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Avaliação do Impacto dos Dados Acústicos, Perceptivos e Autoreferidos no Diagnóstico para Disfonia Através do Modelo de Regressão Beta Priscila Oliveira Costa Silva, Luciana Alves da Nóbrega, Programa de Pós-graduação em Modelos de Decisão e Saúde UFPB E-mail: [email protected], [email protected], Anna Alice Figueirêdo de Almeida, Leonardo Wanderley Lopes Departamento de Fonoaudiologia - UFPB E-mail: [email protected], [email protected]. Palavras-chave: Distúrbios da voz, Regressão Beta, Técnicas de apoio para a Decisão. Resumo: Existe atualmente uma ampla gama de informações no processo de triagem e avaliação vocal que podem ser fornecidas para que se chegue a um diagnóstico eficaz. Definir, portanto, aquelas que mais exercem influência no resultado vocal é uma tarefa de investigação importante. Assim, o objetivo deste estudo é investigar quais são os aspectos perceptivos, acústicos e autoreferidos que mais interferem na determinação da disfonia e de que forma este impacto pode ser expresso. Para isso, foi utilizado o modelo de regressão beta, metodologia estatística capaz de relacionar variáveis independentes a um desfecho, oferecendo um bom ajuste. Os resultados são expressos por um modelo de regressão beta com as variáveis: presença de harmônicos irregulares na análise espectrográfica, série de harmônicos rica em toda faixa de frequência, presença de energia acima de 5KHz no espectrograma, presença de harmônicos indefinidos, quantidade de sintomas vocais, quantidade de rugosidade, quantidade de soprosidade e quantidade de tensão à avaliação vocal. Acredita-se que tais resultados possam representar uma importante estratégia para a eficácia e agilidade do processo de avaliação e diagnóstico vocal. 1 Introdução A avaliação e diagnóstico da voz são procedimentos fonoaudiológicos realizados a partir de análises subjetivas e objetivas do sinal vocal. O julgamento perceptivo para a disfonia, seja ele realizado pelo especialista ou referido pelo paciente, apesar de ter sido considerado por vários anos como não-confiáveis, é visto atualmente como importante instrumento para avaliação da voz [6, 7]. Porém, outros métodos podem ser combinados a esta avaliação, complementando os dados obtidos e oferecendo um diagnóstico mais preciso. Existe concordância na literatura da área em considerar que, apesar da avaliação perceptivo- auditiva representar-se soberana no processo de avaliação da voz, outros métodos podem ser combinados a esta, de modo a complementar os dados obtidos, oferecendo um diagnóstico mais robusto [3]. A análise acústica da voz, por exemplo, é um método objetivo de avaliação da voz que oferece medidas e gráficos gerados por programas de computador, através do processamento de sinais e algoritmos, auxiliando na confirmação da impressão diagnóstica obtida pela avaliação perceptual [2]. As informações autorreferidas sobre a voz também representam um mecanismo importante na avaliação do comportamento vocal. No âmbito internacional, a pesquisa clínica dos sinais e sintomas constitui uma das ações obrigatórias básicas da pesquisa em qualquer ação diagnóstica ou terapêutica sobre o sistema fonador. Em pesquisas nacionais e internacionais, a prevalência de alterações vocais autoreferidas, ou seja, baseadas em sinais e sintomas referidos pelo próprio sujeito, variam entre 20% a 75% [8, 9]. Em virtude desta grande quantidade de informações que hoje podem ser fornecidas para um diagnóstico vocal cada vez mais eficaz, definir aquelas que mais exercem influência no resultado 95 ISSN 2317-3297

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Avaliação do Impacto dos Dados Acústicos, Perceptivos e

Autoreferidos no Diagnóstico para Disfonia Através do

Modelo de Regressão Beta

Priscila Oliveira Costa Silva, Luciana Alves da Nóbrega,

Programa de Pós-graduação em Modelos de Decisão e Saúde – UFPB

E-mail: [email protected], [email protected],

Anna Alice Figueirêdo de Almeida, Leonardo Wanderley Lopes Departamento de Fonoaudiologia - UFPB

E-mail: [email protected], [email protected].

