avaliaÇÃo do desempenho profissional do professor e formaÇÃo do … · 2017. 3. 17. · ender o...

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, AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO PROFISSIONAL DO PROFESSOR E FORMAÇÃO DO EDUCADOR: REFLEXÕES Ao se desencadear uma reflexão sobre avaliação do desempenho docente e formação do educador alguns aspectos nos parecem re- levantes destacar. Não basta avaliar para melhorar. A mera avaliação do desempenho profissionaldo pro- fessor, por si só, não basta para propiciaruma melhoria da qualidade do ensino e um aperfei- çoamento do processo ensino-aprendizagem. Ao mesmo tempo em que se propõe uma siste- mática de avaliação do desempenho muitas outras ações deveriamserviabilizadastaiscomo: programas de formação continuada, progra- mas de gestão educacional participativa, pro- gramas de reorientação curricular,além de es- tudos e revisões na carreira de magistério que passem por uma discussão da questão salarial, das condições de trabalho e de dignidade pro- fissional. Acreditamos que a avaliação do desem- penho profissionaldo professor só tem sentido, quando se articula a um projeto pedagógico mais abrangente, da instituição ou do sistema escolar. Não a vemos isolada de proposta edu- cacional que a viabilizee que, por sua vez, se insere emumprojetomaisamplosócio-cultural. Mere ABRAMOWICZ. "A avaliaçáo tem sentido quando a escola está habituada a olhar criticamente para as suas práticas e quando o pessoal docente tem uma percepçáo saudável do seu estatuto" (DES, 1985) Esse projeto traz em si, uma concepção de programas de formação que questiona os modelos tecnicistas de treinamento clássico que enveredam por um "quase" adestramento mecânico, via pacotes instrucionais, pré-deter- minados. Ao nos referirmos à formação, temos em vista um processo onde o professor reflete, estuda,debate, discute a sua prática,desvelan- do as teorias que a informam, buscando transformá-Ia. Nessa concepção, o professor é um ativo participante do processo, construindo seu co- nhecimento e se constituindo em sujeito de sua prática. Com essa ótica, a avaliação do desem- penho parece intimamente ligada a essa forma- ção, apontando para o desenvolvimento profis- sional do professor. Este desempenharia um papel ativo tanto na elaboração quanto na implementação de uma sistemática de avalia- ção do desempenho profissional. Cremos que o grande desafio é represen- tado pela necessidade de se propor uma avali- ação do desempenho docente, democrática que aponte para o desenvolvimento profissio- nal, para a autonomia e emancipação individual e grupal. (I Professora Associada do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Supervisão e Currículo da PUC/SP. Revista de Educação, PUC-Campinas, v. I, n. 4, p. 39-42,junho 1998

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, AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO PROFISSIONAL DOPROFESSOR E FORMAÇÃO DO EDUCADOR: REFLEXÕES

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Ao se desencadear uma reflexão sobreavaliação do desempenho docente e formaçãodo educador alguns aspectos nos parecem re-levantes destacar.

Não basta avaliar para melhorar. A meraavaliação do desempenho profissionaldo pro-fessor, por si só, não basta para propiciarumamelhoriada qualidade do ensino e um aperfei-çoamento do processo ensino-aprendizagem.Aomesmo tempo em que se propõe uma siste-mática de avaliação do desempenho muitasoutras ações deveriamserviabilizadastaiscomo:programas de formação continuada, progra-mas de gestão educacional participativa,pro-gramas de reorientação curricular,além de es-tudos e revisões na carreira de magistérioquepassem por uma discussão da questão salarial,das condições de trabalho e de dignidade pro-fissional.

Acreditamos que a avaliação do desem-penho profissionaldo professor só tem sentido,quando se articula a um projeto pedagógicomais abrangente, da instituiçãoou do sistemaescolar. Não a vemos isolada de proposta edu-cacional que a viabilizee que, por sua vez, seinsereemumprojetomaisamplosócio-cultural.

Mere ABRAMOWICZ.

"A avaliaçáo só tem sentido quando a escola estáhabituada a olhar criticamente para as suas práticase quando o pessoal docente tem uma percepçáosaudável do seu estatuto" (DES, 1985)

Esse projeto traz em si, uma concepçãode programas de formação que questiona osmodelos tecnicistas de treinamento clássicoque enveredam por um "quase" adestramentomecânico, via pacotes instrucionais, pré-deter-minados.

Ao nos referirmos à formação, temos emvista um processo onde o professor reflete,estuda,debate,discute asua prática,desvelan-do as teorias que a informam, buscandotransformá-Ia.

