.Eu prprio podia arranj-las,mas preciso de ir l abaixo, a La Jolla, esta

  • noite.Amanhdeveestarboaamaretenhodeapanharunspolvos.omesmopreoplasrs? perguntouMack.Cincocentscada

    uma?Omesmopreodisseodoutor.Macktornou-sejovial.Lporviadasrsnotemqueseralar,doutor disse.Agente

    arranja-lheasrstodasquequiser.Fiquedescansadoquantasrs:quatsepodemtrazerldecimadorioCarmel.Seidumlugar.

    Bem disse o doutor. Aceito todas as que trouxerem, masprecisodetrezentas.

    Tejadescansado,doutor.Noperc osonoamatutarnisso.H-deterassuasrs,talvezumasoitocentas.Jtranquilizadoodoutorquantosrs,umanuvenzinhaensombrouorostodeMack. doutordisse,agente,poracaso,nosepodiaservirdoseucarroprairaovale?

    Norespondeuodoutor. J te disse; tenhode ir estanoite aLaJollaparaaproveitaramardeamanh.

    Oh,exclamouMack,desapontado.Masespere,noseralecomisso,doutor.TalvezagentepossairnachocolateiradoLeeChong.

    Dito isto, ganhou repentinamente um ar distante, e acrescentou emseguida:

    Doutor, num negcio como este pode adiantar-se duzentos outrezentospausparaagasolina?TenhoacertezadequeoLeeChongnotipoparanosfiarumagota.

    N respondeu o mdico. Em tempo tinha cado numaesparrela semelhante. Certa vez pagara adiantadamente ao Gay umaapanha de tartarugas, foi desembolsando dinheiro durante uma, duassemanas,eaocabodessetempoonossoGayforapararcadeiaporumadenncialdamulherdele,earespeitodetartarugas...viste-las.

    Bom, sendo assim, descon io que nada feito disse Mack,aborrecido.Ocasoqueodoutorprecisavaagorade rs, a todoo custo.Magicava um processo de resolver a questo como se resolve qualquernegcioenocomoquemtiradinheiroparaumasilo.

    Jseiexclamou -;passo-teumarequisioparaomeupostodegasolinaevaislmeterdezgales.Estbemassim?

    Macksorriu: Legal. Est assente. Eu e a malta comeamos o trabalho logo de

    manhzinhaenquanto o doutor segue pelo sul pomo-nos ns a carregar

  • p'rarsquenuncamaisacabam.O doutor foi secretria e escreveu um bilhete ao RedWilliams, da

    bombadagasolina,autorizando-oafornecerdezgales.Prontodisse.Mackteveumsorrisoaberto:Doutor, pode dormir descansado emandar as rs fava; quando

    voltar vai ver a quantidade de bicharada que h p'ra. O doutor viu-oafastar-se, umpouco apreensivo.Os negcios dodoutor comoMack e osrapazes tinham sido sempre muito interessantes mas raramenteproveitososparaele.RecordavacomdesgostocertaocasioemqueMacklhevenderaquinzegatarres,eosdonos,denoite,ostinhamlevadoumaum.

    Olhal,Mackperguntara-lhe:Todosgatoscomo?Respondera-lheMack:Olhe,doutor,foicumainvenominha,masexplico-lheporserum

    amigolegal. Faz-se uma grande ratoeira d arame e depois no sempregaisca, sabe? Bem, mete-se l dentro uma gata. a maneira de s apanhartodadanadaraadegatosquehouvercplaterra.

    Deixandoo Laboratrio,Mack atravessou a rua e en ioupelas portasdemolasnamerceariadoLeeChong.Mrs.Leeretalhava toucinhosobreocepo de carniceiro. Um dos primos Lee ajeitava de leve desmaiadascabeas de alface, como o faz uma jovem a uma madeixa solta. Um gatodormitavasobreumaenormepilhadelaranjas.LeeChongmantinha-senoseu lugar do costume atrs do balco dos charutos e frente dasprateleiras das bebidas. O tamborilar no tampo acelerou-se um pouco entradadeMack.

    Macknoperdeutempocomrodeios.Leedisse ele. L o doutor andas voltas com um problema.

