auto aprendizagem musical

176
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES AUTO-APRENDIZAGEM MUSICAL: ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS Daniel Marcondes Gohn Dissertação apresentada ao Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Comunicação. Orientador: Prof. Dr. Fredric M. Litto SÃO PAULO 2002

Upload: aline-sousa

Post on 27-Oct-2015

264 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: Auto Aprendizagem Musical

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

AUTO-APRENDIZAGEM MUSICAL: ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS

Daniel Marcondes Gohn

Dissertação apresentada ao Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências da Comunicação. Orientador: Prof. Dr. Fredric M. Litto

SÃO PAULO 2002

Page 2: Auto Aprendizagem Musical

1

SUMÁRIO RESUMO...........................................................................................................................

03

ABSTRACT ......................................................................................................................

04

AGRADECIMENTOS .....................................................................................................

05

INTRODUÇÃO ................................................................................................................

06

1 CONCEITOS E CATEGORIAS

1.1 Auto-aprendizagem....................................................................................................

14

1.2 Aprendizagem Centrada no Aluno..............................................................................

20

1.3 Quantitativo e Qualitativo...........................................................................................

22

1.4 Inteligência Musical....................................................................................................

28

2 TECNOLOGIA E MÚSICA

2.1 Um Pouco de História.................................................................................................

36

2.2 O Registro do Som......................................................................................................

39

2.3 Meios de Comunicação...............................................................................................

45

2.4 Complexidade x Simplicidade.....................................................................................

50

Page 3: Auto Aprendizagem Musical

2

3 TECNOLOGIA E AUTO-APRENDIZAGEM

3.1 Democratização e Banalização...............................................................................

58

3.2 O Controle do Som.................................................................................................

69

4 O VÍDEO

4.1 A Imagem...............................................................................................................

78

4.2 A TV e a MTV........................................................................................................

80

4.3 A Vídeo-aula...........................................................................................................

85

4.4 Análise das Vídeo-aulas.........................................................................................

93

5 O COMPUTADOR

5.1 Individualização da Aprendizagem........................................................................

108

5.2 Internet....................................................................................................................

116

5.3 Ferramentas On-line...............................................................................................

126

5.4 Análise de Sites.......................................................................................................

132

CONCLUSÃO..............................................................................................................

146

APÊNDICE I ................................................................................................................

153

APÊNDICE II ..............................................................................................................

161

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................

171

Page 4: Auto Aprendizagem Musical

3

RESUMO

O objetivo principal desta pesquisa foi a realização de um estudo sobre processos de auto-

aprendizagem musical através de meios tecnológicos. Observando as inovações nas formas

de transmitir música e informações sobre música, consolidadas desde o início do século

XX, o estudo assinala algumas possibilidades de aprendizado com o auxílio de diferentes

formas de registro do som e da imagem, meios de comunicação, sistemas de digitalização

sonora, computadores e redes eletrônicas como a Internet. Após um breve histórico sobre o

desenvolvimento tecnológico relacionado à música, o foco do estudo é centrado em dois

pontos principais: o vídeo e o computador, em uma tentativa de revelar quais podem ser

suas contribuições. Sobre o vídeo, o estudo destaca como a visualização dos gestos

envolvidos na música facilitou o aprendizado, primeiramente com programas musicais na

televisão, e em seguida com o uso do videocassete para fins educacionais. Sobre o

computador, o estudo mostra a importância da individualização da aprendizagem que se

tornou possível com os novos recursos interativos disponibilizados, e algumas das

possibilidades de transmissão de informações musicais através da Internet. Estes pontos são

exemplificados através de análises de vídeo-aulas e de sites da Internet, mantendo como

referência a auto-aprendizagem da bateria e outros instrumentos de percussão. No decorrer

desta pesquisa, transformações foram observadas em várias práticas de indivíduos ligados à

atividades musicais, formando novos caminhos para o aprendizado. O estudo oferece um

mapeamento do atual cenário tecnológico, dinâmico em seus progressos e propício aos

processos de auto-aprendizagem da música.

Page 5: Auto Aprendizagem Musical

4

ABSTRACT

The main goal of this research was to develop a study on the processes of self-learning of

music through technological means. Observing the innovations in the ways of transmitting

music and information about music, consolidated since the beginning of the twentieth

century, the study points out some of the possibilities for learning with the assistance of

different ways of recording sound and image, the communication media, the systems for

digitalizing sound, computers and electronic networks like the Internet. Following a brief

account of the development of technologies related to music, the study’s focus was centered

on two main approaches: video and the computer, in an attempt to reveal what their

contributions can be. Concerning video, the study indicates how the visualization of the

gestures involved in music facilitated learning, firstly with musical programs on television,

and then with the use of VCRs for educational ends. With regard to the computer, the study

shows the importance of the individualization of learning that became possible with the

newly available interactivity, and some of the possibilities for the transmission of musical

information through the Internet. These points are exemplified through analysis of

instructional music videos and websites from the Internet, maintaining the self-learning of

drums and other percussion instruments as a reference. Throughout this research,

modifications were observed in the activities of individuals dealing with music, building

new paths for apprenticeship. The study offers an overview of the current technological

scenario, dynamic in its progresses and supportive of the processes of self learning of

music.

Page 6: Auto Aprendizagem Musical

5

AGRADECIMENTOS

Este trabalho representa o início da minha trajetória como pesquisador, durante a

qual tive a oportunidade de conviver e estreitar laços com várias pessoas que foram

exemplos de criatividade, iniciativa, perseverança e inteligência. Apresento aqui os meus

sinceros e profundos agradecimentos a todos que serviram como modelos e tiveram

participações vitais para a concretização desta pesquisa.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Fredric Michael Litto, pela supervisão nos estudos e

compartilhamento de idéias e momentos musicais, me incentivando para avançar na

carreira acadêmica, sem deixar de lado a vida artística.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela

bolsa e pelo apoio institucional que viabilizou a realização desta dissertação.

Ao Prof. Dr. José Roberto Zan e ao Prof. Dr. José Manuel Morán, pelas críticas e

comentários na banca examinadora, que direcionaram o foco das investigações e me

aperfeiçoaram como pesquisador.

Aos meus colegas da Escola do Futuro, pelos encontros instrutivos no Clube do

Chicote, e especialmente à Mary, pela grande paciência e completa eficiência.

Aos funcionários da Secretaria de Pós-Graduação da ECA, pela atenção cuidadosa e

serviços prestativos durante o período de estudos.

Aos meus pais, Renato e Maria da Glória, e meu irmão, André, pelo estímulo

constante ao estudo musical, pela presença em todos os momentos importantes da minha

vida, e pelo enorme auxílio em todas as etapas de produção deste trabalho.

À Carla, pelo sentimento profundo e companheirismo irrestrito que me deram a

estabilidade necessária para completar a pesquisa.

Page 7: Auto Aprendizagem Musical

6

INTRODUÇÃO

O objetivo principal desta pesquisa é a realização de um estudo sobre a utilização de

tecnologias nos processos de auto-aprendizagem da música. A partir de um mapeamento

dos recursos e possibilidades existentes, iremos destacar o aprendizado direcionado à

performance de instrumentos musicais, em especial de instrumentos de percussão. Aspectos

teóricos e elementos relacionados à percepção e à apreciação musical serão também

analisados, considerando sua ligação com o desenvolvimento das tecnologias utilizadas

pelos indivíduos que aspiram aprender sobre música ou dominar um instrumento musical.

Permeando todo o trabalho, teremos considerações sobre o papel da tecnologia neste

universo musical, assinalando algumas transformações em suas práticas e realizações.

O sujeito central da investigação será o estudante autodidata, aquele que se aventura

a decifrar os códigos da música “sozinho”, baseado em materiais freqüentemente

preparados para esta finalidade específica. Este sujeito recebe os conteúdos através de uma

mediação, como o vídeo ou a Internet, e utiliza um método sem a orientação direta de um

professor ou tutor, processando as informações e procurando transformá-las em

conhecimento ou em um produto musical técnico. A figura do professor / educador está

envolvida neste processo como o produtor / organizador do material que servirá de

mediação para o aprendiz, seja este um livro, um vídeo, um website ou qualquer outro

meio. As metodologias utilizadas na produção deste material também serão consideradas

nesta pesquisa, tendo em vista sua importância para a eficácia da transmissão dos

conteúdos.

No processo ensino / aprendizagem ocorre uma interação entre quem ensina e quem

aprende, sendo um processo ativo e não passivo. Entretanto, podemos recortar um ângulo

para observação e análise: no nosso caso, a partir da visão do aprendiz, de captação de

conteúdos formulados por agentes produtores / educadores. A aquisição de novos

conhecimentos musicais faz parte de um processo que envolve, na maior parte dos casos,

aspectos de reflexão mental e de habilidades técnicas, principalmente quando se trata do

aprendizado prático de instrumentos musicais. Os processos de auto-aprendizagem podem

ter resultados diversos, em que nem sempre o aprendiz desenvolve a capacidade de

produzir novos conceitos e idéias. Pretendemos demonstrar como, em muitas situações em

Page 8: Auto Aprendizagem Musical

7

que as habilidades técnicas são abordadas, ele apenas reproduz a experiência do outro,

através de exercícios mecânicos de repetição contínua. Há então um treinamento técnico,

um adestramento de agilidades, instruindo o aluno a realizar tarefas que culminam em

algum tipo de produção musical. No entanto, quando os aspectos de reflexão mental são

trabalhados, o educador – mesmo que ausente – influencia o aprendiz mais profundamente,

contribuindo para sua formação e desenvolvendo a capacidade de analisar, criticar,

recombinar dados e gerar novos conhecimentos.

Para compreender os processos de auto-aprendizagem colocados acima, iremos lidar

com a realidade tecnológica em que vivemos atualmente, observando as transformações

que a cada dia chegam mais velozmente e trazem inovações que tornam-se quase

obrigatórias para qualquer indivíduo participante do cenário artístico moderno. Dentro

deste contexto nosso objeto de estudo adquire um caráter fluido, dificultando o trabalho de

pesquisa por se modificar constantemente.

Tais mudanças decorrem do mundo em que vivemos hoje: amplamente regido pela

tecnologia na grande maioria de seus setores. Sistemas computacionais conquistam espaços

anteriormente intocáveis, modificando a percepção humana e substituindo modelos

tradicionais por uma nova visão funcional do universo, onde qualquer relação estrutural

pode ser pensada em termos tecnológicos. A precisão milimétrica das máquinas impôs

expectativas nos padrões qualitativos de trabalho e raciocínio do homem, criando uma

crescente demanda por mais conforto, facilidade e exatidão. As conseqüências das recentes

descobertas científicas, principalmente na área da computação, podem ser constatadas nas

mais diferentes áreas do conhecimento, inclusive aquelas que muitos consideravam

território intrinsecamente humano, sem espaço para a presença de máquinas que, como

sabemos, não são dotadas de sentimento. Um exemplo deste caso é o campo da produção

artística.

A idéia genérica que temos da arte, evocando um fator emocional que não é

traduzido em dados concisos, usualmente traz consigo a noção de resistência à intrusão

tecnológica, firmando bases que supostamente não podiam ser modificadas por conceitos

não relacionados a sentimentos. Entretanto, na atualidade, não somente a tecnologia integra

a produção artística de modo ativo, como também gera novas formas de arte que se utilizam

de seus recursos para criar e desenvolver meios de expressão. A transmissão de conteúdos

Page 9: Auto Aprendizagem Musical

8

foi facilitada através de novos canais de mídia, conectando universos distantes, difundindo

vários movimentos artísticos e estimulando o surgimento de outros. As barreiras

geográficas não mais representam limites para a comunicação, permitindo o contato entre

artistas do mundo todo a custos progressivamente mais baixos. Dentro deste quadro as

atividades relacionadas à música passaram por grandes reformulações, engendrando novas

formas de produzir, transmitir, ensinar e aprender.

As transformações tecnológicas que nos conduziram ao mundo atual têm sido

observadas atentamente pelos compositores da música popular brasileira. Um breve exame

temático das canções deste século revela como a tecnologia e os meios de comunicação são

enfocados. O primeiro samba a ser gravado, colocando aquele ritmo em posição de

destaque, já nos serve de exemplo: “Pelo Telefone”, registrado por Donga em 1917. A

mesma idéia seria atualizada por Gilberto Gil 80 anos depois, com “Pela Internet”, numa

referência direta à primeira obra. Noel Rosa, em “Três Apitos”, oferece seus versos à sua

amada, que o despreza em favor ao chamado do trabalho na fábrica de tecidos. A evolução

dos meios de transporte urbano, modificando a vida cotidiana dos músicos, foi tema

constante. O bonde, por exemplo, serviu de inspiração para marchas carnavalescas durante

35 anos.1

Muitas mudanças causadas por avanços tecnológicos na área musical devem-se às

recentes possibilidades de digitalização da informação, ou seja, transformar som em bits, ou

dígitos binários, para lhe dar novos formatos. Observamos que a maneira mais comum de

se comercializar música atualmente é através do CD (compact disc). Há uma expectativa

constante sobre qual será a próxima forma a se delinear para o som digitalizado. A

crescente quantidade de música transmitida pela Internet, possível com a utilização de

padrões como o MP32, indica que o futuro da música está diretamente vinculado aos

computadores, tanto nos seus meios de produção, como também no funcionamento de seus

sistemas de venda comercial.

O universo constituído pelos aparelhos tecnológicos, sejam instrumentos musicais

eletrônicos, gravadores, computadores, estúdios digitais, sistemas de amplificação, ou

1 O historiador José Ramos Tinhorão, em seu livro “Música Popular – Um Tema em Debate”(págs. 161-183), realizou uma detalhada pesquisa sobre a utilização dos bondes como tema de marchas de carnaval. 2 O MP3 ou MPEG 1 Layer III é um tipo de arquivo que compacta o som, mantendo a qualidade próxima do CD, em até doze vezes em relação ao tamanho original.

Page 10: Auto Aprendizagem Musical

9

quaisquer outros; oferece ao músico certas formas de criação e interpretação, e assim torna-

se parte integrante do processo musical. A música do século XX, na grande maioria de suas

formas de manifestação popular, é fruto de lapidações exercidas pelo desenvolvimento

tecnológico. Encontraremos exemplos deste fato na sonoridade dos instrumentos, nos

processos de registro e reprodução da música, nos meios pelos quais a informação trafega

entre professores e alunos, na vida produtiva dos músicos. Dentro desta visão da música,

em que o domínio tecnológico é extremamente valioso, novas formas de ensinar e aprender

se desenvolvem, e nosso trabalho irá mapear neste território as formas acessíveis para a

auto-aprendizagem.

Objetivamos, através do nosso estudo, estruturar um olhar sobre a presença das

tecnologias na atualidade e analisar algumas das conseqüências implicadas na auto-

aprendizagem da música. Pretendemos demostrar, através deste olhar, como nos modernos

meios e recursos disponíveis há uma submissão das atividades musicais à tecnologia, uma

rendição às suas direções, verdades e limites. A música e seus processos (de criação,

produção, transmissão), embora não sejam determinados pela tecnologia, desenvolvem-se

sob as condições delineadas por ela. Iremos assinalar alguns aspectos resultantes deste

condicionamento. Esperamos assim contribuir para a construção de novos caminhos para a

área em análise, prevendo que muitas das tecnologias que hoje estão sendo aprimoradas

irão tornar-se realidades concretas e ampliarão as possibilidades aqui mapeadas.

Percebemos enormes possibilidades nos processos de auto-aprendizagem da música.

As novas mediações tecnológicas podem atuar como “professores” incansáveis para os

aprendizes, dando oportunidade de progresso àqueles que não tem um tutor para corrigir

seus erros. Os processos de aprendizagem musical freqüentemente dependem da repetição

contínua de exercícios (“a prática leva à perfeição...”) e a tecnologia pode servir como o

“espelho” necessário para que correções sejam feitas. A observação de vídeos revela

detalhes, os programas de computador assinalam falhas, o metrônomo exige o tempo

perfeito. Em intensidade gradualmente maior, os meios tecnológicos tornam-se a

representação de um mestre que facilita a transmissão de informações.

Iremos trabalhar com a questão da tecnologia na auto-aprendizagem musical em

dois diferentes momentos. O primeiro, mais genérico, carrega a definição de tecnologia

como toda inovação tecnológica que influenciou a música, como o surgimento de novos

Page 11: Auto Aprendizagem Musical

10

instrumentos musicais, dos meios de produção modernos, do rádio e da televisão. O

segundo, mais específico, estabelece um recorte e seleciona duas formas básicas para a

análise do problema: o vídeo e o computador. Nosso estudo sobre o vídeo abordará a

televisão, a MTV e as vídeo-aulas. A análise do computador estará concentrada

primordialmente sobre a Internet.

O uso de vídeo-aulas para o aprendizado da música popularizou-se em meados da

década de 80, quando empresas norte-americanas (dentre as quais analisaremos a DCI

Music Video) disponibilizaram produções em que instrutores lecionavam defronte à

câmera. Atualmente, existem vídeos especializados na transmissão de diversos conteúdos

musicais, constituindo um produto comercial de alta aceitação entre os autodidatas. As

vídeo-aulas reforçaram as possibilidades de um sistema não-formal de aprendizagem, que

muitas vezes se desenvolve não acompanhado de orientação alguma, mas que persiste em

parte mesmo quando a figura do professor está fisicamente presente. Entendemos por

educação não-formal os processos de ensino / aprendizagem que têm sua origem a partir da

experiência prática e que usualmente não são codificados em sistemas curriculares

oficializados.

Embora o termo educação não-formal envolva muitas polêmicas, sua utilização se

deve por objetivar uma referência aos processos de aprendizagem que ocorrem fora do

ambiente escolar regular, baseado em sistemas formalmente estruturados ou

institucionalizados. Optamos por este termo pelo fato de diferenciar-se não apenas da

educação formal mas também da educação informal – aquela em que se aprende

espontaneamente através da socialização cotidiana na família, no clube, nas igrejas, na

própria convivência nas escolas. Na educação não-formal destaca-se uma intencionalidade

na ação: os indivíduos querem e decidem aprender sobre um assunto (no nosso caso, a

música).

Um dos objetivos centrais dos processos de educação musical não-formal voltados

para a auto-aprendizagem é desenvolver instrumentistas, habilitando os aprendizes

tecnicamente para a performance musical e criando um domínio da prática e da teoria (a

prática sempre sendo enfatizada) de instrumentos musicais. Nas vídeo-aulas esta

valorização do instrumento é evidente, colocando em um segundo plano a preocupação de

oferecer aos espectadores um embasamento geral ou uma formação aprofundada. Na maior

Page 12: Auto Aprendizagem Musical

11

parte das vídeo-aulas não há um direcionamento de teor filosófico ou discussões que levem

à compreensão das motivações determinantes das escolhas na música. Estes assuntos,

quando há uma relação de troca direta entre professores e alunos, usualmente são de grande

importância para ampliar a visão do aluno e não apenas treiná-lo tecnicamente.

Não obstante este caráter de superficialidade da vídeo-aula, ela representa um

importante meio para os processos não-formais, pois permite a aprendizagem pela

observação da prática, seguindo o instinto autodidata característico dos alunos. Sua

colocação na educação musical serve como complemento para outras fontes de informação,

sempre exemplificando visualmente o material trabalhado. Sua inserção estabelece uma

conexão dos estudos com a realidade prática, com a produção musical vigente em sua

época. O vídeo assim tornou-se uma importante referência, substituindo parcialmente a

necessidade da presença física no local da realização musical. Sua utilização trouxe

contribuições imediatas, tais como a imortalização da obra de mestres do passado, a

acessibilidade à música produzida em localidades distantes, a realização de documentários

detalhando o desenvolvimento de estilos musicais, e a organização de um material

anteriormente disperso e de difícil alcance.

A supremacia tecnológica do vídeo no estudo da música imperou durante a década

de 80, e só terminou com o avanço dos computadores pessoais, que no decorrer da década

de 90 trouxeram uma vasta gama de novas possibilidades. A Internet disponibilizou um

conteúdo gigantesco de informação, abrangendo todas as áreas da música, em todos os seus

estilos. O CD-ROM facilitou exercícios de repetição contínua como aqueles usualmente

encontrados no treinamento da percepção auditiva. Softwares tornam possível a impressão

de partituras, realizam gravações, corrigem erros cometidos em performances. A música

pode ser armazenada e manipulada digitalmente nas máquinas. Um elemento importante

presente no aprendizado da música através do computador é a interatividade, ampliando as

chances para uma maior participação do aluno e para uma individualização do estudo em

acordo com suas particularidades.

O uso da tecnologia para individualizar o ensino é defendido pelo professor Howard

Gardner, da Universidade de Harvard, que afirma ser preciso encontrar diferentes formas de

ensinar para pessoas diferentes. Na sua teoria das múltiplas inteligências, Gardner (1994)

Page 13: Auto Aprendizagem Musical

12

constatou a existência de pelo menos sete tipos de inteligência nas capacidades humanas,

das quais destacaremos a inteligência musical.

Segundo a teoria das múltiplas inteligências, cada ser humano tem uma maior

facilidade de aprendizagem através de uma área, seja a música, a matemática, a linguagem,

ou os meios visuais, e esta individualidade requer uma educação específica, tendo como

principal enfoque as qualidades de cada aluno. Com a identificação das inteligências

proeminentes em cada indivíduo e uma orientação correta, é possível desenvolver todas as

áreas a partir daquela em que há a facilidade. Teremos a teoria das múltiplas inteligências

como base, na tentativa de identificar as diferentes trilhas demarcadas nos processos de

aprendizagem, tornando-os mais específicos e eficientes.

O material analisado nesta pesquisa inclui textos, livros e artigos em revistas

abordando música, tecnologia, aprendizagem, vídeos, Internet, entre outros temas. A

diversidade de assuntos demonstra a complexidade da questão. A intenção deste trabalho é,

através de um mapeamento inicial da área, contribuir para uma investigação mais detalhada

no futuro. Destacamos que os indivíduos que recebem e utilizam os materiais aqui

analisados em processos de auto-aprendizagem são agentes interventores, ou seja, procuram

assimilar os ensinamentos através de sua cultura, suas experiências de vida,

comportamentos e características físicas. Portanto, para uma maior compreensão do tema

devemos ter em consideração quem está se colocando na posição de aprendiz.

A partir das considerações acima, esta dissertação se estrutura da seguinte forma:

No Capítulo 1, Conceitos e Categorias, são introduzidos alguns conceitos que serão

utilizados ao longo do trabalho. Colocamos as idéias básicas que iremos retomar nas

análises referentes à auto-aprendizagem, formando um quadro teórico geral, sem contudo

ter uma preocupação de nos aprofundarmos na definição dos termos.

No Capítulo 2, Tecnologia e Música, examinamos a relação entre música e

tecnologia do ponto de vista histórico, demonstrando a proximidade dos avanços

tecnológicos com as práticas e percepções de produtores e ouvintes da música.

Constatamos que cada inovação teve forte influência nos estilos de música em sua época,

trazendo novas sonoridades, criando meios de obter e divulgar a música, transformando-a

em produto comercial e culminando em uma indústria que visa primordialmente o lucro

financeiro.

Page 14: Auto Aprendizagem Musical

13

O Capítulo 3, Tecnologia e Auto-aprendizagem, tem como meta realizar uma

discussão sobre os recursos tecnológicos disponíveis para a auto-aprendizagem musical.

Primeiramente colocamos a visão de alguns autores sobre o surgimento dos meios de

gravação e transmissão do som, e depois propomos outras questões, relacionadas à

tecnologias mais recentes.

No Capítulo 4, temos um estudo sobre a presença da imagem nos processos de auto-

aprendizagem musical, em que procuramos evidenciar o surgimento de linguagens próprias

do vídeo na transmissão de informações musicais. Neste ponto destacamos a MTV (Music

Television), comprovando a sua importância na valorização do visual em relação ao sonoro,

e demonstrando como o cenário musical foi alterado pela crescente importância dos

videoclipes. Em seguida passamos nosso foco para as vídeo-aulas, apresentando um breve

histórico da DCI Music Video e discutindo como o material produzido por esta empresa

pode contribuir na aprendizagem musical. Ao final, propomos um sistema de classificação

das vídeo-aulas em relação a forma e conteúdo e selecionamos quatro títulos produzidos

pela DCI Music Video para análise. Em todas as análises teremos materiais direcionados ao

estudo da bateria e da percussão.

No capítulo 5, investigamos as possibilidades para a auto-aprendizagem de

instrumentos musicais surgidas a partir da popularização do computador pessoal. Algumas

questões relacionadas às mudanças nas práticas musicais são colocadas, destacando os

vários formatos que a informação digital pode assumir, e em seguida nos concentramos na

Internet, observando a presença das páginas de música existentes na rede. Finalizando este

capítulo temos a análise de quatro websites direcionados ao ensino da bateria e da

percussão.

Encerrando o trabalho, após nossa conclusão final, apresentamos dois apêndices. O

primeiro tem uma listagem descritiva de vídeo-aulas, expandindo os exemplos analisados

no capítulo 4. O segundo apêndice consiste em uma breve amostragem de sites da Internet

relacionados ao nosso instrumento base de análise – a bateria – , na tentativa de ilustrar

como as páginas na rede, mesmo que tenham outras finalidades, podem ter uma utilidade

educacional.

Page 15: Auto Aprendizagem Musical

14

CAPÍTULO 1 – CONCEITOS E CATEGORIAS

1.1 Auto-aprendizagem

Esta primeira parte da pesquisa objetiva explicitar os principais conceitos que serão

utilizados, tais como: auto-aprendizagem, educação formal, não-formal e informal,

inteligência musical e novas tecnologias. Não pretendemos chegar a definições

aprofundadas destes termos, mas delimitar as áreas em que estaremos trabalhando. Os

referenciais teóricos obtidos serão importantes para uma melhor compreensão das análises

que estarão presentes nos capítulos seguintes, possivelmente contribuindo para uma visão

mais clara das possibilidades atuais do estudo da música através de meios tecnológicos.

Dado nossos objetivos, auto-aprendizagem é um conceito chave para o

entendimento da utilização de meios tecnológicos para a aprendizagem e o domínio de um

instrumento ou de um conhecimento musical. Para não corrermos o risco de reduzir este

conceito a processos advindos do senso comum ou da experimentação casual, iniciamos

nossas considerações localizando-o no universo dos sistemas de estudo e aprendizagem

propriamente dito.

A maioria das formas de auto-aprendizagem listadas nesta pesquisa usualmente

participam de sistemas não-formais ou informais de estudo da música, existentes fora dos

estudos formais que ocorrem em escolas e instituições. No sistema não-formal, central para

esta pesquisa, há uma intencionalidade na ação do aprender, os indivíduos se colocam

premeditadamente na posição de aprendizes e escolhem os meios pelos quais irão receber

os conteúdos que desejam estudar. Organizam seus próprios “currículos” e usualmente

preenchem suas necessidades – ou seja, adquirem seus materiais – baseados na observação

e na recomendação de outros, nas propagandas e em pesquisas nas lojas especializadas.

Simultaneamente, estes mesmos indivíduos, ao longo de suas vidas, participam de

um outro sistema educativo: o informal, aquele que ocorre na socialização cotidiana, nas

famílias, nas igrejas, nos clubes, academias e outros espaços de convivência.3 De maneira

espontânea, a educação informal também cumpre um papel formativo. Para o nosso objeto

3 Sobre a educação não-formal e a informal vide Gohn (1999).

Page 16: Auto Aprendizagem Musical

15

de análise, a educação informal resulta na difusão de informações, já que a música está

presente na maioria destas situações da vida cotidiana. Assim, aprendemos sobre as

músicas que nosso círculo de amizades ouve, conhecemos os estilos regularmente

executados nas rádios que escutamos nos restaurantes e memorizamos – muitas vezes de

forma até inconsciente – as letras das músicas veiculadas pelas emissoras de televisão.

Umberto Eco (1970: 316-9) analisou os meios áudio-visuais como instrumentos de

informação musical, aos quais as relações sociais se juntam para fazer funcionar o sistema

informal de educação. Neste sentido, assumindo a idéia de McLuhan (1964) de que as

mídias são extensões do homem, nossos ouvidos são reforçados não somente pelos meios

de comunicação como pelas nossas relações com os outros.

Observamos que a admiração e a idolatria pelos artistas consagrados que são

destacados nos veículos de massa conduzem seus seguidores a tentativas de imitação, não

só no aspecto musical mas também em um contexto mais amplo, no que diz respeito a

pensamentos e percepções do universo. Os processos de mitificação foram objeto de análise

para Eco (1970), enquanto Tinhorão (1981) demonstrou como a construção de mitos no

rádio e na televisão do Brasil ditava exemplos e estabelecia referências para os ouvintes /

espectadores (voltaremos a este tema mais tarde). A imagem do ídolo é claramente uma

motivação constante para o envolvimento com a música, estimulando o desejo de

aprendizado e, em alguns casos, o estudo aprofundado da arte musical. Percebemos a

influência de artistas famosos principalmente entre crianças e os jovens.

No Brasil, a ausência de uma cultura de educação musical regular nas escolas é um

fato, uma realidade que força os pais interessados em que seus filhos aprendam música a

procurar vias alternativas. Surge a partir daí uma tradição não-formal de estudo, que se

torna possível, na maioria dos casos, somente para aqueles com condições financeiras

favoráveis. O início deste distanciamento entre música e escola formal data da década de

70, quando o ensino de música nas escolas públicas deixou de ser obrigatório. Apesar desta

obrigatoriedade ter sido instituída ainda no século XIX, foi somente na década de 30, com a

criação do SEMA (Superintendência de Educação Musical e Artística), que a educação

musical ganhou destaque no Brasil (Hentschke e Oliveira, 2000). Nessa época, o diretor

dessa instituição, Villa-Lobos, freqüentemente regia pessoalmente apresentações com

milhares de alunos das escolas brasileiras. Porém, após o declínio do canto orfeônico,

Page 17: Auto Aprendizagem Musical

16

prática que fora estimulada por Villa-Lobos, a antiga LDB (Lei 5692) modificou a situação

da educação musical nas escolas públicas:

“A partir de 1971, com a implantação da disciplina Educação Artística, o ensino de música

passou a ser vinculado ao ensino das demais artes, com carga horária de uma hora semanal. Esta

tem sido ministrada por um professor – o educador artístico – o qual recebeu uma formação

básica em música, artes cênicas e artes visuais” (Hentschke e Oliveira, 2000: 49).

Como resultado, tivemos que cada professor trabalhou na área em que tinha

melhores conhecimentos. Maior ênfase foi concedida às artes visuais, e a música acabou

por ficar distante da realidade das escolas.

“Na maioria dos casos, os processos educacionais em música não passam da sensibilização

inicial com a voz e com instrumentos de percussão, perdendo a oportunidade de permitir ao aluno

familiaridade com um campo de conhecimento que envolve atividades de composição, execução

e apreciação” (Hentschke e Oliveira, 2000: 51).

Litto (1983) observou a distinção entre Ensino de Artes e Educação Artística. No

primeiro caso, há uma formação artística dos indivíduos, preparando-os para ser

“produtores de obras com qualidades estética, e dirigidas aos sentidos, às emoções; ou

intérpretes dessas obras, sempre com o foco na criação ou recriação de experiências

estéticas” (Litto, 1983: 96). Esse tipo de formação dá chances aos alunos com facilidades

musicais de desenvolverem suas habilidades em um amplo contexto de atividades, não se

restringindo à sensibilizações básicas que não envolvam exercícios práticos diversificados.

O Ensino das Artes, portanto, pode revelar vocações para a música e ter continuidade,

posteriormente, com a realização de uma carreira artística.

“A Educação Artística, por outro lado, parte do pressuposto de que os interessados nesta área não

têm como finalidade produzir objetos artísticos propriamente ditos, nem interpretá-los em

apresentações públicas, mas, sim, colocar fenômeno e experiência artística ao serviço da

Educação e das experiências terapêuticas” (Litto, 1983: 96).

Page 18: Auto Aprendizagem Musical

17

As aulas de educação artística não têm como objetivo a formação de artistas, mas a

formação de cidadãos. O foco principal é social, pois o processo de transformação interior

dos indivíduos é mais importante do que os produtos artísticos resultantes.

Na nova lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, o ensino

artístico foi novamente inserido como “componente curricular obrigatório, nos diversos

níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”

(Lei 9394, Art. 26, § 2). Ou seja, as artes ainda são parte obrigatória do currículo, com uma

disciplina única sendo utilizada para todas as suas modalidades.

Sem uma organização sólida para a educação musical nas escolas, o estudo da

música ainda ocorre principalmente em meios não-formais, em conservatórios ou com

professores particulares, ou através dos processos de auto-aprendizagem. Com exceção dos

sujeitos que pertencem a grupos religiosos ou a quaisquer outros que estimulem o

envolvimento com a cultura, estes aprendizes não-formais têm nos veículos de massa sua

principal referência para obter informações. A grande quantidade de material sobre música

disponível na atualidade, nas mais diferentes mídias – revistas, livros, vídeos, Internet –

acaba por complementar o aprendizado independentemente se há um programa

determinado por um professor. Enquanto isso, os conteúdos musicais ainda trabalhados nas

escolas se afastaram do cotidiano prático dos alunos. Não se utilizam as possibilidades de

associação com as informações transmitidas através dos meios de comunicação, não se

reconhece a diversidade das situações educativas presentes nas mídias e na vivência

cultural comunitária. A educação informal fornece uma base que os aprendizes aplicam em

sistemas não-formais. Por exemplo, a música presente na vida diária dos jovens raramente é

trabalhada nas salas de aula das escolas de ensino formal, mas invariavelmente faz parte do

aprendizado musical existente em conservatórios e do aprendizado de línguas estrangeiras,

além de ser usada para práticas nos processo de auto-aprendizagem.

Outras formas de aprendizado musical ocorrem nas manifestações culturais

populares, nas quais é comum que crianças sejam inseridas no mundo das práticas adultas,

imitando e recriando os movimentos e gestos, seguindo a estrutura grupal e o

comportamento dos indivíduos. Conde e Neves (1994) examinaram esta questão através de

grupos de Folia de Reis e de Blocos Carnavalescos na cidade do Rio de Janeiro, quando

Page 19: Auto Aprendizagem Musical

18

enfatizaram o incentivo à imitação que serve como uma preparação para que crianças

tornem-se participantes ativos no futuro.

“Na cultura popular não há separação entre o fazer artístico e a própria vida. Não há o tempo e o

espaço da arte, como não há o tempo e o espaço do aprendizado. O fazer artístico é visto como

um meio de expressão e de comunicação, tendo sempre função e significado para a sua

comunidade” (Conde e Neves, 1994: 46).

O aprendizado através da imitação também ocorre com os aprendizes distantes de

círculos comunitários tão ricos culturalmente. Nesta situação, em geral, a música que se

coloca como objeto de estudo é aquela difundida nos meios de comunicação.

“Nos domínios da música popular urbana, a aprendizagem se dá de modo algo mais complexo,

aliando a observação-imitação a trabalho de caráter mais racional, ainda que baseado na idéia da

imitação. É quando, em algum momento do processo de aprendizagem, o aspirante a músico

passa a utilizar um dos muitíssimos métodos de aprendizagem ‘sem mestre’ ou livros de estudo

simplificados. O estudo do violão, em particular, exemplifica isto” (Conde e Neves, 1994: 46).

Os processos de auto-aprendizagem do violão foram pesquisados com adolescentes

de Porto Alegre por Corrêa (2000), que identificou em seu trabalho o uso de uma série de

elementos tecnológicos. Shows apresentados na televisão são colocados como modelos de

referência para os aprendizes, enquanto que tocar junto com a gravação de CDs serve de

auxílio para a sedimentação das músicas estudadas. Foi constatado que o acesso a estas

músicas também ocorre com a transferência de arquivos de MP3 obtidos via Internet, que

“era utilizada como recurso de aprendizagem, como uma espécie de biblioteca, que

dispunha de um vasto acervo de cifras4 e tablaturas5” (Corrêa, 2000: 109). As músicas

cifradas são mais usualmente compradas na forma de revistas especializadas, possibilitando

4 Cifras: sistema usado para dar nome às tríades. A cifra não indica a distribuição interna do acorde no braço do violão, nem explica que notas são. A cifra indica se um acorde é maior ou menor e a nota do baixo (Corrêa, 2000). 5 Tablatura: representa o desenho do braço do violão ou da guitarra com suas cordas e casas. Tem por objetivo possibilitar a visualização de onde colocar os dedos. Geralmente são seis linhas, cada uma representando uma corda do violão. Sobre as linhas, escreve-se os números que representam as casas. Um zero sobre uma linha, por exemplo, indica que a corda correspondente é tocada solta, sem utilizar a mão esquerda para tangê-la (Corrêa, 2000).

Page 20: Auto Aprendizagem Musical

19

o aprendizado das músicas difundidas pelo rádio e pelos videoclipes. Através de seu estudo

Corrêa confirmou que “a prática da reprodução e da imitação vai levando às descobertas,

sedimentando conhecimentos e através da dedução estabelecendo relações” (p.108).

As pesquisas de Corrêa (2000) e Conde e Neves (1994) são exemplos do

distanciamento existente entre a realidade prática do aprendizado musical e o ensino escolar

formal. Os processos de auto-aprendizagem ocorrem neste contexto, originado a partir de

uma tradição em que música não se aprende na escola e que força os interessados a

procurar meios alternativos. As crianças que gostam de música muitas vezes freqüentam

conservatórios ou aulas de professores particulares, o que se torna mais difícil na vida

adulta, geralmente atribulada e sem tempo para a educação continuada. A possibilidade de

aprender de acordo com a própria agenda traz ao auto-aprendizado uma vantagem sobre o

ensino dos professores. Mesmo os indivíduos que estudam em conservatórios podem optar

por uma aprendizagem paralela, visando assuntos de seu interesse que não são trabalhados

com o professor.

Também os indivíduos que procuram avançar para outras etapas educacionais,

prosseguindo em carreiras dedicadas às artes, mantém processos de auto-aprendizagem.

Nos estudos musicais formais em níveis mais avançados, quando há o objetivo de

aperfeiçoamentos através de cursos de pós-graduação nas universidades, especialmente nas

áreas práticas da realização musical, a auto-aprendizagem é um elemento importante. O

estudo acadêmico dá direcionamento à auto-crítica dos alunos, promovendo um ambiente

de trocas e observações mútuas.

“O ensino da prática artística se realiza melhor quanto menos ‘dirigido’ for o curso; a

universidade deve fornecer ao aluno as condições do seu auto-aperfeiçoamento: espaço, materiais

de trabalho, professores e colegas com quem debater técnicas e resultados” (Litto, 1982: 28).

Outras áreas encontradas no ensino superior, relacionadas aos aspectos de reflexão

sobre as artes e o ensino das artes como enriquecimento cultural, são mais próximas de

disciplinas tradicionalmente presentes nos meios acadêmicos, e podem ser “mais facilmente

encaixadas nos currículos universitários” (Litto, 1982: 28). Portanto, aprendizes da prática

musical, preparando-se para ser artistas profissionais, têm uma maior responsabilidade

Page 21: Auto Aprendizagem Musical

20

sobre a própria formação do que os estudantes de campos teóricos das artes, como

historiadores e críticos, que estão mais restritos aos currículos oficiais.

1.2 Aprendizagem Centrada no Aluno

Carl Rogers enumerou princípios de aprendizagem que justificam a importância e a

pertinência dos processos de auto-aprendizagem. Para uma melhor compreensão de nosso

objeto de estudo, podemos citar alguns destes princípios:

“Os seres humanos têm natural potencialidade de aprender.”

“A aprendizagem significativa verifica-se quando o estudante percebe que a matéria a estudar se

relaciona com os seus próprios objetivos.”

“A aprendizagem auto-iniciada que envolve toda a pessoa do aprendiz – seus sentimentos tanto

quanto sua inteligência – é a mais durável e impregnante.”

“A independência, a criatividade e a autoconfiança são facilitadas quando a autocrítica e a auto-

apreciação são básicas e a avaliação feita por outros tem importância secundária.”

(Rogers, 1978, Liberdade para Aprender, citado em Gadotti, 1993: 183).

Segundo estes preceitos, a auto-aprendizagem é possível devido a características

inatas e inerentes ao aprendiz. O indivíduo que decide aprender música sozinho tem total

interesse na matéria e relaciona o estudo com as informações presentes em seu cotidiano.

Procura elementos na sua vida diária que acrescentem e contribuam ao processo. Estabelece

para si as condições para desenvolver seu potencial – objetivando independência,

criatividade e autoconfiança – e combina sentimentos e inteligência para obter resultados.

Os princípios de Rogers defendem a aprendizagem centrada no aluno, enquanto que,

na quase totalidade dos casos, a centralização está no professor (Rogers, 1974). Segundo o

autor, além do potencial para aprender, os seres humanos têm uma tendência básica:

atualizar-se, manter-se e desenvolver-se. Esta tendência à atualização precisa ser

alimentada, para que o dinamismo próprio dos indivíduos possa realizar escolhas e cultivar

suas possibilidades.

Page 22: Auto Aprendizagem Musical

21

Walter Howard, em seu estudo sobre a relação entre a música e a criança, afirma

que a educação existe para trazer à tona faculdades adormecidas dentro de nós, que já nos

pertencem, logo “não se pode ensinar nada a ninguém.(...) Tudo o que podemos fazer é

manter os procedimentos autodidáticos da criança no bom caminho ou recolocá-los em caso

de necessidade” (Howard, 1984: 61). A hipótese central de Carl Rogers é quase idêntica:

“não se pode ensinar diretamente a outra pessoa, pode-se, tão somente, facilitar-lhe a

aprendizagem” (Rogers, 1974). A proposição está de acordo com a visão do professor

como um mediador entre a informação e o aluno, e não um detentor do saber que apenas

repassa a informação. O educador / produtor que organiza materiais para uso em processos

de auto-aprendizagem atua nesta situação. Embora a ausência de um contato direto com o

aprendiz seja um impedimento para eventuais correções e ajustes na aprendizagem, a

produção de materiais antecipa problemas e procura disponibilizar elementos que irão

contribuir para chegar às soluções. Este procedimento, fornecendo ao aprendiz as peças que

ele irá juntar mais tarde, centra a aprendizagem no aluno, forçando-o a desenvolver sua

auto-crítica e a valorizar suas conquistas.

Neste contexto, o papel científico do educador / produtor assume novo significado:

“...ser científico, nesse sentido, quer dizer: livrar os processos autodidáticos de todas as

eventualidades, de todas as tendências unilaterais, de todas as falhas que possam encerrar até que

se tornem um verdadeiro sistema de trabalho exato e completo” (Howard, 1984: 101).

A auto-aprendizagem é uma das formas de aprendizagem mais centradas no aluno

que pode existir. Através do desenvolvimento de sua auto-crítica e de sua auto-apreciação,

o estudante de música recolhe as informações presentes no seu cotidiano – a educação

informal – e nos materiais organizados pelos educadores / produtores, e avalia as opções

disponíveis. A função dos educadores neste processo é selecionar o que se considera

importante e colocar este material diante do “aprendiz que é, em última análise, o principal

responsável para sua própria educação” (Litto, 1997).

Na relação entre o professor e o aluno, a existência do primeiro ocorre como o

“orientador oculto” que produz o material didático ou os meios que viabilizam a

aprendizagem. Usualmente esta relação não existe diretamente, face-a-face, ou acontece de

forma indireta e em espaços não institucionalizados, através de meios tecnológicos: uma

Page 23: Auto Aprendizagem Musical

22

vídeo-aula, por exemplo. O aprendiz que opta por um programa de auto-aprendizagem tem

que enfrentar vários desafios: adquirir um material, organizá-lo e traçar um plano de

estudos, isto é, terá que desenvolver uma pedagogia para sua aprendizagem. Certamente

que, dependendo do assunto em questão, já existem “cursos” prontos que podem ser

adquiridos, mas estes estarão sujeitos a reinvenções e adaptações.

Segundo Demo (2001), “a idéia de uma educação calcada na autonomia do sujeito,

de dentro para fora” se opõe à “propensão da pedagogia atual, fixada no treinamento de

fora para dentro e marcada pela idéia de ensino” (Demo, 2001: 9).

“Ao contrário do ensino, que se esforça por repassar certezas e que são reconfirmadas na prova, a

aprendizagem busca a necessária flexibilidade diante de uma realidade apenas relativamente

formalizável, valorizando o contexto do erro e da dúvida. Pois quem não erra, nem duvida, não

pode aprender” (Demo, 2001: 9).

Esta separação dos conceitos de ensino e aprendizagem é equivalente à separação

das aprendizagens centradas no aluno e no professor. Se a aprendizagem valoriza um

ambiente de tentativa e erro, por sua vez a auto-aprendizagem diminui as cobranças sobre o

aluno, pois ele não é testado pelo professor. A verificação do que foi apreendido pode ser

embutida no programa de auto-aprendizagem, ou pode ocorrer na aplicação real dos

conteúdos: no nosso caso, a realização musical. Os comentários de colegas e outros

músicos podem direcionar a atenção do aprendiz, mas a auto-análise ainda é a sua avaliação

mais concreta e eficiente.

1.3 Quantitativo e Qualitativo

Ao analisar os processos de auto-aprendizagem, percebemos dois casos principais

que, utilizando conceitos de Rubem Alves, podemos chamar de quantitativos e qualitativos.

Alves (1999) utiliza a imagem do piano para exemplificar a diferença entre estas duas

idéias. A fabricação dos pianos é uma ciência quantitativa: os tamanhos, pesos, medidas e

tensões devem ser precisos e exatos. Estas características podem ser descritas na linguagem

Page 24: Auto Aprendizagem Musical

23

científica dos números, pois “a realidade do piano se encontra em suas qualidades físicas”

(Alves, 1999: 124). Este fato torna possível fabricar dois pianos iguais, porque a exatidão

numérica possibilita a repetição. Os critérios utilizados são baseados na observação dos

números: até a afinação do instrumento é feita a partir da quantidade de vibrações das

cordas. Entretanto, quando os pianos são tocados, outra realidade é estabelecida. Embora a

música tenha suas realidades físicas, independentes se há ouvintes ou não, “a realidade da

música se encontra no prazer de quem a ouve” (Alves, 1999: 125). Aqui os pianos são

meios para chegar ao prazer, uma experiência qualitativa que não pode ser medida ou

repetida. Uma interpretação musical jamais será idêntica à outra e cada indivíduo terá uma

sensação / reação diferente.

