autoria e novas formas de patrimônio e produção

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BEATRIZ CINTRA MARTINS DOUTORA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO COLABORADORA DO NEXT CURSO OITO TEMAS PARA PENSAR A CIÊNCIA, A SOCIEDADE E AS REDES NA ERA DA COMPLEXIDADE Autoria e novas formas de patrimônio e produção de conhecimento

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Apresentação para a aula "Autoria e Novas Formas de Patrimônio e Produção de Conhecimento" no curso “Oito Temas para se pensar a Ciência, a Sociedade e as Redes na Era da Complexidade”, no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz.

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Autoria e novas formas de patrimnio e produo de conhecimento

Beatriz Cintra MartinsDoutora em Cincias da Comunicao

Colaboradora do NEXT

Curso Oito Temas para Pensar a Cincia, a Sociedade e as Redes na Era da ComplexidadeAutoria e novas formas de patrimnio e produo de conhecimentoSabemos agora que um texto no feito de uma linha de palavras a produzir um sentido nico, de certa maneira teleolgico (que seria a mensagem do Autor-Deus), mas um espao de dimenses mltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma original: o texto um tecido de citaes, oriundas dos mil focos da cultura. BARTHESA autoria em questoOs novos processos autorais interativos problematizam a noo de autoria em vrias direes:

A figura do autor individual abaladaOs contornos da obra so borradosA questo da credibilidadeDesafio para a propriedade intelectual

Propriedade x compartilhamentoModos de produo e distribuio de bens intelectuais esto em mutaoProduo cada vez em redeDistribuio aberta

Exemplos:WikipdiaLinuxRedes P2P

O que um autor?Palestra de Foucault na Socit Franaise de Philosophie, em 1969

Pensar a autoria para alm de uma atribuio pessoal

A autoria como construo histrica

Prope, ento, o conceito de funo autor

A funo autorA funo autor , assim, caracterstica do modo de existncia, de circulao e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade FOUCAULT

Autor o que d forma ao discurso, dando-lhe unidade e coernciaDesempenha um papel na circulao do discurso na sociedadeEst alm de atributos pessoais

Funo autorNo tem carter universal, sua configurao varia em diferentes perodos histricos:

Na Idade Mdia, os discursos mdicos tinham que ser atribudos a algum para terem valor: Hipcrates disse...

E os textos literrios circulavam sem que fosse preciso definir sua autoriaFuno autorJ nos sculos XVII/XVIII, a situao se inverte:

[...] perguntar-se- a qualquer texto de poesia ou de fico de onde que veio, quem o escreveu, em que data, em que circunstncias ou a partir de que projeto FOUCAULTFuno autorA funo autor varia atravs do tempo:

As maneiras como as obras so validadas Autoria atribuda ou noIndividual ou coletivaNomeada ou annima

Quais foram as condies que permitiram a emergncia de algo como sujeito na ordem do discurso

Produo discursiva na AntiguidadeQuem o autor de Ilada e de Odissia?

O poeta como repetidor e criador

A obra fluida e comum

O texto pertence a todos e a ningum

Produo discursiva na AntiguidadeCada declamador era ao mesmo tempo um repetidor de poemasNenhuma performance era igual a outra e a inveno era parte da apresentaoUma transcendncia, a inspirao das Musas, era a fonte da criao Musas como corporificao da tradio da poesia oral

Produo discursiva na AntiguidadeHomero escreve que a musa convidada a cantar a Ilada e a recitar a Odissia

De modo mais explcito, Hesodo descreve o canto (no o meu canto) como algo que elas ensinaram(HAVELOCK)

Escrita medievalUm escrita interativa atravs dos comentrios nas margens dos manuscritos (marginlias)

A autoridade religiosa avalizava a produo: a auctoritas

Escrita medieval

A escrita era um exerccio coletivo de hermenutica

Nomeao no era a regra

Deus era a fonte suprema de inspirao, o verdadeiro autor

A produo no tinha um carter privado

Escrita medievalTambm os textos literrios eram objeto de criao coletiva

The Canterbury Tales, obra do escritor ingls Geoffrey Chaucer, do sculo XIV, teve vrias verses produzidas por leitores, com cortes e acrscimos, num processo de autoria aberto e fluido

Alguma semelhana com projetos wiki?

A modernidade

A era do projeto do sujeito autnomo

O conhecimento passa a circular em torno do sujeito O ser humano adquire autonomia para criar e saber por sua prpria conta

A noo de autor como um criador individual fortalecidaO RomantismoO autor deixa de ser um arteso admirado por sua capacidade de imitao (mimsis)Passa a ser valorizado por suas habilidades subjetivasA capacidade de criar algo nico e originalA figura do gnio criador, cujo talento nico deve ser recompensado monetariamente as bases do direito autoralRomantismo

