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Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 143 1. Considerações preliminares O Município, tradicional objeto de inves- tigações no campo do Direito, da Adminis- tração Pública e do Urbanismo, hoje, sensi- velmente impactado, por um lado, pelo mar- cante fenômeno de complexificação social a impor a densificação de demandas e rela- ções em âmbito local, e, por outro, pela ten- dência globalizante da economia e da cul- tura, a par de continuar como desafio da- quelas ciências, suscita a canalização de esforços de estudiosos de outras áreas do conhecimento, notadamente da Sociologia, da Psicologia, da Economia, da Ciência Po- lítica e da História, para quem já se coloca como categoria funcional estratégica de ga- rantia de referência e de identidade dos ci- dadãos. Assim é que se afirma o Município como contraponto da tendência universali- zante, como espaço de expressão do homem- sujeito, e, então, de significação do dado ou estatística e, ainda, como o locus de apro- Autonomia municipal no Estado brasileiro Maria Coeli Simões Pires Maria Coeli Simões Pires é Mestre em Di- reito Administrativo pela Faculdade de Direi- to da UFMG, doutoranda e profesora junto à mesma Faculdade. Sumário 1. Considerações preliminares. 2. Origem do Município brasileiro. 3. Evolução do regi- me municipal no Brasil e conformação da au- tonomia. 4. Neo-municipalismo na Constitui- ção de 1988. 4.1. Competências constitucionais do município. 5. Descentralização e poder lo- cal sob uma visão comparativa. 5.1. Descentra- lização na Alemanha. 5.2. Outras experiências de governos locais. 6. Conclusão – uma visão crítica da autonomia no Brasil.

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Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 143

1. Considerações preliminares

O Município, tradicional objeto de inves-tigações no campo do Direito, da Adminis-tração Pública e do Urbanismo, hoje, sensi-velmente impactado, por um lado, pelo mar-cante fenômeno de complexificação social aimpor a densificação de demandas e rela-ções em âmbito local, e, por outro, pela ten-dência globalizante da economia e da cul-tura, a par de continuar como desafio da-quelas ciências, suscita a canalização deesforços de estudiosos de outras áreas doconhecimento, notadamente da Sociologia,da Psicologia, da Economia, da Ciência Po-lítica e da História, para quem já se colocacomo categoria funcional estratégica de ga-rantia de referência e de identidade dos ci-dadãos. Assim é que se afirma o Municípiocomo contraponto da tendência universali-zante, como espaço de expressão do homem-sujeito, e, então, de significação do dado ouestatística e, ainda, como o locus de apro-

Autonomia municipal no Estado brasileiro

Maria Coeli Simões Pires

Maria Coeli Simões Pires é Mestre em Di-reito Administrativo pela Faculdade de Direi-to da UFMG, doutoranda e profesora junto àmesma Faculdade.

Sumário1. Considerações preliminares. 2. Origem

do Município brasileiro. 3. Evolução do regi-me municipal no Brasil e conformação da au-tonomia. 4. Neo-municipalismo na Constitui-ção de 1988. 4.1. Competências constitucionaisdo município. 5. Descentralização e poder lo-cal sob uma visão comparativa. 5.1. Descentra-lização na Alemanha. 5.2. Outras experiênciasde governos locais. 6. Conclusão – uma visãocrítica da autonomia no Brasil.

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priação dos benefícios da civilização e derevelação de seus efeitos perversos.

Nesse contexto, o próprio direito há dedesenvolver ânimo criador de nova reflexãoacerca dos conteúdos desse núcleo de estu-dos, na busca de releitura e ressemantiza-ção de seus elementos, a partir de conside-rações outras, que, classicamente, refugiriamao plano comum de análise.

A autonomia municipal, tema estrutu-rante das construções jurídicas nesse cam-po, há, pois, de ser retomada tendo em vistaa nova contextualização e a contribuiçãomultidisciplinar que se adensa no estudode estratégias de gestão contemporânea ede compreensão da trama urbana e dos di-versos atores que a tecem.

Nesse sentido, as questões relacionadascom as tendências internas quanto à orga-nização local e com as perspectivas do di-reito comunitário assumem um papel fun-damental na ressemantização do conceitoda autonomia municipal no Brasil, o queestá a demandar estudo específico.

Com o propósito de preparar as basespara a reflexão, buscar-se-á, neste passo, orecuo na tentativa de rastrear as origens dainstituição municipal, em breve escorço his-tórico, sem uma científica sistematizaçãodos diversos estamentos de razões que a eri-giram no tempo; as construções teóricas sópermearão a abordagem como suporte parareavaliação, tendo em vista o prisma da rea-lidade brasileira, dos pontos essenciais edas teses fundamentais que o tema suscita,pacificadas ou não. O presente trabalho nãoabre espaço para que se possa passar a lim-po a teoria dos Municípios, seja porque apertinaz caminhada da Doutrina brasileiranessa seara já muito avançou, seja porque arealidade da Federação brasileira está a in-vocar uma reflexão sobre o tema sob pers-pectiva mais conjuntural.

Tomar-se-á, então, o aporte já feito emsubstanciosos trabalhos sobre a matéria,muitos deles anteriores à Constituição de1988, e outros editados na vigência da novaordem, sendo certo que, sob a égide do Esta-

do Democrático de Direito, intensificaram-se as contribuições, ampliando-se consi-deravelmente a plêiade de estudiosos deassuntos atinentes à municipalidade bra-sileira.

2. Origem do Município brasileiroDiferentemente das cidades européias

surgidas a partir do século XII como frutode evolução natural dos grupos sociais,as brasileiras foram impulsionadas pelosartifícios e interesses colonialistas da Me-trópole1.

Segundo Castro2, nossa instituição mu-nicipal, tendo sua origem nas comunas por-tuguesas, inaugurou-se no Brasil com a cria-ção, por Martim Afonso, em 1532, sob a vi-gência das Ordenações Manuelinas de 1521,da Vila São Vicente, atual São Paulo, segui-da aquela por Olinda, Santos, Salvador,Santo André de Borda do Campo e Rio deJaneiro. A Vila, por sua vez, marcou o inícioda República Municipal Brasileira, consti-tuindo-se, historicamente, no primeiro gover-no local autônomo das Américas, conforme re-gistra Godoy3.

A política de colonização portuguesa,partindo da fundação de vilas e atendendoaos interesses da Metrópole, tomara, ini-cialmente, a descentralização como estraté-gia para a ocupação territorial, um modomais seguro de garantir a dependência daColônia. A lógica de dispersão do poder emdiversos pólos justificou a instituição dasCapitanias Hereditárias, concedidas aos do-natários sob regime de sujeição à Metrópolee com autonomia interna, cabendo àqueles,entre outros poderes, o de criar Vilas, con-forme anota Rocha4.

Essas Capitanias, em sua feição original,perpétuas, inalienáveis e hereditárias, orga-nizaram-se sob os signos da autonomia eindivisibilidade, submetendo-se, contudo,às imposições da Coroa.

A organização municipal lusitana foi,então, transplantada para as primeiras vi-las e cidades do Brasil com suas múltiplas

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figuras: um alcaide, juízes ordinários, verea-dores, almotacés, juiz de fora, procurador ehomens bons. A estrutura revelou logo aimposição da Metrópole e um certo despres-tígio da Comuna, alçada ao controle cercea-dor daquela, especialmente, pela integraçãodos representantes da Coroa nos Conselhos,os juízes de fora5.

O principal papel de governo local forareservado à Câmara Municipal ou Câmarade Vereança, composta de vereadores esco-lhidos entre os grandes proprietários, oschamados “homens bons”, e juízes, ordiná-rios ou de fora, estes enviados de Portugalpara zelar pelos interesses da Coroa. Entreas atribuições da Câmara, a administraçãodo patrimônio público, a autorização paraconstrução de obras públicas, o policia-mento, a nomeação de funcionários e o esta-belecimento de impostos.

As vilas e as cidades evoluíram. O siste-ma de Capitanias, contudo, não apresentouos resultados esperados, verificando-se o de-senvolvimento de algumas delas apenas.

Surgiram, então, propostas unificadorasda Colônia, estruturadas pela reação dasCapitanias, ou a partir do espírito centralis-ta da Coroa, e que se revelaram em contradi-tórias medidas: a instalação do Governo-Ge-ral na Bahia, que, entanto, logo dividiu po-der com o estabelecido no Rio de Janeiro(1572); a transferência da Corte Portuguesapara a Colônia, com o propósito de domina-ção das capitanias; a elevação daquela aVice-Reino, a Reino Unido de Portugal eAlgarve; o próprio evento da Independên-cia, que, conquanto tivesse precedentes re-lacionados com a alternativa de índole fe-derativa, assentou solução unitarista, sob oargumento de adequação aos propósitos deconsolidação da emancipação do EstadoBrasileiro6.

Apesar da lógica centralista da Coroa notocante à administração, persistente na sub-jugação da Colônia e na resistência das Ca-pitanias às Comunas, a instituição munici-pal ganhou incontestável vigor ainda noBrasil Colônia, para o que contribuíram,

entre outros fatores: a distância da Metró-pole; a vastidão territorial da Colônia; o afas-tamento entre a cidade e a sede dos latifún-dios, o que projetava a necessidade de quecada cidade logo se constituísse em centrode poder auto-suficiente; a ênfase dada pelacolonização portuguesa à instalação denúcleos urbanos como suporte às aspiraçõesde desenvolvimento da burguesia mercan-til, seja como ponto de convergência da pro-dução rural, seja como estratégia para al-cance do mercado europeu; as determina-ções contidas nas cartas de doação aos do-natários e nos regimentos dos Governado-res-Gerais quanto às atividades econômicase quanto à fundação dos centros político-administrativos; o apoio da Igreja; o poderpolítico da vereança e a iniciativa própriadas câmaras que se arrogavam relevantesatribuições em assuntos das Capitanias ede interesse local; o poder econômico dosproprietários rurais; o sentimento nativistade cada povo e a reação das Câmaras con-tra os governadores das Capitanias Heredi-tárias. Registros desse tempo dão conta daexistência de senadores das Câmaras Mu-nicipais do Brasil e do clima de resistênciadas Casas Legislativas locais aos Governa-dores, como resposta às sucessivas tentati-vas da Coroa de submeter as localidades àsuperioridade das Capitanias. Nesse climade resistência, as Câmaras, gozando de au-tonomia, chegaram a questionar o domínioda Coroa, o que levou a sucessivas medidasde restrição do poder local por parte daMetrópole7.

