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Avanços na Assistência Social brasileira: o trabalho multidisciplinar e
a prática com grupos.
Autores
Aline Xavier Melo – [email protected]
Juliana Roman dos Santos Oliveira – [email protected]
Lenise Juliane Pedroso – [email protected]
Instituição
Secretaria Municipal de Assistência Social de Ourinhos – SP – Brasil
Eixo temático
Lógicas coletivas: grupos, direitos humanos, consciência crítica e potencias inventivas
Área teórico prática
Trabalho social
Objetivos
O presente trabalho tem por objetivo apresentar as práticas desenvolvidas no município
de Ourinhos nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) através do
trabalho conjunto entre assistentes sociais, psicólogos e psicopedagogos, realizando
atendimentos individuais e promovendo a realização de grupos visando resgatar a
subjetividade dos indivíduos, estimular suas potências criativas, desenvolver a
consciência crítica e instigar a participação em movimentos sociais e espaços públicos
O assistencialismo foi uma prática por muito tempo utilizada no Brasil para lidar
com a população que se encontra às margens da sociedade devido a sua condição
sócioeconômica e de vulnerabilidade. A Constituição de 1988 marcou o fim de um
período ditatorial pelo qual o Brasil esteve submetido por cerca de 20 anos e assinalou o
início de um regime democrático no qual se encontra hoje, em que houve a
consolidação dos direitos humanos como trabalho, educação, saúde, segurança e
assistência social como sendo direitos de todo cidadão brasileiro e dever do Estado.
Em 1993 é criada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) que define que a
assistência social é direito do cidadão e dever do Estado, sendo uma política de
seguridade social não contributiva e compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa pública e da sociedade. Em 2004 é aprovada a Política Nacional de
Assistência Social (PNAS), concebida com base na LOAS, sendo fruto de reuniões e
proposições dos conselhos e conferências de assistência social, de discussões coletivas e
de movimentos sociais que vieram se travando ao longo do tempo, resultando na
construção desta nova política.
Dentro desse contexto de aprovação da PNAS, foram criados equipamentos
denominados de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) que são unidades
públicas implantadas em territórios com altos índices de vulnerabilidade e risco social e
que têm por objetivo efetivar a política nacional de assistência social por meio de
serviços e programas de proteção básica às famílias e à comunidade. Para isso,
trabalham com dois eixos estruturantes: a matricialidade sociofamiliar e a
territorialização. Isto é, com ações e serviços centrados na família, vista como núcleo
social fundamental, e na singularidade de cada território, compreendido como fator
determinante para o entendimento das situações de vulnerabilidade e riscos sociais,
assim como para seu enfrentamento.
Atualmente, o município de Ourinhos, que tem cerca de 100 mil habitantes,
conta com quatro CRAS, todos localizados nas regiões mais vulneráveis da cidade e
com uma equipe composta por assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, estagiários e
apoio administrativo, que busca através de um viés interdisciplinar construir
coletivamente planos de trabalho com as famílias usuárias do serviço, inclusive as que
pertencem ao Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), programa
necessariamente ofertado pelas unidades. O trabalho social essencial ao PAIF se
distribui em acolhida, estudo social, visita domiciliar, orientação e encaminhamentos,
grupos, acompanhamento familiar, atividades comunitárias e outros, conforme demanda
específica.
O trabalho multidisciplinar tem um papel de destaque no CRAS, uma vez que,
possibilita a troca de informações e experiências entre os profissionais das diversas
áreas, contribuindo para um trabalho mais amplo com as famílias, que compreenda seus
novos arranjos, os processos de subjetivação histórico-sociais e as práticas existentes na
tessitura territorial. São as diferenças de especialização que permitem atribuir unidade à
equipe, enriquecendo-a e, ao mesmo tempo, preservando diferenças.
O assistente social nesse âmbito, tem sua ação voltada para um trabalho que visa
promover o acesso a informações inerentes ao exercício pleno da cidadania e para isso
efetua ações pontuais como: concessão de benefícios, orientações sobre direitos,
serviços e encaminhamentos para a rede e outros recursos da comunidade, como
também realiza ações de acompanhamento através de visitas domiciliares e
atendimentos individuais de escuta e acolhida, prática que vão ao encontro do novo
paradigma da Assistência Social. Também é responsável, juntamente com outros
profissionais como psicólogos e/ou pedagogos, pela execução dos grupos,
principalmente os de caráter socioeducativo, o qual falaremos mais detalhadamente
sobre suas características no decorrer do trabalho.
A prática do psicólogo no CRAS embora esteja fundamentada pelo Conselho
Federal de Psicologia, pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Públicas (CREPOP) e Orientações Técnicas para o CRAS do MDS, encontra-se em
processo de construção. A psicologia ainda é compreendida, por diversos setores e pela
sociedade, sob uma perspectiva clínica de natureza psicoterapêutica. É necessário
entender o significado social da psicologia e romper com o privativo da clínica, sendo
este um dos desafios da prática profissional na área da assistência social e demais
políticas públicas.
A atuação social do psicólogo deve, sobretudo considerar o usuário como um
cidadão desprovido de seus direitos básicos, excluído da sociedade devido sua condição
econômica, exposto diariamente a riscos sociais como a violência e o tráfico de drogas,
e o reflexo de todo este contexto em sua subjetividade, na construção de sua
personalidade, em sua constituição familiar e na sua ação enquanto sujeito/cidadão. O
psicólogo do CRAS atende, portanto, não só individualmente aos sujeitos em suas
particularidades, mas sim e, sobretudo o coletivo, posto que as condições sociais a que
os usuários estão expostos limita e dificulta seu desenvolvimento pessoal e submete-os
a um quadro de alienação que deve ser superado.
