auto conhecimento sufi

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Métodos da Gnose (Irfan) - Metodologia para o auto-conhecimento Publicado em: 24 de setembro de 2014 De: Ismail Ahmed Barbosa Júnior O tema principal deste artigo é uma análise objetiva dos métodos tradicionais do i’rfan concernentes ao processo do auto-conhecimento e da expansão da consciência. Há uma vasta e diversificada literatura dedicada a análise do sufismo (como é mais conhecido no ocidente), sobretudo em seus aspectos artísticos, os dados históricos e um sem número de teorias e especulações filosóficas sobre o tema. Não desejamos aqui seguir tais abordagens que, muito embora sejam interessantes e cheguem a fascinar os pesquisadores, não nos parecem suficientes para uma verdadeira compreensão dos objetivos do sufismo. A questão essencial que está no centro de nossa abordagem é o que esta tradição espiritual propõe ao homem contemporâneo, produto de uma época de diferentes concepções de mundo em conflito. Sob esta perspectiva o que este artigo pretende é trazer a luz sobre a aplicabilidade da ciência do i’rfan, que longe de ser uma tradição presa ao passado, segue um processo dinâmico de evolução constante que não conhece restrições do tempo. O termo Gnose (i’rfan) talvez seja o que melhor se aproxime de uma definição do que o sufismo realmente seja. A dimensão esotérica do conhecimento espiritual presente no cerne de todas as tradições religiosas reveladas. Consideremos portanto como um fato que, todas as mensagens reveladas contavam com um corpo externo de aspectos ao alcance de todas as pessoas, no qual se encontravam as leis, os regulamentos e os princípios gerais da fé e das práticas e que, junto a isso, se encontrava uma dimensão interna, a gnose da mensagem. Todos os grandes mestres sufis reconhecem que a semente do sufismo foi semeada no mundo no tempo de Adão (A.S.) e

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Sufismo

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Page 1: Auto Conhecimento Sufi

Métodos da Gnose (Irfan) - Metodologia para oauto-conhecimentoPublicado em: 24 de setembro de 2014

De: Ismail Ahmed Barbosa Júnior

O tema principal deste artigo é uma análise objetiva dos métodos tradicionais do i’rfan concernentes ao processodo auto-conhecimento e da expansão da consciência. Há uma vasta e diversificada literatura dedicada a análise dosufismo (como é mais conhecido no ocidente), sobretudo em seus aspectos artísticos, os dados históricos e umsem número de teorias e especulações filosóficas sobre o tema. Não desejamos aqui seguir tais abordagens que,muito embora sejam interessantes e cheguem a fascinar os pesquisadores, não nos parecem suficientes para umaverdadeira compreensão dos objetivos do sufismo. A questão essencial que está no centro de nossa abordagem éo que esta tradição espiritual propõe ao homem contemporâneo, produto de uma época de diferentes concepçõesde mundo em conflito. Sob esta perspectiva o que este artigo pretende é trazer a luz sobre a aplicabilidade daciência do i’rfan, que longe de ser uma tradição presa ao passado, segue um processo dinâmico de evoluçãoconstante que não conhece restrições do tempo.

O termo Gnose (i’rfan) talvez seja o que melhor se aproxime de uma definição do que o sufismo realmente seja. Adimensão esotérica do conhecimento espiritual presente no cerne de todas as tradições religiosas reveladas.Consideremos portanto como um fato que, todas as mensagens reveladas contavam com um corpo externo deaspectos ao alcance de todas as pessoas, no qual se encontravam as leis, os regulamentos e os princípios geraisda fé e das práticas e que, junto a isso, se encontrava uma dimensão interna, a gnose da mensagem. Todos osgrandes mestres sufis reconhecem que a semente do sufismo foi semeada no mundo no tempo de Adão (A.S.) e

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que se desenvolveu em estágios com o advento de cada profeta e mensageiro, num processo contínuo que nãoconhece limites no tempo e no espaço. Ao que parece, esta compreensão atemporal da ciência do conhecimentoespiritual desnorteia os pesquisadores que tentam precisar o início da tradição sufi ou estabelecer contornosdefinidos a uma determinada cultura ou época.