Nessa concepção, o professor é um ativoparticipante do processo, construindo seu co-nhecimentoe se constituindo em sujeito de suaprática.Com essa ótica, a avaliação do desem-penhopareceintimamente ligada aessa forma-ção, apontandopara o desenvolvimento profis-sional do professor. Este desempenharia umpapel ativo tanto na elaboração quanto naimplementação de uma sistemática de avalia-ção do desempenho profissional.

Cremos que o grande desafio é represen-tado pela necessidade de se propor uma avali-ação do desempenho docente, democráticaque aponte para o desenvolvimento profissio-nal,paraaautonomiaeemancipação individuale grupal.

(I Professora Associada do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Supervisão e Currículo da PUC/SP.

Revista de Educação, PUC-Campinas, v. I, n. 4, p. 39-42,junho 1998

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Na área de avaliação do desempenho,defrontamo-nos com uma ênfase em mecanis-mos de controle, fundados no paradigmatradi-cional de avaliação educacional, de vocaçãopositivista. Nessa abordagem tecnicista porexcelência, predomina a noção de produto,expresso em dimensões qualitativas, quecorresponde a uma preocupação com medidado desempenho docente.

Nesse sentido, os organismos, oficiais ounão,que propõemas sistemáticasde avaliaçãodocente, explicitam uma relaçãoautoritáriaquecoloca os professores como objetos a seremcontrolados, sem participação no processo,provocando-Ihesfreqüentemente, medo,revol-ta e resistência.

Aexpressãodessatendênciaem políticasconcretas acentua os mecanismos de controlee supervisão cerrada do magistério emcontraposição às aspirações mais democráti-cas com base em um outro paradigma críti-co-humanista, que busca interpretare compre-endero significadodos resultadosdodesempe-nho docente.

Busca-se aqui valorizar a dimensão pro-cessual de tal sistemáticaque extrapola o cará-terde maneira meramentequantitativa. Repen-sa-se o processode avaliaçãodo desempenhodocente, vendo-o "não como um mero instru-mento técnico, uma contabilidade que refletiriao rendimento quantitativo, agindo de formacontroladoraefiscalizadora.Contempla-seaquiuma visão, para além da tecnicista, buscandovalores e princípios que fundamentam umposicionamento político e cultural, qualitativo-interpretativo, refletindo as tendências mundi-ais contemporâneas na área de avaliação"(Abramowicz, 1995).

A dimensão processual aqui destacadaadvém do que se chama "modelo de processo"como estratégiacentralde avaliaçãododesem-penho docente.

"Ovalor reside noprocesso de trabalho. Éo próprio processo que irá conduzir aodesenvolvimento profissional. Quaisquer

M. ABRAMOWICZ

resultadossão válidospara um dadopro-fissionalnumcontextoespecffico.Enquan-to o modelo de produto procura geraravaliações autoritárias (exatas) do de-sempenho do professor (que servirão debase para prescrições posteriores), omodelo de processo procura, por si pró-prio, estimular uma aprendizagem eficazdo professor. Neste último caso, não setrata deproduzir idéiasque estespossamutilizarpara aperfeiçoar o seu próprio tra-balho" (Winter, 1987).

Em uma proposta processual, com umpano de fundo crítico-humanista, ressalta-se arelação entre avaliação do desempenho e acondição existencial do professor, suaespecificidadepessoal,históricaesocialque seconvencionou chamar de "o fator humano".

"Pormuitoque osprogramas deavaliaçãosejam realistase estejam cuidadosamen-te articulados, têm de ter em conta o fatorhumano. Isto é necessário por duas ra-zões: em primeiro lugar, porque qualquertipo de desenvolvimento envolve inevita-velmente as pessoas numa reavaliaçãode valores, atitudes, sentimentos e práti-cas,que nãosão unicamente controladaspela razão nem são passfveis de seremprescritas; em segundo lugar, porque astentativasparapromovera avaliaçãocomoparte do desenvolvimento dopessoal do-cente exigem uma atenção particular àsdinâmicas psicológicas e sociais" (Day,1993).

O professor,pessoae profissional, é vistocomo sujeito do processo, ativo, que constrói aavaliação de seu desempenho, participandoefetivamentedela.Valoriza-seassim,aautono-mia docente, dando espaço à auto-avaliação ea práticas avaliativas participativas.

"Antevemos uma avaliação com o crivo devalores humanos, articulada com uma

constelação de princfpios éticos, que per-mitirão à avaliação se distanciar do marcode controle,possibilitandopensar-se em

Revista de Educação. PUC-Campinas. v. 1. n. 4. p. 39-42, junho 1998

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AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO PROFISSIONAL DO PROFESSOR...