A despeito das tentativas de unificaçãono Brasil Colônia e da unidade do BrasilImpério, a estrutura descentralizada do Es-tado brasileiro, adotada, na Carta de 1824,por imposição política, fora assimiladacomo solução natural. Em efeito, a centrali-zação caiu logo em declínio, antes que seaglutinassem as Províncias em torno do mo-narca, motivando a partida de D. Pedro Ipara Portugal em 1831. Após esse episódio,instalou-se a regência em clima francamen-

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te aberto à descentralização, principalmen-te pela posição independente das Provín-cias e pelas injunções regionais com o apelode participação. Desse período, anotam-se,ainda, providências importantes de inspi-ração descentralizadora: o Ato Adicional –Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, e o Códi-go de Processo. O referido Ato, embora nãotendo acolhido soluções aventadas no pro-jeto que lhe servira de antecedente, como ade Monarquia Federativa, entre outras alter-nativas mais ousadas, adotou a substitui-ção dos Conselhos Gerais das Provínciaspor Assembléias Provinciais com poderessignificativamente mais amplos que os da-queles. Não se registrara, contudo, lineari-dade nesse processo, eis que não infenso àspressões e críticas, constatando-se alternân-cia centralização – descentralização até quese firmaram as bases do federalismo8.

3. Evolução do regime municipal no Bra-sil e conformação da autonomia

Deitando raízes no contexto sócio-polí-tico e econômico do período colonial, a ins-tituição municipal aí se conformou e evo-luiu, sofrendo, também, adaptações na faseseguinte, na qual se elevou a Colônia à cate-goria de Vice-Reino (1763). Com efeito, es-truturou-se o regime municipal, principal-mente, a partir de 1549, no Governo-Geral,quando as Câmaras Municipais, revestin-do-se de grande prestígio político, tiveramnas pessoas de seus senadores os respon-sáveis pela administração do Município,pela arrecadação dos impostos e pela admi-nistração da justiça, detendo poder de con-trole sobre Governadores e forte atuação noprocesso emancipacionista brasileiro. Pre-sentes naquelas representações a índole li-bertadora e a identificação com as aspira-ções de nacionalidade.

Referindo-se ao regime municipal sob osauspícios da Coroa Portuguesa, Brasileiro9

mostra os interesses que sustentaram a or-ganização local de então:

“No período colonial, que se esten-de até 1822, as cidades funcionaram,principalmente, para promover os in-

teresses dos colonizadores portugue-ses voltados para a exportação ou paraa ocupação do interior. (...) A munici-palidade brasileira conservou-se numestágio primitivo e foi bastante inefi-ciente como unidade de governo”.

No Brasil Império, a instituição munici-pal ganhou foro constitucional. A Carta de1824, num aceno de fortalecimento da ins-tância local, destinou tratamento especialàs Câmaras Municipais, em capítulo apar-tado, estabelecendo, entre outras prescri-ções, que, em todas as cidades e Vilas entãoexistentes e nas mais que para o futuro secriassem, haveria Câmaras eletivas, às quaiscompetiria o governo econômico e munici-pal (art. 167).

A Constituição reservara à lei a defini-ção do número de vereadores às câmaras ea explicitação das funções municipais e doscritérios de formação das Posturas Polici-ais, a forma de aplicação das rendas e todasas particularidades e atribuições do Muni-cípio.

A Lei 28, de 1/10/1828, editada comodocumento básico da organização munici-pal no Brasil, em linha centralizadora, e emcontradição com as idéias nacionalistas, es-tabeleceu subordinação administrativa e po-lítica das Câmaras aos presidentes das Pro-víncias, reduzindo o órgão legislativo mu-nicipal a mera corporação administrativados Conselhos Provinciais, sem atuação najurisdição contenciosa. Configurou-se, aí,absoluta fragilidade da autonomia, já queficou, então, reservado um papel secundá-rio e subalterno à Câmara, por sua vez, am-plamente submetida à tutela permanente dopoder central mediante autorizações paraobras, aprovação de nomeações dos empre-gados e outras manifestações limitadoras,e, sobremaneira, vitimada pela perda demuitas franquias. Nesse quadro, não pas-saram os Municípios de meras circunscri-ções administrativas.

Meirelles10 afirma, contudo, que as mu-nicipalidades, mesmo sob o centralismo

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imperial, foram mais autônomas que no re-gime de 1937, porque os

“interesses locais eram debatidos naCâmara de Vereadores e levados aoconhecimento dos Governadores (Lei1828) ou das Assembléias Legislati-vas das Províncias (Ato Adicional de1834)”.

Em 1834, o Ato Adicional abriu perspec-tiva no sentido de que as Províncias recupe-rassem o prestígio do poder municipal,como reação à linha centralizadora da Lei28. Não houve, entretanto, qualquer fortale-cimento no plano da reforma constitucio-nal ou das normas subseqüentes, tendo pre-valecido, em todo o Império, o desprestígiodo governo municipal e o clima francamen-te desfavorável ao ideário de autonomia dasmunicipalidades.

Consoante apostila Tavares Bastos11, emestudo clássico sobre a matéria, o que sebuscou, posteriormente, foi a descentraliza-ção provincial, não se tendo cogitado daautonomia municipal.

A Constituição de 1891, consagrando oFederalismo e revigorando a instituição lo-cal, inaugurou, no art. 68, a expressão auto-nomia municipal e o próprio termo Municí-pio, vinculando o conteúdo daquela ao cri-tério do peculiar interesse. Fê-lo, todavia, emfrágil construção, já que sua extensão deve-ria ser traçada pelo próprio Estado. Tal pe-culiaridade, aliada à escassez de recursosdestinados aos municípios e às contingên-cias de nomeação de prefeitos para a maio-ria dos municípios, reservou àquele modelode autonomia um caráter meramente nomi-nal.

O municipalismo — segundo as críticasnão-liberais, uma idéia exótica, e, sobretu-do, americana — só emergiu, verdadeira-mente, no século XX, na esteira do Movi-mento Pluralista. A ideologia municipalis-ta aí se estruturou para desembocar na cam-panha do Movimento Municipalista, quegerou, a um só tempo, instituições como oIBAM e a Associação Brasileira dos Muni-cípios, conforme assevera Melo12.

Até a década de 30, as circunstânciassócio-político-econômicas do Brasil, taiscomo a prevalência da economia de expor-tação do café, da oligarquia rural e do coro-nelismo, distanciaram, sobremaneira, asperspectivas de um Brasil urbano, a despei-to da ocorrência de alguns processos de ur-banização em algumas regiões do País.

Todas essas determinantes estiveram nabase da política dos Governadores, falsea-ram as eleições, interferiram no processo daorganização municipal e projetaram refle-xos na máquina governamental.

No período de 1930 a 1934, com a ascen-são da classe média ao poder e com a dita-dura de Vargas e, mais, na ausência de Cons-tituição, o Brasil esteve sujeito às drásticasconseqüências do Decreto 19.398, de 11/11/1930: inexistência de Poder Legislativo; exer-cício de governo por interventores nomea-dos para os Estados, e por prefeitos, tam-bém, nomeados e sujeitos àqueles. Iniciou-se o período de centralização da Ditadurade Vargas, sob a bandeira de um projetonacional urbano, de cunho industrialista.Nessa fase, teve, ainda, espaço o movimen-to constitucionalista.

Com a Constituição de 1934 (art. 13), sobo pálio das idéias sociais democráticas, re-gistrou-se o renascimento do municipalis-mo, ao amparo do Poder Central, com o res-tabelecimento e a ampliação da autonomiamunicipal, baseada no critério do peculiarinteresse e assegurada em plano constitucio-nal: em termos políticos, pela eleição de pre-feito e vereadores; em matéria financeira,pela previsão de rendas próprias para oMunicípio por meio de atribuição de com-petência tributária para decretação de seusimpostos e, finalmente, pela capacidade or-ganizatória de seus serviços, severamenteprotegida contra a ingerência do Estado.

Lembra Melo13 que a ideologia munici-palista dessa época colocou-se contra as for-ças oligárquicas e corruptas, compromete-doras da racionalidade do aparelhamentoestatal:

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“Na década de 30, Alberto Torrese Oliveira Viana enunciavam o muni-cipalismo como algo antagônico aosuposto estadualismo da RepúblicaVelha que, dentro dessa crítica, eravista como inteiramente oligárquica ecorrupta, onde as oligarquias estadu-ais e o mundo da política imprimiamirracionalidade à esfera pública”.

Segundo registro do mesmo autor14, aidéia então defendida foi a de um Estadoforte, no qual o Município pudesse signifi-car a esfera política comunitária. Nesse con-texto, o enaltecimento do municipalismo foia estratégia de fortalecimento da União —contra a idéia da Província — tendo-se con-vertido, então, nessa ideologia curiosa, ruralis-ta que aparece como redenção do interior, umaespécie de pedagogia rural.

No período de 1937 a 1945, atingido pe-los reflexos do impulso da industrialização,da crise de 1929, do Estado Novo, da defla-gração da Segunda Guerra Mundial, regis-trou-se um quadro desolador da história mu-nicipalista.

A Carta de 1937 manteve apenas nomi-nalmente o poder local. Vulnerou a autono-mia política: previu eleição de vereadores,mas, ao mesmo tempo, desprezou o Legisla-tivo, ao assinalar a dissolução dos sistemasde representação; definiu a nomeação peloGovernador como critério para investidurados prefeitos e abrigou um regime interven-torial nos Estados e Municípios. Neutrali-zou a autonomia financeira e administrati-va no âmbito da Federação, mediante rigo-rosa técnica de concentração de poderes noâmbito do executivo federal em prejuízo deEstados e Municípios, transformados estesem instâncias gerenciais da União, tendo-se voltado a atenção desta, em especial, paraas cidades estratégicas e de expressão in-dustrial.

No período de 1945 a 1964, o Brasil vi-venciou o cenário do fim da Guerra Mundi-al, da deposição do Governo Ditatorial, daqueda do Estado Novo, da reconstituciona-lização do País, do liberalismo político, das

bandeiras do nacionalismo, da expansão dabase econômica nacional, com substituiçãodas importações. De traço democrático, operíodo restaurou o sistema federativo des-centralizador, oportunidade em que se res-tabeleceram os poderes das Casas Legisla-tivas e em que se abriram perspectivas dereorganização partidária.