E exatamente esta característica é que dá ao i’rfan a possibilidade ilimitada de ação na consciência humana, postoque está intimamente ligado a essência dos seres humanos. Trata-se de um método por si mesmo de conhecer aessência das coisas sendo portanto, a ciência em sua forma mais pura.

Parte 1

Nesta primeira parte trataremos do conhecimento das coisas a partir do ponto de vista da gnose. O ponto departida no que se refere ao conhecimento, para o sufismo, é a compreensão e a distinção do que sejaconhecimento parcial e conhecimento verdadeiro. A natureza da mente e da percepção comum do homem seconforma a uma determinada perspectiva da realidade das coisas e por conseguinte tendemos a aceitar comoverdade aquilo que conseguimos perceber. Para a gnose esta conclusão não resiste a uma análise profunda, umameia verdade não é a verdade, e, frequentemente é tão prejudicial quanto muitas mentiras.

A mente comum se fixa a um padrão de julgamento que corresponde a uma percepção fragmentada da realidade.Em tal condição, todas as nossas certezas não passam de suposições as quais tomamos por verdades e nada mais.Para o gnóstico sufi a questão não é conhecer mais ou menos, mas sim, conhecer com profundidade. Portanto, asquestões metafísicas e filosóficas não são apresentadas como teorias, já que a menos que a mente do receptornão esteja capacitada para adotar pontos de vista livres de padrões estabelecidos pela cultura e pela sociedade,sua compreensão dessas questões não será mais do que disparate e especulação mental. Isso se assemelha aoestado de um homem que nunca tenha visto o mar e que se ponha a falar sobre o assunto tomando por base apalavra e a informação recebida de terceiros, um homem que tenha realmente visto o mar estará em maiscondições de falar sobre o assunto, e outro que tenha entrado no mar estará num nível superior de conhecimento,ainda que não se compare a outro que seja um mergulhador experiente.

Mesmo a questão da fé ou descrença não é contextualizada pela gnose numa visão qualitativa, a medida em que afé ou a ausência dela não seja necessariamente resultado de percepção da realidade. Numa discussão entre umcrente e um agnóstico, ambos podem não possuir qualquer experiência real do que estão a discutir. Um homempode crer ou descrer apenas em razão da sociedade e cultura a que pertence e em que foi criado. Esse tipo deconvicção ou conhecimento está aquém da dimensão de consciência em que o i’rfan opera.

A gnose difere sobremaneira da filosofia escolástica no que se refere aos métodos. Enquanto a última restringe abusca à esfera da reflexão e da razão, a gnose sufi procura trabalhar todas as faculdades do homem em equilíbrio,a intuição é exercitada tanto quanto o raciocínio para que o homem não se torne cativo nem de um nem do outro.Do ponto de vista da gnose, mesmo os mais bem elaborados conceitos da razão podem não raro, se tornaremfardos ou obstáculos a uma compreensão verdadeira da realidade objetiva. De fato, a gnose não aceita sequercomo possibilidade que a reflexão pautada nos padrões singulares do que nos seja familiar seja utilizada como umcaminho seguro para a realidade objetiva.

Com efeito, a Gnose centra sua atenção nas características viciosas da mente comum, as inclinações desta a seapegar a padrões fixos de pensamento e a tomar informações e conhecimento parcial como conhecimento real.

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Ela parte desta condição para expor seu método. Conhecer os condicionamentos e padrões da mente comum é umpasso para promover um processo de despertar da consciência.

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O dizer do Profeta (S.A.A.S.): “Quem conhece a si, conhece o seu Deus”, corretamente interpretado à luz da gnosese refere ao conhecimento do Eu essencial e este é adotado como um primeiro passo do conhecimento verdadeiro.Este é o princípio da gnose na busca da realidade objetiva.

