(artigo)aprendizagem da lecto-escrita musical ao piano - lenita portilho furlan
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(Artigo)Aprendizagem Da Lecto-escrita Musical Ao Piano - Lenita Portilho FurlanTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
INSTITUTO DE ARTES
LENITA PORTILHO FURLAN
APRENDIZAGEM DA LECTO-ESCRITA MUSICAL AO PIANO:
UM DILOGO COM A PSICOGNESE DA LNGUA ESCRITA
SO PAULO 2007
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LENITA PORTILHO FURLAN
APRENDIZAGEM DA LECTO-ESCRITA MUSICAL AO PIANO:
UM DILOGO COM A PSICOGNESE DA LNGUA ESCRITA
Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduao em Msica, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista-UNESP, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Msica.
Orientadora: PROF. DR. MARISA TRENCH DE OLIVEIRA FONTERRADA
SO PAULO 2007
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A todos que constroem e reconstroem o saber, eternamente...
A meus pais...
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AGRADECIMENTOS
A concluso deste trabalho s foi possvel graas colaborao direta e indireta de muitas pessoas.
A todas elas a minha gratido.
Prof. Dr. Marisa Trench de Oliveira Fonterrada, pela confiana em mim depositada desde o incio, por toda a
orientao e apoio para a execuo desta dissertao.
s crianas: Evelly, Jonathas, Lgia, Lus e Stephanie e suas famlias, por colaborarem em participar da
pesquisa.
CAPES, pela Bolsa de Estudo, no perodo de maro de 2006 a maro de 2007.
Aos professores: Prof. Dr. Alberto T. Ikeda, Prof. Dr. Dorotia M. Kerr, Prof. Dr. Glria M. Machado,
Prof. Dr. Luiza H. Christov, Prof. Dr. Martha Herr, Prof. Dr. Sonia R. A. Lima, da UNESP,
e Prof. Dr. Pedro Paulo Salles, da USP, pelas contribuies formao do meu pensamento cientfico.
A todos os funcionrios do Instituto de Artes da UNESP, em especial:
Rosngela D. Canassa, Thas Magalhes e M.de Lourdes T. Garces, da Secretaria da Ps-Graduao;
Cristina da S. Santos, Fabiana Colares, Laura R. P. Pinho, Odair P. de Jesus, Sebastiana Freschi, da Biblioteca;
Carlos H. Francisco, Expedito Manfrinato, Moacir V. da Silva,
da Seo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extenso (SAEPE);
Edmilson R. Blio, da Portaria, pela agradvel recepo s crianas da pesquisa;
monitora Helena K. T. Alves, do Setor de Computao.
Profa. Maria Apparecida F. M. Bussolotti, pela leitura e copidesque da dissertao.
Aos amigos: Ana Carolina Carvalho pelas fotos; Fbio Miguel, Leila Vertamatti e Scheilla R. Glaser, pelo
emprstimo de material bibliogrfico; Priscila M. Oliveira e Valria Mastrorosa, pela reviso do abstract, e
Virgnia M. Oliveira pelos slides.
tia Nelma e Francisco por todo o apoio.
Em especial, a meus Pais por tudo: incentivo, ateno, pacincia, carinho e amor, a quem dedico este trabalho.
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Minha funo como investigadora tem
sido mostrar e demonstrar que as crianas
pensam a propsito da escrita, e que seu
pensamento tem interesse, coerncia, validez e
extraordinrio potencial educativo. Temos de
escut-las.
Emilia Ferreiro (2002)
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RESUMO: Nesta pesquisa estuda-se o desenvolvimento da habilidade de leitura e escrita musical, a partir dos trabalhos de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, que demonstram a
existncia de fases conceituais antecessoras plena compreenso do sistema alfabtico. O
objetivo da pesquisa foi averiguar a existncia de fases semelhantes no processo de
aprendizagem da lecto-escrita de msica. A metodologia empregada foi a pesquisa
participativa, com crianas com idade entre 6 e 7 anos, na qual se utilizou o piano como
instrumento principal. O tempo de realizao deste estudo no foi suficiente para que se
conclua quais so estas fases, mas pode-se afirmar que h diferentes comportamentos
psicolgicos nas crianas-sujeitos do estudo, observados no processo ao qual foram
submetidas. Acredita-se que o trabalho possa contribuir para a Educao Musical, ao revelar
hipteses de leitura e escrita de partituras e, principalmente, para a Pedagogia do Piano, ao
demonstrar que alunos iniciantes, mesmo antes de compreenderem plenamente a notao
tradicional, pensam acerca de como podem ser os registros grficos para este instrumento.
PALAVRAS-CHAVE: alfabetizao musical; educao musical; pedagogia do piano; cognio
musical; psicologia da aprendizagem.
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ABSTRACT: This research is a study of the development of the ability to read and write musical language. It is based on the studies of Emilia Ferreiro and Ana Teberosky which
present the different cognitive levels through which a student passes before being able to
understand the alphabet system. It investigates if there are similar levels in the process of
learning, reading and writing music notation. The method for this research was centered on
six and seven year old piano students. The studys time period was not enough to name the
levels of learning, but it is possible to say that there are different psychological behaviors in
the children of this study. This work might contribute to Music Education as it demonstrates
hypotheses about reading and writing scores and, mainly, because it contributes to Piano
Pedagogy demonstrating that beginner piano students think about the piano scores even
before they completely understand them.
KEY WORDS: music literacy; music education; piano pedagogy; music cognition; psychology
of learning.
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SUMRIO
INTRODUO.... 9
PRIMEIRA PARTE DOS FUNDAMENTOS TERICOS......20
1 A INICIAO LECTO-ESCRITA EM MSICA NA VISO DOS MSICO-EDUCADORES.....21
2 A ALFABETIZAO SEGUNDO EMILIA FERREIRO: A PSICOGNESE DA LNGUA ESCRITA ....55
SEGUNDA PARTE - DA EXPERINCIA......71
3 O PENSAMENTO DA CRIANA TRADUZIDO EM SUA LEITURA E ESCRITA MUSICAL......72
CONSIDERAES FINAIS...122
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS....129
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.....135
APNDICES....138
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INTRODUO
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O bom msico aquele que entende a msica sem partitura e a partitura sem a msica.
O ouvido no deve precisar do olho e o olho no deve precisar do ouvido externo.
(Robert Jourdain, 1998).
Desde 1995, exercia a funo de pianista preparadora junto a um coral cnico de uma
escola de idiomas na cidade de So Paulo. A cada ano, o regente do grupo escolhia uma obra
a ser ensaiada ao longo do ano e apresentada em espetculos cnico-musicais ao final do
segundo semestre. Como a reta final das montagens exigia muitos ensaios extras, era comum
que em tal perodo mais um ou dois pianistas fossem contratados. Assim, quando, em 1998, se
aproximavam as apresentaes do espetculo de final de ano, o regente orgulhosamente me
apresentou mais nova integrante do grupo: uma pianista recm-chegada de uma grande
universidade norte-americana, onde esteve, sob a orientao de um renomado professor,
cursando o mestrado em interpretao pianstica. Na verdade, j a conhecia por nome de
longa data, por ser ela vencedora de vrios concursos de jovens talentos do piano, o que, no
primeiro momento, me causou at certo amedrontamento por vir a dividir tarefas com uma
pessoa to altamente qualificada. Porm, quando, aps algum tempo sentada a meu lado,
vendo-me tocar repetidas vezes a mesma pgina de um trecho musical, convidei-a a me
substituir ao piano, ouvi-a dizer que no poderia tomar meu lugar naquele momento do ensaio
por sua falta de capacidade de tocar lendo! Para tocar, teria que ler vagarosamente em casa at
decorar! Ela s tocava de memria: no tinha domnio de leitura suficiente para tocar
primeira vista! E, no caso, a partitura era simples e escrita em idioma tonal de fcil realizao
tcnico pianstica...
Este fato, aliado prtica como professora, em que, por muitas vezes, encontrei alunos
com dificuldade de leitura e escrita musical, levou a querer compreender mais precisamente
como se d a aquisio da lecto-escrita em msica, e, especificamente, da partitura pianstica.
O desenvolvimento da habilidade musical, ou seja, da capacidade de se expressar
musicalmente, pode passar por vrios caminhos, seja por meio da prtica no orientada, seja
pela prtica sob orientao. Neste ltimo caminho, o da prtica orientada, h a possibilidade
de o potencial de cada aspirante expresso musical ser atingido com ou sem o uso da leitura
e escrita. Nas prticas de Msica Popular e Folclrica, comum que o conhecimento musical
seja transmitido por geraes, sem o uso da escrita musical ocidental, porm, no campo da
chamada Msica Erudita, o uso da leitura e escrita musicais se faz presente durante a
aprendizagem, sendo considerado essencial para a compreenso desse idioma musical. Nesta
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rea, conforme a citao em epgrafe de ROBERT JOURDAIN (1998), o bom msico aquele
que, ao ler uma partitura, sabe quais so os sons que dela devem resultar, mesmo que ainda
no tenham sido fisicamente produzidos, pois seu domnio da lecto-escrita musical lhe
permite imaginar e sentir como devem ser. Assim, no campo da chamada Msica Erudita,
uma das tarefas do professor de msica qualificar o aluno decodificao e codificao de
uma partitura musical, ou seja, ajud-lo a compreender o cdigo da escrita musical.
A tarefa de leitura e escrita musicais, ao longo dos anos, tem passado por sucessos e
fracassos. freqente, nas escolas de msica brasileiras em todos os nveis, deparar-se com
queixas de alunos e professores a respeito da falta de domnio da leitura e escrita musicais,
principalmente entre os alunos de piano, que, por vezes, por no estarem, desde o incio do
processo de aprendizagem, inseridos em um contexto de prtica de leitura-escrita, nem
sempre se familiarizam com estes processos. Essa falha na aquisio dessa capacidade
compromete os nveis mais avanados da aprendizagem da msica, pois dificulta a
compreenso de assuntos tcnicos que exigem, por parte do msico, a profunda compreenso
do cdigo. O que possvel perceber, por meio de contato com alunos e professores, e por
dados levantados informalmente, que eles prprios atribuem essa falta de competncia a
falhas na formao bsica inicial, que incidem na dificuldade de compreenso do cdigo de
escrita e no estabelecimento de relaes entre os elementos desse cdigo e o fenmeno
sonoro. Embora a configurao desse quadro possa ser atribuda a fatores diversos, um dos
quais a ausncia da msica, como disciplina autnoma, no ensino fundamental e mdio
desde a dcada de 1970, outro fator pode ser, ainda, destacado: a possvel falta de
compreenso, por parte das instituies e dos professores, do que seja, realmente, o processo
de leitura e escrita. Esse pode ser o motivo pelo qual ainda no h uma sistematizao dos
procedimentos de sensibilizao lecto-escrita musical para o pr-escolar na maioria dos
estabelecimentos de ensino. Ao que parece, os avanos obtidos a respeito da linguagem oral e
escrita durante o sculo XX no exerceram grande influncia no ensino de msica,
permanecendo o hbito de fazer o aluno decorar frmulas escritas que, para ele, apresentam
pouco ou nenhum significado. Diante disso, pode-se afirmar que, entre os estudantes de
msica de qualquer faixa etria, possvel detectar um nmero considervel de alunos que se
sentem desestimulados a continuar os estudos musicais, talvez, por no se adequarem aos
mtodos de leitura musical, tradicionalmente utilizados. O fracasso no domnio da leitura
musical pode ocasionar um desestmulo no aluno e, conseqentemente, a desistncia de
desenvolver tal habilidade, muitas vezes comprometendo sua formao musical. possvel
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expressar-se musicalmente, sem a utilizao do cdigo escrito, mas o estudo de obras
musicais de carter complexo exige o domnio da lecto-escrita.
