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II. MÉTODO: Estudo 3. Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem Mª Dulce Miguens Gonçalves 235 B. Crenças e concepções pessoais sobre Dificuldades de Aprendizagem em estudantes do Ensino Secundário.

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Concepções Científicas e Concepções Pessoais sobre o Conhecimento e Dif. de Aprendizagem – Mª Dulce Miguens Gonçalves

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B.

Crenças e concepções pessoais sobre Dificuldades de

Aprendizagem em estudantes do Ensino Secundário.

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Estudo 3.

Desenvolvimento de uma versão do Questionário Epistemológico

para estudantes do ensino secundário.

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Estudo 3. Desenvolvimento de uma versão do Questionário Epistemológico

para estudantes do ensino secundário.

Inicialmente o Questionário Epistemológico foi desenvolvido com o objectivo de

estudar as crenças epistemológicas dos estudantes do ensino superior. Surgiu

posteriormente uma nova versão para estudantes do ensino secundário (Schommer,

1993). Seguindo de perto os procedimentos descritos pela autora, procedeu-se

igualmente ao estudo de uma versão portuguesa para estudantes do ensino secundário.

Deste modo, torna-se possível analisar semelhanças e diferenças entre dois níveis de

escolaridade distintos, determinar a estabilidade ou evolução das crenças

epistemológicas em diferentes momentos, pesquisar processos e eventuais etapas de

desenvolvimento.

A generalidade da pesquisa sobre crenças epistemológicas tem vindo a centrar-se

nos estudantes universitários (Hofer & Pintrich, 1997). No entanto, muitos estudos

sugerem que a compreensão e metacompreensão dos estudantes evoluem ao longo do

tempo (Zimmerman & Martinez –Pons, 1990, citados por Schommer, 1993). Por outro

lado, é no ensino secundário que surge a disciplina de Filosofia, com o estudo das

teorias sobre o conhecimento e dos diferentes paradigmas epistemológicos. Parece

interessante poder comparar o modo como os estudantes pensam no início e durante o

secundário, com as suas crenças pessoais no final da formação universitária. Até que

ponto a formação nas diferentes áreas científicas e o estudo dos princípios

epistemológicos subjacentes, contribuem para o desenvolvimento de crenças pessoais

mais elaboradas e com maior fundamento?

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Caracterização do instrumento.

Na versão original, o Questionário Epistemológico para estudantes do ensino

secundário surge por adaptação do questionário para os universitários. Num estudo

piloto, a autora pediu a grupos de estudantes do ensino secundário que indicassem itens

confusos ou pouco claros (Schommer, 1993). Os resultados obtidos conduziram a

alterações mínimas, com a mera substituição de alguns termos mais complexos. O

Questionário foi sempre administrado nas salas de aula de cada turma inquirida. Os

resultados foram analisados de acordo com procedimentos já anteriormente descritos

(foi calculado o valor médio de cada um dos 12 subconjuntos previamente definidos, e,

com base nessas doze variáveis procedeu-se a uma análise em componentes principais).

No primeiro estudo que Schommer realizou com estudantes do ensino secundário

(“high school”, em 1993) foi possível determinar uma estrutura factorial muito similar à

anteriormente descrita para estudantes universitários. Quatro factores (de valor próprio

superior a .98) permitem explicar 53.3% da variância observada. A ordem dos factores

foi também idêntica: I) a capacidade de aprender é fixa (“Fixed Ability”); II) o

conhecimento é simples, constituído por elementos isolados (Simple Knowledge); III) a

aprendizagem ocorre rapidamente ou já não ocorre (“Quick Learning”); IV) o

conhecimento é absoluto, fixo, o que é verdade hoje, será sempre verdade (“Certain

Knowledge”).

Procedimentos de adaptação ao nível secundário.

Os procedimentos de adaptação tiveram por base a versão original americana e

respeitaram tanto quanto possível as normas sugeridas pela autora. Numa primeira fase

todos os itens foram relidos por dois psicólogos que, em conjunto, procuraram

formulações alternativas que pudessem simplificar a compreensão e clarificar o

significado original de cada frase, tendo em vista o vocabulário e nível de

desenvolvimento dos adolescentes alvo. As sugestões obtidas permitiram simplificar ou

mesmo duplicar o conteúdo de alguns itens, com formulações alternativas. Deste modo,

o número total de itens foi deliberadamente aumentado, para uma selecção posterior em

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pré-teste. Esta versão revista foi aplicada a três pequenos grupos de alunos a frequentar

o ensino secundário, com observação directa de dificuldades no preenchimento,

entrevista de grupo para verificar o significado atribuído a cada item, registo de

comentários e sugestões. Efectuaram-se igualmente algumas aplicações individuais,

para melhor esclarecimento da interpretação e reacção de cada aluno. O resultado de

todas estas aplicações e entrevistas permitiu uma nova revisão. Finalmente, todo o

questionário foi de novo testado, por aplicação colectiva a três turmas do ensino

secundário, em condições similares a uma aplicação padrão. Este pré-teste registou um

reduzido número de dúvidas e um preenchimento sem dificuldades manifestas.

Tal como sucedera na preparação da versão americana, tornou-se claro que a

maioria dos itens não oferecia dificuldades de compreensão, mesmo na sua versão

original. Apenas 19 itens sofreram ligeiras alterações para simplificar o vocabulário1

ou para introduzir denominações mais adequadas ao ensino secundário2. Três itens

(itens 11., 38 e 43.) conservaram uma dupla formulação para análise posterior,

passando o questionário a ser constituído por um total de 66 itens. Todas estas

alterações podem ser analisadas com maior detalhe no quadro em anexo (Anexo VIII).

O questionário manteve itens, conteúdo e estrutura, muito similares aos da versão para

universitários (Anexo IX).

Descrição da amostra.

Participaram neste estudo 392 estudantes a frequentar o ensino secundário em

dez escolas da região da Grande Lisboa, representativas de diferentes zonas e extractos

sociais. A amostra é heterogénea quanto à variável sexo (Quadro 3.1.), com uma

distribuição aproximada à observada na população (Estatísticas da Educação 97, 1999).

1 Por exemplo, no item 8.: “A capacidade de aprendizagem é inata”, a palavra “inata” foi

substituída por uma expressão equivalente: “...nasce com cada um de nós.” 2 Por exemplo no item 41., a expressão “...tirava-se mais partido da Universidade” foi substituída

por “...tirava-se mais partido da Escola.”; no item 60., a expressão “cursos de ciências” foi substituída

por “disciplinas de ciências”.

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QUADRO 3.1.

Distribuição da amostra em função do sexo e do ano.

Sexo

ANO Fem. Masc.

Total linha (percentagem coluna)

10º 61 (64.2%) 34 (35.8%) 95 (24.2%)

11º 103 (61.7%) 64 (38.3%) 167 (46.6%)

12º 78 (60%) 52 (40.0%) 130 (33.2%)

Total coluna 242 (61.7%) 150 (38.3%) 392 (100%)

De modo geral, foram questionados cerca de 60% de alunos do sexo feminino e

40% do sexo masculino. Esta proporção observada numa amostra de alunos da Grande

Lisboa, é mais elevada para o sexo feminino do que na população em geral1. Note-se

no entanto que os valores estatísticos de referência são oficialmente obtidos a partir do

número de alunos inscritos, não sendo sensíveis a situações de absentismo ou abandono

escolar.

QUADRO 3.2.

Distribuição da amostra por grupos etários.

Sexo

Idade Fem. Masc.

Total linha (percentagem coluna)

15-16 101 (67.8%) 48 (32.2%) 149 (38.0%)

17-18 101 (54.6%) 84 (45.4%) 185 (47.2%)

19 ou mais 40 (69.0%) 18 (31.0%) 58 (14.8%)

Total coluna 242 (61.7%) 150 (38.3%) 392 (100%)

1 Na população em geral, considerando todo o Continente, a proporção de alunas inscritas nos

vários anos do ensino secundário varia entre 55 e 59% (Estatísticas 97, 1999).

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QUADRO 3.3.

Distribuição por níveis etários em função do ano de escolaridade e do sexo.

Níveis Etários

ANO Sexo 15-16 17-18 19 ou mais Total

10 feminino 46 (75.4%) 14 (23%) 1 (1.6%) 61 (64.2%)

masculino 21 (61.8%) 13 (38.2%) 34 (35.8%)

Total 67 (70.5%) 27 (28.4%) 1 (1.1%) 95 (100%)

11 feminino 55 (53.4%) 31 (30.1%) 17 (16.5%) 103 (61.7%)

masculino 27 (42.2%) 28 (43.8%) 9 (14.1%) 64 (38.3%)

Total 82 (49.1%) 59 (35.3%) 26 (15.6%) 167 (100%)

12 feminino 56 (71.8%) 22 (28.2%) 78 (60%)

masculino 43 (82.7%) 9 (17.3%) 52 (40%)

Total 99 (76.2%) 31 (23.8%) 130 (100%)

Relativamente à idade (Quadro 3.2.), a amostra revela-se bastante heterogénea,

variando entre os 15 e os 25 anos, com um valor médio de 17.08 (desvio padrão de

1.44). Tal como se observa na população em geral1, a maior parte dos sujeitos (85.2.%)

tem menos de 19 anos. Também como na população em geral, observa-se uma maior

percentagem de alunos do sexo feminino no nível etário entre os 15 e os 16 anos, bem

como no nível etário acima dos 19 anos. As raparigas são, simultaneamente, as alunas

mais novas e mais velhas de cada ano de escolaridade (ver Quadro 3.3.). No entanto, o

número de repetências observado nas alunas tende a ser menor do que o observado nos

alunos do sexo masculino (Quadro 3.4.)2.

1 A percentagem de alunos do ensino secundário entre os 15 e os 18 anos totaliza cerca de 90%

(Estatísticas 97, 1999). 2 Não foi possível obter valores de referência para o número de repetências por aluno no ensino

secundário.

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QUADRO 3.4.

Número de repetências em função do sexo.

Sexo Repetências Feminino Masculino Total

0 139 (58.4%) 65 (43.9%) 204 (52.8%) 1 54 (22.7%) 47 (31.8%) 101 (26.2%) 2 32 (13.4%) 29 (19.6%) 61 (15.8%) 3 12 (5.0%) 6 (4.1%) 18 (4.7%) 4 1 (.4%) 1 (.7%) 2 (.5%)

Total 238 148 386 (100%) Nota: registaram-se seis casos omissos quanto a esta variável.

Verifica-se que cerca de metade dos alunos (47.2%) já repetiu um ou mais anos

de escolaridade. A maior parte destes alunos são do sexo masculino (56.1% dos alunos

do sexo masculino), enquanto apenas 42% das alunas do sexo feminino referem

repetências. Cerca de um quarto do número total de alunos observados refere ter

repetido um ano de escolaridade, enquanto apenas 5% dos alunos repetiu três ou mais

vezes.

Os questionários foram preenchidos no ambiente natural de cada turma,

substituindo uma das suas aulas, com autorização dos respectivos professores.