.um novo sentido a lhe ser atribuído, crítico,

criativo, competente e comprometido comum horizonte transformador" (Abramowicz,

1995)

Aavaliaçãododesempenho docente apon-tando para este horizontetransformador não selimitariasó a umjulgamentodo trabalho, docen-te, mas se constituiriaem uma possibilidadedereorientar a trajetória profissionaldo professor.Nãose esqueceria aquique, sendo a escola umpólo decisor fundamental, o desempenho do-cente também se relacionariacom o desenvol-vimento organizacional da instituiçãoescolar.Dessa forma, pensamos que a performancedocente não se refeririasomente ao desempe-nho didático,propriamentedito,mas levariaemconta como esse desempenho vem sendo pro-duzido na escola e para além dela.

Ao se deflagrar uma sistemática de avali-ação do desempenho profissionaldo professor,deve-se ter presente que a avaliação poderá servista como um processo gerador de competên-cias e, nesse sentido, é parte integrante dasmudanças que provoca.

Esse caráter dinâmico da avaliação dodesempenho docente significaque ela envolveuma mudança a ser construída pelo coletivodeprofessores e das outras instânciasque oenvol-vem, medidas pelo diálogo expresso em nego-ciações, contratos, acordos. Em todas essasinstâncias, nada deveria ser impostoautoritari-amente, já que as conquistas são construídasno coletivo de professores, democrática eparticipativamente.

Com ênfase na troca e no diálogo sebusca tirar o professor de seu isolamento emsala de aula.

"Amensagem parece clara: a avaliação eodesenvolvimentoprofissionaldevemcon-tribuir para um menor isolamento do pro-fessor e libertar mais tempo para refletirsobre a ação tanto fora como dentro dasala de aula" (Day, 1993).

Garante-se, assim, um aspecto funda-mental da ação avaliativa que é o processo

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interativo que caracteriza, essencialmente, aavaliação. Na dinâmica da interação, no movi-mento, nas contradições é que se pode flagrara prática docente a ser traduzida na avaliaçãodo desempenho.

A ênfasenas interaçõese acomplexidadedas organizações escolares, hoje, nos alertampara ofato de que não se devem concentrar emuma única instituição as funções avaliativas,reelaboradasparaodesempenhodocente. Des-se modo,todas as instânciasenvolvidas podemser mobilizadas, elaborando-se sistemáticas

de avaliação a partir de uma perspectivaorganizacional.

"Sobessa perspectiva uma sistemáticadeavaliaçãododesempenhodocenteseráválida quando se relacionar a programasde desenvolvimento profissional e apre-sentar alguns atributos tais como justiça,abrangências, abertura, validade, eficá-c~,wabmdade"(N~be~ 1986).

Acreditamosquealgunsdosaspectosaqui

apontados podemse constituir em importantespontos de reflexão para se discutir a avaliaçãodocente. Pensamos em uma sistemática de

avaliação do desempenho profissional do pro-fessor que acompanhe as transformações darealidadeeducacional, que não se limite a umamera apreciação ou fiscalização, mas apontepara o desenvolvimento profissionaldo profes-sor e a conquista de sua autonomia.

Com isso, estaríamos tentando contribuir

paraaproduçãodeumaculturada avaliação dodesempenho docente que o repense, dando-lhe consistência teórica e indicando novos ru-

mos à investigação avaliativa.

BIBLIOGRAFIA

ABRAMOWICZ, M. Repensando a Avaliaçãoda Aprendizagem no Curso Noturno. SérieIdéias nQ29,119-132, FDE, 1995.

Revista de Educação, PUC-Campinas, v. I, n. 4, p. 39-42,junho 1998

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DAY, Christopher.ln:Avaliaçõesem Educa~o,Novas Perspectivas, Estrela A. Nóvoa A.Porto, Porto Editora, 1993.

DES. Citado por Christopher Day. In: Avalia-ções em Educação, Novas Perspectivas,Estrela A. Nóvoa A. Porto, Porto Editora,1993.

M. ABRAMOWICZ

NISBET. Citado por Christopher Day. In: Ava-liações em Educa~o, Novas Perspectivas,Estrela A. Nóvoa A. Porto, Porto Editora,1993.

WINTER. Citado por Christopher Day. In: Ava-liações em Educação, Novas Perspectivas,Estrela A. Nóvoa A. Porto, Porto Editora,1993.

Revista de Educação, PUC-Campinas, v. I, n. 4, p. 39-42, junho 1998