Em paralelo com a linguagem verbal, pode-se dizer que possvel comunicar-se sem o
uso da escrita, mas a forma da expresso oral no to complexa quanto aquela. Ao estudar a
msica erudita sem utilizao da leitura e escrita, ou com uma utilizao deficitria, no se
poder atingir a complexidade alcanada por ela em seu desenvolvimento no decorrer do
tempo, desde os primeiros registros de notao musical, at os contemporneos.
Diante desse quadro, o perodo inicial do desenvolvimento da habilidade de leitura e
escrita em msica, tambm chamado de alfabetizao musical, pode ser visto como uma
etapa importantssima na construo da capacidade de lecto-escrita, e a maneira como se d
levanta uma srie de questes pertinentes e atuais, sendo possvel pensar em solues para a
problemtica apontada a partir do melhor entendimento de como a alfabetizao musical se
processa.
Assim, as questes que iniciam essa investigao so:
Por que alguns alunos de msica aprendem com facilidade a ler partitura enquanto outros passam a vida toda com dificuldades para cumprir essa tarefa
primeira vista?
A razo dessa dificuldade est na capacidade de aprendizagem do aluno, na viso que o msico-educador tem acerca do processo de aprendizagem da lecto-escrita
musical que se traduz em seu mtodo de ensino, ou em algum outro fator?
Na busca de informaes que trouxessem maior compreenso desse processo de
aprendizagem, reviu-se a bibliografia da rea. Alm disso, foi encontrada a possibilidade de
fazer um entrelaamento entre a alfabetizao musical e a verbal. Essa hiptese pode ser
vivel ao se considerarem as relaes entre linguagem verbal e linguagem musical. MARISA
FONTERRADA faz esta aproximao em Educao Musical: investigao em quatro
movimentos: preldio, coral, fuga e final (1991), mostrando que estudos fenomenolgicos da
linguagem desenvolvidos pelos tericos Maurice Merleau-Ponty e Hans Georg Gadamer
poderiam ser aplicados msica. Citando a autora: [...] do mesmo modo como ocorre com a
linguagem verbal, a aquisio e o uso da linguagem musical no podem ser estabelecidos ou
controlados com clareza, [...] pode-se apenas observar que, de algum modo, ocorrem (1991,
p.150).
Do mesmo modo que ocorre com a linguagem verbal, a aprendizagem da linguagem
musical passa, tambm, por experincias pr-reflexivas e reflexivas. As pr-reflexivas so
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espontneas, sem modelos definitivos e nem uniformidade de uso, podendo ser agrupadas na
categoria de experincias cotidianas. As reflexivas, por sua vez, conferem ao sujeito uma
maior disponibilidade de uso, ampliando seus modos de ao, reao e expresso. Segundo a
estudiosa, a msica, do mesmo modo que a fala, constitui-se em campo de experincias que
transcendem a questo tcnica, e se configura como o prprio meio em que o sujeito vive
(FONTERRADA, 1991, p.157). A aprendizagem de ambas as linguagens fruto da vivncia: o
aprendiz deve estar inserto em meio linguagem a ser aprendida, de forma natural. Desse
modo, devido similaridade constatada, acredita-se que o que foi descoberto em relao ao
aprendizado da linguagem verbal, em certa medida, pode ser transposto para a musical,
guardadas as especificidades inerentes a cada uma delas, uma vez que a linguagem verbal e a
linguagem musical pertencem a campos de conhecimento distintos.
Tendo em vista a semelhana entre as duas linguagens, buscou-se conhecer o processo
de alfabetizao pela leitura de seus tericos, tanto no que se refere linguagem verbal,
quanto musical. Nesse ltimo campo, foram analisados mtodos de iniciao ao piano,
livros sobre pedagogia pianstica, propostas de educadores musicais do sculo XX e sua
relao com o ensino do piano, trabalhos da rea de psicologia da aprendizagem aplicada
msica e estudos acerca da psicognese da lecto-escrita musical, a fim de averiguar qual a
viso dos msico-educadores acerca deste importante processo.
No campo da linguagem verbal, foram pesquisados vrios trabalhos, e se decidiu que
toda a obra de EMILIA FERREIRO poderia dar suporte presente investigao, pela proposta da
pesquisadora ao encarar o processo de alfabetizao, no como uma habilidade a ser
transmitida criana, mas como resultado da elaborao de seu pensamento, a partir de
hipteses por elas levantadas, mesmo em perodos anteriores ao da alfabetizao. Essa
abordagem, alm de instigante, pareceu ser o caminho adequado para que se tentasse
compreender o processo da aquisio e domnio da lecto-escrita em msica, e a razo de se
encontrarem tantos msicos com reais dificuldades no domnio dessa habilidade, como foi
relatado no incio deste trabalho.
EMILIA FERREIRO, psicloga argentina, fez sua tese de doutorado em psicologia pela
Universidade de Genebra, sob a orientao do renomado pesquisador suo, Jean Piaget. No
perodo corrente desta pesquisa, de 2005 a 2007, Ferreiro esteve atuante como pesquisadora
no Departamento de Investigaes Educativas do Centro de Investigaes e Estudos
Avanados do Instituto Politcnico Nacional, no Mxico (V. M. C, n.5, 2005, p.5).
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A partir da dcada de 1980, Ferreiro passou a apresentar resultados de pesquisa que
confirmam a hiptese de que a criana em fase pr-escolar, mesmo no estando alfabetizada,
constri seus prprios conceitos a respeito de como se organiza a linguagem escrita
(FERREIRO e PALACIO, 2003, p.102-123; FERREIRO, 2004a, p.77-101).
Segundo FERREIRO:
[...] agora sabemos que h uma srie de modos de representao que precedem a representao alfabtica da linguagem; sabemos que esses modos de representao pr-alfabticos se sucedem em certa ordem: primeiro, vrios modos de representao alheios a qualquer busca de correspondncia entre a pauta sonora de uma emisso e a escrita; depois, modos de representao silbicos (com ou sem valor sonoro convencional) e modos de representao silbico-alfabticos que precedem regularmente a apario da escrita regida pelos princpios alfabticos. (2001a, p.10)
De acordo com a autora, tais conceituaes devem ser levadas em considerao
durante a fase pr-escolar, para que seja evitada uma avaliao fragmentria e indulgente por
parte do professor, que venha a considerar o aluno um fracassado, por no saber ler e escrever
(FERREIRO, 1989, p.60-63).
Nas palavras de FERREIRO:
Ateno com este tempo inicial que damos s crianas, porque se as rotulamos muito rapidamente, depois no poderemos lhes tirar esse rtulo. Pode acontecer que d mais trabalho destravar uma criana, recuperar sua capacidade de aprendizagem, que dar-lhe um pouco mais de tempo no incio. Por isso digo que sejamos tolerantes com esse tempo inicial, por favor, no coloquemos rtulos de burro antecipadamente, porque depois muito difcil tir-los. (2001c, p.150)
Como resultado de suas pesquisas, a partir de observaes, experincias prticas e
estudos de caso, com crianas da faixa etria de 4, 5 e 6 anos, de diferentes classes sociais,
FERREIRO demonstrou que h fases no pensamento de crianas em idade pr-escolar, tendo
concludo que o fato de a criana estar inserida em uma das diferentes fases conceituais
detectadas por ela em seu estudo incidia diretamente no resultado do processo de aquisio da
leitura (2001b, p.15-18). Segundo FERREIRO, procurando investigar que classe de objeto do
conhecimento pode ser a escrita para o sujeito em desenvolvimento, constatou-se que
operaes cognitivas que se aplicam ao domnio de sistema de escrita, tambm, se aplicam em
domnios numricos (2001a, p.16). H alguns problemas cognitivos que parecem evidentes,
como a classificao do material grfico, por exemplo. Nas palavras da pesquisadora
argentina, todos os nossos smbolos no-icnicos esto constitudos por combinaes de dois
tipos de linhas: pauzinhos e bolinhas. Mas alguns so chamados de letras e, outros, de
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nmeros (2001a, p.10); e podemos acrescentar, agora, tendo em mente a escrita musical, que
outros so chamados de notas musicais.
Ao eleger como caminho de pesquisa a possibilidade de se entrelaar o ensino de
msica aos resultados apresentados nas pesquisas de FERREIRO, possvel levantar a hiptese
de que a criana pr-alfabetizada, exposta msica, capaz de construir, tambm, suas
prprias idias acerca da escrita musical. A questo que se coloca, ento, : ser que a criana
em fase pr-escolar pensa a escrita musical? E, em caso dessa resposta ser afirmativa, de que
modo ela pensa? Como esse pensamento se traduz na escrita que ela prpria elabora durante
o processo de educao musical? E ainda: como a escrita musical se relaciona com a escuta?
Buscando respostas a essas questes, o objetivo geral do presente trabalho conhecer
e compreender o pensamento da criana acerca da notao musical, durante o processo inicial
de aprendizagem da lecto-escrita em msica, sendo o piano, o instrumento usado para a
averiguao do foco da pesquisa. Os objetivos especficos so: revisar a literatura musical no
que concerne iniciao lecto-escrita, de modo a constatar qual a viso que os msico-
educadores tm acerca deste processo e como esta viso se traduz em seus mtodos; constatar,
assim, se, como os resultados observados nas pesquisas de FERREIRO, h diferentes
comportamentos psicolgicos nas crianas observadas, durante o processo de aprendizagem
da lecto-escrita musical.
Para que se alcanassem esses objetivos, o procedimento metodolgico da presente
pesquisa constou da investigao acerca de como se d o processo de aprendizagem da lecto-
escrita musical, em um grupo de crianas inseridas em um ambiente musicalizador, em que o
piano passou a ser o prprio meio utilizado para encontrar tais respostas. O trabalhou se fez
em encontros semanais com um grupo de seis crianas de uma Escola Municipal de Educao
Infantil EMEI- da Cidade de So Paulo. Em cada encontro, proporcionou-se a elas um
ambiente propcio ao contato com a msica e expresso de suas hipteses referentes lecto-
escrita musical.