    Teve uma encomenda importante de rs promuseu de Nova Iorque. muitimportanteprodoutor.Sem falarmos namaaroca, dmuito crditoter umencomenda daquelas. O doutor tem dir ao Sul e eu e os rapazesprometemosajud-lo.Achoquosamigosquandopodemdevemajudarumtipo a tirar-se dapuros, sobretudo um tipo legalcomo o doutor. O qu?Apostoemcomogastquiconsigosessentaousetentadlaresporms.

    Lee Chong permaneceu calado e atento. O seu dedinho gordomal semovia sobre o tapete de borrachamas oscilava ao de leve, como o rabotensodeumgato.Mackmergulhounasuatese.

  • Vocnodeixariaagentelevarasuacamionetavelhaprairmoslacima ao vale Carmel buscar as rs prodoutor?Prquele bom do velhodoutor?

    Leesorriutriunfante:Camionetanobomdisse.Escangalhou.Isto desorientou Mack por um momento, mas logo, refazendo-se,

    desdobrouarequisiodegasolinaemcimadobalcodoscharutos.Olhe! disse.O doutor precisa das rs. Deume sta nota de

    requisiopra lhasarranjarmos.Nopossofaltaraodoutor.OGaybommecnico; sele consertar a sua camioneta e a puser como boa, voc nomeempresta?

    Lee recuou a cabeaparapoder observarMackpelos seus culosdemeia-lua.Nadapareciahaverde suspeitonaproposta.O carro realmenteno funcionava. Gay era de fato um bom mecnico e a requisio degasolinaeradefinitivaevidnciadeboaf.

    Quantotempodemoram?perguntouLee.Meiodiatalvez,talvezumdiainteiro.Otempodapanharmosasrs.Leeestavadescon iado,masnoencontravasada.Osperigosestavam

    vista,eLeebemosconhecia.EstbemdisseLee.BelodisseMack.Sabiaquodoutorpodiacontarconsigo.Vouj

    proGayatrabalharnocarro. Voltou-secomoparasair.Apropsito disse.Odoutorpaga cinco centspor cada r.Agentedevearranjar aumas setecentas ou oitocentas; que diz a iar-me um quartilho de OldTennisShoessatagentevoltarcomasrs.

    No!respondeuLeeChong.

  • XFrankiecomeoua iraoLaboratrioBiolgicoOcidentalquandotinha

    apenasonzeanosdeidade.Duranteumasemanaoumaislimitou-sea icarde p do lado de fora da porta e a espreitar. Dez dias depois entrou nacave. Tinha olhosmuito grandes e o cabelo era umnovelo escuro, sujo eeriado.

    Trazia asmos imundas. Pegounumaporode aparas, deitou-as nalata do lixo e volveu os olhos para o doutor, que, concentrado, punhaetiquetasnosfrascosdeensaioquecontinhamVilellaroxa.Frankieatingiupor im a banca de trabalho e pousousobre ela os dedos sujos. Levou aFrankie trs semanas para avanar este tanto, e mesmo assim estavaprontoaabalaratodoomomento.

    Finalmente,umdiaodoutorfalou-lheassim:Comotechamas,filho?Frankie.Eondevives?Lpracimaeapontouomonte.Porquenoestsnaescola?Noandonaescola.Porqu?Nomequereml.Tensasmossujas.Nuncatelavas?Frankie icouatnito.Depoisdirigiu-separao lavatrioe desencascou

    asmos,e todososdiasdepoisdissoesfregavaasmosat asprquaseemcarneviva.

    E passou a ir todos os dias ao Laboratrio. Era uma companhia semmuitaconversa.Certi icou-seodoutorpelotelefonede serverdadeoqueFrankiedissera.Nooqueriamnaescola.Noconseguiaaprenderetinhaumpequenodesequilbrio.Nohavialugarparaele.Noeraumdoidinho,no era perigoso; nem o pai, nem os parentes lhe pagariam o hospcio.Frankienemsempre dormianoLaboratrio,maspassava l os dias. E svezes ia de gatas meter-se no forno Excelsior e l icava. Istoprovavelmentequandohaviacomplicaesemcasa.

    Porquevenstuparaaqui?perguntou-lheodoutor.OsenhornomebatenemmedesmoladisseFrankie.

  • Emcasabatem-te?Htiosemtodososladoslemcasa.Unsbatem-meedizem-mepra

    me pr a andar e outros do-me um nquel e dizem-me tambmpramepraandar.

