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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros MOREIRA, MEL., LOPES, JMA and CARALHO, M., orgs. O recém-nascido de alto risco: teoria e prática do cuidar [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2004. 564 p. ISBN 85-7541-054-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org >. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Avaliação e acompanhamento da deficiência auditiva em recém- nascidos Eduardo José Berardo Zaeyen Antonio Fernando Catelli Infantosi Eduardo Jorge Custódio da Silva

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros MOREIRA, MEL., LOPES, JMA and CARALHO, M., orgs. O recém-nascido de alto risco: teoria e prática do cuidar [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2004. 564 p. ISBN 85-7541-054-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Avaliação e acompanhamento da deficiência auditiva em recém-nascidos

Eduardo José Berardo Zaeyen Antonio Fernando Catelli Infantosi Eduardo Jorge Custódio da Silva

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A V A L I A Ç Ã O Ε ACOMPANHAMENTO D A DEFICIÊNCIA A U D I T I V A

EM RECÉM-NASCIDOS

Eduardo José Berardo Zaeyen

Antonio Fernando Catelli Infantosi

Eduardo Jorge Custódio da Silva

As primeiras investigações de perda auditiva na infância tiveram

início nos anos 60 (Downs & Sterritt, 1964; Downs & Hemenway, 1969),

tendo sido demonstrada por Lenneberg, Rebeisky & Nichols (1965) a

importância da integridade da audição nos primeiros três a quatro anos de

vida para o desenvolvimento adequado da fala e da linguagem. Durante

este curto período, a preservação das vias auditivas associada a estímulos

sonoros - especialmente sons de comunicação - permite o desenvolvimento

das áreas auditivas corticais primárias e secundárias, bem como das vias

associativas cerebrais. A o se suspeitar de perda auditiva na infância (dois

a quatro anos), mesmo que haja uma intervenção adequada, a criança já

perdeu esses preciosos e relevantes anos de comunicação, que envolvem

implicações relevantes de desenvolvimento cognitivo, pois, assim como

um músculo precisa receber impulsos nervosos para seu desenvolvimento,

as áreas auditivas também necessitam ser estimuladas.

Crianças com início tardio de tratamento de perdas auditivas estão

mais sujeitas a apresentarem problemas cognitivos em diversas áreas, como

por exemplo em raciocínio espacial, matemático e comportamental, o que

permite muitas vezes que se confunda o diagnóstico, indicando síndrome

de autismo. Tais aspectos podem ocorrer com crianças sem outros fatores

de risco para seu desenvolvimento. Em crianças apresentando fatores de

risco como prematuridade ou lesões hipóxico-isquêmicas (hemorragias

intracranianas e encefalomalácias e t c ) , as conseqüências cognitivas podem

ser incalculáveis. A identificação e a intervenção precoce da perda auditiva

nos primeiros meses de vida, portanto, são fundamentais para o adequado

desenvolvimento da linguagem e da comunicação.

As primeiras iniciativas para se avaliar a audição em recém-

nascidos (RNs) de risco datam dos anos 60 e 70, que resultaram na criação

do Joint Committe on Infant Hearing (JCIH). Posteriormente, em 1994,

esse Comitê fez recomendações (Quadro 1) que foram revistas em 2000

por Nor ton et al. (Quadro 2 ) .

Quadro 1 - Indicadores de risco para perda auditiva

Fonte: American Academy of Pediatrics (1994)

O aprimoramento, aliado ao desenvolvimento de técnicas de detecção

objetiva de perda auditiva em pacientes pouco colaborativos - como é o

caso de RNs - foi e continua sendo crucial. Em 1961, Kiang descreveu pela

primeira vez o potencial evocado de tronco cerebral, e, posteriormente, em

1974, Hecox & Galambos publicaram os primeiros trabalhos de aplicação

clínica desse método. Nos anos subseqüentes, a técnica foi aprimorada,

valores normativos foram estabelecidos e as origens dos sítios neurais ao

longo da via auditiva foram descritas. Com o estabelecimento de correlação

entre limiares clínicos e neurofisiológicos (Chiappa, 1997), tiveram início,

na década de 80, os primeiros programas de triagem auditiva de RNs

considerados de alto risco (Stockard & Westmoreland, 1980). Tais programas

identificavam apenas cerca de metade dos RN com perda auditiva (American

Academy o f Pediatrics, 1994): c o m o eram destinados inicialmente a

diagnosticar surdez somente nos bebês de alto risco, os que nasciam

saudáveis, sem apresentarem os fatores risco estabelecidos na época, não

eram submetidos à triagem.