A campanha municipalista teve grandereflexo na Constituinte de 1946 e impreg-nou a política do Estado Novo. Nesse con-texto, imbricada na cultura política não-li-beral, surgiu a proposta de uma RepúblicaMunicipalista, com base na redivisão dosEstados, como contraponto da hegemoniado café com leite15.

A Constituição de 1946, que reinaugu-rou os valores democráticos, deu nova den-sidade à autonomia, prefigurando-a segun-do as três linhas básicas: política; financei-ra e administrativa (art. 28). O arranjo cons-titucional prestigiou a instituição munici-pal, seja pela eqüitativa distribuição de ren-da mediante ampliação da participação doente local nas finanças, seja pelo delinea-mento dos fundos de transferência, seja pelareintegração do Município no sistema elei-toral do País e, ainda, pelas categóricas bar-reiras à indiscriminada intervenção esta-dual nos municípios. Não se pode dizer, to-davia, de uma consistente autonomia polí-tica no referido período, sobretudo pela au-sência de clareza no sistema de repartiçãode competências e poderes entre as diver-sas esferas.

No período de 1964 a 1970, num cenáriomarcado pela queda de João Goulart; pelogolpe militar, com a ascensão das ForçasArmadas, a distribuição do poder nas mãosde militares, tecnocratas e burguesia indus-trial; pela ditadura das armas, sob as ban-deiras da moralização, do desenvolvimen-tismo, do combate à inflação e da segurançanacional, a autonomia municipal apenas semanteve nominalmente. Esteve, aí, afetadapela hipertrofia do Poder Executivo, nota-damente na esfera da União, pelo dirigismoestatal, caracterizado por forte poder de in-

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tervenção do Governo Central em todos osdomínios, por meio de planejamento fede-ral compreensivista dos diversos setores,pela expansão da máquina pública federalem modelo conformador do aparelhamentodas esferas estadual e municipal, com pre-valência da simetria dos organogramas ra-cionalistas e burocráticos.

Com efeito, a Carta de 1967 e a EmendaConstitucional nº 1/69 fragilizaram osMunicípios em termos políticos, adminis-trativos e financeiros. Ficaram eles, finan-ceiramente, submetidos à União, que pas-sou a concentrar a maior parte da receitapública e a impor-lhes condição de mendi-cância e de dependência na aplicação dasverbas; e tornaram-se os entes locais maisvulneráveis perante o Estado-membro, doponto de vista político, pelo aumento dashipóteses de intervenção estadual; adminis-trativamente, estiveram condicionados à si-metria na organização, segundo matrizes daUnião, sem espaço para o necessário afina-mento às peculiaridades de cada qual. E é,ainda, nesse período que se estabeleceramrigorosas restrições à remuneração de verea-dores, determinando-se, para municípioscom população abaixo de certa faixa, a gra-tuidade dos mandatos.

De 1970 a 1984, ainda sob a égide daEmenda Constitucional nº 1/69, e presen-tes a ideologia e a estratégia da Revoluçãode 1964, os Municípios continuaram refénsda União, eis que permaneceram sujeitos àlinha centralizadora do Governo Federal, noobstinado propósito de assimilar e imporos avanços da tecnologia. Tal linha, de ca-ráter racionalista, estratificou, sobremanei-ra, a dependência dos Municípios à tecno-cracia dos gabinetes.

Com efeito, na ditadura militar, a auto-nomia política foi atingida diretamente pelaregra de nomeação de prefeitos de capitais,de estâncias e de municípios de SegurançaNacional; o campo de atuação legislativafoi, também, sensivelmente restringido, demodo que os governos locais atuaram comomeros executores da política central, espe-

cialmente no tocante ao desenvolvimentourbano traçado pela União.

Registra-se a contribuição de Melo16 so-bre o municipalismo nas décadas de 60 a80:

“Durante o regime militar, salvonum primeiro momento em que o Mi-nistério do Interior tinha a idéia deplanos de desenvolvimento integrado,o municipalismo foi absorvido pelaspolíticas governamentais. Mas, com osegundo PNB e a recentralização queo governo Geisel imprime, o munici-palismo ficou deslocado, enquantoprincípio ordenador de políticas. Issose mantém até 1985, quando se ini-ciam os movimentos que vão transpa-recer na Constituição de 1988, que éprofundamente Municipalista.”

No período de 1984 a 1988, abriram-seamplas perspectivas, a partir da mobiliza-ção da sociedade, de abertura política e dis-tensão.

Essas sinalizações intensificaram-se de-pois de 1984, com os movimentos popula-res pró-constituinte, as campanhas munici-palistas, a sensibilização da sociedade paraparticipação das cruzadas pelos Planos deEstabilização do Cruzado, passando peloBresser e pelo Verão, e com o processo cons-tituinte, de caráter participativo e democrá-tico, que culminou com a edição da Consti-tuição de 1988, rotulada como Constituiçãoda Cidadania, a qual, restabelecendo, porinteiro, a autonomia política, prescreve tra-tamento privilegiado à entidade local, inte-gra-a formalmente à Federação e agrega, ain-da, ao poder local a competência para ela-boração de sua lei orgânica, consolidando,de modo expressivo, o conteúdo de autono-mia municipal, sob o pilar do interesse lo-cal.

Vê-se, pois, que, ao longo da história bra-sileira, o conteúdo da autonomia munici-pal não se manteve uniforme, nem esteveinfenso aos interesses da Coroa, às vicissi-tudes dos regimes, nem aos caprichos dosditadores ou tecnocratas.

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Desde a sua inauguração nominal notexto constitucional de 1891, a autonomiafoi mantida nas cartas seguintes, muitas ve-zes, relativizada: no plano político, pela no-meação de prefeitos, pelo fechamento dascâmaras, pela neutralização do campo decompetência legislativa municipal; no pla-no administrativo, pelas linhas centraliza-doras, pelos processos centrípetos de pla-nejamento e decisão no âmbito da União,pela prefiguração de modelos administrati-vos e de estrutura de serviços; no plano fi-nanceiro, por uma perversa repartição dereceita que estruturou a onipotência daUnião. Esta, concentrando a receita públi-ca, pode manter reféns os Municípios, ten-do estes, por sua vez, na ode palaciana, oespaço de mendicância.

Nesse tópico, utilizaram-se amplamen-te dados constantes de estudos e quadrosdesenvolvidos por Brasileiro17 e Dias18.

4. Neo-municipalismo naconstituição de 1988

Erigem-se como pilares estruturantes daFederação Brasileira, na Constituição de1988, os comandos expressos nos artigos 1ºe 18.

Na interpretação dos referidos disposi-tivos, especialmente no que tange à posiçãodo Município no quadro federativo, diver-gem os doutrinadores, sustentando algunsa absoluta inconsistência da tese da figura-ção daquele como entidade federativa, eoutros, a integração do ente local naquelaestrutura. Na primeira corrente, colocam-se,entre outros, Baracho19 e Silva20. Aduzem, emabono à tese, argumentos como o de que ofederalismo não pressupõe o Municípiocomo elemento essencial; o da não-partici-pação do ente local na formação da vontadee das decisões do Senado e na prestação ju-risdicional; o de que não se lhe reconhece opoder de apresentação de emendas à Cons-tituição. Sustentam, categoricamente, que apossibilidade de intervenção do Estado nosMunicípios mostra a vinculação direta des-

ses à entidade federativa intermediária ouregional, afastando, portanto, a vinculaçãodos entes locais à unidade federativa aglu-tinadora ou central, que é a União.

Em posição antagônica, colocam-se Bas-tos, Horta, Ferrari e Santana, entre outros.

Sustenta o primeiro21:“Desde o momento em que a Cons-

tituição brasileira alçou o Municípioa entidade condômina do exercíciodas atribuições que, tomadas na suaunidade, constituem a soberania, nãopoderia, para ser conseqüente consi-go mesma, deixar de reconhecer que aprópria Federação estava a sofrer umprocesso de diferenciação acentuada,relativamente ao modelo federal do-minante no mundo, que congrega ape-nas a ordem jurídica central e as or-dens jurídicas regionais: a União e osEstados Membros”.

Por sua vez, referindo-se ao esforço dereconstrução e retificação do federalismocomo mérito inegável da Constituição de1988, Horta22 assinala:

“Projetou-se além da edificação re-construída, para introduzir novosfundamentos e modernizar o federa-lismo constitucional brasileiro.

Entre esses fundamentos, sobres-sai a singular inclusão do Municípioentre os entes que compõem a uniãoindissolúvel da República Federativa,no artigo inicial da Constituição (art.1º). Essa eminência do Município nãodispõe de correspondência nas ante-riores Constituições Federais Brasilei-ras, nem tão pouco nas ConstituiçõesFederais dos Estados Unidos, do Mé-xico, Argentina, Venezuela, Áustria,Alemanha, Canadá, Índia, Suíça eAustrália. A inovação da Constitui-ção adveio da atração sugestionado-ra do movimento municipalista, querompeu o quadro da lógica constitu-cional e erigiu o Município autônomoem componente da República Federa-tiva”.

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Ferrari23, embora reconhecendo que o fe-deralismo se assenta sobre duas idéias fun-damentais – a autonomia das entidades fe-derativas e a participação dessas na forma-ção da vontade dos órgãos federais e nassuas decisões –, não nega a integração doMunicípio no condomínio federativo:

“... na Federação brasileira, conformedetermina a Constituição Federal, osMunicípios são unidades territoriais,com autonomia política, administra-tiva e financeira, autonomia essa li-mitada pelos princípios contidos naprópria Lei Magna do Estado Federale naqueles das Constituições Esta-duais”.

Na mesma linha, e admitindo a relevân-cia dos argumentos contrários à tese da con-figuração do Município como entidade fe-derativa encontradiços na doutrina, adver-te Santana24:

“... o fato é que não podemos nos es-quecer de que os modelos federativosnão podem ser transplantados de umEstado para outro. Enfatizamos nova-mente que cada Estado possui suaspróprias características e, assim, tipi-ficam sua estrutura interna. No casobrasileiro é de se dar grande impor-tância a esse aspecto, porque, comosabido, todas essas particularidadesque o Município apresenta são, emverdade, notas definidoras dos con-tornos da nossa fisionomia federati-va; são especificidades do ser-federa-tivo-pátrio”.