O procedimento de aplicação foi similar ao descrito para os estudantes

universitários. Os estudantes foram previamente informados sobre a natureza e

objectivos gerais do estudo, foi solicitada a sua participação voluntária, depois de

assegurado o anonimato e a confidencialidade. A resposta ao questionário foi

antecedida por algumas questões abertas para determinar concepções pessoais sobre a

aprendizagem em geral e, mais especificamente, sobre dificuldades de aprendizagem.

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Estudo psicométrico da versão portuguesa do Questionário Epistemológico

para estudantes do ensino secundário.

Para a análise psicométrica desta nova versão do Questionário Epistemológico

desenvolveram-se procedimentos similares aos anteriormente descritos para a versão

destinada a estudantes universitários.

Foram inicialmente recolhidos 400 questionários, dos quais apenas 392 foram

utilizados na análise estatística. Nos 8 questionários eliminados existiam quatro ou

mais respostas omissas. Registaram-se ainda 7 casos de dupla resposta (quando o aluno

assinala simultaneamente dois pontos da escala) que se atribuíram a lapso ou a

dificuldades na definição de uma única resposta. Estes casos foram considerados como

casos de resposta omissa. No total registaram-se 48 questionários com uma única

resposta omissa, 14 questionários com duas e 3 questionários com três respostas

omissas. Isto corresponde a cerca de 1.7% do número total de respostas. Estas

omissões surgiam distribuídas por todos os itens sem excepção, com uma frequência

máxima de 11 omissões no item 2 (2.8%). Todos estes casos foram substituídos pelo

valor médio observado.

Procedeu-se igualmente à inversão de todos os itens de valência negativa (28

itens). Efectuou-se uma análise global da distribuição das respostas em cada item. De

um modo geral, registaram-se respostas em todos os pontos da escala em quase todos os

itens (ver Anexo X.), e as respostas observadas cobriam de uma forma razoável o leque

de todas respostas possíveis. Numa análise mais detalhada, constatou-se que apenas

quatro itens registavam frequências de resposta superiores a 60%, num dos extremos da

escala: itens 3, 28, 39 e 441. O item 3 apresentava mesmo um valor de assimetria de 2.5

(Anexo XI.), o que representa uma diferença significativa em relação à distribuição

normal (maior que 2, de acordo com o critério referido por Pestana e Gageiro, 1998).

1 De notar que, na versão para estudantes universitários, estes quatro itens tinham registado uma

situação bastante similar, embora com valores menos significativos (nota: o item 44 corresponde ao

anterior item 43).

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Os itens 39 e 44 apresentavam valores de variância inferiores a .35, devendo também

ser considerada a sua eliminação, por não serem discriminativos.

Para a análise da estrutura factorial do questionário seguiram-se procedimentos

análogos aos anteriormente descritos. Foram efectuadas análises em componentes

principais dos 66 itens previamente agrupados em 12 subconjuntos (Schommer, 1990 e

seguintes) e, paralelamente, do total de 66 itens sem agrupamento1. Os resultados

obtidos no teste de esfericidade de Bartlett (nível de significância inferior a .000) e os

valores de KMO (.68) confirmam a possibilidade de realização destas análises.

A análise em componentes principais dos 66 itens previamente agrupados em 12

subconjuntos (Schommer, 1990 e seguintes), permitiu, após rotação varimax a

extracção de 3 factores com valor próprio superior a 1, que explicam 41.6% da

variância total. No Quadro 3.5.. apresentam-se os resultados obtidos, considerando

apenas os valores de saturação (carga factorial) superiores a .25. Todos os valores

indicados são significativos, em função da dimensão da amostra (valores superiores a

.30, de acordo com Hair, Anderson, Tatham & Black, obra citada2).

1 Todas as análises foram efectuadas no programa estatístico SPSS (versão 7.5 for windows). 2 Para um nível de poder de 80%, com base num nível de significância de .05.

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QUADRO 3.5.

Estrutura factorial da 1ª versão portuguesa do Questionário Epistemológico

para estudantes do ensino secundário, com base no agrupamento prévio dos itens.

Factores 1 2 3 C. Evitamento da ambiguidade .682 G. Inatismo da capacidade de aprendizagem .527 B. Evitamento da integração .525 E. Dependência da autoridade .509 H. Impossibilidade de aprender a aprender .693 A. Procura de respostas únicas .407 -.594 J. Aprender à primeira vez .495 M. O esforço é uma perda de tempo .464 I. Ausência de relação entre trabalho e sucesso .427 .391 D. Certeza no conhecimento -.307 .681 F. Ausência de crítica à autoridade .661 L. Aprender é rápido .471 (análise em componente principais com rotação varimax, após 5 iteracções, com extracção de 3 factores)

Uma análise do conteúdo e significado psicológico dos itens que compõem estes

três factores, revela-se pouco clara. A estrutura factorial encontrada agrupa os

subconjuntos previamente definidos pela autora do questionário de uma forma

inesperada e que não encontra correspondência em estudos anteriores.

Procedeu-se ao cálculo do valor de consistência interna de cada um dos

subconjuntos previamente definidos durante a fase de construção do questionário, pela

determinação do valor de alpha de Cronbach. (Quadro 3.6.).

O número de itens que a autora inseriu em cada subconjunto varia entre 2 (no

caso do subconjunto “M. O esforço é uma perda de tempo”) e 11 (para o primeiro dos

subconjuntos, “A. Procura de respostas únicas”).

Os valores de consistência interna observados variam entre um mínimo de -0.03

(subconjunto E. com a designação “Dependência da autoridade”) e um valor máximo de

0.37 (subconjunto J., com a designação “Aprender à primeira vez”). Estes valores de

consistência interna de cada subconjunto são ainda inferiores ao observado na versão

para estudantes universitários. Uma vez mais, parece impossível considerar que os

subconjuntos possam ser assumidos como variáveis independentes, suficientemente

representativas dos itens que as integram.

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QUADRO 3.6.

Análise da consistência interna dos subconjuntos de itens

da 1ª versão do QE para estudantes do ensino secundário.

Subconjuntos préviamente definidos Número inicial de itens

Alpha de Cronbach

A. Procura de respostas únicas 11 .21 B. Evitamento da integração 8 .11 C. Evitamento da ambiguidade 5 .33 D. Certeza no conhecimento 7 .36 E. Dependência da autoridade 4 -.03 F. Ausência de crítica à autoridade 6 .35 G. Inatismo da capacidade de aprendizagem 4 .29 H. Impossibilidade de aprender a aprender 5 .36 I. Ausência de relação entre trabalho e sucesso 4 .33 J. Aprender à primeira vez 3 .37 L. Aprender é rápido 5 .31 M. O esforço é uma perda de tempo 2 -.01

Deste modo, optou-se por um estudo de análise factorial de natureza

exploratória, sem agrupamento prévio dos itens1.

Considerando a totalidade dos 66 itens, o valor de consistência interna

observado (alpha de Cronbach) era inicialmente de .60. O teste de esfericidade de

Bartlett registou um nível de significância inferior a .000 e a medida de adequação da

amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) um valor de .673. Este valor é considerado

“razoável” (Pestana e Gageiro, 1998), confirmando a possibilidade de prossecução desta

análise.

A Análise Factorial em Componentes Principais, com rotação varimax permitiu

uma primeira extracção de 23 componentes com valor próprio superior a 1, os quais

explicam cerca de 59% da variância total.

Uma análise da matriz de componentes permitiu constatar uma enorme dispersão

dos itens por todos estes factores, com valores significativos em pelo menos 15

componentes (superiores a .30, dada a dimensão da amostra, de acordo com Hair,

Anderson, Tatham & Black, obra citada2).

1 Todas as análises foram efectuadas no programa estatístico SPSS (versão 7.5 for windows), 2 Para um nível de poder de 80%, com base num nível de significância de .05.

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Em alternativa, optou-se pela realização de outras análises factoriais de carácter

exploratório, com determinação prévia de um número limite de factores. Para este

efeito foram analisados diferentes critérios para determinação do número de factores a

extrair.

A interpretação do gráfico dos valores próprios por cada componente (“scree

plot”) sugeria a extracção de 4 factores (critério de Cattell, 1978, citado por Kline,

1994). Este número aproximava-se muito do que poderia ser sugerido por um critério a

priori. Os pressupostos teóricos, os subconjuntos e dimensões inicialmente propostos

para a versão original sugeriam a existência de cinco dimensões hipotéticas. Por outro

lado, os estudos anteriores concluíram sempre pela existência de três a cinco factores.

Considerando estes critérios, obtiveram-se diferentes soluções factoriais, com

três, quatro e cinco factores respectivamente1. Todas estas soluções se revelaram

possíveis, permitindo explicar 17.7%, 20.7% e 23.5% da variância, respectivamente.

Em todos os casos se procedeu a Análises de Componentes Principais, com rotação

varimax. Os resultados de cada uma destas soluções foram cuidadosamente analisados,

tendo como objectivo a escolha da opção mais representativa, que permitisse a criação

de escalas com uma boa consistência interna e de clara interpretação psicológica.

A comparação das várias estruturas factoriais permitiu concluir que alguns

subconjuntos de itens tendiam a surgir repetidamente agregados, em todas as soluções.

No entanto, a solução factorial a cinco factores revelou-se como a mais consistente e

clarificadora, tanto do ponto de vista estatístico como em termos conceptuais, ao nível

da interpretação psicológica.

Verificou-se que esta solução factorial era a que mais se aproximava da estrutura

original bem como da observada na versão para estudantes universitários (Quadro 3.7.).

Verificou-se que 45 dos 66 itens iniciais se distribuíam de uma forma clara por 5

factores, explicando 23.5% da variância total (Anexo XII).

Estes 45 itens associavam-se de forma quase exclusiva a um dos cinco factores:

sendo raros os itens com idêntica carga factorial em mais do que um factor.

1 Cálculos efectuados após a eliminação de três itens considerados menos discriminativos: item 3

(valor de assimetria > 2) e os itens 39 e 44 (com valores de variância inferiores a .35).