O primeiro passo do que aspira o caminho da gnose é a compreensão de que aquilo que entende de si mesmo é,essencialmente, um conjunto de condicionamentos, idéias pré-concebidas e crenças fixas que se confundem com oseu ser original. Ao dar este primeiro passo o indivíduo deixa de pensar que compreende a si e o mundo que ocerca, e o seu ego dominante começa a ceder lugar a uma consciência real. Para a mente comum o padrão dalógica é que determina o caminho, para a gnose porém, há um limite bastante estreito para esse caminho, aconfiança não parte da lógica, e somente ela pode liberar o homem de seus próprios condicionamentos. A mentecomum transita entre os extremos da dúvida e da confiança cega no que lhe pareça lógico. Para a gnose averdade não se baseia nem na dúvida do materialista, tampouco na lógica comum, portanto, ela age em diversasdimensões da compreensão e em diferentes canais da percepção, não sendo de modo algum entendida pelalimitação da lógica ou pelo processo da dúvida.

Estes são, de fato, extremos de uma mesma linha, a linha da ignorância, e como tais não podem conduzir àverdade. A sensação de segurança que proporcionam a quem se apega a eles é muito atraente para a mentegrosseira, ao passo que a expansão da consciência traz em si todo o medo que há no desconhecido. Trêscaracterísticas são comuns na mente limitada e condicionada a padrões primários: 1) a inflexibilidade noentendimento dos fenômenos 2) O apego às aparências 3) Uma errônea compreensão do que seja liberdade.

A primeira característica é a adoção do falso pressuposto de que uma determinada noção ou atitude deva seguirsempre o mesmo curso, isto é, o que seja apresentado como certo deva sempre se manifestar da mesma maneira.A ignorância neste caso, reside na incapacidade de perceber que a existência não pode se ajustar a nosso modode pensar e que os rumos que a sabedoria escolhe são imprevisíveis.

A segunda característica parte da errônea crença de que “já sabemos” que já contamos com um conhecimentoque nos capacite a definir o que seja algo e o que não seja a partir de nossas “certezas”. Uma pequena história doMestre Hujwiri ilustra este comportamento dirigido pelas aparências: “Um homem desejava conhecer o sufismo eviu um rapaz vestido como um adepto, mas trazendo um tinteiro consigo. Ele achou aquilo estranho, porque ossufis não são escribas. Aproximou-se daquele rapaz, certo de que se tratava de um impostor e perguntou-lhe o queera sufismo. O jovem respondeu: Sufismo, é não pensar que um homem , por trazer um tinteiro consigo, não é umsufi.” A mente limitada por essa lente das aparências está sem dúvida, fadada ao engano.

A terceira característica é uma crença confusa sobre a condição do homem no mundo. Parte do pressuposto deque liberdade possa significar liberdade de escolha num nível ao alcance de todos. Nenhum homem é realmentelivre enquanto carregue consigo os condicionamentos e os padrões herdados pela sociedade e cultura. Suamargem de escolha é muitíssimo mais estreita do que imagina e esta crença, (de que é livre) ironicamente é a suamais forte amarra, sua mais sólida prisão.

Como comportamentos mentais essas três características podem ser abandonadas no momento em que a pessoa

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se conscientiza da superficialidade dessas idéias pré-concebidas. “A humildade para aprender” é o único requisitopara a superação dessa condição primária de percepção das coisas. Contudo, o processo de liberação doscondicionamentos envolve aspectos muito mais profundos, ligados aos sentimentos e às inclinações do ser, osquais exigem um contínuo esforço associado a uma correta orientação por parte de um mentor espiritualcapacitado. A gnose define esses padrões de condicionamento como “véus”, sentimentos vulgares que seinterpõem entre a pessoa e o uso correto de sua essência. Como véus principais são ressaltados:

1) O Desejo – Se baseia nas suposições falsas acerca do que seria bom para si próprio. Neles, o indivíduo se vêcomo o centro de gravitação para onde a vida, segundo ele, deveria se inclinar. Pretensões e auto-idealizaçõesformam uma teia em volta da mente e do coração do indivíduo não lhe permitindo uma correta percepção darealidade. A gnose prescreve o exercício da austeridade como um método de romper este véu.

