autoria e novas formas de patrimônio e produção

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BEATRIZ CINTRA MARTINS DOUTORA EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO COLABORADORA DO NEXT CURSO OITO TEMAS PARA PENSAR A CIÊNCIA, A SOCIEDADE E AS REDES NA ERA DA COMPLEXIDADE- 2015 Autoria e novas formas de patrimônio e produção de conhecimento

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Page 1: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

B E A T R I Z C I N T R A M A R T I N SD O U T O R A E M C I Ê N C I A S D A C O M U N I C A Ç Ã O

C O L A B O R A D O R A D O N E X T

C U R S O O I T O T E M A S P A R A P E N S A R A C I Ê N C I A , A S O C I E D A D E E A S R E D E S N A E R A D A

C O M P L E X I D A D E - 2 0 1 5

Autoria e novas formas de patrimônio e produção de

conhecimento

Page 2: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha de palavras a produzir um sentido único, de certa maneira teleológico (que seria a “mensagem’ do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, oriundas dos mil focos da cultura.

BARTHES

Page 3: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

A autoria em questão

Os novos processos autorais interativos problematizam a noção de autoria em várias direções:

A figura do autor individual é abalada

Os contornos da obra são borrados

A questão da credibilidade

Desafio para a propriedade intelectual

Page 4: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Propriedade x compartilhamento

Modos de produção e distribuição de bens intelectuais estão em mutação

Produção cada vez em rede

Distribuição aberta

Exemplos:

Wikipédia

Linux

Redes P2P

Page 5: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

O que é um autor?

Palestra de Foucault na Société Française de Philosophie, em 1969

Pensar a autoria para além de uma atribuição pessoal

A autoria como construção histórica

Propõe, então, o conceito de função autor

Page 6: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

A função autor

“A função autor é, assim, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade” FOUCAULT

Autor é o que dá forma ao discurso, dando-lhe unidade e coerência

Desempenha um papel na circulação do discurso na sociedade

Está além de atributos pessoais

Page 7: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Função autor

Não tem caráter universal, sua configuração varia em diferentes períodos históricos:

Na Idade Média, os discursos médicos tinham que ser atribuídos a alguém para terem valor: “Hipócrates disse...”

E os textos literários circulavam sem que fosse preciso definir sua autoria

Page 8: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Função autor

• Já nos séculos XVII/XVIII, a situação se inverte:

“[...] perguntar-se-á a qualquer texto de poesia ou de ficção de onde é que veio, quem o escreveu, em que data, em que circunstâncias ou a partir de que projeto” FOUCAULT

Page 9: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Função autor

A função autor varia através do tempo:

As maneiras como as obras são validadas

Autoria atribuída ou não

Individual ou coletiva

Nomeada ou anônima

Quais foram as condições que permitiram a emergência de algo como sujeito na ordem do discurso

Page 10: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Produção discursiva na Antiguidade

Quem é o autor de Ilíadae de Odisséia?

O poeta como repetidor e criador

A obra fluida e comum

O texto pertence a todos e a ninguém

Page 11: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Produção discursiva na Antiguidade

Cada declamador era ao mesmo tempo um repetidor de poemas

Nenhuma performance era igual a outra e a invenção era parte da apresentação

Uma transcendência, a inspiração das Musas, era a fonte da criação

Musas como corporificação

da tradição da poesia oral

Page 12: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Produção discursiva na Antiguidade

Homero escreve que a musa é “convidada a ‘cantar’ a Ilíada e a ‘recitar’ a Odisséia

De modo mais explícito, Hesíodo descreve o ‘canto’ (não o ‘meu canto’) como algo que ‘elas ensinaram’”

(HAVELOCK)

Page 13: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Escrita medieval

Um escrita interativaatravés dos comentários nasmargens dos manuscritos(marginálias)

A autoridade religiosaavalizava a produção: a auctoritas

Page 14: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Escrita medieval

A escrita era um exercício coletivo de hermenêutica

Nomeação não era a regra

Deus era a fonte suprema de inspiração, o verdadeiro autor

A produção não tinha um caráter privado

Page 15: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Escrita medieval

Também os textos literários eram objeto de criação coletiva

The Canterbury Tales, obra do escritor inglês Geoffrey Chaucer, do século XIV, teve várias versões produzidas por leitores, com cortes e acréscimos, num processo de autoria aberto e fluido

Alguma semelhança com projetos wiki?

Page 16: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

A modernidade

A era do projeto do sujeitoautônomo

O conhecimento passa a circular em torno do sujeito

O ser humano adquireautonomia para criar e saber por sua própria conta

A noção de autor como um criador individual éfortalecida

Page 17: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

O Romantismo

O autor deixa de ser um artesão admirado por sua capacidade de imitação (mimésis)

Passa a ser valorizado por suas habilidades subjetivas

A capacidade de criar algo único e original

A figura do gênio criador, cujo talento único deve ser recompensado monetariamente – as bases do direito autoral

Page 18: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Romantismo

[…] cada indivíduo tem seu próprio processo de pensamento, a sua própria maneira de formar conceitos e conectá-los. [...] Tudo o que nós pensamos, devemos pensar de forma análoga a nossos outros hábitos de pensamento, e somente retrabalhando novos pensamentos, depois de compará-los com nosso processo habitual de pensamento, é que os fazemos nossos [...] Assim, cada escritor deve dar a seus pensamentos uma certa forma, e ele não pode dar-lhes outra forma senão a sua, porque ele não tem outra. Mas ele também não pode querer ceder esta forma ao tornar seus pensamentos públicos, porque ninguém pode se apropriar de seus pensamentos sem, contudo, alterar a sua forma. Esta, assim, permanece para sempre sua propriedade exclusiva.