Palavras-chave: Distúrbios da voz, Regressão Beta, Técnicas de apoio para a Decisão.

Resumo: Existe atualmente uma ampla gama de informações no processo de triagem e avaliação

vocal que podem ser fornecidas para que se chegue a um diagnóstico eficaz. Definir, portanto,

aquelas que mais exercem influência no resultado vocal é uma tarefa de investigação importante.

Assim, o objetivo deste estudo é investigar quais são os aspectos perceptivos, acústicos e

autoreferidos que mais interferem na determinação da disfonia e de que forma este impacto pode ser

expresso. Para isso, foi utilizado o modelo de regressão beta, metodologia estatística capaz de

relacionar variáveis independentes a um desfecho, oferecendo um bom ajuste. Os resultados são

expressos por um modelo de regressão beta com as variáveis: presença de harmônicos irregulares

na análise espectrográfica, série de harmônicos rica em toda faixa de frequência, presença de

energia acima de 5KHz no espectrograma, presença de harmônicos indefinidos, quantidade de

sintomas vocais, quantidade de rugosidade, quantidade de soprosidade e quantidade de tensão à

avaliação vocal. Acredita-se que tais resultados possam representar uma importante estratégia para

a eficácia e agilidade do processo de avaliação e diagnóstico vocal.

1 Introdução

A avaliação e diagnóstico da voz são procedimentos fonoaudiológicos realizados a partir de

análises subjetivas e objetivas do sinal vocal. O julgamento perceptivo para a disfonia, seja ele

realizado pelo especialista ou referido pelo paciente, apesar de ter sido considerado por vários anos

como não-confiáveis, é visto atualmente como importante instrumento para avaliação da voz [6, 7].

Porém, outros métodos podem ser combinados a esta avaliação, complementando os dados obtidos e

oferecendo um diagnóstico mais preciso.

Existe concordância na literatura da área em considerar que, apesar da avaliação perceptivo-

auditiva representar-se soberana no processo de avaliação da voz, outros métodos podem ser

combinados a esta, de modo a complementar os dados obtidos, oferecendo um diagnóstico mais

robusto [3]. A análise acústica da voz, por exemplo, é um método objetivo de avaliação da voz que

oferece medidas e gráficos gerados por programas de computador, através do processamento de sinais

e algoritmos, auxiliando na confirmação da impressão diagnóstica obtida pela avaliação perceptual [2].

As informações autorreferidas sobre a voz também representam um mecanismo importante na

avaliação do comportamento vocal. No âmbito internacional, a pesquisa clínica dos sinais e sintomas

constitui uma das ações obrigatórias básicas da pesquisa em qualquer ação diagnóstica ou terapêutica

sobre o sistema fonador. Em pesquisas nacionais e internacionais, a prevalência de alterações vocais

autoreferidas, ou seja, baseadas em sinais e sintomas referidos pelo próprio sujeito, variam entre 20%

a 75% [8, 9].

Em virtude desta grande quantidade de informações que hoje podem ser fornecidas para um

diagnóstico vocal cada vez mais eficaz, definir aquelas que mais exercem influência no resultado

95

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vocal é uma tarefa de investigação importante para as pesquisas na área. A identificação dos

parâmetros perceptivos, acústicos e autoreferidos que mais se relacionam com a presença de disfonia

pode tornar o processo de avaliação vocal mais rápido e eficaz, principalmente para análise da voz de

grandes grupos de indivíduos.

Assim, a proposta deste estudo é investigar quais são os aspectos perceptivos, acústicos e

autoreferidos que mais interferem na determinação da disfonia e de que forma este impacto pode ser

expresso. Para isso, foi utilizado nesta pesquisa o modelo de regressão beta, metodologia estatística

capaz de relacionar variáveis independentes a um desfecho, oferecendo um bom ajuste, principalmente

em problemas de saúde.