2) A Hipocrisia – se baseia na vaidade, muitas vezes oculta, que leva o indivíduo a adotar falsos conceitos sobre si,de auto-suficiência e de superioridade sobre os demais. E isto se manifesta muitas vezes, por um comportamentodissimulado. Segundo a Gnose sufi a superação só é possível pela prática de qualidades repreensíveis aos olhos domundo, porém louváveis aos olhos de Deus, a verdadeira submissão, a humildade e a caridade em oculto.

3) O Narcisismo – que anula a auto-crítica e faz o indivíduo exigir a atenção, o elogio e o amor dos outros e oexpõe a uma condição irreal de bem-estar quando seus desejos são satisfeitos e a uma frustração destrutivaquando nada pode aplacar seu desejo. A cura desse mal se encontra na correta consciência dos atributos daGrandeza Divina.

4) Avareza e Cobiça – Consiste num processo destrutivo que canaliza as energias do indivíduo para uma saciedadedesses desejos, movidos por um medo irracional da perda (em todas suas formas). Apenas com a certeza (Yaqin)na realidade espiritual é possível superar e romper este véu.

5) Irresponsabilidade – Trata-se de uma permanente ansiedade em relação aos objetivos que só pode ser vencidapelo cultivo da paciência.

6) Inconstância – Se manifesta como uma incapacidade de concentração e compreensão da profundidade dospropósitos, o que leva o indivíduo a dispersão, a negligência em relação a seu próprio destino e a preguiça. Agnose prescreve um conjunto de exercícios a serem ministrados por um mestre capacitado para a reeducação damente e dos sentimentos.

Como vemos, as práticas do culto (ibadat) (orações, jejum, caridade, atividades piedosas) cumprem um papelimportante, desde que levadas a cabo com a correta intenção e devoção, tornando-se assim vias para oamadurecimento espiritual. Contudo, este ponto é bastante delicado, já que se tais práticas não foremacompanhadas de uma atitude interna íntegra, se tornarão maculadas e envolvidas pelos véus doscondicionamentos. Do ponto de vista da Gnose a realização plena da Religião só se concretiza à medida que a luzda consciência espiritual triunfa sob o Eu dominante. Há um jejum além do jejum físico e externo, como tambémhá uma bondade além do ato em si e só os verdadeiros piedosos alcançam a baraka (benção) da consciênciadessa realidade transcendente. Esse processo de desconstrução do Eu dominante não segue fórmulas fixas oureceitas prontas, o que significa que requer a direção de um mentor que tenha, ele próprio, trilhado o caminho doconhecimento.

Parte 2

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Nesta segunda parte trataremos de algumas características dos métodos da gnose sufi em seu processo detrabalho. O primeiro ponto a ser ressaltado é a grande importância do papel do mestre ou mentor. Ainda que asfaculdades místicas residam no íntimo de todo ser humano e que de muitos modos se manifestem e sedesenvolvam espontaneamente, o caminho para o desabrochar da consciência é por demais tortuoso para queuma pessoa que se proponha a ele possa se guiar sozinha, sem incorrer em grandes riscos estando sujeita à suaspróprias fraquezas e a influência de seu Eu dominante. De fato, o indivíduo encontra-se, enquanto sob estainfluência, num estado próximo ao de uma criança no útero de sua mãe, que não pode realizar o seu próprio parto.

O Sheikh Abu Al-Hasan Saliba comenta o seguinte, sobre esta questão: “É melhor colocar um discípulo sob ocontrole de um gato do que deixá-lo sob o seu próprio controle.” A função do mestre consiste em preparar a mentedo iniciado para que ele se torne capaz de discernir entre as suas falsas impressões e a realidade objetiva. O modocomo isso se realiza depende inteiramente da ação e do conhecimento de um mestre capacitado, o que éabsolutamente essencial no processo.