Alves faz suas colocações para construir uma crítica à ciência, afirmando que tanto

a fabricação de pianos quanto os métodos científicos são estabelecidos com o quantitativo,

usando embasamentos numéricos e considerando apenas o que pode ser medido. Em um

paralelo à culinária, diz que a ciência serve para tratar das receitas: quando os mesmos

ingredientes, nas mesmas quantidades, são colocados nas mesmas condições, o resultado

deverá se repetir. Podemos analisar as receitas baseados em números. No entanto, a ciência

não considera o prazer daqueles que apreciam os alimentos resultantes das receitas porque

este prazer não pode ser medido. Logo muitos outros elementos não relacionados aos

números não poderiam ser considerados pois estão baseados em fatores qualitativos. Apesar

desta crítica à ciência ser a intenção de Alves quando utilizou os termos, iremos transportá-

los para outro sentido.

Proponho uma transposição dos conceitos de quantitativo e qualitativo para a

questão ensino / aprendizagem. Estas idéias são refletidas em dois momentos da

aprendizagem musical: no primeiro há um treinamento puramente técnico, no segundo

existe um desenvolvimento mais amplo. A prática técnica de habilidades instrumentais

possibilita que o aprendiz execute uma tarefa que resulta em som. Este treinamento, no

entanto, prepara o aluno apenas para repetir aquela mesma atividade indefinidamente,

sempre com as operações propostas. É um adestramento mecânico que habilita o indivíduo

a realizar movimentos em uma determinada seqüência ou combinação que têm

conseqüências em um instrumento musical. Como a fabricação de pianos, esta tarefa não

Page 25: Auto Aprendizagem Musical

24

está baseada no prazer da música, mesmo que o aprendiz tenha enorme satisfação em

cumpri-la. O aprendiz desenvolve este aprendizado de forma quantitativa.

Quando há um aprendizado mais amplo, em que o aprendiz não se preocupa apenas

na reprodução da experiência, mas é capacitado a gerar suas próprias experiências, o

aprendizado é qualitativo. Seus dedos, mãos, braços e pernas não somente respondem à

condicionamentos mecânicos mas exteriorizam emoções e sentimentos. O foco é deslocado

para o prazer do ouvinte e de quem toca. Sinais evidentes de desenvolvimento qualitativo

são as capacidades de improvisar, de composição de trabalhos originais e de comentar

criticamente as próprias obras e as de outros.

É importante ressaltar que não colocamos uma divisão da aprendizagem em duas

formas distintas e opostas, pois os momentos observados acima convivem dentro de um

mesmo processo. O qualitativo não existe sem o quantitativo – a música não existe sem o

piano – logo os músicos invariavelmente participam de alguma forma de treinamento

técnico. Para que o instrumentista aprendiz conquiste uma liberdade nas suas interpretações

musicais, tem de passar por estágios iniciais de práticas técnicas, em que suas respostas

físicas aprenderão à obedecer aos seus comandos mentais. Os processos de aprendizado

podem progressivamente ampliar as capacidades do aluno ou fechar o estudo apenas neste

aspecto, diferenciando o estudo que proporciona um treinamento daquele que oferece

formação. A formação musical, além de habilidades motoras, desenvolve a capacidade de

analisar, criticar, recombinar, improvisar e compreender o universo musical mais

amplamente. A formação também dedica diferentes graus de importância ao treinamento

técnico, mas há uma preocupação em situar estas habilidades em um contexto. Quando nos

referimos ao “treinamento simples”, pelo contrário, não existe nenhuma outra intenção

além de capacitar tecnicamente o aprendiz. No mapeamento e nas análises dos capítulos

seguintes desta pesquisa tentaremos diferenciar situações em que estão presentes aspectos

quantitativos e qualitativos.

A mesma questão abordada nos parágrafos acima foi colocada por Cavalieri França

(2000) nos seguintes termos:

“Podemos delinear tanto o fazer musical quanto o desenvolvimento musical, como ocorrendo em

duas dimensões complementares: a compreensão musical e a técnica. Consideramos a

compreensão como o entendimento do significado expressivo e estrutural do discurso musical,

Page 26: Auto Aprendizagem Musical

25

uma dimensão conceitual ampla que permeia e é revelada através do fazer musical. As

modalidades centrais de comportamento musical – composição, apreciação e performance – são,

portanto, indicadores relevantes da compreensão musical, as ‘janelas’ através das quais esta pode

ser investigada. A técnica, por sua vez, refere-se à competência funcional para se realizar

atividades musicais específicas, como desenvolver um motivo melódico na composição, produzir

um crescendo na performance, ou identificar um contraponto de vozes na apreciação.

Independentemente do grau de complexidade, à técnica chamamos toda uma gama de habilidades

e procedimentos práticos através dos quais a concepção musical pode ser realizada, demonstrada

e avaliada” (Cavalieri França, 2000:52).

Tais observações ressaltam a importância de realizar atividades diversificadas na

aprendizagem musical, para que haja um equilíbrio nas competências do indivíduo e isto

possa ser refletido tanto no seu trabalho de composição quanto na apreciação e na

performance. A organização de qualquer estudo musical deve considerar os objetivos

pretendidos neste sentido, e portanto “é imprescindível desvencilharmos o nível técnico

envolvido em uma atividade e o nível de compreensão musical que é promovido através da

mesma. Uma atividade tecnicamente complexa pode não envolver (e desenvolver) um nível

mais elevado de compreensão musical, e vice-versa” (Cavalieri França, 2000:60).

A performance, ou seja, a prática com os instrumentos musicais, provavelmente é a

modalidade do fazer musical em que existem mais cobranças sobre a técnica.

“A performance instrumental carrega uma pesada tradição: o concertista virtuose aparenta ser o

paradigma do músico e do fazer musical. Isto pode contribuir para perpetuar uma concepção de

ensino tradicional que tende a enfatizar o desenvolvimento técnico instrumental e a tradição

musical escrita em detrimento de um fazer musical mais expressivo, consistente e musicalmente

significativo. As demandas do repertório instrumental freqüentemente pressionam os alunos além

do limite técnico que eles dominam. Nessas circunstâncias, o ensino pode resultar em um mero

treinamento, que não oferece oportunidade para decisão criativa e exploração musical expressiva.

Todo o prazer e a realização estética da experiência musical podem ser facilmente substituídos

por uma performance mecânica, comprometendo o desenvolvimento musical dos alunos. Não

raro, sua performance resulta sem um sentido musical, sem caracterização estilística, sem

refinamento expressivo e/ou coerência” (Cavalieri França, 2000:59).

Embora muitos aprendizes não sejam condicionados pelo concertista virtuose, uma

figura mais ativa nos universos da música erudita, a valorização da técnica como sinônimo

Page 27: Auto Aprendizagem Musical

26

de saber tocar um instrumento existe em diversos campos musicais. Mesmo sabendo que os

conhecimentos sobre a técnica devem estar presentes nos objetivos dos estudos diários, a

formação dos indivíduos não pode limitar-se a ela, pois uma série de outros elementos

relacionados à compreensão musical também são vitais. Estes elementos são

essencialmente qualitativos e estão tão relacionados com saber ouvir quanto com o saber

tocar música.

Para atingir este nível de compreensão musical, é necessário um envolvimento

profundo não somente do aluno, mas também do professor, como indica Gainza (1988):

“...é preciso reconhecer que o domínio da matéria musical não basta se não está unido ao

interesse, ao entusiasmo e à convicção da utilidade daquilo que se está transmitindo. Isso é o que

conforma o espírito pedagógico. Apenas no contexto de uma atitude positiva e benéfica é que a

técnica pedagógica poderá atuar, integrando e instrumentalizando de maneira precisa os

diferentes aspectos da experiência musical” (Gainza, 1988: 94).

A técnica pedagógica se fundamenta nos mecanismos que regem o desenvolvimento

das etapas necessárias para atingir metas educacionais. Podemos considerar os treinamentos

quantitativos como parte destas etapas. Já o espírito pedagógico faz o aprendiz apreciar

tanto as metas a alcançar como os caminhos que conduzem a elas. Esta maneira de pensar é

favorável ao desenvolvimento da compreensão musical pois valoriza algo mais do que um

simples resultado musical técnico.

Devemos observar que a música é ambivalente: provoca tanto a paixão como o

ódio6. Este antagonismo ocorre na apreciação de uma obra musical, no ato de compor e

interpretar esta obra, e nos processos de aprendizagem. Principalmente nessa última área,

experiências inadequadas podem criar uma aversão ao estudo musical e não proporcionar

ao aprendiz a chance de aproximar-se dos sentimentos positivos da música. Por isso o

espírito pedagógico é tão importante: ele assegura que o aprendizado das notas estará

acompanhado de prazer e paixão.

Acreditamos que um espírito pedagógico possa existir nos processo de auto-

aprendizagem e, neste caso, há uma contribuição para a formação dos aprendizes. Se tanto

6 A ambivalência de sentimentos provocados pela música foi discutida por Violeta Hemsy de Gainza na abertura do Seminário Internacional de Educação Musical, no Instituto Cultural Itaú de São Paulo, em 27 de novembro de 2001.

Page 28: Auto Aprendizagem Musical

27

a preparação do meio transmissor, realizada pelo educador / produtor, quanto a dedicação

do aluno que utiliza este material estiverem direcionadas neste sentido, pode-se chegar ao

ambiente necessário. Quando a educação está calcada na autonomia do sujeito, o processo é

positivo, entusiasta, curioso, criativo, progressista, flexível, comunicativo, inquieto – todos

atributos utilizados por Gainza para descrever o espírito pedagógico. Os aspectos

relacionados ao prazer, participação e motivação são igualmente colocados como essenciais

para um aprendizado eficiente. “Educar-se na música é crescer plenamente e com alegria.

Desenvolver sem dar alegria não é suficiente. Dar alegria sem desenvolver tampouco é

educar” (Gainza, 1988: 95).

Vários autores defendem a alegria no estudo como um dos elementos primordiais

para uma educação eficaz. Além do já citado Rubem Alves, George Snyders é outro

exemplo. Snyders (1997) sugere que devemos estimular os alunos a descobrir as “alegrias

culturais”, e que neste processo a música tem enorme importância:

“É na música que os jovens vivem mais intensamente a emoção estética; é por isso que sonho que

a alegria musical possa ser a porta de entrada para a alegria cultural escolar, mesmo e sobretudo

para aqueles que não conseguiram abrir as outras portas” (Snyders, 1997: 160).

Um dos pontos importantes da contribuição de Snyders para as teorias da educação

é defender a “liberação do ser natural” que é a criança, deixando-a realizar sua “natureza

humana” livremente (Gadotti, 1993: 305). Estas idéias vão ao encontro das colocações de

Carl Rogers, ou seja, que o desenvolvimento é inerente ao ser humano e que pode apenas

ser facilitado. Algumas características na “natureza humana” das crianças podem nos

ensinar muito sobre os processos de auto-aprendizagem, como a curiosidade e a

perspicácia. Quando adultos, nós perdemos parcialmente estas qualidades desbravadoras,

destemidas, arrojadas, que conduzem a grandes descobertas. Na aprendizagem musical, a

sagacidade se torna evidente quando observamos a reação das crianças à cada novo timbre

conseguido em um instrumento, sem hesitações ou receios de produzir música ruim. Há

uma entrega completa à experiência, fazendo dela uma diversão, uma brincadeira

prazerosa. Espontaneamente, o espírito pedagógico é estabelecido.

Segundo Snyders, criar situações para que o aluno se desenvolva significa fazer com

que ele descubra a “alegria musical”, que “atinge seu grau mais intenso e mais irrefutável

Page 29: Auto Aprendizagem Musical

28

na escuta elaborada de obras-primas” (Snyders, 1997: 20). O autor destaca a “mutação

tecnológica no ensino da música” como um avanço importante, já que no passado era

impossível admirar obras que chegavam deformadas por condições de recepção medíocres.

As inovações tecnológicas possibilitaram, além da reprodução do som em alta-fidelidade, a

visualização dos gestos de maestros e instrumentistas. Tornou possível também isolar ou

repetir determinadas passagens de uma obra, facilitando sua análise e estudo. Todas as

colocações de Snyders sobre a alegria escolar proporcionadas pelas obras-primas estão

baseadas no progresso técnico moderno, logo podemos identificar aqui elementos valiosos

para compreendermos o papel da tecnologia como estímulo à auto-aprendizagem musical.

As tecnologias que iremos investigar nesta pesquisa são, portanto, novos meios de

chegar às “alegrias musicais”. Representam uma continuidade das mutações nos processos

de ensino / aprendizagem a que Snyders se referiu. Independente de uma discussão sobre

quais seriam as verdadeiras obras-primas, colocando em oposição “a grande música”, ou

seja, a música erudita, que usualmente é identificada com o primor musical; e estilos

populares como o rock, massificado intensamente entre os jovens, Snyders indica que,

qualquer seja o estilo, a experiência estética e a apreciação musical podem ser

desenvolvidas a partir da escuta atenta e crítica. As informações disponibilizadas através do

rádio, da televisão, da Internet e demais tecnologias modernas, por apresentar alta

qualidade de transmissão, constituem um avanço significativo no encontro da alegria.

1.4 Inteligência Musical

Podemos identificar três grupos principais de alunos nos processos de aprendizagem

musical: o primeiro deles é das crianças, que possivelmente estarão em seus primeiros

contatos com a música – fato que carrega uma enorme importância pois há a possibilidade

de se criar sentimentos duradouros de prazer ou de aversão. O segundo grupo é dos

estudiosos da música propriamente ditos, instrumentistas, intérpretes, compositores e

teóricos acadêmicos que praticam, desenvolvem e refletem sobre atividades no universo

musical. O terceiro grupo é da população em geral, não envolvida diretamente com a

Page 30: Auto Aprendizagem Musical

29

produção da música, mas que a aprecia e gostaria de aprender mais a respeito. Os diletantes

podem ou não dominar um instrumento musical, mas não exercem nenhuma atividade

profissional ou de pesquisa aprofundada relacionada à música. A organização proposta é

simples e não pretende abranger todos os casos possíveis, mas será válida para nossas

análises futuras.

Estes três grupos podem manter ligações diversas com os sistemas de educação

formal, não-formal e informal. O posicionamento sócio-econômico dos indivíduos afeta o

acesso às informações presentes nestes sistemas e consequentemente às possibilidades de

engajamento em estudos musicais. Logo os mecanismos utilizados na educação podem

variar proporcionalmente à situação de vida dos aprendizes. No entanto, podemos assinalar

alguns momentos normalmente encontráveis na aprendizagem de cada um dos três grupos.

Os processos de musicalização nas crianças têm o objetivo de, através de jogos e

brincadeiras, desenvolver a sensibilidade e criar as primeiras noções de ritmo. Esse

momento é marcado pela total ausência de preconceitos que possam interferir nos

trabalhos. A experimentação com diferentes fontes sonoras é importante, usando a

curiosidade característica da idade para descobertas nos modos de expressão e no

reconhecimento auditivo das sonoridades. Após este trabalho inicial com os conceitos

básicos existem novas metas para os estudos, usualmente voltadas ao desenvolvimento

técnico em um instrumento musical e para um maior refinamento na apreciação artística.

Nessa fase posterior vários campos compõem a aprendizagem, juntando a prática de

performance com a teoria musical, assim como estudos de composição, arranjo, história e

outros assuntos, em um processo que poderá culminar em uma vida acadêmica dedicada à

música.

Temos então o primeiro grupo de aprendizes musicais – formado por crianças – se

subdividindo nos outros dois: estudiosos e diletantes. Estes últimos, que não se dedicam

seriamente ao estudo da música, mas que procuram uma formação cultural mais

aprofundada, podem desenvolver a arte musical em diferentes situações: como músicos

semi-profissionais, ocasionalmente tocando para públicos abertos; como músicos caseiros,

tocando restritamente para os círculos familiares e amigos; ou simplesmente como

ouvintes, investigando a produção e a história musical. Em muitos casos os diletantes

podem ser considerados iniciantes musicais como as crianças, mas conforme a diferença

Page 31: Auto Aprendizagem Musical

30

nas idades, o processo de musicalização poderá ser outro. Os objetivos dos estudos

musicais de cada indivíduo deste grupo podem variar bastante, mas todos têm em comum

um interesse não-profissional pela música, mantendo outras atividades para assegurar sua

remuneração financeira.

Grupos tão distintos e com necessidades tão diversificadas ainda apresentam uma

outra variável a ser considerada – a facilidade musical de cada aluno. Howard Gardner

identificou esta facilidade, em sua teoria das inteligências múltiplas, com o nome de

inteligência musical. Nesta teoria, Gardner (1994) indica evidências de que existem

diversas competências intelectuais humanas relativamente autônomas. Na vida cotidiana,

estas diferentes formas de inteligência trabalham em harmonia, então sua autonomia pode

se tornar invisível. A teoria das inteligências múltiplas visa, na medida do possível, isolar

estas inteligências para demonstrar sua existência.

Na introdução de seu livro Estruturas da Mente, Gardner (1994:9) admite que,

apesar da idéia das inteligências múltiplas ser antiga, ela dificilmente é um fato científico

comprovado e portanto pode apresentar falhas. É apenas uma idéia que o autor considera

merecedora de discussão e análise profunda. No entanto, a noção de inteligência musical

vem de encontro ao nosso objeto de pesquisa e acreditamos que pode contribuir para nossa

investigação.

Além da inteligência musical, os estudos iniciais de Gardner indicam a existência de

outras seis formas de inteligência: lingüística, lógico-matemática, espacial, corporal-

cinestésica, interpessoal e intrapessoal. A inteligência lingüística é o tipo de capacidade

melhor demonstrada pelos poetas. A lógico-matemática é exemplificada pelos cientistas,

assim também, como o nome indica, pelas capacidades lógicas e matemáticas. A espacial se

refere aos indivíduos que têm grande habilidade em formar modelos mentais de um mundo

espacial, como marinheiros, engenheiros, cirurgiões, escultores e pintores. A inteligência

corporal-cinestésica está relacionada à capacidade de resolver problemas ou elaborar

produtos com o próprio corpo, como fazem dançarinos, atletas e artistas performáticos. As

duas últimas inteligências citadas são as pessoais: a interpessoal é a capacidade de

compreender os outros, assim como fazem bons vendedores, políticos, professores e líderes

religiosos; a intrapessoal tem o mesmo conceito voltado para dentro do próprio indivíduo,

ou seja, a capacidade de compreender suas próprias motivações, sentimentos e emoções.

Page 32: Auto Aprendizagem Musical

31

Outras possíveis inteligências posteriormente foram discutidas, a mais proeminente sendo a

emocional7, permanecendo o campo aberto à polêmicas e especulações.

A tentativa de Gardner em demonstrar a inteligência musical envolve uma discussão

no sentido de contextualizar o problema. Uma série de variáveis devem ser consideradas na

análise de habilidades musicais, a começar pelo ambiente cultural em questão, já que “a

extensão na qual o talento é expresso publicamente dependerá do meio no qual se vive”

(Gardner, 1994: 79). Em várias regiões do planeta o desenvolvimento musical é

extremamente valorizado, estimulando a sensibilidade das crianças desde muito cedo, em

alguns lugares desde a primeira semana de vida. Exemplos deste caso podem ser

encontrados na África, enquanto que em países como China, Japão e Hungria espera-se que

todos as crianças sejam proficientes em canto e, se possível, em instrumentos musicais

(Gardner, 1994: 86). Há uma consideração também em relação aos diversos papéis que os

indivíduos podem assumir frente à música, em uma referência aos grupos colocados

anteriormente – crianças, estudiosos e diletantes. É sugerida uma “hierarquia de

dificuldades” nestes papéis, onde os trabalhos de interpretação musical exigiriam mais do

que a audição, e os trabalhos de composição musical exigiriam mais do que os de

interpretação. Ou seja, os estudiosos envolvidos com a composição possivelmente

enfrentariam mais dificuldades do que aqueles que interpretam, e os diletantes que

executam algum instrumento musical teriam mais problemas do que os meros ouvintes. É

colocado, por último, que certos tipos de música, como as chamadas “formas eruditas”,

seriam menos acessíveis do que outros, como as formas folclóricas e populares.

A relação entre a música, o sujeito e o meio no qual ele vive é vital para se

compreender as habilidades ou facilidades musicais demonstradas. Na observação de uma

situação educacional propícia, em que um grande número de crianças desenvolve alto grau

de musicalidade, surge a idéia de que “a aquisição musical não é estritamente um reflexo de

habilidade inata, mas é suscetível a estímulo e treinamento cultural” (Gardner, 1994: 88).

No entanto, Gardner afirma que “se houvesse qualquer área de conquista humana na qual

valesse a pena ter um background genético profuso ou adequado, a música seria um

competidor formidável” (p.88). O autor assinala que em certas famílias há uma

7 Goleman, Daniel. (1996). Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. São Paulo: Editora Objetiva.

Page 33: Auto Aprendizagem Musical

32

continuidade artística – Bach, Mozart e Haydn são exemplos – e coloca que

“provavelmente uma linha de evidência mais persuasiva venha de crianças que, na ausência

de um ambiente familiar hospitaleiro apresentam-se inicialmente como capazes de cantar

muito bem, reconhecer e lembrar de inúmeras melodias, tirar de ouvido num piano ou em

outro instrumento” (p.88).

A despeito da discussão sobre a natureza genética das habilidades musicais, indícios

de ordem neurológica apontam para aptidões musicais independentes. Embora Gardner

considere a tentação de estabelecer analogias entre a música e a linguagem humana, seus

estudos sobre atividades cerebrais indicam que as tarefas envolvidas nestas áreas (e em

outras) utilizam diferentes partes do cérebro. Enquanto as capacidades lingüísticas são

usualmente localizadas no hemisfério esquerdo, as musicais situam-se no lado direito.

Diversas análises de indivíduos que tiveram danos cerebrais também são reveladores: há

exemplos de pessoas que se tornaram afásicas, tendo problemas para compreender o que

outros dizem e para expressar seus próprios pensamentos, mas mantém sua capacidade

musical intacta, conseguindo identificar peças musicais e se expressar através de um

instrumento musical. Em outros casos sujeitos perdem a capacidade de ler palavras mas

ainda podem decifrar notação musical, sugerindo que símbolos de representação verbais e

musicais são processados pelo sistema nervoso de diferentes formas (Gardner, 1999a: 276-

8). Todos estes fatos são fortes argumentos para sustentar a afirmação de que existe uma

inteligência musical autônoma em relação aos outros tipos de inteligência.

Além de danos cerebrais, talentos musicais incomuns também foram pesquisados.

Wolfgang Amadeus Mozart foi o centro de uma série de estudos sobre prodígios musicais

realizados por Gardner (1999a: 301-8; 1999b: 167-76), discutindo a natureza de suas

capacidades. Porém, ao invés de opor fatores genéticos e neurológicos aos fatores de

ambientação cultural envolvidos, o autor coloca a combinação de todos estes como uma

possível explicação para as grandes facilidades de aprendizagem.

As implicações educacionais da teoria das inteligências múltiplas, sob a visão de

Gardner, estariam na possibilidade de identificar o perfil intelectual de um indivíduo e

direcionar seu aprendizado no sentido de aumentar suas oportunidades. As capacidades

relacionadas à cada uma das inteligências poderiam ser usadas como meios para adquirir

informações, mesmo que estas informações sejam destinadas à outras capacidades. Por

Page 34: Auto Aprendizagem Musical

33

exemplo, se aprendemos a calcular, mesmo que o meio de transmissão seja de natureza

lingüística, o conhecimento a ser adquirido é matemático. Assim, é possível afirmar que

“nossas várias competências intelectuais podem tanto servir como meios quanto como

mensagens, como forma e como conteúdo” (Gardner, 1994: 255).

Diversas pesquisas, muitas das quais desenvolvidas pelo Projeto Zero – organização

dirigida por Gardner na Universidade de Havard – vêm investigando o uso da música nas

escolas regulares para estimular outras inteligências, dando origem ao termo “Mozart

effect” 8. Esta idéia supõe que, após escutar uma sonata de Mozart, os alunos melhoram suas

capacidades espaciais, comprovadas em testes como a realização mental da rotação e da

comparação de objetos no espaço. Outros testes concluem que meses ou anos de lições de

piano também contribuem para um melhor desempenho em raciocínios espaciais e para o

aprendizado de línguas. Os pesquisadores ainda debatem se o tipo de música é um fator

diferencial, já que resultados mostram que com a escuta de Mozart, Schubert e

Mendelssohn os alunos obtém um desempenho melhor do que com outros estilos, como o

rock ou a música minimalista. Porém, o importante é a constatação de que o

desenvolvimento de uma capacidade gera conseqüências em outras capacidades.

Para a aprendizagem musical, e em especial para determinar planos de auto-

aprendizagem, os indivíduos devem considerar todas as suas habilidades intelectuais para

reconhecer quais meios serão mais efetivos. Para transmitir informações sobre música,

além da inteligência musical, outras inteligências podem ser utilizadas. Por exemplo,

podemos ler livros ou ouvir uma palestra (lingüística), estudar gráficos que representam

sons (espacial) ou relações matemáticas nas escalas musicais (lógico-matemática). E, em

especial, pode-se destacar a importância das inteligências pessoais. A intrapessoal é exigida

quando o aprendiz procura conectar suas emoções e estados de espírito à música que ele

estuda, seja para apreciar a interpretação de outros ou para enriquecer a sua própria. A

sensibilidade interpessoal pode ser tão importante quanto as habilidades técnicas

trabalhadas no aprendizado de instrumentos musicais. De nada adianta a destreza se o

aprendiz não consegue interagir com o mundo. A prática musical usualmente requer algum

tipo de interação, seja entre músicos, entre o músico e uma platéia ou entre o músico e

8 “Debating the Mozart Theory”, artigo de Roberta Hershenson. New York Times (www.nyt.com), 6/8/2000.

Page 35: Auto Aprendizagem Musical

34

aparatos tecnológicos. O sujeito que não possui as habilidades interpessoais necessárias terá

dificuldades em negociar estas interações.

Devemos reconhecer a importância da música na formação da personalidade dos

indivíduos, principalmente entre os jovens. Perceber e valorizar as músicas que são

usualmente encontradas entre os adolescentes é uma vantagem, pois assim podemos

compreender melhor as relações entre grupos de diferentes faixas etárias e as razões para o

privilégio de certos estilos musicais em detrimento de outros.

“A música, de acordo com os sociologistas, é um aspecto da organização em grupos. É em seus

grupos que os adolescentes aprendem as regras do jogo social (‘obtém competência no domínio

interpessoal’) e desenvolvem identidade sexual e posicionamentos sociais; é nos grupos que eles

aprendem como tratar publicamente de seus sentimentos privados. Em termos sociológicos, todos

os adolescentes têm estes problemas, todos os adolescentes passam por grupos, todos os

adolescentes usam a música como um distintivo e um ambiente, uma forma de identificar e

articular emoção. (...) Quaisquer sejam as diferenças materiais entre os jovens, eles ainda têm

mais problemas em comum entre si do que com os adultos de sua mesma classe e sexo – daí a

ressonância da música rock, um som de interesse para todos os jovens, como os números de

vendagens [de discos] demonstram” (Frith, 1981: 217).

Chegamos então a um ponto de interação entre a categoria da auto-aprendizagem e a

da inteligência musical quando detectamos alguns problemas na auto-aprendizagem

musical: o aluno que aprender sozinho e continuar sozinho terá problemas em expressar sua

musicalidade, o que pode eventualmente levar a um “congelamento” de suas capacidades.

O receio de interagir em apresentações públicas ou de fazer uma apreciação crítica sobre a

própria performance podem ser conseqüências de um possível isolamento causado por

questões de ordem interpessoal. Quando o aprendiz decifra os códigos da música sem

nenhuma orientação externa direta, ele mesmo assume a tarefa de reconhecer as situações

em que pode desenvolver suas interações com o mundo. Nos processos educacionais em

que há um professor fisicamente presente, a contribuição desta figura para desenvolver os

aspectos interpessoais é evidente. Se não há um professor para interagir, o aprendiz

usualmente elege modelos que irão servir como referência, seja em comportamentos ou

direcionamentos musicais.

Page 36: Auto Aprendizagem Musical

35

Neste sentido, podemos afirmar que a auto-aprendizagem envolve de algum modo a

presença de “mestres”. São os modelos observados pelos aprendizes, que podem ser, por

exemplo, os educadores / produtores que organizam materiais educativos, os artistas que o

aprendiz admira ou uma obra-prima – como pretende Snyders – que serve de alvo para

imitações. A definição deste “mestre” acontece na escolha dos meios e conteúdos utilizados

no auto-aprendizado. O processo ocorre então como uma reconstrução das informações

procuradas nestes modelos.

“normalmente reconstruímos conhecimento, porque partimos do que já conhecemos,

aprendemos do que já está disponível na cultura; a construção do conhecimento também pode

ocorrer, mas é um passo de originalidade acentuada, dificilmente aplicável ao dia-a-dia” (Demo,

2001: 8).

A reconstrução do conhecimento pode se dar de diversas maneiras, envolvendo

diferentes capacidades intelectuais. Em nossa pesquisa, destacaremos as várias alternativas

de acesso à informação oferecidas na auto-aprendizagem e iremos demonstrar que uma

maior individualização nos processos de aprendizado, possibilitada ou ampliada pela

tecnologia, contribui imensamente para que um direcionamento educacional guiado pelas

inteligências múltiplas possa ocorrer.

Page 37: Auto Aprendizagem Musical

36

CAPÍTULO 2 – TECNOLOGIA E MÚSICA

2.1 Um pouco de história

“Sem a tecnologia, a música popular não existiria em sua presente forma” (Jones, 1992 : 1).

Podemos estender a afirmação acima à praticamente todas as formas de

manifestação musical encontradas no mundo moderno. O desenvolvimento tecnológico

sempre teve ampla influência na música, seja nos seus mecanismos de produção,

distribuição, ou mesmo em seus estilos e tendências. Qualquer indivíduo relacionado à

música é invariavelmente requisitado a um envolvimento com a tecnologia, travando

contato com um linguajar que se estende desde o mero manuseio de um aparelho de som

(com termos como equalizador, rádio FM e AM, e palavras em inglês como play, dubbing e

loudness) até ao funcionamento de complexos processadores digitais de som (utilizando

palavras como decibel, bias, compressor e noise gate). Chegamos a este estágio através de

uma história tecnológica que se confunde com o percurso traçado pela própria música,

culminando com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e com a criação

do complexo sistema da indústria fonográfica.

Costuma-se dizer que a história da música é tão antiga quanto a humanidade, mas o

fato é que os primeiros fenômenos musicais se evaporaram sem um registro documentado.

Logo, apesar de não podermos precisar o momento exato de seu surgimento, não é difícil

imaginar o homem Neandertal brincando com a descoberta de novas sonoridades ao acaso.

Segundo Dearling (1996), os primórdios do que podemos chamar de música estão nas

vocalizações – gritos – em que o homem primitivo chegou a diferentes notas, após o

reconhecimento de sons característicos de cada mensagem que tencionava comunicar. Nas

festividades comemorativas, somam-se aos cantos e gritos o estampido do bater de palmas,

assim como a sonoridade extraída de várias partes corporais. É possível que o ritmo

advindo do corpo tenha sido imitado pelo primeiro “instrumentista”, percutindo um tronco

com pedaços de madeira, criando dessa forma o primeiro instrumento musical.

Page 38: Auto Aprendizagem Musical

37

A partir daquele instante começava a saga de aprimoramento dos instrumentos, e

percebemos o primeiro efeito real de uma tecnologia mais refinada no aperfeiçoamento dos

mesmos, através da melhoria técnica dos luthiers9 – nome dado aos fabricantes artesanais

de instrumentos – que desenvolviam trabalhos na madeira para chegar a resultados sonoros

mais satisfatórios. Antonio Stradivari (1644-1737) é considerado o expoente máximo desta

arte. Sua produção resultou em mais de mil instrumentos, dos quais atualmente se

conhecem aproximadamente 400 violinos, 16 violas e 39 violoncelos. A importância de

Stradivari está não somente na sua enorme habilidade manual e na sua acertada escolha de

madeiras, mas também nas modificações feitas por ele no desenho dos instrumentos

(UNICEF, 1976).

A tecnologia obteve grande significado na música quando a eletricidade foi adotada

pelos inventores musicais, a quem podemos chamar de luthiers do nosso tempo. Embora

seu trabalho fosse de uma natureza completamente distinta, o objetivo dos pesquisadores do

século XX também era o de aperfeiçoar instrumentos musicais com a aplicação do

conhecimento. Suas ferramentas conceituais, além de considerar os aspectos acústicos dos

instrumentos, incluem as inovações tecnológicas da época. Muitas vezes deste esforço

resultam criações com características totalmente novas. Dessa forma, como foi colocado

por Iazzetta (1997), o papel dos luthiers, que tradicionalmente pouco tinha a ver com o

processo de composição ou interpretação, passou a se mesclar com essas atividades.

Podemos citar exemplos que datam do início do século XX. A notícia de um dos

primeiros instrumentos baseados no uso da eletricidade, o Dynamophone ou

Telharmonium, construído por Thaddeus Cahill, chegou à imprensa em 1906. Segundo

Dearling (1996), a invenção não foi então valorizada por estar a frente de seu tempo, mas

anos mais tarde outros pesquisadores retomaram muitas idéias introduzidas por este

aparelho. O primeiro instrumento eletrônico a ser fabricado em série, o Theremin, seria

apresentado pelo russo Leon Theremin em 1920 e comercializado pela RCA a partir de

1929. O Theremin seria posteriormente resgatado por bandas de rock. Ele pode ser

observado no filme “The Song Remains the Same”, do grupo Led Zeppelin, na década de

70; e no Brasil, com o grupo Pato Fu, que o utilizou em 2001 para a gravação da faixa

9 O termo “lutherie” inicialmente era utilizado para designar somente a construção de instrumentos de arco, como o violino e o violoncelo. Atualmente seu uso popularizou-se para todas as famílias de instrumentos.

Page 39: Auto Aprendizagem Musical

38

“Eu”. O vídeo promocional desta música mostra a performance do instrumento e representa

um episódio verídico: o seqüestro de Leon Theremin pela KGB para que desenvolvesse

equipamentos para a inteligência russa.10

Porém, todas as tentativas de lucrar financeiramente com aqueles aparelhos

musicais na época em que surgiram foram em vão. O primeiro instrumento eletrônico a

alcançar sucesso comercial foi o órgão Hammond, desenvolvido por Laurens Hammond e

introduzido no mercado em 1935. “Por muitos anos, as pessoas falavam ‘Hammond’

quando queriam dizer ‘órgão eletrônico” (Chadabe, 1997: 13).

Posteriormente, outros experimentos surgiram e diversos instrumentos

tradicionalmente acústicos seriam eletrificados, como o piano, o órgão, a guitarra e o

violino. Um dos novos recursos a destacar-se era o da amplificação, que permitia a

produção de uma maior intensidade sonora e em conseqüência um alcance para audiências

mais numerosas. Dessa forma, a música passou dos pequenos ambientes aos grandes bailes

e chegou aos megaconcertos da atualidade. Também surgia a possibilidade de distorções

controladas e alterações dos timbres, que criavam opções para novas sonoridades. Shuker

(1998) assinalou que, embora a amplificação tenha sido responsável por novos

instrumentos musicais, como a guitarra elétrica, e por novos estilos, como o blues elétrico,

a não-amplificação é muitas vezes associada à uma ideologia de autenticidade. A discussão

relacionada ao que é autêntico iria, mais tarde, colocar em oposição os conceitos de

comercialismo e criatividade, em que muitas vezes a amplificação seria ligada ao valor

unicamente comercial da música.

Dearling (1996) considera que a inovação tecnológica de maior destaque para a

evolução da eletrônica na música foi o telefone, criado por Alexander Graham Bell, em

1876. Ela comprovou que o som poderia ser transformado em sinais elétricos e vice-versa,

estreitando a relação entre tecnologia e arte e abrindo caminhos para a gravação do som e

para os meios de comunicação de massa.

10 “Clipe do Pato Fu traz som do Theremin”, Folha de São Paulo, cad. Folhateen, 14 de maio de 2001, p. 8.

Page 40: Auto Aprendizagem Musical

39

2.2 O Registro do Som

A história da gravação sonora começa em Julho de 1877, quando Thomas Edison

patenteou o fonógrafo, o primeiro aparelho que registrava e tocava o som gravado, usando

folhas de estanho sobre um cilindro como o meio no qual sulcos eram cortados por uma

agulha. Chamado inicialmente de talking machine (ou máquina falante), o uso imediato

previsto para aquele aparato era gravar a voz humana, e não música. Apesar do sucesso que

o fonógrafo rapidamente conquistou, alguns problemas limitavam a sua popularidade: a

falta de fidelidade, seu limite de freqüência e a pequena quantidade de gravações

disponíveis. No Brasil, a primeira demonstração do fonógrafo ocorreu em 1879, em Porto

Alegre, apenas dois anos após a sua invenção (Tinhorão, 1981).

O próximo degrau evolutivo foi galgado por um rival de Edison: Alexander Graham

Bell. Com o auxílio de seu irmão Chichester e do professor Charles Sumner Tainter, Bell

patenteou, em 1886, o grafofone. A principal diferença em relação ao fonógrafo estava no

sistema de registro, que utilizava papelão recoberto com cera ao invés das folhas de

estanho. Também havia um sistema que amplificava a reprodução através de um jato de ar

comprimido, assim como um mecanismo que permitia que o cilindro fosse acionado em

rotações diversas. O grafofone estimulou Edison a aperfeiçoar o fonógrafo, e em 1889 um

novo modelo era apresentado na Exposição Universal de Paris. Esta outra versão do

aparelho foi utilizada pela primeira vez no Brasil naquele mesmo ano de 1889, em uma

sessão demonstrativa que contou, entre outros, com a presença do Imperador Dom Pedro II

e de sua filha Princesa Isabel (Tinhorão, 1981).

Em 1888 o alemão Émile Berliner criou o gramofone, registrando o som em discos

metálicos. A principal inovação do novo sistema era a possibilidade de duplicar os discos a

partir de uma “master”, ou seja, determinado material precisava apenas de uma gravação –

as cópias seguintes seriam tiradas daquele primeiro molde.

“O processo de duplicação de Berliner abriu o caminho para a música gravada como nós a

conhecemos agora, em que permitiu que a mesma performance fosse transferida economicamente

e com pouca ou nenhuma perda de fidelidade para centenas e milhares de discos” (Jones, 1992:

25).

Page 41: Auto Aprendizagem Musical

40

Ao gramofone é atribuído o primeiro contato dos indígenas brasileiros com os

ritmos urbanos da era do disco.11 Mais tarde, surgiriam as gravações magnéticas,

conseguidas por Graham Bell entre 1879 e 1885 mas viabilizadas de fato pelo inventor

dinamarquês Valdemar Poulsen em 1898. O uso da fita magnética, aperfeiçoado em vários

aspectos, foi o principal sistema de gravação sonora utilizado até recentemente, quando a

gravação digital difundiu-se (Jones, 1992).

Os sistemas de gravação e reprodução sonora mantiveram uma evolução constante

durante o século XX, criando novas vias de acesso à produção musical. Durante a década

de 20, o fonógrafo acústico se tornou elétrico, e no final dos anos 40, com o processo de

microssulcos desenvolvido pela Columbia Records e pela RCA, surgia o disco moderno

(LP). Até aquele momento, os discos de 78 rpm (rotações por minuto) eram o padrão, com

um tempo máximo de gravação de 3 minutos em cada lado. Com o LP de 33 ½ rpm, esta

duração aumentou para 23 minutos. Também existiam discos de 45 rpm, com a duração de

4 minutos em cada lado.

Em 1963 a Philips Company introduziu a fita cassete, e em 1977 o CD (Compact

Disc) chegava ao mercado, anunciando o início da era digital. O CD possibilitava a

gravação de 74 minutos em uma única superfície, permitindo a execução de obras longas

sem interrupções. Outros formatos utilizando sistemas digitais foram posteriormente

criados, como o DAT (Digital Audio Tape) em 1987, o DCC (Digital Compact Cassette) e

o MD (Mini Disc) em 1991, mas nenhum destes obteve sucesso suficiente de modo a

competir com o CD.12

Anteriormente ao surgimento dos meios de gravação, a única forma de registro e

transmissão de composições musicais era a escrita, através de cópias de partituras feitas à

mão, individualmente. Este processo exigia um longo tempo de aprendizagem e execução.

A interpretação das notas colocadas sobre o papel poderia tomar corpo em diferentes

formas, construídas pelo músico interpretando a música tanto quanto pelo compositor que a

escreveu. Zampronha (2000) diz que “a notação não é música. Ela é considerada um mero

recurso através do qual a música é registrada e comunicada, mas é fundamentalmente

11 “A Música na Literartura, segundo Tinhorão”, O Estado de São Paulo, caderno 2, 30 de setembro de 2000, p. D-11. 12 Steve Jones, no livro Rock Formation - Music, Technology, and Mass Communication (1992), apresenta um excelente tratado sobre a história dos meios de gravação do som. Não é nosso intuito aprofundar-se neste campo aqui, mas sim contextualizar o surgimento das fontes de informação musical.

Page 42: Auto Aprendizagem Musical

41

distinta e separada dela” e que neste processo “a música como objeto real é codificada por

um outro sistema, que é a escrita” (p.21).

Esta distinção entre notação musical e música não significa que não houveram

influências mútuas entre ambas. Muito pelo contrário, o surgimento da notação foi de

extrema importância para a história da música, como foi pesquisado e demonstrado por

Weber.

“Caso se pergunte pelas condições específicas do desenvolvimento da música ocidental, então

trata-se, antes de mais nada, da invenção da nossa moderna notação musical. Uma notação desta

espécie é, para a existência de uma música tal como a que possuímos, de importância muito mais

fundamental do que, digamos, a espécie de escrita fonética para a existência das formas artísticas

lingüísticas. (...) uma obra de arte musical moderna, por menos complicada que seja, não poderia

ser produzida, nem transmitida, nem reproduzida sem os meios de nossa notação: sem ela uma

obra musical moderna não pode em geral existir em lugar algum e de nenhuma maneira, nem

mesmo como uma propriedade interna de seu criador” (Weber, 1995: 119).

Um exemplo nítido das “condições específicas” a que Weber se refere é a formação

da música polivocal como a conhecemos hoje. Se, por um lado, “a recepção da

polivocalidade no canto dos mosteiros, e com isso também sua elevação a objeto de teoria,

sem dúvida aumentou o estímulo à criação de signos sonoros mais claros e mais fáceis de

compreender” (Weber,1995: 121); por outro, “somente a elevação da música polivocal à

condição de uma arte escrita produziu então os verdadeiros ‘compositores’, e assegurou às

criações polifônicas do Ocidente, em oposição àquela de outros povos, duração,

repercussão e desenvolvimento continuado” (Weber, 1995: 123).

Somente estas afirmações seriam suficientes para justificar críticas à uma proposta

de separação entre notação musical e música. No entanto, devemos reconhecer os limites da

notação na transmissão precisa de informações musicais, e esta inexatidão é um fator

importante nos processos de aprendizagem musical. A música criada por um determinado

compositor, quando colocada em partitura para ser executada por outros músicos, sempre

passará por transformações decorrentes da interpretação. Stravinsky (1996) destaca a

importância do talento do intérprete:

Page 43: Auto Aprendizagem Musical

42

“Costuma-se achar que o que é colocado diante do músico é a música escrita onde a vontade do

compositor está explícita e facilmente discernível a partir de um texto corretamente estabelecido.

Porém, por mais que seja escrupulosa a notação de uma peça musical, por mais cuidado que se

tome contra qualquer ambigüidade possível, utilizando as indicações de andamento, nuances,

fraseado, acentuação e assim por diante, ela sempre contém elementos ocultos que escapam a

uma definição precisa, pois a dialética verbal é impotente para definir a dialética musical em sua

totalidade. A realização desses elementos é, assim, uma questão de experiência e intuição; em

suma, do talento daquele a quem cabe apresentar uma obra” (Stravinsky, 1996: 112).

Copland (1939) confirma as limitações da música escrita e, expandindo a idéia

de talento interpretativo, assinala a existência de uma inteligência musical:

“Notação musical, assim como existe hoje, não é uma transcrição exata dos pensamentos do

compositor. Não pode ser, pois é muito vaga; ela permite uma liberdade muito grande em

questões individuais de gostos e escolhas. Por causa disto, o intérprete é sempre confrontado com

o problema de como é esperado dele colocar-se frente a página escrita. Compositores são apenas

humanos – são conhecidos por escrever notas de forma inexata, por relevar omissões

importantes. Também são conhecidos por mudar suas opiniões em relação à suas próprias

indicações de tempo e dinâmica. Intérpretes, portanto, devem usar sua inteligência musical diante

da página escrita. Existe, é claro, a possibilidade de exageros em ambas as direções – manter-se

muito fiel às notas ou desviar-se para muito longe delas. O problema seria resolvido, até um certo

ponto, se existisse uma forma mais exata de escrever uma composição. Mas, mesmo assim, a

música ainda estaria aberta à um número de diferentes interpretações” (Copland, 1939: 160).

Aaron Copland utilizou a expressão “inteligência musical” mais de quarenta anos

antes de Howard Gardner definir a sua teoria das múltiplas inteligências. Podemos deduzir,

a partir da citação acima, que esta inteligência serve como um complemento na

interpretação da página escrita e, para que os resultados sejam satisfatórios, que o intérprete

deve possuir tal competência como condição pré-existente. A capacidade interpretativa do

instrumentista será parte atuante do processo de reconstrução da música colocada sobre o

papel.