Como fundamentao terica para a presente pesquisa, buscou-se adaptar o modelo de
pesquisa de FERREIRO e TEBEROSKY (1986); para isto, foi necessrio, alm do estudo dessa
obra, criar condies favorveis a que tal modelo fosse usado na aprendizagem musical.
Vrias foram as adaptaes para que se averiguasse a existncia de fases conceituais
antecedentes lecto-escrita da notao tradicional de msica, especificamente no que
concerne aprendizagem pianstica.
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A pesquisa relatada em Psicognese da Lngua Escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1986)
resultou de dois estudos: um longitudinal e um transversal. Aqui, no entanto, optou-se
somente pelo estudo transversal, pois para o foco desta pesquisa independe a classe social das
crianas estudadas. A investigao realizada pelas autoras argentinas incluiu crianas
inseridas no contexto escolar e marginalizadas, sendo que, segundo as autoras, o resultado de
ambas foi semelhante, talvez porque, mesmo marginalizadas, as crianas estavam
continuamente expostas a objetos da sociedade letrada. Aqui, para que as crianas
fossem expostas lecto-escrita musical, houve a necessidade de se criar um ambiente
musicalizador e organizar encontros semanais, de agosto de 2005 a novembro de 2006, nos
quais a pesquisadora se duplicava, exercendo os papis de pesquisadora e mediadora do
processo de aprendizagem dos sujeitos pesquisados. Com a adoo desse procedimento,
diferiu-se do modelo das argentinas, que no atuaram como professoras e realizaram suas
inquiries em trs encontros ao longo do ano. Houve tambm, a reduo do nmero de
sujeitos devido ao carter individual da aprendizagem pianstica. Assim, o presente trabalho
foi realizado com seis crianas, em fase de alfabetizao escolar. No incio da pesquisa, em
2005, as crianas eram pr-escolares com seis anos de idade. No decorrer da pesquisa,
passaram a ser alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental e completaram sete anos
durante o perodo da pesquisa. Alm das mencionadas, outras adaptaes fizeram-se
necessrias e sero oportunamente apresentadas.
Devido ao carter descritivo do fenmeno estudado, interao do objeto-sujeito e de
sua interpretao por parte da pesquisadora, esta pesquisa considerada de carter
fenomenolgico (DETONI; PAULO, 2000, p.141). Tambm considerada participativa, quanto
aos fins (VERGARA, 2004, p.49), enquanto, no que se refere aos meios, pode ser chamada de
pesquisa-ao (THIOLLENT, 2002, p.14). Embora a diversidade de abordagens traga mente a
possibilidade de consider-la interdisciplinar, pois diferentes reas de conhecimento dialogam
em mesmo nvel de fundamentao, 1 em benefcio da compreenso de uma questo to
importante e, ao mesmo tempo, ainda no to bem compreendida entre msicos, professores e
estudantes que a aquisio da lecto-escrita musical, esta pesquisa no deve ser caracterizada
como interdisciplinar, uma vez que o que aqui ocorre somente uma transposio de um
mtodo de pesquisa de uma rea a outra. No caso, o mtodo utilizado por Emilia Ferreiro,
transposto para a rea da Educao Musical.
1Tanto a pesquisa de Ferreiro/Teberosky quanto esta se utilizam de pressupostos do construtivismo de Piaget.
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Atente-se para o fato de que o que aqui considerado resultado, , na verdade, a
descrio do processo de aprendizagem da lecto-escrita de msica, por meio do instrumento
piano. Por esse motivo, a avaliao que permeia esta pesquisa est diretamente ligada
anlise das aes e reaes dos alunos durante o processo em que tiveram um contato muito
prximo com o instrumento. Ela constou de:
Avaliao Diagnstica: averiguao do interesse, da capacidade de concentrao e das habilidades musicais de cada criana no decorrer de atividades de carter ldico
realizadas no primeiro encontro da pesquisadora com os sujeitos da pesquisa, ocorrido
no dia 18 de junho de 2005.
Avaliao Contnua ou Avaliao Formativa: anlise dos comportamentos psicolgicos observveis durante a aplicao prtica da pesquisa, que ocorreu em
encontros semanais de agosto a novembro de 2005 e de fevereiro a novembro de 2006.
Os encontros tiveram como objetivo o trabalho ativo com as crianas, por meio de
atividades que propiciassem a expresso, individualmente e em grupo, ao fazer msica,
ao trabalhar com diferentes formas de codificao/ decodificao de partituras, e ao
tocar piano.
Avaliao Final: comparao do comportamento psicolgico observado durante o ltimo encontro, no dia 11 de novembro de 2006, com os observados ao longo dos
demais, a fim de compreender de que modo a lecto-escrita musical, neste momento do
processo, se relacionou com o fazer.
importante dizer que, em razo da idade das crianas, o tempo estabelecido, de um
ano e meio, no foi suficiente para a instalao plena da capacidade de leitura e escrita
musicais. No entanto, pela observao dos comportamentos observados neste perodo foi
possvel dizer que essa capacidade de lecto-escrita deu-se de maneira semelhante aos
resultados encontrados por FERREIRO (2004a).
A pesquisa de FERREIRO foi uma inspirao para que se buscassem quais seriam os
comportamentos psicolgicos revelados durante o processo de aprendizagem da lecto-escrita
em msica. Assim como os trabalhos da pesquisadora argentina, no se pretende aqui,
demonstrar que os comportamentos encontrados so fases estanques e bem definidas, pois no
so. Segundo FERREIRO, O mais importante no discutir sobre as etiquetas nem discutir se
as etapas so trs, quatro ou seis; o mais importante, creio, entender esse desenvolvimento
como um processo e no como uma srie de etapas que se seguiriam umas s outras quase
automaticamente (2004a, p.86-87).
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O trabalho com as crianas demonstrou que cada uma delas tinha maneiras prprias de
encarar cada situao desafiadora e tecia suas consideraes e hipteses na resoluo de cada
problema a elas proposto pela pesquisadora. FERREIRO poderia ter patenteado um mtodo e
no o fez (2001c, p.166). Tambm no se pretende aqui propor mtodos de ensino, pois o
objetivo principal deste trabalho foi a verificao da existncia, ou no, de um pensamento
hipottico por parte dos sujeitos pesquisados, a respeito da leitura e escrita musicais. No
estavam em jogo, portanto, consideraes a respeito do aprendizado da habilidade de tocar
piano, mas, sim, a averiguao de como se daria o processo de leitura e escrita de msica. O
que importou no presente trabalho foi a demonstrao de que o pianista aprendiz pensa e cria
seus prprios conceitos, enquanto se apodera do sistema de escrita tradicional da msica
ocidental.
A problemtica levantada na presente pesquisa est cercada por vrios lados, quais
sejam: o da educao musical, quando especificamente atrelada s questes da lecto-escrita
musical, o da psicognese da lngua escrita e o da contribuio da Psicologia da
Aprendizagem ao esclarecimento da questo proposta nesta investigao.
A presente dissertao est dividida em duas partes. A primeira Parte, Dos
Fundamentos tericos, trata da reviso bibliogrfica da rea musical, incluindo os mtodos de
iniciao ao piano (captulo 1), e da observao dos procedimentos e resultados de pesquisas
da argentina FERREIRO (captulo 2). A segunda Parte, Da Experincia, apresenta o
pensamento da criana traduzido em sua leitura e escrita musical (captulo 3).
Com o levantamento bibliogrfico apresentado no captulo 1, A iniciao lecto-
escrita na viso dos msico-educadores, procurou-se perceber se, entre os educadores
musicais estudados, haveria ou no preocupao em relao ao desenvolvimento do
pensamento infantil no que concerne lecto-escrita musical. A questo inicial deste captulo
foi: como o msico educador v o processo de aprendizagem da lecto-escrita musical? Em
busca desta resposta, foram investigadas obras da rea de educao musical relacionadas com
questes de leitura e escrita, especificamente no que se refere ao processo de aprendizagem de
leitura de msica ao piano. Ver-se- que foram analisados mtodos de iniciao ao piano,
livros sobre pedagogia pianstica, propostas de educadores musicais do sculo XX e sua
relao com o ensino do piano, trabalhos da rea de Psicologia da Aprendizagem aplicada
Msica e dissertaes brasileiras acerca da psicognese da lecto-escrita musical.
O captulo 2, A Alfabetizao segundo Emilia Ferreiro: a Psicognese da Lngua
Escrita, apresenta o trabalho da psicloga EMILIA FERREIRO, que mostra que a criana
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constri diferentes hipteses acerca do sistema de escrita antes de chegar a compreend-lo
plenamente, esclarecendo de que modo a criana em processo de alfabetizao assimila as
informaes disponveis e interpreta textos, mesmo sem dominar a relao intrnseca existente
entre letras e sons. Sero apresentados os resultados de pesquisa da obra Psicognese da
Lngua Escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1986), co-autoria com ANA TEBEROSKY, sua
conterrnea e companheira de profisso. Entre todas as obras de FERREIRO, esta, a primeira
que veio ao grande pblico, e que deu incio a todas as outras, foi escolhida, pelo fato de
conter os fundamentos de sua teoria, ampliados nas obras que a sucederam. Utilizando-se da
Psicolingstica contempornea e da Teoria Epistemolgica de PIAGET, FERREIRO
demonstra que a pesquisa realizada com pr-escolares de 4 a 6 anos comprova a existncia de
nveis de conceitualizao anteriores alfabetizao e aquisio da escrita, e apresenta suas
principais caractersticas.
Na segunda Parte desta dissertao, Da Experincia, no captulo 3, O pensamento da
criana traduzido em sua leitura e escrita musical, discorre-se a respeito da adaptao do
modelo de pesquisa utilizado para a investigao da lecto-escrita em msica, relatam-se as
atividades realizadas durante o processo de investigao, e apresentam-se os resultados
encontrados, lembrando-se que, o que se entende por resultado, aqui, a descrio dos
comportamentos psicolgicos encontrados durante o processo inicial de aprendizagem da
lecto-escrita musical na criana iniciante ao estudo do piano.
Acredita-se que o presente trabalho poder contribuir para a reflexo acerca da
aquisio da habilidade de leitura-escrita da linguagem musical, da compreenso desse
processo e para o desenvolvimento da rea da educao musical, especialmente no que se
refere a abordagens didticas efetivas no ensino/aprendizagem do instrumento piano.
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PRIMEIRA PARTE
DOS FUNDAMENTOS TERICOS
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1
A INICIAO LECTO-ESCRITA EM MSICA
NA VISO DOS MSICO-EDUCADORES
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As questes iniciais deste captulo so: como o msico educador v o processo de
aprendizagem da lecto-escrita musical? Ser que a criana em fase pr-escolar pensa a lecto-
escrita musical? Em caso positivo, como ela pensa? Este pensar pode estabelecer fases
durante este processo? Se existem fases, os mtodos de iniciao lecto-escrita as levam em
considerao? E, finalizando, como a criana iniciante no estudo de piano compreende a
escrita musical?