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Quadro 3.7. Estrutura factorial da primeira versão do Questionário Epistemológico

para Estudantes do Ensino Secundário.1

Factor 1. Passividade e dependência. 1 2 3 4 5 UF5 Tento o mais possível relacionar a informação entre capítulos e mesmo entre aulas. .55 UF4 Se estamos familiarizados com o assunto de um texto, devemos avaliar o rigor com que o tema é tratado. .50 UF4 Uma boa maneira de compreender um texto consiste em reorganizar a informação de acordo com um esquema

l.49

UF5 Acho estimulante reflectir sobre coisas em que os especialistas não estão de acordo. .46 UF5 As pessoas bem sucedidas descobriram como melhorar a sua capacidade de aprendizagem. .46 UF4 Um estudante controla em grande parte o que consegue extrair de um texto. .45 UF4 Em geral, se nos concentrarmos realmente, conseguimos compreender os conceitos difíceis. .42 -.31 UF4 A sabedoria não é saber as respostas, mas sim saber como as encontrar. .41 .27 UF4 A aprendizagem é um processo lento de construção de conhecimento. .38 .27 UF5 Toda a gente precisa de aprender a aprender. .32 -.30 UF4 Uma frase tem pouco significado se não se conhece o contexto em que foi dita. .32 UF5 Se arranjo tempo para reler um texto, aproveito muito mais nessa segunda leitura. .31 -28 UF5 Receber formação sobre métodos de estudo é provavelmente muito útil. .27 -.46 Factor 2. Simplicidade e realismo. UF2 Tentar integrar novas ideias de um livro com conhecimento já adquirido, só leva à confusão. .49 UF1 É uma perda de tempo, tentar resolver problemas que não têm uma solução precisa e certa. .48 UF3 Os estudantes que são medianos na escola, continuarão medianos para o resto das suas vidas. .48 UF3 Trabalhar muito num problema difícil durante muito tempo, só é útil para um estudante realmente inteligente. .45 .25 UF2 Por vezes, tem que se aceitar as respostas de um professor, mesmo sem as compreender. .45 UF2 As coisas são mais simples do que a maioria dos professores nos tenta fazer crer. .40 UF2 Se os professores teorizassem menos e se limitassem aos factos, tirava-se mais partido da Universidade. .39 .47 UF3 Se uma pessoa se esforça muito para compreender um problema, provavelmente acabará por ficar confusa. .35 .25 UF3 Geralmente, ler e reler várias vezes um texto difícil não ajuda muito à sua compreensão. .33 .30 Factor 3. Veracidade e exactidão. UF1 Um bom professor indica aos alunos a melhor maneira da fazer as coisas. .52 .28 UF1 Um dia, os cientistas vão conseguir chegar à verdade. .46 UF1 Prefiro professores que organizam meticulosamente as suas aulas e que respeitam os seus planos. .44 UF1 Se os cientistas se esforçarem, poderão descobrir a verdade sobre a maior parte das coisas. .26 .42 UF1 Um bom professor evita que os seus alunos se desviem do percurso certo. .39 UF1 Não gosto de filmes que não se percebe como acabam. .26 .39 UF1 A maioria das palavras tem um significado preciso. .37 UF1 Quando estou a estudar procuro sobretudo partes com informação concreta. .33 .27 UF1 O mais importante na investigação científica é a precisão na medida e um trabalho cuidadoso. .33 UF4 A verdade é imutável. .29 UF1 O que há de melhor nos cursos de ciências é que a maior parte dos problemas tem uma única resposta certa. .25 UF2 Um especialista é alguém que tem um dom especial numa determinada área. .24 Factor 4. Imediatismo e especificidade. UF2 Ser um bom aluno envolve geralmente memorizar coisas específicas. .50 UF3 Quase toda a informação que se pode apreender num texto, se obtém numa primeira leitura. .48 UF2 Para ter bons resultados nos testes normalmente é necessário decorar definições. .47 UF3 Os estudantes bem sucedidos compreendem as coisas rapidamente. .29 .46 UF2 Os estudantes realmente inteligentes não precisam de trabalhar muito para ter bons resultados. .41 UF2 Algumas pessoas nascem bons alunos, outras estão presas por uma capacidade limitada. .38 UF1 Quando estudo procuro factos específicos. -.32 .32 UF5 A capacidade de aprendizagem é inata. .31 Factor 5. Dependência em relação a uma autoridade omnisciente. UF2 Já era altura de os professores saberem qual é o melhor método de ensino. .58 UF2 Aquilo que se ganha com a escola depende sobretudo da qualidade do professor. .47 UF2 É aborrecido ouvir um professor que não se define sobre aquilo em que realmente acredita. .42

1 Indica-se, para cada item, o factor correspondente na versão para estudantes universitários, com as seguintes designações:

UF1 - Veracidade e Exactidão (dimensão: Natureza do conhecimento) UF2 - Simplicidade e Realismo (dimensão: Estrutura do conhecimento) UF3 - Imediatismo e Facilidade (dimensão: Acesso ao conhecimento) UF4 - Estabilidade e Dependência (dimensão: Origem e processos de conhecimento) UF5 - Fixidez das Aptidões (dimensão: Maleabilidade da capacidade de aprendizagem)

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251

Considerando a dimensão da amostra inquirida neste estudo (N=392), indicam-se

apenas os valores de saturação (“factor loading”) que podem ser considerados

significativos1.

Tal como na versão para estudantes universitários, procedeu-se a uma análise da

distribuição dos itens por esta estrutura factorial, considerando simultaneamente o

conteúdo e interpretação psicológica das escalas e os valores de consistência interna

(Quadro 3.8.). Deste modo, consideraram-se pontualmente itens com uma carga

factorial inferior a .28 (um item no Factor 1 e dois itens no Factor3).

Quadro 3.8.

Consistência interna das escalas do Questionário Epistemológico para

Estudantes do Ensino Secundário

Factor

Designação numa perspectiva ingénua

Nº de

Itens

Alpha de

Cronbach

1 Passividade e Dependência. 13 .67

2 Simplicidade e Realismo. 9 .63

3 Veracidade e Exactidão. 12 .62

4 Imediatismo e Especificidade 8 .58

5 Dependência em relação a uma autoridade omnisciente 3 .43

Total 45 .70

A exclusão de 21 itens permitiu melhorar de forma significativa a consistência

interna do questionário na sua globalidade, embora os valores por escala permaneçam

relativamente baixos, variando entre .58 e .67. O Factor 5, apenas com três itens e um

valor de alpha de .43, não parece poder constituir-se como uma quinta escala, pelo que

se optou pela eliminação destes três itens. Finalmente, o Questionário Epistemológico

para Estudantes do Ensino Secundário passou a ser constituído por um total de 42 itens,

agrupados em 4 escalas.

1 Para um nível de poder de 80%, com base num nível de significância de .05., valores superiores

a .30 podem ser considerados significativos para uma amostra de 350 indivíduos, de acordo com Hair,

Anderson, Tatham & Black, 1998).

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252

Tal como anteriormente (na versão para estudantes universitários) a forma como

os itens surgem agregados em factores não respeita o agrupamento inicial em

subconjuntos. Em quase todos os factores se podem observar itens provenientes de

diferentes subconjuntos, inicialmente inseridos em dimensões hipotéticas

completamente diferentes (anteriormente descritas no Quadro 1.2.).

No entanto, constata-se um relativo isomorfismo com a estrutura factorial

anteriormente proposta para a versão do mesmo questionário para estudantes

universitários. Tal como no questionário original, cada factor foi designado de acordo

com uma perspectiva epistemológica ingénua1 e cada uma destas designações

corresponde ao polo superior de um contínuo ou dimensão (Quadro 9).

Tal como se pode observar no Quadro 3.7., o Factor 1 na versão para estudantes

do ensino universitário (“Veracidade e exactidão”) surge agora como Factor 3, com

idêntica designação. Os itens que constituíam os Factores 4 e 5, que já anteriormente se

agregavam num mesmo factor de 2ª ordem, surgem agora agrupados num mesmo factor,

Factor 1, que, numa perspectiva ingénua, passou a designar-se “Passividade e

dependência”. Os itens que constituíam os factores 2 e 3 associam-se entre si de uma

forma complexa. Apesar disso o Factor 2 pode conservar a designação anterior

“Simplicidade e realismo” enquanto o anterior Factor 3 foi reformulado sob a

designação “Imediatismo e especificidade”.

Em suma, esta primeira versão do Questionário Epistemológico para estudantes

do ensino secundário apresenta uma estrutura multidimensional, similar à anteriormente

encontrada para estudantes do ensino universitário, excepto no que se refere à dimensão

“Maleabilidade da capacidade de aprendizagem” que surge agora fundida com a

dimensão “Origem e processos de conhecimento”.

O significado atribuído a cada uma das quatro escalas aqui descritas, pode ser

melhor compreendido se forem respectivamente associadas a cada uma das dimensões

características do pensamento epistemológico (Quadro 3.9)2.

1 Os valores mais elevados em cada escala correspondem a perspectivas epistemológicas menos

desenvolvidas, mais simples e ingénuas. 2 Correspondente ao observado no Quadro 11 do Estudo 1, na versão para estudantes

universitários.

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253

Quadro 3.9.

Correspondência entre factores e dimensões avaliadas por cada escala do

Questionário Epistemológico. Fa

ctor

es Designação numa perspectiva

epistemológica ingénua

Dimensões

Designação numa perspectiva

epistemológica complexa

1. Passividade e dependência

Nos processos de conhecimento

o aluno é um elemento passivo,

dependente da informação que lhe

for sendo oferecida e de aptidões

pessoais fixas e com limitações

específicas.

Processos de

conhecimento e de

aprendizagem.

Actividade e construtivismo

O aluno reconhece o processo

de conhecimento como fruto de um

esforço de integração e de

construção, mobilizando aptidões

pessoais que se podem desenvolver e

aplicar de forma inovadora e

flexível.

2. Simplicidade e realismo

O aluno acredita que o

conhecimento é essencialmente

simples, factual e óbvio.

Estrutura do

conhecimento.

Complexidade e interpretação

O aluno acredita que o

conhecimento é estruturalmente

complexo, para além dos factos e

das aparências, sujeito a dúvidas e a

diferentes interpretações.

3. Veracidade e exactidão

O aluno está seguro da

estabilidade, veracidade e rigor

absoluto do conhecimento. Está

certo de que a verdade é una e

universal.

Natureza do

conhecimento.

Relativismo e precisão

O aluno compreende que o

conhecimento é limitado e

provisório, mutável e em

desenvolvimento, num esforço de

controlar e reduzir margens de erro e

fontes de imprecisão.

4. Imediatismo e especificidade

O aluno acredita que o

conhecimento se adquire de forma

imediata e directa, sem

ambiguidade e sem esforço.

Acesso ao

conhecimento.

Mediação e persistência

O aluno compreende que quase

todo o conhecimento se adquire com

esforço, resistindo aos insucessos,

persistindo na busca de novas

respostas e soluções.

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254

Neste quadro, pode analisar-se o modo como escalas e dimensões se

correspondem: a designação de cada escala, enunciada numa perspectiva epistemológica

“ingénua”, surge associada a uma dimensão específica.

Cada dimensão é designada de forma mais abstracta e abrangente, porque

descreve um contínuo entre dois pólos opostos: entre uma maior ingenuidade e uma

maior complexidade epistemológica. Entre estes dois extremos, podem surgir diferentes

posições, diferentes perspectivas pessoais, de carácter mais ou menos moderado. O

valor obtido em cada escala permite situar o aluno na respectiva dimensão, sendo que,

como dissemos, os valores mais elevados representam perspectivas epistemológicas

pessoais menos fundamentadas, mais intuitivas e ingénuas, enquanto os valores mais

baixos são característicos de uma perspectiva pessoal mais complexa e mais próxima

dos pressupostos actuais do conhecimento e do pensamento científico.

O Quadro 3.9. permite também uma análise comparada entre escalas,

enunciando de forma muito sintética, a interpretação psicológica de cada uma das

quatro dimensões epistemológicas em estudo. A partir de uma análise dos itens

agrupados em cada escala, sintetizam-se os aspectos essenciais que melhor podem

caracterizar cada um dos extremos, em cada uma das dimensões.

Esta caracterização corresponde aproximadamente ao que anteriormente foi

descrito na versão para estudantes universitários, embora de uma forma menos nítida e a

partir de um conjunto de itens menos diversificado (dada a exclusão de cerca de um

terço dos itens inicialmente propostos).