Quadro 2 - Indicadores revisados de risco para perda auditiva

Fonte: American Academy of Pediatrics (1994)

Em 1978, Kemp desenvolveu uma outra técnica para avaliar a audição

de bebês de forma objetiva: as emissões otoacústicas. Essa técnica estuda

exclusivamente as células ciliares externas na cóclea, sítio no qual ocorre

a maioria das perdas auditivas nos RN sem os fatores de risco definidos

pelo JCHI. A técnica, por ser mais simples e rápida, viabilizou a expansão

da triagem auditiva fora das UTIs , possibilitando a universalização da

triagem auditiva neonatal.

TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO OBJETIVA DAS VIAS AUDITIVAS EM RECÉM-NASCIDOS

As técnicas objetivas serão descritas segundo o caminho fisiológico

percorrido pelo som.

EMISSÕES OTOACÚSTICAS

Existem vários métodos diagnósticos aceitos como padrão-ouro

para a investigação de diferentes partes da via auditiva. A timpanometria/

imitanciometria e a otoscopia são métodos de avaliação da função da

orelha média, enquanto o potencial evocado auditivo permite avaliar a

função neural a partir das células ciliadas internas (IHC - Inner Hair

Cells) e a audiometr ia de t ronco cerebral, a função cocleoneural .

Similarmente, as emissões otoacústicas permitem a avaliação não invasiva

e exclusiva de parte da função coclear, as células ciliadas externas (OHC

- Outer Hair Cells).

As emissões otoacústicas são sons de pequeno nível de pressão

produzidos pela orelha interna como parte do processo normal da audição,

podendo ser medidos, na maioria dos indivíduos, com um aparato adequado

colocado no meato auditivo externo. O potencial clínico das OAE resulta

da possibilidade de se obter informações relativas à atividade específica

dos micromecanismos pré-neurais, isto é, os elementos sensitivos do órgão

de Corti (Zaeyen, Infantosi & Souza, 2002) . A relevância clínica dessa

técnica deve-se ao fato de esses mecanismos estarem associados à maioria

das disfunções auditivas periféricas, incluindo as induzidas por herança

genética (Silva et al., 2002).

De u m modo simplificado, pode-se descrever a orelha interna como

sendo constituída pela cóclea (Figura 1), a qual possui três compartimentos

(escalas vestibular, média e timpânica) preenchidos por líquidos (endolinfa

e perilinfa) e separados por duas membranas (reissner e basilar). Na

membrana basilar, encontra-se o órgão de Corti, no qual se dá a transdução

da energia mecânica sonora em energia elétrica neural, sendo responsáveis

por este processo as células sensitivas da audição, as células ciliares internas

(IHC) e as externas (OHC). Na porção apical dessas células (Foto 1), encontra-

se u m feixe de cílios (esteriocüios), elementos ativados pela ação mecânica

da pressão.

A s ondas de pressão sonora - após passarem pela membrana

timpânica e pela orelha média - atingem a orelha interna através da janela

oval e fazem com que a membrana basal vibre, resultando em u m

deslocamento angular dos estereocílios, produzindo um influxo de K + que

despolarizará a IHC. Essa despolarização abre os canais de C a 2 + vol tagem

específicos e conseqüente mudança no potencial da membrana das células

ciliares internas (potencial receptor), que, por sua vez, implica na liberação

de transmissores sinápticos e no disparo de impulsos nervosos (salva de

potenciais de ação) que, então, serão conduzidos ao sistema nervoso central

(SNC) via nervo auditivo. Esse processo de transdução mecano-elétrico

(mecano-neural) realizado pelas IHC é a base de todo o processo auditivo

(Hudspeth, 2000) .