A reviso bibliogrfica, nesta pesquisa, buscou encontrar respostas a respeito de como
a criana iniciante no estudo de piano compreende a escrita musical, segundo a viso dos
educadores musicais consultados. Por meio dos resultados apresentados por outros
pesquisadores, quis-se perceber se h fases conceituais que antecedem a compreenso do
cdigo de escrita musical tradicional. Para tanto, foram analisados mtodos de iniciao ao
piano, trabalhos direcionados formao do professor deste instrumento, propostas de
educadores musicais do sculo XX e sua relao com a iniciao pianstica, bem como
trabalhos da rea de Psicologia da Aprendizagem aplicada Msica. Foram analisadas,
tambm, pesquisas acadmicas que estudam a alfabetizao musical, defendidas em
universidades brasileiras no perodo de 1996 a 2006.
MTODOS DE INICIAO AO PIANO
H inmeras obras dedicadas fase de iniciao ao instrumento. Como o foco aqui a
compreenso do processo inicial da lecto-escrita em msica e esta pesquisa se realiza com
crianas de seis/sete anos em fase de alfabetizao escolar, foram excludas desta anlise as
obras que no se colocam na categoria de mtodo2 de iniciao ao piano para crianas dessa
faixa etria, com exceo de trs livros de atividades de iniciao ao piano.
TIPOS DE ABORDAGENS DO ENSINO DA LEITURA PIANSTICA
Nos mtodos analisados, encontraram-se diferentes abordagens para o ensino de
leitura musical aplicado ao piano, que podem ser agrupadas como segue, segundo MARIENNE
USZLER, STEWART GORDON e SCOTT MC BRIDE SMITH (2000, p.5-7):3
2 Para Jussamara SOUZA, a palavra mtodo significa literalmente seguir um caminho para atingir um objetivo; perseguir alguma coisa j antes imaginada ou pr-determinada (e seguramente ainda no disponvel ou apropriada). O caminho a ser percorrido, que o mtodo sugere, depende do assunto, do objetivo pretendido e das possibilidades do educando (1994, p.48 apud BOZZETTO, 2004, p.60). 3 Traduo da pesquisadora
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o Abordagem pelo D Central o Abordagem por Multitons ou Pentacrdios o Abordagem Intervalar ou Espacial o Abordagem Mista
A abordagem pelo D Central predominantemente utilizada na maior parte dos
livros, desde a dcada de 1930. A abordagem por Pentacrdios ou Multitons responde ao
interesse de alguns professores, de usar o piano funcionalmente, como uma ferramenta de
harmonizar e improvisar, alm de interpretar. A abordagem Intervalar ou Espacial enfatiza o
desenvolvimento da leitura direcional. A abordagem Mista rene os conceitos das outras, com
o intuito de oferecer maiores vantagens para o desenvolvimento da leitura.
Cada tipo de abordagem apresenta vantagens e desvantagens em relao ao
desenvolvimento da leitura. A seguir, emoldurados, os principais pontos de cada uma
(USZLER; GORDON; SMITH, 2000).
o Abordagem pelo D central (USZLER; GORDON; SMITH, 2000, p.5)
VANTAGENS DESVANTAGENS
O d central, na partitura e no teclado do piano, um guia visual.
A memorizao e a prtica de um nmero limitado de notas ao redor do d central constituem
uma tarefa fcil.
Desenvolver o senso da tonalidade de D Maior, antes de conhecer outros tons, propicia segurana
auditiva e motora.
No incio, de grande ajuda associar o uso de certos dedos a certas teclas e notas.
Tocar a partir do polegar um movimento requerido na literatura pianstica.
Os estudantes aprendem melhor quando absorvem pequenas quantidades de informao. A adio de
uma nota de cada vez uma tcnica de
aprendizagem lgica e testada.
Usar somente uma nota como guia limitador. mais fcil estabelecer associao com duas ou mais.
A prtica de um nmero limitado de notas ao redor do d central fora os estudantes a tocarem com as mos
muito prximas ao corpo no incio do estudo.
A variedade de sons estimula a audio e a criatividade mais do que o reconhecimento de um nico
padro.
Os estudantes passam a ler o dedilhado e no as notas.
O polegar um dedo desajeitado. mais fcil conseguir o movimento correto dos dedos a partir do
lado fraco das mos.
A aprendizagem pela adio de uma nota de cada vez pode ocasionar o atraso no desenvolvimento da leitura
de padres de notas.
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o Abordagem por Multitons ou Pentacrdios (USZLER; GORDON; SMITH, 2000, p.6)
VANTAGENS DESVANTAGENS O pentacrdio na partitura e no teclado uma idia simples repetida em diferentes contextos. As linhas meldicas so lidas direcionalmente e por comparao com diferentes agrupamentos. Causa satisfao tocar acordes desde o incio e propicia base para o a compreenso harmnica. Tocar em diferentes lugares e escalas propicia liberdade tcnica do brao e do ombro. O piano deveria ser um instrumento no qual explorar e criar so to importantes quanto tocar peas; instigar a explorao e criatividade desenvolve a audio e a auto-capacidade. Muito da literatura pianstica homofnica, organizando-se em melodia em uma mo e acompanhamento acordal em outra. Aprender a ler e tocar desta forma, desde o incio, prepara o aluno tanto para peas do repertrio erudito quanto popular.
Fazer uso somente de pentacrdios dificulta a aprendizagem de passagem de dedos. Estudantes lem por meio do dedilhado. As mos dos estudantes no esto tecnicamente prontas para tocar acordes desde o incio da aprendizagem. Tocar somente pentacrdios tambm causa dificuldade, embora os braos possam estar livres do corpo, uma vez que o uso do polegar nas teclas pretas no pianstico. O interesse por improvisar pode sobrepujar a ateno necessria para a escrita do compositor. A melodia acompanhada por acordes em blocos ou quebrados o nico tipo de msica tocada nos primeiros estgios.
o Abordagem Intervalar ou Espacial (USZLER; GORDON; SMITH, 2000, p.6-7)
VANTAGENS DESVANTAGENS A notao direcional fora da pauta permite ao aluno ler por todo o teclado, desde o incio. O precoce reconhecimento intervalar na pauta com menos de cinco linhas desenvolve a leitura direcional, mesmo antes de o aluno memorizar algumas notas fixas. Uma vez que a leitura no baseada no reconhecimento de modelos, os alunos buscam na partitura a informao de onde tocar e quais dedos usar. A leitura fora da pauta ou na pauta limitada das notas das teclas pretas faz uso dos dedos 2, 3 e 4. Tocar com esses dedos mais espontneo do que com 1 e 5. Desde o comeo, a msica tocada em muitas teclas e regies sem o uso de modelos de cinco dedos ou armaduras de claves. H uma variedade de sons e efeitos. A leitura harmnica, tambm, intervalar. A leitura de intervalos harmnicos de duas notas prepara para a leitura das trades.
Os estudantes nunca obtm um seguro senso de localizao; muita liberdade causa confuso. Chegar leitura no sistema pianstico um processo demorado. Os estudantes podem se apropriar do conhecimento de leitura de notas sem ter que passar por este processo lento. Os alunos talentosos saem-se bem ao buscar informaes na partitura, mas, na mdia, sentem-se mais confortveis aprendendo poucos pontos fixos inicialmente. A demora em usar os dedos 1 e 5 no se faz necessria. A posio correta das mos deve ser desenvolvida com a mo inteira desde o incio. Poucos temas folclricos ou populares esto aptos a ser includos no incio dos mtodos que advogam a leitura intervalar. Os alunos e pais ficam desejosos de ouvir temas conhecidos. A leitura harmnica freqentemente atrasada. Tocar msicas somente com linhas por um longo perodo de tempo causa insatisfao.
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o Abordagem Mista (USZLER; GORDON; SMITH, 2000, p.8) H mtodos que fazem uso dos tipos de abordagens citados, mesclando vrios tipos. A
compreenso dos princpios de cada abordagem auxilia o professor na escolha do mtodo que
melhor responder s necessidades dos alunos.
OS MTODOS ANALISADOS
Conforme os dados demonstrados, nenhum dos tipos de abordagem isenta o aluno de
sofrer falhas durante a formao inicial. Tendo em vista que a hiptese desta pesquisa que
essas falhas podem ser causadas pelo desconhecimento por parte do professor da importncia
do pensamento inicial da criana acerca da lecto-escrita e que isso teria como conseqncia a
desconsiderao da existncia de fases conceituais antecedentes, analisando-se os mtodos de
iniciao pianstica alinhados s citadas abordagens e outros no includos nestas categorias,
buscou-se detectar qual a preocupao de cada um dos autores em relao gnesis da
grafia musical.
De um total de 40 livros para iniciao ao piano, foram examinados e classificados
como pertencentes abordagem pelo d central, onze mtodos estrangeiros e dez brasileiros.4
Dentre estes, figuram: Duas mozinhas no teclado (MASCARENHAS, 1970); Meu piano
divertido (BOTELHO, 1976); The Leila Fletcher piano course (FLETCHER, 1973) ; e Mtodo
infantil para piano (RUSSO, 196-), como os mais vendidos na cidade de So Paulo, pelas
Casa Vitale e Casa Manon, as lojas mais procuradas pelos professores de piano da cidade,
segundo dados coletados pela pesquisadora Ana Lcia Moreira (MOREIRA, 2005, p.35.;
BOZZETTO, 2004, p.62).5
Foram analisados quatro mtodos de autores estrangeiros considerados como de
abordagem por multitons ou pentacrdios. Da categoria, abordagem intervalar ou espacial,
foram analisados trs de autores estrangeiros e um nacional. Quanto abordagem mista,
foram analisados dois norte-americanos. Alm destes, foram analisados, ainda, trs mtodos
estrangeiros que no se enquadram em nenhuma das categorias mencionadas, por proporem,
4 Saliento que apesar de classificar o mtodo de RUSSO (196-) e de BEYER (197-) como pertencentes abordagem pelo d central, considero-os como uma variao desta, pois neles a iniciao leitura se d pela escrita do d em oitavas, onde somente uma mo tem a sua escrita a partir do d central, enquanto a outra est a uma oitava acima, ambas em clave de sol. Em levantamento informal de dados, observa-se que estes foram os mtodos mais usados para iniciao ao piano, na cidade de So Paulo, nas dcadas de 1950 e 1960. 5 Segundo a pesquisadora BOZZETTO, Meu piano divertido de BOTELHO, Leila Fletcher piano course, vol.1 de FLETCHER e Mtodo Infantil para piano de RUSSO, tambm figuram entre os mais utilizados pelos professores para a iniciao ao piano. Sua pesquisa foi realizada entre professores de Porto Alegre, RS (2004, p.62).