    Ondeestoteupai?MorreudisseFrankiecomarvago.Ondeestatuame?Comostios.O doutor mandou cortar os cabelos a Frankie e acabou-lhe com os

    piolhos.Comprou-lhenoLeeChongumpardecalasnovase umsweatersriscaseFrankietornou-seseuescravo.

    Gostomuito de sidisse-lhe uma tarde.Ai gostomuito de si.QueriatrabalharnoLaboratrio.

    Varria-o todososdias,masoresultadoerapouco feliz.Noconseguiatornarosoalhoverdadeiramentelimpo.Quisajudaraprosmariscospordimenses.Estavamdetodosostamanhosdentrodobalde.

    Tinham de ser agrupados nos tabuleiros, separados os de trspolegadas, os de quatro, e assim por diante. Frankie tentou e o suorborbulhava-lhenatesta,masnoconseguiu.Arelatividadedasdimensesnopenetravanele.Nodizia-lheodoutor. Olha,Frankie,pe-nosassim juntododedopara teresacertezadequesodeste tamanho,vs?Este vai da ponta do teu dedo at base do polegar. Agora pega noutroque v da ponta do teu dedo at ao mesmo ponto, e d sempre certo.Frankie tentoueno foi capaz.Quandoodoutor subiu ao andar superiorFrankiearrastou-separadentrodoExcelsiorenosaiudeltodaatarde.

    Todavia,Frankieeraumpequenobom,meigoeobediente. Aprendeuaacender os charutos do doutor e s desejava que o doutor fumasseconstantementeparapoderexerceressasfunes.

    AcimadetudoFrankiegostavadasfestasquealgumasvezes havianoLaboratrio. Quando se reuniam raparigas e rapazes e se sentavam econversavam,quandoagrafonolagrandetocavamsicasquelhevibravamno estmago e lhe faziam na cabea tomar vagamente formas belas eterrveis imagens, Frankie extasiava-se. Encolhia-se ento todo numcantinho, atrs de uma cadeira onde icasse escondido e pudesse ver eouvir.

    QuandoseriamdeumgracejoFrankie,emboranoopercebesse, ria

  • encantado por trs da sua cadeira e quando a conversa versavaabstraes, carregava-se-lhe o sobrolho e icava atento e concentrado.Certatardepraticouumatoousado.

    HaviaumapequenareunionoLaboratrio.EnchiaodoutoroscoposdecervejanacozinhaquandoFrankieapareceujuntodele edeitouamoa um copo de cerveja; e, disparando porta fora, foi entreg-lo a umarapariga que estava sentada numa cadeira grande. Ela pegou no copo edisse:Ah,muitoobrigadaesorriu-lhe.

    Eodoutor,assomandoporta,concluiu:Sim, Frankie paramimuma grande ajuda. Frankie no podia

    esqueceraquilo.Nasuamenteacenapassavaerepassava:comopegaranocopo,como

    estavasentada a rapariga, e depois a voz dela: Ah, muito obrigada, e odoutor: uma grande ajuda. Sim, Frankie uma grande ajuda. Ai, meuDeus! Sabia que ia haver uma grande festa porque o doutor compraracosteletas e uma poro enorme de cerveja, e mais, o doutor deixara-olimpartodooandardecima.Masistonadaera,poisnacabeadeFrankiegerminara um grandioso plano que ele via j tornado em realidade.Representava-oe tornavaa represent-lovezes semconta.Era lindo.Eraperfeito.

    Comeoupois a festa e as pessoas foram sentar-se na sala da frente;meninas, senhoras, homens. Frankie teve de esperar para icar com acozinhasparasiecomaportafechada.Epassoumuitotempoantesqueassim sucedesse. Mas por im icou sozinho e isolado dos circunstantes.Ouviaosussurrodasconversaseamsicadagrafonolagrande.Agiacommuita cautela: primeiro a bandeja, depois tirar os copos sem partirnenhum. Agora deitar-lhes a cerveja, deixar abater um pouco a espuma,acabardeench-los.