(FICHTE)

Page 19: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

O autor em dissolução

Mallarmé: o poder generativo da linguagem

Barthes e a morte do autor: “o texto é um tecido oriundo de mil focos da cultura”

Foucault: “O que é um autor?”

Page 20: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

O contexto das redes

Eletricidade

Conectividade

Velocidade

Outra dimensão perceptiva e cognitiva

Favorecimento das estratégias interativas

Page 21: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

O contexto das redes

Configuração de um novo tipo de espaço, que interliga de modo original o espaço público e o espaço privado, favorecendo a cognição compartilhada pelo acesso a uma memória de todos.

“Qualquer um que esteja on-line é, de fato, parte de um hipertexto mundial. [...] A mente elétrica é verdadeiramente pós-escrita no sentido que pode dar-se ao luxo de conhecer sobre si própria e sobre a mente escrita, ela pode combinar o privado e o coletivo em uma única entidade, a conectiva, sem ameaçar uma à outra.” (De Kerckhove, 2003, p. 9)

Page 22: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

O contexto das redes

As redes colocam em contato atores sociais que permaneceriam isolados

Tornando possível a articulação de redes sociais de cooperação produtiva

No capitalismo contemporâneo, baseado no conhecimento e na inovação, a produção se dá em fluxo e em rede

Page 23: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Commons

Pode ser definido como patrimônio comum

Em síntese, commons são recursos de uso compartilhado

Espaços públicos, como praças ou estradas

Oceanos e o ar

Cultura (?)

Conhecimento (?)

Page 24: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Commons

No caso de bens intelectuais, os commons têm um diferencial marcante: sua natureza não rival e não exclusiva

Bens materiais quando são transmitidos representam sempre um tipo de perda

Bens imateriais quando são compartilhados multiplicam as possibilidades de criações derivadas

Page 25: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Commons

Commons também têm história: “O recurso mais importante que governamos como commons

abertos, sem o que a humanidade não poderia ser concebida, é todo o conhecimento anterior ao século XX, a maior parte do conhecimento científico da primeira metade do século XX e grande parte da ciência e do conhecimento acadêmico contemporâneos.” (BENKLER)

Page 26: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Conhecimento e Commons

Conhecimento como commons é conhecimento aberto à inovação

Matéria prima para os processos criativos coletivos em rede

No contexto do capitalismo atual, o conhecimento precisa circular para gerar novo conhecimento

Page 27: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Redefinição do Commons

Práticas já disseminadas de compartilhamento de bens culturais na rede

Instrumentos jurídicos cada vez mais restritivos, porém ineficazes

A regulação deve seguir as práticas sociais, e não o contrário

Essas práticas sociais têm caráter histórico, portanto as convenções devem ser capazes de acompanhar suas transformações

Para isto, é preciso redefinir o que a sociedade entende por Commons

Page 28: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Enquanto isso...

As licenças alternativas surgem como uma resposta prática às restrições da propriedade intelectual:

Para possibilitar maior apropriação de obras, através da criação de obras derivadas

Para proteger o patrimônio criado coletivamente da apropriação privada

Page 29: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

GPL

Idealizada por Richard Stallman como uma forma de garantir a liberdade do código (Software Livre):

de rodar o programa com o propósito que quiser;

de estudar o código fonte e modificá-lo para que faça o que você quiser;(para isso o código deve ser aberto)

de copiar o programa e distribuir as cópias quando quiser;

de publicar ou distribuir uma versão modificada quando quiser. (com o código também aberto)

Page 30: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

GPL

Restrições estabelecidas pela GPL:

Toda a nova versão ou versão derivada deve respeitar as mesmas liberdades, ou seja, o código deve permanecer aberto

É proibida a apropriação do código para projetos de software proprietário (fechado)

Page 31: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Creative Commons

Licença inspirada na GPL, mais adaptada às diversas obras intelectuais

E com variações para as mais diversas opções ou necessidades de proteção

No lugar da lógica do copyright – Todos os direitos reservados

A flexibilidade de –Alguns direitos reservados

Page 32: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Creative Commons

Atribuição

Uso comercial ou não comercial

Sim ou não a obras derivadas

Compartilhamento pela mesma licença

Page 33: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Críticas à Creative Commons

A licença Creative Commons, no entanto, tem recebido críticas por resguardar o princípio de propriedade intelectual com a diretriz de “alguns direitos reservados”, focando mais em garantir direitos a quem produz do que em estabelecer critérios com vistas à geração e à preservação do bem comum, como propõe a GPL

Apenas as versões que incluem o Share Alikegarantem a preservação da criação coletiva como patrimônio comum.

Page 34: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Licenças Copyfarleft

Estabelecem regras diferentes para aqueles inseridos na produção coletiva e colaborativa e para os agentes privados.

Um exemplo é a Peer Production License: apenas pessoas envolvidas em projetos colaborativos, cooperativas e entidades sem fins lucrativos podem compartilhar e adaptar a produção, até mesmo para uso comercial, devendo manter a mesma licença em todas as obras derivadas. Essas permissões são vedadas a entidades comerciais privadas.

Page 35: Autoria e novas formas de patrimônio e produção

Obrigada!

autoriaemrede.wordpress.com

@biacm