Os resultados observados aproximam-se muito dos originalmente descritos na

versão para estudantes americanos a frequentar o ensino secundário. Embora partindo

de um procedimento de análise factorial diferente (pressupondo agrupamentos prévios),

os resultados obtidos por Schommer (1993), numa amostra de 1182 estudantes,

sugeriam igualmente quatro factores associados a quatro dimensões epistemológicas.

Pode estabelecer-se uma correspondência directa entre cada uma dessas escalas

factoriais ou dimensões e as que foram encontradas nesta fase do presente estudo (como

se pode analisar no Quadro 3.10).

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255

Quadro 3.10.

Dimensões do Questionário Epistemológico para estudantes do Ensino

Secundário. (comparação da 1ªversão em língua portuguesa com a versão original para estudantes

americanos)

Factores da 1ªversão em

língua portuguesa:

Designação proposta

para cada dimensão.

Factores e dimensões descritos na

versão original (Schommer, 1993)

Factor 1.

Passividade e dependência.

Processos de

conhecimento e de

aprendizagem.

Factor 1. Fixidez das Aptidões

Dimensão: Controlo da aprendizagem pelo

aluno

Factor 2.

Simplicidade e realismo.

Estrutura do

conhecimento.

Factor 2. Simplicidade do conhecimento

Dimensão: Organização ou estrutura do

conhecimento

Factor 3.

Veracidade e exactidão.

Natureza do

conhecimento.

Factor 4. Certeza no conhecimento

Dimensão: Certeza e estabilidade do

conhecimento

Factor 4.

Imediatismo e especificidade.

Acesso ao conhecimento. Factor 3. Rapidez da aprendizagem

Dimensão: Velocidade de aprendizagem

Uma análise da forma como estas dimensões se relacionam entre si permite

constatar que estas escalas se correlacionam de uma forma significativa (Quadro 11),

embora com valores muito baixos, inferiores aos anteriormente encontrados (Quadro

3.12. no Estudo 1.). A escala de “Imediatismo e especificidade”, correlaciona-se de

forma moderada com as escalas de “Simplicidade e realismo”, “Veracidade e

exactidão”. Observa-se uma correlação negativa moderada entre a escala de

“Passividade e dependência” e a escala de “Veracidade e exactidão”.

Estes valores sugerem que estas quatro escalas são relativamente independentes

entre si, não parecendo justificar-se uma análise factorial de segunda ordem.

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256

Quadro 3.11.

Correlações entre as quatro escalas do Questionário Epistemológico.

(primeira versão para estudantes do ensino secundário)

Factores 1 2 3 4

Factor 1. Passividade e dependência. - .131** -.327** -.078 Factor 2. Simplicidade e realismo. - .154** .343**

Factor 3. Veracidade e exactidão. - .238**

Factor 4. Imediatismo e especificidade. -

Nota: assinalam-se os valores de correlação significativos, nível de significância = .01 (**)

Embora, de modo geral, os resultados psicométricos desta primeira versão do

Questionário Epistemológico para estudantes do Ensino Secundário correspondam ao

que foi observado em estudos anteriores (nomeadamente ao nível da estrutura factorial

encontrada), considerou-se a possibilidade de rever esta primeira versão, num esforço

de melhoria de alguns parâmetros (nomeadamente variância explicada por esta solução

factorial, valores de carga factorial observados e valores de consistência interna para

cada uma das escalas).

De facto, como se indicou, nesta primeira versão introduziram-se alterações

mínimas em relação ao questionário anterior para estudantes universitários. Esta opção

corresponde ao procedimento originalmente proposto pela autora para a população

americana (Schommer, 1993) e foi inicialmente corroborada pelos resultados

observados em pré-teste. No entanto, os valores obtidos na análise psicométrica,

nomeadamente ao nível da consistência interna dos subconjuntos de itens originalmente

propostos pela autora e da estrutura factorial correspondente (além dos aspectos já

referidos), sugerem a possibilidade, talvez mesmo a necessidade, de uma revisão mais

profunda do conteúdo e formulação dos itens.

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257

Desenvolvimento de uma 2ªversão do Questionário Epistemológico para

estudantes do Ensino Secundário.

Para esta nova versão do Questionário Epistemológico para estudantes do

Ensino Secundário, procedeu-se a uma revisão profunda de diversos aspectos: alteração

do conteúdo e da redacção de alguns itens por reformulação da tradução inicial;

selecção, eliminação e redução do número total de itens; introdução de novos itens em

substituição de alguns dos eliminados; alteração da numeração e sequência original.

Todo o questionário foi revisto e reavaliado em função dos dados obtidos na

primeira aplicação, nomeadamente em função dos valores de consistência interna dos

subconjuntos originais (Schommer, 1990, Quadro 1.2. no Estudo 1.). Foram retirados,

reformulados ou substituídos todos os itens que contribuíam para uma redução

significativa da consistência interna de cada subconjunto. Embora não se pretendesse

manter o procedimento de análise factorial dos subconjuntos agrupados1, este critério de

reformulação proporciona uma maior coerência interna, nomeadamente ao nível de cada

uma das dimensões epistemológicas em estudo neste questionário.

Com o objectivo de reduzir de forma significativa a extensão total, foram

eliminados os itens menos discriminativos, redundantes ou de conteúdo repetitivo

(propositadamente introduzidos na 1ª versão para análise e selecção posterior). Aliás,

numa observação informal do modo de preenchimento e das reacções dos estudantes

participantes na primeira amostra estudada, tinham-se registado sinais de cansaço e

alguns protestos pela excessiva similitude de alguns itens. Sem esquecer que a análise

psicométrica tinha justificado a eliminação de um total de 24 itens da primeira versão,

por vários motivos.

Preservando o conteúdo e os objectivos do questionário original, alterou-se a

estrutura e o conteúdo das frases originais sempre que se julgou necessário ou útil.

Optou-se por uma tradução mais livre e flexível, alterando por vezes a formulação e o

fraseado original. Privilegiou-se uma redacção mais clara e simples, com um índice de

legibilidade mais acessível e um conteúdo mais consonante com o nível etário e cultural

da população alvo.

1 Por todas as limitações que um tal procedimento reconhecidamente pode acarretar (e.g. Hofer

& Pintrich, 1997)

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258

Considerando todos estes aspectos e critérios, o Questionário Epistemológico

para estudantes do Ensino Secundário foi revisto, reduzido, reformulado e renumerado

(tal como se descreve no Anexo XIII).

Esta segunda versão passou a incluir um total de 52 itens, dos quais 24 estão

formulados de forma inversa (Anexo XIV) isto é, de forma a suscitar desacordo a um

sujeito ingénuo do ponto de vista epistemológico. Estes itens requerem um processo de

recodificação posterior, por inversão dos valores numéricos da escala de resposta.

Manteve-se o aspecto e a estrutura global do questionário (Anexo XV)e cada um

dos itens continuou a estar associado a um dos onze subconjuntos definidos na versão

original1 (Quadro 3.14.).

Descrição da amostra.

Para esta segunda versão do questionário epistemológico optou-se por constituir

uma amostra mais homogénea e mais ampla. Participaram nesta fase do estudo 620

estudantes a frequentar o 10ºano do ensino secundário na zona da Grande Lisboa. Estes

alunos, provenientes de todos os agrupamentos, de diferentes zonas (urbanas, rurais e

mistas) e de diferentes extractos sociais, constituem uma amostra que se crê

representativa da população de alunos deste nível de escolaridade. Além disso, a

amostra constituída é heterogénea quanto à variável sexo (Quadro 3.12.), com uma

distribuição muito aproximada à observada na população (Estatísticas da Educação 97,

1999).

QUADRO 3.12.

Distribuição da amostra em função do sexo e do ano.

Sexo

ANO Fem. Masc.

Total

10º 349 (57.2%) 261 (42.8%) 610 (98.39%)2

1 Os dois itens do subconjunto “O esforço é uma perda de tempo” foram eliminados em função

dos dados da análise psicométrica da primeira versão. 2 Percentagem em relação ao total da amostra (dez casos omissos em relação a esta variável).

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259

Participaram neste estudo 57.2% de alunos do sexo feminino e 42.8% do sexo

masculino, sendo dez os casos omissos quanto a esta variável. Esta proporção

corresponde aproximadamente ao esperado na população em geral, de acordo com os

valores publicados.

QUADRO 3.13.

Distribuição da amostra por grupos etários.

Sexo

Idade Fem. Masc.

Total linha (percentagem coluna)

14 17 (58.6%) 12 (41.4%) 29 (4.8%)

15 192 (55.2%) 156 (44.8%) 348 (57.1%)

16 84 (56.4%) 65 (43.6%) 149 (24.4%)

17 45 (72.6%) 17 (27.4%) 62 (10.2%)

18 8 (53.3%) 7 (46.6%) 15 (2.5%)

19 2 (40%) 3 (60%) 5 (.8%)

20 ou mais 1 (50%) 1 (50%) 2 (.3%)

Total coluna 349 (57.2%) 261 (42.8%) 610 (100%)

Relativamente à idade (Quadro 3.13.), a amostra pode ser descrita como

relativamente heterogénea, variando entre os 14 e os 20 anos, com um valor médio de

15.52 (desvio padrão de .926), sendo apenas três os casos omissos. Verifica-se que

cerca de 75% dos alunos inquiridos tem entre 15 e 16 anos. Destes, mais de metade tem

15 anos (57.1%) e cerca de um quarto (24.4%) já completou os 16 anos. Apenas 5%

dos alunos tem uma idade inferior (14 anos); os restantes 15% já têm 18 anos ou mais.

O número de alunos do sexo feminino é superior em todos os grupos etários. As

proporções observadas entre os dois sexos correspondem aproximadamente ao esperado

na população em geral, de acordo com os valores publicados.

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260

QUADRO 3.14.

Número de repetências em função do sexo.

Sexo Repetências Feminino Masculino Total

0 222 (55.9%) 175 (44.1%) 397 (67.2%) 1 70 (55.1%) 57 (44.9%) 127 (21.5%) 2 38 (74.5%) 13 (25.5%) 51 (8.3%) 3 5 (38.5%) 8 (61.5%) 13 (2.2%) 4 1 (50%) 1 (50%) 2 (0.3%) 5 1 (100%) 1 (.17%)

Total 337 254 591 (100%) Nota: registaram-se doze casos omissos quanto a esta variável.

Quanto ao número de repetências, verifica-se que cerca de um terço dos alunos

(32.8%) já repetiu um ou mais anos de escolaridade (Quadro 3.14.). De entre estes, a

percentagem de alunos do sexo feminino com repetências é ligeiramente superior

(correspondendo a 34.12% do total de alunos do sexo feminino inseridos nesta

amostra), sendo menor (31.1%) a percentagem de alunos do sexo masculino em

idênticas condições. Aproximadamente um quinto do número total de alunos

observados já repetiu um dos anos de escolaridade (21.5%), enquanto apenas 2.7% dos

alunos foi repetente por três vezes ou mais.

Uma vez mais, os questionários foram preenchidos no ambiente natural de cada

turma, durante uma das aulas, com autorização dos professores. Os procedimentos de

aplicação foram similares aos descritos para versões anteriores.