De fato, a Constituição de 1988 introduzsignificativas alterações na fisionomia doEstado Brasileiro. E, se já não tínhamos umafederação segundo o modelo tradicional, apartir da nova ordem, ela mais se afastadaqueles moldes, pela tonificação de suaspeculiaridades. Acentua-se, portanto, a dis-tinção de tratamento dado ao ente local.Ganha este relevância no plano federativo,seja pela excepcionalidade do status a eleconferido, seja pela sinalização – pelo me-nos no plano constitucional – no sentido da

inversão do movimento expansionista dopoder central.

Sobre a importância desse status do entelocal, lembra Horta25:

“ a ascensão do Município desfazantigas reservas que se opunham àsrelações diretas entre a União e o Mu-nicípio”.

Em efeito, a Carta é categórica ao explici-tar o Município na configuração da Federa-ção, é pródiga em referências ao ente local:uma leitura de seu texto evidencia a preocu-pação do constituinte em enaltecê-lo, querno plano da estrutura do federalismo; querna partilha de competências, embora sejapossível verificar-se, ainda, a persistênciade competências centralizadas em relaçãoa uma gama considerável de matérias; ou,ainda, no reconhecimento de seu papel comoimportante agente de políticas públicas, e,especialmente, na dedicação de comandosbásicos e preordenadores da lei orgânicamunicipal.

Sob a perspectiva reconstrutiva dofederalismo, acena a Constituição para so-luções mediante cooperação entre a União,os Estados, os Municípios e o Distrito Fe-deral, consoante disposto no artigo 23, pa-rágrafo único.

Além da reconstrução formal e materialdo federalismo de vocação cooperativa, comênfase para o ente local, a concepção demo-crática de Estado é fator de fortalecimentoda esfera municipal de governo.

De fato, a Constituição de 1988, acolhen-do as reivindicações dos movimentos orga-nizados, firma o compromisso com a igual-dade material, reconhece garantia de aces-so dos cidadãos aos serviços públicos so-ciais, consagra a universalização dos bene-fícios da seguridade social, entre outros, etraça diretriz de participação da sociedadena concepção, na execução e controle daspolíticas públicas, o que põe em realce, so-bretudo, o poder local26.

Como conseqüência do agravamento doquadro social e daquela mobilização, a má-quina pública é impactada pela demanda

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cada vez mais densa e diversificada de be-nefícios, o que reflete de forma mais claranas esferas estadual e local, tendo em vista,principalmente, a diminuição da capacida-de de investimento do Governo Federal naprestação direta de serviços ou no financia-mento das políticas27.

A resposta natural seria a criação de me-canismos cooperativos consistentes entre asdiversas esferas de governo e entre estas e osetor privado, como recurso indispensávelpara o enfrentamento das questões relacio-nadas com emprego, segurança, acesso aequipamentos básicos. O Poder Público de-veria conjugar seus esforços buscando si-nergia no âmbito da esfera pública estatal e,insuficientes tais esforços, pois o Estado nãopoderia dispor de todos os recursos e mo-dos de gestão para o atendimento das de-mandas sociais, invocar-se-ia, também, aintegração da sociedade e do próprio setorde mercado.

O quadro de múltiplas demandas e oapelo de participação forçaram a precipita-ção dos processos de descentralização ecooperação, que têm conduzido, nos últimosanos, à formação de várias políticas seto-riais, sob novos moldes, alimentadas, tam-bém, por tendências internacionais: o SUS,que teve sua matriz na Reforma SanitáriaItaliana de 1978; as políticas de controlesocial, que têm sua inspiração na França so-cialista28.

Esses processos de descentralização ecooperação desenvolveram-se, então, sem ospressupostos das negociações políticaspara que a incorporação de ações, serviços,equipamentos se fizesse sem os traumas quese impuseram como resultado da lógica au-toritária no traspasse dos serviços sociais.As bases de cooperação federativa revelam-se insuficientes no plano constitucional esequer estavam disciplinadas pela via legalou mediante pactos sociais. E, ainda, o ve-tor da participação popular se conduziamais em caráter emblemático que conse-qüente, não figurando como instrumentoefetivo de controle. Entre esses fatores, a

ausência da lei complementar preconizadapelo art. 23 da Constituição da Repúblicaressai como dificultador da desejável inte-ração ou inviabiliza, na prática, o federalis-mo cooperativo29.

Nesse sentido, a crítica de Ferreira30, Co-ordenador do Grupo de Trabalho sobre Des-centralização e Federalismo do IPEA:

“Apesar do avanço no reconheci-mento da autonomia dos entes fe-derativos, o Texto Constitucional é,porém, falho no que diz respeito a umadefinição clara de competências den-tro da Federação. (...) Mas a indefini-ção de perfil da estrutura cooperativadentro da Federação e a imprecisãodas fronteiras de competência faz comque a União dificulte esse processo dedescentralização, interferindo na au-tonomia dos outros níveis de poder”.

O certo é que, nesse contexto, o munici-palismo passa a ser defendido sob enfoquesdiferentes e sobre bases ideológicas distin-tas: como princípio democrático e como prin-cípio de engenharia administrativa, com vistasà construção da eficiência na prestação dosetor público. Essas idéias, segundo Melo31,constituem o núcleo de sustentação do con-senso em torno da idéia do neo-municipalismo.

O autor32 sustenta, contudo, ser mera-mente aparente essa unidade em torno domunicipalismo, colocando sob foco o apa-rente consenso relativo à autonomia do entelocal, que, na sua advertência, escamoteia umdissenso muito profundo. Para ele, o neo-muni-cipalismo brasileiro ou o neo-localismo, comodiscurso recorrente, há de ser apreendidosegundo as conotações que lhe emprestamos núcleos filosóficos subjacentes, os quais,por sua vez, se inscrevem em genealogias in-telectuais distintas:

“Na realidade, a idéia de descen-tralização é hoje lugar comum tantoem uma agenda neo-liberal quanto emuma agenda histórica, identificadacom a social-democracia, uma agen-da reformista e, ambas aquelas sãosimétricas dentro de uma tradição neo-liberal.

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A idéia da descentralização, da de-volução de funções e competências aentes subnacionais, equivale a umaestratégia maior de retirada de parce-la do poder do Governo central. Este éo Leitmotiv da idéia da descentraliza-ção. Da mesma forma, dentro de umaagenda social democrática, histórica,a idéia de descentralização é inteira-mente diversa; aqueles que propug-nam pela descentralização e pela au-tonomia local, em última instância,estão postulando a democratizaçãoda gestão e a ampliação do controlesocial”.

Na perspectiva da teoria econômica, ocontraponto é o mercado como mecanismolocativo; sob a ótica da democratização dagestão, a participação do cidadão tem o pri-mado”33.

Assim, na prática de descentralizaçãode políticas públicas, não se tem verificadoa sintonia entre os entes federativos, o queacarreta irracionalidade de gastos públicose prejuízo de qualidade da prestação. Deigual modo, as parcerias público e privado,por ausência de tradição na realidade, fra-gilizam-se, na prática, em razão do com-prometimento do interesse público e da pre-valência da lógica de socialização de ônuse privatização dos benefícios. E, por fim, aparticipação popular, apesar dos avançosjá conquistados, ainda não alcançou o está-gio de efetivo controle social. Demais disso,a nova ideologia municipalista há de se as-sentar, sim, sobre os pilares da participa-ção, da democratização da gestão, da efi-ciência do setor público na prestação de ser-viços públicos, da parceria, mas isso nãobasta, eis que não pode perder de vista osfatores que desafiam a criatividade e o arro-jo das cidades, as quais se colocam comoreferência de identidade e estratégia de su-peração da crise contemporânea.

Nesse sentido, deve-se acreditar comoMagalhães34 que, à luz dos paradigmas doEstado Democrático de Direito, na perspec-tiva da construção do Estado Constitucio-

nal, novo tratamento há de ser dado ao po-der local, projetando-lhe força proativa damudança do próprio Estado na relação coma sociedade.

4.1. Competências constitucionais doMunicípio

Tradicionalmente, o conceito de autono-mia do Município fixou-se sobre os pilaresdo provimento privativo dos cargos gover-namentais e da competência exclusiva doente local no trato de assuntos afetos do seupeculiar interesse.

Na Constituição de 1988, o arranjo daautonomia municipal está estruturado pe-los artigos 1º,18, 29, 30, 35, 39, 145, 149, 150,158, e 182, entre outros. O conteúdo do po-der aí delineado expressa-se em quatro pla-nos: o da auto-organização, o do autogover-no, o da autolegislação e o da auto-admins-tração, sendo o primeiro a principal novi-dade incluída no objeto do “direito públicosubjetivo” do Município, oponível aos de-mais entes federativos, consoante anotaçãode Meirelles35.

O teor político da autonomia revela a ca-pacidade de o Município estruturar seus po-deres, organizar e constituir seu própriogoverno mediante eleições diretas de prefei-tos, vice-prefeitos e vereadores e de editar oseu próprio direito, observados os princí-pios estabelecidos na Carta da República ena Constituição do Estado. Nesse plano, ga-nha relevância a análise da competência le-gislativa do ente local.

Os artigos 21, 22, 23 e 24 da Constitui-ção da República atribuem competênciasaos diversos entes federativos.

A norma prevista no art. 21, relativa àUnião, enunciada por verbos que remetema ações concretas, sugere um plano de atua-ção administrativa, ou seja, indica compe-tência executiva. Contudo, essa prevalênciade seu caráter não exclui competência legis-lativa em matérias referidas naquele espaçode atribuição. E, conquanto aquela atuaçãonão esteja restringida privativamente àUnião, não parece comportar partilhamen-

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to com as demais esferas, salvo no que tocaà elaboração e execução de planos de orde-nação do território e de desenvolvimentoeconômico, social e urbano, incluindo habi-tação, saneamento básico e transportes, pelapertinência do interesse e tendo em vista oapelo de complementariedade que a com-petência atribuída à União suscita.