Neste ponto, chegamos a um possível obstáculo se pensamos na auto-aprendizagem

musical. Para o aprendiz que procura sua formação musical, uma partitura fora de um

contexto oferece apenas notas escritas, que não necessariamente servirão de auxílio para

Page 44: Auto Aprendizagem Musical

43

desenvolver e instigar sua inteligência musical. A escrita não proporciona informações

suficientes para que seja trabalhada a dinâmica, a expressividade de cada nota ou a ênfase

que confere diferentes texturas à música. Mesmo que existissem formas mais exatas de

escrever música, a interpretação ainda não estaria totalmente confinada na notação e o

aprendiz ainda teria que evoluir em sua musicalidade e sua capacidade de interpretar.

Com o surgimento da gravação sonora, há a possibilidade de transmitir não somente

as notas musicais, mas também modos de interpretação. A partir do instante em que o

compositor pode, além de escrever a partitura, também determinar a sonoridade e as

nuanças da interpretação, seu controle sobre sua obra intensificou-se. Aqui destacamos a

distinção entre som e música, pois “notação musical, partituras, nos permitem capturar

[apenas] música. A gravação nos permite capturar som” (Jones,1992:52). Ou seja, a

notação musical é um conjunto de informações sobre como criar sons, enquanto que a

gravação registra o próprio som. A música pode ser transposta à partitura através de uma

escrita convencionada, mas que não define exatamente todos os elementos que compõe o

que chamamos de som. Esta distinção entre som e música, principalmente dentro do âmbito

popular, é exemplificada pela maneira como muitos músicos aprendem a arte, copiando a

sonoridade e tentando emular as performances contidas em gravações. Diversos músicos

não sabem ler partituras e não sentem falta de tal habilidade, pois conseguem aprender a

partir do som, sem necessariamente dominar os códigos técnicos da música.

Além da gravação sonora, o surgimento de outros aparatos tecnológicos baseados na

digitalização da informação também teve grande importância nas formas de lidar com a

música. Pierre Lévy, ao destacar as mudanças que estas tecnologias causaram nas técnicas

de criação do som, da imagem, dos programas e dos textos, colocou que “a prática musical

foi profundamente transformada pelo trio: seqüenciador, sampler, sintetizador” (Lévy,

1993: 104). Estes equipamentos permitem ao músico atuar sozinho na reprodução de uma

orquestra inteira, formando os chamados estúdios digitais, que combinam as funções de

composição, execução e processamento em estúdio multicanal.

Embora recursos de tal natureza representassem um grande avanço, especialmente

para os compositores, que poderiam ouvir o resultado de seus trabalhos sem depender dos

intérpretes, a assimilação dos estúdios digitais foi difícil para muitos músicos, pois havia

uma ameaça ao posto dos instrumentistas acústicos tradicionais. Tornou-se um clichê dizer

Page 45: Auto Aprendizagem Musical

44

que as máquinas não reclamam dos salários ou das horas de trabalho. O teclado eletrônico,

peça central do estúdio digital, solidificou-se como um grande símbolo da música moderna,

pois “sua presença ubíqua prontamente demonstra a aplicação da tecnologia do século vinte

para propósitos musicais” (Hunt e Kirk, 1997: 152).

O seqüenciador, apesar de não ser propriamente um método de gravação do som,

permite o armazenamento de informações musicais. Nele são registrados sinais que

controlam sintetizadores (ou qualquer outro aparelho que responda àqueles sinais),

fazendo-os cumprir uma determinada tarefa, como executar uma nota, utilizando um timbre

escolhido, com um certo volume, ataque e duração. Os sintetizadores, como o nome sugere,

têm a capacidade de sintetizar sons, e assim oferecem um controle enorme sobre timbres. É

possível interpretar a mesma partitura com sons tão variados como o de um violino, uma

flauta ou um tambor africano. Já o sampler permite gravar um timbre e reproduzi-lo em

qualquer altura, ampliando as possibilidades do sintetizador ao infinito. Por exemplo,

podemos registrar um determinado som, como o choro de uma criança ou a freada brusca

de um automóvel, depois inseri-lo em um sintetizador, e mesclar o resultado com um

timbre de piano. Todas essas inovações representam, para a maior parte dos observadores,

“uma ruptura comparável à da invenção da notação ou ao surgimento do disco” (Lévy,

1993: 106).

O uso de seqüenciadores tornou-se comum a partir do estabelecimento da

linguagem MIDI (Musical Instrument Digital Interface) em 1982. O MIDI é uma

padronização mundial que permite que instrumentos eletrônicos, seqüenciadores e

computadores comuniquem-se entre si, compreendendo as informações musicais traduzidas

em valores numéricos.13 Até aquele momento, a utilização do seqüenciador ocorria através

do envio de comandos de sinais de voltagem, sem um padrão unificado, dificultando a

comunicação entre aparelhos produzidos por empresas diferentes. Além de facilitar o

emprego de seqüenciadores, com o MIDI temos as primeiras situações de colocação prática

de computadores na música. Atualmente existem softwares que possibilitam realizar

gravações diretamente no disco rígido dos computadores, registrando tanto a linguagem

13 As principais informações controladas pelo MIDI são: intensidade e altura da nota, volume, estéreo, mudança de timbre, mudança de canais, pressão do toque, efeitos de variação de nota, entre outros. O termo MIDI também se refere a um formato de arquivo digital (geralmente com a extensão .MID), amplamente utilizado na Internet para distribuir música instrumental. Não é possível usar o MIDI para transmitir vocais ou áudio não musical.

Page 46: Auto Aprendizagem Musical

45

MIDI quanto o som real, entre várias outras tarefas, como por exemplo programas de

notação que transformam em escrita musical as peças executadas em um instrumento

eletrônico conectado ao computador.

O surgimento de novos meios de gravação e a subseqüente queda dos preços dos

mesmos possibilitaram a aparição de estúdios caseiros, onde os músicos podiam realizar

experiências e compor sem a pressão dos altos custos dos grandes estúdios. Segundo Jones,

“as gravações caseiras mudaram a economia das gravações. (...)As oportunidades para trabalhos

de gravação profissional são maiores do que jamais foram, em grande parte graças à proliferação

de tecnologias de gravação em preços módicos. Antes do final dos anos 60 apenas as gravadoras

possuíam estúdios de gravação, porque eram os únicos que conseguiam recuperar o investimento

necessário em equipamentos” (Jones, 1992:142).

Muitos professores de música utilizam os estúdios caseiros para criar metodologias

de ensino, produzindo gravações que servem de acompanhamento para os alunos, ou

compondo exemplos práticos de tarefas que eles devem realizar. À medida que os

equipamentos eletrônicos se tornam economicamente viáveis eles também se integram na

realidade prática dos aprendizes, e sua aplicação em processos de auto-aprendizagem se

torna progressivamente mais acessível e simples. A partir de meados da década de 90 já era

comum que muitas empresas fabricantes de teclados incluíssem seqüenciadores em seus

sintetizadores, oferecendo avançadas workstations, ou estações de trabalho digitais, que são

capazes de realizar produções completas como pequenos estúdios. Dessa forma, é possível

que um aprendiz iniciante tenha ao seu alcance, sob um baixo custo, equipamentos tão

sofisticados como aqueles anteriormente utilizados somente por músicos profissionais.

2.3 Meios de Comunicação

A propagação dos veículos de comunicação de massa teve grande importância na

divulgação da música e de conhecimentos sobre a estética musical. O rádio e a televisão

promoveram a música, ultrapassando seu papel em ações no campo político ou social, e

Page 47: Auto Aprendizagem Musical

46

atuaram como transmissores de ritmos e estilos para o grande público. Tiveram assim um

aspecto educativo (apesar de despertar discussões sobre a qualidade do ensino) e através do

espírito de consumo, pregado pela ondas e captado pelas antenas, instigaram a audiência a

comprar seus discos e artistas.

A radiofonia, inaugurada oficialmente nos EUA em 1920 e no Brasil dois anos mais

tarde, foi o primeiro veículo a mobilizar grandes massas através da música. Tinhorão

(1981) escreveu um detalhado relato da história do rádio no Brasil, observando os

programas de calouros e o fenômeno dos auditórios, quando o povo esteve presente tanto

nos palcos como na platéia. Como resultado desta história tivemos o surgimento de grandes

nomes da música popular, que foram promovidos a celebridades e cultuados por

verdadeiras legiões de seguidores.

A imagem do artista produtor da música ganhou uma nova dimensão a partir da

figura do ídolo, central em diversos estilos musicais da segunda metade do século XX. A

valorização e a conceituação do músico não mais se daria somente pela sua produção

artística, mas também pela sua conduta fora do campo musical, pela sua imagem física,

pelo seu posicionamento político ou através de criações de marketing. A aparição da

tecnologia das comunicações marcou uma acentuação do envolvimento da música com

assuntos anteriormente distantes, inserindo estes novos valores na apreciação dos músicos,

e estimulando o aumento de amadores com esperanças de serem “descobertos” como novos

talentos.

A televisão, inaugurada no Brasil em Setembro de 1950, estabeleceu aqui os

padrões culturais americanos, formatou os gostos populares para o consumo e aguçou os

sonhos de riqueza da audiência. Assim, “a única música admitida na televisão passou a ser,

logicamente, a mais capaz de expressar esse ideal de ascensão econômico-social da nova

classe média urbano-industrial, ou seja, a música estrangeira em moda no momento”

(Tinhorão, 1981: 174). Invariavelmente, a música em moda era a americana, em especial o

rock.

O rock’n’roll surgiu nos Estados Unidos, em meados da década de 50, se firmando

como um estilo musical voltado ao consumo e à exploração da imagem, e utilizando os

meios tecnológicos como principal via de expansão. Coincidentemente, a televisão surgiu

Page 48: Auto Aprendizagem Musical

47

na mesma época, e “foi rápida em agarrar as oportunidades comerciais oferecidas pelo

emergente mercado da cultura jovem dos anos 50” (Shuker, 1998: 299).

“A televisão trouxe e ainda traz o rock para adolescentes em suas casas - Elvis Presley e os

Beatles no ‘Ed Sullivan Show’, o ‘American Bandstand’ de Dick Clark, e, atualmente, a MTV. O

rádio transistorizado portátil, e depois o toca-fitas portátil, deram aos adolescentes a oportunidade

de ouvir suas canções favoritas na privacidade de seus quartos, na escola, ou nas ruas. O disco 45

rpm permitiu que os jovens comprassem os últimos sucessos e dominou as vendas de rock até os

anos 60, quando a geração ‘baby-boom’ cresceu e podia comprar um LP” (Szatmary, 1996: xii).

Percebemos, a partir da observação do surgimento do rádio e a televisão, como os

meios de acesso à informação condicionam os modos de apreciação da música.

Determinam quando e onde podemos ouvi-la, em que situações e que uso fazemos dela. O

fonógrafo e o gramofone, pesados e de difícil locomoção, restringiam seu uso a ambientes

pequenos por sua baixa intensidade sonora. Com a miniaturização dos dispositivos que

formam um aparelho de reprodução musical, temos uma portabilidade irrestrita e um

crescente aumento da potência sonora. O rádio possibilitou que tivéssemos música dentro

dos carros; com a fita cassete, podemos determinar o que iremos ouvir; e com o walkman,

podemos transportar a música para qualquer lugar. Com estes novos meios é possível

acrescentar música à atividades em que antes permanecíamos no silêncio. A enorme

intensidade sonora produzida pelos aparelhos modernos permite a presença da música em

grandes ambientes, alcançando um número maior de ouvintes. A tecnologia desenvolveu-se

a tal ponto que, além de participar na produção e disseminação da música, passou a fazer

parte integrante do cotidiano musical dos indivíduos.

Zan (1997) observou como os músicos de rock aproveitaram a tecnologia que

surgia:

“...o músico de rock soube como nenhum outro incorporar os equipamentos eletrônicos às suas

performances. A ampliação excessiva tanto das vozes como dos instrumentos, combinada com as

técnicas de equalização de freqüências, permitem que microfones, amplificadores e alto-falantes

sejam utilizados não apenas como meios de potencialização dos sons das diversas fontes mas

como verdadeiros instrumentos” (Zan, 1997: 183).

Page 49: Auto Aprendizagem Musical

48

Garofalo (1997) acrescenta que, incorporando a tecnologia em seus processos

criativos de produção, o rock valorizava o produto final e não mais a pureza da

performance. A tecnologia era utilizada para distorcer a realidade da performance, trazendo

novas possibilidades sonoras e organizacionais da música.

“O surgimento do rock’n’roll , então, foi caracterizado por uma relação progressivamente mais

íntima com as tecnologias usadas na sua produção e disseminação. Essa relação continuou

quando o rock aventurou-se em direção à arte nos anos 60. Depois do lançamento de Sgt. Pepper,

um álbum tão dependente na tecnologia do estúdio que não podia ser interpretado ao vivo, grupos

de rock passavam inúmeras horas no estúdio experimentando com truques tecnológicos,

adicionando overdubbings14e efeitos especiais, e mixando cada faixa até a perfeição. A disco15 foi

ainda mais imersa na mágica tecnológica, tornando-se quase completamente um produto do

estúdio. Nas performances ao vivo, o uso do feedback e da distorção utilizado por Jimi Hendrix

se institucionalizaram no heavy metal através da utilização de reguladores de voltagem, pedais de

efeitos especiais e aparelhos de distorção vocal. O rap expandiu ainda mais esses limites,

primeiramente utilizando toca-discos como instrumentos musicais, depois usando samplers,

seqüenciadores e baterias eletrônicas programáveis como ferramentas comuns. Na medida em

que estes usos criativos da tecnologia foram sendo aceitos como artisticamente válidos, eles

ampliaram a definição de música popular além da concepção européia de música como série de

notas para uma definição de música como som organizado” (Garofalo, 1997: p. 6).

A maioria absoluta dos estilos de música popular posteriores ao rock foram

condicionados pelos recursos tecnológicos disponíveis no momento de sua aparição. Sem

os efeitos criados em estúdio, o rock não existiria em suas atuais formas, nem existiriam

seus desdobramentos, como o heavy metal, por exemplo. Não haveria um estilo disco, e

sem toca-discos, samplers e baterias eletrônicas, o rap jamais teria surgido. As maravilhas

do estúdio digital foram responsáveis diretamente pela evolução destes estilos de música ao

proporcionarem o ambiente tecnológico necessário para que músicos os desenvolvessem. O

papel emblemático da guitarra elétrica para o rock representa a essência dessa importância

que a tecnologia conquistou na história da música popular.

Concluímos daí que as decisões da indústria fabricante de aparelhos musicais

eletrônicos têm influência direta nas opções disponíveis para compositores e

14 O overdub é uma técnica de superposição de sons, possível em gravadores multicanais. 15 “Disco” aqui refere-se ao estilo de música chamado “discotéque”.

Page 50: Auto Aprendizagem Musical

49

instrumentistas. Incluindo ou excluindo determinadas funções em seus equipamentos, ou

mantendo ou retirando certos produtos do mercado, podem parcialmente controlar qual será

o direcionamento da produção de seus consumidores. Vicente (1996) confirma esta idéia ao

colocar que “os músicos, com as novas técnicas, deixam de ser produtores de sons para se

tornarem apenas seus usuários” (p. 59). Ou seja: os músicos se transformaram em

operadores de equipamentos, e ao escolher os sons que vão utilizar estão tomando decisões

de consumo entre as várias opções colocadas à sua disposição. Estas opções são

determinadas pelas indústrias fabricantes dos aparelhos.

“...o operador, apesar de seu aparente controle sobre o processo de produção, não se torna

exatamente o ‘dono’ do seu trabalho, pois a manutenção da sua produção torna-se (...) refém de

sua capacidade de obter, manter e renovar o seu set de equipamentos” (Vicente, 1996: 64).

Por outro lado, Julien (1999) alerta:

“seria errado, entretanto, assumir que a música popular é simplesmente o resultado de seus

seguidores ‘sendo escravos’ da tecnologia. O trabalho de vários músicos de rock deve tanto à

tecnologia que usam para realizar suas idéias quanto às idéias que usam para ‘desviar’ a

tecnologia e, freqüentemente, as técnicas de produção e gravação com que experimentam em

certas épocas influenciam na concepção das máquinas que subseqüentemente estarão

disponíveis” (Julien, 1999: 357).

Como exemplo Julien cita o trabalho de George Martin com os Beatles nos estúdios

de gravação – o uso de recursos para dobras vocais eventualmente contribuiu para que

gravadores multicanais fossem desenvolvidos16, e posteriormente resultou na criação de

aparelhos para a reprodução digital de efeitos conseguidos nas experimentações. As

manipulações sonoras ocorriam na mente dos músicos, e depois de concretizadas

experimentalmente eram fabricadas em série pelas indústrias. Também podemos mencionar

os diversos músicos citados por Chadabe (1997) que, após construírem seus próprios

instrumentos eletrônicos, tiveram suas idéias aproveitadas por grandes empresas. O mesmo

16 Julien (1999) afirma não estar certo se a inovação de realizar dobras nos vocais (double-tracking) foi primeiramente obra de George Martin com os Beatles em “A Taste of Honey”, ou de Brian Wilson com os Beach Boys, em “Surfin’ USA”. Ambas as faixas foram gravadas em 1963.

Page 51: Auto Aprendizagem Musical

50

foi relatado ainda por Conde e Neves (1994) ao analisar meios não-formais de aprendizado

da luteria em comunidades do Rio de Janeiro. As várias substituições de materiais

realizadas apresentam soluções para problemas com peças de difícil acesso ou de manuseio

complicado, mas nem sempre a utilização das idéias é acompanhada dos devidos créditos:

“São contados casos, às vezes, de soluções encontradas por artesões populares lançadas, sem

autorização dos inventores, pela indústria de instrumentos. Foi o que aconteceu, segundo o

relatado por um deles, com a idéia de adaptar uma corneta amplificadora em reco-reco de metal

ou em cuíca, tornada habitual em instrumentos industrializados” (Conde e Neves, 1994: 46).

Muitos aperfeiçoamentos de instrumentos musicais foram conquistados durante

buscas por custos mais baixos ou novas sonoridades. Freqüentemente, este tipo de

experimentação é realizado por músicos que somam qualidades de inventores. No caso dos

equipamentos eletrônicos, grande parte das inovações foi inicialmente desenvolvida por

indivíduos que criaram pequenas empresas, a exemplo da história da Microsoft contada por

Bill Gates (1995), e depois deram origem a corporações que difundiram o produto

comercialmente.

Como vemos, as influências acontecem em duas vias: do equipamento ao músico e

do músico ao equipamento, em uma relação simbiótica, sem dominação. Entretanto, através

do poder de persuasão do marketing moderno, as grandes empresas conquistam um espécie

de controle sobre os músicos, sejam iniciantes ou experientes, quando apresentam um novo

modelo de um aparelho como o melhor. Possivelmente a versão antiga será considerada

ultrapassada e cairá em desuso. Se as inovações na nova versão forem substanciais, um

padrão estará estabelecido e será perseguido por todos os músicos.

2.4 Complexidade x Simplicidade

No final dos anos 40 uma série de experiências promovendo a aplicação da

eletrônica na produção da música deu origem à música concreta. Pierre Schaeffer foi um

dos pioneiros nesta área, apresentando seu Concert of Noises através do rádio francês em

Page 52: Auto Aprendizagem Musical

51

1948. Utilizando gravações pré-existentes, Schaeffer desenvolveu sistemas para excluir

parte dos sons, tocá-los de forma reversa e montar colagens superpondo-os, entre outras

formas de manipulação. A concepção original da música concreta definia que as

sonoridades que integram as composições não eram produzidas eletronicamente. A

denominação “concreta” significava que os sons eram provenientes de fontes naturais e que

as peças eram compostas ‘concretamente’ sobre fitas magnéticas, e não ‘abstratamente’ na

mente dos compositores. Assim, panelas percutidas, ruídos de barcos e trens, vozes

humanas, entre outros sons comuns, eram registrados e manipulados por meio de diversos

equipamentos, como filtros, moduladores e reverberadores.

Posteriormente, os sons gerados eletronicamente também seriam utilizados, dando

origem à música eletrônica17. Na década de 50 surge um termo para englobar os dois

estilos, baseados em sinais acústicos naturais ou gerados eletronicamente: música

eletroacústica. Muitos compositores dedicaram suas obras a investigar este campo, como

Edgard Varèse, Karlheinz Stockhausen, Milton Babbit e John Cage; e estúdios foram

construídos e equipados para realizar pesquisas sobre o assunto, como o IRCAM (Institut

de Recherche et Coordination Acoustique/ Musique), em Paris; o Columbia-Princeton

Eletronic Music Center, em Nova York; o Studio für Elektronische Musik, em Colônia; e o

Studio di Fonologia, em Milão. Moore (1997) destaca que estes centros cumpriram duas

funções primordiais: juntar pessoas e fornecer equipamentos caros, suprindo os recursos

tecnológicos necessários. E, na atualidade, “na medida em que equipamentos

tecnologicamente relevantes tornam-se mais baratos, a missão destes centros começa a

gravitar, de modo sempre crescente, em direção à educação e ao networking” (Moore,

1997: 62). Nestes estúdios os computadores têm se desenvolvido no meio musical até o

presente.

Em certo aspecto a música eletroacústica representa um caminho tecnológico

divergente daquele trilhado pelo rock e demais estilos populares derivados, pois nela a

utilização da eletrônica e dos computadores usualmente resulta em extrema complexidade,

produzindo uma música de difícil assimilação. No rock, a tecnologia condiciona a

construção padrões sonoros; na música eletroacústica, a inovação é altamente valorizada,

17 Atualmente o termo “música eletrônica” pode ser aplicado a qualquer tipo de música que tenha alguma relação com a eletrônica. Na época de seu surgimento, no entanto, seu significado era mais restrito, conotando o uso da eletrônica em detrimento de fontes sonoras “concretas” (Schwartz, 1989).

Page 53: Auto Aprendizagem Musical

52

procuram-se sonoridades inusitadas, distantes dos padrões convencionais. Esta

diferenciação demonstra dois extremos a que a eletrônica pode conduzir a música.

Diferentemente do rock, a música eletroacústica desenvolveu-se distante das

grandes massas de consumo e jamais foi objeto de realizações comerciais significativas.

Fishman (1994) nos indica três razões para este fato: a falta de uma comunicação simples

(os compositores estariam alienados de suas audiências); o domínio da indústria da música

que visa apenas lucros financeiros; e as falhas dos sistemas de educação que resultam na

falta de um senso estético para servir como referência à população. Os compositores da

música eletroacústica não têm acesso aos meios de comunicação e, portanto, permanecem

em sua grande maioria desconhecidos do grande público, associando-se em grupos,

geralmente nas universidades, onde criam e discutem sua música. Estes grupos

desenvolvem um pensamento musical dirigido ao uso dos computadores, ou seja, uma

“computer music culture”, sobre a qual Chadabe (2000) faz a seguinte análise:

“...a maioria do público da computer-music consiste de praticantes, o que significa que a relação

entre compositor e público é mais entre colegas do que comercial; que as motivações dos

compositores são orientadas não para o comércio mas em direção a uma combinação de auto

expressão, realização artística e reconhecimento dos colegas; e que os métodos dos compositores

para alcançar o sucesso refletem um desdenho aristocrático pelos esforços comercias” (Chadabe,

2000: 10).

Nesta justaposição do rock com a música eletroacústica, observamos duas situações

distintas em que meios tecnológicos são utilizados para atingir objetivos: o rock em

processos de padronização e massificação, a música eletroacústica na busca de novas

sonoridades. Como Chadabe (2000) nos adverte, nem toda música gerada por computador é

inovadora e nem toda música popular é totalmente comum. Porém, o autor também assinala

que o público da música popular espera uma previsibilidade, ligada à expectativa de uma

participação física na forma da dança. O público da música eletroacústica escuta quieto e

atentamente, apreciando intelectualmente, valorizando o inesperado.

Qualquer seja a relação estabelecida com a tecnologia, percebemos na absoluta

maioria dos gêneros musicais populares modernos algum tipo de intermediação tecnológica

para alcançar os ouvintes. Para a música do estilo rock, além de instrumentos musicais

Page 54: Auto Aprendizagem Musical

53

eletrônicos, como guitarras e sintetizadores, e toda uma variedade de recursos de

processamentos sonoros, existe também uma estreita conexão com o sistema da indústria

fonográfica. Como coloca Frith (1981), “o rock é uma música feita comercialmente para as

massas e isto deve ser o ponto de partida para sua celebração assim como para sua rejeição”

(Frith, 1981: 54). Frith investigou de que maneira e por que a música rock tem um apelo tão

intenso junto aos jovens, e suas conclusões nos levam a valorizar o poder de envolvimento

deste tipo de música como um elemento importante na musicalização da juventude.

Segundo os resultados de sua pesquisa, a música é usada “para distinguir o jovem do velho,

para identificar um lugar ou tempo ou ocasião como propriedade dos jovens”

(Frith,1981:216).

“A música – tocada nos rádios, toca-discos, toca-fitas – é a forma mais fácil para os jovens

demonstrarem o controle de seus quartos, clubes e das esquinas da sua rua. (...) a música é o

contexto mais do que o foco da diversão. Isto se torna óbvio na principal instituição da cultura

adolescente, a dança” (Frith, 1981: 216).

A música eletroacústica, por outro lado, exemplifica como os aparatos eletrônicos –

que também incluem sintetizadores, processadores de som, entre outros aparelhos – podem

gerar um estilo musical distante da indústria fonográfica e sem intenções de atingir um

mercado de consumo específico. Neste sentido, o uso da tecnologia na produção musical

visa primordialmente ampliar as possibilidades de criação, e seu produto final, a gravação,

é um meio para executar a composição, e não um meio de vender a música. Aparentemente,

uma música com estas características representa um oposto ao rock e não desperta interesse

por parte dos jovens.

Emmerson (2001), no entanto, assinala que a música eletroacústica pode contribuir

para o ouvinte de estilos musicais populares pois tem “uma relação especial com as músicas

comerciais pela similaridade das ferramentas de sua produção (tecnologias digitais) e

performance (o alto-falante)” (Emmerson, 2001: 19). A principal destas contribuições seria

quanto à audição, já que “um material musical mais complexo demanda uma audição mais

detalhada para extrair suas características mais importantes. No melhor dos casos, encoraja

audições repetidas como ferramenta necessária para uma apreciação mais rica” (Emmerson,

2001: 19). A ação do ouvinte pode ser aprimorada por uma melhor discriminação sonora e

Page 55: Auto Aprendizagem Musical

54

um esforço de concentração mais profundo. Também uma revitalização dos espaços e

práticas envolvidas nas performances poderia ocorrer, já que as peças eletroacústicas

muitas vezes utilizam idéias diferentes dos padrões convencionais para apresentar sua

música.

Cabe ao aprendiz musical, jovem ou não, extrair de todos os gêneros musicais ao

seu alcance as informações que servirão como base para o seu aprendizado. Qualquer

prática que desenvolva sua audição deve ser bem vista, e a idéia de trabalhar com músicas

mais complexas do que as que lidamos usualmente certamente tem efeitos na audição de

todos os tipos de música. A comprovação de que muitas das práticas da música

eletroacústica podem ser aceitas até mesmo pelos grupos jovens é o seu emprego nos vários

estilos de música “dance” da atualidade. Fragmentada em nomes diversos – música techno,

house, acid, drum&bass – a música eletrônica dançante é amplamente executada nos clubes

jovens, utilizando recursos e concepções que surgiram nas experimentações realizadas

décadas atrás pelos compositores pioneiros da música eletroacústica, como por exemplo, as

alterações nos andamentos (executar gravações mais lentamente ou mais rapidamente) e a

inversão sonora (executar gravações de trás para frente).

Se colocamos a complexidade da música eletroacústica em oposição à simplicidade

do rock (novamente assumindo estereótipos genéricos e distantes de uma definição fiel de

cada estilo, pois pode existir a música eletroacústica simples e o rock complexo),

percebemos um elemento comum aos dois casos: a valorização da gravação. Na música

eletroacústica, segundo Henrique (1988),

“as relações tradicionais entre compositor, executante e público são postas em causa, criando-se

novas estéticas do fenômeno musical: numa obra para fita magnética o compositor pode

prescindir da escrita numa pauta musical, fazendo a montagem da sua obra diretamente em fita

magnética, que depois será apresentada em público, desaparecendo assim o papel do intérprete

como intermediário entre compositor e público (o que cria uma analogia com certas artes, como a

pintura e a escultura, em que o intérprete também não existe). Deste modo a obra fica fixada de

uma vez por todas nos seus mais ínfimos pormenores, não podendo nunca ser ‘interpretada’ ”

(Henrique, 1988: 386).

Embora no rock existam os intérpretes, usualmente a referência para uma obra

também é a sua gravação, e não uma partitura correspondente. Os detalhes dos arranjos, ou

Page 56: Auto Aprendizagem Musical

55

seja, as orquestrações elaboradas para os instrumentos, tornam-se peças essenciais da

composição. A valorização da gravação no rock tornou-se mais evidente em 1966, quando

os Beatles anunciaram que seriam uma “banda de estúdio” e não mais se apresentariam

frente às audiências. A comunicação com seu público ocorreria apenas através de seus

discos, que tornaram-se a única representação legítima da música do conjunto. Assim no

rock como na música eletroacústica o registro da arte é uma forma própria de arte.

Segundo Schwartz (1989), há uma separação da performance ao vivo da

performance gravada, que, “independente de seu conteúdo, existe como um ‘objeto’ de arte

único, uma entidade fixa; ou seja, a gravação pode ser considerada como um trabalho em si

mesmo, análoga à uma pintura ou peça de escultura” (p.157). A performance gravada não

oferece estímulo visual (com exceção da capa do disco ou de um encarte que o

acompanhe), enquanto a “ao vivo” é essencialmente teatral, lidando com aspectos visuais

tanto quanto sonoros. A apreciação de ambas é resultante de processos diferentes. Em uma

execução em tempo real, há a necessidade de uma total absorção, de uma concentração não

dividida no sentido de captar a música. Na apreciação de uma gravação, sabendo que

podemos repetir a execução diversas vezes, não é preciso uma atenção específica: a música

pode ser colocada em diversos estados frente a nossa consciência.

Costa (1995) fala de uma outra bi-partição da música, causada pelo surgimento do

rádio e da televisão:

“Em seguida, enquanto persiste a obra tradicionalmente constituída e ainda distante de toda

intencionalidade comunicacional, percebe-se que o caráter ativo da transmissão dá lugar a um

tipo de experiência imaginária substancialmente diferente daquela gerada pela performance; a

obra é, portanto, oferecida através do tipo específico do meio que a transmite, transmutando,

assim, a sua essência espetacular.

Compreende-se, em suma, a diferença radical existente entre a performance e o seu deslocamento

mass-midial e, conseqüentemente, a fundamental diferença fenomenológica e psicológica entre a

situação do público da performance e aquela do público da transmissão; e pode-se pensar aqui

nas complexas e diversas operações de mixagem e na definição da noção de ‘direção’ radiofônica

e televisiva” (Costa, 1995: 30).

Todas as diferenciações colocadas entre a performance pura e suas formas

derivadas, surgidas por meio de gravações ou de transmissões via meios de comunicação,

Page 57: Auto Aprendizagem Musical

56

indicam o aumento da importância do campo tecnológico na música. Assim como Vicente

(1996) afirma, este fato resultou em uma padronização sonora das produções, a partir da

“adoção de rotinas de trabalho e parâmetros estreitos para a gravação, equalização,

compressão, utilização de efeitos e mixagem...” (Vicente, 1996: 28). Todo este processo faz

com que o que chamamos de “música” difira na execução de gravações em relação ao que é

apresentado ao vivo. Além do tratamento que é dado ao som em estúdios, modificando

muitas das características originais, outro aspecto torna-se relevante. A música gravada

(exceto as gravações realizadas em concertos “ao vivo”) raramente representa a captação de

um momento espontâneo: ela é a montagem artificial de um produto.

“A responsabilidade por este produto é colaborativa, pois um grande número de indivíduos (os

músicos com seus instrumentos, engenheiros de som manipulando microfones e mixers, editores

de fitas) participaram na formação da apresentação final (...)” (Schwartz, 1989: 156).

A manipulação influencia também a concepção dos músicos em seus arranjos. Com

os avanços das tecnologias de produção, Jones (1992) ressalta que a

“capacidade de edição significava que a versão ‘perfeita’ de uma música poderia ser montada a

partir de várias imperfeitas. As melhores partes de cada uma podiam ser escolhidas e

cuidadosamente coladas em uma peça sem costuras aparentes. A clássica canção dos Beatles ‘A

Day in the Life’, por exemplo, foi editada a partir de duas gravações. ‘Strawberry Fields Forever’

junta duas gravações, uma acelerada e outra desacelerada até que estivessem na mesma

tonalidade. A separação estética da performance ao vivo e da gravação estava assim completa”

(Jones, 1992: 129).

Como conseqüência, os trabalhos realizados nos estúdios freqüentemente resultam

em produtos de difícil reprodutibilidade ao vivo, e de certa maneira os instrumentistas

“competem” com a versão gravada das peças que interpretam nos concertos. Em muitos

casos não é possível apresentar obras como estão nos discos. A expectativa das platéias, no

entanto, é sempre de que o artista consiga reproduzir nos palcos o mesmo que foi registrado

nas gravações. Assim, como Iazzetta (1997) observou, o significado do termo “fidelidade

sonora” foi modificado, pois ao invés de representar a qualidade da gravação sendo

comparada à uma apresentação ao vivo, o contrário passou a ocorrer. Logo, como “o que a

Page 58: Auto Aprendizagem Musical

57

maioria dos ouvintes entende hoje por audição musical refere-se à escuta através de

sistemas reprodutores,(...) a fidelidade de uma reprodução não é estabelecida pela

comparação com seu original, mas em relação ao padrão imposto pela própria tecnologia de

gravação” (Iazzetta, 1997: 30).

Dessa forma, nossa percepção da música foi alterada pela tecnologia, trazendo

novos conceitos para as diferentes formas de realização musical. Com os avanços da

microeletrônica, conquistamos novos espaços, carregando a música em pequenos aparelhos

e encontrando outros significados para a sua presença. Novos estilos musicais foram

moldados em montagens tecnológicas, de forma totalmente aparente – como na música

concreta –, ou um pouco mais diluída – como no rock.

“O advento da gravação ajudou a criar tudo isso, não apenas através de sua utilidade como meio

para a preservação e transmissão da música ‘tocada’ tradicionalmente (isso também foi

importante, nos introduzindo à uma maior variedade de música do que podíamos conhecer antes)

mas como um meio de performance nele próprio. Estamos começando a perceber que a execução

de uma gravação proporciona um tipo único de experiência para audiências e músicos – uma

experiência com implicações espaciais, acústicas, teatrais e tecnológicas, que ainda estão sendo

decifradas” (Schwartz, 1989: 167).

Para atingir nossos objetivos, a compreensão das relações estabelecidas e

modificadas pela tecnologia e a música torna-se de extrema importância. Decifrar esta nova

realidade, em que a gravação e os meios de comunicação têm um papel tão influente, é uma

tarefa vital para qualquer indivíduo envolvido em processos de aprendizagem musical: hoje

não basta que os aspectos funcionais da música sejam compreendidos, temos que

compreender a tecnologia envolvida na produção e na transmissão da música que ouvimos.

Temos que nos educar tecnologicamente, ou seja, aprender um convívio frutífero com as

inovações do nosso tempo.

Page 59: Auto Aprendizagem Musical

58

CAPÍTULO 3 – TECNOLOGIA E AUTO-APRENDIZAGEM

3.1 Democratização e Banalização

Este capítulo tem como principal objetivo mapear as possibilidades de auto-

aprendizagem da música através dos recursos tecnológicos existentes na atualidade. Com a

constatação de diversas oportunidades para o aprendiz autodidata teremos discussões acerca

das possíveis diferenças que o uso da tecnologia traz para os processos em questão. Nossas

observações irão considerar as informações existentes em materiais organizados

especificamente para a aprendizagem musical, como sites da Internet, vídeos e livros, assim

como em situações não específicas, mas que propiciam uma educação informal, como o

rádio e a televisão. Todos estes canais contribuem para que os processos de auto-

aprendizagem musical sejam possíveis.

O histórico apresentado no capítulo anterior demonstrou que o desenvolvimento da

tecnologia afetou tanto a distribuição da música quanto os modos de sua percepção e

apreciação. A seguinte colocação de Schwartz (1989) sintetiza as modificações percebidas:

“A maioria das músicas que ouvimos hoje foi produzida, refinada, preservada e transmitida com

a ajuda de equipamentos eletrônicos. Como conseqüência, fizemos alterações sutis, muitas vezes

sem perceber, em nosso equipamento de escuta, auditivo e psicológico, de uma maneira em que

nossos hábitos e gostos modificaram-se profundamente, deixando pouca semelhança, por

exemplo, com aqueles das gerações precedentes” (Schwartz, 1989: 154).

Se a partir desta consideração temos que nossos mecanismos de escuta foram

influenciados, conclui-se que os processos de aprendizagem da música também passaram

por adaptações, por duas razões principais. Primeiramente, com a evolução tecnológica o

aprendiz pode receber informações musicais por diferentes meios, e deve integrar e

dominar os equipamentos necessários para que isto ocorra. Segundo, as sonoridades da

música sofrem mudanças às quais o aprendiz deve se familiarizar para compreender a

produção de seu tempo.

Page 60: Auto Aprendizagem Musical

59

O que inicialmente possibilitou a um aluno ter acesso a exemplos musicais diversos

foi a conquista do registro sonoro, representada pelo surgimento do fonógrafo. O registro

do som deu uma nova condição à música, em que os estudiosos e aprendizes puderam

entrar em contato com obras que jamais poderiam ouvir presencialmente, no momento real

da produção musical. Neste sentido, a contribuição para a aprendizagem musical é inegável

e marca o início de uma reformulação que ampliou os processos de auto-aprendizagem.

Porém, a experiência proporcionada pela audição de uma gravação é considerada

por muitos como sendo aquém da gerada na presença da música “ao vivo”. McLuhan já se

referia a uma colocação comum entre os músicos de jazz que dizia que “o jazz gravado é

tão caduco quanto o jornal de ontem” (McLuhan, 1964: 245). De fato, quando o fonógrafo

surgiu, muitos afirmaram que o interesse da população pelo aprendizado musical iria

diminuir, pois não haveria a necessidade de produzir sua própria música já que a máquina

se encarregaria desta tarefa. Havia uma certa repulsa ao fato de um intermediário não

humano estar envolvido:

“E agora, no século vinte, chegam estas máquinas que falam e tocam, e se oferecem para reduzir

a expressão da música a um sistema matemático de megafones, rodas, engrenagens, discos,

cilindros e todo tipo de objetos rotativos, que são arte real tão quanto a estátua de mármore de

Eva é como suas filhas: lindas, vivas...

Quando uma mãe puder ligar o fonógrafo com a mesma facilidade que aplica para a luz elétrica,

irá ela cantarolar para seu bebê doces cantigas de ninar, ou a criança será colocada para dormir

por máquinas?” (John Philip Souza, citado em CHADABE, 1997: vii).

O artigo citado, The Menace of Mechanical Music, foi escrito por John Philip Souza

em 1906. No mesmo ano, as portas do Telharmonium Hall, uma sala de concerto que serviu

de casa para o precursor dos sintetizadores, eram abertas em Nova Iorque, anunciando a

importância que a eletrônica iria conquistar na música. Contrariando esta tendência, Souza,

líder de uma banda e compositor, expressou seu descontentamento com os então novos

meios de se transmitir música – em especial o fonógrafo – afirmando que a música

mecânica iria acabar com o amadorismo, ou seja, as pessoas não mais iriam adquirir

instrumentos musicais e se esforçar em aprender música se havia a possibilidade de

comprar um fonógrafo. Com isso todos os professores que sobreviviam deste mercado de

Page 61: Auto Aprendizagem Musical

60

aprendizes amadores estariam desempregados e as profissões musicais seriam

profundamente afetadas. McLuhan, comentando a previsão feita por Souza de que as

pessoas iriam cantar menos, diz:

“Um fato Souza tinha compreendido: o fonógrafo é uma extensão e uma amplificação da voz que

pode bem ter diminuído a atividade vocal individual, tanto quanto o carro reduziu a atividade

pedestre” (McLuhan, 1964: 241).

Por outro lado, o mesmo McLuhan assinala a importância do registro do som na

difusão do conhecimento musical. Essa difusão tornou-se possível quando muitos dos

problemas relativos à fidelidade da gravação foram solucionados pelos adventos que

marcaram a evolução do fonógrafo, que seriam os principais formatos utilizados nas

décadas seguintes: a gravação magnética e o disco LP.

“Assim como a fita significou o novo estudo de linguagens faladas ao invés de escritas, também

trouxe a cultura musical inteira de muitos séculos e países. Onde antes havia uma pequena

seleção de períodos e compositores, a gravação em fita, combinada com o LP, deu origem a um

espectro musical completo que fez o século dezesseis tão disponível como o dezenove, e a

música folclórica chinesa tão acessível quanto a húngara” (McLuhan, 1964: 248).

Após a conquista do registro sonoro, o acesso à informação musical foi

gradualmente sendo facilitado através de um maior controle sobre a transportabilidade do

som. A amplificação possível com o uso da eletricidade e os equipamentos de reprodução

sonora progressivamente menores e mais leves foram responsáveis pela ampla difusão

musical que gerou uma notável democratização da música no decorrer do século XX.

Devemos observar que, se na atualidade existem diversos materiais educacionais

organizados especificamente para a aprendizagem da música, no passado a única forma de

obter informações era através da audição dos registros sonoros. Como colocam Iazzetta e

Kon (1998), os principais agentes desta democratização foram o rádio e o disco:

“Sem dúvida a união entre o rádio e a indústria fonográfica possibilitou uma expansão jamais

experimentada em relação à difusão dos mais diversos tipos de música. O rádio e o disco

acabaram com a necessidade da presença física do ouvinte durante a performance musical. Com

Page 62: Auto Aprendizagem Musical

61

isso foram eliminadas as barreira espaciais e temporais que envolviam a apreciação musical. A

partir daí a música assumiu uma condição omnipresente dentro da sociedade e os limites de

produção de cada cultura se diluiu na densa trama da cultura de massa” (Iazzetta e Kon, 1998:

37).

Tinhorão (2001) faz uma crítica à esta noção de democratização no caso específico

do Brasil, indicando através de dois argumentos a relatividade da idéia e uma desvantagem

para o desenvolvimento das músicas brasileiras. Primeiramente, o autor afirma que muitas

das formas autênticas da música popular brasileira não são democratizadas:

“...é preciso estabelecer que, quando nos referimos a música popular brasileira e meios de

comunicação, estamos nos referindo à música popular das cidades, composta por autores

conhecidos, e destinada ao comércio do lazer predominante urbano (normalmente gravada em

cilindros, discos, CDs, fitas magnéticas, filmes sonoros de cinema ou videotapes, com a

finalidade de ser reproduzida por meios mecânicos, elétricos ou eletrônicos). E isto porque a

música popular, no nível das populações rurais, ainda presas a um modo de transmissão oral,

tradicional, obedece a mecanismos próprios, uma vez que se liga a processos de evolução sócio-

cultural-religiosos particulares de cada região” (Tinhorão, 2001: 165).

Portanto, o repertório disponibilizado ao aprendiz pelos meios de comunicação no

Brasil não oferece a oportunidade de conhecer profundamente muitas das músicas de seu

país, e divulga apenas o que é do interesse dos grupos industriais. Grupos que, depois de

produzida a música, visam “transformar essa criação num produto industrial-comercial,

possibilitando sua divulgação para amplas camadas, e sua colocação no mercado sob a

forma de artigos de consumo” (Tinhorão, 2001: 166). Deduzimos daí que as primeiras

músicas que um aluno iniciante irá aprender em seu instrumento provavelmente serão

aquelas que mais tocam nas rádios e não necessariamente as que mais têm relação com a

sua realidade de vida. Este fato isolado já representa um problema a ser considerado na

aprendizagem musical, ao qual Tinhorão adiciona um outro exemplo referente à imposição

de estilos, formatos e linguagens musicais, realizado por meios tecnológicos.

Antes do surgimento do registro do som, quando a principal forma de aprender

músicas era a partitura, uma série de gêneros musicais europeus eram executados no Brasil

por pianeiros profissionais que famílias de classe média contratavam para animar seus

Page 63: Auto Aprendizagem Musical

62

bailes. Como observamos anteriormente, a notação musical permitia uma participação ativa

do intérprete:

“...apesar daquela informação estrangeira transmitida pela escrita da partitura, a forma

culturalmente descomprometida de tocar dos pianeiros, muitos deles mestiços, acabava

modificando a tal ponto as músicas importadas que em poucos anos estavam nacionalizadas. Foi

isso o que aconteceu, principalmente a partir de 1870, quando, passando a ser compostos por

músicos do povo, alguns destes gêneros – como a valsa, a polca e a schottisch – , popularizando-

se entre os grupos de flauta, violão e cavaquinho, que tocavam de ouvido, distanciaram-se ainda

mais dos signos registrados nas partituras. Realmente, seria do estilo chorado de tocar essa

música européia (inicialmente divulgada pelos pianos dos salões) que nasceria o primeiro estilo

de música instrumental reconhecidamente urbano brasileiro: o choro” (Tinhorão, 2001: 167-8).

Entretanto, após a entrada dos fonógrafos no país, estabeleceu-se uma nova

realidade em que a execução da música era determinada em todos os aspectos, sem

deixar margens para alterações que identificassem o estilo de interpretação com o

instrumentista:

“ao contrário do que acontecera com as partituras de piano, não era mais possível ‘reinterpretar’:

a música importada era exatamente aquela que soava pela boca do fonógrafo, ao ser acionada a

manivela que fazia girar o cilindro gravado” (Tinhorão, 2001: 168).