As OHC modificam seu comprimento durante o processo normal de

audição - ação motil (Figura 2) - , no qual desempenham papel importante

na amplificação da intensidade sonora. Logo, as OHC podem ser consideradas

amplificadores biomecânicos da atividade das IHC, permitindo que se ouça

sons que, de outro modo, teriam intensidade menor que a capacidade de

percepção do SNC. Atualmente, já está estabelecido que muitas das causas

genéticas das perdas auditivas estão associadas à redução da motilidade

das OHC, decorrente de dano direto ou indireto a outros componentes na

orelha interna.

Foto 1 - Membranas ciliares

Fonte: Kandel, Schwartz & Jessel (2000)

Figura 1 - Cóclea com suas três escalas: vestibular, média e timpânica

Obs.: A esta deflexão mecânica do feixe das células ciliadas externas segue uma excitação destas. A deflexão é então transduzida em um receptor de potencial, que nas células ciliares internas pode chegar a 25 mV de amplitude. Com base em dados teóricos, sugere-se que os movimentos direcionados para cima levem a uma despolarização celular e que os movimentos para baixo, a uma hiperpolarização.

As OAE podem ser obtidas a partir de tipos diferentes de estímulo

(ou sem estimulação), o que implica em classificá-las de modo distinto:

• SOAE (Spontaneous Otoacoustic Emission) - na ausência de estímulo

acústico, obtêm-se as emissões espontâneas, que são sinais de banda de

freqüência estreita observados no meato auditivo externo;

• SFOAE (Stimulus Frequency Otoacoustic Emission) - quando a resposta é

gerada na mesma freqüência do estímulo;

• transiente (TEOAE - Transient Evoked Otoacoustic Emission) - a resposta

decorre de uma estimulação sonora de banda larga, tal como u m clique

ou uma salva tonal (Tone Pip);

• distorção (DPOAE - Distortion Product Otoacoustic Emission) - quando a

estimulação se dá por meio de dois tons puros (em f1 ef 2) simultâneos, e

ocorre o batimento dessas freqüências.

A triagem auditiva visa a identificar OEA alterada em deficientes

auditivos, sendo denominado verdadeiro positivo ( V P ) . Nos primeiros

programas de triagem, o percentual de falsos positivos 1 era ainda muito

elevado, chegando até 20%. O percentual de falsos negativos 2 ainda é

pouco reportado na literatura, pois só recentemente descreveu-se RN com

perda auditiva congênita para sons de baixa freqüência (inferiores a

2 K H z ) , faixa de freqüência que não é possível investigar pela OEA

(Lesperance et al., 2003) .

O percentual de FP tem sido reduzido como decorrência não só da

evolução tecnológica como também do uso mais freqüente da OEA e da

alteração de protocolo desse exame. Pode-se citar como exemplo de fatores

relevantes:

• o nível de ruído existente no berçário, que pode conduzir a taxas elevadas

de falsos positivos (FP);

• momento da realização do exame: taxa de FP bastante elevada nas

primeiras 24 horas, que decai rapidamente a partir de 48-72 horas de

vida (Kemp, 1978);

• avaliação somente das freqüências superiores a 1500 Hz da OEA para

que o paciente seja considerado não portador da deficiência auditiva;

• experiência do examinador.

Fonte: Chiappa (1997)

O PEA também pode ser considerado como resposta transiente ou

em estado estável (steady-state). A resposta transiente é definida como

tendo duração limitada no tempo, ocorrendo, portanto, imediatamente após

Atualmente, na triagem auditiva de RNs que não apresentam fatores

de risco, conforme definido pelo JCIH 2000, são utilizadas comumente as

respostas TOAE e DPOAE. Portanto, resposta alterada (falha) na primeira

avaliação não deve ser considerada como diagnóstico definitivo para a

perda auditiva.