A competência estabelecida no art. 22 di-rige-se à União em caráter privativo e temnatureza legislativa. Só comporta partilhacom outras esferas quando têm sede naUnião as diretrizes ou normas gerais ou,ainda, quando a matéria, mesmo tematiza-da no art. 22, tenha um desdobramento es-pecífico a justificar a tutela direta do inte-resse local. Quanto ao Estado, é de desta-car-se o disposto no parágrafo único do ar-tigo referido, que deixa à lei complementara possibilidade de autorização para queaquele legisle sobre questões específicas re-lacionadas no artigo.

No art. 23, a Constituição da Repúblicatrata da competência comum da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municí-pios. Esse traço da competência é definidopor Silva36 como a faculdade de legislar ou pra-ticar certos atos, em determinada esfera, junta-mente e em pé de igualdade, consistindo, pois,num campo de atuação comum às várias entida-des sem que o exercício de uma venha a excluir acompetência de outra.

Assim, não obstante catalogue o artigouma série de ações comuns aos diversosentes, do que se deduz, à primeira leitura,um traço executivo de competência, tem-seque a legislação instrumental de açõesenunciadas fica, também, alçada às entida-des indicadas no caput.

No art. 24, tratou o constituinte de disci-plinar a competência no âmbito da legisla-ção concorrente. Não incluiu nesse condo-mínio o Município. Contudo, a referida au-sência não significa, segundo sustentamalguns autores, que o Município não tenhacompetência nesse campo concorrencial,pois restar-lhe-ia a competência para legis-lar sobre matéria de interesse local, com ful-

cro no art. 30, I, bem assim para suplemen-tar a legislação federal e a estadual, no quecouber, a teor do art. 30, II, podendo incidirsobre matérias constantes do artigo 24.

Nessa ordem de idéias, Santana37, trace-jando um elástico contorno do poder de atua-ção legislativa do Município, afirma a exis-tência de competência concorrente originá-ria do ente local.

Adverte o magistrado38, no entanto, parao fato de que os Municípios não estão habi-litados a editar normas concernentes ao art.24, simultânea ou concomitantemente coma União ou Estado, restringindo-se ao âm-bito da expressão no que couber.

E assenta o mesmo autor39:“Evidente não se tratar apenas de

competência administrativa regula-mentar. Os Municípios estão autori-zados, por força de dispositivo cons-titucional, a legislar suplementarmen-te. Podem, em nosso entender, ditarleis que tenham por objetivo o estabe-lecimento de regras específicas e,quando for o caso, também estão legi-timados à elaboração de leis geraisquando tal se faça necessário em ra-zão do exercício de competências ma-teriais, comuns ou privativas”.

De outro lado, os que inadmitem atua-ção do Município no âmbito da legislaçãoconcorrente, isto é, competência suplemen-tar por força do art. 24, destacam que o dis-posto no art. 30, II, há de ser entendido comopoder de mera complementação, ou seja, deadaptação às peculiaridades comunais.

Contudo, tem-se reconhecido ao Muni-cípio operar no campo legislativo relativa-mente a matérias elencadas no art. 24, porforça de conjugação com outras normas atri-butivas de competência ao Município ou aopoder público genericamente.

Nesse sentido, por exemplo, o julgadodo Tribunal de Justiça do Estado de MinasGerais na Apelação Cível nº 72.988/9 – Co-marca de Belo Horizonte. Rel. Des. CamposOliveira, cuja ementa encontra-se assim re-gistrada: “Tombamento de Imóvel – Com-

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petência Legislativa do Município. Inteli-gência dos Arts. 24, VII; 30, II, e 216, § 1º daConstituição Federal. Mandado de Seguran-ça – Fundamentação da Sentença (“MG” 5/4/1997).

A capacidade auto-organizatória é umdesdobramento da autonomia política, queganha contorno no poder de edição pelo Mu-nicípio de sua própria lei orgânica.

Horta40, referindo-se a esse aspecto daautonomia municipal, leciona:

“Prestigiando a descentralilzaçãonormativa, consectário da descentra-lização política, a Constituição de1988 implantou o poder de auto-or-ganização do Município, atribuindo-lhe a elaboração da lei orgânica.

A decisão do Constituinte federalretoma no plano mais elevado daConstituição da República a soluçãooriginariamente contemplada naConstituição do Rio Grande do Sul,de 14 de julho de 1981 (art. 64)”.

A Constituição, inovando nesse ponto,apresenta uma matriz da lei orgânica mu-nicipal, isto é, traz normas de preordenaçãobalizadoras do tratamento de determinadostemas na esfera local. O processo de elabo-ração daquela lei tem, por sua vez, caráterespecial, consoante definido na própriaCarta da República, em linha bastante rígi-da, à semelhança do processo constituinte.

O art. 29 da Carta da República localizao Estado Brasileiro no sistema de Cartas Pró-prias relativamente à organização munici-pal, projetando a lei orgânica com status delei fundamental.

O plano administrativo da autonomiadiz respeito ao espaço de ação do Municí-pio voltada para a organização e prestaçãode serviços de sua competência. Esse com-ponente do poder autônomo do Municípiotem seu fundamento, especialmente, no dis-posto no art. 30, V, cuja redação é a seguin-te:

“Art. 30 – Compete ao Município:(...)V – organizar e prestar, diretamen-

te ou sob regime de concessão ou per-missão, os serviços públicos de inte-resse local, incluído o de transportecoletivo, que tem caráter essencial;”

Analisando o art. 30, comando de cen-tralidade inegável para o Município, afir-ma Santana41:

“Sendo a base das competênciaslegislativas municipais aquela forma-da pelo teor do art. 30 da Carta Fe-deral, cumpre-nos esclarecer que oconstituinte acabou por fazer opçãoem não apartar em dispositivos dis-tintos as competências materiais dascompetências legislativas.

(...)Convivem, assim, no mesmo dis-

positivo as competências municipaisde ordem legislativa e de ordem mate-rial. Isto porque o constituinte, tam-bém para as competências materiais,erigiu o critério do interesse local comoo ponto de partida para a sua concre-tização”.

Com efeito, essa competência adminis-trativa desenha-se em função do interesselocal, o que justifica atenção especial naanálise da expressão, cuja adequada inter-pretação poderá inibir a invasão de compe-tência, pelo Município, de outra esfera degoverno42.

Da lição de Bastos43, colhem-se algunselementos conformadores do interesse local:

“Cairá, pois, na competência mu-nicipal tudo aquilo que for de seu in-teresse local. É evidente que não se tra-ta de um interesse exclusivo, visto quequalquer matéria que afete uma dadacomuna findará de qualquer manei-ra, mais ou menos direta, por repercu-tir nos interesses da comunidade na-cional. Interesse exclusivamente mu-nicipal é inconcebível, inclusive porrazões de ordem lógica: sendo o Mu-nicípio parte de uma coletividademaior, o benefício trazido a uma partedo todo acresce a este próprio todo.Os interesses locais dos Municípios

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são os que entendem imediatamentecom as suas necessidades imediatas,e, indiretamente, em maior ou menorrepercussão, com as necessidades ge-rais.”

A conotação da expressão, portanto, nãoremete à exclusividade – sob pena de, nosistema federativo, comprometer-se a uni-dade, que pressupõe superposição de inte-resses com a impossibilidade de absolutoisolamento de seus diversos níveis –, masao critério da prevalência.

Relativamente ao poder administrativodo Município, a derradeiro, enfatiza-se cons-tituir o art. 23 em conjugação com o art. 30,V, VI, VII, VIII, IX, a sede especial de suaprevisão.

O elemento da autonomia no campo fi-nanceiro está previsto no art. 30, III, cuja re-dação prescreve competir àquele ente: insti-tuir e arrecadar os tributos de sua competência,bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo daobrigatoriedade de prestar contas e publicar ba-lancetes nos prazos fixados em lei.

Esse poder no plano financeiro deve serexercido nos termos dos artigos 145; 149,parágrafo único; 156 e 158 da CF.

5. Descentralização e poder local sobuma visão comparativa

A leitura comparativa de diversos qua-dros de poder local em países desenvolvi-dos leva à conclusão de que o Brasil detémposição privilegiada quanto à descentrali-zação, o que não afasta a necessidade deque a referida técnica, entre nós, persiga avertente da democratização da gestão ou,por outras palavras, a incorporação do po-der local que se localiza fora dos centros ofi-ciais dos Poderes Executivo e Legislativo.Com efeito, poucos países apresentam ex-periências em que o Município participe docondomínio de poder de forma tão expres-siva, pelo menos em plano nominal. Paraexemplificação desse contraste entre o Mu-nicípio brasileiro e outras experiências depoder local, comenta-se a descentralizaçãono Estado alemão, no qual a instância co-munal, reconhecidamente um destaque em

termos de eficiência na prestação de servi-ços públicos, ostenta uma autonomia sensi-velmente menos expressiva que a do Muni-cípio brasileiro, que traz matrizes muito pe-culiares. São registradas, também, informa-ções básicas relativas a outras organizaçõesde governos locais de destaque no plano daprestação de serviços públicos.

5.1. Descentralização na Alemanha

A descentralização é um fenômeno in-ternacional, ganhando matizes próprios emcada realidade que lhe serve de suporte deaplicação. O modelo alemão de descentrali-zação, pelas suas peculiaridades, é aqui des-tacado a partir de considerações desenvol-vidas no Seminário Internacional Princípioda subsidiariedade e o fortalecimento do PoderLocal no Brasil e na Alemanha44, realizado emSão Paulo, em 1994.

No referido evento, Lässing45, Prefeito daMicrorregião de Rems-Murr-Kreis e Presi-dente da Associação Brasil-Alemanha doDistrito de Baden-Württemberg, realça ostraços da Federação alemã, em considera-ções que são amplamente usadas no pre-sente tópico.

Aquela federação compõe-se de 16 Esta-dos Federados (11 da Velha República Fe-deral da Alemanha e os novos que ressurgi-ram a partir de 1990) e da União Federal,detendo cada qual a qualidade de Estado.A organização comporta ainda as entida-des locais, os Municípios ou autarquiasmunicipais, cerca de 10.000, aproximada-mente, e os Landkreis, circunscrições ou re-giões, que atuam como instâncias de gover-no de nível intermediário de Municípios eEstados.

O princípio do Estado Federativo é into-cável na Constituição alemã, enquadrando-se numa longa tradição constitucional, sóinterrompida com o Estado unitário dos Na-zistas, de 1933 a 1945, de modo que a Ale-manha faz parte dos clássicos países fe-deralistas46.