    Eestavapronto.Tomouumlongohaustoeabriuaporta.A msicaeavozeariaestrondearam sua volta. Frankie pegouna bandeja emarchoupela casa dentro. Sabia como era. Foi direito mesma rapariga queanteriormente lheagradecera. E ento,mesmo em frente dela o desastredeu-se;acoordenaofalhou,asmosembaraaram-se-lhe,osmsculoseos nervos em desordem no estabeleceram ligao e iciente, as reaesforamnegativas.Bandejaecervejaescorregaramparaocolodarapariga.Por instantesFrankiequedou-se esttico.Depois voltou as costas e fugiu.

  • Estabeleceu-seosilncionasala.Ouviram-nocorrerpelasescadasemeter-senacave,osomoco deum

    tropearsapalpadelas,edepoissilncio.Odoutordesceudemansoasescadasatcave.Frankieachava-seno

    fornoExcelsior,bemencafuadono fundo,coma pilhadeaparasporcimadele. O doutor ouvia-o choramingar l dentro. Esperou um momento edepois regressou devagar ao andar de cima. Nada havia no mundo quepudessefazer.

  • XIOmodeloTFord de Lee Chong possua uma histria respeitvel .Em

    1923 fora carro de turismo do Dr.W. T. Waters. Este utilizou-o durantecincoanosevendeu-odepoisaumagentedesegurosdenomeRottle.Mr.Rottlenoerahomemcuidadoso.Conduziabrutao carroqueadquiriraemtimoestado.Mr.Rottlebebianasnoitesdesbadoeocarroressentia-se. Amolgaram-se e partiram-se o guarda-lamas. O abuso dos travesforavasubstituiofrequentedascintas.

    Quando Mr. Rottle desviou o dinheiro de um cliente e fugiu nacompanhia de uma loura espampanante, foi apanhado e engaiolado noespao de dez dias. A carroaria estava to amachucada que o novoproprietrio cortou-a em duas e acrescentou-lhe uma pequena caixa decaminho.

    Oproprietrioseguintetirou-lheapartedianteiradacabinaeopra-brisas. Servia-se dele para arrancar percebes e regalava-se com a brisafrescanacara.

    Chamava-seFrancisAlmoneselevavavidatriste,poisganhavasempremenos uma frao do que precisava para viver. O pai deixara-lhe unsdinheiritos, mas ano aps ano, ms aps ms, por mais que Francistrabalhasse, por mais cuidado que tivesse, o dinheiro ia diminuindo, atquepor imsecoudetodo,sumiu-se.LeeChongreceberaacamionetaemtrocadeumacontadamercearia.Poressaalturaocarronoeramaisdoque quatro rodas e ummotor; e este to emperrado, to embezerrado ecaturra,querequeriacuidadoseestudosespecializados.

    Lee Chong no lhos proporcionava, do que resultava permanecer ocarro na relva por trs da mercearia quase sempre com abboras acrescerem-lhe entre os raios. Tinha pneus slidos nas rodas traseiras eunsceposerguiamdochoasdafrente.

    provvel que qualquer dos rapazes do Palcio Flophouse pudesseprocarroemboaforma,poiseramtodosmecnicoscompetentesecomprtica,masGayeraummecnicoinspirado.

    Nohtermoaplicvelasemelhantemecnicoquesecompareamosde fada,masdeviahaver.Porqueexistiamhomens capazesdever, ouvir,sondar, ajustar, e amquina funciona. Na verdade, h homens nasmosdosquaisummotorfuncionamelhor.AssimeraGay.Osseusdedossobreum distribuidor ou um parafuso de a inao do carburador eram leves,

  • seguros, conhecedores. Conseguira consertar os delicados motoreseltricos no Laboratrio. Podia, se quisesse, ter sempre trabalho nasfbricas,poisnessaindstria,ondeamargamentesequeixamquandonorealizam cada ano o total do capital em lucros, so muito menosimportantes asmquinas do que as declaraes iscais. De fato, se fossepossvelenlatarsardinhascomrelatrios,osdonos icariam imensamentefelizes. Assim, empregavamuns velhos horrores demquinas decrpitas,trepidantes, necessitando dos cuidados constantes de um homem comoGay. Mack fez os rapazes levantarem-se cedo. Tomaram o seu caf edirigiram-se logo para onde o carro se encontrava, entre as ervas. Gaysuperintendia.Deuunspontapsnasrodasencalhadasdafrente.