O modelo de regressão beta, utilizado neste artigo, parece ser mais ajustado para o tratamento

destes casos, já que, ao tratar o valor absoluto, torna possível detectar as mínimas diferenças de

graduação observadas, identificando assim as variáveis que interferem de forma significativamente

para estas variações. Isso é permitido porque a estrutura de um modelo de regressão beta baseia-se na

suposição de que a variável resposta segue uma distribuição de probabilidade beta, que é uma

distribuição teórica muito flexível e, por isso, comumente usada para modelagem de dados contínuos

restritos a algum intervalo aberto na reta [4]. Este modelo é considerado adequado para o problema em

questão já que a variável resposta obtida nesta pesquisa foi o escore contínuo oferecido pela Escala

Analógica Visual (EAV), após avaliação perceptivo-auditiva feita por três especialistas, em consenso

das vozes de cada sujeito.

Apesar de todos estes aspectos, no âmbito da pesquisa em saúde, a regressão beta ainda é uma

metodologia estatística bastante desconhecida. Dessa forma, o presente trabalho busca elaborar um

modelo de decisão adequado e eficaz, que auxilie no processo diagnóstico da disfonia, na prática

clínica e na realização de pesquisas na área.

2 Metodologia

Esta pesquisa faz parte de um estudo realizado pelo Departamento de Fonoaudiologia da

Universidade Federal da Paraíba – UFPB sobre a voz do adulto. É uma pesquisa de caráter

observacional e recorte transversal, com 93 sujeitos profissionais e não profissionais da voz, com e

sem queixa vocal, selecionados em 5 (cinco) instituições de ensino da cidade de João Pessoa, no

período de outubro de 2010 a abril de 2011. Em virtude da perda de alguns dados, 11 sujeitos foram

excluídos da amostra, que resultou em 82 indivíduos.

O objetivo de uma análise de regressão é encontrar uma equação ou modelo de regressão que

prevê de melhor maneira a variável resposta/desfecho a partir de uma combinação das variáveis

explicativas. Deseja-se encontrar os valores dos coeficientes que melhor se ajustem aos dados do

problema [5]. Encontrados estes valores, valida-se o modelo de regressão através do p-valor das

estimativas, por meio do valor do pseudo-R2, com o teste de adequação global do modelo [10]. O

modelo de regressão beta utilizado nesta pesquisa pode ser definido por:

g(μt) = β0 + β1x1t + ... + βnXnt = ηt, t = 1, ..., k.

Onde x1t, ..., Xnt são as variáveis independentes do modelo, β0 , β1, . . . , βn são os

parâmetros do modelo e ηt corresponde ao preditor linear. De modo equivalente, utilizando a função

de ligação logit, temos:

( ) (

)

E, dessa forma, podemos escrever:

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( )

( )

A partir da equação acima é possível calcular a magnitude da influência do modelo ou de cada

variável do modelo na variável resposta. Toda a análise estatística foi feita através do Software

estatístico R, versão 2.11.0.

3 Resultados

Através dos critérios de seleção de variáveis independentes para o modelo, foi obtida uma

estrutura de regressão para a previsão da mensuração da disfonia contendo 8 variáveis: presença de

harmônicos irregulares na análise espectrográfica (V1), série de harmônicos rica em toda faixa de

frequência (V2), presença de harmônicos indefinidos (V4), quantidade de sintomas vocais (V5),

quantidade de rugosidade (V6), quantidade de soprosidade (V7) e quantidade de tensão à avaliação

vocal (V8). A função de ligação utilizada foi a logit, que ofereceu um melhor ajuste do modelo. O

coeficiente de determinação ajustado pseudo-R2

obtido para este modelo final foi de 0,8223. A Tabela

1 abaixo apresenta a estimativa dos coeficientes do modelo de regressão beta, o erro padrão, a

significância de cada variável e os critérios de adequação.

Variável Coef. estimado Erro

Padrao

Est. de teste P-valor

Intercepto -1.256509 0.082678 -15.198 0.000000

V1 0.123690 0.050845 2.433 0.014988

V2 -0.116159 0.048004 -2.420 0.015530

V3 0.079252 0.037030 2.140 0.032338

V4 -0.113005 0.034533 -3.272 0.001067

V5 0.021639 0.005853 3.697 0.000218

V6 0.006722 0.002343 2.870 0.004111

V7 0.009428 0.001536 6.138 0.000000

V8 0.007936 0.001280 6.200 0.000000

Tabela 1: Estimativa dos coeficientes do Modelo de Regressão Beta.