O Eu dominante, por sua própria natureza, tende a rejeitar e a reagir contra essa imposição ditada pela próprianecessidade. O jogo do ego nesta questão se manifesta numa subjetiva perspectiva de liberdade pessoal, em quea pessoa entende como justificada uma reação a quem se coloca a ensiná-la, entendendo o próprio aprendizadocomo uma ameaça a sua liberdade. Enquanto tal racionalização rasteira e a ausência de confiança se interpõementre o iniciado e aquele que deseja auxiliá-lo, nenhum progresso é possível.

Um iniciado sufi ilustra perfeitamente este estado de coisas dizendo: “meu mestre libertou-me do cativeiro em queeu me encontrava, o cativeiro em que eu me supunha livre, quando na verdade, estava apenas dando voltas emtorno de um círculo fechado.” Superado este primeiro impasse o aprendizado propriamente dito, se inicia.

O desenvolvimento da capacidade de concentração é posto em prática por intermédio de exercícios específicos. Oprocesso de “perceber a si mesmo”, isto é, perceber o fluxo incessante de sentimentos, emoções, pensamentos evariações de humor, e de adquirir algum controle sobre isso ocupa uma posição preliminar, ao que se seguemvários exercícios que visam cessar o diálogo interno. Essa condição de equilíbrio permite que se apure a percepçãodas coisas num nível bem diferente da percepção comum. A prática do dhikr cumpre, neste estágio, uma açãopurificadora que age no intelecto e no íntimo preenchendo o “vazio” deixado pelas atitudes incorretas da mentecom uma nova visão da realidade.

Corretamente orientado, o iniciado atravessará os desafios desse estágio de Muraqiba (concentração). “Firmeza” éum termo aplicado ao estado de manter-se perseverante, consciente da presença de Deus e de que Deus oobserva. Centrar a mente no tempo presente é uma das metas a serem alcançadas neste estágio. A mente comumestá inclinada a projetar sua atenção nas expectativas de um futuro que ainda não existe ou às sensações quereafirmam o Eu dominante, sensações ligadas ao passado que já não existe. Ao passo que, esta nova mente éeducada a concentrar-se no presente e buscar a realidade objetiva no aqui e agora. O esforço do iniciado écanalizado para a construção de uma nova visão da realidade, pautado em dez elementos ou princípios. Osexercícios propriamente ditos seguem programas estabelecidos segundo a necessidade do iniciado, ou o seuestágio de consciência, dentro desses dez elementos:

1. separação da unificação2. percepção auditiva3. companheirismo

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4. preferência correta5. Renúncia à escolha6. rápida aquisição de um estado específico (concentração)7. penetração do pensamento, auto-exame8. viagens e movimento9. renúncia aos ganhos10. falta de cobiça.

No decorrer deste processo o iniciado se depara com uma perigosa encruzilhada em seu desenvolvimento: apercepção ou êxtase místico que poderá, caso seu íntimo ainda não esteja purificado, desviá-lo de seu verdadeiropropósito. Um estado místico não é para o gnóstico sufi uma realização em si, se assemelha a um vislumbre daspotencialidades ocultas que, não significa necessariamente uma aquisição qualitativa. O ganho neste sentidosignifica o conhecimento permanente alcançado quanto à realidade objetiva. Não se julga o progresso do iniciadopelos estados místicos eventuais e por quaisquer fenômenos produzidos por intermédio deles. O perigo nesteestágio é a incorreta compreensão da natureza do êxtase místico. Os que não possuem um desenvolvimentoequilibrado em geral se apegam a falsa noção sobre o estado místico, especialmente quando se verificamfaculdades paranormais ativadas nesta condição. Via de regra, um estado místico que não produza um aumentopermanente do conhecimento intuitivo, o ver as coisas em sua totalidade, por exemplo, não é considerado umestado místico autêntico. Essa peculiaridade do método sufi diferencia este de todos os demais métodos ecaminhos místicos. A gnose não existe para produzir magos ou feiticeiros, seu objetivo está muito além disso. Osprodígios atribuídos a certos sufis não se devem a nenhum tipo de poder pessoal como muitos entendem. AbdulQadir Jilani diz sobre isso: “Quando você adquire o conhecimento divino, está imerso na intenção de Deus… suaessência interna não admite outra coisa… As pessoas lhe atribuem milagres, que parecem se originar de você,mas cuja origem e intenção são de Deus”.(Muqala VI Futuh Al Ghaib)