POTENCIAL EVOCADO AUDITIVO Ε AUDIOMETRIA DE TRONCO CEREBRAL

O potencial evocado auditivo (ΡΕΑ) é o registro da atividade bioelétrica

do SNC, coletado sobre o escalpo na região do córtex temporal em resposta

a estímulos auditivos. A morfologia do PEA consiste numa seqüência de

ondas ocorrendo a diferentes latências, com amplitude e polaridade (positiva

ou negativa) distintas. A reprodutibilidade da forma de onda do PEA varia

de modo particular entre os indivíduos (Chiappa, 1997).

Tomando como referência o instante de estimulação, o PEA pode ser

classificado em resposta de curta, média ou longa latência (Figura 3) , cada

qual com especificidade e interpretações diferentes (Quadro 3 ) .

Figura 3 - Tipos de ondas geradas

u m estímulo e se extinguindo antes da ocorrência do próximo. Por outro

lado, o potencial steady-state é a resposta que se mantém ao longo de todo

o procedimento de estimulação, sendo, portanto, resultante da estimulação

a freqüências elevadas ou quando a duração do estímulo se iguala ou supera

o tempo de duração de sua resposta (Chiappa, 1997).

Na triagem auditiva em RNs de risco, o PEA transiente de curta

latência (BAEP - Brain Stem Auditory Evoked Potential) e a audiometria de

tronco cerebral (BERA) têm sido comumente empregados. Isso se deve ao

risco de esses RNs apresentarem lesão neural com OHC normais (neuropatia

auditiva), evitando-se assim a ocorrência de FN, isto é, o RN com disfunção

aud i t iva g r a v e ser incor re t amen te d iagnos t i cado c o m o n o r m a l .

Recentemente, o PEA steady-state de média latência tem sido proposto para

a triagem auditiva (John & Picton, 2000) .

Quadro 3 - Tipos de potenciais evocados auditivos

Fonte: Zaeyen, Infantosi & Souza, 2002.

POTENCIAL EVOCADO AUDITIVO TRANSIENTE

DE CURTA LATÊNCIA (BAEP)

Para se obter ο BAEP, estimula-se as vias auditivas com u m clique

de 100 &#181;s de duração e intensidade de pressão sonora de 50 a 60 dB acima

do limiar auditivo (normalmente em torno de 85 a 90 d B N A ) . O sinal EEG,

contendo a resposta auditiva - porém de muito menor amplitude - é

amplificado e filtrado, sendo, então, promediado (somação temporal de

inúmeras respostas), tendo como referência o instante de estimulação que

conduz a formação do ΡΕΑ.

Considerando somente os primeiros 10 ms e estando a via auditiva

intacta, obtém-se o BAEP constituído por sete ondas, que, para fins clínicos

se reduzem a somente três (ondas I, III e V ) , por apresentarem maior

reprodutibilidade (Figura 4 ) .

Obs.: Obtido em RN prematuro de 32 semanas, normal durante exame de rastreamento de perda auditiva em RN de risco para perda auditiva. As ondas estão identificadas por números romanos de I aV, nas intensidades de 85, 60, 40 e 30 dB NA de cima para baixo, respectivamente.

Fonte: Zaeyen, Infantosi & Souza (2002)

Cada onda pode ser entendida como se representasse um relê específico

da via auditiva (Quadro 4 ) , desde as IHC até o mesencéfalo (Figura 5) ,

tendo latências absolutas e respectivos intervalos inter-picos (IPL) específicos

para faixas etárias (em semanas) distintas (Gráfico 1). Essas latências e

esses IPL têm papel fundamental no estabelecimento do diagnóstico

topográfico de lesões, além de permitir a avaliação da maturidade da via

auditiva. Assim, por exemplo, estando as ondas subseqüentes e o IPL

III-V normais, o aumento da latência da onda I pode ser interpretado como

existência de perda auditiva periférica ou lesão do nervo acústico.

Figura 5 - Via auditiva central do núcleo coclear ao córtex auditivo

primário

Obs.: Efeito maturacional expresso em milisegundos (eixo vertical) l do IPL I-Vpor idade concepcional (idade gestacional mais idade cronológica) em semanas (eixo horizontal).