[] cada indivduo tem seu prprio processo de pensamento, a sua prpria maneira de formar conceitos e conect-los. [...] Tudo o que ns pensamos, devemos pensar de forma anloga a nossos outros hbitos de pensamento, e somente retrabalhando novos pensamentos, depois de compar-los com nosso processo habitual de pensamento, que os fazemos nossos [...] Assim, cada escritor deve dar a seus pensamentos uma certa forma, e ele no pode dar-lhes outra forma seno a sua, porque ele no tem outra. Mas ele tambm no pode querer ceder esta forma ao tornar seus pensamentos pblicos, porque ningum pode se apropriar de seus pensamentos sem, contudo, alterar a sua forma. Esta, assim, permanece para sempre sua propriedade exclusiva.(FICHTE)O autor em dissoluoMallarm: o poder generativo da linguagem

Barthes e a morte do autor: o texto um tecido oriundo de mil focos da cultura

Foucault: O que um autor?O contexto das redesEletricidade

Conectividade

Velocidade

Outra dimenso perceptiva e cognitiva

Favorecimento das estratgias interativas

20O contexto das redesConfigurao de um novo tipo de espao, que interliga de modo original o espao pblico e o espao privado, favorecendo a cognio compartilhada pelo acesso a uma memria de todos.

Qualquer um que esteja on-line , de fato, parte de um hipertexto mundial. [...] A mente eltrica verdadeiramente ps-escrita no sentido que pode dar-se ao luxo de conhecer sobre si prpria e sobre a mente escrita, ela pode combinar o privado e o coletivo em uma nica entidade, a conectiva, sem ameaar uma outra. (De Kerckhove, 2003, p. 9)

O contexto das redesAs redes colocam em contato atores sociais que permaneceriam isolados

Tornando possvel a articulao de redes sociais de cooperao produtiva

No capitalismo contemporneo, baseado no conhecimento e na inovao, a produo se d em fluxo e em rede

CommonsPode ser definido como patrimnio comum

Em sntese, commons so recursos de uso compartilhado

Espaos pblicos, como praas ou estradasOceanos e o arCultura (?)Conhecimento (?)CommonsNo caso de bens intelectuais, os commons tm um diferencial marcante: sua natureza no rival e no exclusiva

Bens materiais quando so transmitidos representam sempre um tipo de perdaBens imateriais quando so compartilhados multiplicam as possibilidades de criaes derivadasCommonsCommons tambm tm histria:O recurso mais importante que governamos como commons abertos, sem o que a humanidade no poderia ser concebida, todo o conhecimento anterior ao sculo XX, a maior parte do conhecimento cientfico da primeira metade do sculo XX e grande parte da cincia e do conhecimento acadmico contemporneos. (BENKLER)

Conhecimento e CommonsConhecimento como commons conhecimento aberto inovao

Matria prima para os processos criativos coletivos em rede

No contexto do capitalismo atual, o conhecimento precisa circular para gerar novo conhecimentoRedefinio do CommonsPrticas j disseminadas de compartilhamento de bens culturais na rede

Instrumentos jurdicos cada vez mais restritivos, porm ineficazes

A regulao deve seguir as prticas sociais, e no o contrrio

Essas prticas sociais tm carter histrico, portanto as convenes devem ser capazes de acompanhar suas transformaes

Para isto, preciso redefinir o que a sociedade entende por Commons

Enquanto isso...As licenas alternativas surgem como uma resposta prtica s restries da propriedade intelectual:

Para possibilitar maior apropriao de obras, atravs da criao de obras derivadas

Para proteger o patrimnio criado coletivamente da apropriao privadaGPL

Idealizada por Richard Stallman como uma forma de garantir a liberdade do cdigo (Software Livre):

de rodar o programa com o propsito que quiser;

de estudar o cdigo fonte e modific-lo para que faa o que voc quiser;(para isso o cdigo deve ser aberto)

de copiar o programa e distribuir as cpias quando quiser;

de publicar ou distribuir uma verso modificada quando quiser. (com o cdigo tambm aberto)GPL

Restries estabelecidas pela GPL:

Toda a nova verso ou verso derivada deve respeitar as mesmas liberdades, ou seja, o cdigo deve permanecer aberto

proibida a apropriao do cdigo para projetos de software proprietrio (fechado)Creative Commons

Licena inspirada na GPL, mais adaptada s diversas obras intelectuais

E com variaes para as mais diversas opes ou necessidades de proteo

No lugar da lgica do copyright Todos os direitos reservados

A flexibilidade de Alguns direitos reservados

Creative Commons

Atribuio

Uso comercial ou no comercial

Sim ou no a obras derivadas

Compartilhamento pela mesma licena

Crticas Creative CommonsA licena Creative Commons, no entanto, tem recebido crticas por resguardar o princpio de propriedade intelectual com a diretriz de alguns direitos reservados, focando mais em garantir direitos a quem produz do que em estabelecer critrios com vistas gerao e preservao do bem comum, como prope a GPL

Apenas as verses que incluem o Share Alike garantem a preservao da criao coletiva como patrimnio comum.

Licenas CopyfarleftEstabelecem regras diferentes para aqueles inseridos na produo coletiva e colaborativa e para os agentes privados.

Um exemplo a Peer Production License: apenas pessoas envolvidas em projetos colaborativos, cooperativas e entidades sem fins lucrativos podem compartilhar e adaptar a produo, at mesmo para uso comercial, devendo manter a mesma licena em todas as obras derivadas. Essas permisses so vedadas a entidades comerciais privadas.Obrigada!autoriaemrede.wordpress.com@biacm35