Os encargos da legislação dividem-seentre a União e os Estados Federados, con-

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tando também os Landkreis com sua própriacâmara, a Kreistag, com Constituição Regio-nal própria.

Na autonomia legislativa do EstadoFederado, inclui-se a competência relati-va à edição da Constituição Municipal,documento que traça modelos próprios deestruturação do poder local, apresenta ar-ranjo específico e peculiar aplicável aos mu-nicípios integrantes do território estadual,aos quais é reservado o direito de regula-mentar, sob responsabilidade própria, todasas questões de interesse da comunidade lo-cal, isto é, todas as funções públicas nos res-pectivos territórios47.

As competências administrativas distri-buem-se entre as diversas instâncias. Estãosob responsabilidade direta da União, en-tre outras, a política externa, a defesa, a or-ganização e manutenção do serviço militar,a definição da política econômica e monetá-ria, podendo o Estado participar da Admi-nistração da União. Uma administraçãoprópria da União só existe, basicamente, emestreito campo de atuação, cabendo aos Es-tados autonomia no tocante a uma gama deatividades administrativas. A eles cabem oensino público, a política de cultura e a res-ponsabilidade pelo corpo policial, entreoutras competências48. Já os Municípios,consoante disciplinam as leis comunais, sãoresponsáveis primariamente pelas questõesde interesse local, prevalecendo, assim, emrelação a eles a norma da universalidade,que pode ser restringida pela legislação, jáque esta pode ser instrumento de transfe-rência dessas questões para instâncias in-termediárias ou para a estadual ou federal.

A relativização da universalidade, quese dá pela lei, não pode perder de vista oprincípio da subsidiariedade, aplicável aosistema alemão, e que se assenta na racio-nalidade das soluções da instância localpela sua proximidade com os problemas edemandas mais imediatas e concretas. Porforça do referido princípio, só o que não podeser adequadamente atendido pelos Municí-

pios é transferido para outra esfera de go-verno.49

Nesse diapasão, cabe à União a defini-ção quanto aos conteúdos mais abstratos eideológicos; aos Municípios, de uma formageral, ficam reservadas as funções traduzi-das por prestações obrigatórias como as deregistro, de proteção por corpo de bombei-ros, de instalação de cemitérios, de criaçãode câmaras de desenvolvimento, de manu-tenção de escolas para todos os níveis deformação, de construção de rodovias, deabastecimento de água, e por encargos vo-luntários relacionados com o oferecimentode infra-estrutura adequada para a práticade esportes, o acesso à educação, à cultura,ao lazer, entre outras prestações. Além decumprir essas funções básicas que afetam avida da comunidade, o Município vem atu-ando, também, como elemento de peso naeconomia, dirigindo empresas de eletricida-de, gás, e transportes; aos LandKreis cabe asolução de problemas que ultrapassem a capaci-dade administrativa ou financeira dos Municí-pios, como construção de grandes hospitais, co-leta de lixo, escolas profissionalizantes, escolasespeciais, rede rodoviária, assistência social,transporte público, entre outros. E não desem-penham eles apenas funções das autarqui-as municipais, mas também do Estado, su-jeitando-se à fiscalização deste no que serefere à execução das leis vigentes50.

Na esfera de sua autonomia, estão osMunicípios protegidos contra o próprio Es-tado de que fazem parte, que a eles deve res-peito, sem prejuízo do poder de lhes imporsujeição à sua fiscalização jurídica e aos in-teresses mais abrangentes e gerais51.

A publicação Perfil da Alemanha registrafragmentos históricos da autonomia muni-cipal naquele país:

“A autonomia administrativa mu-nicipal, como expressão da liberdadecívica, tem tradição na Alemanha.Remonta aos privilégios das cidadeslivres da Idade Média (...)”, entanto,em tempos recentes, relacionada como surgimento do Código das Cidades,

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adotado na Prussia em 1808. A lei fun-damental “garante a autonomia ad-ministrativa das cidades, comunida-des municipais e distritos, dando-lheso direito de regulamentar a critériopróprio todos os assuntos da comu-nidade local, dentro da moldura tra-çada pelas leis. O Direito comunal éda competência dos Estados: as Cons-tituições Municipais diferem muito deEstado a Estado; isso também tem ra-zões históricas”52.

Lässing53, relatando a experiência mu-nicipal alemã, destaca a importância histó-rica desse nível de governo:

“Depois da destruição da II Guer-ra Mundial, foram os Municípios queprimeiro alcançaram condições defuncionamento, pois na miséria e nocaos do pós-guerra, foram eles os pri-meiros a retomar suas atividades, poisseu funcionamento era necessáriopara solucionar os problemas ime-diatos”.

Na mesma linha, Jung54, Diretor da Fun-dação Konrad Adenauer – Stiftung no Bra-sil, assimilando a tendência mundial defortalecimento do Município no Estado De-mocrático, mostra o conteúdo da autonomiano Direito alemão:

“Na Alemanha, existe a medidanecessária de autonomia para quecada Município possa germinar, deper si e sobre sua própria responsabi-lidade, todas as questões que dizemrespeito à comunidade local. Nessaconcepção, a auto-administração mu-nicipal deve ficar livre, na medidapossível, da tutela do Estado. Por isso,os cidadãos são instados a participarativamente da solução dos assuntoslocais. Desta forma, a auto-adminis-tração municipal funciona como es-pécie de escola de democracia”.

Estudiosos como Scheid55 chamam aatenção para o grau de solidez de implanta-ção de regulamentos territoriais democráti-cos e descentralizados na Alemanha, reco-

nhecendo nos Länder os verdadeiros prota-gonistas da política de organização territo-rial. Nesse nível subnacional, a RepúblicaFederal Alemã ostenta estrutura adminis-trativa de planejamento extremamente de-senvolvida e abrangente, cujo princípio é odo “contrafluxo” que materializa uma es-treita combinação do planejamento dos Län-der e de suas entidades subregionais, e queprojeta o Município como instância de exe-cução de várias políticas contempladas noamplo planejamento.

Finalmente, com relação às bases de fi-nanciamento das políticas públicas, caberessaltar que as Regiões dispõem de rendaspróprias oriundas da cota arrecadada pe-los municípios, do recolhimento de impos-tos a elas destinados, de taxas e tarifas rela-tivas aos setores sob sua responsabilidade.Recebem, também, subvenção da União e doEstado para execução de leis ou para inves-timentos específicos. Os Municípios, igual-mente, dispõem de receitas próprias e bene-ficiam-se de transferências e subsídios dosEstados e da União para compensação porexecução de leis ou para subsidiar certosencargos56.

Observa-se que o Município alemão, con-quanto assentado em concepção diversa deautonomia e cuja delimitação decorre dopróprio Estado-Membro, na prática, coloca-se como autêntica instância de democracia,e de cumprimento efetivo do papel estatal.

5.2. Outras experiências de governoslocais

A descentralização do Estado como es-tratégia de democratização é uma tendên-cia generalizada, sobretudo na Europa.

O artigo intitulado “La Democracia Ter-ritorial. Descentralización Del Estado Y Po-líticas en la Ciudad”, de Borja i Sebastiá57,analisa o crescente processo de descentrali-zação do Estado na Europa, mostrando atentativa de se dotarem as instituições ad-ministrativas de maior identidade comuni-tária. O trabalho indica os Municípios como

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sujeitos comunitários privilegiados no refe-rido processo de descentralização, aborda-do como elemento chave para moderniza-ção das administrações públicas e comocondição prévia e favorável à participaçãocidadã. Por outro lado, cuida de questõespolêmicas derivadas da experiência euro-péia de descentralização, notadamente dassituações em que se verifica a hipertrofia dasinstituições representativas locais sem oscorrelatos fins de democratização da gestãoe atuação mais global. Por fim, o artigo mos-tra que o urbanismo que se afigura, acatan-do a diretriz participativa, abandona o rígi-do funcionalismo do passado em favor deuma concepção mais compreensiva e poli-valente da cidade, postulando mecanismosde inclusão da cidadania para materializa-ção da democracia política, econômica, so-cial e cultural. Nesse sentido, deve ser en-tendida a revalorização das cidades, bair-ros e comunidades enquanto espaços privi-legiados de enraizamento da estrutura po-lítico-administrativa e de gestão políticacontemporânea na Europa.

Um estudo comparado dos modelos deorganização de governos locais adotadospor diversos países que se destacam na pres-tação de serviços mostra que o grau de auto-nomia do governo local não guarda relaçãodireta com o nível de eficiência dos serviçosno plano municipal, isto é, a forma de Esta-do ou o tipo de organização não interferediretamente nesses resultados. A relaçãomais direta se estabelece em função dos pa-drões de gestão e do grau de identificaçãodo cidadão com a esfera comunitária. Re-gistramos alguns fragmentos de estudosnesse sentido e que sintetizam as principaiscaracterísticas das administrações selecio-nadas neste tópico.

Relativamente aos Estados Unidos, Es-tado Federal por excelência, Meirelles58, en-fatizando a eficácia do Município a despei-to da falta de arrojo de sua burocracia, apon-ta a multiplicidade de modelos de estrutu-ração do poder local:

“Quanto à forma de administraçãomunicipal, não é menor a diversida-de de sistemas adotados nos váriosEstados e até mesmo entre cidades deum mesmo Estado, podendo-se distin-guir os seguintes tipos básicos: 1) ogoverno por um Conselho (council) quetoma decisões colegiadas; 2) o gover-no por uma Comissão (comission), emque cada membro cuida individual-mente de uma atividade pública; 3) ogoverno por um indivíduo (Mayor), emcujas mãos se concentram amplospoderes, embora assessorado por umConselho; 4) o sistema denominadofederal analogy, bastante próximo doregime municipal brasileiro; 5) o go-verno por um gerente (Manager), con-tratado para administrar a cidade porum determinado período”.