Portanto, dentro de um contexto em que as músicas eram trazidas em formatos

rigidamente estabelecidos, os instrumentistas passaram a aprender mais por tentativas de

cópias fiéis do que por releituras e recombinações, de certa maneira inibindo o

desenvolvimento de outras manifestações através de processos como o que ocorreu com o

choro. Percebemos que, embora na teoria o registro e a transmissão do som via mediações

tecnológicas possibilite uma democratização da música, na prática os critérios de seleção

das músicas que serão difundidas obedecem interesses comerciais de lucro financeiro. O

ouvinte é de fato encarado como um consumidor.

Esta nova condição da música dentro da sociedade, resultado do surgimento de uma

estrutura industrializada, implicou em outras mudanças além da democratização musical.

Page 64: Auto Aprendizagem Musical

63

Zan (1997) identifica as adaptações causadas pela industrialização tanto na elaboração da

música como na sua apreciação pelos ouvintes:

“Com os sistemas de gravação e a produção industrial, a música já não pode ser entendida apenas

como pura apropriação por parte das empresas das manifestações musicais pré-existentes de

modo independente. Os novos meios técnicos geram um outro objeto musical a partir do trabalho

de compositores, instrumentistas, cantores, arranjadores, etc. Dessa forma, os aspectos formais

estilísticos que lhes são peculiares como características harmônicas, melódicas, timbrísticas, a

duração, os padrões orquestrais e de arranjos, os aspectos temáticos e performáticos, são, até

certo ponto, condicionados pela técnica, bem como por todo o processo industrial de produção e

de consumo. Com a industrialização, a música também vai se dissociando do ritual tanto do

concerto (música erudita) como das práticas lúdico-religiosas (música popular) e o ouvir

desatento passa a ser uma das características da relação do público com essa manifestação

cultural” (Zan, 1997: 22).

Este ouvir desatento é resultado de uma “banalização” da música, ou seja, a idéia da

música essencialmente como fundo para outras atividades e não como centro das atenções.

Eco (1970) sintetizou estas duas conseqüências do surgimento do rádio, a democratização e

a banalização, da seguinte forma:

“...o rádio pôs à disposição de milhões de ouvintes um repertório musical ao qual, até bem pouco

tempo, só se podia ter acesso em determinadas ocasiões. Daí a expansão da cultura musical nas

classes médias e populares (fenômeno que se pode apreciar melhor recordando como a música

setenticista foi toda dedicada e dirigida à um público de corte, enquanto que a do século passado

se tornou, ao contrário, um divertimento típico da burguesia), o aprofundamento do

conhecimento do repertório (dado que o rádio podia também impor ao público as composições

menos conhecidas e mais esquecidas nos programas dos concertos habituais), e o estímulo para

promover manifestações musicais e compor músicas originais (campo em que o rádio, bem ou

mal, assumiu o papel que, no passado, pertencera a indivíduos isolados ou às instituições com

tendências ao mecenatismo). Por outro lado, o rádio – nisso ajudado pelo disco – pondo à

disposição de todos uma enorme quantidade de música já ‘confeccionada’ e pronta para o

consumo imediato – desencorajou aquelas práticas de execução autônoma que caracterizavam os

aficionados, os diletantes musicalmente sensíveis dos séculos passados; inflacionou a audição

musical, habituando o público a aceitar a música como complemento sonoro das suas atividades

caseiras, com total prejuízo de uma audição atenta e criticamente sensível, levando, enfim, a um

Page 65: Auto Aprendizagem Musical

64

hábito da música como coluna sonora da jornada, material de uso, que atua mais sobre os

reflexos, sobre o sistema nervoso, do que sobre a imaginação e a inteligência” (Eco,1970: 316-7).

O uso da música como fundo constante para a vida cotidiana é acentuado com o

direcionamento das rádios modernas, que não organizam suas programações visando uma

contribuição de finalidades educativas.

“...as estações comerciais de rádio nunca realmente estiveram no negócio da educação musical;

elas sempre colocaram suas música fora de contexto, transformaram-nas em produtos

suburbanos, as tornaram uma trilha sonora de shopping centers” (Frith, 1981: 126).

Tanto a expansão do conhecimento de repertório quanto o ouvir desatento influem

diretamente sobre os processos de auto-aprendizagem musical. A ação do rádio na

educação informal contribui para o aprendizado de instrumentos musicais difundindo

ritmos e estilos musicais diversos e alimentando as práticas dos aprendizes com

informação, fornecendo matéria-prima para repetições, observações e desenvolvimento de

uma personalidade musical. No entanto, a “inflação da audição musical” diminuiu a

atenção do ouvinte comum e reduziu sua capacidade de crítica e apreciação, impondo ao

aprendiz musical a necessidade de elevar seu discernimento de escuta para fugir da

banalização. Em um extremo, Stravinsky (1996) colocou, durante uma conferência na

Universidade de Harvard, em 1939, que ao facilitar em demasia o acesso à música, o rádio

atua como um desserviço à aprendizagem musical:

“Já se foi o tempo em que Johann Sebastian Bach fazia uma longa viagem a pé para ouvir

Buxtehude. Hoje, o rádio faz a música invadir os lares a todas as horas do dia ou da noite. Poupa

o ouvinte de qualquer esforço que não seja o de girar um botão. Ora, o sentido musical não pode

ser adquirido ou desenvolvido sem exercício. Em música, como em tudo o mais, a inatividade

leva pouco a pouco à paralisia, à atrofia das faculdades. Entendida dessa maneira, a música se

transforma numa espécie de droga que, longe de estimular a mente, só consegue paralisá-la e

embotá-la. Assim, ocorre que o próprio esforço de fazer as pessoas gostarem de música,

proporcionando-lhes uma oferta cada vez mais vasta, muitas vezes faz senão essas pessoas

perderem o seu apetite pela música para a qual se pretendia despertar o interesse e o gosto”

(Stravinsky, 1996: 121-2).

Page 66: Auto Aprendizagem Musical

65

Esta questão foi abordada de maneira similar por Adorno (1980), que considerava

os meios de comunicação responsáveis por uma “regressão da audição”:

“Com isto não nos referimos a um regresso do ouvinte individual a uma fase anterior do próprio

desenvolvimento, nem a um retrocesso do nível coletivo geral, porque é impossível estabelecer

um confronto entre os milhões de pessoas que, em virtude dos meios de comunicações de massas,

são hoje atingidos pelos programas musicais e os ouvintes do passado. O que regrediu e

permaneceu num estado infantil foi a audição moderna. Os ouvintes perdem com a liberdade de

escolha e com a responsabilidade não somente a capacidade para um conhecimento consciente da

música – que sempre constitui prerrogativa de pequenos grupos – mas negam com pertinácia a

própria possibilidade de se chegar a um tal conhecimento” (Adorno, 1980: 180).

Em sua visão sobre a música popular, Adorno se posicionou contrariamente à idéia

de que haja uma democratização musical, pois a transformação da arte em produto obriga

os apreciadores a aceitar o que é imposto pela indústria. Segundo o autor, o fetichismo

musical instituído pelo mercado de consumo valoriza os artistas – e não a música – ,

colocando-os na condição de heróis, e ditando assim o gosto que os ouvintes terão como

seu próprio. Esta consideração, aliada ao suposto princípio não educativo do rádio que

observamos anteriormente, constitui a principal crítica aos meios de comunicação como

agentes ativos nos processos de aprendizagem musical.

Entretanto, independentemente dos processos que moldam os gostos dos ouvintes da

música popular, consideramos o papel dos meios de comunicação um importante estímulo

ao estudo da música e uma conexão ao prazer artístico. Devemos perceber que o “hábito da

música como material de uso”, como diz Eco, também proporciona satisfação ao ouvinte,

mesmo atuando mais sobre seus reflexos e sobre seu sistema nervoso. Há também uma

alegria proveniente das sensações geradas por um fundo musical que deve ser considerada

e, de alguma forma, valorizada. Porém, a alegria que surge em decorrência da plena

integração do ouvinte com a obra musical, atuando sobre a imaginação e a inteligência, é

sem dúvida a que move o aprendiz da música, interessado em estabelecer experiências mais

profundas e duradouras. Como Snyders (1977) assinala, ao hábito da apreciação musical

deve ser dado enorme consideração e atenção, pois somente desta maneira haverá

progressos no descobrimento de outras alegrias além das musicais.

Page 67: Auto Aprendizagem Musical

66

Mas, se a principal contribuição do rádio para o aprendizado de instrumentos

musicais é a disponibilização de repertório, ele cumpre dessa forma uma importante função

ao familiarizar o ouvinte com as novas sonoridades tecnológicas.

“...o rádio sempre tem a possibilidade de promover um apuramento do gosto musical: se não no

sentido de uma maturação artística, pelo menos habituando o ouvido a acostumar-se com meios

técnicos sempre mais complexos e articulados” (Eco, 1970: 318).

Assim, o aprendiz pode identificar as possibilidades sonoras de seu instrumento,

conhecendo novos timbres e recursos de manipulação do som, como reverbs, distorções,

etc. Para que se aprenda a partir da obra de outros, é preciso compreender minimamente

como aquele trabalho foi construído e quais foram os elementos tecnológicos envolvidos.

Porém, o ouvinte que escuta o rádio intencionalmente está isolado dos instrumentistas que

executam a música e da grande maioria das outras pessoas que formam a platéia. Estes

elementos são “parte essencial de uma audição musical tradicional, introduzindo na audição

uma cota de ‘teatralidade’ que não nega mas caracteriza o rito musical” (Eco, 1970: 319).

Nestas condições, os ouvintes têm experiências distintas através do rádio, dependendo de

seus conhecimentos musicais anteriores:

“O ouvinte musicalmente preparado aproveitará de uma audição radiofônica para um rigoroso

controle do discurso musical, destituído de comistões psicológicas e fixado nos valores formais,

técnicos e expressivos. Em contraposição o ouvinte musicalmente inculto aproveitará do

isolamento a que o rádio o constrange, para dar asas à sua fantasia, que, estimulada pela música,

e não mais orientada pela presença direta de um aparato ritual, poderá fazer, do fato sonoro,

ocasião para abandonar-se à onda indiscriminada dos sentimentos e imagens; já ao amador

principiante faltará aquele subsídio constituído, na sala de concerto, pelo gesto do solista ou,

melhor ainda, do maestro, que lhe permite seguir o fluir do discurso sonoro, espacializando os

vários níveis melódicos-harmônicos e as seções tímbricas” (Eco, 1970: 320).

Embora esta análise seja direcionada à música de concerto, com maestros e solistas,

podemos transportar o mesmo raciocínio para outras modalidades musicais. Estes três tipos

de ouvintes – o musicalmente preparado, o inculto e o amador principiante – enfrentam os

mesmos desafios com todos os estilos musicais veiculados pelo rádio. Nosso personagem

Page 68: Auto Aprendizagem Musical

67

principal de estudo, que se aproxima mais do amador principiante, buscando informações

que auxiliem e complementem o seu aprendizado musical, é o que mais se ressente do

isolamento do rádio, principalmente pela ausência do contato visual com os gestos dos

músicos. Esta questão é solucionada com a televisão.

Por um lado, Eco afirma que “no vídeo, a presença visiva dos executantes e do

público não substitui a presença física” (Eco, 1970: 321). A experiência decorrente da

transmissão de um show ou concerto não é equivalente à presenciar o mesmo evento, e

dificilmente poderemos medir a emotividade que cada uma das situações pode gerar. Mas,

por outro lado, Eco reconhece as possibilidades pedagógicas que as imagens oferecem à

música, e é inegável que a observação contínua de instrumentistas pode servir de auxílio

para os estudiosos.

No entanto, no momento de conclusão desta pesquisa, poucos são os programas de

televisão no Brasil que transmitem integralmente ou parcialmente espetáculos musicais,

com a intenção de criar uma ilusão para o telespectador de estar fisicamente presente no

local da apresentação. A maioria dos casos deste tipo pertence aos canais de televisão a

cabo.18 A transmissão “ao vivo” é ainda mais rara, sendo a experiência mais próxima da

apresentação real, pois sabemos que não houve edições e a imprevisibilidade dos

acontecimentos pode surpreender até mesmo as câmeras e os diretores. Por este motivo,

Machado (2000) classificou o estilo do jazz e a televisão ao vivo como duas artes da

improvisação.

“Talvez não exista um motivo mais adequado à transmissão televisual do que um bom concerto

de jazz, porque a televisão permite associar à espontaneidade e ao aleatório da forma musical a

aventura errática dos cortes e enquadramentos decididos no próprio momento da performance,

com a incorporação inclusive dos acidentes do acaso” (Machado, 2000: 47).

São estas as melhores oportunidades para o aprendiz observar a prática de músicos

mais avançados e obter elementos para aperfeiçoar a sua própria performance. Nas

18 Um exemplo recente foi a transmissão “ao vivo” integral do Free Jazz Festival, em julho de 2001, pelo canal a cabo Multishow, que também mantém reprises regulares de outros shows em sua programação, como nos programas Carlsberg Music Live e Programa Música Brasileira. Este último, apresentado por João Marcelo Bôscoli, apresenta artistas que se revezam e interagem em 3 palcos arranjados formando um círculo. Na televisão aberta, a Rede Cultura destaca-se na transmissão de concertos eruditos, por exemplo durante o Festival de Inverno de Campos do Jordão, evento que acontece anualmente no mês de julho.

Page 69: Auto Aprendizagem Musical

68

situações em que a música serve de fundo para outras imagens que não as dos intérpretes

musicais, a visão age como fator perturbador da audição, e o aprendiz tem maiores

dificuldades do que ao concentrar-se somente no som. Nos videoclipes, presentes em

programas de diversos canais da televisão aberta e a cabo, podemos ter os dois casos: a

música pode ser apenas um complemento para imagens que contam uma história ou

mostram cenas desconexas, ou os músicos podem ser uma peça central, normalmente

dublando a gravação da música realizada anteriormente. Como discutiremos mais tarde, a

possibilidade de apenas fingir que a execução está ocorrendo no momento da filmagem,

estratégia muito comum na produção de videoclipes, pode enganar ou confundir o

espectador.

Logo percebemos que a função principal exercida pelos videoclipes é divulgar

músicas e não disponibilizar informações dirigidas especialmente para o ensino musical.

Neste sentido o papel da televisão é atuar como agente estimulador, fornecendo um

material que não contribui diretamente para o aprendizado de instrumentos musicais mas

que incita a procura de maiores aprofundamentos. Exemplo disto são os resultados da

pesquisa de Corrêa (2000) sobre os processos de auto-aprendizagem de violão com

adolescentes. Juntamente com o rádio, a MTV foi citada como fonte de motivação para o

estudo das músicas veiculadas, muitas vezes pela apreciação tanto das imagens quanto dos

aspectos sonoros.

Em outras situações, a música é utilizada como elemento pedagógico e usualmente

as letras das canções são meios para trabalhar disciplinas como o português ou a história.19

Seguindo o raciocínio de Gardner (1994), percebemos como a análise detalhada dos versos

que conhecemos através dos meios de comunicação pode ser de grande auxílio na

compreensão de assuntos tão diferentes como concordâncias verbais e a guerra do Vietnã.

Embora este tipo de programa possa trazer informações sobre movimentos musicais

históricos, pouco contribuem para o aprendizado da teoria ou da prática da música. Raros

são os programas que abrem espaço para que os músicos possam demonstrar seu trabalho

instrumentalmente ao mesmo tempo em que comentam e explicam seus raciocínios e

percepções, cenário que seria muito favorável ao estudo musical.20

19 Exemplos deste caso são os programas “Nossa Língua Portuguesa”, veiculado pela Rede Cultura, e “Afinando a Língua”, do canal a cabo Futura. 20 Exemplo deste caso é o programa “Ensaio”, dirigido por Fernando Faro e apresentado pela Rede Cultura.

Page 70: Auto Aprendizagem Musical

69

As mídias surgidas após o rádio ampliaram as possibilidades de aprendizagem à

distância; a televisão adicionou a imagem e o computador disponibilizou a hipermídia.

Iremos analisar estas questões respectivamente nos capítulos 4 e 5. Porém, neste ponto

devemos assinalar como a conquista do controle do som foi fundamental para um melhor

controle do ensino.

3.2 Controle do Som

A tecnologia de registro e transmissão do material sonoro criou novas maneiras de

trabalhar a música que podem ser extremamente positivas para o aprendizado musical.

Exemplos disto são as formas de manipulação sonora presentes nos aparelhos de som

modernos, por mais simples que sejam. Quando o ouvinte altera as freqüências da música,

através dos controles de graves e agudos ou de equalizadores (com os quais cada faixa de

freqüência pode ser modificada separadamente), um poder de influência está sendo

exercido e a música pode adquirir características mais suaves ou agressivas. Esta ação

possibilita que um dos instrumentos participantes da performance seja evidenciado, ou pelo

contrário que sua proeminência no contexto geral seja reduzida.21

Estas formas de controle do som permitem a criação de ambientes mais balanceados

e direcionados aos processos de ensino/aprendizagem. Manipulando a informação, os

pontos de interesse podem ser destacados e os assuntos secundários podem ser colocados

de lado. Exemplos são encontrados nas situações em que meios tecnológicos são utilizados

para valorizar metodologias de ensino, como constatamos nas aulas do professor de

percussão e bateria Jan Uetz, na escola Rhythmstixx, situada na região central de Berna,

Suíça.22 Uetz, diretor e principal professor da escola, enfatiza a importância do trabalho

com a tecnologia da seguinte forma:

21 Um caso típico é dos estudantes de contrabaixo: usualmente diminuem os agudos e reforçam os graves das gravações para que seu instrumento seja destacado. 22 Entrevista com Jan Uetz realizada durante visita à escola Rhythmstixx em 2/11/2000.

Page 71: Auto Aprendizagem Musical

70

“A RHYTHMSTIXX constitui uma combinação completamente nova entre escola de música e

estúdio de gravação. Essa combinação permite a suave transição da instrução para a aplicação

prática. Além da instrução individual normal para bateristas em todos os níveis, a

RHYTHMSTIXX também oferece instrução especial para gravações em estúdios (Studio

Drumming) e uso de equipamentos eletrônicos (Eletronic Drumming/Midi Percussion) –

aplicações que não são ensinadas em nenhuma outra escola na Suíça”23

As salas de aula na Rhythmstixx dispõem de mixers, ou mesas de som, que

comandam os elementos envolvidos na aula. Da “estação de comando”, o professor

controla os aparelhos sonoros e de vídeo e comunica-se com os alunos através de um

microfone e fones de ouvido. Sem a ajuda tecnológica esta comunicação é dificultada pela

considerável intensidade de som produzida no estudo de determinados instrumentos de

percussão, impedindo que uma orientação ocorra durante a performance. Com o uso dos

equipamentos, não há a necessidade de elevar a voz, competindo com a própria

performance e dividindo a atenção do aluno: o som balanceado das instruções chega pelos

fones, agindo quase como uma “consciência” própria do estudante que dirige a prática que

se realiza. O professor também dispõe de uma câmera digital para filmar o aluno e

demonstrar quaisquer problemas relacionados aos seus movimentos ou à sua postura

corporal. Toda a tecnologia disponível é utilizada para reportar ao aluno quais são seus

erros e acertos, e assim concentrar os esforços nas áreas de interesse.

“Uma especialidade do professor principal (head instructor) Jan Uetz está no campo do “controle

corporal” (“Body Control”). Baseado na observação de que a maioria dos problemas dos

bateristas com ritmos e consistência derivam de má postura, assim como de dificuldades técnicas,

ele desenvolveu um método completamente único. Após anos de pesquisa e discussões com

fisioterapeutas e médicos, suas aulas foram baseadas nas condições individuais do corpo humano

e nas leis naturais da física. O baterista aprende como maximizar sua energia com o instrumento

através de postura correta e técnica, e como resultado consegue desenvolver maiores velocidades

e dominar coordenações complexas facilmente.”24

As imagens captadas pela câmera são muitas vezes confrontadas com vídeo-aulas

que mostram músicos de estilos diversos realizando exercícios similares àqueles

23 Texto retirado do site www.rhythmstixx.ch. 24 Idem.

Page 72: Auto Aprendizagem Musical

71

trabalhados na aula. Esta prática cria um universo de comparações, trazendo uma nova

dimensão auto-crítica para o estudo e sistematizando uma metodologia para o aluno. A

linguagem do vídeo é familiar, permitindo que o aprendiz desenvolva seus próprios

métodos que posteriormente poderão ser colocados em prática sem a supervisão do

professor. Este é, de fato, um dos objetivos da Rhythmstixx:

“O estudante é guiado em direção à auto-suficiência e à capacidade de realizar julgamentos

objetivos de seus próprios movimentos, técnica, controle e proficiência na leitura de partituras.

Ele ou ela aprende a tomar responsabilidade de seu próprio progresso.”25

Se na Suíça a Rhythmstixx é única escola que investe na preparação do aluno para

lidar com tecnologias relacionadas à percussão, no Brasil percebemos uma grande lacuna

neste sentido. Devido ao alto custo envolvido na compra de equipamentos e no uso de

estúdios de gravação, os alunos brasileiros dificilmente têm acesso à estas experiências

antes de encontrar-se diante de uma situação profissional real. Este distanciamento entre o

aprendiz e a tecnologia pode gerar problemas como este apontado por Costa (1996):

“os músicos formados em nossas escolas, por exemplo, não conhecem nada sobre processos de

gravação sonora: i.e., aquilo que transforma a sua produção artesanal num produto industrial.

Para compensar, os técnicos e engenheiros de som dos nossos estúdios, os que cuidam da

gravação, em geral, não conhecem música. O resultado é uma conversa de surdos entre músicos e

técnicos/engenheiros nos estúdios de gravação e nos palcos dos concertos de música popular –

cada vez maiores e com equipamentos mais sofisticados – e, naturalmente, a pior qualidade do

som produzido” (Costa, 1996: 22).

Costa sugere que cursos específicos deveriam ser criados para a formação superior

de engenheiros de som, estabelecendo uma interface entre engenharia elétrica, física

(acústica) e música; e que através de especializações os arranjadores, compositores e

músicos poderiam “incorporar esta nova tecnologia, cujo acesso hoje só se faz através de

cursos fora do país ou de forma auto-didática”(Costa, 1996: 23).

Contudo, em nossa realidade atual, não temos tal tipo de especialização nos estudos

25 Idem.

Page 73: Auto Aprendizagem Musical

72

musicais e nem mesmo uma educação musical oficialmente presente nas escolas. Daí a

relevância de analisar os processos de auto-aprendizagem, que se tornam meios para

aprender não somente música mas também como lidar com os sistemas tecnológicos

modernos. Sem a orientação de um professor, o aprendizado ocorre através de tentativa e

erro, e neste contexto todas as possibilidades de interatividade que são criadas pela

tecnologia são vitais.

A interatividade traz ao aprendiz muitas das respostas que seriam dadas pelo

professor ou estimula novas idéias, construindo uma espécie de “diálogo” entre aluno e

máquina. Um exemplo em que o músico recebe estímulos são os aparelhos que

automaticamente produzem seqüências de notas musicais a partir de uma nota executada

em um instrumento musical, ou os delays e reverbs que transportam o músico para um

ambiente diferente daquele em que ele realmente se encontra. Ouvindo a resposta eletrônica

às notas que são tocadas, o músico poderá ter reações que modifiquem a execução da

música. Muitos dos instrumentos musicais eletrônicos modernos de alguma maneira

possibilitam esta interação. Diz Chadabe:

“...interação significa influência mútua. Em termos ambientais, significa que causamos mudanças

no meio ambiente e reagimos a eventos ambientais. Em termos musicais, significa que

influenciamos o instrumento que tocamos e que somos influenciados pelos sons que ele produz.

Significa que um instrumento tem uma mente própria, por assim dizer, de forma que ele produz

informações musicais que contém surpresas” (Chadabe, 1996: 43).

Esta “mente própria” do instrumento, nos termos de Chadabe, pode ser controlada

por computadores ligados aos instrumentos eletrônicos através da linguagem MIDI. Por

exemplo, alguns modelos de piano eletrônico (como o Yamaha Disklavier e o Bösendorfer

SE) podem ser conectados a computadores e programados para executar peças musicais (ou

registrar e repetir a execução que foi realizada por um músico). Na tela do computador

temos uma visualização imagética das notas percutidas, dispostas em gráficos ou em

notação musical tradicional, a partir da qual podemos realizar operações como as de um

editor de textos, recortando e colando trechos ou alterando a altura de notas e suas durações

rítmicas. Podemos, também, separar as notas da mão direita daquelas executadas pela mão

esquerda, pedindo ao aluno que contracene com a máquina para complementar a música

Page 74: Auto Aprendizagem Musical

73

(Tomita e Barber, 1996). Todas estas atividades abrem possibilidades altamente vantajosas

para a auto-aprendizagem, pois oferecem um feedback ao aprendiz sobre seu desempenho,

contribuindo para o seu auto-conhecimento.

A idéia de computadores auxiliando a performance musical, chamada por muitos

autores de computer-aided performance, é um dos recursos que facilitam o aprendizado da

música pois ampliam as oportunidades de interatividade.

“o conceito de computer-aided performance é especialmente apropriado para o emergente

mercado da mídia interativa. De fato, a mídia interativa – incluindo floppy discs, CD-ROMs e

eventualmente a televisão interativa – em um futuro próximo vai fornecer a plataforma de

hardware básico para a computer-aided performance” (Chadabe, 1999: 26).

Uma das possíveis contribuições da associação entre computadores e instrumentos

musicais eletrônicos está em participações mais ativas nas performances musicais, atuando

em tempo real; ou seja, durante a execução da música. Podemos então fazer com que eles

eliminem etapas do processo de interpretação e facilitem o aprendizado, permitindo que

mais pessoas participem de realizações musicais satisfatórias, independente de sua

proficiência técnica e destreza com os instrumentos. Além dos pianos eletrônicos

mencionados poucos parágrafos acima, podemos citar como exemplo os programas Radio

Baton e Conductor, desenvolvidos por Max Mathews (Mathews, 1991).

Mathews desenvolveu o primeiro programa que permitia a performance musical

através de computadores. Ele terminou o programa Music I em 1957, utilizando um IBM

704 para executar “In the Silver Scale”, uma composição de Newman Guttman com 17

segundos de duração. A música era programada com antecedência e somente após um

demorado processo o resultado sonoro final podia ser obtido. Os sistemas inicialmente

utilizados contavam com poucos recursos e as máquinas e processos eram demasiadamente

lentos para responder aos controles em tempo real. Atualmente, a velocidade de

processamento dos computadores permite que os músicos modifiquem o som baseados em

respostas imediatas, assim como reagimos ao som de um piano quando pressionamos uma

tecla e ouvimos o resultado imediato daquela ação.

O Radio Baton é um aparelho que apresenta uma das formas de controlar o som em

tempo real. Trata-se de um sistema de sensores que atuam como a batuta de um maestro e

Page 75: Auto Aprendizagem Musical

74

emitem sinais que são enviados ao programa Conductor, que os traduz e envia mensagens

em MIDI para um sintetizador. O Conductor atua como uma espécie de seqüenciador, onde

as alturas e durações das notas de uma determinada composição são armazenadas, e estarão

esperando para serem disparadas pelos comandos do instrumentista. Dessa forma, o músico

controla os sons que já estão programados no computador e atua verdadeiramente como

uma espécie de maestro.

O software utilizado divide a tarefa da performance musical em dois componentes

distintos: o predeterminado e o expressivo. O compositor predetermina sua obra na

partitura, e o instrumentista adiciona a parte expressiva, com a possibilidade de desviar as

intenções originais do compositor com a sua interpretação. A partitura determina as alturas

e as durações relativas das notas da música, enquanto que o intérprete tem influência sobre

o tempo, a dinâmica e as relações entre as notas e o silêncio entre elas. É importante

ressaltar que softwares baseados neste conceito são concebidos para a música escrita e

arranjada, não para estilos que valorizam a improvisação, como o jazz.

O Conductor concentra a prática do instrumentista apenas nos aspectos de expressão

da música, pois o próprio programa encarrega-se de realizar a parte predeterminada. As

notas, com as alturas e durações corretas, já estão definidas no computador, portanto o

músico não necessita da técnica para ler e executá-las afinadamente. Assim, mesmo os

iniciantes, sem um controle técnico adequado em seus instrumentos, têm a capacidade de

interpretar a música e desenvolver a sua expressividade. Diz Mathews que

“Os programa Conductor e o Radio Baton podem criar outra forma de experimentar a música,

onde ao invés de passivamente sentar e ouvir um CD, você poderia comprar a partitura de uma

peça musical em um floppy disk e reger sua própria interpretação da música” (Max Mathews,

citado em Chadabe, 1997: 332).

Outros programas permitem que músicos não instruídos realizem trabalhos mais

avançados no campo da composição. Em muitos teclados eletrônicos, por exemplo, a

execução de uma simples nota pode disparar um acompanhamento rítmico e harmônico,

dando origem a uma música parcialmente pré-programada na máquina.

Na visão de Chadabe (1997), o auxílio tecnológico aos iniciantes na música é

extremamente benéfico:

Page 76: Auto Aprendizagem Musical

75

“a interatividade em casa significa que um amador, talvez sem talento ou habilidade, pode

participar de um processo musical de forma recompensadora. Isso é possível? Sim, porque o

aspecto da performance musical que requer habilidade, ou seja, tocar as notas, pode ser eliminado

das tarefas do músico. Isso é bom? Sim, porque permite que pessoas participem de processos

musicais em um nível artístico significativo mesmo se elas nunca estudaram um instrumento

musical anteriormente” (Chadabe, 1997: 332).

Mathews levanta algumas questões sobre as mudanças que novos programas, como

os descritos acima, poderão provocar nos instrumentistas. “Podem os novos instrumentos

tornar a música demasiadamente fácil de ser executada e logo desinteressante?” (Mathews,

1991: 42). Sem um desafio técnico mínimo, a apreciação e a valorização das interpretações

estariam comprometidas, quando qualquer músico, sem distinção de mérito ou treinamento,

tivesse a capacidade de interpretar peças complexas. Todos seriam virtuosos, e os virtuosos

de fato se perderiam em meio ao mar de novos talentos criados via computador. O

significado da habilidade técnica, desenvolvida atualmente através de anos de prática

contínua, perderia então seu valor?

A questão mais relevante para nossos fins está relacionada com o processo de

aprendizagem: “se programas de computador para auxílio dos instrumentistas, como o

Conductor, podem eliminar ou reduzir a demanda técnica e o tempo de estudo, qual será o

efeito nos alunos?” (Mathews, 1991: 41). Esta pergunta nos leva a refletir sobre o que é

desenvolvido com a prática da técnica, além das próprias capacidades técnicas. Mathews

coloca que, durante os anos de aprendizagem em que os alunos estudam os mesmos

exercícios repetidamente, eles aumentam suas sensibilidades e treinam sua percepção

auditiva. Quais seriam as conseqüências de uma considerável redução desta etapa?

Percebemos que, se por um lado os alunos não mais desenvolverem certas

habilidades da mesma maneira porque as máquinas facilitaram o aprendizado ao extremo,

por outro, novas habilidades possivelmente serão colocadas em evidência. Por exemplo, os

programadores de seqüenciadores, embora não possuam necessariamente desenvoltura

técnica em instrumentos musicais, são reconhecidos pelas suas capacidades em criar e lidar

com os elementos da música. Os DJs transformaram o toca-discos em um instrumento

musical e elaboraram a arte de conectar sons. Nestas situações os alunos aprenderam a

Page 77: Auto Aprendizagem Musical

76

relacionar-se com a música por intermédio da tecnologia e elaboraram condições para se

expressar artisticamente.

Assim como o controle do som, o controle das imagens também pode auxiliar os

processos de aprendizado musical. O sistema do DVD, uma alternativa mais elaborada do

videocassete para as vídeo-aulas, permite determinar sob qual ângulo uma cena será

assistida, qual língua será utilizada nas falas, qual músico será focalizado, e poderemos

colocar a intensidade de um determinado instrumento em destaque, entre outros recursos.

Em uma situação de controle total, poderemos determinar um único foco de atenção

durante todo um concerto, dentro de uma orquestra com dezenas de integrantes. Se

lidarmos com a aula de um único professor, poderemos observar separadamente os detalhes

de suas explicações e performances, destacando um elemento de cada vez. Este conceito

vem sendo desenvolvido pela empresa norte-americana Hudson Music, antiga DCI Music

Video, a partir do lançamento do DVD “Modern Drummer Festival 2000”. Com a

possibilidade de repetir as mesmas cenas sob diferentes perspectivas, aprendemos a ver as

situações de novas maneiras, com uma nova ótica.

“...a unificação dos sistemas de CD de áudio e de vídeo (DVD) deverá originar a criação de um

multi-aparelho único áudio-vídeo-laser capaz de – ao lado de um sem-número de outras funções

ligadas aos recursos de telefonia e satélites – possibilitar não apenas assistir à transmissão de

musicais programados em laboratório, mas admitir inter-relação entre emissor e receptor em

nível de realidade virtual” (Tinhorão, 2001: 184).

Assim como existe o recurso do hipertexto, destacando certas palavras ou conceitos

e nos conduzindo a informações mais detalhadas, a interatividade no vídeo eventualmente

irá nos proporcionar opções de aprofundamento em determinados assuntos. Poderemos

“clicar” sobre as imagens de um vídeo musical e obter explicações sobre as escolhas dos

instrumentistas ou comentários relevantes relacionados àquela música. Em uma vídeo-aula,

nosso papel passivo de espectador será substituído por um comportamento mais

investigativo, pois com a citação de uma obra ou compositor, por exemplo, teremos acesso

a mais dados a partir daquele nome. Com a junção da televisão com o computador,

anunciada há tempos como um provável desenvolvimento futuro destas tecnologias

(Negroponte, 1995 e Gates, 1995), teremos uma conexão direta do vídeo com as redes de

Page 78: Auto Aprendizagem Musical

77

informação como a Internet. Quando um professor se referir a um estilo musical ou a uma

peça específica, teremos um link direcionado a sites aprofundando o tema. Todas estas

idéias já são realidade e provavelmente serão disponibilizadas comercialmente nos

próximos anos.

Concluímos que o principal meio tecnológico de auto-aprendizagem no século XX

foi a gravação sonora, estabelecendo uma base para que posteriormente os meios de

comunicação propagassem a música e desenvolvessem novas formas de transmitir a

informação. O rádio e a televisão tiveram um papel importante como divulgadores de

repertório, mas foi com o vídeo que uma sistematização do aprendizado foi elaborada. Os

computadores ampliaram as oportunidades de acesso interativo à conteúdos musicais e

eventualmente uma fusão de todas as tecnologias será um veículo comum para que os

aprendizes adquiram conhecimento. Neste ponto, devemos nos voltar para as duas

tecnologias mais importantes para os processos de auto-aprendizagem na atualidade, e que

deverão ser os principais elementos da convergência tecnológica no futuro: o vídeo e o

computador.

Page 79: Auto Aprendizagem Musical

78

CAPÍTULO 4 – O VÍDEO

4.1 A Imagem

O uso do vídeo nos processos de auto-aprendizagem musical deve ser abordado

através de óticas envolvendo a relação do som e da imagem ao nível da comunicação,

informação e linguagem. Machado (1997) nos alerta que

“hoje o vídeo deixa de ser concebido e praticado apenas como uma forma de registro ou de

documentação, nos sentidos mais inocentes do termo, para ser encarado como um sistema de

expressão pelo qual é possível forjar discursos sobre o real (e sobre o irreal). Em outra palavras, o

caráter textual, o caráter de escritura do vídeo, sobrepõe-se lentamente à sua função mais

elementar como registro” (Machado, 1997: 188).

Em outra passagem Machado destaca que “o vídeo é também um fenômeno de

comunicação, algo se transmite pelo vídeo e este algo só se transmite porque o vídeo deve

operar com certas formas e certos modos de comunicação” (p.193). Neste sentido o autor

concluiu que podemos falar de uma linguagem das formas audiovisuais, não segundo um

caráter universal ou normativo da gramática das mensagens verbais, mas como um sistema

híbrido que opera com códigos significantes distintos, realizando uma síntese de todas as

contribuições que recebe do cinema, do teatro, do rádio, da televisão, da literatura e da

computação gráfica.

Atualmente, pela quantidade e qualidade de cinema e televisão a que as pessoas são

expostas regularmente, imagens e sons cada vez mais substituem o texto escrito na

educação cotidiana informal. Este processo é marcado pela oralidade, onde a nova forma de

conhecer o mundo não mais é através da escrita e da leitura, mas a partir de imagens e sons

reais, com filmes, vídeos, discos e veículos da mídia eletrônica desempenhando o papel de

“livros de nosso tempo”. Assim, como foi observado por Castells (1996), os meios

audiovisuais passam a lidar com diversos aspectos da vivência humana, atuando em áreas

que, anteriormente, eram restritas às artes pois o conhecimento escrito era tido como

“superior”:

Page 80: Auto Aprendizagem Musical

79

“Implicitamente ou explicitamente estabelecendo uma hierarquia social entre a cultura letrada e a

expressão audiovisual, o preço pago pela fundamentação da prática humana no discurso escrito

foi relegar o mundo dos sons e imagens para o âmbito das artes, lidando com o domínio privado

das emoções e com o mundo público da liturgia. É claro, a cultura audiovisual teve sua vingança

histórica no século vinte, primeiro com o filme e o rádio, depois com a televisão, dominando a

influência da comunicação escrita nos corações e almas da maioria das pessoas” (Castells, 1996:

327).

Tinhorão (1981), observando um estilo de radialismo aliado a um espírito

jornalístico, iniciado no Brasil por Roquette Pinto em meados da década de 20, chamou o

rádio de “livro falado”. Através desta colocação podemos comprovar a importância do

rádio como reforço desta cultura oral a que nos referimos, a qual foram somadas imagens

com o cinema e posteriormente a televisão, parcialmente substituindo a cultura letrada que

imperava desde o surgimento da prensa de Gutemberg. Através destas novas formas de

apresentação de idéias desenvolvemos uma inteligência verbal, que implicaria em uma

“inteligência reflexa, especular e mecânica, o que se vê e se ouve é o que é, uma verdade,

mesmo que seja substituída por outra em seguida, verdades que se sobrepõem umas às

outras, nunca compondo um todo que dê sentido ao pensamento sobre o mundo” (Almeida,

1994: 45). Assim, a imagem que vale por mil palavras recebe o poder de estabelecer as

verdades, façam parte da realidade ou não.

Quando o vídeo é utilizado para transmitir música, as distorções possíveis através da

sua linguagem podem construir imagens que enganam o ouvinte / telespectador. Podemos

fazer parecer que o som de uma orquestra inteira é produzido por apenas quatro músicos ou

que um instrumento apresenta capacidades diferentes da sua sonoridade real. Em uma aula

gravada em vídeo, um professor pode dirigir a atenção de seus alunos para um ponto e

esconder outros, não revelando o assunto em sua totalidade. O poder da imagem pode

deseducar e confundir, se aproveitando de uma possível falta de critérios críticos que

imbuem o telespectador.

No caso específico da aprendizagem sistematizada da música através do vídeo, a

oralidade assume um contexto diferente, em que a confiança depositada pelo aluno exige

uma cumplicidade do educador / produtor que organizou o material. Não há possibilidade

Page 81: Auto Aprendizagem Musical

80

de um diálogo em tempo real para solucionar dúvidas ou obter esclarecimentos (ao menos

enquanto a televisão interativa ou a videoconferência não tornarem-se comuns), logo cabe

ao produtor das imagens antecipar as dúvidas e inseguranças do aprendiz. É preciso

sensibilizar o espectador e lidar com a subjetividade das pessoas, o sentir, a percepção e o

gosto pela música: não haverá resultados positivos se um professor apenas despejar

informações sem estabelecer uma conexão com o aluno. É preciso também compreender o

funcionamento da linguagem do vídeo, que a maioria dos indivíduos domina na atualidade,

ao menos parcialmente, através da convivência com a televisão.

Apesar do cinema ter gerado diversos clássicos musicais desde o surgimento dos

filmes falados26, foi com a televisão que a transmissão da música em conjunto com a

imagem se torna importante para nossa discussão.

4.2 A TV e a MTV

O canadense Marshall McLuhan (1964) também sugere que há diferenças de

mensagens da mídia eletrônica em comparação com mensagens escritas. Segundo o autor, o

uso da televisão marca uma nova era na história mundial, criando uma “aldeia global” onde

a mídia é o meio de comunicação entre seus habitantes. Assim como todas as mídias, a

televisão é uma extensão das capacidades do homem, mas com a capacidade de aglutinar

propriedades presentes nos outros meios de comunicação.

“A maioria das tecnologias produz uma amplificação que é muito explícita na separação dos

sentidos. O rádio é uma extensão do auditivo, a fotografia de alta definição do visual. Mas a TV

é, acima de tudo, uma extensão do sentido do tato, que envolve influências entre todos os

sentidos” (McLuhan, 1964: 290).

Certamente a influência da televisão estende-se ao campo das artes, com uma

adaptação aos novos formatos de apresentação possíveis com o desenvolvimento

26 Vale aqui lembrar que o primeiro longa-metragem sonorizado foi um musical: “The Jazz Singer”, em 1927.

Page 82: Auto Aprendizagem Musical

81

tecnológico. A relação som / imagem recebe novos sentidos com a inclusão da música no

cinema e na televisão, muitas vezes sugerindo diferentes interpretações para ambos os

aspectos. Um exemplo deste caso, citado por Kleiler e Moses (1997), é a dança dos satélites

no filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, onde o diretor Stanley Kubrick coloca

espaçonaves se revirando em câmara lenta ao som de valsas de Strauss. O contraste

causado pela justaposição de tecnologia do século XXI com a música do século XVIII

demonstra como a música pode se relacionar com movimentos, quando “certos objetos ou

imagens movem-se como a batuta de um maestro e combinam perfeitamente com o tempo

da música” (Kleiler e Moses, 1997: 31).

Um dos fenômenos mais evidentes da influência da televisão na música foi o

surgimento da MTV (Music Television), um canal de televisão à cabo dedicado

exclusivamente à música (ao menos em sua concepção original), inaugurado nos Estados

Unidos no dia 1o de Agosto de 198127. Segundo Shuker (1998), a MTV se tornou quase um

sinônimo de vídeo musical como forma cultural. Para Farber (1992), a fusão de três das

mais poderosas novas mídias do século XX – a televisão, o rádio e a música gravada –

criou um tipo de monstro. No aspecto visual, Machado (2000) destacou a construção de

uma “identidade” pela MTV nas suas propostas gráficas inovadoras, principalmente através

de suas vinhetas e logotipos.

O fato é que ocorreram grandes mudanças na maneira pela qual a música era

produzida e percebida. Inicialmente com 85 por cento de seus telespectadores dentro da

faixa etária de 12 a 34 anos, nas palavras de Marshall Cohen, então vice presidente de

marketing da empresa, a MTV é o “canal mais pesquisado da história” (Garofalo, 1997:

357). Através desta frase, Cohen revelava a preocupação em atingir públicos de mercados

específicos, dando à música um tratamento de produto comercial e mostrando indícios de

parcerias que viriam a acontecer com a indústria de discos. À medida que a popularidade da

MTV aumentava, o videoclipe (vídeo musical) revitalizava a indústria da música popular e

redefinia o perfil de artista destinado ao sucesso comercial. As companhias multinacionais

de gravação passaram a considerar a produção de vídeos uma necessidade para divulgar

seus produtos musicais, e assim surgia uma preocupação especial com a maneira como um

27 A subsidiária brasileira da MTV seria inaugurada dez anos mais tarde, em 1991. Atualmente a rede está presente em 41% dos domicílios brasileiros (“Maior de Idade, Alma Adolescente”, Revista Veja, edição 1713, n. 32, 15 de agosto de 2001), e em alguns Estados brasileiros faz parte da televisão aberta.

Page 83: Auto Aprendizagem Musical

82

artista aparecia na tela da televisão. Em 1983, segundo a revista americana Bilboard, a

exposição de novas bandas na MTV resultava em um crescimento de vendas de seus discos

de 15 a 20 por cento (Szatmary, 1996).

Diz Szatmary (1996) que a MTV substituiu o rádio como o grande lançador de

modismos na música popular. Mas havia uma diferenciação quando a imagem estava

presente, como coloca Zan (1997):

“o disco e o rádio desenvolveram basicamente a dimensão sonora da canção. Os intérpretes

preocupavam-se com as técnicas de emissão dos sons, com a exploração dos recursos dos

estúdios, com o uso dos microfones, etc. O cinema e a televisão vão, cada um a seu modo,

valorizar o potencial cênico e performático dessa manifestação artística” (Zan, 1997: 159).

O aspecto cênico recebe uma nova dimensão na divulgação de músicas a partir do

instante em que, associando o produto musical à imagem do artista, é possível duplicar a

abrangência dos esforços comerciais da indústria musical. Strasburger (1999), em seu

estudo sobre os adolescentes e a mídia, assinalou que, embora o impacto dos vídeos

dependa da interpretação dos espectadores, as mensagens contidas nas cenas e ações

servem para realimentar a assimilação do aspecto musical.

“Os vídeos de música são mais do que televisão acrescida de música. Eles são auto-reforçadores:

se os espectadores ouvem uma música após terem visto uma versão no vídeo, eles imediatamente

recordam a imagem visual do vídeo” (Strasburger, 1999: 108).

A imagem ganhava tanta (ou mais) importância quanto o som, muitas vezes até

suprindo a inconsistência musical de artistas que concentram todo seu apelo no aspecto

visual. Banks (1998) afirmou que

“artistas com pouca habilidade técnica ou talento musical são capazes de criar uma canção de

sucesso com um vídeo atrativo e a assistência de um produtor experiente. Quaisquer deficiências

na sua performance vocal ou instrumental pode ser remediada através de uma extensa mixagem

de áudio feita por engenheiros no estúdio” (Banks, 1998: 303).