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concomitantemente leitura tradicional, a interpretao de grafias alinhadas prtica da
msica contempornea. Para completar, examinaram-se trs livros de iniciao ao piano que
se fundamentam em dois dos chamados mtodos de educao musical ativos,6 a saber, dois
livros de iniciao baseados no Mtodo Kodly (1940; 1966) e um no de Suzuki (1978).
Finalmente, foram analisados trs livros de atividades para iniciao ao piano que, embora
no sejam considerados mtodos, colocam-se no mercado com o intuito de reforar a
aprendizagem proposta por aqueles.
Nem todos os mtodos analisados apresentam prefcios ou sugestes ao professor,
mas todos tm uma organizao clara a respeito do que deve ser ensinado ao aluno por meio
de suas partituras. Vrios deles propem que se inicie a leitura pianstica diretamente na pauta
convencional, sem nenhuma sugesto de atividade preparatria que anteceda e facilite este
contato. Percebe-se que, cada um a seu modo, fruto da experincia de professores que os
escreveram com o intuito de facilitar a aprendizagem de seus alunos, porm, ao que parece, o
conhecimento advindo de estudos especficos sobre a aprendizagem e desenvolvimento
cognitivo no exerceram clara influncia em sua elaborao.
A seguir, apresenta-se a descrio dos procedimentos encontrados, bem como os
resultados das anlises realizadas, devendo ser esclarecido que s se levaram em considerao
os mtodos que apresentavam indcios de preocupao de seus autores em relao ao processo
de pensamento anterior lecto-escrita da msica. Ressalte-se que no se pretendeu aqui fazer
um levantamento completo de todos os mtodos j editados, mas, apenas um apanhado geral
que consta de mtodos escolhidos aleatoriamente por sugesto informal de profissionais do
ensino pianstico, considerado suficiente para o desenvolvimento da presente pesquisa.
EDIES DA DCADA DE 1960
ABORDAGEM PELO D CENTRAL
O estudo do piano, de Heitor Alimonda
O autor prope leituras preparatrias tradicional, chamadas de atividades de pr-leitura.
ALIMONDA apresenta a tcnica de leitura relativa a partir de uma linha (Figura 1), para que o
6 So chamados de mtodos ativos de educao musical aqueles que tm em sua concepo o aprendiz como o centro do processo de ensino-aprendizagem. Diferenciam-se do sistema tradicional de ensino por no considerarem a criana como um ser destitudo de qualquer tipo de conhecimento. Maiores explicaes em FONTERRADA (2005. Cp. 2).
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aluno aprenda a associar e reconhecer alturas na pauta tradicional e grafia rtmica no
tradicional, utilizando traos para indicar as notas longas, como forma de visualizar diferenas
existentes na durao das notas (1967).
FIGURA 1 - Exemplo de pr-notao (ALIMONDA, 1967, p.2).
Libro preliminar de piano para nios de Shaylor Turner e John M. Williams
Em nota especial sobre aprender a ler msica, os autores afirmam a necessidade de
utilizar-se, inicialmente, do recurso da imitao, que ser memorizada pelo aluno para,
somente depois, mostrar a sua escrita: Primero la cosa, depus el signo que la denota
(TURNER; WILLIAMS, 1968, p.7). Nenhuma atividade de pr-leitura sugerida.
EDIES DA DCADA DE 1970
ABORDAGEM PELO D CENTRAL
Duas Mozinhas no Teclado, de Mrio Mascarenhas
No prefcio deste mtodo, lemos que o autor, depois de grandes pesquisas e estudos
sobre a psicologia infantil, concluiu que a didtica deve estar aliada a uma motivao
(MASCARENHAS, 1970, p.5). A partir da, possvel questionar: qual a motivao que este
autor prope? Levando-se em considerao que a matria-prima do msico o som, e que
qualquer mtodo de iniciao musical deve t-lo como elemento motivador, pode-se imaginar
que esta obra se encaixa neste parmetro. No entanto, o autor no sugere qualquer atividade
que motive o aluno por meio dos sons. Por outro lado, graficamente falando, o livro rico em
desenhos coloridos e atrativos, que podem motivar o aluno ao seu manuseio. MASCARENHAS
associa o nome das notas musicais a desenhos e, por meio destes, introduz a criana leitura
de pequenas linhas meldicas, sem fazer, porm, nenhuma relao dos desenhos com o
conceito de altura das notas na pauta (Figura 2).
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FIGURA 2 Exemplo de grafia que associa o nome das notas a desenhos (MASCARENHAS, 1970, p.25).
Mtodo de Iniciao ao Piano, de Aric Jr.
O autor, no prefcio, esclarece que o material pedaggico utilizado na educao da
criana tem o propsito de despertar seu interesse e refletir seus pensamentos e anseios. No
entanto, no apresenta qualquer elucidao a respeito do desenvolvimento do pensamento
infantil, o que faz supor seu desconhecimento acerca dos fundamentos psicolgicos desse
fenmeno (ARIC JNIOR, 1977). Este mtodo apresenta a notao tradicional desde o incio,
sem nenhum tipo de preparao, mas, suas peas tm ttulos que fazem lembrar os brinquedos
infantis da poca, como, por exemplo, O Tambor, Os Soldadinhos, alm de canes
tradicionais (Dorme Nen, Capelinha de Melo, Parabns a voc etc.). Pode-se deduzir,
ento, que o que o autor considera como material capaz de despertar o interesse da criana o
repertrio por ele apresentado no livro, que traz os ttulos dos brinquedos infantis e as canes
do folclore.
Sons da Infncia, de Marisa Fonterrada e Maria Lcia Pascoal
Nas pginas iniciais, as autoras propem atividades para desenvolvimento da
musicalidade, que incluem o canto e movimentos corporais, e incentivam que a criatividade
do aluno seja desenvolvida, sugerindo que ele crie propostas alinhadas ao que estiver
aprendendo. Como pr-leitura, apresentam mo direita acima da mo esquerda e os exerccios
de leitura rtmica, chamados Msica para piano fechado (Figura 3) e de desenvolvimento do
uso dos dedos em Toque escolhendo as notas (Figura 4) (FONTERRADA; PASCOAL, 1979).
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FIGURA 3 - Exemplo do exerccio Msica para piano fechado (FONTERRADA; PASCOAL, 1979, p.11).
FIGURA 4Exemplo de Toque escolhendo as notas (FONTERRADA; PASCOAL, 1979, p.11).
The Leila Fletcher piano Course, de Leila Fletcher
Este mtodo, que figura entre os mais vendidos de So Paulo, apresenta em sua
introduo as atividades a serem trabalhadas na primeira aula, que constam de
reconhecimento do teclado por meio de melodias ensinadas por imitao e memorizao. A
leitura, quando iniciada, introduzida nos moldes da grafia tradicional (FLETCHER, 1973).
MULTITONS OU PENTACRDIOS
Msica para Piano, de Robert Pace
O autor aconselha o professor a introduzir a notao somente aps o aluno ter algum
controle dos dedos sobre o teclado e inicia este trabalho com desenhos meldicos grafados
com o dedilhado em diferentes alturas, como um preparo leitura de alturas na pauta (Figura 5).
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FIGURA 5 - Exemplo de pr-notao de alturas (PACE, 1973, p.2).
importante acrescentar que quando o pentagrama introduzido, pequenas melodias em
posio de cinco dedos so escritas, desde o inicio, em vrios tons e sugerido que os alunos
habituem-se a tocar sem olhar as mos. Com relao escrita rtmica, todas as peas do livro
utilizam a semnima como unidade de tempo, o que permitiu a PACE apresentar as figuras da
seguinte forma: semnima=1 tempo, semibreve=4 tempos (1973). Este procedimento pode
confundir o aluno ao se defrontar com compassos que no usam a semnima como unidade de
tempo em outras obras musicais.
Mtodo para piano: introduccin a la msica, v. 1, de Violeta H. de Gainza
Nas cinco pginas da introduo, a autora sugere vrias atividades que devero
preceder e/ou acompanhar o desenvolvimento da compreenso da leitura musical e sua escrita
por parte do aluno, porm, graficamente falando, a leitura apresentada ao aluno, nesta
edio, de forma tradicional, sem nenhuma pr-notao (GAINZA, 1974).
MTODOS DE INICIAO AO PIANO QUE APRESENTAM GRAFIA NO TRADICIONAL
Two hands twelve notes book I: a picture-book for young pianists, de Klaus Runze
Este mtodo no apresenta notao tradicional de Msica. Em vez disto, apresenta
desenhos do teclado e grafismos associados ao dedilhado pianstico em linguagem analgica,
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propondo que o aluno crie a partitura de seus prprios experimentos, da mesma maneira. O
objetivo deste mtodo despertar no aluno o interesse pelas possveis grafias musicais, ao
mesmo tempo em que o inicia ao condicionamento do olhar necessrio leitura (RUNZE,
1977) (Figura 6).
FIGURA 6 Exemplo de notao em linguagem analgica (RUNZE, 1977, p.6).
Jtkok Spiele Games, de Gyrgy Kurtg
Este mtodo apresenta, alm da notao convencional, notaes usuais na msica
contempornea, que tm como caracterstica a aproximao com formas de expresso grfica
infantil, preparando as crianas para a compreenso e interpretao de algumas propostas
composicionais do sculo XX, que utilizam a escrita no tradicional por representarem sons
que dificilmente poderiam ser representados por aquela, como os clusters, por exemplo. A
seguir, a notao tradicional aparece disfarada, pois h linhas acima e abaixo dos dois
pentagramas (KURTG, 1979) (Figura 7).
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FIGURA 7 - Notao contempornea junto tradicional (KURTG, 1979, p.I).
EDIES DA DCADA DE 1980
ABORDAGEM PELO D CENTRAL
Iniciao ao piano, de Carmen Maria Metting Rocha
A autora faz vrias sugestes ao professor a respeito de como desenvolver a
musicalidade do aluno e enriquecer a aula, de modo a estimular seu interesse, mas nada que
inclua grafia musical. Quando a questo apresentada, introduzida diretamente, por meio da
pauta tradicional (ROCHA, 1985).
Sing and play, de Linda Clary e Ann Collins
Este um livro de atividades para pais e filhos pr-escolares, com cantigas e
explorao sonora do piano. Nas trs ltimas pginas, so apresentadas a clave de sol e o d
central na pauta tradicional, sem nenhuma sugesto de atividade de leitura que a preceda
(CLARY; COLLINS, 1987).
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Learning to play piano, de Denes Agay
O autor prepara o aluno para a leitura tradicional de alturas, por meio da apresentao
de dedilhados de melodias folclricas tocadas em uma determinada posio, em que cada
dedo corresponde a uma nota e, para incentivar isto, cada nmero grafado nas alturas
correspondentes s da pauta. A preparao para a leitura de diferentes valores rtmicos d-se
sublinhando as slabas e palavras que correspondem aos sons longos (AGAY, 1987) (Figura 8).