Estudo psicométrico da segunda versão do Questionário Epistemológico

para estudantes do ensino secundário.

Para a análise psicométrica desta nova versão do Questionário Epistemológico

desenvolveram-se procedimentos similares aos anteriormente descritos para a primeira

versão.

Foram recolhidos e analisados 620 questionários. Registaram-se 7 casos de

dupla resposta (quando o aluno assinala simultaneamente dois pontos da escala) que

foram substituídos pelo valor médio. No total registaram-se 70 questionários com uma

resposta omissa, 18 questionários com duas e 8 questionários com três ou mais

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261

respostas omissas. Isto corresponde a cerca de 0.6% do número total de respostas.

Estas respostas omissas distribuíram-se por quase todos os itens (com excepção do item

1, 9, 11, 14 e 19) com uma frequência máxima de 10 omissões no item 2 (1.6%). Todos

os casos foram substituídos pelo valor médio observado.

Todos os itens de valência negativa (24 itens) foram alvo de uma recodificação

para inversão dos valores da escala de resposta.

Numa análise global da distribuição das respostas em cada um dos itens.

verificou-se que se tinham registado respostas em todos os pontos da escala, em todos

os itens. As respostas observadas cobriam de uma forma razoável o leque de todas

respostas possíveis (Anexo XVI). Item a item, foram analisados os valores de

assimetria e variância, e em todos os casos se procedeu aos respectivos testes de

normalidade. Esta análise confirmou o poder discriminativo de todos os itens do

questionário, sem necessidade de qualquer eliminação prévia (Anexo XVII).

Para a análise da estrutura factorial do questionário seguiu-se um procedimento

análogo aos já anteriormente descritos.

Procedeu-se em primeiro lugar a uma análise da consistência interna de cada um

dos 11 subconjuntos tal como previamente definidos na versão original (Schommer,

1990 e seguintes, Quadro 3.15. e Anexo XVIII).

QUADRO 3.15.

Análise da consistência interna dos subconjuntos de itens

da 2ª versão do QE para estudantes do ensino secundário.

Subconjuntos préviamente definidos Número inicial de itens

Alpha de Cronbach

A. Procura de respostas únicas 6 .40 B. Evitamento da integração 6 .42 C. Evitamento da ambiguidade 5 .24 D. Certeza no conhecimento 5 .28 E. Dependência da autoridade 2 .14 F. Ausência de crítica à autoridade 6 .21 G. Inatismo da capacidade de aprendizagem 6 .35 H. Impossibilidade de aprender a aprender 4 .70 I. Ausência de relação entre trabalho e sucesso 4 .63 J. Aprender à primeira vez 2 -.27 L. Aprender é rápido 6 .31 M. O esforço é uma perda de tempo - -

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262

Os valores de consistência interna observados variam entre um mínimo de -0.27

(subconjunto J., com a designação “Aprender à primeira vez”) e um valor máximo de

0.70 (subconjunto H. com a designação “Impossibilidade de aprender a aprender”).

Estes valores de consistência interna de cada subconjunto são, de modo geral, superiores

ao observado na versão anterior. Em quatro destes subconjuntos registam-se valores

superiores (A. e B.) ou mesmo muito superiores (H. e I.) ao valor máximo obtido na

primeira versão (justamente de .37 para o subconjunto J.)1. Mesmo assim não parece

correcto considerar que estes subconjuntos (ou o valor médio dos itens que os integram)

possam ser assumidos como variáveis independentes, representativas dos itens que as

integram.

Deste modo, optou-se por um estudo de análise factorial de natureza

exploratória, sem agrupamento prévio dos itens.

Considerando a totalidade dos 52 itens, o valor de consistência interna

observado (alpha de Cronbach) era inicialmente de .842. O teste de esfericidade de

Bartlett registou um nível de significância inferior a .000 e a medida de adequação da

amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) um valor de .8953. Este é um valor

normalmente considerado como “muito bom” (Pereira, 1999; Pestana e Gageiro, 1998),

não colocando reservas à persecução desta análise factorial.

A Análise Factorial em Componentes Principais permitiu uma primeira extracção

de 14 componentes com valor próprio superior a 1, que correspondiam a cerca de

56.58% da variância total.

Uma análise da matriz de componentes permitiu constatar uma enorme dispersão

dos itens por todos estes factores, com valores considerados significativos em quase

todos os componentes inicialmente extraídos.

Esta dispersão já era esperada, de acordo com o que tem sido observado em todas

as versões, nacionais ou estrangeiras, deste mesmo questionário. Uma vez mais se

optou pela realização de outras análises factoriais de carácter exploratório, com

1 De notar que, após a reformulação, este subconjunto integra apenas dois itens que, de acordo

com estes resultados, se referem afinal a aspectos que mais facilmente se podem descrever como

antagónicos do que como semelhantes (alpha = -.27). 2 Na primeira versão do Questionário Epistemológico para estudantes do Ensino Secundário o

valor de alpha para a escala total correspondia a .60. 3 Na primeira versão: .673.

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263

determinação prévia de um número limite de factores. Para este efeito foram analisados

diferentes critérios para determinação do número de factores a extrair.

A interpretação do gráfico dos valores próprios por cada componente (“scree

plot”) sugeria a extracção de 4 factores (critério de Cattell, 1978, citado por Kline,

1994). Como se verificou anteriormente, este número aproxima-se muito daquilo que

poderia ser sugerido por um critério a priori. Os pressupostos teóricos, os subconjuntos

e dimensões inicialmente propostos para a versão original, e todos os estudos

publicados posteriormente consideram a existência de três a cinco factores.

Considerando todos estes critérios, foram analisadas diferentes soluções

factoriais, considerando a possibilidade de extracção de três, quatro ou cinco factores.

Todas estas soluções se revelaram possíveis e, sobretudo, muito similares entre si.

Procedeu-se em todos os casos a análises em componentes principais,

comparando os resultados obtidos com e sem rotação varimax.

Verificou-se que as soluções a três, quatro e a cinco factores permitiam explicar

respectivamente 29.8%, 33.2% e 36.1% da variância. Uma vez mais se analisaram os

resultados de cada uma destas soluções para determinar a opção mais representativa,

que permitisse a criação de escalas consistentes e de clara interpretação psicológica.

Uma análise comparada de todas estas estruturas factoriais permitiu concluir que

o primeiro factor de todas as soluções continha sempre o mesmo conjunto de 16 itens,

ordenados quase sempre pela mesma forma e com valores próprios muito similares

(Quadro 3.16.). Verificou-se que nem mesmo o procedimento de rotação varimax

produzia qualquer alteração significativa neste grupo de itens, que surgiam

repetidamente agregados em todas as soluções. Com um valor de consistência interna

muito elevado (alpha de Cronbach igual a .93) este primeiro componente permitia

explicar, por si só, 16.5% da variância total. Além disso, a interpretação psicológica

deste conjunto de itens parecia desde logo relativamente simples e muito clara.

De facto, tratava-se essencialmente do mesmo conjunto de itens que já

anteriormente integravam o Factor 1. na primeira versão deste mesmo questionário para

alunos do Ensino Secundário (com a designação de Passividade e Dependência,

correspondendo à dimensão de Processos de Conhecimento e de Aprendizagem). E

como se pode ver no Quadro 3.7., estes itens correspondiam a uma espécie de agregação

dos dois últimos factores já anteriormente identificados na versão para estudantes do

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Ensino Universitário, nomeadamente: o Factor 4. (Origem e processos de

conhecimento) e o Factor 5. (Maleabilidade da capacidade de aprendizagem). De facto,

já nessa versão do questionário (Estudo 1.) tinha sido sugerido o agrupamento destes

dois factores numa única escala conjunta, depois de analisados os resultados da análise

factorial de segunda ordem, isto tanto na estrutura a dois factores (Quadro 1.13.) como

na de três factores (Quadros 1.14. e 1.15.).

A estabilidade deste conjunto de itens, observada quer internamente quer em

sucessivas versões do questionário, estabilidade que resiste mesmo a todas as alterações

e revisões efectuadas, justifica plenamente a identificação de uma primeira escala com

validade e significado próprios e bem definidos.

Esta escala parece revelar, nesta versão, características psicométricas

melhoradas por comparação com as anteriores. Isto é, as alterações introduzidas não só

não impediram a sua replicação, como podem ter contribuído para uma melhoria

significativa, tanto ao nível da interpretação psicológica (muito melhor sintetizada pelo

primeiro item e seguintes do que em versões anteriores), como ao nível dos valores

numéricos observados.

Deste modo, o Factor 1. recebeu desde logo a designação de Processos de

conhecimento e de aprendizagem1 (Quadro 3.16.), incluindo 16 itens com valores de

saturação no factor que oscilam entre .46 (no item 19. “Ninguém nasce bom aluno.”) e

um valor máximo de .84 (item 23: “A capacidade de aprendizagem vai-se

desenvolvendo de maneira diferente em cada pessoa”). Todos estes itens estão

formulados numa perspectiva “não ingénua”, cuja cotação deve ser sempre invertida.

Assim, quanto menos elevado for o valor obtido nesta escala, mais provável será que o

aluno se veja a si próprio como um construtor activo do seu próprio conhecimento.

Quase todos os itens se referem a aspectos relacionados com a maleabilidade da

capacidade de aprendizagem (por exemplo, por aquisição e desenvolvimento de novos

métodos de estudo) ou a uma concepção processual, pessoal e (re)construtiva, sobre o

conhecimento e sobre a aprendizagem.

1 Optou-se, nesta última versão, por designar cada factor de forma bipolar e mais abrangente,

evitando assim uma focalização excessiva no polo mais “ingénuo” de cada dimensão. Schommer &

Dunnell (1977) tem vindo a introduzir progressivamente designações mais conceptuais e abstractas, que

sirvam para caracterizar de forma genérica toda a escala e não apenas um dos pólos.

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Além desta primeira escala, os restantes dois, três ou quatro factores,

apresentavam algumas diferenças em cada uma das soluções factoriais analisadas. No

entanto, verificou-se uma elevada estabilidade no agrupamento dos itens e

correspondências significativas entre factores de diferentes soluções.

Verificou-se que um segundo componente (Factor 2.) surgia de forma muito

similar nas três soluções factoriais, após rotação varimax.

Outros dois subconjuntos de itens (Factores 3. e 4.) podiam surgir quer

agregados num único componente (nas soluções a três e a quatro factores) quer

separados em dois componentes distintos (apenas na solução a cinco factores).

Constatou-se que esta separação facilitava de forma significativa a interpretação

psicológica de cada escala. Mas o quinto factor desta solução não tinha nem uma

interpretação psicológica clara nem uma consistência tão elevada como os restantes

grupos (valor de alpha de Cronbach igual a .41). Uma análise mais detalhada permitiu

verificar que quase todos os itens que poderiam ser inseridos num quinto factor se

dispersavam de forma não significativa nas outras soluções factoriais (com valores de

saturação inexpressivos).