Um grande risco reside no fato de que muitos indivíduos desenvolvidos de modo desequilibrado, tornam-se emvirtude dos fenômenos paranormais, centros de influência para outros. Tanto maior o risco à medida que taispessoas podem se convencer de que são genuínos, porque não se lhes modificou o hábito de se iludirem e deiludirem a outros. Nesses casos o poder cedo ou tarde os destrói e o seu falso conhecimento metafísico se tornaráum mal para eles e para os que os seguirem.

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A ciência da ativação dos centros de energia (lata’if) é um dos conhecimentos envolvidos no processo dedesenvolvimento do iniciado. Estes centros de energia, ou orgãos especiais de percepção estão ligados àspotencialidades naturais do ser humano e um mestre capacitado é aquele que possui o conhecimento práticodessa ciência. Os lata’if são compreendidos como pontos de concentração, não exatamente como oscompreendem os iogues (a ciência dos chakras), as questões teóricas envolvidas neste assunto não serão aquiobjeto de análise. Como acontece com outros aspectos do sufismo, muitas coisas foram e são ditas e escritassobre os lata’if. Para a gnose sufi cada situação é única e não existem manuais e regras fixas, a condição e ascircunstâncias ditam o melhor procedimento, por isso, mesmo a presença do conhecimento dinâmico de ummestre é decisivo no sucesso do iniciado. Grosso modo, os lata’if são definidos como sete centros sutis. Cincodeles deverão ser despertados para que o iniciado alcance sua iluminação. O método, dirigido pelo mestre,consiste em concentrar a consciência nas áreas do corpo ligadas às faculdades de Latifa, por meio de exercíciosvariados. A título de entendimento prévio citam-se essas áreas como sendo: no baixo ventre (abaixo do umbigo),

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no coração (no ponto do externo), no lado oposto do coração, no plexo solar e na testa. Apenas com odesenvolvimento desses centros o iniciado terá acesso aos outros dois que se ligam à personalidade e aoconhecimento supremo. Cabe notar que a ativação desses centros é parte de um desenvolvimento muitoabrangente e não pode ser levado a efeito como um processo isolado.

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Para a gnose sufi existem quatro condições básicas do homem. Toda a humanidade encontra-se inserida nelas.“Nasut” é a condição primária na qual a consciência se encontra submersa numa espécie de sono metafísico. Asegunda é a Tariqa (no caminho) que é a daqueles que se encontram num processo de despertar da consciência. Aterceira é “Jabbarut” a condição em que se alcança o desenvolvimento das potencialidades e uma consciênciaclara da realidade objetiva. Estas duas condições estão no âmbito do método gnóstico. A quarta é “lahut”(absorção) que se refere à condição de suprema consciência numa esfera além do visível e do palpável.

É requerido do iniciado que passe por sete fases de preparação, a fim de que a individualidade esteja pronta parao seu pleno funcionamento. Estas fases são graus na transmutação da consciência, cujo termo técnico é nafs. Naverdade estas fases significam o desabrochar gradual desta consciência inata que pouco a pouco se liberta dasamarras do Eu dominante, adquire uma visão de si própria, alcança a serenidade, o poder de realização e por fimse aprofunda em outros níveis desta realidade interior.

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Para o adepto da gnose há quatro viagens a realizar: a primeira é alcançar a condição de fana (aniquilação) naqual o eu dominante dá lugar à unificação da consciência. A segunda viagem é a estabilização do conhecimentoobjetivo em que um iniciado se torna um professor por direito. As duas viagens seguintes dizem respeito a umaprimoramento espiritual que está além das palavras e dos conceitos humanos, nas quais quem as realize se tornacapaz de operar além dos limites do tempo e do espaço, para o benefício de muitos que estejam no caminho doconhecimento.