FIGURA 8 Exemplo de leitura de dedilhados (AGAY, 1987, p.7).
ABORDAGEM INTERVALAR OU ESPACIAL
Educao Musical atravs do teclado-Etapa de Musicalizao, de Maria de Lourdes Junqueira Gonalves e Cacilda Borges Barbosa
O mtodo (GONALVES; BARBOSA, 1986) destinado a aulas com grupos de 4 a 8
alunos, entre 6 e 11 anos de idade, e acompanhado do Manual do Professor (GONALVES,
1986) em que se l: a leitura o resultado da experincia musical e no uma condio para
tal experincia(GONALVES, 1986, p.15) e a criana no deve ser estimulada a escrever suas
composies, o que tolheria a prpria criatividade, uma vez que no mais das vezes, no tem
domnio da notao, para grafar as suas idias.(GONALVES, 1986, p.50). O mtodo
apresenta atividades para desenvolver o hbito de olhar para a partitura e no para os dedos,
desde o incio seguindo-se atividades preparatrias introduo de tcnicas de leitura
tradicional, que no se faz, no entanto, no primeiro volume.
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MULTITONS OU PENTACRDIOS
Piano Bsico de Bastien: Pr-iniciante, de James Bastien
O autor introduz a escrita musical tradicional por meio do que ele chama de pr-
notao (BASTIEN, 1997) (Figuras 9 e 10).
importante notar que o exemplo da Figura 9 no um bom exemplo do ponto de
vista da prosdia, uma vez que os acentos das palavras contrariam os acentos do compasso:
su-a ser cantado como su- porque o a se localiza sobre o terceiro tempo, que mais
forte que o segundo onde est a silaba su. Como o livro original em lngua inglesa,
percebe-se que este erro de prosdia resultado de uma traduo inadequada para o
portugus. Desta tica, o autor est isento de responsabilidade. Porm, ao se aplicar o livro no
Brasil, corre-se o risco de se desvirtuar a noo de ritmo e compasso, to importantes para a
formao musical.
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FIGURA 9 Exemplo de pr-notao de alturas com dedilhado (BASTIEN, 1997, p.9).
FIGURA 10 - Exemplo de pr-notao com nomes de notas (BASTIEN, 1997, p.19).
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Explorando msica atravs do teclado, de Marion Verhaalen
O livro destinado a aulas em grupos de crianas no incio da fase escolar. A autora
prope que a criana explore os sons do teclado antes de ser introduzida leitura ou escrita,
pois a experincia sempre deve preceder os smbolos musicais (VERHAALEN, 1989a, p.4).
Na primeira unidade do livro, a autora prope que o aluno toque melodias nas trs teclas
pretas do piano e apresenta a escrita destas como uma forma de preparar o aluno escrita
convencional em msica (VERHAALEN, 1989b) (Figuras 11 e 12).
FIGURA 11 Exemplo de pr-notao de alturas (VERHAALEN, 1989b, p.9).
FIGURA 12 - Exemplo de pr-notao de alturas (VERHAALEN, 1989b, p.10).
EDIES DA DCADA DE 1990
ABORDAGEM PELO D CENTRAL
Iniciao ao piano e teclado, de Antonio Adolfo
Apesar de este mtodo apresentar a leitura tradicional em pauta musical por meio do
d central, desde o incio do livro, o autor prope atividades escritas que permitem ao aluno
grafar os sons, mesmo antes de conhecerem e dominarem as regras dessa notao.
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Inicialmente, permitido ao aluno desenhar os sons do piano. Ao mesmo tempo, o autor vai
introduzindo um tipo de escrita em grficos, usando bolinhas, linhas e ligaduras, como escrita
alternativa preparatria compreenso dos signos usuais. Esse procedimento abre caminho
para que o aluno escreva sua maneira, respeitando-o como um ser que pensa a prpria
escrita (ADOLFO, 1994) (Figura 13).
FIGURA 13 Exemplo de pr-notao usada por ADOLFO (1994, p.38).
ABORDAGEM MISTA
Hal Leonard Student Piano Library: Piano Lessons, de Brbara Kreader et al.
Neste mtodo, a iniciao leitura apresentada de forma Espacial e Intervalar,
inicialmente, fora da pauta (Figura 14). Quando a pauta introduzida, traz com ela o d
central, mas, embora as primeiras melodias escritas estejam localizadas ao seu redor, os
dedilhados so modificados, de modo a evitar a associao, pelo aluno, de determinados
dedos a notas especficas.
FIGURA 14 Pr-notao em abordagem espacial ou intervalar (KREADER et al, 1996, p.17).
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ABORDAGEM INTERVALAR OU ESPACIAL
The Music Tree: a plan for musical growth at the piano Time to Begin, de Frances Clark, Louise Goss e Sam Holland
Time to begin o primeiro livro da coleo americana de Frances Clark e seus
assistentes, conhecida como The Music Tree, a qual, por sua vez, faz parte de uma coleo de
mtodos intitulada The Frances Clark Library for Piano Students, cuja primeira edio
remonta dcada de 1950, tendo sido revisada e complementada ao longo dos anos. The
Music Tree a seo destinada aos alunos do nvel elementar, ou seja, aqueles que esto
sendo iniciados ao estudo do piano. A edio de Time to begin (CLARK; GOSS; HOLLAND,
2000), analisada neste trabalho acompanhada por um livro de atividades, Time to begin
activities (BETTS; GOSS, HOLLAND, 2000), organizado pelos assistentes de Frances Clark, o
qual ter sua anlise descrita no prximo item. Time to begin introduz a leitura espacial ou
intervalar, inicialmente, fora da pauta, leitura esta que, segundo o manual do professor, est
planejada para ocorrer somente aps o aluno tomar conhecimento da obra musical,
primeiramente, por audio e, depois, tocando-a por imitao (CLARK; GOSS; GROVE, 1973)
(Figura 15).
FIGURA 15 Pr-notao em abordagem espacial ou intervalar (CLARK; GOSS; HOLLAND, 2000, p.4).
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LIVROS DE ATIVIDADES
Estes livros apresentam atividades ldicas que se destinam a facilitar a aprendizagem
da lecto-escrita musical. O primeiro, aqui comentado, parte integrante da coleo de Frances
Clark, The Music Tree (Figura 16). Nada falado a respeito de o segundo fazer parte de
coleo (Figura 17).
The music tree: time to begin activities de Steve Betts, Louise Goss e Sam Holland
FIGURA 16 The music tree: time to begin activities (BETTS; GOSS, HOLLAND, 2000, p.28).
Piano-brincando: atividades de apoio ao professor de M. Betnia P. Fonseca e Patrcia Furst
FIGURA 17 Piano-brincando: atividades de apoio ao professor (FONSECA; SANTIAGO, 1993, p.83).
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EDIES DA PRIMEIRA DCADA DO SCULO XXI
MTODO DE INICIAO AO PIANO QUE APRESENTA GRAFIA NO TRADICIONAL
Pianolude, de Martine Joste et al.
Alm da notao convencional, este mtodo apresenta frases que indicam como deve ser a interpretao, fato
incomum nos mtodos de iniciao, que parecem desconsiderar a capacidade expressiva do aprendiz, e notaes
usuais na msica contempornea, aproximando-se das formas de expresso grfica infantil preparando as crianas
para a compreenso e interpretao de algumas propostas composicionais do sculo XX, que utilizam a escrita no
tradicional (JOSTE, 2002) (Figura 18).
FIGURA 18 Notao tradicional e contempornea na mesma pea (JOSTE et al. 2002, p.17).
LIVRO DE ATIVIDADES
Divertimentos, de Laura Longo
A autora, no prefcio, diz que seu livro pretende propiciar o desenvolvimento da musicalidade,
da criatividade e do prazer de tocar, mesmo antes que o aluno saiba ler a notao tradicional.
Entre seus objetivos, apresenta a possibilidade de desenvolver a habilidade de leitura do aluno,
partindo do todo para as partes, do som para a escrita (LONGO, 2003, p.12). Como sugesto
de estratgias de ensino, apresenta vrias possibilidades, como, por exemplo, a imitao pelo
ouvido ou pelo olhar. Porm, ressalta que mesmo neste caso o aluno dever ter a partitura sua frente
e ser orientado a ler o que capaz de compreender, de acordo com a fase do processo em que
se encontra, sugerindo que sejam criados grficos que facilitem a aprendizagem (Figuras 19 e 20),
quando necessrio. Se, por exemplo, o aluno ainda no dominar a leitura de notas individualmente,
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enquanto aprende a pea por imitao, deve fazer a leitura do caminho sonoro (para o alto na
partitura = som agudo = mos indo direita do teclado). A autora estimula o aluno a
improvisar, criar as suas prprias composies e graf-las conforme sua compreenso, at
que a aquisio da escrita tradicional lhe seja natural (2003, p.13).
FIGURA 19 - Exemplo de escrita em grfico de Excurso (LONGO, 2003, p.75).
FIGURA 20 - Exemplo de escrita tradicional de Excurso (LONGO, 2003, p.29).
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A RESPEITO DA LITERATURA PARA A FORMAO DO PROFESSOR DE PIANO
Aps a anlise dos mtodos, anteriormente apresentada, passa-se ao exame da
literatura dirigida, especificamente, ao professor de piano.
interessante notar, que, de modo geral, o tema lecto-escrita musical abordado, nos
trabalhos direcionados especificamente ao professor de piano, no como algo a ser
compreendido, mas, sim, como uma habilidade a ser treinada pelo aluno, mediante as
tcnicas propostas pelo profissional do ensino. possvel concluir, por meio do exame do
material selecionado, que os resultados dos estudos especficos a respeito da aprendizagem e
do desenvolvimento cognitivo advindos da Psicologia da Educao, desde o incio do sculo
XX, no chegaram a fazer parte da formao da maior parte dos autores da rea de ensino
pianstico. Como exemplo, pode-se citar o trecho do artigo do pianista e professor norte-
americano Robert PACE que, na contramo das propostas pedaggicas que buscam levar em
considerao o pensamento inicial do estudante acerca do objeto de ensino, ao discorrer a
respeito de como iniciar a criana leitura, aconselha os professores a considerarem a mente
de cada estudante como uma tabula rasa, por ele considerada como:
a mente antes de receber as impresses da experincia. No h hbitos nem bons, nem maus, nem antecipao do que vem frente. A partir deste comeo na estaca zero, os estudantes comeam a desenvolver a alfabetizao musical e suas habilidades de leitura primeira vista [...] (PACE, 1999, p.3-4) 7
Embora PACE tenha se destacado pela sua proposta de ensino calcada na abordagem
por multitons notadamente inovadora na dcada de 1960, pensando e capacitando professores,
dessa forma, contribui para a permanncia da situao de conflito estudada nesta pesquisa.