Em síntese, com dois primeiros factores comuns a todas as soluções analisadas,

a solução a cinco factores apresentava-se como a única que permitia uma análise mais

específica e compreensiva dos factores três e quatro. Mas, em contrapartida, forçava o

aparecimento de um quinto factor sem interpretação psicológica aparente e de fraca

consistência interna.

Forçar ao aparecimento de cinco factores teria apenas a vantagem de definir o

factor 3 e 4 de uma forma mais clara e específica.

Por isso, tal como tinha sucedido na primeira versão, pareceu justificada a

análise do gráfico de cotovelo (scree plot) que sugeria a extracção de quatro factores.

Considerou-se que não tinha justificação a definição de uma quinta escala, parecendo

mais correcto eliminar estes itens, por apresentarem valores de saturação não

significativos em todos os restantes factores.

Após a exclusão dos itens de menor saturação factorial (itens 2, 7, 9, 27, 29, 33,

35 e 52), procedeu-se à extracção de uma nova solução a quatro factores (Quadro 3.16.).

O valor de adequação KMO subiu para .909 e o valor de consistência interna para a

escala total manteve-se quase inalterado (pode considerar-se que subiu muito

ligeiramente para .8443 se comparado com o valor anterior não arredondado de .8428).

A extracção destes quatro componentes permite explicar 37.3% da variância total.

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Quadro 3.16.

Estrutura factorial da segunda versão do Questionário Epistemológico para Estudantes do Ensino Secundário

Factor 1. Processos de conhecimento e aprendizagem (16 itens α =.93) 1 2 3 4 G - 23. A capacidade de aprendizagem vai-se desenvolvendo de maneira diferente em cada pessoa. .84 H - 28. Toda a gente precisa de aprender a aprender. .82 L - 18. Quando um problema é difícil é preciso continuar a tentar, mesmo durante muito tempo. .82 J - 20. Ler e reler várias vezes um texto difícil, ajuda muito à sua compreensão. .82 I - 44. Para progredir é preciso trabalhar muito. .80 H - 4. É útil aprender métodos de estudo. .79 I - 32. A sabedoria não é saber as respostas, mas sim saber como as encontrar. .79 I - 26. Para ter sucesso é preciso alguma capacidade e imenso trabalho duro. .76 A - 17. O mais importante na investigação científica é questionar e procurar novas respostas. .75 L - 36. A aprendizagem é um processo lento de construção de conhecimento. .63 B - 22. Compreender um texto é reorganizar a informação de acordo com um esquema pessoal. .61 F - 47. Mesmo os conselhos dos peritos devem ser muitas vezes questionados. .59 F - 46. Se já conhecemos bem um assunto, devemos avaliar o rigor com que aparece tratado nos textos escolares. .58 H - 15. As pessoas bem sucedidas descobriram como melhorar a sua capacidade de aprendizagem. .55 .23 E - 5. O que se consegue aprender na escola depende sobretudo de cada aluno. .54 G - 19. Ninguém nasce bom aluno. .46 Factor 2. Acesso ao conhecimento (12 itens α =.76) L + 39. Se uma pessoa não consegue compreender uma coisa num curto espaço de tempo, é escusado continuar .62 G + 43. Alguns estudantes já sabem aprender, os outros nunca vão saber. .61 G + 48. Algumas pessoas nascem bons alunos, outras vão ter sempre uma capacidade limitada. .60 I + 49. Os estudantes inteligentes não precisam de trabalhar muito para ter bons resultados. .60 G + 51. Os estudantes que na escola têm notas médias, serão medianos para o resto da vida. .56 C + 45. É uma perda de tempo, tentar resolver problemas que não têm uma solução precisa e certa. .48 .31 L + 1. Quando não se consegue aprender logo, nunca mais se chega a aprender. .47 E + 40. Por vezes, tem que se aceitar as respostas de um professor, mesmo sem as compreender. .46 G + 8. A capacidade de aprendizagem já nasce com cada um de nós. .45 .26 F + 3. Para ter sucesso na escola o melhor é não fazer muitas perguntas. .39 J + 50. Quase toda a informação que se pode apreender num texto, se obtem numa primeira leitura. .37 L + 10. Os melhores alunos compreendem as coisas rapidamente. .36 .40 Factor 3. Estrutura do conhecimento (8 itens α =.61) B + 31. Ser um bom aluno envolve geralmente memorizar coisas específicas. .56 B + 37. Para ter bons resultados nos testes normalmente é necessário decorar definições. .22 .54 B + 38. Estudar é aprender factos específicos. .53 .25 D + 12. Se os cientistas se esforçarem, poderão descobrir a verdade sobre a maior parte das coisas. .47 .28 H - 25. Um estudante controla em grande parte o que consegue extrair de um texto. .24 .46 L + 10. Os melhores alunos compreendem as coisas rapidamente. .36 .40 F + 6. Podemos acreditar em quase tudo o que lemos. .34 A + 16. O que há de melhor nos cursos de ciências é que a maior parte dos problemas tem uma única resposta certa. .31 .22 Factor 4. Natureza do conhecimento (9 itens α =..58) D + 34. A verdade nunca muda. .57 A + 30. Há uma maneira certa e uma maneira errada de fazer cada coisa. .55 B + 14. Tentar relacionar matérias diferentes, só leva à confusão. .33 .49 C + 42. Não gosto de filmes que não se percebe como acabam. .48 A + 11. Um bom professor indica aos alunos a maneira certa de fazer as coisas. .28 .39 A + 24. Prefiro professores que organizam muito bem as suas aulas e que respeitam os seus planos. .21 .39 D + 21. Um dia, os cientistas vão conseguir chegar à verdade. .27 .38 C + 41. Se os professores dessem menos teoria e se limitassem aos factos, tirava-se mais partido da Escola. .34 .31 F + 13. As pessoas que põem em causa a autoridade científica são demasiado convencidas. .22 .30

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Verificou-se que os 44 itens restantes se associavam de forma quase exclusiva a

cada um destes quatro componentes ou factores, sendo raros os itens com cargas

factoriais significativas em mais do que um factor.

Tal como em versões anteriores, a forma como os itens surgem agregados em

factores não respeita o agrupamento inicial (no Quadro 3.16. as letras maiúsculas antes

do número de ordem de cada item identificam esses agrupamentos prévios). Em quase

todos os factores se podem observar itens provenientes de diferentes subconjuntos e de

dimensões hipotéticas completamente diferentes.

Quadro 3.17.

Consistência interna e designação dos extremos de cada uma das escalas do

Questionário Epistemológico para Estudantes do Ensino Secundário

Escalas

Factor Designação numa perspectiva

mais “ingénua”

Designação numa

Perspectiva menos “ingénua”

Nº de

Itens

Alpha de

Cronbach

Processos de conhecimento e aprendizagem

1 Passividade e dependência Actividade e construtivismo

16

.93

Acesso ao conhecimento

2 Imediatismo e conformação Persistência e esforço

12

.76

Estrutura do conhecimento

3 Simplicidade e realismo Complexidade e interpretação

8

.61

Natureza do conhecimento

4 Veracidade e exactidão Relativismo e precisão

9

.58

Total

441

.84

1 O item 10 insere-se simultaneamente em duas escalas, derivadas a partir dos factores 2 e 3.

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Embora neste caso se tenha optado por designar cada factor pelo denominador

comum aos dois extremos da escala, é possível identificar cada um desses pólos de

forma mais específica (Quadro 3.17.).

O Factor 1. permite identificar a primeira escala deste questionário. Esta escala

avalia crenças dos alunos sobre os processos de conhecimento e aprendizagem.

Inclui 16 itens e revela uma excelente consistência interna (α = .93). Os valores obtidos

nesta escala podem contribuir para uma caracterização da perspectiva epistemológica de

cada aluno quanto à possibilidade de controlar e transformar os processos de

conhecimento e de aprendizagem. Numa perspectiva dita ingénua, o aluno acredita que

o conhecimento e a aprendizagem dependem de factores que a própria pessoa não

controla nem pode determinar. Esta perspectiva assume uma relativa dependência em

relação ao professor, numa atitude receptiva e passiva por parte de quem aprende. A

capacidade de aprendizagem é geneticamente determinada e o conhecimento provém

“de quem sabe”, de uma autoridade que transmite e avalia o saber (Schommer, 1990).

No fundo, e como já se referiu, esta dimensão parece integrar duas das

dimensões originalmente propostas, referentes à origem do conhecimento (Factor 4 na

versão para universitários) e à maleabilidade da capacidade de aprendizagem (Factor

5 na mesma versão). Corresponde por isso a um dos factores de segunda ordem

propostos na versão para universitários, sobre processos de conhecimento (crenças

sobre como se conhece, como se deve ou pode proceder para aprender, crenças sobre a

possibilidade de desenvolver e de adquirir novos hábitos, novas estratégias, de aprender

outras formas e outros procedimentos).

Numa perspectiva menos ingénua, o aluno tende a assumir uma posição de

maior relativismo, acredita na importância do seu próprio contributo e esforço, na

necessidade de assumir um papel activo, questionador e crítico, na possibilidade de

desenvolver a capacidade de aprendizagem. Todos precisamos de aprender a aprender

(item 28), é útil adquirir métodos de estudo (item 4) e a informação que nos é

transmitida requer uma transformação e reorganização pessoal (item 22). Para progredir

é preciso trabalhar muito (item 44) e o processo de pesquisa e de descoberta é quase

sempre valorizado em relação ao produto final (itens 17 e 32, por exemplo). O

desenvolvimento e a aprendizagem interagem com os processos de conhecimento.

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O Factor 2. corresponde à segunda escala deste questionário. Esta escala avalia

crenças dos alunos sobre a acesso ao conhecimento. Inclui 12 itens e revela uma boa

consistência interna (α = .76). Os valores obtidos nesta escala podem contribuir para

uma caracterização da perspectiva epistemológica de cada aluno quanto à velocidade e

facilidade de aquisição de conhecimento. Numa perspectiva ingénua, o aluno acredita

numa apropriação imediata e quase sem esforço de um conhecimento que se impõe e

“nos é dado” apreender, tal como é. Aprende-se rapidamente ou já não se aprende

(Schommer, 94 e seguintes). Não vale a pena continuar a tentar, não vale a pena o

esforço (item 39, por exemplo). Seria uma perda de tempo, até porque se alguns

estudantes já sabem aprender, os outros nunca vão saber (item 43).

Corresponde a uma das dimensões originalmente propostas, a crença num

imediatismo na acesso ao conhecimento, na possibilidade de um contacto directo com

a realidade, que se oferece à compreensão mais comum (“basta olhar e ver”).

Numa perspectiva epistemológica mais madura, o aluno compreende que a

aquisição de conhecimento é mediada por um conjunto de factores pessoais e

situacionais. O aluno acede ao conhecimento de forma gradual e progressiva, de forma

lenta e por aproximações sucessivas. A aprendizagem não é directa nem imediata.

Requer esforço, persistência e muito trabalho. Geralmente, não acontece de forma

rápida nem automática.

O Factor 3. deu origem à terceira escala. Avalia as crenças que os alunos detêm

sobre a estrutura do conhecimento. Inclui 8 itens e apresenta um valor de consistência

interna considerado razoável (α = .61). Os valores obtidos nesta escala podem

contribuir para uma análise da perspectiva epistemológica do aluno quanto à forma

como o conhecimento se organiza. Numa perspectiva ingénua, o aluno acredita na

especificidade e simplicidade do conhecimento, evita a teorização e a elaboração.