Fonte: Chiappa (1997)

Quadro 4 - Relação onda /sítio neural gerador do sinal

Fonte: Zaeyen, Infantosi & Souza (2002)

A U D I O M E T R I A DO T R O N C O CEREBRAL ( B E R A )

Para se realizar o BERA, a intensidade de estimulação (estímulo tipo

clique repetitivo) é diminuída gradativamente até o menor em que for ainda

possível reconhecer a onda V, sendo tal intensidade o limiar auditivo. Em

RNs, assume-se que o limiar normal se encontra entre 30 e 40 dBNA.

A partir do terceiro mês de vida, a faixa de variação da normalidade assumida

é a mesma do adulto: entre 0 e 20 dBNA.

A análise visual do BAEP e do BERA, resultante de estimulação por

clique, visa à identificação de características distintas e relevantes da via

auditiva. Para a interpretação clínica adequada no RN (Zaeyen, Infantosi &

Souza, 2002) , essas características devem ser analisadas simultaneamente

(Quadro 5 ) .

Apesar de essas duas técnicas serem consideradas na atualidade como

padrão-ouro na avaliação objetiva das vias auditivas em RNs, a estimulação

por clique resulta em predomínio de resposta entre 2 e 4 kHz (Misulis,

1994; Zaeyen, Infantosi & Souza, 2002) , decorrente de característica

inerente a esse tipo de estímulo: o clique tem curta duração e, portanto,

banda larga em freqüência. Sabendo que o ouvido humano é capaz de

perceber sons de 20 a 20.000 Hz, e que a v o z humana falada encontra-se

entre 300 e 3.000 Hz, este aspecto não se constitui em limitação relevante

na identificação das características do BAEP e BERA de RNs. Entretanto,

cabe ressaltar que o PEA não identifica RNs com perda auditiva congênita

para sons de baixa freqüência (inferiores a 2 KHz) , pois essa banda não é

investigada neste exame (Lesperance et al., 2003).

Outro aspecto a ser considerado quando se avalia as vias auditivas

de RNs de alto risco é que cerca de 30 a 35% das disfunções observadas na

primeira avaliação podem evoluir positivamente nos período entre os

primeiros 6 a 12 meses, podendo inclusive atingir a normalidade. Estudos

de respostas evocadas por freqüências específicas podem ser encontrados

em Zaeyen, Infantosi & Souza (2002).

POTENCIAL EVOCADO AUDITIVO EM ESTADO ESTÁVEL

As respostas evocadas auditivas de estado estável (ASSR - Auditory

Steady-State Response) foram registradas pela primeira vez em 1981

(Galambos, Makeig & Talmachoff), com freqüência de estimulação próxima

a 40 Hz . Estudos posteriores mostraram que essas respostas também

poderiam ser registradas com freqüências de estimulações de 80 a 110 Hz

(Lins et al., 1995). Como no registro a 40 Hz a resposta à estimulação de

40 Hz apresenta elevada variabilidade com o estado vigi l do paciente,

freqüências de estimulação superiores a 70 Hz passaram então a ser

empregadas (John & Picton, 2000).

Quadro 5 - Interpretações de resultados

Fonte: Zaeyen, Infantosi & Souza (2002)

Lins et al. ( 1995) , baseando-se em trabalhos de Regan & Heron (1969,

1970) com potenciais evocados visuais em resposta à aplicação de estímulos

simultâneos, propuseram o uso de procedimento similar, ou seja,

estimulação em vários tons aplicados simultaneamente e modulados em

amplitude. Mais recentemente, a partir de 2000, John & Picton têm aplicado

o ASSR na avaliação da audição em adultos.