Colocar ineficincia dos resultados como conseqncia de um treinamento ineficaz, e no da
m compreenso que os professores e alunos, porventura, tenham do processo de
aprendizagem, consolida a idia de que tocar um instrumento musical resultado do um ato
fsico-mecnico treinvel, e no da habilidade de se expressar artisticamente. De fato, o
treinamento da mecnica fsico-muscular deve existir na formao do pianista, mas isto no
significa, ou indica que o ensino musical deva caminhar somente por esta estrada. Uma vez
que a expresso artstica inerente ao ser humano, torna-se necessrio ao professor de piano
considerar todas as capacidades deste e no somente o movimento fsico.
7 O trecho citado uma traduo livre desta autora do original escrito a seguir: the mind before it receives the impressions gained from experience. There are no habits, either good or bad only anticipation of what is ahead. From this beginning at ground zero, students start to develop their music literacy, sight-reading skills []
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Diferenciando-se do acima citado e de outros livros analisados, JOS ALBERTO
KAPLAN, em Teoria da aprendizagem pianstica, demonstra preocupao acerca da usual
prtica do ensino pianstico no que diz respeito iniciao lecto-escrita. Com referncia aos
programas de ensino, alerta para o fato de que o critrio de dificuldade crescente adotado se
refere mais dificuldade de leitura que pode apresentar uma partitura que para a dificuldade
de execuo propriamente dita (1987, p.95). O mesmo autor, ainda, critica a prtica usual
nos conservatrios e escolas de msica de dedicar somente uma ou duas horas de aula por
semana ao ensino de msica enquanto que para a aprendizagem de escrita [...] o menino de
6-7 anos de idade freqenta diariamente a escola, durante um lapso de tempo que varia de 3 a
4 horas (1987, p.102). Embora KAPLAN no aborde minuciosamente o tpico do
desenvolvimento da habilidade de lecto-escrita em msica, aqui destacado por apontar para
a necessidade de o professor de piano aprofundar seus conhecimentos em Psicologia da
Aprendizagem, de modo a compreender cada vez mais o aluno e o modo pelo qual esta se d.
EDUCADORES MUSICAIS DO SCULO XX
Alm do trabalho especfico de iniciao pianstica j exposto, abordam-se, a seguir,
as mudanas que, de um modo geral, ocorreram na maneira de encarar o ensino de msica a
partir do final do sculo XIX no mundo ocidental, as quais, entre outras conseqncias,
ocasionaram transformaes na Educao Musical durante o sculo XX. Com isso, pretende-
se aprofundar a discusso acerca da aproximao da criana msica e, especificamente, s
questes ligadas alfabetizao musical. Assim, adiante, esto descritas, sucintamente, as
principais idias dos educadores musicais do sculo XX e sua relao, ainda que indireta, com
o ensino do piano, embora nem todos abordem a questo especfica desta pesquisa que a
iniciao lecto-escrita musical por meio desse instrumento. Essa mostra est dividida em
duas partes: educadores da primeira metade do sculo XX e da segunda metade.
PRIMEIRA METADE DO SCULO XX
Jean-Jaques Dalcroze
Um dos princpios bsicos do ensino de msica no mtodo do suo DALCROZE, que o
som pode ser traduzido em movimento e o movimento em som. O estudante de piano iniciado
musicalmente por meio do mtodo dalcroziano ser encorajado a improvisar, aprendendo a
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expressar ao teclado o que j foi expresso por meio do movimento corporal (UZLER; GORDON;
SMITH, 2000, p.38).
Carl Orff
Assim como DALCROZE, ORFF acreditava no corpo como expresso do ritmo e da
melodia. A abordagem ORFF no faz uso do piano, evitando-o totalmente. Em vez disto,
concentra-se em dar s crianas a experincia de tocar em instrumentos de percusso com
baqueta (xilofones e metalofones).8 Em sua viso, ORFF acreditava que os pequenos deveriam
estar expostos a instrumentos de real qualidade sonoro-musical e no s aos de brinquedo, e
para este fim, os produziu, sendo o conjunto de seus instrumentos hoje conhecido como
instrumental ORFF. Quanto ao desenvolvimento do canto, o plano de ensino de ORFF inicia-se
a partir da tera menor descendente, expandindo-se aos outros intervalos gradativamente, por
meio de canes folclricas baseadas na escala pentatnica. Sua filosofia era de que a msica
para todos e deve ser parte da educao desde a mais tenra idade. Assim como no mtodo
DALCROZE, a criana musicalizada por esta abordagem ser incentivada a desenvolver a
criatividade e a improvisao e, ainda, ter a capacidade de tocar e cantar em grupo de
maneira bem desenvolvida (USZLER; GORDON; SMITH, 2000, p.39).
Zoltn Kodly
KODLY foi um compositor que devotou a maior parte de sua vida ao estudo da msica
folclrica hngara, estabelecendo um sistema de educao musical dirigido a seu prprio
povo, o hngaro, baseado nas canes folclricas de seu pas. A alfabetizao musical, ou
seja, o desenvolvimento da habilidade de interpretar e escrever partituras o foco central de
seu mtodo, o qual se concentra no canto, por considerar a voz o instrumento musical mais
natural, sendo oferecido aos estudantes durante todo o perodo escolar, que, na Hungria, se
inicia aos trs anos de idade. O uso de instrumentos faz parte de seu mtodo, mas ele se d
somente aps a criana dominar a leitura e escrita da notao musical tradicional, como
resultado de sua experincia vocal, fato que ocorre paralelamente ao desenvolvimento da
capacidade de ler e escrever a lngua falada (USZLER; GORDON; SMITH, 2000, p.40).
8 mallet-playing instruments.
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O uso do piano, como ferramenta para ensinar conceitos musicais, tais como
intervalos, escalas e acordes, ou como um instrumento de acompanhamento ao canto,
evitado (USZLER; GORDON; SMITH, 2000, p.40), mas ensinado por meio de mtodos ricos em
canes folclricas hngaras em notao tradicional (BARTK, 1940; FANTN, 1966).
Diferentemente de Orff, que prioriza a improvisao, a integrao com outras linguagens
expressivas e a criatividade, o Mtodo Kodly se dedica ao desenvolvimento da voz e
nfase na leitura e na escrita musicais, somente assemelhando-se ao primeiro na opo por
trabalhar sobre a msica folclrica.9
Shinichi Suzuki
O mtodo idealizado pelo violinista SUZUKI destinado ao ensino da performance
instrumental, sendo o ensino por imitao a sua base (USZLER; GORDON; SMITH, 2000, p.41).
Sua filosofia de ensino est baseada na metodologia de aprendizagem da lngua nativa: a
criana aprende com a me e a famlia por imitao (SUZUKI, 1994). Assim, as aulas de
instrumento envolvem a me, que deve estar presente, aprendendo o que deve ser trabalhado
ludicamente com a criana em casa (FONTERRADA, 2005, p.156). Em suas origens, o mtodo
foi organizado para o ensino do violino, tendo sido, posteriormente adaptado para o ensino do
violoncelo, viola, flauta, harpa e piano. Com relao lecto-escrita, no mtodo Suzuki, o
desenvolvimento da leitura musical posterior ao aprendizado do instrumento. O aluno deve
memorizar o que toca, [...]; assim, no faz exerccios de leitura primeira vista, pois l apenas
o que j sabe tocar de cor (FONTERRADA, 2005, p.159). importante ressaltar que os livros
de partitura para piano do mtodo Suzuki no apresentam nenhum tipo de explicao sobre o
mtodo (SUZUKI, 1978). As explicaes sobre como deve ser o ensino foram escritas por
Suzuki em Educao amor (SUZUKI, 1994).
SEGUNDA METADE DO SCULO XX
John Paynter
A proposta de ensino do ingls PAYNTER baseia-se em proporcionar aos alunos o
9 importante lembrar que, embora ambos tenham trabalhado sobre a msica folclrica, no possvel falar que, sonoramente, o material musical seja o mesmo, pois o material folclrico de Kodly diferia do de Orff. O folclore, no qual Kodly baseou-se, era proveniente da Europa Oriental, rico em msica modal e escala pentatnica diferente do folclore alemo sobre o qual Orff trabalhou.
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manuseio dos sons com o intuito de organiz-los musicalmente, segundo as correntes
estticas dos sculos passados e tambm da contemporaneidade. Em seu livro Hear and Now,
PAYNTER defende a necessidade de que haja aulas de msica que aproximem o aluno dos
processos composicionais do sculo XX, e no somente, voltadas para o ensino da msica
europia dos sculos XVI ao XIX, por meio de atividades que envolvam os alunos
criativamente neste processo (1972). Em outro de seus livros, Sound and Structure, o
educador apresenta tarefas que possibilitam ao aluno conhecer as tcnicas de composio de
forma prtica e ativa, escrevendo os resultados composicionais em notao tradicional ou no.
Diretamente falando aos que tocam piano, no captulo 4, Fingers are great inspirers,10 o autor
prope atividades que possibilitam o desenvolvimento musical por meio do tocar
experimentalmente e do organizar e escrever os resultados sonoros escolhidos (PAYNTER,
1992), abrindo ao aluno a possibilidade de se relacionar com o instrumento de uma forma
diferente da apresentada pelo caminho tradicional. PAYNTER no diz nada de aprendizado de
leitura e escrita, especificamente, pois, seu foco estimular a criao e a inveno. Mas ele
incentiva a leitura de grafias no tradicionais.
Murray Schafer
Este compositor canadense, que desde a dcada de 1960 tem apresentado reflexes
acerca da educao musical, defende a resistncia leitura musical nos primeiros estgios da
educao, porque ela incita muito facilmente a um desvio da ateno para o papel e para o
quadro-negro, que no os sons. Ele no fala especificamente de alfabetizao musical, mas
enfatiza que a escrita no deve ser o objetivo primordial da educao musical. Segundo ele, a
notao musical convencional um cdigo extremamente complicado e, para domin-lo, so
necessrios anos de treinamento. E, continua dizendo que o ideal, o que precisamos, de
uma notao que pudesse ser aprendida em dez minutos, aps os quais, a msica voltasse a
seu estado original como som (SCHAFER, 1991, p.307). SCHAFER defende que o aluno
manuseie os sons, ampliando sua qualidade de escuta, por meio de tarefas que, ao se
tornarem mais elaboradas, necessitaro, inevitavelmente, da escrita. A partir deste ponto, o
aluno deve ser estimulado a desenvolver a escrita de suas prprias partituras, utilizando o
meio que quiser. O compositor afirma que as primeiras tentativas podem beirar ao fracasso,
10 Os dedos so grandes inspiradores.
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mas a anlise de quais aspectos da msica foram omitidos nas mesmas, propicia o interesse
necessrio para que se introduza a notao convencional (1991, p.310).