Entre esses sistemas, o mais comum é oGoverno pelo Mayor, no qual a figura cen-tral é a do prefeito eleito, por voto direto enão obrigatório, pela respectiva comunida-de, e o Conselho corresponde a uma Câma-ra Municipal; no sistema de Governo porCouncil, o prefeito é eleito pelo mesmo pro-cesso, mas detém poderes muito mais restri-tos, já que as decisões são tomadas pelaCâmara; o sistema de Governo por Gerenteconcentra o poder político na Câmara, re-servando a gestão administrativa para omanager, uma espécie de profissional con-tratado pela Câmara. Este, detendo conhe-cimentos específicos de Administração Pú-blica, de Finanças, entre outros, reúne con-dições satisfatórias para a indicação de so-luções para o Município, as quais se sub-metem à apreciação pelo Conselho. Contu-do, a regra é a eficiência do serviço munici-pal americano, independentemente do sis-tema que o sustenta, sendo certo que o cida-dão exerce um papel ativo na cobrança dequalidade59.

Acrescente-se que, nos Estados Uni-dos, paralelamente à burocracia tradicio-nal, atuam as agências da AdministraçãoPública Americana, às quais são delega-

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dos poderes para a realização de funçõesde interesse governamental. São formalmen-te dependentes do legislativo e do executi-vo, sujeitam-se ao controle político de suasdecisões, o que é de expressivo relevo parasua eficácia60.

Itália

Meirelles61 analisa a autonomia do Mu-nicípio italiano, indicando múltiplas inter-ferências sobre o campo de atuação do po-der local, seja por meio de mecanismos deintervenção da Província em casos excep-cionais, seja pela presença de delegados domesmo poder provincial em atividades per-manentes de controle, ou ainda pela no-meação de certos agentes pelo Ministério daJustiça.

França

Quanto à França, Meirelles62, realçandoo traço administrativo de sua descentrali-zação, localiza em três níveis as atribuiçõesdaquela natureza: o do Estado, o dos De-partamentos e o da Comuna, reconhecidaesta como uma coletividade territorial e es-fera administrativa preponderante para ocidadão. Mostra, contudo, que a autonomiada Comuna francesa é sensivelmente maisacanhada que a que se atribui ao Municípiobrasileiro, comparecendo ela, naquele Esta-do unitário, na base hierárquica, sucessiva-mente controlada pelo departamento e peloEstado.

A despeito da acanhada autonomia, omodelo de gestão e prestação de serviços pú-blicos na França estrutura-se com grandeapoio nas Comunas. Lorrain63, analisandoesse modelo, realça a especificidade da or-ganização dos serviços urbanos, apontan-do três importantes fatores que os informam.Em primeiro lugar, uma arquitetura admi-nistrativa e um sistema de ofertas que divi-de tarefas entre agentes públicos e privados,nacionais ou locais, tendo como base terri-torial as Comunas. Em segundo lugar, omodelo de serviços urbanos caracteriza-sepela busca de formas cooperativas entre

agentes envolvidos, preservando-se-lhesautonomia financeira, e flexibilidade insti-tucional. Por último, salienta a cultura polí-tica que subjaz à concepção e regulação dosserviços urbanos, qual seja, o critério de boaexecução dos serviços a partir da opiniãodos administrados.

6. Conclusão – uma visão crítica daautonomia no Brasil

1) O Município brasileiro, de inspiraçãoportuguesa, foi introduzido na Colônia, ten-do como modelo institucional de gestão oConcelho lusitano, transplantado da expe-riência urbana de Portugal para a nova so-ciedade política, assentada, especialmente,sobre bases rurais.

2) O processo histórico de estruturaçãoda municipalidade, entre nós, baseado emartificiosos e contraditórios interesses deemancipação comunitária, imprimiu no Fe-deralismo brasileiro feição própria, caracte-rizada, inicialmente, pela garantia de auto-nomia à esfera local e, a partir da ReformaConstitucional de 1926, pela incorporaçãoexpressa do Município, condição que per-sistiu em constituições posteriores até con-solidar-se na Constituição de 1988 comoentidade federativa.

3) Integrando o condomínio do poder noEstado Federal, colocou-se, desde logo, comopartícipe das competências constitucionaisexpressivas da autonomia em diversos des-dobramentos.

4) A despeito do teor autonômico origi-nário do próprio texto da Constituição Fe-deral, e por força de seus próprios ditames,submetia-se a entidade local, até 1988, comraras exceções, à capacidade organizatóriados Estados-Membros, da qual deveria pro-jetar-se a matriz estrutural dos Municípios;o regime municipal como um todo, por suavez, sofria os reflexos dos nefastos proces-sos de concentração de poderes na União,seja no plano financeiro, seja no plano polí-tico-administrativo, pelos reiterados meca-

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nismos de inibição do papel governativo eadministrativo do Município.

5) A descentralização político-adminis-trativa, conquanto seja uma tendência con-temporânea, entre nós, está longe de alcan-çar o estágio desejável, quer pela ambigüi-dade no plano de definição de competên-cias, quer pela imposição de matrizes daUnião que minimizam a força criadora dosMunicípios no sentido de soluções próprias,ou pela persistência de práticas autoritárias,que condicionam a atuação da instâncialocal à capacidade reativa desta em face daquebra dos lindes de sua autonomia peloPoder Central, seja, ainda, pela dificuldadede adaptação da realidade comunitária ànormatividade nacional e vice-versa.

6) Sob a perspectiva de consolidação dadescentralização, a par da superação dasdificuldades apontadas, tornam-se necessá-rias a ampliação das bases da negociaçãopolítica dos processos de dispersão do po-der e de cooperação, a conformação da dis-ciplina legal dos mecanismos da prática fe-deralista cooperativa, o investimento na ca-pacidade institucional dos atores respon-sáveis pela sua operacionalização e a ousa-dia de construção de soluções próprias.

7) Numa sociedade em transição, queabriga situações distintas e contraditórias,em termos de densidade populacional, ex-tensão territorial, arrecadação, renda per cap-ta, características do povo e do eleitorado —sob o signo da mais ampla diversidade cul-tural —, o modelo de autonomia não pode-ria ser o mesmo para todas as municipali-dades e nem poderia ser o Município a úni-ca unidade de Governo local. Experiênciasalienígenas mostram uma proliferação deformas organizativas do poder local em con-traste absoluto com a simetria de organiza-ção política brasileira, na qual sujeitam-seas pequenas comunidades e os grandes cen-tros urbanos, entre os quais figuram mega-cidades do mundo, a idênticas prescriçõesde autonomia.

8) Não se percebe relação direta entreforma de Estado e autonomia de base comu-

nitária ou grau de eficiência da instâncialocal na prestação de serviços públicos. Há,igualmente, Estados unitários e federais comelevados padrões de desempenho do setorpúblico local e com ampla integração da co-munidade nas instâncias decisórias, assimcomo há exemplos extremados de ineficiên-cia e autoritarismo nos mesmos modelos. Oimportante é a prática do regime autonômi-co no plano de realidade em modelos me-nos artificiosos e mais plausíveis e adapta-dos às peculiariedades.

9) Há necessidade de ampla reflexão so-bre a prática descentralizante, com vistas,especialmente, à identificação do núcleo ide-ológico que a sustenta, distinguindo as es-tratégias de sua aplicação, consoante aler-tam os estudiosos da matéria. Como princí-pio democrático, a prática tende a integrar abase comunitária nos processos de decisãoe a estimular o controle social da atuaçãoda esfera local; como princípio de engenha-ria administrativa, a descentralização podesustentar soluções de eficiência pela lógicada proximidade em relação a problemas ealternativas para seu enfrentamento, ou seestabelecer como mecanismo de afastamen-to do Estado de áreas tradicionalmente a elereservadas, o que se vislumbra num hori-zonte de artificiosa substituição dos entescentral e intermediário pelo de âmbito locale, finalmente, pelo mercado, em hipótese deineficiência do Município.

10) Pretende-se como núcleo ideológicoprevalecente na descentralização o de ins-piração democrática, o que invoca a inter-pretação da autonomia segundo paradig-mas que apelam pela inserção do poder co-munitário na esfera decisória de âmbito lo-cal, que se há de expandir como espaço deexperiência direta da cidadania. Nesse sen-tido, o fortalecimento do Município deve, ne-cessariamente, passar pela sua consolida-ção como espaço privilegiado de manifesta-ção dos discensos e tensões e, por conse-qüência, de consensos sociais.

À evolução do regime municipal na cons-trução normativa e nas concepções doutri-

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nárias nem sempre corresponde o aperfei-çoamento da autonomia no plano de reali-dade, isto é, a definição dos contornos daautonomia no sistema jurídico e a internali-zação e sofisticação teórica de seus elemen-tos, pressupostos e desdobramentos não sãoinstrumentos suficientes de contenção domovimento expansionista do poder central;essas balizas podem estar mais ou menosflexibilizadas pela força interpretativa dostribunais e pelas precompreensões e precon-ceitos que se revelam, também, no campo daregulação e da prática da autonomia muni-cipal, tendo em vista as interfaces com osdemais entes federativos.

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1 Sobre o processo de formação dos municípiosbrasileiros, veja-se CARNEIRO, Levi. “Organiza-ção dos Municípios e do Distrito Federal”. Rio deJaneiro: S/ Ed., 1953, p. 9-14.

2 CASTRO, José Nilo de. “Direito MunicipalPositivo”. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 31.

3 GODOY, Mayr. A Câmara Municipal. 2 ed.São Paulo: EUD, 1989, p. 10. APUD CASTRO,José Nilo, IBIDEM.

4 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O Municí-pio no Sistema Constitucional Brasileiro. Belo Hori-zonte: UFMG, 1982, p. 21.

5 CASTRO. Ibidem. p. 30.6 ROCHA. Ibidem. p. 22-3.7 WILHEIN, Jorge. e LEVY, Maria Bárbara.

Apud. DIAS, José Maria A. M. Fundamentos Insti-tucionais do Município Brasileiro. Belo Horizonte:Ed. do autor, 1994, p. 2-4; CASTRO, José Nilo de.Ob. Cit. p. 30-1.

8 ROCHA. Ibidem. 20-7.9 BRASILEIRO, Ana Maria. O Município como

Sistema Político. Rio de Janeiro: FGV, 1973, p. 4.10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal

Brasileiro. São Paulo: RT, 1985, p. 39.11 BASTOS, Aurelino Cândido Tavares. A Pro-

víncia. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: INL, 1975.12 MELO, Marcus André B.C. de. O Município

na Federação Brasileira e a Questão da Autonomiain Subsidiariedade e Fortalecimento do Poder Lo-cal. Debates. Fundação Konrad Adenauer Stiftung– Representação no Brasil. São Paulo: Centro deEstudos, 1995, n. 6. p. 64.