Dessa forma, as atividades do psicólogo no CRAS devem estar voltadas para a
compreensão dos processos de subjetivação face à vulnerabilidade social e, a partir
disso, para a utilização de dispositivos de prevenção a situações de risco. O que implica
enfatizar as relações dos usuários do serviço com seus contextos, buscando favorecer o
empoderamento dos mesmos, na construção da autonomia e do protagonismo, ao
provocar impactos na dimensão de sua subjetividade política.
Os atendimentos e acompanhamentos de famílias usuárias do serviço pela
equipe multiprofissional são feitos de modo individual e através da realização de
grupos. As ações visam contribuir para o fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários, além de desenvolver as potencialidades e aquisições pessoais e coletivas
e, sobretudo, promover a consciência crítica no sentido de garantir os direitos dos
cidadãos.
Uma vez que, os CRAS do município estão localizados em territórios com
demanda específica, o trabalho com grupos está configurado de acordo com as
peculiaridades e reais necessidades existentes.
São realizados grupos específicos de acordo com o programa no qual o usuário
está inserido ou com o benefício recebido. Desta forma, há o desenvolvimento de
grupos com jovens, idosos, mães e famílias que vão ao encontro dos objetivos dos
programas aos quais pertencem, havendo grupos de convivência, de reflexão e
socioeducativos.
Os grupos de convivência têm sido realizados com o público jovem e com os
idosos, tendo como característica a composição de no máximo 30 pessoas em que são
trabalhados a comunicação, a sociabilidade, as relações pessoais e familiares, entre
outras questões de interesse comum do grupo. Os grupos têm periodicidade mensal ou
quinzenal e é relativamente fechado, ou seja, com pouca rotatividade de participantes.
Nos grupos de reflexão ou desenvolvimento, os participantes têm uma postura
mais ativa. A escolha dos temas, das regras e das formas de condução do grupo é
definida coletivamente, sendo que compete ao coordenador ser um facilitador e
estimular o desenvolvimento das capacidades e potencialidades existentes. O grupo é
constituído por cerca de 15 pessoas, com periodicidade quinzenal e caracterizado como
um grupo fechado.
Os grupos socioeducativos apresentam um caráter informativo e, para tanto,
trabalha com temas relacionados à cidadania, direitos e deveres, políticas públicas e
relações familiares. Os grupos são abertos, têm periodicidade mensal e duração
aproximada de 90 minutos, contando com cerca de 50 pessoas. Assim como o grupo de
convivência e de reflexão, pretende ser um instrumental de desenvolvimento das
habilidades e capacidades das famílias, mas acima de tudo busca fazer circular a
informação a partir de uma postura mais diretiva por parte do coordenador.
Nos grupos, procura-se informar o usuário de seus direitos enquanto cidadão;
discutir sobre os problemas sociais, compreendendo o funcionamento do sistema
capitalista; levar o usuário a refletir sobre sua trajetória familiar e pessoal; fazê-lo
perceber, através de práticas, a importância e a força da coletividade; incentivá-lo a ser
ativo na sociedade através da participação em associações de bairro, conselhos
municipais, movimentos sociais e outros.
Embora cada grupo esteja configurado de forma diferente, de um modo geral ele
representa um espaço de convivência, de exercício da cidadania, de acolhimento e
escuta, de pertencimento, de identificação e compreensão, de reflexão sobre si e, a partir
disso, de estímulo a ressignificação do cotidiano, a construção de novos interesses,
novas respostas e a criação de novos projetos de vida, ao romper com o paradigma da
tutela na construção do protagonismo e da autonomia.
As famílias podem expressar suas dúvidas, conflitos e demais questões pessoais,
e tal demanda deve ser adequadamente acolhida, entretanto o objetivo é tirar as famílias
do ensimesmamento e trazer as questões para o âmbito coletivo, para o contexto social
mais amplo, já que a construção de uma vida pressupõe a dimensão do coletivo.
A finalidade dos grupos está em levar o indivíduo a ser sujeito de sua própria
vida, a exercer sua liberdade de escolha e lutar pelos seus direitos, a ser um sujeito ativo
que procura transformar as suas relações e superar as barreiras sociais a partir do
momento em que vai atrás de pequenas conquistas como a conclusão dos estudos, o
exercício de alguma atividade, a busca por qualificação profissional, o cuidado com a
saúde, etc.
Nesse processo, é fundamental que a equipe multiprofissional assuma o lugar de
sujeito político ao trabalhar com grupos no CRAS. Há que se adotar uma postura que
potencialize as habilidades familiares e comunitárias em sua conjuntura territorial, já
que não existe só problema no trabalho com usuários da assistência social, mas também
criatividade e potência.
REFERÊNCIAS
BARROS, R, B; PASSOS, E; RAUTER, C. (organizadores). Clínica e Política: Subjetividade e Violação dos Direitos Humanos. Equipe Clínico-Grupal, Grupo Tortura Nunca Mais - RJ. Instituto Franco Basaglia/Editora TeCorá. Rio de Janeiro: 2002.
LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS), Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 8 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências.
ORIENTAÇÕES TÉCNICAS: CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - CRAS/Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - 1. ed. - Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009.
OS DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DOS CENTROS DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS) – Caderno 3 – publicação Cress SP (Conselho Regional de Serviço Social)
POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – PNAS, aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social por intermédio da Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004, e publicada no Diário Oficial da União – DOU do dia 28 de outubro de 2004.
REFERÊNCIA TÉCNICA PARA ATUAÇÃO DO(A) PSICÓLOGO(A) NO CRAS/SUAS, Conselho Federal de Psicologia (CFP). -- Brasília, CFP, 2007. (re-impressão 2008)