    Vopedirumabombaemprestadaeencham-meissodisse.A seguir meteu um pau no reservatrio da gasolina por baixo da

    prancha que servia de assento. Por milagre havia meia polegada degasolina no reservatrio. Depois Gay passou revista s di iculdadesmaisprovveis.Tirouforaascaixasdasbobinas,raspouosplatinados,ajustouafolga e voltou a coloc-los nos seus lugares. Abriu o carburador paracerti icar-se de que a gasolina chegava l. Deu manivela para ter acerteza de que a cambota no gelara de todo e os pistes no estavamenferrujados.

    Entretanto chegou a bomba e Eddie e Jones, revezando-se, encheramospneus.Gaycantarolava tum-tata, tum-tataenquanto trabalhava.Tirouasvelas,limpouoseltrodoseraspouocarvo.Depoisescorreuumpoucodagasolinaparaumalataedeitoualgumaemcadaumdoscilindrosantesdecolocarasvelasnovamentenosseuslugares.Endireitou-se.

    A gente vai precisar dum par de pilhas secas disse. V seconseguesquoLeeChongtasd.

    Mackpartiuevoltouquasea seguir comumnouniversal,destinadopor Lee Chong a cortar quaisquer pedidos futuros. Gay re letiuintensamente.

    Sei ondh um par delas, bem boas por sinal, mas eu c no voubusc-las.

    Onde?perguntouMack.Nacave ldecasadisseGay.So as que fazem funcionar as

    campainhasdaentrada.Sumdevocsseesgueirartcavesemaminhapatroadarpor isso,stoaocimo,notabiqueesquerdadequementrar.MaspormordeDeusnosedeixemapanharplapatroa.

  • Emconferncia,elegeramEddieparair,eelepartiu.Seforesapanhadonofalesemmimgritou-lheGaypartida.Entretantoexperimentavaascintas.Opedalaltoebaixonotocavano

    cho, por isso concluiu que lhe restava ainda alguma cinta. O pedal dotravo, esse sim, encostava completamente no cho, portanto no haviatravo; mas o pedal de marcha-atrs ainda conservava muita cinta porgastar. No modelo T do Ford o pedal de marcha-atrs a tbua desalvao. Quando falha o travo pode utilizar-se a marcha-atrs em suasubstituio.Equandoacintadevelocidadebaixaestgastademaisparasepodersubirumaladeira ngreme,entopodedar-seavoltaaocarroemet-loemmarcha-atrs.Gayveri icouqueamarcha-atrsestavaembomestadoetinhaacertezadequetudocorreriabem.

    Foi de bom augrio ter o Eddie regressado sem novidade com aspilhas.Mrs. Gay encontrava-se na cozinha. Eddie ouviu-a a andar de umladoparaooutro,masela noouviuoEddie.Tinhaum jeitopara coisasdestasoEddie.

    Gayligouaspilhas,acelerouagasolinaeatrasouaignio.Dmaniveladisseele.Um portento, era este Gay um mecanicozinho de Deus, o S.

    Franciscode todasascoisasquerodam, torcem,explodem,oS. Franciscodasbobinas,dascambotasedoscarretos.Esealgumdiatodaacatervadecalhambeques avariados, Lusenbergs, Buicks, De Sottos e Plymouths,AustinsamericanoseIsottaFraschiniselevarem numgrandecoroosseuslouvoresaDeusseremgrandepartedevidoaGayesuaconfraria.

    Umjeito,sumjeitinho,eomotorpegou,funcionou,falhouetornouapegar.Gayavanouaignioedesacelerou:Ligou aomagnetoeoForddoLeeChonggorgolejou,tremelicoue estrondeoufelizcomosesoubessequetrabalhavaparaalgumqueoamavaecompreendia.

    Apresentava o carro duas pequeninas di iculdades de tcnica legal:nopossuaachapadelicena,recente,nemfaris.

    Osrapazes,porm,penduraramsobreachapatraseiraacidentalmentecom carter permanente um trapo que ocultava a sua procedncia ebesuntaramachapada frentecomlamagrossa,daboa.Oequipamentodaexpedio foi sumrio;algumasredesdecanascompridaseunssacosdeoleado.Oscaadoresdacidadequandovocaaajoujam-sedecomidasebebidas.NanjaoMack.Deduzia,comrazo,quedocampovinhaacomida.