Page 84: Auto Aprendizagem Musical

83

A tecnologia cria um problema quando é utilizada para promover artistas com boa

aparência mas sem qualidade técnica, em seguida apresenta a solução com a manipulação

do som posterior à performance.

Muitos chegaram a acreditar que os vídeos musicais iriam parcialmente substituir as

performances presenciais, e a indústria das gravadoras fonográficas passou a destinar

fundos antes dirigidos a subsidiar apresentações de seus artistas para a produção de vídeos

promocionais dos mesmos. Durante a década de 70, as multinacionais freqüentemente

financiavam uma série de concertos com a finalidade de divulgar seus contratados,

enquanto que nos anos 80, após o surgimento da MTV, esta tarefa foi realizada

principalmente pelos videoclipes. Contudo, a MTV não posicionou-se de maneira

competitiva aos shows; muito pelo contrário, tornou-se uma força aliada, divulgando-os e

encorajando a compra de ingressos. Segundo Banks (1996),

“a crescente importância do vídeo musical teve um impacto nas apresentações ao vivo, mas não

na maneira prevista. O vídeo musical não destruiu os concertos, mas ao invés influenciou a forma

e o conteúdo das performances. Artistas populares tentavam recriar a imagem, efeitos especiais, e

coreografias de seus vídeos em shows ao vivo” (Banks, 1996: 142).

O vídeo, em muitas ocasiões, também se tornou parte integrante do espetáculo

apresentado, colocando imagens no palco que interagem com os músicos e ambientam o

cenário. Em concertos de grande porte, a tela toma proporções gigantescas para ampliar a

imagem dos instrumentistas, possibilitando que sejam vistos por espectadores a centenas de

metros de distância. Neste contexto percebemos uma alteração no comportamento das

platéias, que reagem passivamente como se estivessem assistindo televisão, e não

verdadeiramente diante dos artistas.

Vicente (1996) assinala que, a partir do protocolo MIDI, é possível sincronizar

elementos não musicais de um show – como os telões que transmitem os vídeos – com a

performance desenvolvida nos palcos. Esta prática, no entanto, representa

“uma completa subversão do sentido tradicional da performance: a presença cênica dos artistas, o

andamento das músicas e sua própria ordem de apresentação devem ser planejados

antecipadamente e executados em rigoroso acordo com os sons, projeções e luzes sequenciados,

sem praticamente nenhuma margem para a improvisação” (Vicente, 1996: 42)

Page 85: Auto Aprendizagem Musical

84

Como já observamos anteriormente, a função principal dos vídeos musicais não é

transmitir elementos para a aprendizagem musical. Strasburger (1999) destacou que se os

adolescentes aprendem algo com a mídia, isto ocorre na difusão de modismos, tanto na

música como no vestuário, já que “a MTV oferece imagens de pessoas atraentes e, de

muitas formas, funciona como um desfile de estilos” (Strasburger, 1999: 109). Aprender a

tocar um instrumento musical exclusivamente pela observação contínua de clipes é uma

tarefa quase impossível, ainda mais com o direcionamento visual das produções mais

recentes. Enquanto que muitos dos videoclipes da década de 80 mostravam os músicos em

ação, possivelmente fornecendo dados que conectassem a música ao ato físico de sua

produção, atualmente muitos vídeos substituem os intérpretes por outras imagens ou os

colocam de forma bastante discreta, “como se fossem figuras furtivas e secundárias, à

maneira das aparições de Hitchcock em seus filmes” (Machado, 2000: 176). Além disso, a

descontinuidade que normalmente caracteriza o videoclipe impede qualquer tentativa de

criar a ilusão de uma performance real. Os planos são utilizados de maneira independente,

sem preocupações de forjar uma linearidade temporal e espacial.

“Tudo muda na passagem de um plano a outro: a indumentária dos intérpretes, o lugar onde se

ambienta a canção, a luz que banha a cena, o suporte material (filme ou vídeo de distintas bitolas)

e assim por diante” (Machado, 2000: 180).

Porém, a contribuição dos vídeos musicais e da MTV ocorre através de um estímulo

nos espectadores, mesmo que impulsionado pela criação de modismos, para o

envolvimento com a música. A emissora despertou o interesse pelo aprendizado de

instrumentos musicais em toda uma nova geração, abrindo caminhos e preparando os

aprendizes para o desenvolvimento das vídeo-aulas de música no meio da década de 80. A

proposta de ligar a televisão para ver e ouvir a música, inicialmente colocada pelos

diferentes formatos de musicais, foi completamente sedimentada. A idéia de aprender

música através do mesmo meio torna-se natural dentro deste contexto.

O ensino da música pelo vídeo surge em um mundo de conforto tecnológico, onde

as pessoas cada vez saem menos de casa e cada vez mais cumprem tarefas através de botões

de controle remoto. Em certo aspecto ela representa um enquadramento da música nesse

Page 86: Auto Aprendizagem Musical

85

ambiente de esforços mínimos, uma modelagem do processo de aprendizagem para o

futuro.

4.3 A Vídeo-aula

No decorrer dos anos 80 novas tecnologias transformaram o sistemas das mídias. O

surgimento do walkman permitiu que indivíduos, principalmente os jovens, “construíssem

paredes sonoras contra o mundo exterior” (Castells, 1996: 338); as rádios se especializaram

e a televisão à cabo multiplicou o número de canais disponíveis, ampliando e diversificando

as opções de escolha nas programações. Outra inovação que teria enorme impacto sobre o

universo da música foi o videocassete.

“Aparelhos de videocassete (VCRs) explodiram por todo o mundo e se tornaram em muitos

países em desenvolvimento uma alternativa à maçante transmissão oficial da televisão. Embora a

multiplicidade de potenciais usos dos videocassetes não fossem totalmente explorados, por causa

da falta de habilidades tecnológicas dos consumidores, e por causa da rápida comercialização de

seu uso pelas locadoras, sua difusão proporcionou uma grande flexibilidade ao uso da mídia

visual. Filmes sobreviveram na forma de fitas de vídeo. Vídeos musicais, responsáveis por 25%

do total da produção de vídeos, tornaram-se uma nova forma cultural que moldou uma geração

inteira de jovens, e de fato mudou a indústria musical” (Castells, 1996: 338).

Com a popularização do videocassete, os meios de divulgação da música foram

acrescidos por mais um canal de extrema importância. Todas as expressões musicais

inseridas na televisão poderiam ser apreciadas de maneira assíncrona, entregando ao

espectador o controle sobre quando e onde assistir a opção de sua preferência. E não

somente este espectador poderia registrar programas gravados da televisão para serem

assistidos posteriormente, como produtos comerciais seriam direcionados à públicos

específicos, com um material de concertos, shows, videoclipes, entre outras produções

contendo música. Tratava-se de uma nova formatação, mantendo as mesmas linguagens e

estilos que a televisão desenvolveu quando viu-se obrigada a adaptar o ritmo de suas

Page 87: Auto Aprendizagem Musical

86

imagens à música que ela procurava retratar. Dessa maneira, o aprendiz musical ganhou um

controle maior sobre as informações que recebia, não só através da via textual e sonora,

mas também com o acompanhamento da imagem. A sistematização deste recurso para fins

pedagógicos resultou na vídeo-aula.

Colocamos como definição de vídeo-aula um material didático, usualmente

produzido com fins comerciais, que dedica-se a instruir o espectador em algum campo

específico. No caso da música, supomos que a vídeo-aula chegou ao seu modelo atual com

o surgimento da empresa norte-americana DCI Music Video, em 1983. Como o slogan

adotado pela companhia afirma, eles “definiram o padrão”. Sua proposta de comercializar

vídeos teve início a partir de uma escola de música chamada The Collective28, fundada na

cidade de Nova York - EUA em 1977. Rob Wallis e Paul Siegel, antigos alunos,

compraram a escola em 1980, e apesar de não terem nenhum conhecimento anterior na área

de vídeo, decidiram registrar algumas aulas especiais para serem disponibilizadas através

de encomendas postais. Desde o início a motivação era “documentar grandes músicos que

teriam um impacto duradouro na música, provendo os músicos – tanto iniciantes quanto

profissionais – com inspiração e informação”.29

Localizando-se em um centro de concentração de artistas e produtores musicais, a

DCI começou a produzir vídeos com nomes importantes da cena nova-iorquina,

especialmente na área do jazz. Os mais bem sucedidos comercialmente foram os de Steve

Gadd, baterista, lançado em 84; e Jaco Pastorious, contrabaixista, lançado em 85. O pianista

Chick Corea também teve destaque, juntamente com todos os integrantes de sua banda na

época, a Eletrik Band, que mais tarde produziriam cada um uma série de vídeos relativa ao

seus respectivos instrumentos: John Patitucci, contrabaixo; Frank Gambale, guitarra; Dave

Weckl, bateria; e Eric Marienthal, saxofone. Nesta altura a DCI tinha seus produtos

vendidos nas principais lojas de instrumentos musicais nos Estados Unidos, e em 1986 um

acordo foi firmado com a empresa Warner Bros., elevando a distribuição à um âmbito

mundial.

28 Originalmente a escola chamava-se Drummers Collective e era especializada apenas no ensino de percussão. Quando outros departamentos foram criados o nome The Collective foi adotado, englobando também a Bass Collective e o SOJ Jazz & Contemporary Music Center. Maiores detalhes sobre a The Collective no site www.thecoll.com. 29 Entrevista com Rob Wallis e Paul Siegel em 3/9/1998.

Page 88: Auto Aprendizagem Musical

87

Quatro anos depois a DCI iniciou uma série de publicações impressas, através da

criação de uma nova divisão da empresa chamada Manhattan Publications, onde alguns

livros continham material inédito e outros representavam transcrições de vídeos,

acompanhados de uma fita cassete – depois substituídas por CDs – com o material sonoro.

O primeiro livro, escrito por Frank Malabe, examinava detalhadamente os ritmos cubanos

em sua história e aspectos técnicos. O segundo foi preparado por Duduka da Fonseca,

músico brasileiro radicado nos Estados Unidos, e dava o mesmo tratamento aos ritmos

brasileiros. Durante os primeiros 10 anos de sua existência, a DCI Music Video e a

Manhattan Publications construíram um catálogo de mais de 200 títulos de vídeo e 35

livros.

Muitas das publicações da Manhattan Publications utilizavam o formato “play-

along”, em que o material sonoro que acompanha os livros contém duas versões de cada

música: uma original, completa com todos os instrumentos, e outra para o estudo, sem um

dos instrumentos. O aluno escuta a versão integral e procura reproduzi-la tocando em

conjunto com a gravação de estudo. O livro traz as partituras relativas aos exercícios e

indicações dos professores para uma interpretação correta. O formato “play-along”

começou a ser explorado mais seriamente nas produções brasileiras somente em 2001, com

a série “Toque Junto”, editada por Almir Chediak.

Os produtores Rob Wallis e Paul Siegel dizem sentir que havia uma espécie de

“vácuo” no mercado de livros didáticos do final dos anos 80, pois ainda eram produzidos os

mesmos tipos de materiais que eram feitos nos anos 60 e 70, com as mesmas capas e

conteúdos. Segundo Wallis, “a tecnologia evoluiu – nós lembrávamos quando garotos

como era tocar junto com discos (para aprender com eles), e percebemos que os tempos

mudaram, era hora de melhorar os livros com produtos de alta qualidade”. Assim como nos

vídeos, não havia nenhuma experiência prévia com a produção de livros, e o aprendizado

ocorreu ao longo do processo. Diz Walllis que “a vantagem de não saber o que se devia

fazer é que criamos um novo campo de livros, com um estilo próprio de informação, de

capas, de qualidade de papel”. Destacamos que freqüentemente os produtores de conteúdo,

assim como muitos dos futuros usuários dos materiais, participam de um processo de auto-

aprendizagem, na medida em que extraem lições de suas próprias experiências. Nesse caso,

a auto-aprendizagem gera criatividade.

Page 89: Auto Aprendizagem Musical

88

Este estilo próprio, tanto nas produções gráficas quanto nos vídeos, intensificou o

interesse da Warner Bros. na DCI, e em 1992 os direitos sobre a companhia e seu catálogo

foram adquiridos, sendo que Wallis e Siegel foram mantidos no comando das produções até

1998. Assim que o contrato com a Warner chegou ao seu término, a dupla fundou outra

empresa, a Hudson Music, e deu continuidade ao trabalho com este novo nome.30

Atualmente a Hudson Music começa a explorar mais profundamente as novas tecnologias,

realizando pesquisas com DVDs e na Internet.

A escolha dos nomes que são destacados nas produções de vídeo-aulas seguem

análises mercadológicas, medindo a popularidade dos professores paralelamente à sua

habilidade em transmitir conteúdos. Diz Siegel:

“não podemos nos dar ao luxo de gastar em vídeos com desconhecidos.(...) O que coloca os

músicos na categoria de serem emulados e respeitados por outros músicos muitas vezes está

baseado mais em exibicionismo e aspectos superficiais, do que em aspectos fundamentais. É um

pouco frustrante”.

A vídeo-aula, não obstante suas finalidades educativas, é um produto comercial que

visa o lucro financeiro. Porém, as concessões comerciais não distorcem as finalidades

educativas da DCI. Os produtores – Wallis e Siegel – ressaltam o fato de ambos serem

músicos como o principal fundamento da empresa, pois assegura que os vídeos reflitam a

postura e os interesses reais dos alunos e professores da área.

A maior parte das vídeo-aulas tem como foco os aspectos práticos da educação

musical. O estudo técnico dos instrumentos usualmente mantém a teoria musical em

discussões básicas, suficientes para fazer compreender os pontos analisados. A teoria

avançada, contendo tratados harmônicos complexos, possivelmente não é considerada um

tema de grande aceitação comercial e permanece restrita aos livros. Seu estudo certamente

exige uma maior profundidade e uma formação anterior adequada por parte do aluno.

Existem basicamente dois tipos de vídeo-aula produzidos pela DCI: aquele em que

o músico assume o papel de professor e outro em que um entrevistador participa elaborando

a análise dos temas estudados. Freqüentemente indivíduos que realizam performances de

alta qualidade não possuem a mesma habilidade para articular verbalmente explicações e

30 Maiores informações no site www.hudsonmusic.com.

Page 90: Auto Aprendizagem Musical

89

reflexões sobre sua arte. Siegel exemplifica citando Carter Beauford, o músico destacado

em uma vídeo-aula de bateria, intitulada Under the Table and Drumming, que foi produzida

em 1998:

“jamais vi ninguém tão confortável tocando, ou tão fluente tocando bateria em minha vida como

o Carter, mas ele não se sente nada confortável na hora de falar. Foi difícil... Tivemos que mudar

nossa estratégia. Na sessão em que esperávamos que Carter estivesse confortável falando para a

câmera, tivemos que colocar um amigo dele perto da bateria e aquilo se transformou em uma

conversação, o que ajudou bastante.”

Em casos como este é comum que o músico apresente performances, em peças solo

ou acompanhadas por outros músicos, que posteriormente são discutidas a partir de

questões colocadas por um entrevistador. Muitas vezes o músico é requisitado, então, a

repetir certos trechos, executando-os mais lentamente e explicando como a técnica utilizada

foi desenvolvida.

Page 91: Auto Aprendizagem Musical

90

As vídeo-aulas são utilizadas como complemento didático em escolas como a

própria The Collective, que deu origem a empresa DCI Music Video. Nas escolas, o vídeo

“aproxima a sala de aula do cotidiano, das linguagens de aprendizagem e comunicação da

sociedade urbana, e também introduz novas questões no processo educacional” (Morán,

1995: 27). Dessa forma, sua presença traz imagens e sons distantes e ilustra as discussões

dentro da sala de aula. Mesmo nos grandes centros urbanos, onde concentram-se grandes

fluxos de informação, existe a necessidade de associar a música aos aspectos visuais de sua

produção. Embora grandes cidades como Nova York – onde está a The Collective – sejam

identificadas como celeiros culturais, caldeirões que misturam diversos ingredientes em um

único recipiente, nestes locais hoje somos expostos apenas à realidade presente, à

conseqüência, ao resultado de misturas. Para observarmos os ingredientes crus, puros, é

preciso retroceder às suas origens, muitas vezes dispersas e distantes espacialmente. A

música cubana, por exemplo, apesar de ser amplamente difundida em Nova York, tendo

exercido uma significativa influência sobre o jazz americano, tem suas raízes em diversos

músicos e tradições que são visualmente acessíveis apenas com o uso do vídeo. As imagens

permitem um resgate de movimentos, técnicas e instrumentações que não podem ser

facilmente reconstruídas, e com a observação de grandes mestres do passado, suas

contribuições são preservadas, estimulando os alunos a perseguirem seus ideais. O

documentário Buena Vista Social Club, dirigido por Wim Wenders no final da década de

90, é um exemplo desse resgate histórico, mostrando entrevistas com músicos cubanos em

seu país de origem.31

A Collective oferece uma disciplina chamada “Análise de Estilo”, dedicada à

discussão de um estilo musical a cada aula. O vídeo é largamente utilizado para identificar

os personagens da história musical, contrapondo passado e presente para chegar a um

entendimento da situação atual de cada estilo. Além das produções da DCI disponíveis nos

arquivos da escola, freqüentemente os professores utilizam suas coleções pessoais para

ilustrar os tópicos discutidos nas aulas. Em alguns casos, o vídeo faz parte do material

distribuído durante o curso, como nos “Beginners Workshops”, dirigidos aos

instrumentistas iniciantes, em que após a conclusão dos trabalhos uma fita de vídeo da

“Ultimate Beginners Series” é entregue aos alunos. Alguns professores preferem não

31 Maiores detalhes no site http://www.bvsocialclub.com.

Page 92: Auto Aprendizagem Musical

91

utilizar o tempo da aula em frente à tela e apenas apontam quais vídeos são mais indicados

para o tema em análise.

Considerando o fato de que a grande maioria dos estudantes na The Collective são

de outros países que não os Estados Unidos, há uma preocupação dos professores desta

escola em prover seus alunos com um vasto material para ser digerido depois que voltem

para seus países de origem. A preleção inicial do diretor em cada semestre letivo

invariavelmente aconselha os estudantes a organizar o excesso de conteúdos recebidos e

criar sistemas para decifrar e aprofundar os detalhes mais tarde. Este direcionamento tem o

claro objetivo de centrar a aprendizagem no aluno, entregando a ele a responsabilidade de

compreender como os métodos funcionam para colocá-los em prática com total autonomia.

Neste sentido, como foi observado por Ferrés (1996), o uso do vídeo nas aulas modifica o

papel do professor:

“o vídeo pode liberar o professor das tarefas menos nobres, permitindo-lhe ser, antes de tudo,

pedagogo e educador. As tarefas mais mecânicas, como difusor de conhecimentos ou mero

transmissor de informações, foram confiadas às novas tecnologias (sobretudo ao vídeo e ao

computador), reservando-se ao professor tarefas mais especificamente humanas: motivar

condutas, orientar o trabalho dos alunos, resolver suas dúvidas, atendê-las segundo o nível

individual de aprendizagem. Nessas tarefas o professor é insubstituível. Nas demais, as máquinas

podem fazer muito melhor que ele” (Ferrés, 1996: 34).

Ou seja, podemos relegar as mensagens mecânicas, quantitativas, geralmente

relacionadas aos movimentos necessários para uma performance bem sucedida em

instrumentos musicais, ao vídeo, que possibilita uma série de recursos para a manipulação

das imagens. Podemos congelar um quadro, assistir em slow-motion, acelerar os

movimentos ou reverter a ordem dos acontecimentos. Podemos pular trechos que julgamos

desnecessários e acrescentar ou eliminar partes. Nos apoderamos das imagens e as

utilizamos da maneira que desejamos. Este domínio sobre o espaço e o tempo permite que

se estabeleçam novas formas de visualização das práticas musicais, quebrando em frames

os movimentos de uma performance ou repetindo infinitamente uma seqüência de

curtíssima duração.

Page 93: Auto Aprendizagem Musical

92

O trabalho exemplificado pela The Collective qualifica o aluno para interpretar os

vídeos e desenvolver formas de apreender os conteúdos. Por isso, pode ser considerado

uma preparação para um futuro processo de auto-aprendizagem, que poderá ser colocado

em prática após o término do semestre de estudos na escola. E se os aspectos musicais

puramente técnicos são confiados às tecnologias, enquanto o aluno permanece na escola há

a possibilidade da criação de um espírito pedagógico em que aspectos qualitativos sejam

elaborados. Para um educador da música, realizar “tarefas mais humanas”, usando os

termos de Ferrés, significa concentrar-se mais nas mensagens de caráter formativo do que

nos aspectos técnicos. Portanto, as discussões sobre a estética musical nas aulas podem dar

um sentido à exercícios mecânicos que de outra forma seriam desprovidos de um contexto.

A vídeo-aula pode ser facilmente utilizada no estudo dos aspectos musicais técnicos

porque trabalha com a possibilidade de visualização do movimento físico, que como

sabemos integra de forma intrínseca a atividade musical. “O gesto é intermediário entre o

pensamento musical e seu produto” (Zagonel, 1992: 43). O aspecto visual é fundamental no

aprendizado, já que, segundo Stravinsky (1996), ouvir a música não é o bastante, pois ela

pode ser vista. Principalmente para os estudantes avançados, visualizar uma performance

pode florescer mais elementos do que receber apenas a informação sonora, pois “um olho

experiente segue e julga, às vezes de maneira inconsciente, os menores gestos do músico”

(Stravinsky, 1996: 116).

“Se considerarmos que a qualidade ou a eloqüência de certos atributos do som como a dinâmica e

o timbre são conseqüências diretas do modo como o intérprete ataca o seu instrumento e invoca

todo o seu corpo para produzi-los, não é preciso muito esforço para compreender que a imagem

do gesto faz parte do discurso musical tanto quanto qualquer elemento especificamente sonoro”

(Machado, 2000: 162).

Portanto, uma aprendizagem sem imagens é incompleta, pois “todo esse trabalho

gestual se perde no registro fonográfico e não é considerado na escrita formal da música: a

notação” (Machado, 2000: 161). A complementação imagética sistematizada pela vídeo-

aula permite a investigação de assuntos que freqüentemente eram relevados a um segundo

plano pela pesquisa musical:

Page 94: Auto Aprendizagem Musical

93

“Uma vez que os estudos de musicologia se baseiam quase sempre em partituras ou em registros

fonográficos, eles normalmente se restringem apenas aos elementos que podem ser anotados na

pauta ou materializados na fita magnética de gravação sonora (contorno melódico, padrões

rítmicos, nível dinâmico, movimento harmônico, timbre, textura, etc.), deixando de lado todos

aqueles aspectos do discurso musical que ocorrem no plano visual (ou motovisual)” (Machado,

2000: 161-2).

Entretanto, as técnicas explicitadas nos gestos não são o único ponto a ser analisado

pelo vídeo. Pode-se também trabalhar com o conhecimento como pensamento musical,

contribuindo para uma formação ampla do aprendiz. Além de retratar gestos, o vídeo

transmite outras informações musicais: idéias, histórias, conceitos, opiniões e comparações.

Por isso, ele pode ser utilizado não somente para as tarefas mais mecânicas, mas também

para as tarefas mais humanas. Logo destacamos e procuramos demonstrar nas análises que

se seguem a importância das vídeo-aulas para os processos de auto-aprendizagem, não

somente como ilustração dos movimentos necessários para a performance musical

instrumental, mas também como um meio contextualizador, seja em aspectos históricos,

estéticos, ou outros.

4.4 Análises das Vídeo-aulas

As vídeo-aulas produzidas pela DCI Music Video são exemplos de meios para a

auto-aprendizagem musical em diferentes níveis de estudo. Para sistematizar o material

produzido por esta empresa, que consideramos exemplar também das outras produtoras,

iremos primeiramente estabelecer uma classificação quanto ao seu conteúdo e seu público

alvo, e depois teremos a análise de alguns exemplos. A sistematização que propomos é

ilustrada pelo seguinte quadro:

Page 95: Auto Aprendizagem Musical

94

a) Iniciante

b) Intermediário

1. Estágio da

Aprendizagem c) Avançado

a) Crianças

b) Jovens

Público

Alvo

2. Faixa Etária

c) Adultos

a) Estilo ou ritmos musicais

b) Técnicas/áreas da música

1. Assuntos Temáticos

c) Músicos/grupos musicais

a) Estilos musicais

2. História da Música b) Músicos/grupos musicais

a) Registro simples

Conteúdo

3. Performance b) Registro com análise

Os seguintes critérios estão sendo considerados:

1) Público alvo

1.1) Estágio da aprendizagem – A caixa ou a embalagem das vídeo-aulas usualmente

determina qual o nível de dificuldade para a compreensão das informações que são

trabalhadas nos produtos. Os vídeos para os iniciantes, destinados à alunos leigos

(ou parcialmente leigos), estruturam noções básicas e introdutórias, auxiliando na

escolha do instrumento mais apropriado, ensinando a afinar este instrumento e

colocando alguns princípios da teoria musical. Temos como exemplo a série

Ultimate Beginners, dirigida a vários instrumentos diferentes: Drum Basics, Guitar

Basics, Bass Basics, Keyboard Basics e Harmonica Basics.

1.2) Faixa Etária – A faixa etária do aluno também é considerada, pois um iniciante

adulto recebe um tratamento diferente de uma criança ou um adolescente, tanto na

Page 96: Auto Aprendizagem Musical

95

apresentação do material como nos conteúdos trabalhados. A grande maioria das

produções da DCI é dirigida ao público adulto, projetando seriedade no material

gráfico das capas e na linguagem utilizada pelos apresentadores / professores /

educadores / músicos. As fitas direcionadas ao público jovem normalmente

destacam músicos de bandas de pop/rock, usando de uma maior informalidade em

capas coloridas e na linguagem.

2) Conteúdo

2.1) Assuntos Temáticos – A maioria das vídeo-aulas tem como título o assunto tratado

no vídeo. Este assunto pode ser um estilo ou um ritmo musical específico – rock,

jazz, rhythm’n’blues –, que será discutido em relação com o instrumento – como

tocar guitarra no rock, saxofone no jazz ou bateria no rhythm’n’blues. Poderá ser

uma determinada área da música, como a leitura de partituras ou a improvisação, ou

uma técnica própria do instrumento. O nome do músico ou do grupo musical

enfocado no vídeo poderá ser o tema central, demonstrando as técnicas por ele

desenvolvidas. A presença de músicos reconhecidamente talentosos gera uma

associação com alta qualidade de informações, enquanto que músicos que

participam de grupos populares famosos servem de estímulo para que seus

seguidores aprendam um instrumento musical. Um exemplo do primeiro caso é o

vídeo Electric Workshop, em que o pianista Chick Corea demonstra suas técnicas de

arranjo, e dois bateristas de rock são exemplos do segundo caso: Neil Peart, da

banda canadense Rush, e Carter Beauford, do grupo americano Dave Matthews

Band.

2.2) História da Música – Os vídeos que retratam aspectos da história musical

geralmente têm como foco um estilo de música ou de um determinado músico /

grupo de músicos. O catálogo da DCI apresenta muitas produções direcionadas ao

estilo do jazz, principalmente na área da bateria. A série intitulada Jazz Legends tem

filmes sobre Gene Krupa e Buddy Rich, enquanto que as duas fitas de Legends of

Page 97: Auto Aprendizagem Musical

96

Jazz Drumming detalham a evolução da bateria no jazz, analisando a história do

estilo musical em relação ao desenvolvimento do instrumento.

2.3) Performance – Muitas vídeo-aulas apresentam registros de apresentações ao vivo,

destacando as imagens relevantes ao aprendizado de algum instrumento musical.

Estes registros podem ser simples, ou seja, apenas as imagens dos músicos atuantes,

ou podem ser entrecortados com análises das técnicas e estilos musicais

demonstrados nas interpretações. Exemplo de registro simples é a série de vídeos

filmados durante os concertos prestando homenagem a Buddy Rich, Buddy Rich

Memorial Scholarship Concert, contendo quatro volumes que dão ênfase aos

diversos bateristas convidados a participar do evento. Exemplo de registro com

análise é Live in New York City, uma produção que destaca quatro músicos (John

Abercrombie, Peter Erskine, Bob Mintzer e John Patitucci) em um

‘concerto/clínica’, em que as execuções das músicas são comentadas pelos próprios

intérpretes.

Iremos exemplificar a classificação das vídeo-aulas proposta acima com a análise de

algumas produções dirigidas aos aprendizes da bateria. Sendo este um instrumento

essencialmente rítmico, os movimentos do músico baterista em sua performance

possibilitam uma visualização fácil e clara. Ao contrário de instrumentos que necessitam de

movimentos curtos e de difícil percepção, como a maioria dos instrumentos de sopro, a

bateria exige uma ampla movimentação do intérprete, revelando de forma aparente a

origem das sonoridades. Embora os vídeos referentes à bateria sejam maioria no catálogo

da DCI Music Video – provavelmente pelo fato de que os produtores Paul Siegel e Rob

Wallis são também músicos habilitados neste instrumento – a organização e a formatação

das vídeo-aulas segue um mesmo padrão básico com vários outros instrumentos modernos,

como o contrabaixo, a guitarra elétrica e o saxofone.

Baseados na diversidade de conteúdos e apresentações, escolhemos como exemplos

as seguintes vídeo-aulas:

Page 98: Auto Aprendizagem Musical

97

1) Drum Basics Step One

Duração: 30 minutos

Instrutor: Sandy Gennaro

Produtores: Paul Siegel, Rob Wallis e Dan Thress (DCI Music Video)

Ano de produção: 1994

Nível de aprendizagem: Iniciante

Conteúdo: Ritmos básicos

A vídeo-aula Drum Basics Step One faz parte da série Ultimate Beginners, dirigida

aos iniciantes no estudo de instrumentos musicais. Enquanto a primeira parte – o Step One

aqui comentado – tem como objetivo explicitar noções básicas sobre a bateria, a segunda

parte introduz alguns conceitos simples de teoria rítmica, como os valores de cada uma das

notas musicais e as estruturas que formam uma canção.

Page 99: Auto Aprendizagem Musical

98

Na abertura do vídeo, o instrutor Sandy Gennaro se apresenta e encoraja o aluno

assinalando razões para tocar bateria: “porque é divertido”; “porque nas músicas da

atualidade, além dos vocais, é um dos instrumentos mais proeminentes”; e “porque é um

instrumento que exige muito fisicamente”. Tocar o instrumento é comparado à andar de

bicicleta – depois que se aprende nunca se esquece. Estas palavras de incentivo, utilizando

idéias superficiais e desprovidas de aprofundamentos filosóficos, sugerem que o professor

está se dirigindo à crianças e adolescentes, com uma linguagem simplista e imediatista.

Para aproveitar o conteúdo da vídeo-aula, segundo Gennaro, não é necessariamente preciso

dispor de uma bateria, apenas um par de baquetas será suficiente para realizar os exercícios

propostos.

A aula começa com o instrutor controlando uma mesa de som, enquanto uma

música de estilo rock é executada sem a bateria. Os elementos do instrumento são

gradualmente adicionados: primeiro o bumbo (bass drum), depois a caixa (snare drum), o

chimbal (hi-hat) e demais tambores. Cada elemento, depois de integrado à música original,

é explicado em suas funções na bateria e em aspectos técnicos. Para o bumbo (som grave),

tocado com o pé direito através de um pedal, diferentes técnicas de movimentos dos pés são

discutidas, assim como a influência do ajuste da altura do assento em que o músico se

acomoda. Sobre a caixa (som médio) é explicado que a esteira posicionada na sua pele

inferior32 produz uma sonoridade diferente dos outros tambores, e o movimento das mãos

necessário para tocá-la é comparado à lançar uma vara de pescar e ao estalar de um chicote.

Duas técnicas para segurar as baquetas são discutidas: a matched grip, em que as duas mãos

ficam iguais, e a traditional grip, em que a mão esquerda é diferente. Sobre o chimbal (som

agudo), peça que pode ser tocada pelas baquetas ou por um pedal acionado pelo pé

esquerdo, é explicado como os dois pratos que produzem sua sonoridade são encaixados e

manejados.

Com estes três elementos – bumbo, caixa e chimbal – Gennaro ensina como

executar um ritmo simples baseado em uma contagem de 1 até 4, colocando o bumbo no 1

e no 3, a caixa no 2 e no 4 com a mão esquerda, enquanto a mão direita mantém uma

marcação constante no chimbal. A visualização das ações do professor são auto-

32 A pele inferior dos tambores, chamadas de “pele de resposta”, não são tocadas pelas baquetas mas vibram quando o ar atravessa o tambor.

Page 100: Auto Aprendizagem Musical

99

explicativas, facilitando o exercício para o aluno com repetições lentas e claras,

acompanhadas por números na tela que mudam de cor juntamente com a contagem do

ritmo proposto. Depois de mencionar brevemente outras peças que integram a bateria,

como diferentes pratos e tambores, o instrutor volta ao ritmo trabalhado anteriormente e

demonstra variações de tempos – lento, médio e rápido – e de intensidades sonoras – leve,

média e alta. A vídeo-aula é encerrada com um trio tocando o tema utilizado para as

explicações, colocando em prática o ritmo que foi detalhado minutos antes.

O único conteúdo de fato a ser apreendido de Drum Basics é o ritmo ensinado no

final do vídeo. As informações fatuais colocadas ao longo da aula podem ser assimiladas

depois de uma única vez assistidas e não requerem repetições. O ritmo, por sua vez, poderá

ser repetido diversas vezes para que o aprendiz domine sua execução. O aluno que

conseguir chegar a este ponto poderá participar de atividades musicais com elementos que,

apesar de simples, são efetivos e largamente utilizados. A contagem numérica em que o

ritmo proposto é baseado possibilita ao aprendiz estabelecer relações não-musicais que

auxiliam o sentido musical do exercício. A voz do professor, juntamente com a imagem de

seus movimentos e dos números que aparecem na tela do vídeo, simultaneamente

estimulam as inteligências musicais, matemáticas e corporais do aluno, que pode se

concentrar mais no caminho em que sentir maior facilidade: emular o som, o movimento ou

a contagem numérica.

A Ultimate Beginners é uma das poucas séries da DCI Music Video que foi

traduzida para várias línguas – inclusive o português –, dando oportunidade para aqueles

que não dominam a língua inglesa, que é utilizada em todas as demais produções. Embora

alguns poucos vídeos tenham sido legendados, a maioria ainda permanece em sua forma

original.

Page 101: Auto Aprendizagem Musical

100

2) Legends of Jazz Drumming

Primeira Parte (1920-1950) Segunda Parte (1950-1979)

Duração: 63 minutos Duração: 73 minutos

Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)

Ano de produção: 1996

Comentários: Louie Bellson, Jack DeJohnette e Roy Haynes

Nível de aprendizagem: não especificado

Conteúdo: História da Música

Jazz Legend é uma série de vídeo-aulas que têm como objetivo disponibilizar ao

estudante informações sobre músicos importantes no passado do estilo jazz. Além de

Legends of Jazz Drumming, já foram produzidos dois vídeos sobre Buddy Rich e um sobre

Gene Krupa. Legends of Jazz Drumming é dividido em duas partes e analisa a história do

jazz sob a perspectiva da bateria, assinalando os principais músicos bateristas e as

evoluções nas técnicas e equipamentos deste instrumento. As imagens têm um narrador que

explica ao espectador a importância do que é mostrado e o situa historicamente. Este papel

é cumprido por Louie Bellson que, sendo um dos músicos de destaque para a evolução da

bateria, conta histórias pessoais que vivenciou com outras personalidades presentes no

vídeo.

A primeira parte trata dos anos de 1920 até 1950, citando os bateristas Tony Spargo,

o primeiro a realizar gravações com a bateria moderna, datadas de fevereiro de 1917; Baby

Dodds, que desenvolveu sonoridades com rufos (press rolls) na caixa porque os pratos

ainda não podiam ser gravados por dificuldades técnicas; Chick Webb, mostrando o único

registro em filme sonoro que se tem notícia em que aparece; Sonny Greer, baterista da

banda de Duke Ellington de 1919 até 1951; e Sid Catlett, um dos responsáveis pela

Page 102: Auto Aprendizagem Musical

101

transição das formas tradicionais de jazz para estilos modernos como os chamados swing e

bebop.

Outros nomes são colocados para demonstrar as inovações e conquistas ocorridas

nestas três décadas. Gene Krupa, sobre o qual um filme inteiro foi produzido na série Jazz

Legends, é apontado como um dos primeiros músicos a fazer da bateria um instrumento

solista. Pela sua contribuição à definição de um estilo do instrumento, Jo Jones é chamado

de “pai da bateria no jazz moderno”. Dave Tough, ao contrário de Krupa, preocupou-se não

em ser um solista mas na melhor forma de fazer a banda de Woody Herman obter o tipo

certo de swing. O narrador Bellson também aparece como um dos inovadores do

instrumento, sendo o primeiro a utilizar dois bumbos, adicionando uma segunda peça a ser

tocada com o pé esquerdo.

Para o estudante da bateria, além dos aspectos históricos, interessam as razões pelas

quais as técnicas eram utilizadas em cada uma das variações do jazz e as diferentes formas

de interpretação possíveis neste estilo de música. Por exemplo, Kenny Clark é indicado

como o primeiro a mudar o centro rítmico da bateria da caixa para o prato de condução, e

ao invés de usar o bumbo (tocado com o pé através de um pedal) para marcar um ritmo

contínuo nos quatro tempos, usava-o para acentuações ocasionais, formando a base do tipo

de jazz que passou a ser chamado de bebop. Segundo Louie Bellson, “Kenny Clark mudou

o modo que todos os bateristas tocaram a partir de então”. As idéias de Clark foram

expandidas por Max Roach, que aprimorou o conceito melódico da bateria, utilizando os

tambores para executar os temas do jazz em seus solos.

A segunda parte de Legends of Jazz Drumming trata dos anos de 1950 a 1970,

partindo do ponto em que as Big Bands estavam desaparecendo e o bebop passou a ser

aceito como uma das vertentes mais importantes do jazz. São citados Shelly Manne, Joe

Morello, Art Blakey, Philly Jo Jones, Buddy Rich, Mel Lewis e Sonny Payne. As principais

inovações assinaladas no período analisado foram introduzidas por Elvin Jones, baterista da

banda de John Coltrane de 1960 a 1965, que com o uso de poliritmos elevou seu

instrumento à condição de elemento ativo de improvisação e assim abriu caminho para o

chamado Free Jazz, uma variação do estilo que permitia total liberdade de criação para os

músicos. Também é comentado o surgimento da variação fusion, unindo o jazz e o rock,

que teve como principal figura o trompetista Miles Davis, músico que esteve à frente de

Page 103: Auto Aprendizagem Musical

102

todos os movimentos jazzísticos desde o bebop. O baterista da banda de Miles quando o

fusion evoluiu era Tony Williams, um prodígio que começou a tocar com bandas

importantes a partir de seus onze anos de idade. As análises dos estilos de jazz mais

modernos apresentam entrevistas recentes com músicos que participaram da história, como

Jack DeJohnette e Roy Haynes, ao contrário das discussões sobre os tipos mais antigos, já

que a maioria dos instrumentistas citados já faleceu.

Após um estudo cuidadoso com as duas fitas, o aprendiz possivelmente compreende

as diferenças entre as fases da história do jazz e o papel desempenhado pela bateria em cada

período. Embora o material apresente um conteúdo primordialmente histórico, são

colocadas muitas informações técnicas sobre os bateristas e a maneira como a música era

interpretada por eles. No entanto, somente os estudantes mais avançados poderão tirar

vantagem deste aspecto, que não é discutido em detalhes ou enfocado didaticamente.

Page 104: Auto Aprendizagem Musical

103

3) Live in New York City

The Abercrombie/Erskine/Mintzer/Patitucci Band – A Concert / Clinic

Duração: 100 minutos

Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (Hudson Music)

Ano de produção: 1999

Nível de aprendizagem: não especificado

Conteúdo: Performance

O vídeo Live in New York City foi uma das primeiras produções realizadas pela

Hudson Music, empresa que dá continuidade ao conceito didático estabelecido pela DCI

Music Video. A idéia da aula é disponibilizar uma performance de um quarteto de jazz e dar

espaço a cada um dos músicos para que exponha sua visão sobre a música interpretada, em

uma mistura anunciada como um concerto / clínica. O quarteto escolhido, embora não seja

um conjunto fixo e regular, reúne músicos que trabalharam juntos em diversas ocasiões e

podem demonstrar a natureza criativa de improvisação do estilo musical do jazz. A

apresentação filmada ocorreu na cidade de Nova York, no Manhattan Center Ballroom,

assistida por uma platéia que reagia e interagia com a música como em qualquer outro

show de jazz. O diferencial introduzido foram as interrupções para que os músicos,

individualmente, falassem de seus instrumentos, e um espaço para que indivíduos da platéia

formulassem questões.

Após a interpretação de três composições, o saxofonista Bob Mintzer anunciou que

iria elaborar uma reflexão sobre o papel do seu instrumento em um quarteto como aquele

que se apresentava. Disse Mintzer:

“Meu objetivo é ser o instrumento melódico tocando os temas das canções que vocês ouviram até

o momento, tocando-as de modo convincente, liricamente, com um senso de musicalidade e com

um senso de ar e espaço. Porque esta é uma seção rítmica muito reativa, nós ouvimos uns aos

outros muito atentamente e tentamos interagir em todos os momentos. Como um solista, procuro

expandir aquilo que fiz melodicamente nos temas, e também tocar liricamente, com um senso de

Page 105: Auto Aprendizagem Musical

104

fraseado, com um senso de tempo, sem tocar muitas coisas para necessariamente lhe

impressionar e deslumbrar, mas procurando tocar a música, procurando estender aquilo que

aconteceu na parte composta da música e tocar algo que é, em certo sentido, composto, que soe

composto.”

Depois Mintzer colocou sua visão sobre a interação com os outros músicos daquele

quarteto:

“A beleza de tocar com uma seção rítmica como essa é que você não tem que forçar o que toca,

você pode tocar esporadicamente, você pode tocar muitas coisas ou poucas coisas, mas eu

sempre procuro deixar espaços. Eu sempre gosto de usar esta analogia: se você está tendo uma

conversa com alguém e ele nunca pára de falar, esta seria uma conversa muito desinteressante.

Eu procuro seguir esta regra quando eu solo.”

As afirmações acima possivelmente não serão assimiladas facilmente por um

indivíduo que seja estranho ao jazz, mas fazem sentido para um músico que já toque e

compreenda a linguagem própria do estilo. As colocações evocam discussões mais

aprofundadas do que as vídeo-aulas que se mantém restritas aos aspectos técnicos da

música, pretendendo alcançar e envolver um nível de interpretação musical avançado e

esteticamente sutil.

Depois de outra música, o segundo músico a falar sobre o seu instrumento manteve

o mesmo espírito pedagógico. O baterista Peter Erskine anunciou que iria compartilhar com

a platéia a sua filosofia musical, colocando-a como um “processo reducionista”, em que

não há a preocupação de descobrir quantas notas podem ser tocadas, mas sim de encontrar

as melhores notas para colocar nos melhores lugares. Essa afirmação claramente posiciona

a musicalidade acima da técnica, contrariando aqueles que valorizam o virtuoso em

detrimento de outros valores musicais. O próprio Erskine, um excelente instrumentista

técnico, confessou que freqüentemente usa de virtuosismo em suas interpretações. No

entanto, afirmou que sempre procura descobrir os espaços entre as notas, onde a música

respira e encontra as suas verdades. O importante, diz Erskine, é “não apenas aprender as

notas ou truques mas colocar vida na música”.

O discurso do guitarrista John Abercrombie foi similar aos anteriores, segundo ele

próprio, pois “todos fazem parte de um grupo, algo maior do que as suas partes separadas”.

Page 106: Auto Aprendizagem Musical

105

Abercrombie ressaltou a importância da audição de toda a banda, dizendo que os outros

instrumentos também auxiliavam naquilo que a guitarra deveria realizar. Portanto, é

exigido do aprendiz uma atenção não somente ao que executar no seu instrumento mas

também ao que ocorre nos outros instrumentos, isto é, que desenvolva sua apreciação

musical conjuntamente às técnicas do seu instrumento. A mesma idéia foi defendida pelo

baixista John Patitucci, que destacou os desafios impostos por diferentes tipos de música e

a necessidade do músico instrumentista pensar como um arranjador e compositor. Desta

forma, pode-se compreender como a sua parte influencia as outras. Para desenvolver a

capacidade de ouvir a música como um todo e não apenas o seu instrumento, Patitucci

recomendou que de alguma forma os aprendizes registrem suas performances e as ouçam

atentamente.

A partir deste ponto a platéia teve a oportunidade de formular perguntas aos

músicos no palco e as discussões ficam mais técnicas e dirigidas aos instrumentos. No

entanto, quando perguntados sobre quais seriam os seus objetivos musicais para o futuro,

Patitucci retomou uma idéia mais abrangente sobre a música, dizendo que pretendia

continuar a desenvolver sua musicalidade e a arte da composição, e que isto o ajudaria a

melhorar suas habilidades com o seu instrumento. Esta afirmação, colocada antes das duas

últimas músicas que encerrariam o concerto, demonstra a intenção da vídeo-aula em

concentrar a atenção do espectador na totalidade da música e na forma como os músicos

interagem. Esta concepção transcende a simples observação da execução técnica dos

movimentos que resultam em música, pois pretende alcançar um sentido de apreciação que

contribua para a formação estética do aprendiz.