13 MELO. Ibidem.14 MELO. Ibidem.15 MELO. Ibidem.16 MELO. Ibidem. p. 65.17 BRASILEIRO, Ana Maria. Capítulo Evolu-

ção do Governo Local no Brasil - Quadro “O Siste-

Notas

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ma maior e a Autonomia Municipal” in O Municí-pio como sistema Político. RJ: FGV (Cadernos deAdministração Pública - Administração Municipal),1973, p. 3-12.

18 DIAS, José Maria de Almeida Martins. Anexo- Quadro Evolutivo da Autonomia Municipal -Contexto Sócio-Político e Econômico Brasileiro inFundamentos Institucionais do Município Brasilei-ro. Belo Horizonte: Edição do autor, 1994.

19 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. TeoriaGeral do Federalismo, Belo Horizonte: FUMARC -UCMG.

20 SILVA, José Afonso da. Curso de DireitoConstitucional Positivo, São Paulo: RT, 1990, p.408 -9.

21 BASTOS, Celso. Comentários à Constituiçãodo Brasil, São Paulo: Saraiva, 1988, v. I, p. 232.

22 HORTA, Raul Machado. Estudos de DireitoConstitucional. Belo Horizonte: Del Rey. 1995, p.523.

23 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Ele-mentos de Direito Municipal, São Paulo: RT, 1993,pp. 62 e 63.

24 SANTANA, Jair Eduardo. Competências Le-gislativas Municipais. Belo Horizonte: Del Rey, 1993,p. 40.

25 op. cit. p. 523.26 FERREIRA, Paulo Brum. O Modelo Federati-

vo Brasileiro: Evolução, o Marco da Constituiçãode 1988 e Perspectivas in Subsidiariedade e Forta-lecimento do Poder Local. Debates. p. 9.

27 FERREIRA. Ibidem.28 MELO. Ibidem. p. 66.29 FERREIRA, op. cit. p. 10.30 FERREIRA: Ibidem.31 MELO, op. cit. p. 65.32 MELO. Ibidem. p. 63.33 MELO. Ibidem.34 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. “Po-

der Municipal: paradigmas para o Estado Consti-tucional”. Belo Horizonte: Faculdade de Direito daUFMG, 1997.

35 Apud FERRARI, Regina Maria Macedo Nery.Elementos de Direito Municipal. SP: RT. 1993, p.65.

36 SILVA. op. cit. p. 415.37 “Afirmamos haver no âmbito municipal as

competências ditas concorrentes, mesmo a despeitode não constar o Município no rol do artigo 24 daConstituição Federal, porque o próprio artigo 30,inciso II, dá a exata magnitude desse campo a serexplorado pelo referido ente. De fato, ´cabe aomunicípio, suplementar a legislação federal e a es-tadual, no que couber’

(...)Releve-se, mais uma vez, que o simples fato de

ter sido o Município excluído do artigo 24 não éfator conclusivo de que não tenha ele competência

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concorrente. Desmente quem assim o afirma o pró-prio teor do artigo 30, II, da Constituição Federal.

Colocado nosso entendimento com relação aotema e, concluindo que se trata de modalidade decompetência legislativa concorrente primária (por-quanto prevista diretamente da Constituição Fe-deral), não podemos comungar, por incompatível,com o pensamento que professa Manoel GonçalvesFerreira Filho ao afirmar que o artigo citado apenasautoriza o Município a regulamentar normas fe-derais ou estaduais” (SANTANA. op. cit. p. 89).

38 “Pensamos que, na verdade, a competênciaconcorrente primária (na sua acepção mais rigoro-sa) somente foi partilhada entre a União, os Esta-dos e o Distrito Federal, nos moldes do artigo cita-do. De modo que, em tais termos o Município nãoa tem. (...)

Portanto, a legislação municipal somente po-derá se efetivar após detectados os requisitos exigi-dos pela expressão “no que couber”, ou seja, paraque seja viável a legislação municipal é de se verque a normação existente é deficiente ou insuficien-te de modo a comportar normação local, aliando-se a isso as demais exigências constitucionais, con-forme teremos oportunidade de ver. Inobstante,utilizaremos a expressão concorrente para desig-nar a competência legislativa municipal que ad-vém do inciso II do artigo 30 (Carta Federal), já queela se encontra de certo modo consagrada em nossomeio” (SANTANA. Ibidem. p. 89).

39 SANTANA. Ibidem. p. 90.40 HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito

Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, p. 524.41 ob. cit. p. 87-8.42 SANTANA. ob. cit. p. 97.43 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito

Constitucional, 1989, p. 277.44 Evento promovido pela Representação da

Fundação Konrad Adenauer – Stiftung no Brasilem conjunto com o Centro de Estudos e Pesquisasde Administração Municipal – CEPAM, da Funda-ção Prefeito Faria Lima, no auditório da CEPAM –Cidade Universitária, São Paulo, nos dias 17 e 18de outubro de 1994, com participação de autorida-des e estudiosos brasileiros, cujos debates estãoregistrados em publicação da referida fundação,sob aquele título e datada de 1995.

45 LÄSSING, Horst. O Papel da Esfera Munici-pal no Modelo Federativo Alemão in Subsidiarie-dade e Fortalecimento do Poder Local. Debates. p.49.

46 Perfil da Alemanha. Societáts - Verlag. Frank-furt Germany. 1992. Tradução: João A. Persh eoutros.

47 Ibidem.48 LÄSSING. op. cit. p. 49-50.49 LÄSSING. Ibidem. p. 49.50 LÄSSING. Ibidem. p. 52-3.

51 LÄSSING. Ibidem. p. 50.52 p. 135-6.53 op. cit. p. 50.54 JUNG, Winfried. Palavras de abertura do Se-

minário Internacional “Princípio da Subsidiarieda-de e o Fortalecimento do Poder Local no Brasil e naAlemanha”. in Subsidiariedade e Fortalecimento doPoder Local. Debates. p. 3.

55 SCHEID, Andreas Hildenbrand. Politica deOrdenación Del Territorio en Alemania. Las experi-encias de Los Länder e su interés para las Comuni-dades Autónomas. In: Ciudad y Territorio Estu-dios Territoriales, III (104). Madrid, MOPT, 1995,p. 297-313.

56 LÄSSING. op. cit. p. 52.57 BORJA i SEBASTIÁ. La Democracia Territo-

rial. Descentralización del Estado y Politicas en laCiudad. In: Ciudad y Territorio-81-82 13-41, Ma-drid, MOPT, 1989 - p. 25-38.

58 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito MunicipalBrasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p.45.

59 Informações extraídas de entrevista feita porPaulo David de Oliveira Ferreira – UFMG com osadvogados Roy Alexander e J. Meurling, o primeiroda Imigration and Naturalization Service e o se-gundo da Shell Oil Company, ambas dos EstadosUnidos.

60 Ibidem.61 “O Município italiano (Comune) é autônomo

no âmbito dos princípios fixados pelas leis da Re-pública, dispondo do poder de editar normas lo-cais e de arrecadar tributos necessários a suas des-pesas. É, entretanto, criado e organizado pelo Esta-do em moldes uniformes para toda a República(CF, art. 118)”.

O governo local é constituído pelo prefeito (Sin-daco), pela Junta Municipal (Giuta Municipale) e peloConselho Comunal (Consiglio Comunale), na confor-midade do Dec. Legislativo 1, de 7-1-46.

O prefeito é o presidente da Junta e o represen-tante legal da Comuna, enfeixando em suas mãostodas as funções executivas da administração lo-cal.

A Junta Municipal é o órgão administrativo au-xiliar do prefeito, constituída por secretários eleitosentre os conselheiros, e variando o seu número de 2a 14 membros, conforme a população da Comuna.A Junta, além de auxiliar o prefeito na rotina admi-nistrativa, colabora com o Conselho na tarefa legis-lativa e pode substituí-lo na função deliberativados casos de urgência, submetendo a sua resolu-ção, posteriormente, à ratificação da Câmara Co-munal. Em caso de impedimento ou irregularidadeverificada na Junta, a Província, por seu governa-dor (Prefetto), pode intervir na Comuna por meiode interventor provincial (Comissario Prefettizio), atéa regularização do governo municipal.

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A Comuna italiana possui, ainda, um órgão suigeneris, que é o Escritório Comunal (Ufficio Comu-nale), dirigido por um secretário remunerado pelaadministração local, mas equiparado em suas prer-rogativas a funcionário provincial, e com a incum-bência de fiscalizar a execução das leis e atos dosadministradores locais. O secretário comunal é no-meado e transferido pelo Ministério do Interior,ouvida a Comuna interessada (Dec. Legislativo 553,de 21-8-45, e Lei 530, de 9-6-47). Sua posição é a dedelegado do poder provincial no Município.

O órgão legislativo da Comuna italiana é oConselho Comunal, composto de membros eleitospor sufrágio direto, em número variável de 15 a 80,segundo a população local” (ob. cit. p. 55).

62 “... as Comunas e os Departamentos que asagrupam são as únicas unidades territoriais comalguma importância político-administrativa na di-visão do território francês. Todavia, comparadascom os Municípios e os Estados-membros brasilei-

Referências bibliográficas conforme original.

ros, essas unidades territoriais desfrutam de umaautonomia muito acanhada, em razão do enérgicocontrole do Estado, que atua até mesmo com po-deres hierárquicos. Esse controle é exercido não sósobre os órgãos unipessoais, como, também, sobreas assembléias locais (Conselhos departamentais ecomunais). Com efeito, no plano municipal, o Con-selho pode ser dissolvido por decreto motivado dopresidente da República, que também pode exone-rar qualquer de seus membros; o Maire e seus ad-juntos podem ser suspensos por um mês pelo Pré-fet (agente executivo do Departamento) e por trêsmeses pelo Ministro do Interior, e revoqués, isto é,destituídos de suas funções executivas, sem prejuí-zo de sua condição de conselheiros municipais, pordecreto do presidente da República, em qualquercaso, sempre motivadamente” (Ibidem. p. 53).

63 LORRAIN, Dominique. El Modelo France deServicios Urbanos. In: Ciudad Y Territorio 15, n. 2,Madrid, MOPT, 1991, p. 15-27.

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