Em RNs, os primeiros protocolos foram realizados em 2002 por Cone-

Wesson et al. Os RNs a termo e pré-termo desse estudo, considerados

normais pelos exames de BERA e OAE, foram diagnosticados como normais

pelo ASSR em 90% dos casos. Tal resultado foi considerado aquém do

esperado, tendo Cone-Wesson et al. apontado que modificação no protocolo

de registro e avaliação sistematizada deveriam ser conduzidas antes de se

aplicar a técnica a RNs. Em resumo:

• as emissões otoacústicas, transientes (TOAE) ou por produto de distorção

(DPOAE), são técnicas consistentes e bem testadas na prática clínica

como ferramentas de triagem auditiva para RNs que não apresentam

fatores de riscos para perda auditiva (Kok et al., 1993) , segundo o

JCIH 2000;

• as técnicas de BAEP associadas ao BERA são consideradas o padrão-ouro

vigente e devem ser utilizadas, segundo o JCIH 2000, na triagem auditiva

de RNs sob risco de perda auditiva (Saitoh et al., 2002 ) , e para a

confirmação diagnóstica quando o RN não passar na triagem com as

OAE (OAE ausentes);

• o ASSR é uma técnica recente, ainda em estudo com vistas a sua aplicação

clínica. A s s i m , a tua lmente , só deve ser empregado em estudos

experimentais de pesquisa;

• o resultado dos exames PEA ou OAE não devem ser considerado como

diagnóstico definitivo quando da alta do RN. O percentual de falsos

positivos nas OAE varia de 3 a 10% no primeiro exame (a partir de 48

. horas de vida), decrescendo para cerca de 2 a 5% no segundo teste;

por outro lado, a técnica baseada nos potenciais evocados conduz a um

número muito menor de falsos positivos (cerca de 1%);

• quando se lida com uma população de alto risco, em particular RNs que

receberam alta da UTI neonatal, deve-se levar em consideração que cerca

de 35% dos pacientes que apresentaram limiares auditivos superiores

aos normais tendem à melhora espontânea nos primeiros 6 a 12 meses

após a alta. Logo, o acompanhamento neste período é fundamental,

visando a um diagnóstico mais definitivo, pois a perda auditiva por

distúrbios de condução é muito comum nesta população;

• ao se utilizar o clique repetitivo como estimulação para se obter o PEA e

as OAE transientes, a investigação de perda auditiva está circunscrita,

fundamentalmente, à banda de freqüência de 2 a 4 KHz, não se podendo

inferir sobre o limiar auditivo nas demais freqüências, sejam estas mais

baixas (sons graves, como por exemplo de u m tambor) ou mais elevadas

(sons agudos como o de um apito). Muitas vezes, este aspecto tem

c o n d u z i d o os pais a não busca rem a rea l ização de exames de

acompanhamento auditivo de seus filhos, crendo que estes escutam bem

por reagirem a sons agudos ou mais graves.

NEUROPATIA AUDITIVA ( Ο Λ Ε NORMAIS COM Ρ Ε Λ SEVERAMENTE ALTERADO)

Os RNs com risco de neuropatia auditiva (Quadro 2 ) , mesmo que

apresentem potenciais auditivos normais, devem ter um acompanhamento

periódico durante o primeiro ano de vida ou, no caso de CMV, nos primeiros

seis anos.

Deve-se dedicar especial atenção e cuidado aos bebês com diagnóstico

de neuropatia auditiva (Madden et al., 2002). Tais pacientes, durante o

acompanhamento, 'podem apresentar respostas normais e conflitantes na

audiometria tonal e em avaliações de reconhecimento da palavra com OAE

normais, porém com BERA profundamente alterado ou até mesmo com

ausência de respostas nas duas orelhas'. Assim, os RNs que apresentarem

risco para esta patologia devem ser avaliados com as técnicas de potenciais

evocados, e aqueles que apresentarem exames comprometidos devem ser

submetidos aos exames de OAE e eletrococleografia (Santerelli & Arslan,

2 0 0 2 ) , em especial, a microfonia coclear ( M C , que reflete o b o m

funcionamento das OHC) para confirmação diagnóstica. U m possível

procedimento a ser adotado na avaliação de deficiência auditiva em RNs

seria associar o conjunto dessas técnicas, visando ao diagnóstico.

N O T A S

1 Falso positivo: paciente com OEA alterada, porém sem deficiência auditiva, ou

seja, classificado falsamente como portador de tal deficiência.

2 Falso negativo: paciente diagnosticado como não portador da deficiência, isto é,

OEA normal.

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

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