  • DoispeseoquesobroudojarroprodutivodeEddiefoitodaaproviso.Arapaziada trepouparaa camioneta Gay a conduzir eMack a seu lado;contornaram a esquina do Lee Chong aos solavancos e desceram peloterreiro ziguezagueando por entre os carros. Do seu pouso junto dacaldeira.Mr.Malloyacenou-lhesumadeus.Ao transitarpelopasseio,Gayabrandouamarchaedesceucautelosamente,poisospneustinhamatelamostraemtodaavolta.Apesardesteaf,stardesepuseramacaminho.

    O carro abrandou junto do posto do Red Williams. Mack desceu eentregouopapel aRed.Foidizendo: Odoutor estava umbocado teso,por isso deite-ma cinco gales e passe-me o troco em lugar dos outroscincogales;assimquodoutorquer.EletevedirSul,sabe?Tinhalumnegciomuitoimportante.

    Redsorriucondescendente.Sabes,Mackdisse,odoutor icouamatutarsenohaveriaa

    maroscaepsodedoexatamentenomesmositiozinhoquetu.Odoutorumtipofinrioetelefonoupracontemnoite.

    BotelosdezgalesdisseMack.Olhe,esperea,podebaldearevirpor fora;meta cincogales ed-meosoutros cinconuma lata;umadessasseladas.

    Redsorriusatisfeito.Odoutoramodosquetambmdeuporessaobservou.Meta os dez gales pediu Mack. E no me deixe nada na

    mangueira.Apequena expediono atravessouo centrodeMonterey.Um sinal

    de delicadeza para com a iscalizao de chapas e faris levou Gay aescolheras ruas traseiras.L chegariaaaltura emque, subindo omonteCarmel e descendo para o vale, quatro boas milhas de estrada realicariamvistadequalquerpolciaquepassasseenquantonodescessempelaestradapoucofrequentadadovaledeCarmel. Gayescolheuumaruaque os levou estrada principal por alturas da Cancela de Peter,justamenteondecomeavaarampadomonteCarmel.Gayiniciouarampacomumarranqueestrepitosoe cincominutos depois carregava no pedalparaabrandar.Sabia queesteno funcionavaporteracintamuitogasta.Em terreno plano tudo ia bem, mas na subida no. Parou, fez recuar acamionetaedirigiu-seadireitodescidadomonte.

    Entoaceleroueengrenouemmarcha-atrs.Acamionetaarrastou-se

  • seguraevagarosamentepelomonteCarmelacima,masemmarcha-atrs.Eporpoucoconseguiam.Oradiador fervia, claro,masquase todosos

    peritosdomodeloTestavamconvencidosdequeestenotrabalhavabemsemqueaguafervesse.

    Algumdeviaescreverumensaioeruditoacercadoefeitomoral sicoe esttico do modelo T Ford na nao americana. Duas geraes deamericanos sabiammaissobre a bobina Ford do que sobre o cltoris, osistemadeengrenagemplanetriaoudosistemasolardasestrelas.ComomodeloTdesaparecia parte do conceito sobre a propriedade privada. Osalicates deixavam de ser propriedade exclusiva e uma bomba de pneuspertencia ao ltimo que lhe tivesse deitado a mo. A maioria dos bebsdessa poca foi concebida nos modelos T Ford, e no poucos nasceramdentrodeles.A teoriado laranglo-saxo icoutodesvirtuadaque jamaisse recomps por completo. O carro recuou resolutamente pelo monteCarmelacima,passoupelaestradadopicodeJackeencetavaoseultimoe mais puxado arranque quando o resfolegar do seu motor se adensou,gorgolejou e engasgou. Gay, que de todo o modo enfrentava o declive,desceuoscinquentapsemeteupelaestradadopicodeJack.

    Quefoi?perguntouMack.ocarburador,achoeudisseGay.Omotorchiou,estralejoudequenteeo jactodevaporquesoproudo

    tubodedescargadoradiadorsooucomoumsilvodejacar. OcarburadordomodeloTnocomplicado,masnecessitadetodasassuaspeasparafuncionar.H uma vlvula com agulha e esta deve ter umaponta, a qualassentanasuaranhura,decontrrioocarburadornofunciona. Gaypsaagulhanapalmadamo;tinhaapontapartida.