É importante avaliar graficamente o ajuste dos valores previstos versus os valores observados,

na Figura 1. Através dele, pode-se afirmar que o modelo apresenta um bom ajuste. Ainda na Figura 1,

observamos os envelopes simulados para os resíduos das observações. Como a distribuição dos

resíduos não é conhecida, plots meio-normais (aproximação com a normal) com envelopes simulados,

são uma ferramenta útil de diagnóstico [1]. O envelope simulado pode ser usado para decidir se os

resíduos observados são consistentes com o modelo montado através dos intervalos de confiança

gerados. Conforme podemos visualizar, os resíduos encontram-se dentro dos envelopes.

Figura 1: Gráfico dos resíduos do Modelo de Regressão Beta.

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4 Considerações Finais

A necessidade de uma avaliação vocal mais ágil, precisa e confiável é tema de discussão de

pesquisadores na área de voz, para aprimorar o desempenho clínico do especialista e viabilizar

investigações acadêmicas acerca das características vocais de grandes populações. Assim,

contribuições para o processo de avaliação vocal são extremamente úteis.

Nesta pesquisa, observamos que alguns aspectos espectrográficos, como harmônicos

irregulares, série de harmônicos rica em toda faixa de frequência, energia acima de 5KHz e

harmônicos indefinidos, informações autorreferidas como quantidade de sintomas vocais e dados

quantitativos provenientes da análise perceptivo-auditiva, constituem-se variáveis fortemente

associadas ao aumento do grau de alteração vocal. Esse resultado pode permitir uma avaliação vocal

mais objetiva, contemplando aspectos que apresentem mais proximidade com uma alteração vocal,

reduzindo o tempo e aumentando a efetividade deste processo.

O modelo de regressão beta, utilizado nesta pesquisa, representa também uma importante

ferramenta para tratar as questões relacionadas à saúde e à voz, mais especificamente, por sua grande

flexibilidade, permitindo a análise de incertezas e o rastreamento de associações entre variáveis com

precisão e segurança.

Referências

[1] ATKINSON, A.C. Plots, Transformation and Regression: Na introduction to graphical methods of

diagnostic regression analysis. Oxford University Press: New York, 1985.

[2] BEHLAU, M. Voz: o livro do especialista. Vol. 1. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.

[3] BEHLAU, M. Voz: o livro do especialista. Vol. 2. Rio de Janeiro: Revinter, 2004.

[4] FERRARI, S.L.P.; CRIBARI-NETO, F. Beta regression for modeling rates and proportions. J.

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[5] HAIR Jr., J. F. e cols. Análise multivariada de dados. São Paulo: Bookman, 2005.

[6] HANSCHMANN, H.; LOHMANN, A. BERGER, R. Comparison of Subjective Assessment of

Voice Disorders and Objective Voice Measurement. Folia Phoniatr Logop, v. 63, p. 83-87, 2011.

[7] JOTZ, G.P.; MACHADO, C.B.; CHACUR, R.; DORNELLES, L.; GIGANTE, P. Acurácia do

VHI na diferenciação do paciente disfônico do Não disfônico. Arquivos internacionais de

otorrinolaringologia, vol.8, num.3, jul./set. 2004.

[8] SIMOES, M.; LATORRE, M.R.D.O. Prevalência de alteração vocal em educadoras e sua relação

com a auto-percepção. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n.6, p. 1013-1018, 2006.

[9] SMITH, E.; KIRCHNER, H.L.; TAYLOR, M.; HOFFMAN, H.; LEMKE, J. Voice problems

among teachers: differences bygender and teaching characteristics. J Voice, 12:328-34, 1998.

[10] WERKEMA, M. C. C.; AGUIAR, S. Análise de regressão: como entender o relacionamento

entre as variáveis de um processo. Belo Horizonte: Fundação Christiano Ottoni da Escola de

Engenharia da UFMG, 1996.

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