George Self
SELF, msico-educador ingls, procurou alinhar a educao musical msica de
vanguarda e discorda do adestramento interpretativo proposto pelo ensino tradicional,
preferindo que os alunos vivenciem experincias musicais de carter aleatrio ou impreciso
(1967). Pelo fato de a notao tradicional no possibilitar a escrita de todos os elementos
trabalhados em suas propostas musicais, ele faz uso de um tipo alternativo de notao por ele
criado, uma grafia simplificada, que d margem improvisao sonora, por no ser regular,
como as estruturas mais comumente encontradas na msica tradicional (FONTERRADA,
2005,168) (Figura 21). No entanto, ele no estimula o aluno a criar suas prprias grafias.
FIGURA 21 Exemplo de notao criada por SELF (1967, p.41).
Hans-Joachim Koellreutter
Em 1937 chegou ao Brasil o compositor alemo KOELLREUTTER, um dos nomes mais
importantes da Educao Musical brasileira. [...] KOELLREUTTER trouxe idias frescas, que
refletiam a nova postura diante da arte contempornea, e abriu um campo voltado pesquisa e
experimentao (FONTERRADA, 2005, p.199).
Ao examinar o processo de aquisio da escrita musical a partir do pensamento da
criana, KOELLREUTTER afirmava que para as crianas, especialmente na etapa da educao
infantil, o espao sonoro global (silncio e som), aberto e tambm multidirecional (em todas
as direes e no apenas da esquerda para a direita) (apud BRITO, 2003, p.181). Respeitando
tal multidirecionalidade, propunha que a criana pudesse manusear os sons e sua escrita at
que, por meio da aprendizagem, viesse a assimilar a direcionalidade usual nos sistemas de
notao ocidental e, conseqentemente, na notao tradicional em msica. Segundo a msico-
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educadora TECA ALENCAR DE BRITO, sua discpula e seguidora de seus ensinamentos,
preciso que o educador instigue a criana em idade prescolar a desenhar o som e observe os
resultados a respeito de como as crianas registram os sons, como ocupam o espao do
papel, [...] de acordo com o que ouvem (BRITO, 2003, p.183). Somente a partir da
possvel que se estabelea uma situao de aprendizagem da lecto-escrita musical.
TRABALHOS DE PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM MUSICAL
Jeanne Bamberger
Seguindo o pensamento construtivista-piagetiano, BAMBERGER realizou pesquisas na
dcada de 1970 e apresentou resultados a respeito da notao de ritmos simples, realizada por
crianas de quatro a doze anos de idade, e por adultos sem conhecimento musical prvio, que
demonstram a existncia de fases conceituais que antecedem a escrita rtmica convencional
em msica. A partir de suas observaes, BAMBERGER sugeriu que, no que concerne ao
ensino, deveramos acentuar mais a pesquisa dos mtodos que encorajem as crianas a
projetar descries variadas e a passar de um modo de apreenso para outro, ou seja, de uma
fase conceitual a outra (BAMBERGER, 1989, p.97 124).
Marguerite Frey-Streiff
FREY-STREIFF, na dcada de 1970, apresentou resultados de pesquisa a respeito de
notao de melodias,11 realizada com crianas de 7 a 12 anos, sem formao musical escolar,
os quais lhe permitiram identificar seis tipos de notao, selecionados a partir do que foi
significativo para a criana. Pelas palavras da autora:
O resultado mais evidente dessa pesquisa , sem dvida, que a criana nem sequer parece conceber a unidade-som como elemento constitutivo da melodia. Na conceitualizao espontnea de um todo musical, a unidade-som parece no se impor de imediato, mas constituir o coroamento de uma elaborao completa. O som que, com suas propriedades, geralmente o ponto de partida do ensino musical, corresponde ento a um dado que no tem (ou pouco tem) significao para a criana [...] (FREY-STREIFF, 1989, p.167-168)
11 As melodias que FREY-STREIFF utilizou em sua pesquisa foram Au clair de la lune e Il tait une bergre, ambas do folclore francs.
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A pesquisa de FREY-STREIFF aponta para a necessidade de a iniciao lecto-escrita musical
dar-se por meio de canes significativas para as crianas e no pela escrita de notas isoladas do
contexto musical.
David Hargreaves
HARGREAVES, pesquisador ingls da segunda metade do sculo XX, em seu livro The
Developmental Psychology of Music, editado pela primeira vez na Inglaterra em 1986,
defende a idia segundo a qual a Educao Musical deve ser firmemente fundamentada na
Psicologia do Desenvolvimento. Para isto, apresenta as Teorias do Desenvolvimento que
respondem mais imediatamente s questes da Educao Musical e os resultados de pesquisas
realizadas por ele e outros pesquisadores segundo a viso dessas teorias. O desenvolvimento
cognitivo, afetivo e psicomotor que ocorre durante o processo de educao musical, segundo
ele, deve ser avaliado segundo os pressupostos das teorias psicolgicas, as quais tm papel
central na formulao e escolha, por parte do professor, do mtodo a ser utilizado. No que
concerne ao desenvolvimento da habilidade de lecto-escrita em Msica, so apresentados
resultados de pesquisas provenientes de diversos pesquisadores, realizadas com pr-escolares
e escolares que demonstram a existncia de fases conceituais antecedendo a compreenso da
notao convencional (HARGREAVES, 1986), como, por exemplo, BAMBERGER (1989) e FREY-
STREIFF (1989), de quem j se falou.
Violeta Hemsy de Gainza
Segundo GAINZA, a prtica musical deve preceder a habilidade para ler notas. Tem por
princpio que todo conceito deve ser precedido pela manipulao ativa dos sons por meio de
atividades que envolvam a explorao do ambiente sonoro e dos instrumentos tradicionais, a
inveno e construo de instrumentos, a criao e a improvisao, sendo que o momento
oportuno para introduzir a lecto-escrita quando a prpria criana pede. Nesse momento,
incentivada a criar sua prpria forma de grafia, a criana apresenta diferentes formas de
notao desenhos, garatujas, pontos, linhas que devem ser respeitadas pelo professor
como parte do processo de aprendizagem (GAINZA, 2002). possvel perceber que GAINZA
reconhece que a criana tem suas prprias idias a respeito de notao, embora no explicite
esse ponto de vista; no entanto, admite o criar da criana e aconselha que tal criao seja
respeitada.
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Howard Gardner
GARDNER, psiclogo norte-americano, em seu livro Estruturas da mente (1994),
defende que as capacidades intelectuais no se restringem ao pensamento lgico-matemtico
estudado por Piaget, sendo ampliadas pela existncia de mltiplas inteligncias, entre elas a
inteligncia musical. Em A criana pr-escolar (2001), GARDNER demonstra que, de modo
geral, o que tem sido aprendido no mbito escolar tem pouca aplicabilidade na vida prtica.
Segundo ele, este equvoco explicado ao se observar que o aluno em contexto no-escolar
busca suas solues de maneira intuitiva, como uma criana de cinco anos de idade, em razo
das falhas do sistema de ensino que em geral, avalia a prontido em respostas rpidas e no a
compreenso que o aluno realmente tem acerca dos temas ensinados. Segundo o autor, a
criana de cinco a sete anos de idade j tem suas crenas e sobre elas capaz de tomar
decises, por isso, a escola deveria partir destas crenas j existentes no pensamento infantil
para trazer os conhecimentos escolares de forma significativa. GARDNER apresenta dados de
pesquisas pelos quais se demonstra que a no ocorrncia de uma aprendizagem significativa
faz que alunos de diferentes faixas etrias, inclusive universitrios aos vinte anos, faam
escolhas baseados em crenas que se equiparam dos pr-escolares. Diante desta situao,
ele diz:
Acredito que a chave seja criar ambientes de aprendizagem [...] Os ambientes que podem fundir formas de conhecimento sensrio-motor e simblico s formas de conhecimento notacional, conceitual e epistmicas, valorizadas na escola, deveriam engendrar a compreenso. (2001, p.157)
ACADMICOS BRASILEIROS DEDICADOS ALFABETIZAO MUSICAL
Alm do corpo de autores j exposto, foram, tambm, examinados textos acadmicos
brasileiros dedicados questo da alfabetizao musical. Dentre os trabalhos disponveis aos
quais foi possvel o acesso, foram selecionadas duas dissertaes de mestrado que se
aproximam do estudo desta pesquisa, conforme descritos a seguir.
Gnese da notao musical na criana, de Pedro Paulo Salles
A dissertao de mestrado, defendida na Universidade de So Paulo (USP), Gnese da
notao musical na criana, de SALLES, apresenta resultados encontrados na anlise de
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partituras produzidas por crianas de 6 a 11 anos, coletadas entre 1978 e 1989, em duas
escolas particulares da cidade de So Paulo. Apoiando-se em Piaget, o pesquisador descreve
alguns dos processos quanto s relaes que a criana estabelece com os sons (1996, p.3),
apresenta as notaes das crianas, cria uma tipologia para elas e analisa tais notaes,
buscando compreender os processos que explicam essa gnese. Segundo o autor, as notaes
podem ser classificadas em trs tipos: notaes pictogrficas- signos descritivos (desenho
da fonte sonora); notao mista signos interpretativos ou simblicos (desenho de
imaginao); e, notao analgica signos snicos (notao plstica). Destaca-se que,
segundo SALLES:
Com relao introduo da notao tradicional, ela no implica em descartar as notaes criadas, ao contrrio, estas habitam de igual para igual com aquela universal. Alm disso, as etapas que antecedem o aparecimento da notao tradicional no devem ser consideradas como pr-requisitos ou facilitadoras a esta introduo [...] (1996, p. 238)
Pensar com sons: um estudo da notao musical como um sistema de representao, de Dulcimarta Lemos Lino
LINO, em sua dissertao de mestrado defendida na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRS), a partir de reviso bibliogrfica, apresenta a seguinte comparao
entre alguns trabalhos apresentados por pesquisadores da gnese do pensamento referente
escrita sonoro-musical:
[...] estes autores12 deixaram evidentes trs aspectos comuns nas suas classificaes. Inicialmente seus sujeitos destacaram uma indiferenciao generalizada e totalizante da msica, escrevendo smbolos que representam globalmente a ao musical. Em seguida, estes sujeitos selecionaram uma(s) propriedade(s) ou elemento(s) musical para representar graficamente. E, finalmente, esboaram simbolicamente a organizao estrutural da msica. (1998, p.30)
LINO apresentou, alm, da reviso bibliogrfica, os dados de sua prpria pesquisa de campo, a
qual constou da anlise de partituras elaboradas por 11 crianas de 6 a 8 anos de idade, alunos da 1.
srie do Primeiro Grau de uma escola municipal da periferia de Porto Alegre, coletadas no incio, no
meio e ao trmino do ano letivo e que teve como base trabalhos da psicloga Emilia Ferreiro, de quem
se falar adiante, entre outros (1998, Cp. 3). Por meio de sua anlise, LINO classificou as partituras em