    Comodiaboachastuquistoaconteceu?perguntou.BruxedodisseMack.Bruxedo,puroesimples.Nopodesconsert-la?Cus,no!exclamouGay.Temosdarranjaroutra.Quantocustam? Pra um dlar, se comprares uma nova, um quarto de dlar no

    sucateiro.Tensodlar?perguntouMack.Tenho,masnopreciso.Bem;voltalogoquepuderes,sim?Agenteficamesmoaqui.

  • Emqualquerdoscasos,vocsquenosepodempramexersemavlvuladisseGay.

    Avanouparaaestrada.Fezsinala trscarrosantesqueumparasse.Os rapazesviram-no subir e desaparecernadescida, enoo tornaramaver em cento e oitenta dias. Ah, o in inito das possibilidades. Comoaconteceuqueo carroque transportavaGayempanouantesde chegar aMonterey?SeGaynotivessesidomecniconoteriaconsertadoocarro.EseonotivesseconsertadoodononolheteriaoferecidoumabebidanoJimmy Brucia. E porque havia de ser o dia do aniversrio do Jimmy? Deentre tantas possibilidades que havia no mundo milhes delas saconteceram coisas que levavam cadeia de Salinas. O Sparky Enea e oTinyCollettitinhamfeitoaspazeseajudavamafestejarosanosdeJimmy.Entrouumaloura.DiscussomusicalemfrentedaVitrola.OnovoamigodeGay, que conhece um golpe de jud, tenta mostr-lo a Sparky e parte opulsoporexecutarogolpeerrado.Opolciacomdoresdebarriga.

    Tudopormenores semrelao,desconexos, e contudocorrendo todosna mesma direo. O destino no queria simplesmente deixar Gay ir caadasrs,eempregou todoumesforo danado, pessoas e incidentes,para o desviar dela. Quandosobreveio o clmax inal, com a fachada dasapatariaespatifadaea rapaziadaaprovarocaladoexpostonamontra,foi Gay o nico que no ouviu a sereia dos bombeiros. S o Gay noacorreu ao incndio, e quando a polcia chegou encontrou-o sozinho,sentadonamontradoHolmancomumsapatocastanhodedesportonump e um decerimnia, de verniz, e uma polaina de fazenda cinzenta nooutro. Entretanto, l junto ao carro, os rapazes acenderam uma pequenafogueira logoquecomeouaescurecere soproudomarum friozinho.Aoalto os pinheiros sussurravam na brisamarinha. Deitados na caruma, osrapazescontemplavamocudistanteatravsdosramosdospinheiros.

    Durante algum tempo falaram das di iculdades que devia estar apassarGayparaadquirirumavlvula,edepois,poucoapouco,conformeotempofoipassando,deixaramdeomencionar.

    DeviateridoalgumcomeledisseMack.PelasdezhorasEddielevantou-se.H um acampamento de construtores mais acima declarou.

    Parece-mequevoudaquiversetmporlalgummodeloT.

  • XIIMonterey uma cidade de extensa e brilhante tradio literria.

    RecordacomprazerecertoorgulhoquealiviveuRobertLouisStevenson.AIlhadoTesouropossuidefatoatopogra iaeotraadocosteirodePortoLobos. Mais recentemente tem passado por Carmel uma quantidade deliteratos mas no existe j o sabor, a antiga dignidade das verdadeirasbelles-lettres. Uma ocasio a cidade escandalizou-se muito com o que oshabitantesconsideraramuma ofensaaumautor.FoiapropsitodamortedeJoshBillings,ograndehumorista.Ondeestagoraopostodoscorreioshaviaentoumcanalfundo com gua corrente e por cima uma pequenaponte.Numdosladosdocanalerguia-seumbeloedi cioenooutroacasado mdico, que tratava de todas as doenas, nascimentos e bitos dacidade. Tambm se ocupava de animais, e, tendo estudado em Frana,ensaiava-semesmonaprticanovade embalsamarcorposantesdeserementerrados. Muitos dos saudosistas classi icaram a prtica sentimental, aalguns parecia ociosa e para outros era sacrlega, visto no estarmencionadaemqualquer livrosagrado.Masas famliasmais ricas emaisimportantesiam-naadotandoedir-se-iaquepassaraasermoda.

    Certa