4) Dennis Chambers – Serious Moves

Duração: 65 minutos

Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)

Entrevistas: Dan Thress

Ano de produção: 1992

Nível de aprendizagem (anunciado): Iniciante – Profissional

Page 107: Auto Aprendizagem Musical

106

Conteúdo: Assunto Temático – Músico; Performance

No ano de 1992 a DCI produziu duas vídeo-aulas com o baterista Dennis Chambers:

Serious Moves e In the Pocket. Ambos foram gravados em uma mesma sessão e apresentam

a mesma estrutura e cenário. Estes vídeos, cada um com aproximadamente 65 minutos de

duração, têm um formato organizacional que é representativo da maioria das outras

produções, destacando um músico acompanhado de uma banda, tocando em um estúdio e

fazendo observações sobre suas técnicas e concepções musicais. Chambers, um

instrumentista virtuoso e reconhecido como solista primoroso, executa diversas

composições junto com a banda (John Scofield, guitarra; Gary Grainger, contrabaixo; e Jim

Beard, teclados), e depois seleciona partes específicas que são analisadas e repetidas em

diferentes formas e tempos para facilitar sua compreensão.

Serious Moves começa com uma música intitulada “Trim”, que é parcialmente

repetida em seguida somente por metade do conjunto – bateria e contrabaixo, em um

andamento bem mais lento. Dessa forma, a seção rítmica da composição, antes executada

em um tempo rápido e de difícil compreensão, é demonstrada quase ao ponto de ser

desfigurada e se torna claramente assimilável. A estratégia de diminuir a velocidade de

determinadas partes das músicas é uma constante nas vídeo-aulas, transpondo frases

complexas para outros contextos a fim de simplificá-las.

Apesar de excelente músico, Chambers não demonstra facilidade em falar para a

câmera e provavelmente por esta razão um entrevistador, Dan Thress, formula perguntas. A

primeira questão é sobre métodos para desenvolver uma técnica tão apurada e veloz como

aquela exemplificada na música, ao que Chambers responde que, seguindo um conselho de

Buddy Rich, costumava praticar com suas baquetas em travesseiros, e a ausência de um

“rebote” forçava seus pulsos e mãos a atuar de modo mais eficiente. As perguntas seguintes

são sobre bateristas que foram influências importantes, como Billy Cobham e Tony

Williams, e Chambers demonstra uma série de exercícios que adaptou em suas técnicas a

partir da observação destes músicos. Neste ponto é executado um solo de bateria com a

duração de 9 minutos, durante o qual o espectador tem diversos ângulos de visão e um

pequeno quadro, superposto no canto inferior direito da tela do vídeo, surge em alguns

momentos focalizando a ação dos pés do músico sobre os pedais do instrumento. Thress

Page 108: Auto Aprendizagem Musical

107

então coloca uma questão sobre como o instrumentista elabora aquele tipo de solo, ao que

Chambers demonstra outros exercícios com os quais desenvolveu a coordenação e a

independência entre suas mãos e pés.

Este formato permanece durante toda a aula: mais músicas, solos e entrevistas em

que se procura revelar processos que possibilitem utilizar as técnicas e idéias musicais do

músico em destaque. No caso específico de Dennis Chambers, embora seja anunciado que a

vídeo-aula é direcionada à públicos iniciantes até profissionais, percebe-se que somente

estudantes avançados poderão tirar completo proveito das informações disponibilizadas. O

virtuosismo demonstrado cria um enorme salto entre as explicações e entrevistas e a

prática, não há estágios crescentes de complexidade. Neste sentido, mais do que uma

“aula”, o vídeo é o registro de performances do baterista em diferentes situações que são

analisadas e sistematizadas para uma melhor compreensão do aluno. A maioria das vídeo-

aulas atua como meio de acesso às imagens da música sendo interpretada, as quais o

aprendiz deve somar às suas experiências anteriores para absorver conteúdos. Ao contrário

de Drum Basics, não há a intenção de levar o estudante de um ponto a outro ensinando um

determinado ritmo. Diversos ritmos, conceitos e idéias são exibidos e o aluno, através da

observação repetida do vídeo, possivelmente integrará parte destas informações às suas

práticas musicais. Esta proposta vincula o aprendizado diretamente com o fazer musical,

possibilitando uma proximidade com a realidade que muitas vezes está distante.

Muitos músicos foram conhecidos e estudados no Brasil através das vídeo-aulas e

posteriormente passaram a visitar o país periodicamente para realizar concertos e / ou

clínicas educativas. O material produzido pela DCI Music Video serviu como referência até

que se pudesse ter um contato direto com estes instrumentistas, visivelmente influenciando

muitos aprendizes e difundindo o nome de bateristas como Dennis Chambers, Dave Weckl,

Steve Gadd, Omar Hakim e David Garibaldi.

Page 109: Auto Aprendizagem Musical

108

CAPÍTULO V – O COMPUTADOR

5.1 Individualização da Aprendizagem

A importância do papel desempenhado pelos sistemas computadorizados no mundo

moderno atinge diversas áreas do conhecimento humano, e atualmente no universo da

música temos vários exemplos desta relação. Quando falamos em “música de computador”

podemos estar nos referindo a diferentes conjunturas, tais como: o uso do computador

como instrumento de performance, como controlador de outros instrumentos, ou mesmo

como o autor de uma obra. Há muita controvérsia quanto a este último caso, colocando-se a

máquina muitas vezes na posição de ameaça à criatividade e emotividade da música.

“A noção de música ‘criada’ por um computador sempre parece gerar um surpreendente grau de

hostilidade, usualmente por parte das pessoas que acham a arte do século vinte ‘desumanizada’ e

‘mecânica’ ” (Schwartz, 1989: 87).

Muitos compositores afirmam, no entanto, que os computadores têm a capacidade

de criar sem a influência das estruturas preconcebidas da música. Conseguem atuar

livremente, longe das convenções que se estabeleceram durante séculos pela composição

musical humana. Esta questão permanece um dos muitos elementos polêmicos relacionados

à discussão sobre Inteligência Artificial, que não devemos abordar aqui.

Outro tema que gera divergências de opinião constantes é a utilização de sistemas

computadorizados em processos de execução musical. Embora seja um fato comum na

atualidade, ao longo das décadas passadas muitos músicos sentiram-se ameaçados por uma

possível substituição do homem pela máquina. Este temor não foi de todo infundado:

podemos constatar algumas destas “substituições”, por exemplo, com o amplo uso de

baterias eletrônicas e teclados eletrônicos em gravações, realizando tarefas que

anteriormente seriam incumbidas à seres humanos. Tinhorão (2001) colocou este problema

da seguinte forma:

Page 110: Auto Aprendizagem Musical

109

“Graças aos avanços na tecnologia dos sons digitalizados, a tendência dos estúdios das grandes

gravadoras é transformarem-se em laboratórios de engenharia musical, com os músicos

intérpretes sendo substituídos pelo som computadorizado de sintetizadores polifônicos e

politimbrais, samplers e sequencers da família dos MIDI (Musical Instruments Digital Interface).

Tal engenharia criativa de sons computadorizados, aliás, permitirá ultrapassar as próprias

possibilidades dos sons normalmente produzidos pelos instrumentos acústicos, mediante a

alteração de suas tessituras, através da ampliação, por exemplo, de sua extensão, com a

conseqüente ampliação de seu âmbito. Possibilidades técnicas desse tipo, sobre implicar

necessariamente dispensa de músicos e maestros-arranjadores nos estúdios, permitirá ainda

programar, através de novas combinações rítmicas, o lançamento de modas musicais

caracterizadas por um tipo de acompanhamento sonoro fora do alcance da participação humana”

(Tinhorão, 2001: 184).

Observamos também, além da utilização de computadores por músicos e produtores

de gravações, situações em que há uma participação mais ativa dos indivíduos não

instruídos musicalmente no resultado de trabalhos musicais. Como vimos no capítulo 3,

esta possibilidade pode trazer contribuições aos processos de aprendizagem da música. A

participação ocorre inclusive em cenários onde a música já está registrada e portanto em

teoria finalizada. Por exemplo, o CD-ROM “X Plora 1”, de Peter Gabriel, é citado por

Chadabe (1999) como caso em que um ouvinte-espectador, atuando como um engenheiro

de som, é convidado a operar os controles de um mixer, modificando o balanço entre os

vocais e os instrumentos da gravação. O ouvinte não influencia os fatores predeterminados

da música – a composição, mas contribui para os fatores de expressão, valorizando

determinados elementos mais do que outros. Com a crescente interatividade possibilitada

pelo computador, um enorme controle de decisões é entregue ao consumidor musical, que

neste contexto passa a dividir parcialmente com o produtor a responsabilidade pela obra.

No CD de Peter Gabriel existe a possibilidade, por exemplo, de eliminar um dos

instrumentos musicais presentes na gravação de uma música, modificando completamente

as intenções e concepções iniciais do compositor.

Stravinsky (1996) assinalou que, embora o ouvinte sempre fosse chamado a ser o

parceiro do compositor, para que isto ocorresse, pressupõe-se “que a instrução musical e a

educação do ouvinte sejam suficientemente amplas” (p.120). Portanto, esta participação

Page 111: Auto Aprendizagem Musical

110

ativa é rara, pois indivíduos devidamente preparados são a exceção, e assim “a massa

comum dos ouvintes, por mais atenta que se possa imaginar que esteja ao processo musical,

apreciará a música apenas de um modo passivo” (p.121). Com a moderna tecnologia dos

computadores, no entanto, mesmo os ouvintes despreparados poderão participar em

conjunto com o compositor e com o intérprete, como foi exemplificado acima. Se, por um

lado, as modificações possíveis com os recursos da atualidade podem gerar discussões

estéticas acerca dos resultados finais, por outro, as experimentações poderão contribuir para

um aprimoramento da percepção auditiva dos ouvintes.

Somando-se a todas estas questões, nossa discussão neste capítulo, centrada nas

possibilidades de aplicação dos computadores em processos de auto-aprendizagem, tem na

popularização do computador pessoal, ocorrida durante os anos 90, um elemento

fundamental. Novas portas foram abertas para diferentes grupos de interesse, possibilitando

uma variedade de contatos com as práticas musicais através de uma grande flexibilidade de

adaptação aos aprendizes. Esta “maleabilidade” das máquinas permite um direcionamento

que tem como alvo os objetivos específicos de cada indivíduo, que podem variar de acordo

com a idade do estudante, suas preferências musicais, seus conhecimentos ou o nível de

acesso à informação de que ele dispõe.

Alguns dos autores que ousaram fazer previsões baseadas no desenvolvimento

tecnológico que ocorreu durante a década de 90 observaram as possíveis individualizações

na aprendizagem. Bill Gates colocou que os computadores “darão sintonia fina ao produto

– neste caso, material educativo – para permitir que os estudantes sigam caminhos um

pouco divergentes e aprendam de acordo com seu próprio ritmo”(Gates, 1995: 232).

Estes caminhos divergentes poderão privilegiar as capacidades de cada aprendiz,

facilitando a assimilação do material, sendo que neste processo o aprendizado musical pode

ser beneficiado ou beneficiar a aprendizagem de outros assuntos. Nicholas Negroponte

defende que “para algumas pessoas, a música pode ser a maneira de estudar matemática,

aprender física e entender antropologia” (Negroponte, 1995: 211), isto é, em concordância

com a teoria das inteligências múltiplas, defende que diferentes capacidades intelectuais

podem servir como meio de transmissão de conteúdos variados. Portanto, podemos tomar a

frase “aprender de acordo com seu próprio ritmo” em outro sentido, já que o aprendiz pode

Page 112: Auto Aprendizagem Musical

111

literalmente escolher o ritmo musical que mais lhe agrada para aprender, por exemplo,

sobre matemática.

Com o uso das tecnologias modernas, pode-se combinar som, imagem em

movimento, esquemas gráficos e diversos outros recursos em estruturas interativas,

oferecendo ao aluno opções para encontrar o caminho mais apropriado ao seu

desenvolvimento. Sobre a combinação de todos estes elementos, denominada hipermídia,

diz Machado (1997):

“um documento hipermidiático jamais exprime um conceito, no sentido de uma verdade dada por

uma linha de raciocínio; ele se abre para a experiência plena do pensamento e da imaginação,

como um processo vivo que se modifica sem cessar, que se adapta em relação ao contexto, que,

enfim, joga com os dados disponíveis” (Machado, 1997: 253).

Este jogo utiliza o entrelaçamento das inteligências do aprendiz na interpretação dos

conteúdos. Ao não propor verdades absolutas mas vários elementos que deverão ser

combinados, o estudo através da hipermídia trabalha qualitativamente, exemplificando

aplicações do material já durante o aprendizado. Por exemplo, aquele que tiver um

raciocínio matemático aguçado ou, nos termos de Gardner (1994), uma inteligência lógico-

matemática proeminente, pode trabalhar suas habilidades rítmicas com a utilização de

sistemas de notação esquematizados, que favoreçam uma visualização das relações

matemáticas entre as notas que compõem um ritmo. A observação de um de meus alunos de

rítmica constatou uma grande dificuldade em perceber os ritmos, que foi superada a partir

do momento em que estabelecemos uma prática de contagem. As complicações na

assimilação e repetição dos sons foi compensada pela sua facilidade matemática, e dessa

forma passamos a utilizar gráficos que representavam matematicamente aqueles mesmos

ritmos.

Por outro lado, um prodígio musical, apresentando extrema facilidade no

aprendizado, pode trabalhar diretamente com o som pois sua capacidade de assimilação

favorece a compreensão do material. Possivelmente, este aluno poderia desenvolver um

caminho inverso ao exemplo anterior, utilizando a música no estudo da matemática e de

outras áreas. Como coloca Litto (1997), o próprio aluno pode identificar os meios

apropriados:

Page 113: Auto Aprendizagem Musical

112

“as novas tecnologias de comunicação nos permitem individualizar a aprendizagem, deixando

cada aluno navegar sobre vastos repositórios de informação textual, imagética e sonora, isolando

os assuntos que lhe agradam, aprofundando-se nas categorias de informação que se afinam com o

seu ‘sabor’ individual de aprendizagem” (Litto, 1997).

Porém, não colocamos o reconhecimento das capacidades dos indivíduos como uma

tarefa simples. Com exceção de casos extremos, como o prodígio musical, muitas vezes a

dificuldade em encontrar caminhos se apresenta como um obstáculo nos processos de auto-

aprendizagem. O caso do aluno de rítmica citado mais acima é exemplar, pois sem o auxílio

de um instrutor provavelmente ele não faria experimentações musicais com a matemática.

Gardner (1994) sugere que os computadores podem auxiliar na solução deste problema:

“embora efetuar uma combinação entre o perfil intelectual de um aluno e as metas de instrução

possa ser uma tarefa altamente exigente até mesmo para o instrutor mais talentoso, os tipos

relevantes de informação poderiam ser prontamente manejados por um computador capaz de,

numa fração de segundos, sugerir programas ou vias pedagógicas alternativas” (Gardner, 1994:

298).

Com o uso dos computadores, outras capacidades intelectuais também podem ser

utilizadas na sensibilização musical. Um sistema desenvolvido pelo compositor grego

Iannis Xenakis, o UPIC, serve de exemplo do uso da inteligência espacial, acentuada nos

indivíduos com alta capacidade de visualização do espaço:

“Qualquer um, mesmo eu ou você, ou crianças, pode desenhar linhas ou gráficos com uma caneta

eletromagnética, e eles são transformados pelo computador diretamente em som... Você pode

compor ou realizar qualquer treino pedagógico para o ouvido ou para a escrita, porque a escrita

não é a escrita musical tradicional. É uma muito mais universal, porque ela é com linhas. Por

exemplo, uma nota que é sustentada é apenas uma linha horizontal... O aspecto vertical é para as

alturas (notas), exatamente como quando você escreve para um instrumento: quando você sobe é

mais alto; quando você desce, é um som mais baixo...” (Iannis Xenakis, citado em Chadabe,

1997: 214).

Page 114: Auto Aprendizagem Musical

113

As relações entre o som e a imagem provocam a sensibilidade dos indivíduos na

busca de um resultado agradável, desenvolvendo uma outra forma de visualizar a música,

sem basear-se na notação musical tradicional ou em gráficos matemáticos. O processo se

transforma em uma brincadeira, atraente principalmente para as crianças. Xenakis

prossegue:

“Eu notei nas crianças de cinco ou seis anos, elas têm imaginação, mas elas não têm regras fixas

ou estruturas em suas mentes para organizar coisas... No início elas tentam fazer desenhos,

desenhos bonitos... imagens de casas, ou gatos, ou de um sol. Mas então elas têm essa resposta

imediata da máquina e tentam ouvir mais cuidadosamente o que desenham...” (Iannis Xenakis,

citado em Chadabe, 1997: 214).

Estas brincadeiras demonstram que, além de possibilitar uma individualização do

estudo, o uso dos computadores traz grandes benefícios também para os processos de

iniciação musical. A facilidade demonstrada pela grande maioria das crianças em lidar com

as máquinas possibilita diversos meios de engajá-las no aprendizado da música. Há outras

alternativas à programas como o UPIC: existem CD-ROMs especialmente produzidos para

a musicalização infantil que introduzem os primeiros conceitos de timbre, altura e

intensidade, através de brincadeiras e jogos que tornam o processo de aprendizado

prazeroso e atraente. Um exemplo deste caso é o CD “Bloom”, produzido pela Escola Viva

com o patrocínio da Universidade Cidade de São Paulo, que utiliza diversos recursos

gráficos coloridos para trabalhar com a música.

Neste CD, uma série de jogos são utilizados para desenvolver a sensibilidade

musical: em um deles, a figura de uma mosca é transformada em um adversário virtual, que

procura chegar à tecla do piano que corresponde à altura de um som emitido. O aprendiz

deve, movimentando o mouse, encontrar a nota correta no teclado representado na tela

antes de seu adversário. Em outras seções, várias informações sobre a história da música e

seus personagens são colocadas de forma clara e simples.

O tempo em que as crianças eram forçadas ao estudo através de castigos e punições

pertence ao passado. Negroponte assinalou a importância da informática nos processos de

iniciação musical com a seguinte observação:

Page 115: Auto Aprendizagem Musical

114

“os jogos musicais, os tipos de dados sonoros e a possibilidade intrínseca de manipulação do

áudio digital são apenas alguns dos muitos mecanismos por intermédio dos quais uma criança

pode experimentar o mundo da música. E a criança com pendores para as artes visuais pode

inclusive querer inventar meios para vê-la” (Negroponte, 1995: 211).

Tanto o programa UPIC quanto o CD “Bloom” têm em comum várias

possibilidades de interatividade, isto é, as respostas do computador aos controles do

aprendiz estimulam novas reações e, através deste ciclo, a aprendizagem ocorre por um

processo de tentativa e erro. Conforme a visão de Demo (2001), esta aprendizagem se

diferencia do ensino que apenas despeja informações sobre um aluno não participativo.

Esta aprendizagem está centrada no aluno, que é forçado a desenvolver sua auto-crítica para

melhor aproveitar a percepção de seus erros. Dessa forma, o computador assume a função

de um “espelho”, revelando ao aluno os erros e acertos de sua própria performance no

exercício.

O uso de computadores na aprendizagem musical também pode ocorrer através de

softwares dedicados à atividades musicais diversas. Embora muitos não tenham finalidades

especificamente educacionais, como Krüger, Gerling e Hentschke (1999) observaram, todo

tipo de software de música – como editores e seqüenciadores – pode complementar a

prática instrumental. Em seu estudo sobre a utilização de softwares no processo de ensino e

aprendizagem de instrumentos de teclado, foram considerados os de “atuação indireta” e os

de “atuação direta”. Os primeiros são os inicialmente concebidos para aspectos teóricos

mas utilizados no estudo da performance de instrumentos musicais; os segundos são

aqueles criados para a aprendizagem instrumental, monitorando práticas técnicas da

execução musical.

Muitos dos softwares de música são comercializados na forma de CD-ROMs (Read-

Only-Memory Compact Disks), em uma opção paralela aos livros didáticos e vídeo-aulas. O

Conselho Nacional para a Tecnologia Educacional (National Council for Educational

Technology) da Inglaterra, percebendo o potencial do CD-ROM no campo da educação

musical, realizou uma pesquisa com 150 produtos relacionados ao assunto que eram

disponíveis comercialmente (Bray, 1997). Os resultados desse estudo, analisando os

materiais quanto ao seu conteúdo, estabeleceram uma classificação em 9 categorias, a

saber:

Page 116: Auto Aprendizagem Musical

115

� Enciclopédias: combinando som, texto, gráficos, e vídeo, esse tipo de material permite

buscar eletronicamente por informações sobre instrumentos musicais e escutar trechos

de músicas.

� Compositores: contém dados sobre a vida de um compositor em particular (usualmente

do estilo clássico), incluindo seções sobre suas obras mais importantes.

� Peças musicais: muitos títulos são dedicados à determinadas peças em particular,

incluindo imagens ou diagramas representando a estrutura da música à medida que esta

é executada.

� Tutores instrumentais: dirigidos ao ensino de instrumentos musicais, podem unir texto,

diagramas, exemplos sonoros e trechos de vídeo para demonstrar aspectos técnicos de

performance.

� Estilos de música: similares àqueles dedicados aos compositores e às peças musicais,

estes abrangem uma seleção mais ampla dentro de um certo estilo.

� Instrumentos: contém descrições de instrumentos musicais. O formato e a qualidade de

informação em geral é semelhante ao encontrado nas enciclopédias.

� Bancos de sons: mais especializados, estes títulos podem ser utilizados em

apresentações multimídia, composições, ou para adicionar efeitos sonoros em sistemas

de computador.

� Ferramenta criativa: permitem a gravação de trechos de música, que podem ser editados

na tela, a transposição de seções, recortar e colar trechos, entre outras operações.

� Outros: alguns CDs pesquisados não se encaixam em nenhuma das categorias acima.

Por exemplo, havia um jogo que ensinava aspectos de notação musical e outro que

permitia a exploração da casa onde um famoso compositor viveu.

Todo este material compõe um acervo de informações que pode ser acessado através

da compra de produtos encontrados em meio às enciclopédias, jogos de diversão e demais

produtos de livrarias e casas especializadas. Através do uso de frases promocionais do tipo

“aprenda sozinho”, freqüentemente tornam-se produtos estimulados para a auto-

aprendizagem de instrumentos musicais.

Page 117: Auto Aprendizagem Musical

116

Bray (1997) destacou alguns dos pontos da pesquisa feita pelo Conselho Nacional

da Inglaterra, indicando que muitos dos CD-ROMs analisados são dirigidos ao mercado de

diversão adulta, ou seja, não existe uma organização didática do material no sentido de

situar os dados dentro de um contexto. Em determinados CDs, foi constatado que muitas

observações subjetivas são colocadas como fatuais, por exemplo em análises de peças

musicais e de instrumentistas. A pesquisa concluiu que, sem um foco de ação objetivo, a

maioria dos CDs analisados não melhorava o entendimento da música, mas apenas

carregava conhecimento sobre ela. Da mesma forma, Krüger, Gerling e Hentschke (1999)

apontam que “um dos principais problemas encontrados nos softwares disponíveis para uso

no Brasil é sua criação com fins comerciais”.

Não será nossa intenção realizar análises específicas de CD-ROMs ou softwares de

música. A pesquisa de Krüger (2000), objetivando o desenvolvimento, a testagem e a

proposta de um roteiro para avaliação de software educativo-musical serve como referência

para esta área. Daremos uma maior ênfase ao fenômeno da Internet, por apresentar diversas

possibilidades de aprendizagem musical, como veremos a seguir.

5.2 Internet

“Qualquer novo meio ou forma tecnológica muda a maneira pela qual nós experimentamos

música, e isto tem implicações em como nos relacionamos e consumimos música” (Shuker, 1998:

172)

Sabemos que a Internet surgiu a partir de uma iniciativa do Departamento de Defesa

dos Estados Unidos, que tinha a intenção de criar um sistema de comunicações invulnerável

à um possível ataque nuclear. A idéia básica era uma rede independente de comando e

centros de controle, de forma que as mensagens encontrariam seus próprios caminhos e

poderiam ser resgatadas em qualquer ponto conectado ao sistema. A primeira destas redes,

chamada ARPANET, começou a operar em 1969 e depois de certo tempo deixou de ser de

uso exclusivo de pesquisas militares para servir também à comunidade científica. Várias

Page 118: Auto Aprendizagem Musical

117

outras redes surgiram até que, no decorrer da década de 80, todas fossem reunidas em uma

única rede chamada ARPA-INTERNET, e em seguida, INTERNET.

Mais tarde a tecnologia digital iria possibilitar a transmissão de todos os tipos de

mensagens, incluindo som, imagens e texto escrito. Porém, dois fatores vitais ainda foram

necessários para a formação de uma rede mundial: a velocidade de transmissão, que foi

ampliada de 56,000 bits-por-segundo nos anos 70 para capacidades de gigabits em meados

dos anos 90; e o protocolo TCP/IP, que possibilitou a comunicação entre computadores e a

codificação / decodificação de informações em altas velocidades.

A invenção do modem, em 1978, simplificou as exigências para participar das

redes, pois não mais seriam precisos equipamentos sofisticados: apenas um computador de

pequeno porte, um modem e uma linha telefônica eram suficientes. Como conseqüência

deste invento e da difusão dos computadores pessoais surgiram grupos de discussão online

chamados Bulletin Board Systems (BBS), formando comunidades virtuais que se

multiplicaram e atualmente cobrem os mais diversificados assuntos. A grande maioria

destes grupos passou a integrar a Internet, mantendo suas regras de conduta aos

participantes e se especializando em temas cada vez mais restritos.33

Todos estes acontecimentos ocorreram em torno de um ambiente principal: a

universidade. O meio acadêmico foi responsável por grande parte dos desenvolvimentos da

Internet e engloba a maioria dos pioneiros na sua utilização. Embora inicialmente a

participação mais notória neste processo tenha sido de professores e pesquisadores seniors,

atualmente o papel dos jovens estudantes é fundamental, principalmente no que se refere à

presença da música na rede. Os criadores de vários softwares têm menos de 20 anos de

idade34 e grande parte da largura de banda das universidades é utilizada por estudantes

trocando arquivos de música via padrão MP3.35

A prática de se obter música através da Internet é um fenômeno recente que ainda

não está completamente sedimentado. A tecnologia digital proporcionou uma enorme

facilidade para a produção de cópias idênticas aos originais, causando disputas em torno do

33 Para este breve histórico da Internet utilizamos Castells, 1996. 34 Por exemplo: o software da Napster, empresa inovadora que disponibilizou um serviço de compartilhamento de dados na Internet, foi criado por um estudante da Northwestern University, na época com 19 anos, chamado Shawn Fanning. O tocador de MP3 Winamp foi elaborado por Justin Frankel, então com 18 anos, estudante da University of Utah. 35 Edupage – Boletim de Notícias On-line, distribuído pela RNP (Rede Nacional de Pesquisa).

Page 119: Auto Aprendizagem Musical

118

lucro financeiro – ou a ausência deste – que a comercialização desta informação

reproduzida em abundância pode gerar. Porém, antes desta questão surgir, já havia na

Internet um material sobre a música bastante diversificado.

“Inicialmente, devido a restrições técnicas, não se podia difundir música na rede digital, mas

podia-se falar sobre ela. Teoria, crítica, história, biografias, bibliografias, técnica, crônica, e

discussões relacionadas aos mais diversos aspectos da música podem ser encontrados por meio

de poderosas ferramentas de busca de dados e informações que podem ser localizadas a partir de

uma simples palavra-chave” (Iazzetta e Kon, 1998: 35).

Portanto, percebemos que, extrapolando sua função atual de fonte de músicas que

podem ser “baixadas” pela rede, a Internet sempre cumpriu um papel centralizador de

informações dos mais variados tipos, que compõem um mosaico de dados importantes para

os processos de auto-aprendizagem musical. Na Internet encontramos uma vasta gama de

websites relacionados à música, disponibilizando diversos serviços e informações, enquanto

que a interação de músicos – tanto aprendizes quanto professores – cria novos espaços

relacionais que permitem a troca de experiências, como nas comunidades virtuais citadas

mais acima.

Dentre as peças que formam este mosaico temos: sites de fabricantes de

instrumentos musicais, onde são divulgadas informações e imagens sobre produtos e nomes

dos músicos que os utilizam; sites de escolas de música, divulgando cursos, currículos dos

professores e calendários dos semestres; sites de músicos, onde são disponibilizadas

biografias, discografias, fotos, gravações, exercícios, notícias recentes, entre outras

informações sobre o artista em destaque; e sites sobre estilos musicais, onde são listados os

principais músicos e obras do gênero analisado. Todos estes sites são interligados por meio

de um complexo sistema de links, muitas vezes organizados em seções específicas que

citam as páginas de interesse para os visitantes. Esta vastidão de dados convive no que

muitos autores, como Pierre Lévy, convencionaram chamar de ciberespaço.

Para Lévy (2001), caminhamos para uma conexão planetária que representará a

união, em um plano virtual, das economias e das consciências mundiais, formando uma

única inteligência coletiva e integrando os mais diversos povos e linhagens culturais. Esta

idéia estaria parcialmente concretizada na Internet, que por ser um espaço não-territorial,

Page 120: Auto Aprendizagem Musical

119

onde a superfície não é um recurso escasso, oferece lugar para todos. Nessa realidade, a

transmissão de conhecimentos é facilitada pois “todas as formas de comunicação se

enlaçam e se multiplicam hoje no ciberespaço” (Lévy, 2001: 149). Dessa forma,

possivelmente haverá uma contribuição para uma maior autonomia dos aprendizes nas

aprendizagens.

“Facilitando o acesso à informação para um público amplo, assim como os contatos

interpessoais, o ciberespaço e, particularmente, a rede Internet, oferece um ambiente com um

potencial interessante para a aprendizagem por diversas formas. Diante das necessidades

crescentes de diversificação e de personalização da formação, a aprendizagem autônoma,

respondendo às necessidades de cada um, parece um ideal a ser atingido. As tecnologias

poderiam trazer elementos de resposta a essa busca de autonomia na formação” (Loiselle, 2002:

107-8).

Caesar (1998) observou como as possibilidades do ciberespaço podem ser dirigidas

para a pesquisa musical:

“Entre outros ganhos, pode-se colher informações sobre equipamentos, testar programas, saltar

da psico-acústica para a bio-acústica, ouvir e ‘baixar’ textos, sons e software de lugares distantes,

e participar de diversas listas de discussões. Graças ao baixo custo e à velocidade integradora e

multi-disciplinar deste meio, realiza-se pesquisas sem muita demora e publica-se logo seus

resultados, podendo-se também criar sítios informativos e manter listas de discussões” (Caesar,

1998: 33).

Os contatos interpessoais são estimulados através da estruturação de comunidades

virtuais, em que a troca de experiências e questionamentos torna possível que

aprendizagens autônomas ocorram paralelamente. Castells (1996) estabeleceu a seguinte

definição para “comunidades virtuais”:

“...redes eletrônicas de comunicação interativa organizadas em torno de um interesse ou

finalidade comum, embora às vezes a comunicação se torna o objetivo em si mesmo. Tais

comunidades podem ser relativamente formalizadas, como no caso de conferências ou Bulletin

Board Systems, ou ser formadas espontaneamente por grupos sociais que acessam a rede para

Page 121: Auto Aprendizagem Musical

120

enviar e receber mensagens em um padrão temporal definido (tanto em tempo real ou

assíncrono)” (Castells, 1996: 362).

Um tipo de comunidade virtual que contribui para o desenvolvimento da pesquisa

musical, como foi colocado por Caesar, é aquele sistematizado como uma lista de

discussão, em que um participante pode colocar questões que são respondidas pelo grupo.

As respostas podem ser formuladas diretamente ou apontar para páginas da Internet que

contenham as informações requeridas. Exemplos destas comunidades podem ser

encontrados no site Yahoo (www.groupsyahoo.com), onde há a possibilidade de juntar-se à

listas de discussão sobre diversos assuntos musicais, em temas tão específicos como um

determinado grupo ou artista, um instrumento ou um gênero musical.36

O acesso facilitado à toda vasta gama de informação presente na Internet causa

impacto sobre os conteúdos e práticas das aprendizagens, pois “como essa informação está

disponível o tempo todo, adquiri-la passa a ser menos pertinente para o estudante, e o

essencial da aprendizagem se desloca para o desenvolvimento de habilidades para buscar a

informação, julgar sua validade ou pertinência e tratá-la” (Loiselle, 2002: 112). Nesse

sentido, para Lévy, o ciberespaço se tornará um “museu universal” (Lévy, 2001: 148-150),

mantendo um acervo onde todas as dimensões do conhecimento, sejam científicas,

históricas ou das belas-artes, poderão ser encontradas virtualmente.

Por outro lado, dentro desse cenário Iazzetta e Kon (1998) destacam a característica

da presentidade, já que “ao contrário de instituições como a Universidade, o Museu e a

Biblioteca, a Internet não se preocupa em preservar, mas simplesmente em mostrar o que

interessa no momento”(p. 35). Podemos alterar um site a qualquer hora e modificar seu

conteúdo; a realidade de todas as páginas é aquela do instante presente e estará sempre

passível de mudanças e reformulações. Simultaneamente, a mesma informação pode ser

encontrada em vários sites, muitas vezes com enfoques distintos e perspectivas que revelam

novos olhares sobre um mesmo tema.

36 Por exemplo: no site da Yahoo, em janeiro de 2002, há 182 grupos na categoria “bateria e percussão”, que subdivide-se em discussões sobre baterias eletrônicas, determinadas marcas de instrumentos, mulheres bateristas, artistas específicos, e locais específicos (há grupos em diversas línguas), entre outras modalidades.

Page 122: Auto Aprendizagem Musical

121

“A Internet é interessante não apenas por ser uma vasta e onipresente rede global, mas também

como um exemplo de algo que se desenvolveu sem a presença de um projetista de plantão e que

manteve um formato muito parecido com aquele dos patos voando em formação: inexiste um

comando e, até agora, todas as suas peças se ajustam perfeitamente” (Negroponte, 1995: 173).

Como não há um “responsável geral” pelos conteúdos dos websites, o uso da rede

no aprendizado representa a inexistência de um único mestre, sendo que a informação é

disponibilizada por um grande número de mestres. Todos os dados podem ser invertidos

em segundos, e a interpretação desses dados, quando é colocada, pode ser modificada em

vista de acontecimentos recentes. A imagem dos patos em formação ilustra como o

aprendiz escolhe a cada pesquisa um comando temporário, que pode existir em conjunção

com outros comandos e que dessa forma participa do avanço do processo de aprendizado.

Se por um lado as técnicas para tocar um instrumento musical não sofrem

modificações constantes, por outro, a presentidade é vital para que o aprendiz acompanhe o

desenvolvimento da música de seu tempo. O surgimento de novos artistas e novos estilos

musicais cria uma demanda de informações, demonstrada nas palavras-chave utilizadas

para encontrar as páginas desejadas, que atualiza o repertório e o vocabulário tecnológico

que são precisos para compreender as produções modernas. Aliada à possibilidade de

atualização constante dos dados, as páginas da Internet também abrem espaço para a

difusão do conhecimento desenvolvido no passado, construindo um acervo que retrata as

mais variadas obras e personagens da música.

A imensa quantidade de páginas ligadas umas às outras é a maior contribuição da

Internet. O computador que é conectado à rede entra em um universo em que todos os

conteúdos transformam-se em um único gigantesco documento, complementando as

deficiências de um texto com a ajuda de outros e ampliando seus temas através de links

quase ao infinito. O alcance à toda esta informação é, segundo Gardner (1999b), “tanto uma

benção como uma maldição” (p. 44). Os benefícios são imediatamente visíveis: não mais

teremos que pesquisar as respostas para nossas questões em diversas fontes, podemos

encontrá-las quase que instantaneamente. No entanto, como não há um controle de

qualidade, “informação e desinformação misturam-se confortavelmente e, até agora, não há

formas confiáveis para distinguir o que faz sentido de suas distorções e o absurdo absoluto

Page 123: Auto Aprendizagem Musical

122

na Net” (Gardner, 1999b: 44). Mesmo que os desafios para diferenciar o falso do

verdadeiro já existissem antes, a Internet coloca um cenário totalmente novo:

“Pode ser dito, em resposta, que no mundo sempre tem existido desinformação. Isto é verdadeiro,

mas no passado autoridades educacionais podiam ao menos escolher seus textos favoritos (e

proscrever outros). A situação de hoje, com todos tendo acesso instantâneo à milhares de fontes,

é sem precedentes” (Gardner, 1999b: 44).

A questão do não supervisionamento dos conteúdos presentes na Internet vem sendo

apresentada como um dos grandes diferenciais da rede mundial em relação aos outros

meios de divulgação da informação. Por apresentar esta característica, ao mesmo tempo, “a

Internet pode ajudar a criar comunidades vigorosas e construtivas; ela pode isolar e

dessensibilizar indivíduos para com seus semelhantes; ela pode até fomentar o ódio”

(Gardner, 1999b: 40). A discussão sobre a existência ou não de um controle sobre a

veiculação de informação é vital para a confiabilidade dos dados.

Os meios de comunicação das décadas anteriores à Internet, como o rádio, a

televisão e o cinema, segundo Morin (1967), estiveram sob controles burocráticos e

técnicos.

“No quadro privado, alguns grandes grupos de imprensa, algumas grandes cadeias de rádio e

televisão, algumas sociedades cinematográficas concentram em seu poder o aparelhamento

(rotativas, estúdios) e dominam as comunicações de massas. No quadro público, é o Estado que

assegura a concentração” (Morin, 1967: 27).

O controle técnico existe quando um indivíduo ou uma empresa possui a capacidade

material de difundir as informações. As grandes cadeias de rádio possuem os microfones,

os amplificadores, as antenas transmissoras e os demais equipamentos necessários para que

seu sinal seja propagado. À este tipo de controle corresponde uma concentração

burocrática:

“A organização burocrática filtra a idéia criadora, submete-a a exame antes que ela chegue às

mãos daquele que decide – o produtor, o redator-chefe. Este decide em função de considerações

anônimas: a rentabilidade eventual do assunto proposto (iniciativa privada), sua oportunidade

Page 124: Auto Aprendizagem Musical

123

política (Estado), em seguida remete o projeto para as mãos de técnicos que o submetem a suas

próprias manipulações” (Morin, 1967: 28).

O controle burocrático é aquele que realiza a filtragem da informação, que decide o

quê é apropriado para ser divulgado. Como observamos no capítulo 3, as visões de Adorno

(1980) e Tinhorão (2001) são contrárias à idéia de que esteja ocorrendo uma

democratização da música, pois assim como Morin, assinalam a rentabilidade como um dos

critérios principais para esta filtragem.

Na Internet não há controles técnicos ou burocráticos. Primeiramente, as exigências

técnicas para a construção de uma website são mínimas: precisa-se de um computador

conectado à rede e softwares que podem ser obtidos gratuitamente. Em segundo, qualquer

página pode ser publicada e difundir dados simultaneamente para o mundo todo. O controle

burocrático que existe restringe-se às informações que farão parte dos sites dos mesmos

jornais, rádios e televisões de antes, e mais os novos projetos que procuram assumir a

posição de fonte segura de dados, pois estes certamente serão supervisionados por seus

patrocinadores.

Sem estes tipos de controle, não há nenhuma filtragem e não há como assegurar a

confiabilidade dos websites. Em entrevistas, Umberto Eco colocou a sua preocupação em

relação a esta questão:

“...até agora, as igrejas, instituições científicas e outras tinham por função filtrar e reorganizar o

conhecimento e a informação. Esses intermediários restringiam minha liberdade intelectual, mas

garantiam a filtragem essencial à comunidade. Sem filtragem, corremos o risco da anarquia no

saber” (Eco, 2000a: 8).

A grande quantidade de sites é apontada por Eco como um risco potencial para os

inexperientes. O indivíduo que pesquisa um determinado tema pode confundir-se com a

vastidão das opções, encontrar uma página e dar-se por satisfeito, enquanto as verdadeiras

respostas permanecem em outro local.

“...para uma pessoa mais jovem, a Internet pode ser uma floresta: se você decidir virar para a

esquerda em vez de ir para a direita, talvez deixe de achar o tesouro que está buscando. Existem

muitos sites interessantes, mas também há muito lixo” (Eco, 2000b: 14).

Page 125: Auto Aprendizagem Musical

124

Um exemplo musical das distorções que esta liberdade de propagação mundial das

informações pode gerar está no site da empresa SABIAN (www.sabian.com), uma fábrica

produtora de pratos para percussão (vide apêndice II no final da pesquisa). Esta empresa

tem excelente reputação quanto aos seus instrumentos e, portanto, teoricamente, sua página

na Internet inspira grande confiança nos visitantes. Na seção intitulada “educador”, vários

ritmos são representados através de partituras com padrões básicos para bateria, sempre

com dois compassos de duração. Uma gravação correspondendo ao exemplo escrito pode

ser ouvida, primeiro somente com a bateria e depois em conjunto com uma banda de

acompanhamento. A seguinte partitura foi utilizada para representar o ritmo do samba:

Para um aprendiz iniciante, o padrão representado pode ser estabelecido como um

referencial para o samba. Mesmo o estudioso avançado que não tenha um contato anterior

com este gênero de música poderá assumir a partitura e a gravação como um exemplo

autêntico do estilo. Entretanto, para o conhecedor dos ritmos brasileiros, o padrão

apresentado é uma simplificação que não caracteriza devidamente o samba, nem mesmo na

forma como foi escrito: usualmente a notação musical para o samba utiliza compassos

binários, pois a pulsação do ritmo é binária, e não o quatro por quatro como na partitura

acima. A gravação apresentada não se aproxima do que um conjunto de samba – em

qualquer formação – deveria soar, e instrumentos que não pertencem ao universo brasileiro

são proeminentemente utilizados, como o guiro e a clave, que são instrumentos da

percussão latina e denunciam a categorização da música brasileira juntamente com estilos

afro-cubanos como o mambo, o merengue e o mozambique. Devido a esta distorção e à

superficialidade dos dados, um aprendiz autoditata poderia praticar insistentemente um

ritmo e chamá-lo erroneamente de samba.

Um outro exemplo que pode ser colocado em contraponto à noção de samba

difundida pela SABIAN está no site da VIC FIRTH, uma empresa americana produtora de

Page 126: Auto Aprendizagem Musical

125

baquetas para bateria e percussão. Embora esta última, assim como a primeira, mantenha

sua página na Internet com o objetivo principal de divulgar seus produtos, também há uma

seção dedicada à educação. Ambas colocam informações básicas e introdutórias, sem uma

pretensão de servir como fonte única de dados. Porém, a VIC FIRTH teve a preocupação

de, se não aprofundar os temas abordados, ao menos abrir espaço suficiente para que os

exercícios não ficassem demasiadamente simplificados. Na página intitulada “Fundamentos

do Samba” (www.vicfirth.com/education/drumset/essentialstyles/samba.html), antes de

chegar a um ritmo final, são propostos uma série de exercícios para desenvolver a

coordenação rítmica do aprendiz mantendo uma base característica do samba com os

pedais. Enquanto os pés mantém um padrão constante, as mãos devem realizar dez

diferentes combinações de acentuação, a primeira delas sendo como o exemplo a seguir:

Devemos observar que este ritmo está escrito em dois por dois, e sendo assim é uma

representação binária, mais apropriada às propriedades originais do samba. Há um

acompanhamento sonoro para todas as partituras desta página: basta clicar sobre uma das

linhas para acessar uma versão em MIDI que demonstra o exercício em diversos

andamentos.

Depois desta preparação, uma série de doze exercícios são colocados, apresentando

variações rítmicas do samba, sem a intenção de apontar nenhuma delas como um padrão

definitivo. Estes são os quatro últimos exemplos:

Page 127: Auto Aprendizagem Musical

126

Todas estas variações são, finalmente, cruzadas com um outro ritmo executado no

prato pela mão direita do músico, enquanto a mão esquerda toca os exercícios anteriores

nos tambores da bateria. Dessa forma, a mistura de todos os padrões rítmicos desta página

oferece uma idéia básica do samba, estabelecendo de fato alguns “fundamentos” como o

seu título indica. Embora, ao contrário do site da SABIAN, não haja uma gravação de um

grupo executando uma música de samba, é preferível uma lacuna que estimule o aprendiz a

ouvir performances legítimas do que uma versão deturpada do estilo.

Esses dois exemplos demonstram como um assunto musical pode ser abordado de

diferentes maneiras, mantendo um mesmo nível de profundidade e dispondo de recursos

similares. Seguindo o raciocínio de Eco, devemos estabelecer uma filtragem.

Outros exemplos podem ser encontrados nas análises de sites no final deste capítulo.

5.3 Ferramentas On-line

Partindo da idéia de que nosso objeto de estudo é a auto-aprendizagem musical,

concluímos que o próprio aprendiz é responsável pela filtragem dos sites e das informações

que serão utilizadas nos estudos, pois não haverá a supervisão geral de um professor que

selecione o material. Percebemos neste processo de filtragem, em que o estudante realiza

buscas e decide quais páginas são mais adequadas e confiáveis, algumas ferramentas

facilitadoras que sistematizam e organizam as pesquisas na Internet.

Primeiramente temos os “mecanismos de busca”37, que possibilitam o uso de

palavras-chave na procura de sites sobre determinados temas. Muitas das páginas

encontradas poderão apresentar “páginas de links”, ligando outros endereços eletrônicos

àquele que está sendo consultado, e possivelmente ampliando uma busca com centenas de

resultados para milhares de opções.

37 Podemos citar, entre as mais conhecidas: yahoo (www.yahoo.com); google (www.google.com); alta vista (www.altavista.com); e cadê (www.cade.com.br).

Page 128: Auto Aprendizagem Musical

127

Outra possibilidade é a centralização de vários conteúdos em uma mesma página,

como observamos nas chamadas “bibliotecas virtuais”. Tais bibliotecas resultam na

expansão do acervo disponibilizado on-line, muitas vezes aglomerando voluntários que se

propõem a transferir conteúdos impressos para o formato digital. Este é o caso da

Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro (www.bibvirt.futuro.usp.br), parte integrante do

site da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo. No início do ano de 2001,

iniciamos neste site um trabalho direcionado à música, objetivando investigar novas

possibilidades educacionais na Internet. O primeiro projeto, “Percussões do Brazil”

(www.bibvirt.futuro.usp.br/acervo/audiovisual/sons/percussao/percussao.html), contém

exemplos de instrumentos de percussão típicos da música brasileira. Os usuários têm acesso

ao som produzido pelos instrumentos, textos com informações sobre a história e a

fabricação dos mesmos, com versões em português e em inglês, assim como a imagens e

exercícios transcritos em partituras.