Aprende-se decorando, memorizando coisas específicas (item 31) e de um texto retira-

se essencialmente o que já lá está (item 25, de valência negativa).

Corresponde a uma das dimensões propostas desde o início, a crença no

atomismo e simplicidade de um conhecimento que se vai acumulando. Aprende-se um

conjunto de elementos discretos, isolados e sem nenhuma estrutura de conjunto.

Acredita-se que as coisas são mais simples do que parecem ou nos querem fazer crer. A

realidade é como é, cada coisa no seu lugar.

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Quadro 3.18.

Comparação entre factores encontrados nas duas versões portuguesas do

Questionário Epistemológico e factores e dimensões hipotéticas originais.

Adaptação portuguesa do Questionário Epistemológico

Factores – interpretação psicológica.

Versão para estudantes do ensino

universitário

Versão para estudantes do ensino

secundário

Factores e dimensões

hipotéticas propostas:

(Schommer, 1990) (Schommer, 1994)

(Schommer et al., 1997)

Factor 1.

Veracidade e exactidão

Natureza do conhecimento

Factor 4.

Natureza do conhecimento

(Certeza no conhecimento)

2. Certeza no conhecimento

(IV) estabilidade do conhecimento

Factor 2.

Simplicidade e realismo

Estrutura do conhecimento

Factor 3.

Estrutura do conhecimento

(Simplicidade do conhecimento)

1. Organização do conhecimento

(II) estrutura do conhecimento

Factor 3.

Imediatismo e facilidade.

Acesso ao conhecimento

Factor 2.

Acesso ao conhecimento

(Rapidez da aprendizagem)

5. Rapidez da aprendizagem

(III) velocidade de aprendizagem

Factor 4.

Estabilidade e dependência

Origem do conhecimento

(Autoridade omnisciente)

3. Origem do conhecimento

( -- )

Factor 5.

Fixidez das Aptidões

Maleabilidade da capacidade de

aprendizagem

Factor 1.

Processos de conhecimento e de

aprendizagem

(Fixidez das Aptidões)

4. Controlo da Aprendizagem

(I) maleabilidade da capacidade de

aprendizagem

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271

A este realismo ingénuo pode contrapor-se a crença numa estrutura complexa,

integradora, um sistema de relações e interacções. Numa perspectiva mais madura, o

aluno tende a acreditar que a interpretação é necessária e que só é possível quando se

procura integrar os factos numa estrutura mais ampla e complexa.

Por último, o Factor 4. deu origem à quarta escala que avalia as crenças sobre a

natureza do conhecimento. Inclui 9 itens e apresenta um valor de consistência interna

muito similar ao da escala anterior (α = .58). Os valores obtidos nesta escala podem

contribuir para uma análise da perspectiva epistemológica do aluno quanto às

características essenciais do conhecimento. Numa perspectiva ingénua, o aluno acredita

que o conhecimento é estático, permanente, determinado e universal. A verdade nunca

muda (item 34) e há sempre uma maneira certa e uma maneira errada de fazer cada

coisa (item 30).

Corresponde a uma das dimensões propostas e identificadas em todas as versões

do questionário, integrando todo um conjunto de crenças sobre a imutabilidade e a

necessidade do conhecimento. A certeza no conhecimento (Schommer, 94 e seguintes)

adquire aqui um duplo sentido: todo o conhecimento pode ser avaliado de forma

dicotómica como estando certo ou errado (“ou está certo ou está errado, não há outra

hipótese”); e podemos estar certos (seguros) de que assim permanecerá, estável e

absoluto.

Numa perspectiva epistemológica mais complexa e actual, a este dualismo de

carácter positivista pode opor-se uma visão construtivista e relativizada. O valor ou a

validade de qualquer “verdade” depende do contexto e é sempre relativa. A precisão, a

fidelidade, o rigor do conhecimento científico, decorrem de um esforço metodológico

constante. Determinam-se margens de erro e a perfeição é inatingível. A verdade é

consensual e provisória. Os resultados devem ser discutidos e criticados, revistos e

replicados. Espera-se que os alunos possam estar certos do valor e do rigor colocado nos

procedimentos científicos, compreendendo que não é possível afirmar a certeza nos

resultados nem a permanência das conclusões actuais.

Esta estrutura factorial é isomorfa em relação a estruturas anteriores, na versão

original para a população americana e na versão para estudantes universitários.

Tal como se pode observar no Quadro 3.18., existe uma correspondência muito

clara entre os factores identificados nas diferentes versões. Entre esta versão para

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estudantes do ensino secundário e a anterior para estudantes do ensino universitário

existe apenas uma alteração da ordem de extracção dos factores. Idêntica inversão pôde

ser observada em estudos anteriores, em aplicações sucessivas (Schommer, 1990, 1994;

Schommer et al., 1997). Os factores 4 e 5 já anteriormente agregados num factor de 2ª

ordem na versão para estudantes universitários, também surgiam agrupados num

primeiro factor na primeira versão para o ensino secundário (designado numa

perspectiva ingénua por “Passividade e dependência”).

Esta segunda versão do Questionário Epistemológico para estudantes do ensino

secundário apresenta uma estrutura multidimensional, que corresponde de uma forma

muito aproximada a todas as estruturas anteriormente descritas. O significado atribuído

a cada uma destas quatro escalas pode ser melhor compreendido se forem associadas a

cada uma das dimensões bipolares sugeridas no Estudo 1. (Quadro 1.15).

Uma análise mais detalhada dos itens incluídos em cada factor, permite supor

que todas estas escalas partilham entre si alguns aspectos e pressupostos

epistemológicos. O valor de consistência para a escala total (α =.84) parece confirmar

esta hipótese. Neste sentido, considerou-se a necessidade de proceder a uma análise

mais detalhada de correlações e interdependências (Quadro 3.19.).

Verifica-se que todas as escalas se correlacionam de forma significativa (para

um nível de significância de .01) com a escala total. Todos os valores observados se

situam acima de .50.

Quadro 3.19.

Correlações entre as quatro escalas do Questionário Epistemológico.

(segunda versão para estudantes do ensino secundário)

Factores 1 2 3 4

Escala total .720** .519** .581** .594**

Factor 1. Processos de conhecimento - -.090 .101 .103 Factor 2. Acesso ao conhecimento - .441** .375**

Factor 3. Estrutura do conhecimento - .445**

Factor 4. Natureza do conhecimento -

Nota: assinalam-se os valores de correlação significativos, nível de significância = .01 (**)

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273

As escalas 2, 3 e 4 correlacionam-se positivamente entre si com valores que

variam entre .38 e .45. Nenhuma destas escalas apresenta correlações significativas

com a primeira escala (Processos de conhecimento e aprendizagem) sendo que esta é a

escala mais representativa da escala total (correlação de Pearson de .720. para um nível

de significância bilateral de .01).

Os valores observados justificam a possibilidade de uma análise factorial de

segunda ordem. Com um valor de KMO considerado razoável (.631), e com valores de

correlação entre escalas superior a .35 é possível prosseguir com uma análise

exploratória de factores de segunda ordem.

Uma Análise Factorial em Componentes Principais, com rotação varimax

permitiu uma primeira extracção de 2 componentes com valor próprio superior a 1, que

correspondem a cerca de 72.4% da variância total. Numa análise da matriz de

componentes (Quadro 3.20.) verifica-se que os três primeiros factores se agregam entre

si, enquanto que o último constitui isoladamente um segundo componente (como se

confirma pela análise do Gráfico 3.1.). Deste modo, pode sugerir-se que o Questionário

Epistemológico pode ser subdividido essencialmente em duas grandes escalas: crenças

epistemológicas sobre o conhecimento em si mesmo e crenças sobre os processos

de aprendizagem e investigação.

Quadro 3.20.

Estrutura factorial das Escalas do Questionário Epistemológico.

(segunda versão para estudantes do ensino secundário) Componentes de 2ª ordem

Factores de primeira ordem. 1 2

3. Estrutura do conhecimento .808

2. Acesso ao conhecimento .775 -.274

4. Natureza do conhecimento .766

1. Origem e processos de conhecimento .968

(análise em componente principais com rotação varimax, após 3 iteracções, com extracção de 2 factores)

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II. MÉTODO: Estudo 3.

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274

Gráfico 3.1.

Gráfico de componentes de segunda ordem do QEES.

(segunda versão para estudantes do ensino secundário)

Componente 1

1,0,50,0-,5

Com

pone

nte

21,5

1,0

,5

0,0

-,5

factor 4: naturezafactor 3: estrutura

factor 2: aquisição

factor 1: processos

Na escala de crenças epistemológicas sobre o conhecimento integram-se três

subescalas fortemente relacionadas entre si: natureza, estrutura e aquisição de

conhecimento.

A escala de crenças sobre os processos de aprendizagem e investigação

corresponde ao factor 1 de primeira ordem, que permite analisar crenças pessoais sobre

os processos e estratégias que permitem a apreensão do saber, a aprendizagem e até a

própria investigação científica. De salientar que para este factor poderia também

concorrer o factor 2 de primeira ordem (acesso ao conhecimento), que apresenta nesta

matriz factorial um valor significativo (-.274) embora de sinal contrário. Isto é, os

alunos que tendem a acreditar na imediaticidade e na pregnância do próprio

conhecimento, tenderão a descrer da possibilidade de aprender a aprender, da utilidade

do esforço e do contributo pessoal do próprio aluno. Esta é uma relação que talvez

possa ser posteriormente estudada, dado que estas duas dimensões são seguramente as

que mais podem influenciar a atitude de cada aluno face a dificuldades de

aprendizagem.

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II. MÉTODO: Estudo 3.

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275

Quadro 3.21.

Consistência interna das escalas componentes de segunda ordem do QEES.

(segunda versão para estudantes do ensino secundário)

Factores de

1ªordem

Escalas de segunda ordem

Nº de

Itens

Alpha de

Cronbach

3,2,4 Crenças epistemológicas sobre o conhecimento

28 .80

1 Crenças sobre os processos de aprendizagem e

investigação

16 .93

Escala total 44 .84

Estas duas escalas, crenças epistemológicas sobre o conhecimento e crenças

sobre os processos de aprendizagem e investigação, são quase totalmente

independentes entre si, com um valor de correlação (r de Pearson) quase nulo (r = 0.19).

Em síntese, o estudo psicométrico efectuado permite concluir que esta segunda

versão do Questionário Epistemológico para estudantes do ensino secundário pode

constituir um instrumento de trabalho mais válido e preciso do que a versão anterior.