Podemos imaginar, seguindo esta mesma linha de trabalho, uma enciclopédia virtual

relacionando todos os instrumentos musicais conhecidos, contendo vídeos retratando

Page 129: Auto Aprendizagem Musical

128

performances de mestres da música e biografias detalhadas contextualizando-os na história.

Obras desta natureza estariam interligadas à diversas áreas do conhecimento, promovendo

através de seus links um aprendizado totalmente multidisciplinar. Por exemplo, a página de

um determinado instrumento poderia estar conectada à outra que explicasse sua ação em

termos físicos, à uma contendo fatos históricos relacionados e à uma terceira com

explicações geográficas sobre as regiões em que ele é mais utilizado.

Outro agente facilitador das pesquisas musicais na Internet são as novas formas de

descrição de materiais audiovisuais. Um exemplo é a tecnologia do MPEG-7, que atua

como uma “interface de descrição de conteúdo multimídia” (Lindsay e Kriechbaum, 1999),

isto é, que está sendo desenvolvida para representar informações sobre outras informações,

anexando a um arquivo uma série de dados referentes a sua autoria, sua produção e suas

características. Com o uso desta tecnologia, a colocação de uma “etiqueta” nos arquivos

musicais possibilita que encontremos uma obra na rede a partir da especificação de seu

compositor, a época da composição, os instrumentos utilizados na gravação e a tessitura da

peça, entre outras opções. O arquivo musical poderá existir em diferentes formatos,

comprimido (por exemplo, em MP3) ou não, e o MPEG-7 estará anexado descrevendo seu

conteúdo.38

O uso da Internet na auto-aprendizagem poderia ser ampliado a partir desta

facilidade em administrar informações. Um exemplo de exercício prático a ser realizado é a

comparação entre diferentes versões de uma mesma obra, interpretadas por músicos de

estilos distintos. Um pianista poderia facilmente localizar dezenas de gravações de um

mesmo concerto, especificando detalhes para garantir que obteria variações interessantes;

uma peça popular poderia ser encontrada em ritmos diferentes; os improvisos dos solistas

de uma determinada música poderiam ser comparados com base nas notas que foram

utilizadas; várias performances de um mesmo instrumentista poderiam ser estudadas em

seus detalhes mais específicos.

Alguns dos serviços comerciais disponibilizados pela Internet podem servir também

como ferramentas organizacionais nas pesquisas musicais. Muitas vezes ao custo de sua

privacidade, o usuário / consumidor pode selecionar suas preferências e personalizar seu

38 Atualmente uma padronização mundial está sendo elaborada para o MPEG-7. Maiores informações nos sites www.meta-labs.com/mpeg-7-aud ; www.darmstadt.gmd.de/mobile/MPEG7/ e www.cselt.it/mpeg/.

Page 130: Auto Aprendizagem Musical

129

relacionamento com estes sites, fornecendo dados pessoais e hábitos de compras. Temos

exemplos deste caso nas lojas virtuais de discos, como a CD Now (www.cdnow.com), que

estimula seus clientes a preencherem um cadastro com seus gostos e artistas favoritos. De

posse destes dados, através do correio eletrônico o site envia boletins sobre novos produtos

disponíveis e recomenda outros nomes e estilos baseados naqueles que foram fornecidos.

Neste sentido, assim como Jones (2000), podemos nos referir à Internet como uma

mistura de mídia de massa com mídia pessoal, no que ela proporciona uma individualização

da experiência da música. A filtragem ocorre em dois extremos: na loja que divulga as

informações e com os consumidores que determinam que tipo de música desejam conhecer.

Enquanto que no rádio a única alternativa do ouvinte é mudar a estação, na Internet ele

pode participar das escolhas que direcionam os dados transmitidos. Este mesmo processo

acontece nas rádios on-line, como a Usina do Som (www.usinadosom.com.br), em que o

ouvinte tem como opção a escolha de um dos canais preestabelecidos, divididos por gênero

musical, ou a criação de sua rádio pessoal, determinando quais estilos, artistas ou músicas

deseja incluir na programação. Estas são as chamadas rádios jukebox, diferentes das rádios

tradicionais, que muitas vezes também são disponibilizadas através da Internet. Durante a

execução de uma música, é possível adquirir o CD que a contém, assim como ter acesso à

resenhas de novos lançamentos, trazendo ao usuário um pacote de informações sobre as

opções que lhe agradam.

Outras rádios on-line podem estabelecer padrões mais artísticos, como aquela criada

pelo músico Gilberto Gil no final do ano 2000, intitulada Expresso 2222

(www.expresso2222.com.br), que não tem canais separados por estilos musicais ou uma

preocupação essencialmente comercial em relação à sua programação. O nome do site faz

referência a uma música composta por Gil em 1972, durante seu exílio em Londres, e tem

sua concepção em vagões, cenários e itinerários, trazendo não somente a música mas

também uma visão do autor sobre ela. Caso semelhante é o programa “Empoeirado”, em

que o músico Ed Motta atua como DJ e comentarista. Veiculado pelo seu site oficial

(www.edmotta.com.br) e pela Rádio UOL (www.uol.com.br/radiouol), em cada edição

semanal Motta comenta cinco músicas retiradas de seu próprio acervo particular de discos

Page 131: Auto Aprendizagem Musical

130

de vinil. A audiência chega a 2000 pessoas quando o programa está ao vivo, e depois

recebe uma média de 400 visitantes/dia quando é arquivado.39

Ao mesmo tempo em que personalizam a experiência musical, as rádios on-line

também abrem canais para outras culturas e identificam o que é considerado mainstream

em países distantes. Endereços eletrônicos como o www.comfm.com ou o

www.radios.com.br aglomeram milhares de rádios provenientes do mundo inteiro,

transportando o ouvinte de um continente a outro através de poucos toques no computador.

Dessa forma, a Internet se consolida como um importante agente no processo de

globalização musical, divulgando igualmente qualquer tipo de trabalho, seja produto das

grandes indústrias ou de músicos independentes. Este nivelamento resultou na possibilidade

de competição entre grandes e pequenos produtores.

A redução do custo dos computadores pessoais e sua decorrente popularização

permitiu a propagação de pequenos estúdios de gravação, tornando a produção caseira de

alta qualidade viável e libertando os produtores musicais das companhias da indústria

fonográfica. No Brasil, no final do ano 2000, já era possível criar um estúdio com menos de

R$1000.40 A divulgação do material resultante via Internet, gratuita e de alcance mundial,

tornou-se uma prática comum, mesmo entre os artistas que anteriormente já tinham acesso

aos meios de comunicação.41 Apesar das grandes empresas ainda terem o controle dos

mecanismos de massificação, através da mídia impressa, do rádio e da televisão, a Internet

torna possível produzir localmente e distribuir mundialmente. Observamos os efeitos

exercidos do macro para o micro e vice-versa. Este aspecto é relevante porque, usualmente,

os críticos da globalização assinalam apenas os efeitos do macro destruindo o micro, numa

visão que contempla o sistema de relações mundiais como uma corrente fixa de mão única,

do global para o local.

Percebemos que a globalização engendrou duas vertentes distintas de reação no

campo musical. Por um lado Sekeff (1998) assinala que, para alguns, há uma “massificação

das artes e da música, favorecendo uma ideologização passiva na medida em que estimula a

padronização do gosto e da demanda do consumo, com possibilidades de ruptura das

39 “Talentos do Rádio Brasileiro Migram para a Internet”, Folha de São Paulo, cad. Ilustrada, 21 de fevereiro de 2001, p. E-4. 40 “Crie um Estúdio com Menos de R$1000”, Folha de São Paulo, cad. Informática, 22 de nov. de 2000, p.10. 41 “Artistas Investem em Divulgação On Line”, Folha de São Paulo, cad. Ilustrada, 10 de agosto de 2000, p.4.

Page 132: Auto Aprendizagem Musical

131

singularidades nacionais e locais”. Por outro, a mesma autora observa que, vista sob um

ângulo diferente, a globalização “estimula a criação local de qualidade internacional,

permitindo uma revolução dos métodos e processos de transmissão do saber e fazer

artístico, com benefícios para a democratização e universalização do seu produto”. Ou seja,

enquanto as grandes companhias da indústria musical procuram utilizar a Internet para

ampliar o alcance comercial de seus produtos, constatamos um esforço de resistência dos

pequenos grupos, em que é possível encontrar fenômenos culturais e expressões individuais

de músicos que atuam paralelamente às gravadoras.

Os serviços virtuais que divulgam estas produções, como rádios e lojas on-line,

podem ter uma importância significativa na realidade prática da aprendizagem musical.

Tomemos como exemplo um aluno iniciante no gênero popular do jazz, que recebe um

tópico para pesquisa: Miles Davis, um célebre instrumentista do estilo. A partir deste nome,

no site CD Now podemos obter a discografia (incluindo aproximadamente 300 títulos) e a

videografia completa do músico, escutar trechos de algumas de suas músicas, e temos

acesso a sua biografia, assim como às últimas notícias e reportagens escritas a seu respeito.

Também há uma página de “artistas relacionados”, organizada em cinco categorias (artistas

similares, raízes e influências, teve influência sobre..., colaborou com..., executou músicas

de...), indicando 167 outros nomes de alguma forma associados à Miles Davis.

Investigando os links providenciados ampliamos nosso círculo de audição em uma

seqüência lógica e gradual, sem a qual o termo genérico “jazz” poderia se diluir nos

inúmeros subgrupos do estilo, cada qual com características próprias e distintas.

Lembramos que a intenção final do CD Now ainda é vender seus produtos, mas para

cumprir seu objetivo disponibiliza as informações e acaba por atuar de forma educativa. Na

rádio on-line Usina do Som, através de uma busca por “Miles Davis”, chegamos a 16

discos contendo composições interpretadas por este músico, que podem ser apreciados em

sua íntegra.42 Percebemos nos serviços on-line relacionados à música uma conexão

inteligente com o material disperso na Internet, direcionando a atenção do ouvinte para

focos de interesse e agindo como tutores, contribuindo para que a aquisição de

conhecimento seja evolutiva e consciente.

42 Devemos observar que os números relativos à busca “Miles Davis” foram constatados em Janeiro de 2002, e serão modificados a partir de qualquer atualização nos sites mencionados.

Page 133: Auto Aprendizagem Musical

132

5.4 Análise de Sites

Iremos analisar alguns dos sites construídos visando especificamente o ensino de

instrumentos musicais, observando que manteremos o foco na aprendizagem da bateria.

Outros sites relacionados ao assunto serão listados no apêndice II, ao final desta pesquisa.

Devemos diferenciar o uso da Internet em processos de auto-aprendizagem dos

cursos disponíveis on-line que envolvem a presença de um professor à distância. No

primeiro caso, o aluno utiliza recursos nos sites com autonomia e interpretações próprias,

mesmo que tenha a possibilidade de contatar um professor para esclarecimentos. No

segundo, existe um relacionamento constante entre professor e aluno, mediado pelos canais

comunicativos que a Internet oferece. Nesta situação, embora muitas responsabilidades

estejam ao encargo do aprendiz, a supervisão dos trabalhos implica em orientações e

interpretações dirigidas pelo professor, que ao corrigir exercícios e avaliar o

desenvolvimento do aluno assume uma outra parcela das responsabilidades. Muitos cursos

dessa natureza estão presentes na Internet43. Porém, nosso foco estará dirigido aos sites que

propõem a aprendizagem totalmente centrada no aluno, mesmo que um professor possa

participar de uma forma indireta, como é o caso do primeiro exemplo, Bill Powelson’s

School of Drums. Em outra situação, como no segundo exemplo, Drum Lessons Database,

as informações são sistematizadas em “aulas” que o aprendiz deve utilizar sem auxílio

algum. Nosso terceiro exemplo será o site Web Thumper Drum Lessons e o quarto e último

será o drumlesson.com.

Nossa análise parte do princípio de que nenhum livro, vídeo-aula ou site pretende

abordar todos os temas pertinentes à um determinado instrumento musical, visto que tal

objetivo seria impossível dada a vasta quantidade de ritmos, técnicas e outros assuntos que

deveriam ser estudados. Portanto, cada página de um site será considerada como um tratado

educativo sobre um tema, objetivando transmitir informações dentro de um campo

delimitado. Este campo, no entanto, deverá estar apoiado em um contexto apropriado para

43 Podemos citar algumas escolas que organizam cursos musicais on-line: no Brasil, o Conservatório Brasileiro de Música (http://www.cbm-musica.org.br), no Rio de janeiro; o Conservatório Musical Souza Lima (http://www.souzalima.com.br) e a Escola de Música e Tecnologia (http://emt.com.br), em São Paulo; na Argentina, o Instituto Americano de Música (http://www.ivimus.8k.com); e na Espanha, a escola Aula Actual (http://www.aulaactual.com).

Page 134: Auto Aprendizagem Musical

133

que faça sentido e possa ser assimilado pelo aprendiz. Por isso, estabelecemos os seguintes

critérios para analisar as páginas:

� Organização do material: clareza com que foram colocadas as explicações e

sistematizados os exercícios

� Contexto: adequação da informação ao que o site se propõe e ao conjunto das

outras páginas do mesmo site.

� Navegação: facilidade em chegar às informações; diagramação das telas; e

recursos de som e vídeo.

1) Bill Powelson’s School of Drums – http://catalog.com/drummers/bphome01.html

Bill Powelson é um baterista americano que iniciou sua carreira profissional em

meados da década de 50, começando a lecionar aulas de seu instrumento em 1964. Em

1994, seu curso on-line foi estabelecido e continua a ser atualizado até o presente. No site

Page 135: Auto Aprendizagem Musical

134

indicado acima há uma combinação de aulas gratuitas e outras que só podem ser acessadas

mediante uma taxa única de 49 dólares americanos. Tornando-se um membro, o aprendiz

recebe os seguintes privilégios: 1) Através de uma senha pode-se acessar todas as 90 aulas,

ou “baixá-las” em zip; 2) Pode-se “baixar” o e-book “Old Drums Into New Money”,

contendo técnicas para a recuperação de baterias usadas; 3) Recebimento de um newsletter

mensal com novas aulas e acesso ao arquivo do material produzido desde janeiro de 1997;

4) Ajuda pessoal de Powelson por e-mail, ilimitada, para esclarecimentos e resolução de

dúvidas. O pagamento da taxa implica em uma associação permanente, dando direito a

todos os updates que vierem a ser acrescentados no site.

O curso é dividido em quatro níveis: iniciante, intermediário, avançado e ultra-

avançado. Os dois primeiros são quase inteiramente gratuitos; os dois últimos fazem parte

da área restrita aos membros. Através dessa sistematização, é anunciado que o material é

dirigido tanto ao aprendiz completamente leigo, antes ainda de comprar seu instrumento,

quanto ao estudante sério, que já domina os fundamentos da bateria e busca

aperfeiçoamentos. Há um menu principal das aulas, que também são ligadas umas às outras

em seqüência, e em quase todas as páginas há links para uma página convidando o visitante

a associar-se para ter acesso ao curso completo. A navegação no site é simples, embora o

excesso de informações na página inicial dificulte a compreensão visual. As aulas, no

entanto, estão claramente marcadas: há 22 enumeradas e descritas, das quais 16 podem ser

acessadas gratuitamente. As demais aulas do curso são comentadas apenas

superficialmente, sem uma descrição acurada de seu conteúdo.

O primeiro nível, dedicado aos iniciantes, começa com uma introdução sobre

técnicas para segurar as baquetas e para atacar corretamente os pedais da bateria. A lição

número 1 é colocada como um “teste de aptidão”, convidando o aprendiz a realizar um

exercício na própria mesa de estudos, a fim de convencê-lo de sua capacidade para tocar o

instrumento. A aula número 2 coloca noções da escrita musical, enquanto a número 3

contém uma série de cinco ritmos básicos e uma lista de músicas, todas amplamente

divulgadas pelos meios de comunicação, como exemplos de cada desses ritmos. Os

exercícios são acompanhados de arquivos MIDI e há músicas completas, utilizando o

Page 136: Auto Aprendizagem Musical

135

sistema Real Audio44, que os alunos são encorajados a acompanhar com os ritmos

aprendidos.

O segundo nível, intermediário, compreende as aulas de número 4 a 10, sendo que

apenas a de número 4, tratando de terminologias, símbolos e valores das notas musicais,

não é gratuita. Outros ritmos, mais complexos, são colocados nesta fase, juntamente com os

estudos iniciais dos rudimentos.45 A lista com os 26 principais rudimentos é

disponibilizada.

Em seguida há uma seqüência intitulada “dicas e truques”, anunciada como

apropriada para todos os níveis, englobando as aulas de número 11 a 16. Dessas, apenas as

de números 11 e 13 são gratuitas. Os seguintes temas são abordados: 1) Como montar um

equipamento para a prática da bateria com caixas de papelão (“a bateria mais barata do

mundo”); 2) Afinação da bateria; 3) Compra da bateria (instrumentos novos vs. usados,

marcas conhecidas vs. desconhecidas, medidas adequadas das peças); 4) Como se juntar à

uma primeira banda e realizar seu primeiro show; 5) Como enfrentar a competição de

outros músicos.

O terceiro nível (aulas 18 e 19), avançado, contém exercícios mais aprofundados

envolvendo ritmos e rudimentos. O quarto nível (aulas 20 a 22), ultra-avançado, trata de

assuntos complexos como permutações rítmicas e diferentes fórmulas de compasso. O

restante do material envolve, além de exercícios mais avançados nas áreas anteriormente

trabalhadas, outros ritmos como bossa nova, reggae, calypso, lambada, salsa, mambo,

polka, entre outros. Todas estas aulas só podem ser acessadas por membros associados.

Percebemos em todo o curso que foi descrito acima o uso de uma linguagem

simples e direta, estabelecendo um caráter informal às aulas e estimulando o aprendiz a

enviar questões e sugestões em qualquer momento. O site disponibiliza um sistema de alta

utilidade para os leigos, que não possuem conhecimento algum e se beneficiam das aulas

iniciais; e um material valioso para os estudantes que têm um conhecimento prévio

considerável e estão aptos a interpretar as lições mais avançadas. Há, no entanto, um vácuo

44 A importância do Real Audio se deve ao fato de que o áudio pode ser ouvido em streaming, isto é, não é preciso “baixar” completamente os arquivos, eles podem ser ouvidos à medida que as informações chegam. Sua qualidade, no entanto, é bastante inferior a do MP3. 45 Os rudimentos consistem em manipulações das baquetas, praticadas gradualmente do lento ao rápido, usando diferentes padrões de ataques (http://catalog.com/drummers/rudexpln.html).

Page 137: Auto Aprendizagem Musical

136

entre essas duas situações, em que os alunos que já dominaram os fundamentos básicos têm

dificuldades para progredir.

As aulas iniciais servem de auxílio para a aquisição de um instrumento adequado e,

partindo do que é chamado de “air drumming” (tocar um instrumento imaginário,

realizando os movimentos no ar), fornecem elementos básicos que, segundo o texto do site,

“preparam o aluno para tocar 50% das músicas de qualquer estilo”. O primeiro exercício

apresentado é o seguinte:

Contagem (1 2 3 4) D = Mão Direita D D D D E = Mão Esquerda E P = Pé Direito P

Torna-se óbvio que um ritmo dessa natureza pode acompanhar a maioria das

músicas atualmente divulgadas pelos meios de comunicação, pois trata-se de uma marcação

simples em tempo quaternário, mas isso não é o mesmo que “tocar”. Tocar com todas as

variações e nuanças depende do domínio de diversos aspectos, envolvendo a técnica e a

sensibilidade musical do aprendiz. Neste sentido, percebemos uma dificuldade na auto-

aprendizagem: como não há uma avaliação direta dos estudos, já que o professor poderá

apenas ser contatado por e-mail, o aluno não irá dispor de recursos para refinar os

movimentos e a musicalidade que compõem mesmo os ritmos mais simples. Portanto,

apesar de receber instruções sobre a execução e a coordenação motora envolvida nos

exercícios, o aprendiz dificilmente conseguirá progredir sem o uso de elementos externos

ao site.

Os exercícios apresentados aos iniciantes são práticas quantitativas: trabalham com

combinações matemáticas baseadas na contagem numérica, treinando a capacidade do

aluno para executar movimentos combinados entre seus membros de forma a produzir

ritmos. Porém, para que estes ritmos sejam lapidados, vários aspectos de ordem qualitativa

devem ser observados: as técnicas corretas para extrair uma boa sonoridade, o balanço

adequado da intensidade de cada uma das partes envolvidas no exercício, o ajuste temporal

Page 138: Auto Aprendizagem Musical

137

das notas, e as variações que mantenham as características do ritmo. Não há contribuições

nesse sentido nas aulas do site analisado.

Muitas dessas questões colocam-se como obstáculos para a auto-aprendizagem da

bateria, pois dependem de avaliações detalhadas que seriam facilitadas através da

participação de um professor. Sozinho, o aluno terá que desenvolver uma percepção

aguçada de sua própria produção musical em relação à músicos mais experientes. Para isso,

seria útil que o site disponibilizasse ou indicasse músicas que demonstrem os ritmos

estudados. As dificuldades também poderiam ser amenizadas com o uso de vídeos que

possibilitassem a visualização da prática dos exercícios propostos. Como já assinalamos no

capítulo dedicado aos vídeos, a observação da imagem possibilita ao aluno realizar uma

auto-crítica mais adequada, comparando seus movimentos ao de músicos mais experientes.

Não há vídeos ou fotos em nenhuma das aulas. O sistema desenvolvido por Bill Powelson

fornece apenas o áudio como referência, sendo que os exercícios são demonstrados com

arquivos MIDI. Apesar da rapidez com que estes arquivos podem ser “baixados”, a

qualidade da informação é muito aquém da obtida com outras tecnologias usualmente

encontradas na Internet, como o MP3, que implica em um maior tempo de transmissão.46

Dessa forma, concluímos que este site contribui para que o aprendiz iniciante evolua até um

certo ponto, a partir do qual seriam necessários outros materiais.

Para o aluno avançado, por outro lado, os problemas relacionados à auto-avaliação

não apresentam a mesma dimensão, visto que suas experiências anteriores facilitam a

rápida integração de novas informações. As aulas avançadas funcionam como uma fonte de

ritmos e exercícios, que são anexadas à práticas já existentes e consolidadas, expandindo o

vocabulário musical deste aluno. Supomos que nessa situação o aprendiz necessitará de

menos referências pois seus conhecimentos permitem que as novas idéias sejam

contextualizadas de maneira apropriada.

Dessa forma, apesar das aulas avançadas do site em questão também trabalharem

essencialmente com aspectos quantitativos, o aluno terá condições de identificar as

questões qualitativas relevantes e desenvolver os seus pontos de interesse.

46 Relembramos que os arquivos MIDI transmitem informações sobre a música a ser executada e não o som gravado, como ocorre com o padrão MP3.

Page 139: Auto Aprendizagem Musical

138

2) Drum Lessons Database – http://www.drumsdatabase.com

O Drum Lessons Database se propõe a atuar como portal para outros sites que

contenham material educativo relacionado à bateria e percussão, estabelecendo links

organizados por assunto para mais de 400 aulas on-line. Cada um dos temas, listados na

página inicial, contém de uma à dez aulas, com curtos textos que descrevem o material e

indicam se há o acompanhamento de um arquivo sonoro. Há 117 assuntos, incluindo ritmos

diversos (samba, tango, rock, salsa), rudimentos, solos, transcrições, teoria musical,

motivação, afinação, história da bateria, limpeza dos instrumentos, postura, eletrônica, entre

outros. A página foi construída pela Drum Bum, uma empresa americana fabricante de uma

série de produtos com motivos ligados à bateria, como camisetas, relógios, adesivos,

chaveiros, canetas, brincos e gravatas. (http://store.drumbum.com).

A navegação na página única é simples e efetiva: um quadro apresenta todos os

assuntos; pode-se selecionar e clicar sobre um deles, levando o visitante diretamente às

aulas listadas, ou “rolar” a página para baixo, de forma a percorrer todos os assuntos e suas

Page 140: Auto Aprendizagem Musical

139

respectivas aulas, ordenados alfabeticamente. Como este site não produz seu próprio

material, não há uma consistência metodológica nas aulas apresentadas. Cada link

transporta o visitante a outra página, abrindo uma vasta gama de variáveis quanto à

formatos e conteúdos. Algumas aulas apresentam vídeos ou fotos, enquanto a maioria

contém apenas textos e partituras. Todo o material pode ser acessado gratuitamente. Não há

uma classificação das aulas em níveis de dificuldade, apenas “iniciante” e “ritmos básicos”

são identificáveis como temas dirigidos.

Porém, a importância deste site se deve a seu papel como material de consulta,

indicando rapidamente páginas que tratam de um determinado tema. Através destas

indicações o aprendiz poderá iniciar pesquisas e comparar diferentes abordagens de um

mesmo assunto. Tais comparações representam uma prática comum de pesquisa na

Internet, em que as “ferramentas de busca” são utilizadas para listar páginas sobre um tema

e as primeiras opções são rapidamente investigadas, escolhendo-se as que mais se

aproximam dos objetivos pretendidos. A auto-aprendizagem é assim facilitada através de

uma pré-seleção e uma organização das aulas existentes na rede, contribuindo

especialmente para os aprendizes interessados em realizar pesquisas musicais.

Sendo assim, concluímos que o Drum Lessons Database é mais apropriado aos

alunos de nível intermediário ou avançado, capacitados a selecionar as aulas e utilizá-las de

maneira adequada. Os alunos iniciantes, por outro lado, necessitam de uma estrutura

metodológica de complexidade gradual, baseada em exercícios quantitativos de fácil

compreensão, como existe no site Web Thumper Drum Lessons, que será analisado a

seguir.

3) Web Thumper Drum Lessons – http://216.103.111.115/webthumper/drums/

O Web Thumper foi construído por Scott Dinn, um baterista de San Jose, Califórnia

(EUA), que também trabalha como webdesigner para empresas. Este site disponibiliza

gratuitamente um programa de estudo que se inicia com uma introdução à bateria e passa

por quatro níveis de complexidade: novato, intermediário, avançado e extremo. Todo o

material presente na Internet pode também ser adquirido em livros e CDs, através de

Page 141: Auto Aprendizagem Musical

140

encomendas postais, ou ser impressos a partir das páginas especialmente formatadas para

este fim.

A introdução do curso é similar a que foi constatada no site de Bill Powelson: o

aprendiz é convidado a executar o mesmo exercício percutindo a mesa, enquanto um

arquivo MIDI demonstra como o ritmo deveria soar se tocado na bateria. Depois, há

explicações sobre a contagem de ritmos e noções de teoria musical, discutindo fórmulas de

compasso e tempo musical. Esta seção assume que o visitante não possui conhecimento

algum sobre a bateria, preparando-o com elementos básicos e simplificados.

Aos “novatos” são colocados os primeiros ritmos, todos acompanhados de

representação na partitura e acompanhamento sonoro (MIDI). Nessa situação, o uso de

arquivos MIDI é totalmente adequado, pois suas limitações não prejudicam a compreensão

de ritmos básicos e a grande quantidade de exercícios requer um padrão que seja de rápida

transmissão pela rede. O nível intermediário trata dos rudimentos e aprofunda os ritmos

trabalhados, sempre estimulando o aluno a contar em voz alta os tempos rítmicos, além de

introduzir diferentes fórmulas de compasso (3/4, 5/4 e 6/4). O estágio avançado e o

intitulado “extremo” propõem exercícios ainda mais complexos utilizando os mesmos

recursos e sistemas.

Outras idéias de exercícios são propostas através de transcrições de músicas,

colocando partituras representando a parte de bateria de diversas músicas usualmente

difundidas pelos meios de comunicação. O aluno poderá ouvir um arquivo sonoro em MIDI

ou “baixar” a música completa em MP3, possibilitando a prática da leitura juntamente com

a interpretação original. Em outra seção, há a opção de “baixar” gravações de músicas sem

a bateria, para que o aprendiz complete a música com sua própria versão da partitura

apresentada. Esses exercícios são organizados segundo os níveis de dificuldade, colocando

leituras simples para os iniciantes e discussões detalhadas sobre cada uma das partes das

músicas avançadas. A possibilidade de imprimir a partitura e tocar com gravações

envolvendo outros instrumentos além da bateria representa uma aplicação prática dos

exercícios desenvolvidos.

A estruturação das páginas é bastante organizada e funcional, havendo um menu

constante na parte esquerda da tela, através do qual as aulas são selecionadas. Não há fotos

ou vídeos mas, embora a ausência de imagens em movimento, como já foi anteriormente

Page 142: Auto Aprendizagem Musical

141

observado, seja um empecilho para o progresso dos aprendizes, o texto de apresentação

prometia a inclusão de vídeos e mais arquivos MP3 para breve. Em comum com os dois

sites analisados acima o Web Thumper apresenta a linguagem direta e informal, procurando

estabelecer uma relação pessoal com o aluno. Pressupõe-se que o aprendiz busca uma

conexão não somente com o material mas também com o estilo em que este material é

apresentado. Esta informalidade passa a sensação não de um “curso” sistematizado para o

ensino musical sério, mas para uma aprendizagem recreativa e dirigida ao lazer.

4) Drumlesson.com – http://www.drumlesson.com

O site drumlesson.com se diferencia dos outros vistos até aqui em dois aspectos

principais. Primeiramente, foi elaborado e construído por uma empresa especializada,

intitulada com o mesmo nome (drumlesson.com), e não por indivíduos (caso de Bill

Powelson’s School of Drums e Web Thumper Drum Lessons) ou por companhias não

relacionadas ao ensino musical (caso do Drum Database). A drumlesson.com, sediada na

cidade de Granada Hills, Califórnia, EUA, foi criada para desenvolver páginas na Internet

Page 143: Auto Aprendizagem Musical

142

oferecendo aulas de bateria e percussão. Em segundo, ao contrário dos anteriores, este site

utiliza amplamente diversos recursos de imagens, combinando fotos e vídeos aos textos,

gráficos e arquivos de áudio em MP3 e Real Audio. As aulas são baseadas em vídeo-aulas e

podem ser adquiridas ao custo de 6.95 dólares americanos cada. A associação ao sistema é

gratuita e ocorre mediante uma senha, disponibilizando ao aluno, além da possibilidade de

comprar aulas, acesso à uma enciclopédia de percussão, à entrevistas de bateristas no

formato Real Audio, e ao fórum de discussões. Há também uma loja on-line onde materiais

didáticos diversos podem ser encontrados.

Após a aquisição de uma aula, o aprendiz terá acesso on-line ao material durante 8

semanas, podendo “baixar” para seu computador uma porção limitada de seu conteúdo.

Segundo o site, cada aula possui conteúdos equivalentes ao de uma vídeo-aula completa,

representando a junção deste vídeo com um livro e um CD de áudio. Abaixo observamos a

demonstração de uma das aulas:

Page 144: Auto Aprendizagem Musical

143

A visualização de cada detalhe discutido nas aulas representa um cenário altamente

favorável para a auto-aprendizagem. Os recursos hipermídia do computador são finalmente

utilizados para transmitir o conteúdo de uma vídeo-aula, com o diferencial de que a

navegação permitirá ao aprendiz uma leitura da aula em diferentes formatos. Várias janelas

podem ser abertas simultaneamente para facilitar a compreensão das informações, fazendo

com que um exercício ou atividade seja explicada de várias maneiras.

Tais recursos ampliam as possibilidades tanto de aprendizagem quantitativa quanto

da qualitativa. Como foi observado mais acima, os sites anteriormente analisados

apresentavam instruções sobre combinações rítmicas que adestravam a coordenação motora

do aprendiz. Porém, após esta capacidade ser desenvolvida, não haviam outros elementos a

observar nos exercícios. Com a utilização do vídeo e de áudio de boa qualidade,

apresentando o som gravado e não arquivos MIDI, após o domínio da coordenação rítmica

ser atingido, outros aspectos podem ser observado para que os ritmos sejam aprimorados.

Estes aspectos podem ser relacionados aos movimentos, observados através do vídeo, ou à

um refinamento sonoro, perceptível no ouvir atento das gravações. Ou seja, este

aprimoramento depende de uma alta qualidade das informações recebidas.

Na ilustração seguinte, temos um exemplo de um ritmo sendo demonstrado, em que

o mesmo é colocado na forma de partitura, enquanto pode-se repetir o arquivo de áudio

indefinidamente ou assistir à performance de um músico executando o exercício:

Page 145: Auto Aprendizagem Musical

144

As entrevistas com bateristas renomados são um outro meio do aprendiz entrar em

contato com informações importantes, seja no âmbito musical técnico ou no relato de

vivências profissionais. Enquanto muitos sites publicam textos referentes à estas

entrevistas, o drumlesson.com mantém um acervo em Real Audio, possibilitando que as

palavras do músico sejam ouvidas de sua própria voz. Em se tratando de personalidades do

universo musical, ressaltamos a importância dos exemplos cantarolados e do próprio ritmo

verbal do músico, que freqüentemente é refletido em sua expressão através do instrumento.

A enciclopédia de percussão, mantendo o mesmo uso da multimídia, apresenta cerca

de 200 instrumentos musicais, com fotos, textos explicativos, arquivos de vídeo e áudio,

sendo que para esses arquivos há três opções na velocidade de transmissão. Conforme o

interesse do visitante, pode-se “baixar” os dados mais rapidamente com menos qualidade,

ou obter mais qualidade através de uma espera mais prolongada.

Page 146: Auto Aprendizagem Musical

145

Portanto, o conjunto das possibilidades presentes no site drumlesson.com pode ser

utilizado em processos de auto-aprendizagem de estudantes iniciantes, intermediários ou

avançados, existindo meios para que uma transição entre esses níveis ocorra. No entanto,

não há um programa estabelecido considerando as diferenças dos alunos e nenhuma das

páginas é dirigida à algum grupo específico. Há poucas aulas disponíveis – três para bateria

e nove para percussão em geral – e a maioria lida com informações básicas, dirigidas ao

nível iniciante. Com uma expansão das aulas visando atingir outros grupos de alunos, o

sistema encontrado nesse site serviria de modelo ideal para um curso on-line completo.

A linguagem utilizada é acadêmica e formal, dirigindo-se ao aluno de modo

objetivo e sério. Ao contrário de nossos exemplos anteriores, o drumlesson.com procura

uma relação mais impessoal com o aprendiz, oferecendo materiais educacionais e abrindo

espaço para discussões no fórum. As questões individuais, como não há um serviço de

esclarecimentos de dúvidas via e-mail, devem ser colocadas para todo o grupo, que pode

contribuir com múltiplas respostas e apresentar soluções, ou abster-se e deixar o aluno sem

elucidação alguma.

Page 147: Auto Aprendizagem Musical

146

CONCLUSÃO

Apresentamos nesta dissertação um olhar sobre o cenário tecnológico atual na área

da música, destacando o uso educacional de vídeos e da Internet. Esse cenário tem sido

incessantemente modificado e ampliado com novas possibilidades. Observamos na

pesquisa diversas situações em que meios tecnológicos são utilizados para a auto-

aprendizagem da música. A prática cada vez mais comum do contato entre o aprendiz e a

informação musical, sem a intermediação direta de professores, nos leva a concluir que o

uso da tecnologia facilitou esse processo e ampliou a abrangência e a qualidade das suas

possibilidades. Enquanto as inovações nos meios de comunicação, nos computadores, nas

formas de registro do som e da imagem, e na velocidade de transmissão de dados tornam-se

presença constante na vida cotidiana dos indivíduos, constatamos novas formas de

aprender, perceber, produzir, e de se relacionar com a música.

Dentro dessa realidade, em que as novas gerações de potenciais músicos nascem em

ambientes altamente tecnológicos, e o convívio com as tecnologias modernas utilizadas no

auto-aprendizado não causa nenhuma estranheza ou repúdio, os equipamentos eletrônicos

têm participado dos processos musicais com uma importância crescente. Nasce assim a

necessidade de uma “educação tecnológica”, ou seja, uma educação para decodificar e

sistematizar o uso de tecnologias, de forma a preparar os aprendizes musicais a verem a

fusão de diversas tecnologias que permeiam as atividades musicais com naturalidade, como

um fato inerente ao ato de aprender ou apreciar a música; e que desenvolva as capacidades

e habilidades necessárias para lidar com os aparelhos e metodologias atuais.

Citamos no capítulo 3 as reações adversas quando do surgimento do fonógrafo e do

rádio, pois elas exemplificam, em um passado cada vez mais distante, como meios que

oferecem tamanhas possibilidades podem ter sido considerados musicalmente um atraso

educacional, enquanto hoje, para as novas gerações, um mundo sem gravações e rádios

seria inconcebível. Da mesma forma, as novas tecnologias aqui pesquisadas têm ocupado

espaços cada vez mais importantes na produção e na transmissão do conhecimento musical,

e é provável que serão progressivamente assimiladas, de maneira natural, em todos os

processos de aprendizagem da música. Assim como o ato de ouvir CDs e rádios para

aprender novas músicas e novos ritmos tornou-se uma prática comum, podemos deduzir

Page 148: Auto Aprendizagem Musical

147

que o uso da Internet e outras redes eletrônicas para a realização de cursos e

aperfeiçoamentos musicais será usual, que as vídeo-aulas irão evoluir para sistemas mais

interativos – o que já ocorre atualmente com o formato DVD – e serão integradas aos

computadores, e que o conjunto dessas alternativas formará a realidade do dia-a-dia dos

indivíduos ensinando e aprendendo música.

Percebemos, com essa multiplicação de canais de difusão da informação, um elo

entre a educação musical não-formal, a informal e a formal. Todas utilizam, de alguma

maneira, o universo de dados que transita nos meios tecnológicos atuais, seja como objeto

de estudo ou matéria-prima para outras finalidades. Embora a educação formal, como

destacamos no capítulo 1, esteja distante das informações veiculadas pelas mídias, seus

alunos convivem diariamente com elas, e encontram pontos de interesse no rádio, na

televisão e na Internet. Dessa mescla de aprendizagens, advindas de fontes diversas, surge

um processo centrado no aluno, fazendo da auto-aprendizagem musical um processo lógico

e totalmente possível, e abrindo chances para o desenvolvimento da auto-percepção e da

auto-crítica.

Esta dissertação, ao focalizar os processos de auto-aprendizagem da música, baseia-

se no suposto de que os aprendizes são capazes de pensar por si próprios, de decidir e optar,

de confrontar opiniões e idéias, assim como de contornar as dificuldades encontradas pela

ausência de um professor. São capazes de decifrar os códigos musicais de modo lógico e

coerente, e de desenvolver sua apreciação musical tanto quanto coordenar as ações e

movimentos necessários para aprender ou aperfeiçoar o manejo de instrumentos musicais.

Portanto, essa visão da auto-aprendizagem supõe que os indivíduos também estão buscando

sua auto-formação, adquirindo saberes musicais via um processo de desenvolvimento de

habilidades. Ou seja, a auto-aprendizagem musical valoriza a auto-educação em uma

perspectiva de produção, e não apenas como um ato mecânico de absorção de informações.

Assim, vimos alunos autodidatas que buscam MP3 e tablaturas em sites

especializados; alunos que freqüentam escolas para praticar a interpretação de materiais

didáticos; professores que utilizam vídeos como referência para seus alunos; e outras

situações em que o aprendiz desenvolve capacidades para selecionar materiais apropriados

para suas metas e criar métodos para trabalhar com estas informações. Em cenários

variados observamos um mesmo tema: a tecnologia atuando como ponto de apoio para

Page 149: Auto Aprendizagem Musical

148

processos de aprendizagem musical, em que os aprendizes desenvolvem a educação

tecnológica a que nos referimos antes. Com esse tipo de formação, aumenta-se o

aproveitamento das alternativas tecnológicas presentes nas diversas formas de educação.

Nesse sentido, a tecnologia torna-se um elemento propulsor da autonomia na

aprendizagem, pois qualquer que seja a situação do aluno, mesmo que esteja em uma escola

ou sob a supervisão de um professor, ao perceber que apenas os recursos tecnológicos são

suficientes para lidar com um assunto, esse aluno poderá realizar tentativas autônomas de

aprendizagem. Por exemplo, em uma escola de línguas estrangeiras, o aluno que estuda

apenas com o professor, sem nenhum auxílio tecnológico, tende a sempre depender da

mediação desse professor; mas o aluno que também estuda no laboratório da escola,

utilizando cabines individuais onde pode ouvir exercícios, repeti-los, gravar sua voz e

comparar os resultados, terá maiores condições de estudar sozinho.

A aprendizagem da música é facilitada pela sua onipresença na vida dos aprendizes,

proporcionando chances constantes de contato com seu objeto de estudo. Qualquer estímulo

pode representar o início de um processo para sistematizar essas oportunidades de modo a

causar evoluções nas habilidades musicais do aluno. Concluímos que as tecnologias

relacionadas à música podem gerar tal estímulo e manter o interesse dos aprendizes. Assim

como o exemplo de línguas estrangeiras, muitos dos equipamentos musicais modernos

permitem que a ação de ouvir, repetir, gravar e comparar seja praticada, constituindo

caminhos realmente autônomos de aprendizagem musical. Esses caminhos podem ainda ser

diferenciados para adaptar-se à necessidades individuais.

Várias formas de controle sobre o som e a imagem foram assinaladas nessa

pesquisa, demonstrando como uma única informação pode ser considerada sob diferentes

perspectivas. Com a individualização educacional proporcionada pelos recursos

tecnológicos, encontramos possibilidades de estímulos à várias inteligências humanas –

incluindo a musical e outras – e possíveis novas frentes de investigação em que as

interseções entre capacidades distintas sejam aproveitadas para aprendizagens mais

consistentes. Há um vasto campo a ser explorado na utilização de outras disciplinas para a

aprendizagem da música, usando imagens e sistemas de representação musical inovadores,

assim como a música pode ser utilizada mais ativamente como um elemento no estudo de

outros assuntos. Citamos exemplos em que as inteligências lógico-matemáticas e espaciais

Page 150: Auto Aprendizagem Musical

149

podem participar do ensino da música, e vários outros poderiam ser colocados para mostrar

situações em que a música serve como um recurso no estudo de história, geografia e

biologia.

As análises das vídeo-aulas e dos sites demonstraram que a aprendizagem via

mediações tecnológicas é mais efetiva quando resulta de uma combinação de diferentes

linguagens, incluindo explicações faladas e escritas, imagens, animações, vídeos e

exemplos musicais. Também constatamos que as habilidades para o ensino de métodos de

aprendizagem não é proporcional à virtuosidade de um artista, pois excelentes músicos têm

dificuldades para transmitir e discursar sobre suas atividades. Isso implica que, para a

produção de materiais adequados, há uma necessidade de profissionais dotados com

capacidades tanto musicais quanto comunicacionais, que saibam moldar e estruturar as

informações de modo a facilitar sua assimilação. Aumenta a importância das profissões

ligadas aos aspectos técnicos das tecnologias, desde que os webdesigners e produtores de

vídeos participam diretamente da realização de idéias, e freqüentemente os próprios

educadores se incumbem das tarefas de construção de seus materiais. Em certos casos

percebemos um distanciamento entre os interesses didáticos e comerciais, já que os

esforços dirigidos para os lucros financeiros dos materiais produzidos nem sempre têm a

mesma preocupação com a qualidade dos conteúdos educativos.

Simultaneamente, formatos tradicionais de ensino que ocorrem com relações diretas

entre professor e aluno poderão tomar uma nova dimensão, na medida em que a velocidade

de transmissão de dados nas redes de comunicação crescerem e recursos de

videoconferências se tornarem comuns. Podemos prever que a educação a distância, que

hoje já é uma ocorrência normal em outras áreas, será uma alternativa também para a

música, elevando a individualização da aprendizagem à novos patamares. O formato

estabelecido pelas vídeo-aulas poderá ser concretizado de forma síncrona, ao vivo, com um

músico sendo observado por vários aprendizes e respondendo perguntas individuais; ou a

forma assíncrona, gravada, poderá ser usada, mas ainda estabelecendo uma comunicação

em que aprendizes enviem questões. Os sites da Internet poderão manter essas duas formas,

com novas aulas sendo marcadas e um arquivo disponibilizando o material de aulas

passadas.

Page 151: Auto Aprendizagem Musical

150

Todas as suposições sobre o futuro podem ser anuladas quando consideramos a

rapidez descontrolada dos avanços tecnológicos. Temos na Internet o melhor exemplo

disso, pois como vimos no capítulo 5, uma tecnologia sem dono tende a expandir-se e a

tomar rumos imprevistos, fugindo de qualquer controle e sendo utilizada de modos

criativamente inesperados. Uma rede que foi inicialmente planejada para realizar

comunicações militares é atualmente utilizada para formar comunidades virtuais, que são

aglutinadas em torno de temas tão diversificados como as artes, as religiões e a intolerância

racial. Porém, desde o surgimento do fonógrafo, quando a música podia ser transportada

sem a presença dos músicos, percebemos que quase a totalidade das inovações foram de

alguma forma aproveitadas para a elaboração e a transmissão de conhecimentos, nos

servindo como garantia de que os processos de aprendizagem terão uma evolução paralela

ao desenvolvimento tecnológico. Dentro desse quadro, a auto-aprendizagem continuamente

dispõe de mais vias para acontecer.

Confirmando as idéias de McLuhan (1964), observamos com o avanço das

tecnologias no decorrer de século XX um aumento proporcional na extensão de nossas

percepções, que são amplificadas e refinadas. Vimos como o desenvolvimento de

gravações de alta fidelidade difundiu músicas anteriormente isoladas pela geografia, como

a manipulação de imagens permitiu que movimentos complexos fossem fragmentados em

partes mais compreensíveis, como a interatividade dos computadores pode dar aos

aprendizes musicais um reflexo de suas próprias performances, como a criação de

instrumentos eletrônicos gera novas sonoridades e influencia a produção musical, e como

as formas de ouvir música podem ser modificadas pela facilidade no acesso e no transporte

dos aparelhos sonoros. Como disse Pierre Lévy:

“Da escrita aos instrumentos científicos, chegando aos computadores e às redes eletrônicas,

passando pela televisão, nossas mídias condicionam a precisão e o alcance dos nossos sentidos, o

leque das conexões que podemos manter, o tipo de comunicação que temos com o resto do

mundo” (Lévy, 2001: 164).

O termo “condicionamento” tem grande significação porque indica uma forma de

controle, em que as tecnologias estabelecem condições para nossas atividades e somos

obrigados a trabalhar com suas limitações. Obviamente é o homem que cria as tecnologias,

Page 152: Auto Aprendizagem Musical

151

mas sabemos que teremos que conviver com elas e passamos a depender de seu bom

funcionamento para que nossas atividades diárias ocorram satisfatoriamente. Enquanto não

havia automóveis, a locomoção humana era restrita; hoje compramos carros e utilizamos os

meios de transportes públicos, e assim aumentamos a rapidez dos nossos deslocamentos.

Porém, estamos sujeitos à falhas mecânicas, congestionamentos e outros problemas que

atrasam nossos compromissos. As facilitações nos induzem a desejar mais velocidade e não

podemos mais viver sem os confortos a que nos habituamos.

Da mesma maneira, nossos sentidos estão sendo acostumados a manter conexões

cada vez mais rápidas com o resto do mundo, e a abrangência de nossas possibilidades

torna-se relativa à eficiência das mídias de que dispomos. A velocidade dos processadores

nos computadores é o verdadeiro índice para que a velocidade do mundo moderno seja

medida, e as comunicações e aprendizagens poderão ocorrer tão velozmente quanto os

sistemas computadorizados puderem operar.

Ao resgatar a trajetória das tecnologias relacionadas à música, pudemos observar

que o desenvolvimento tecnológico condicionou não apenas o aperfeiçoamento de seus

instrumentos, modificando a produção, o registro e a transmissão do material sonoro.

Houve também a formação de todo um ambiente ao redor da música, e a integração

daqueles aperfeiçoamentos com um desenvolvimento tecnológico mais geral, não restrito

ao campo musical, que condicionou as formas de pensar e perceber o mundo. As distâncias

foram relativizadas, as expectativas quanto à realizações científicas foram ampliadas, e a

rapidez das comunicações transformou-se em uma necessidade pessoal e comercial.

Para o futuro há a necessidade de novas pesquisas que analisem o desenvolvimento

das tecnologias utilizadas na aprendizagem musical e que proponham novas metodologias.

Podemos observar hoje os avanços que serão os objetos de estudo de amanhã: a vídeo-aula

aumenta seus recursos interativos no formato DVD; a Internet de banda larga se torna mais

acessível; as primeiras experiências com televisão interativa são realizadas; e as

convergências tecnológicas anunciam padrões digitalmente unificados. Consideramos esta

pesquisa uma contribuição para o mapeamento inicial das tecnologias educacionais da

música, e esperamos que o trabalho de observação de futuros avanços e inovações tenha

continuidade.

Page 153: Auto Aprendizagem Musical

152

Concluímos acreditando que o processo de auto-aprendizagem musical está em

crescente expansão e poderá constituir uma tendência da área cultural, não apenas porque

as tecnologias para sua viabilização crescem velozmente, mas também porque, no século

que se inicia, a música têm grande relevância na busca de novos caminhos para a educação.

Tanto os objetivos artísticos da educação musical, visando a formação de indivíduos

capacitados para lidar com diversos aspectos do universo musical; quanto os objetivos

sociais, que utilizam a música para a formação de cidadãos, podem contribuir com

elementos importantes para um mundo mais civilizado e harmonioso. A música é uma

linguagem universal que pode ajudar na construção desses novos caminhos, e o Brasil tem

muito a oferecer com a sua música, que dentre todas as suas potencialidades, é uma de suas

maiores riquezas.

Page 154: Auto Aprendizagem Musical

153

APÊNDICE I: Vídeo-aulas

No primeiro apêndice teremos uma amostragem de vídeo-aulas direcionadas ao

ensino da bateria. Com a intenção de ampliar os exemplos do capítulo 4, selecionamos uma

variedade de vídeos demonstrando as várias possibilidades educacionais existentes, sempre

mantendo como referência a produção da empresa DCI Music Video47. Através de breves

descrições pretendemos diferenciar as aulas citadas quanto ao seu conteúdo e as formas de

apresentação do material.

1) Steve Gadd – Up Close

Duração: 60 minutos

Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)

Entrevistas: Rob Wallis

Ano de produção: 1983

Nível de aprendizagem: Iniciante a Profissional

Conteúdo: Assunto Temático – Músico

Up Close foi a primeira vídeo-aula produzida pela DCI Music Video e estabeleceu o

formato básico que seria repetido em muitas outras: várias peças sendo executadas por um

conjunto musical enquanto o foco principal é sempre o músico / professor destacado (nesse

caso, o baterista), entremeadas por entrevistas visando ressaltar detalhes da interpretação do

artista, que freqüentemente repete mais lentamente os trechos comentados para demonstrá-

los. Gadd, um instrumentista muito requisitado nos estúdios de gravação, já trabalhou com

Paul Simon, Frank Sinatra, Paul McCartney, entre outros, e utiliza sua experiência para

discutir técnicas que foram aplicadas em alguns de seus trabalhos. Dentre os diversos

assuntos tratados, vários estilos musicais são apresentados; sua prática de leitura de

47 “The Drummer’s Guide to Reading Drum Charts” é a única vídeo-aula analisada que foi produzida por uma outra companhia, a CPP Media Video. Lembramos que os produtores da DCI Music Video deram continuidade a seu trabalho utilizando outro nome: Hudson Music.

Page 155: Auto Aprendizagem Musical

154

partituras é analisada; suas rotinas de estudo são reveladas; e a função que a bateria deve

exercer na música é um dos tópico das entrevistas.

2) Terry Bozzio – Solo Drums

Duração: 55 minutos

Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)

Ano de produção: 1988

Nível de aprendizagem: Iniciante a Profissional

Conteúdo: Assunto Temático – Músico; Técnicas (solos)

Solo Drums apresenta o conceito musical desenvolvido por Terry Bozzio, segundo o

qual a bateria é considerada uma orquestra. A aula é iniciada com um solo composto de

diversas partes, que depois são separadas, analisadas e parcialmente repetidas em

andamentos mais lentos. A partir da explicação das técnicas utilizadas no solo, são

colocados vários exercícios, que estão transcritos em um livreto que acompanha o vídeo.

Uma série de ostinatos48 são propostos para servir como base de solos: as práticas têm

como objetivo criar a independência entre os membros do baterista para que, enquanto uma

mesma frase é repetida, ele possa improvisar com as mãos ou pés que estiverem livres.

Bozzio deu continuidade ao seu trabalho educacional com uma série de três vídeo-aulas

produzidas pela companhia de pratos Paiste, utilizando um enorme conjunto de

equipamentos e expandindo sua concepção de solos de bateria.

48 Ostinato: “obstinado”, o termo se refere à curtas frases ou padrões musicais que são repetidos continuamente.

Page 156: Auto Aprendizagem Musical

155

3) Steve Houghton – The Drummer’s Guide to Reading Drum Charts

Duração: 80 minutos

Produtor: Michael McFall (CPP Media Video)

Ano de produção: 1993

Nível de aprendizagem: não especificado

Conteúdo: Assunto Temático – área específica (leitura de partituras)

O objetivo dessa vídeo-aula é preparar o aprendiz para interpretar partituras de

bateria. Usualmente as informações presentes nessas partituras não indicam exatamente o

que deverá ser tocado, apenas algumas acentuações a ser executadas junto com outros

instrumentos, e o músico deverá saber como complementar as lacunas de forma musical e

articulada. Com essa finalidade, o professor Steve Houghton explica uma série de conceitos

e exercícios que são mostrados na tela e também transcritos em um livreto que acompanha

o vídeo. Algumas partituras são analisadas e, juntamente com um trio de jazz, Houghton

interpreta as músicas correspondentes, sempre fazendo referência às idéias anteriormente

trabalhadas.

4) A Salute to Buddy Rich – Featuring Phil Collins, Dennis Chambers & Steve

Smith & The Buddy Rich Band

Duração: 105 minutos

Produtores: Rob Wallis e Paul Siegel (Hudson Music)

Ano de produção: 1999

Nível de aprendizagem: não especificado

Conteúdo: Performance

Nessa vídeo-aula encontramos o registro de uma apresentação da Big Band de

Buddy Rich, realizada no dia 3 de outubro de 1998, quando três bateristas foram

convidados a interpretar músicas com arranjos tradicionais da banda. Os três músicos

Page 157: Auto Aprendizagem Musical

156

aparecem em entrevistas fazendo declarações elogiosas sobre Buddy Rich e apresentam

suas versões musicais como um tributo, detalhando as influências que receberam dele e

contribuindo com suas próprias personalidades técnicas. Phil Collins, além de tocar

músicas tradicionais da Big Band, também apresenta arranjos para músicas de sua autoria e

encerra o concerto cantando uma canção intitulada “The Way You Look Tonight”. Há cinco

trechos de vídeos mostrando o próprio Buddy Rich executando solos: um de 1945, outro de

1957, e três gravados durante a década de 80.

5) Anton Fig – In the Groove

Duração: 75 minutos

Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (DCI Music Video)

Ano de produção: 1994

Nível de aprendizagem: Todos

Conteúdo: Assunto Temático – Músico

Anton Fig tem sido o baterista do programa de televisão norte-americano Late Show

with Dave Letterman por mais de quinze anos. Sua vídeo-aula utiliza esse fato em diversos

momentos: um quadro do Late Show é reproduzido com Fig atuando como personagem

principal; o próprio Dave Letterman aparece tocando bateria; e juntamente com mensagens

sérias sobre o papel da bateria na música, várias brincadeiras remetem ao espírito

humorístico do programa. Não há exercícios ou técnicas específicas trabalhadas. A aula é

desenvolvida através de clipes em que Fig executa vários estilos musicais acompanhado por

diferentes bandas, concentrando-se sempre no “feeling”. O principal objetivo do vídeo,

como é colocado no início, é demonstrar que a bateria deve interagir com os outros

instrumentos e fazer a música soar bem; quando isso ocorre o “feeling” adequado foi

atingido.

Page 158: Auto Aprendizagem Musical

157

6) Modern Drummer Festival 2000

Duração: 80 minutos (Parte 1 – Sábado); 95 minutos (Parte 2 – Domingo)

Produtores: Rob Wallis e Paul Siegel (Hudson Music)

Ano de produção: 2000

Nível de aprendizagem: não especificado

Conteúdo: Performance

Estes dois vídeos registram o festival anualmente organizado pela revista americana

Modern Drummer em sua edição de 2000, quando diversos bateristas que se destacaram

durante o ano foram convidados a participar, seja em apresentações solo ou acompanhados

de conjuntos. No decorrer de um fim de semana esses artistas revezaram-se no palco da

Montclair State University, no Estado de Nova Jersey, EUA. Nos anos de 1997 e 1998,

diversos vídeos já haviam sido produzidos a partir dos concertos dos festivais, e em 2000

quatro fitas foram lançadas: duas mostrando parcialmente as apresentações de todos os

músicos participantes e duas com as apresentações integrais de Horacio Hernandez e Don

Brewer. Além desses dois, também foram destacados no festival de 2000 Vinnie Colaiuta,

Paul Leim, Dave Lombardo, Akira Jimbo, Billy Ward e Hilary Jones. Os dois vídeos foram

disponibilizados juntos no formato DVD, incluindo a escolha de câmeras em duas

performances e outros recursos.

7) Neil Peart – A Work In Progress

Duração: 3 horas e 40 minutos (duas fitas)

Produtores: Rob Wallis e Paul Siegel (DCI Music Video)

Ano de produção: 1996

Nível de aprendizagem: não especificado

Conteúdo: Assunto Temático – Músico; Performance

Page 159: Auto Aprendizagem Musical

158

Essa vídeo-aula, composta por duas fitas, registra o processo de gravação do disco

“Test For Echo”, do conjunto canadense Rush. No ano de 1996, o baterista Neil Peart

passava por um período de reformulações em suas concepções e técnicas musicais, e estas

transformações são comentadas e demonstradas durante a interpretação das músicas. Os

assuntos analisados incluem a função do baterista em uma banda, como orquestrar ritmos

na bateria, a criatividade na elaboração de ritmos, e como selecionar figuras rítmicas

adequadas. A caixa contendo as duas fitas também inclui dois livretos com transcrições das

performances musicais e um pôster mostrando Peart durante a gravação do vídeo.

8) Joe Franco – Double Bass Drumming

Duração: 60 minutos

Produtores: Steve Apicella e Kenny Klompus

Ano de produção: originalmente lançado em1984, pela Axis Video; relançado em

1988 pela DCI Music Video

Nível de aprendizagem: Iniciante a Avançado

Conteúdo: Assunto Temático – Músico; Técnicas (Double Bass)

Double Bass Drumming foi uma das primeiras vídeo-aulas a apresentar um método

para o desenvolvimento de uma técnica específica – neste caso, o uso de dois bumbos –,

tendo como foco principal os pedais através dos quais ambos os pés executam os

exercícios. Gravado em um estúdio caseiro na residência do próprio Joe Franco, esse vídeo

propõe uma série de práticas para criar independência e um maior controle dos pés do

baterista, mostrando na tela a representação gráfica dos exercícios e em seguida

demonstrando-os no instrumento. Franco também exemplifica suas idéias em solos e com

um trecho gravado durante um de seus concertos.

Page 160: Auto Aprendizagem Musical

159

9) Classic Drum Solos and Drum Battles

Duração: 60 minutos

Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (Hudson Music)

Ano de produção: 2000

Nível de aprendizagem: Iniciante a Profissional

Conteúdo: História da Música; Assunto Temático – Técnicas (solos)

Essa vídeo-aula apresenta quinze bateristas do estilo jazz executando solos, duetos

ou trios percussivos – chamados de “batalhas” –, filmados no decorrer das últimas quatro

décadas. Entre os músicos destacados estão Gene Krupa, Buddy Rich, Sonny Payne, Art

Blakey, Sam Woodyard, Ed Shaughnessy, Joe Morello e Chico Hamilton. Assim como os

cinco primeiros nomes citados, muitos dos outros bateristas do vídeo já faleceram, e o

registro de seus solos são de grande importância para o estudo técnico do instrumento. Nas

“batalhas”, diferentes estilos e concepções musicais são justapostos e misturados,

fornecendo elementos valiosos para a compreensão de variações do estilo jazz. Essa vídeo-

aula também existe no formato DVD, incluindo comentários de Peter Erskine durante todos

os solos que podem ser acessados em qualquer momento.

10) Victor Wooten e Carter Beauford – Making Music

Duração: 95 minutos

Produtores: Paul Siegel e Rob Wallis (Hudson Music)

Ano de produção: 2000

Nível de aprendizagem: Iniciante a Profissional

Conteúdo: Assunto Temático – Músicos; Performance

Making Music apresenta uma outra possibilidade para as vídeo-aulas: dois músicos

e seus respectivos instrumentos são destacados – neste caso, a bateria e o contrabaixo – e as

interações entre eles tornam-se o ponto principal do estudo. O processo de produção de

Page 161: Auto Aprendizagem Musical

160

duas músicas do disco “Yin Yang” foi registrado, demonstrando como os arranjos foram

elaborados e gravados no estúdio. Depois de concluído o disco, os músicos analisam o

resultado musical obtido e isolam as partes de seus instrumentos, comentando algumas das

motivações para as escolhas realizadas. A partir dessas questões, discutem assuntos como

estilos de interpretação e musicalidade, colocando suas concepções sobre o papel a ser

desempenhado pela bateria e pelo contrabaixo na música.

Page 162: Auto Aprendizagem Musical

161

APÊNDICE II: Sites da Internet

Neste apêndice teremos uma amostragem de sites da Internet com informações

sobre música, em especial aqueles relacionados à bateria e percussão. A principal finalidade

de muitos destes sites não é necessariamente auxiliar a aprendizagem de instrumentos

musicais, mas percebemos que o conjunto destas páginas constitui uma base sobre a qual os

aprendizes desenvolvem o seu conhecimento. Selecionamos alguns daqueles que

exemplificam, nesse sentido, as possíveis contribuições, seja fornecendo elementos

didáticos ou um direcionamento relacionado à atitudes, à escolha dos instrumentos e à

visões da música.

A amostragem foi organizada a partir das seguintes categorias principais:

1) Sites de fabricantes de instrumentos musicais

2) Sites de músicos

3) Sites de escolas de música

4) Sites de indexação

5) Sites de lojas virtuais

1) Sites de fabricantes de instrumentos musicais

Pratos

PAISTE – www.paiste.com (inglês)

A Paiste é uma fábrica que tem suas origens na Rússia, no início do século XX,

quando Michail Toomas Paiste inaugurou uma loja de música que posteriormente iria

manufaturar pratos. Atualmente existem unidades da empresa em diversos países, a mais

proeminente sendo na Suíça. O site da Paiste disponibiliza dados detalhados sobre seus

Page 163: Auto Aprendizagem Musical

162

produtos, descrevendo cada linha de pratos produzidos, juntamente com os preços (válidos

para os Estados Unidos, Canadá e Alemanha) e os artistas que os utilizam. Há artigos sobre

as etapas de produção dos pratos, sobre como realizar a manutenção dos mesmos, e sobre

como maximizar a sonoridade dos equipamentos através do seu uso adequado.

ZILDJIAN – http://www.zildjian.com (inglês, apenas a seção de novos produtos

disponível em português)

A família Zildjian iniciou sua produção de pratos há 375 anos, 13 gerações atrás. O

site da empresa contém uma vasta quantidade de informações sobre seus produtos e artistas,

incluindo descrições da sonoridade de todos os pratos e calendários das clínicas ministradas

pelos bateristas patrocinados pela companhia. A seção “educação” tem um grande

destaque, sendo dividida nos seguintes itens: agenda de eventos, educação continuada

(onde são listadas escolas de percussão), currículos de educadores, guia de instrumentos

(indicando quais pratos são mais adequados à determinadas situações), lista de

acampamentos e competições de percussão), e “auxílio ao ensino” (onde são

disponibilizados diversos artigos de educadores). Todas estes itens são subdivididos em

páginas relativas à diferentes estilos de percussão, como orquestral, jazz, marching band e

ritmos latinos.

SABIAN – http://www.sabian.com (inglês)

A Sabian é uma fábrica de pratos inaugurada no Canadá em 1981, estando

juntamente com a Paiste e a Zildjian entre as maiores empresas do ramo. O site da Sabian

tem partes dirigidas à músicos em dois estágios: um aos iniciantes e outro aos semi-

profissionais e profissionais. No primeiro, encontramos indicações para selecionar os pratos

adequados e noções de ritmos básicos em diversos gêneros musicais. Clicando sobre as

partituras fornecidas, temos acesso à gravações com aproximadamente 45 segundos de

duração demonstrando os exercícios propostos, primeiro somente com a bateria e depois no

Page 164: Auto Aprendizagem Musical

163

contexto de uma banda. Na seção dedicada aos semi-profissionais e profissionais, materiais

mais avançados de leitura e vários links são colocados junto a um quadro de avisos através

do qual pode-se contatar outros músicos.

Baterias

YAMAHA – http://www.yamahadrums.com (inglês)

A Yamaha é uma empresa japonesa que produz, além de instrumentos musicais,

motocicleta, barcos e aparelhos eletrônicos em geral. A divisão da companhia que produz

baterias mantém um site que, além de divulgar informações sobre todos os modelos

disponíveis, também permite que o visitante ouça a sonoridade de cada um deles. As

diferenças dos tipos de madeira utilizadas na fabricação dos instrumentos são enfatizadas,

tanto em descrições técnicas de suas características quanto em declarações opinativas dos

músicos patrocinados pela Yamaha. Todos estes têm páginas exclusivas onde a combinação

de peças que utilizam é detalhada. A seção Net Magazine (Revista da Net) contém um

histórico do setor musical da empresa, marcando a participação dos artistas que

contribuíram para o desenvolvimento de suas baterias.

PEARL – http://www.pearldrum.com (inglês)

A Pearl é um dos fabricantes de bateria que mais investem em eventos educativos.

Seu site contém uma enorme quantidade de dados sobre os produtos da empresa, divididos

em bateria, percussão orquestral, percussão para marching bands e acessórios. A seção

“educação” apresenta uma série de opções, entre as quais uma seqüência introdutória muito

bem ilustrada explicando como montar e afinar uma bateria; uma parte dedicada à história

da Pearl, que começou em 1946, no Japão; uma agenda assinalando as clínicas dos artistas

da empresa; uma “biblioteca de percussão” contendo materiais e exercícios de 10

professores; e links para outras páginas relativas aos programas educativos patrocinados

pela companhia.

Page 165: Auto Aprendizagem Musical

164

ODERY – http://www.odery.com.br (português e inglês)

A Odery é uma empresa brasileira que começou a atuar em 1989, na cidade de

Campinas – SP, fabricando baterias artesanalmente, em pequena escala, até que a qualidade

de seus instrumentos fosse reconhecida de forma positiva por bateristas de renome e sua

produção fosse expandida. O site mantido pela companhia na Internet oferece, além de

informações limitadas sobre os produtos disponíveis, uma seção intitulada “workshop”,

visando estabelecer um espaço para divulgar exercícios e artigos sobre a bateria.

2) Sites de músicos

DAVE WECKL – http://www.daveweckl.com (inglês)

O baterista Dave Weckl tornou-se mundialmente conhecido na década de 80,

quando ingressou no conjunto do pianista Chick Corea e fez experimentações mesclando

baterias acústicas e eletrônicas. Desde então Weckl tem participado ativamente do cenário

musical e educacional, tendo produzido diversas vídeo-aulas e livros didáticos no formato

play-along. Seu site disponibiliza curtos trechos sonoros e de vídeos, detalhadas discussões

sobre os equipamentos utilizados, com fotos de diversos ângulos acompanhando as

descrições. Também há uma biografia, uma seção de discografia onde pode-se ouvir

algumas de suas músicas e comprar seus CDs, uma galeria de fotos, e um calendário

anunciando seus concertos e participações em projetos.

PETER ERSKINE – http://www.petererskine.com (inglês)

Peter Erskine começou a tocar bateria aos 4 anos de idade e teve seu primeiro

trabalho profissional aos 17, com a orquestra de Stan Kenton, em 1972. Participou de

vários grupos de jazz, entre os quais o inovador Weather Report, e realizou 12 discos como

Page 166: Auto Aprendizagem Musical

165

artista principal. O site de Erskine na Internet apresenta uma página de produtos

desenvolvidos por ele conjuntamente com as empresas que o patrocinam, e uma loja virtual

em que seus CDs são comercializados on-line. Na seção “itinerário”, todas as suas

apresentações e clínicas são listadas, e há um “fórum” para que os visitantes discutam

técnicas e equipamentos. As questões colocadas são pessoalmente respondidas por Peter.

DOM FAMULARO – http://www.domfamularo.com (inglês, algumas seções

disponíveis também em espanhol, francês e alemão)

Dom Famularo é um baterista que se destaca pelos 30 anos de dedicação ao ensino

musical, tendo apresentado clínicas e participado de eventos em dezenas de países. Sua

página na Internet contém sua biografia, uma galeria de imagens, uma agenda com suas

clínicas passadas e futuras, uma seção em que pode-se comprar seus livros educacionais, e

uma mailing list que envia suas novas informações para os participantes. A seção

“educação” disponibiliza entrevistas recentes que Famularo concedeu à revistas

especializadas em percussão, trechos de seus livros, e lições on-line que utilizam o software

Finale (o Finale Viewer, recurso que possibilita o uso dos arquivos, também é oferecido).

Exemplos no padrão MP3 complementam os exercícios propostos. Na página “lições com

Dom”, os equipamentos do estúdio onde Famularo leciona, em Nova York, são

minuciosamente descritos, estimulando os alunos da região a contatá-lo para aulas

particulares. É colocado um link para acessar os vídeos da website da companhia Vic Firth,

analisado anteriormente nesta pesquisa, em que Dom demonstra técnicas variadas e discute

a construção de um espaço apropriado para abrigar a prática da bateria, exemplificando

com uma visita ao seu próprio estúdio.

STEVE SMITH – http://www.vitalinformation.com/steve (inglês)

O site do baterista Steve Smith contém, além de uma biografia e uma discografia

completa, uma seção chamada “drum talk”, em que são discutidos aspectos de sua técnica

Page 167: Auto Aprendizagem Musical

166

musical. Há a reprodução de uma entrevista concedida a uma revista especializada em

percussão, um artigo sobre a importância dos mentores que Smith teve no passado, e

análises sobre os equipamentos que ele utilizou anteriormente em comparação com aqueles

que utiliza no presente. Também há uma lista dos livros sobre música que Steve considera

relevantes em sua formação, assim como uma página de links para vários outros sites

relacionados à bateria.

3) Sites de escolas de música

DRUMMERS COLLECTIVE – http://www.thecoll.com/DCHome.html (inglês;

texto de apresentação – com um breve histórico sobre a escola e informações sobre vistos

de entrada nos EUA – traduzido em diversas línguas, inclusive português)

A página da Drummers Collective faz parte do site da The Collective, escola que

mantém cursos dedicados, além da bateria e da percussão, também ao contrabaixo, à

guitarra e ao piano. Cada uma destas unidades têm páginas próprias, com a descrição de

seus cursos, currículos dos professores, calendário dos semestres letivos e preços dos

programas. Há curtos trechos em vídeo mostrando as dependências da escola e aulas com

atividades em grupo, assim como uma seção com fotos das clínicas e workshops

anteriormente organizados. Na página “fórum”, artigos dos professores tratam assuntos

relacionados à ritmos musicais específicos, técnicas de afinação de baterias e posturas

quanto ao estudo da música. São estabelecidos links com vários outros sites, incluindo as

empresas patrocinadoras e páginas individuais de alguns dos professores, e são listados

representantes em vários países para auxiliar os alunos que planejam estudar na escola. A

seção Pro-Shop funciona como uma loja on-line, disponibilizando produtos como vídeos,

livros, CDs e mercadorias com o logotipo da The Collective.

Page 168: Auto Aprendizagem Musical

167

BERKLEE COLLEGE OF MUSIC – http://www.berklee.edu/html/ac_perc.html

(inglês)

O site da Berklee, escola de música situada em Boston, EUA, exemplifica a

organização de um programa de estudo musical formal, dirigido à obtenção de diplomas

reconhecidos. A página do departamento de percussão fornece uma lista com os 80 cursos

disponíveis, cada qual com sua página individual, contendo informações sobre o professor

responsável e sobre os objetivos e processos envolvidos. Há também uma lista com os 34

professores de percussão, com currículos e links para os que mantém sites próprios. Uma

seção intitulada Percussion Handbook traz informações diversas sobre o funcionamento da

escola, incluindo os objetivos gerais do departamento de percussão, os exames e sistemas

de avaliação, as opções para classes eletivas, e a possibilidade de manter um professor

como conselheiro durante os estudos.

LOS ANGELES MUSIC ACADEMY (LAMA) –

http://www.lamusicacademy/2000/mainpages/drum.html (inglês)

A página da escola LAMA na Internet contém informações sobre os seus programas

para as seguintes opções: bateria, contrabaixo, guitarra, voz e percussão. Pode-se requisitar

gratuitamente um vídeo promocional e obter on-line o catálogo e os formulários de

inscrição. Também pode-se “baixar” músicas gravadas por bandas formadas por alunos da

escola, assim como contatar algumas “escolas afiliadas”, entre as quais uma no Brasil.

Nestas escolas uma assessoria está disponível aos alunos que pretendem estudar nos

Estados Unidos. Em uma página chamada “careers in music” são colocados alguns dos

caminhos que um instrumentista poderá seguir, como trabalhar em estúdios, participar de

orquestras ou desenvolver uma carreira como solista.

Page 169: Auto Aprendizagem Musical

168

DRUMTECH – www.drum-tech.co.uk (inglês)

A Drumtech é uma escola localizada em Londres, Inglaterra, que oferece diferentes

alternativas de estudo musical, variando de aulas individuais a programas de bacharelado

com três anos de duração. Além da descrição e dos preços dos cursos, o site contém uma

seção chamada “teachers tips”, em que artigos dos professores são publicados. Há

informações sobre um curso destinado aos aprendizes menores de 15 anos de idade,

intitulado YODA (younger drummers academy); cursos especiais para o uso de

computadores na música; uma seção de novidades da escola; e uma página de links levando

a diversos sites relacionados à bateria.

4) Sites de indexação49

THE DRUM RING INTERNATIONAL – http://drumring.org (inglês)

A Drum Ring é uma organização on-line que visa prestar serviços à comunidade

formada por bateristas e percussionistas no mundo inteiro. A página inicial funciona como

um ponto de partida para uma série de sites de músicos, todos ligados por meio de links em

uma seqüência circular. Ao lado do símbolo da Drum Ring em cada página pode-se optar

por prosseguir para o “próximo” ou voltar ao “anterior”, dando oportunidade ao usuário de

navegar por um vasto acervo de dados. No site da organização há um fórum intitulado

“Drummer Cafe”, em que mensagens podem ser deixadas, e uma lista de discussão sobre

percussão, em que perguntas e comentários são enviadas para todos os participantes. São

publicados artigos dos membros, que também divulgam seus trabalhos em uma seção

dedicadas às novidades. Uma loja virtual oferece livros, CDs, métodos e vídeos, e um

serviço de busca eletrônica é colocado para que se possa encontrar músicos a partir de

palavras-chave, como uma região ou um estilo de música específico.

49 Denominamos aqui de “sites de indexação” aqueles que funcionam como portais para outros sites, reunindo, além de seus próprios conteúdos, links para várias outras páginas sobre determinado assunto, organizados por categorias.

Page 170: Auto Aprendizagem Musical

169

DRUMS ON THE WEB – http://www.drumsontheweb.com (inglês)

O site Drums on the Web contém, além de links diversos, algumas aulas on-line,

entrevistas de bateristas realizadas por outros bateristas, um espaço para chats entre

músicos, um newsletter mensal, e uma lista de discussão (parte do sistema do

www.groupsyahoo.com). Os links estão organizados a partir da página principal, mantendo

um menu sempre presente na parte esquerda da tela. Há seções de artistas, páginas

produzidas não-oficialmente por fãs, escolas e universidades, lojas on-line, grupos de

discussão, organizações, musicoterapia, entre outras. As páginas dos artistas disponibilizam

trechos de discos, biografias, e links para lojas onde pode-se adquirir as músicas.

BISHOP’S DRUM SHOP – http://www.effigham.net/bishop/ (inglês)

Este site reúne artigos de conteúdo básico e várias entrevistas com bateristas,

compilados a partir de revistas de música e contribuições pessoais dos visitantes. Ele faz

parte de um circuito – denominado web-ring – do Yahoo.com que o conecta a 14 outras

páginas que abordam temas similares. Há uma seção intitulada “trivia” que propõe, dentro

de uma espírito de entretenimento, uma série de perguntas para testar os conhecimentos dos

indivíduos sobre a história da bateria. Seus links são organizados em duas categorias: sobre

bateria e sobre música em geral. Aqueles relacionadas à bateria subdividem-se em

bateristas, educação, equipamento, literatura, e “outros sites”.

5) Sites de lojas virtuais

FOREVER DRUMMING – http://www.foreverdrumming.com (inglês)

Este site é especializado em materiais didáticos sobre percussão, reunindo uma

vasta quantidade de produtos que podem ser comprados com o uso de cartões de crédito. O

Page 171: Auto Aprendizagem Musical

170

catálogo da loja tem as seguintes seções: vídeos, livros com áudio, livros técnicos e de

referência, transcrições, grupos de percussão, e livros para “marching bands”. Todos os

itens selecionados pelo visitante são colocados em um “carrinho de compras”, que ao final

é dirigido até o “caixa”, como em uma loja tradicional.

DRUM NETWORK – http://www.drumnetwork.com (inglês)

Drum Network é uma loja virtual que comercializa produtos relacionados à bateria,

incluindo material didático e equipamentos. Há seções específicas dedicadas à vídeos,

livros, pratos, baquetas, baterias completas, peças avulsas, entre outras. Além do serviço de

vendas on-line, outras informações são divulgadas. Uma página apresenta uma lição

atualizada diariamente, enquanto outra contém instruções básicas sobre a montagem e a

afinação dos instrumentos. Os visitantes podem incluir seus dados em uma lista de músicos

que visa estabelecer contatos profissionais, assim como submeter fitas, vídeos ou sites para

avaliação da equipe do Drum Network, que posteriormente publica os resultados.

DRUMMERS WEB @DS – http://www.drummersweb.com (inglês)

Drummers Web é um site que reúne anúncios relacionados à bateria e percussão.

Embora não seja uma loja e sim um mural eletrônico, este serviço é utilizado

principalmente para a compra e venda de instrumentos musicais. Há seções específicas para

baterias acústicas, baterias eletrônicas, pratos, percussão clássica, livros e vídeos, escolas,

professores, e bandas procurando por novos integrantes.

Page 172: Auto Aprendizagem Musical

171

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, Theodor W. (1980). O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, p. 165-191. ALMEIDA, Milton José. (1994). Imagens e Sons, A Nova Cultura Oral. São Paulo: Editora Cortez. ALVES, Rubem. (1999). Entre a Ciência e a Sapiência. O Dilema da Educação. São Paulo: Edições Loyola. BANKS, Jack. (1996). Monopoly Television, MTV’s Quest to Control the Music. Boulder: Westview Press. ___________. (1998). “Video in the Machine: The Incorporation of Music Video into the Recording Industry”. In: Popular Music, vol.16, n. 3, p. 293-309. BENJAMIN, Walter. (1980). A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural. BRAY, David. (1997). CD-ROM in Music Education. In: British Journal of Music Education, v. 14, n. 2, p. 137-142. CAESAR, Rodolfo. (1998). Composição, Pesquisa e Internet. In: XI Encontro Nacional da ANPPOM, 24 a 28 de agosto, UNICAMP. Anais, p. 32-34. CASTELLS, Manuel. (1996). The Rise of Network Society. Oxford: Blackwell Publishers. CAVALIERI FRANÇA, Cecília. (2000). Performance Instrumental e Educação Musical: a Relação entre a Compreensão Musical e a Técnica. In: Per Musi. Revista de Performance Musical, vol. 1, Escola de Música da UFMG, p. 52-62. CHADABE, Joel. (2000). Remarks on Computer Music Culture. In: Computer Music Journal, vol. 24, n. 4, winter 2000, p. 9-11. ______________. (1999). The Performer is Us. In: Contemporary Music Review, vol. 18, part 3, p. 25-30. ______________. (1997). Electric Sound. The Past and Promise of Electronic Music. Upper Saddle River: Prentice Hall. ______________. (1996). The History of Electronic Music as a Reflection of Structural Paradigms. In: Leonard Music Journal, vol. 6, p. 41-44. CONDE, Cecília e NEVES, José Maria. (1994). Música e Educação Não-Formal. In: Pesquisa e Música, vol. 1, n. 1, dez. 94, p. 41-52. COPLAND, Aaron. (1939). What to Listen for in Music. New York: McGraw-Hill Book Company. CORRÊA, Marcos Kröning. (2000). Violão Sem Professor: Um Estudo Sobre Processos de Auto-Aprendizagem com Adolescentes. Dissertação de Mestrado, UFRGS. COSTA, Mario. (1995). O Sublime Tecnológico. São Paulo: Editora Experimento. COSTA, Mário Sá. (1996). Especialização em Música e as Novas Tecnologias. In: Pesquisa e Música, vol. 2, n. 1, dez. 1996, p. 22-25.

Page 173: Auto Aprendizagem Musical

172

DEARLING, Robert. (Ed.) (1996). The Encyclopedia of Musical Instruments. Nova York: Smithmark Editors. DEMO, Pedro. (2001). Contribuições Modernas e Pós-Modernas para a Aprendizagem de Cunho Reconstrutivo. In: Revista Ensaio. Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, vol. 9, n. 30, p. 7-26, jan./mar 2001. ECO, Umberto. (1970). Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Editora Perspectiva. ____________. (2000a). A Internet é a Revolução do Século. Entrevista à Folha de São Paulo, cad. Mundo, 10 de jan. de 2000, p. 8. ____________. (2000b). O Dilúvio da Informação. Entrevista à Revista Veja Vida Digital, edição 1681/A, dez 2000, p. 11-15. EMMERSON, Simon. (2001). From Dance! To “Dance”: Distance and Digits. In: Computer Music Journal, vol. 25, n. 1, spring 2001, p. 13-20. FARBER, Jim. (1992). MTV: The Revolution Will Be Televised. In: The Rolling Stones Ilustrated History of Rock’n’Roll, p. 640-647. New York: Random House. FERRÉS, Joan. (1996). Vídeo e Educação. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas. FISHMAN, Rajmil. (1994). Music for the Masses. In: Journal of New Music Research, vol. 23, n. 3, sept. 94, p. 245-264. FRITH, Simon. (1981). Sound Effects. Youth, Leisure, and the Politics of Rock’n’Roll. New York: Pantheon Books. GADOTTI, Moacir. (1993). História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Editora Ática. GAINZA, Violeta Hemsy. (1988). Estudos de Psicopedagogia Musical. São Paulo: Summus Editorial. GARDNER, Howard. (1999a). Arte, Mente e Cérebro. Uma Abordagem Cognitiva da Criatividade. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul. _________________. (1999b). The Disciplined Mind. What All Students Should Understand. New York: Simon & Schuster. _________________. (1994). Estruturas da Mente. A Teoria das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul. GAROFALO, Reebee. (1997). Rockin’Out. Popular Music in the USA. Needham Heights: Allyn and Bacon. GATES, Bill. (1995). A Estrada do Futuro. São Paulo: Companhia das Letras. GOHN, Maria da Glória. (1999). Educação Não-Formal e Cultura Política. São Paulo: Cortez Editora. HENRIQUE, Luis. (1988). Instrumentos Musicais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. HENTSCHKE, Liane e OLIVEIRA, Alda. (2000). A Educação Musical no Brasil. In: Educação Musical em Países de Línguas Neolatinas. Porto Alegre: Editora da Universidade - UFRGS. HOWARD, Walter. (1984). A Música e a Criança. São Paulo: Summus Editorial.

Page 174: Auto Aprendizagem Musical

173

HUNT, Andy e KIRK, Ross. (1997). Technology and Music: Incompatible Subjects? In: British Journal of Music Education., vol. 14, n. 2, July 1997, p. 151-161. IAZZETTA, Fernando e KON, Fábio. (1998). A Música Efêmera da Internet. In: XI Encontro Nacional da ANPPOM, 24 a 28 de agosto, UNICAMP. Anais, p. 35-40. IAZZETTA, Fernando. (1997). A Música, o Corpo e as Máquinas. In: Revista Opus, n. 4, p. 27-44. JONES, Steve. (2000). Music and the Internet. In: Popular Music. Vol. 19, n. 2, p. 217-230. ___________. (1992). Rock Formation. Music, Technology, and Mass Communication. Newbury Park: Sage Publications. JULIEN, Olivier. (1999). The Diverting of Musical Technology by Rock Musicians: the Example of Double-Tracking. In: Popular Music, vol. 18, n. 3, p. 357-365. KLEILER, David e MOSES, Robert. (1997). You Stand There: Making Music Video. New York: Three Rivers Press. KRÜGER, Susana Ester. (2000). Desenvolvimento, Testagem e Proposta de um Roteiro para a Avaliação de Software para Educação Musical. Dissertação de Mestrado, PPGM – UFRGS. KRÜGER, Susana Ester; GERLING, Cristina Capparelli; HENTSCHKE, Liane. (1999). Utilização de Softwares no Processo de Ensino e Aprendizagem de Instrumentos de Teclado. In: Revista Opus, n. 6, outubro 1999, disponível em http://www.musica.ufmg.br/anppom/opus/opus6/kruger.htm. LÉVY, Pierre.(2001).A Conexão Planetária: o Mercado, o Ciberespaço, a Consciência. São Paulo: Editora 34. __________. (1993). As Tecnologias da Inteligência: O Futuro do Pensamento na Era da Informática. Rio de Janeiro: Editora 34. LINDSAY, Adam e KRIECHBAUM, Werner. (1999). There’s More Than One Way to Hear It: Multiple Representations of Music in MPEG-7. In: Journal of New Music Research, vol. 28, n. 4, dec. 1999, p. 364-72. LITTO, Fredric Michael. (1997). Um Modelo para Prioridades Educacionais numa Sociedade de Informação. Pátio Revista Pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, v.1, n.3, nov. 1997/ jan. 1998. ___________________. (1983). Avaliações & Perspectivas. Ciências Humanas e Sociais, n. 48: Artes. Impresso pelo Seplan (Secretaria de Planejamento) e pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Também disponível in: LITTO, Fredric Michael. (1982). O Ensino Avançado e a Pesquisa em Artes no Brasil, 1982. In: ART (Revista da Escola de Música e Artes Cênicas da UFBA), n. 6, p. 61-100. ___________________. (1982). Pós-Graduação em Artes: Algumas Considerações. In: Ciência e Cultura, 34 (1), janeiro de 1982, p. 26-32. LOISELLE, Jean. (2002). A Exploração da Multimídia e da Rede Internet para Favorecer a Autonomia dos Estudantes Universitários na Aprendizagem. In: ALAVA, Séraphin. (2002). Ciberespaço e Formações Abertas. Rumo a Novas Práticas Educacionais? Porto Alegre: Artmed Editora, p. 107-117. MACHADO, Arlindo. (2000). A Televisão Levada a Sério. São Paulo: Editora Senac. __________________. (1997). Pré-Cinemas & Pós-Cinemas. Campinas: Papirus. MATHEWS, Max. (1991). The Radio Baton and Conductor Program, or: Pitch, the Most Impostant and Least Expressive Part of Music. In: Computer Music Journal, v ol. 15, n. 4, winter 1991, p. 37-42.

Page 175: Auto Aprendizagem Musical

174

MCLUHAN, Marshall. (1964). Understanding Media: The Extensions of Man. New York: Signet Books. MOORE, Francis Richard. (1997). Uma Abordagem Tecnológica da Música (Parte I). In: Revista Música Hoje, n. 3, Escola de Música/UFMG. MORÁN, José Manuel. (1995). O Vídeo na Sala de Aula. In: Comunicação e Educação, n. 2, p. 27-35. MORIN, Edgar. (1967). Cultura de Massas no Século XX. O Espírito do Tempo. Rio de Janeiro: Editora Forense. NEGROPONTE, Nicholas. (1995). A Vida Digital. São Paulo: Companhia das Letras. ROGERS, Carl. (1974). A Terapia Centrada no Cliente. Santos: Martins Fontes Editora SCHWARTZ, Elliott. (1989). Electronic Music: A Listener’s Guide. New York: Da Capo Press. SEKEFF, Maria Lourdes. (1998). Música e Globalização. In: Jornal da Unesp, n. 122, mar. 98, p. 2. SHUKER, Roy. (1998). Key Concepts in Popular Music. London: Routledge. SNYDERS, George. (1997). A Escola Pode Ensinar as Alegrias da Música? São Paulo: Cortez Editora. STRASBURGER, Victor C. (1999). Os Adolescentes e a Mídia. Impacto Psicológico. São Paulo: Editora Artes Médicas Sul. STRAVINSKY, Igor. (1996). Poética Musical em 6 Lições. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. SZATMARY, David. (1996). A Time to Rock. A Social History of Rock’n’Roll. New York: Schirmer Books. TINHORÃO, José Ramos. (2001). Cultura Popular – Temas e Questões. São Paulo: Editora 34. _____________________. (1997). Música Popular – Um Tema em Debate. São Paulo: Editora 34. _____________________. (1981). Música Popular – do Gramofone ao Rádio e TV. São Paulo: Editora Ática. TOMITA, Yo e BARBER, Graham. (1996). New Technology and Piano Study in Higher Education. In: British Journal of Music Education, vol. 13, n. 2, July 1996, p. 135-141. UNICEF. (1976). Musical Instruments of the World. Nova York: Facts On File. VICENTE, Eduardo. (1996). A Música Popular e as Novas Tecnologias de Produção Musical. Dissertação de Mestrado, mimeografada, IFCH/UNICAMP. ZAGONEL, Bernadete. (1992). O Que é Gesto Musical. São Paulo: Editora Brasiliense. ZAMPRONHA, Edson S. (2000). Notação, Representação e Composição – Um Novo Paradigma da Escrita Musical. São Paulo: Annablume Editora. ZAN, José Roberto. (1997). Do Fundo de Quintal à Vanguarda. Dissertação de Doutorado, mimeografada, IFCH/UNICAMP. WEBER, Max. (1995). Os Fundamentos Racionais e Sociológicos da Música. São Paulo: Edusp.

Page 176: Auto Aprendizagem Musical

175

Revistas Científicas Consultadas Art – Revista da Escola de Música e Artes Cênicas da UFBA British Journal of Music Education (Cambridge University Press) Computer Music Journal (MIT Press) Contemporary Music Review (Hardwood Academic Publishers) Journal of New Music Research (Swets & Zeitlinger Publishers) Leonard Music Journal – Journal of the International Society for the Arts, Sciences and Technology (MIT Press) Opus – Revista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM) Per Musi – Revista de Performance Musical (Escola de Música/UFMG) Pesquisa e Música (Conservatório Brasileiro de Música) Popular Music (Cambridge University Press) Música Hoje – Revista de Pesquisa Musical (Depto. de Teoria Geral da Música/UMUFMG)