Os resultados da análise exploratória permitiram a identificação de uma estrutura

congruente e bem definida, com dimensões similares ao observado em versões

anteriores. No entanto, esta estrutura de segunda ordem parece diferenciar de forma

ainda mais clara, dois grandes domínios em avaliação neste questionário: crenças

pessoais sobre o conhecimento em si mesmo e sobre os processos de aprendizagem e de

investigação científica. A opção pela tradução do Questionário Epistemológico

originalmente proposto por Schommer, teve, desde o início deste trabalho, este

objectivo específico: encontrar um instrumento de medida que permitisse uma análise

mais objectiva de algumas das crenças de senso comum partilhadas por alunos,

professores e outros educadores, crenças nomeadamente sobre algumas noções de pré-

requisito para a formação de professores bem como para o ensino e aprendizagem de

disciplinas e conceitos científicos. Algumas destas crenças podem contribuir para (ou

prejudicar) a própria aprendizagem, porque podem associar-se a concepções e a

comportamentos mais ou menos adaptados e adaptativos.

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276

Análise das respostas ao QEES – comparação de grupos.

O estudo psicométrico da segunda versão do QEES (Questionário

Epistemológico para Estudantes do Ensino Secundário) foi efectuado a partir de uma

amostra de 620 alunos. Embora não se trate de uma amostra representativa do universo

dos alunos deste nível de escolaridade, procedeu-se a uma análise breve de diferenças

entre grupos em função do sexo, idade, agrupamento e número de repetências.

Diferenças entre grupos em função do sexo

O Gráfico 3.2. permite a comparação entre sexos em cada um dos factores

(escalas) de primeira ordem: 1.Processos de conhecimento e de aprendizagem; 2.Acesso

ao conhecimento; 3. Estrutura do conhecimento e 4. Natureza do conhecimento. Estas

diferenças foram estudadas através de testes t-Student para amostras independentes

(testes de significância bilateral), uma vez estudada a igualdade de variâncias (testes de

Levene).

Embora se observe uma ligeira superioridade1 do sexo feminino no primeiro

factor (processos de conhecimento e de aprendizagem), apenas se podem considerar

significativas as diferenças observadas ao nível dos três últimos factores. O sexo

feminino apresenta valores significativamente mais baixos nas escalas de aquisição

(t(608)=-4.39, p=.00), estrutura (t(608)=-2.60, p=.01) e natureza de conhecimento (t(608)=-

2.31, p=.02). As alunas questionadas parecem revelar crenças epistemológicas menos

ingénuas do que os seus colegas de sexo feminino nessas três escalas. Não se observam

diferenças significativas na escala de processos de conhecimento e aprendizagem.

1 De acordo com a estrutura inicial do questionário, quanto mais elevados os valores obtidos,

maior a ingenuidade epistemológica em presença. Neste caso, valores mais baixos significam sempre

maior maturidade e rigor epistemológico.

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277

Gráfico 3.2.

Análise de diferenças entre sexos em cada uma das escalas de 1ªordem do QEES.

SEXO

masculinofeminino

Média

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

FACTOR1

FACTOR2

FACTOR3

FACTOR4

3,53,3

3,33,2

2,5

2,3

3,83,9

Dado que esta diferença entre grupos corresponde às escalas de 2ªordem, parece

justificar-se uma análise complementar a esse nível (Gráfico 3.3).

O Gráfico 3.3. permite uma comparação entre sexos em cada uma das escalas de

2ªordem, nomeadamente: Escala de crenças epistemológicas sobre o conhecimento e

Escala de crenças sobre os processos de aprendizagem e investigação. Neste caso, os

factores 2, 3 e 4 de primeira ordem (Gráfico 3.2.) surgem agrupados (crenças sobre o

conhecimento) enquanto o anterior factor 1 passa a corresponder à escala sobre

processos. Os resultados confirmam e sintetizam a análise descrita anteriormente.

Verifica-se que as alunas de sexo feminino revelam crenças epistemológicas

relativamente mais maduras e rigorosas ao nível da escala de crenças sobre o

conhecimento (t(608)=-4.29, p=.00). Na escala de crenças sobre os processos de

aprendizagem e investigação, esta tendência tende a inverter-se embora com valores não

significativos.

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278

Gráfico 3.3.

Análise de diferenças entre sexos em cada uma das escalas de 2ªordem do QEES.

SEXO

masculinofeminino

Méd

ia

4,0

3,8

3,6

3,4

3,2

3,0

2,8

2,6

Crenças conhecimento

Crenças processos

3,83,9

3,0

2,8

Diferenças entre grupos em função da idade

O Gráfico 3.4. permite a comparação entre grupos etários em cada um dos

factores (escalas) de primeira ordem. Observam-se, de modo geral, diferenças mínimas

e sem significado estatístico. Mesmo agrupando todos os alunos apenas em duas

categorias independentes (14-15 anos v.s. 16 ou mais anos) apenas foi possível detectar

uma diferença significativa entre médias (teste t-Student para amostras independentes)

ao nível do factor 4 de primeira ordem, natureza do conhecimento ((t(615)=-2.68, p=.00),

assumida a igualdade de variâncias (teste de Levene). Neste caso, são os alunos mais

velhos, de dezasseis ou mais anos, que apresentam crenças epistemológicas

significativamente mais ingénuas ao nível da escala de natureza do conhecimento.

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279

Gráfico 3.4.

Análise de diferenças entre grupos etários em cada escala de 1ªordem do QEES.

Idade

16 ou mais14-15

Méd

ia

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

FACTOR1

FACTOR2

FACTOR3

FACTOR4

3,53,3

3,23,2

2,32,4

3,93,8

Estes alunos acreditam de uma forma mais “intensa” do que os restantes que “a

verdade nunca muda” (item 34) ou que “há uma maneira errada e uma maneira certa de

fazer cada coisa” (item 30). Além disso, é neste subconjunto de itens que surgem as

referências mais frequentes ao papel (e responsabilidade) dos professores dado que “um

bom professor indica aos alunos a maneira certa de fazer as coisas” (item 11) e que “se

os professores dessem menos teoria e se limitassem aos factos, tirava-se mais partido da

escola” (item 41).

Não se observaram outras diferenças significativas em função da idade.

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280

Diferenças entre grupos em função do agrupamento

O Gráfico 3.5. permite a comparação entre grupos em função do agrupamento

em que o aluno está inscrito: Ciências, Artes, Economia e Humanidades.

Gráfico 3.5.

Análise de diferenças entre agrupamentos em cada escala de 1ªordem do QEES.

Agrupamento

HumanidadesEconomia

ArtesCiências

Méd

ia

14,0

12,0

10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

0,0

FACTOR4

FACTOR3

FACTOR2

FACTOR1

3,43,53,0

3,4

3,23,33,13,2

2,32,52,12,4

3,93,74,13,9

Observam-se algumas diferenças significativas entre agrupamentos. Por uma

questão de clareza gráfica, o Gráfico apenas permite a comparação entre as médias de

cada agrupamento em cada uma das escalas de primeira ordem. Outros resultados estão

descritos de forma mais detalhada em anexo (Anexo XIX).

Considerando as escalas de 2ªordem (agrupando os factores 2, 3 e 4), o

agrupamento de Artes apresenta valores significativamente diferentes na escala de

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281

crenças sobre o conhecimento em relação aos agrupamentos de Ciências e de Economia,

revelando maior ingenuidade epistemológica.

O agrupamento de Economia apresenta valores significativamente diferentes na

escala de processos de aprendizagem e de investigação em relação ao agrupamento de

Ciências, revelando uma tendência idêntica.

Além destas, podem observar-se outras diferenças entre médias em função do

agrupamento, embora sem significância do ponto de vista da análise estatística.

Diferenças entre grupos em função do número de repetências

O Gráfico 3.6. permite a comparação entre o grupo de alunos sem nenhuma

repetência na sua história de aprendizagem e os restantes alunos, com uma ou mais

repetências. Uma vez mais se optou por agrupar todos os alunos apenas em duas

categorias independentes. Neste caso, observaram-se diferenças significativas ao nível

da escala de primeira ordem sobre processos de conhecimento e de aprendizagem

(t(596)=-2.32, p=.02) e da escala sobre a natureza do conhecimento (tal como se descreveu

na comparação entre grupos etários, neste caso com um valor de t(615)=3.16, p=.00)) uma

vez assumida a igualdade de variâncias (teste de Levene).

Curiosamente, são os alunos que nunca sofreram nenhuma repetência os que

parecem mais descrentes da possibilidade de desenvolverem a sua capacidade de

aprendizagem (item 23), e menos convictos de que “toda a gente precisa de aprender a

aprender” (item 28). Ao contrário, são os alunos que no passado sofreram mais

insucessos e retenções os que mais acreditam que “as pessoas bem sucedidas

descobriram como melhorar a sua capacidade de aprendizagem” (item 15). Esses, os

que parecem bem sucedidos, não tanto. Esses, acreditam mais facilmente que algumas

pessoas nascem bons alunos (item 19). Estes são valores um pouco inesperados e até

contraditórios: por exemplo, os melhores alunos acreditam menos que “o que se

consegue aprender na escola depende sobretudo de cada aluno” (item 5) e que “o mais

importante na investigação científica é questionar e procurar novas respostas” (item 17.)

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282

Gráfico 3.6.

Análise de diferenças entre grupos com e sem repetências em cada escala de 1ªordem do QEES.

Repetências

Com 1 ou mais Repet.Sem Repetências

Méd

ia

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

FACTOR1

FACTOR2

FACTOR3

FACTOR4

3,5

3,3

3,23,2

2,42,3

3,84,0

Esta é seguramente uma das variáveis a estudar com maior cuidado no futuro

com base em amostras mais representativas de diferentes graus de sucesso e de

insucesso escolar.

Em síntese, a análise de diferenças entre grupos de alunos em função do sexo,

da idade, do agrupamento e do número de repetências revela algumas diferenças

significativas num conjunto de muitas outras pequenas diferenças sem significado

estatístico. Estudos posteriores, a partir de amostras constituídas de forma estratificada

poderão esclarecer algumas destas questões, nomeadamente no que respeita à influência

do grupo ou área disciplinar e do percurso escolar de cada aluno, da sua história pessoal

de sucessos e insucessos.

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283

Análise comparada entre Questionários (QEEU e QEES).

Dado que o Questionário Epistemológico apresenta uma estrutura factorial

similar nas duas versões estudadas, é possível comparar os valores médios obtidos em

cada escala em cada um dos questionários (QEEU e QEES).

Verifica-se que os estudantes do ensino universitário apresentam uma maior

maturidade epistemológica (valores médios inferiores) em relação aos seus pares a

frequentar o Curso Secundário (Gráfico 3.7.). Este resultado está de acordo com o que

foi observado em estudos anteriores (Schommer, 1994a e 1994b) e parece confirmar a

hipótese de um desenvolvimento epistemológico gradual, ao longo do currículo.

Gráfico 3.7.

Análise de diferenças entre valores médios em cada um dos factores em cada um dos Questionários.

QEEUQEES

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

Natureza

Estrutura

Acesso

Processo

2,3

3,9

1,8

2,4

2,7

3,2

2,6

3,4

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284

Em síntese, o Questionário Epistemológico, na sua versão para estudantes do

Ensino Secundário (QEES), apresenta uma estrutura factorial que tem correspondência

quer na estrutura anteriormente observada na versão para estudantes do Ensino

Universitário (QEEU), quer nos resultados observados na população americana. Parece

tratar-se de um instrumento com propriedades psicométricas relativamente sólidas, que

pode ser relacionado com outros questionários, como se propõe no estudo seguinte.