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MELANA CHASMATA
AURORA POEMAS: LIVRO I
Aleksandr Koshmarovitch
04/05/2015
2010
DESFILE DAS SOMBRAS
"Tive um sonho que em tudo não foi sonho!"
(LORD BYRON)
Numa noite macabra e sombria,
Enquanto eu, solitário, dormia,
Comecei a alucinar...
Sonhei que, em meu quarto entrando,
Misteriosas sombras pairando
Queriam me atormentar!
De olhos vermelhos e, como a noite, escuras,
Eram sete misteriosas figuras...
E puseram-se a falar.
Apesar de eu estar assustado,
Ao mesmo tempo fiquei admirado...
E resolvi as escutar!
1ª sombra: Infância
Tu foste outrora criança vivaz,
Correndo pelos verdes campos, fugaz.
“De pés descalços e braços nus,
“Tu perseguias as borboletas azuis”.
Agora um poeta de coração gelado,
Na fria cova do olvido me hás enterrado.
Mas de teu passado não podes correr,
Pois ele sempre volta pra lhe constranger!
Lembranças felizes lhe saem da memória:
Nunca mais as teria durante sua história.
De tua infância não podes tu se constranger
Pois, por mais que tente, não pode se esconder!
2ª sombra: Emily
Achava que ia se livrar de mim?
Não serei tão fácil de esquecer assim.
Sou o espectro de teu primeiro amor
Que volta pra encher-lhe o peito de dor!
Brincávamos felizes nas colinas;
Dizias-me que era uma entre muitas meninas.
Cobrias-me o rosto de beijos juvenis
E voltávamos aos nossos jogos infantis.
Apesar de hoje em dia esquecer-se de mim,
Não serei fácil de enterrar assim.
Nas horas obscuras, em grande frenesi,
Teu coração continua a clamar: “Emily!”.
3ª sombra: Katryn
Nas horas em que se lamenta tristemente,
Minha consoladora imagem vem-lhe à mente.
Valendo-se de seu já roto bandolim,
Improvisa doces cantigas pra mim.
Nos dias de extrema adversidade,
Meu espectro mitiga-lhe a insanidade.
Mas ainda lamentas por não poder
Meu corpo físico ao teu lado ter.
Uma das poucas pessoas que se compadece
De tua triste situação, é o que parece,
Amigo, não rezas, mas reza por mi,
Pois saiba que, distante, eu rezo por ti!
4ª sombra: Camila
Um dos teus delírios mais frequentes,
Destruo, perturbo e enfado sua mente.
Sou um câncer que rói-lhe de dentro pra fora,
Segundo você – mas ouvi-me agora!
Amas-me, mas não consegues mo dizer,
Pois, de medo, tua língua vive a se prender.
Durante a noite, em prantos se debulha
E em medonhos pesadelos então mergulha.
Mocinho, este amor ‘inda irá lhe matar
Se desta tua mente você não cuidar.
Mas mesmo assim lhe dou felicidade
Com nossa atribulada, mas grande amizade!
5ª sombra: Paranoia
Se sentes calafrios quando à noite caminha
Ou vê olhos vermelhos no escuro – adivinha
De quem é a culpa: é minha! A tua companheira –
Eu, a Paranoia, que lhe observa faceira!
Quando tu caminhas, ávida te persigo;
Tu corres, mas segui-lo ainda consigo.
Encurralado e com medo, não tem como escapar
Dos meus olhos e garras sempre a te observar!
De minha tutela jamais terá saída;
Nunca – jamais – poderei ser vencida.
Meus olhos e garras sempre irão te ver,
Independente de onde irá se esconder!
6ª sombra: Ódio
A mais ‘stranha sombra que lhe atenta,
Sou eu, o Ódio que lhe alimenta.
A personificação de toda tua dor,
Angústia, ansiedade, transtornos e rancor!
Graças a mim trazes o coração
Frio e repleto de avançada podridão.
Sou teus familiares que nunca lhe amaram
E teus três amores que lhe rejeitaram!
Sois apenas uma engrenagem inútil
Neste mundo horroroso, macabro e fútil.
Se desta corrente quiser escapar,
Faça o melhor – vá logo se matar!
A sétima sombra então se empertigou;
O grupo das seis numa nuvem se desintegrou.
O ambiente ficou gelado!
Seu rosto era como uma caveira
Portando desgrenhada cabeleira –
Fiquei ainda mais espantado!
Eu:
Quem és, espectro frio
Que vens para me assombrar?
Não me lembro de tê-lo visto
Em qualquer outro lugar.
De que canto negro do meu crânio
Você se originou?
De qual empoeirada lápide
Você se levantou?
A sombra:
Sou a triste sorte que lhe espera.
Sou tua morte! Esta cruel megera
Que ao frio túmulo irá te levar.
Antes mesmo de ter algum poema lido;
Sem nem ao menos ser reconhecido –
Sem ninguém para lhe chorar!
MÓRBIDA CONFISSÃO
"É formosa, meu Deus! Desde que a vi
Na minh’alma suspira a sombra dela...
E sinto que podia nesta vida
Num seu lânguido olhar morrer por ela."
(ÁLVARES DE AZEVEDO)
Já não posso esconder
Que só posso sofrer
E só quero morrer
Sem você para amar!
Te amo, te quero,
Desejo, esmero,
E um dia espero
Teus lábios beijar!
És uma criança
Tão doce, tão mansa,
Cheia de esperança
Nos olhos gentis!
Se pudesse amar-te,
Teu corpo abraçar-te,
Tuas faces beijar-te,
Seria feliz!
Se nas ruas caminho,
Tristonho e sozinho,
Vejo teu rostinho
Na Lua, sorrindo!
E olhando as estrelas
Brilhantes e belas –
Eu posso ver nelas
Teus olhos luzindo!
O meu coração
Cheio de depressão
Mesmo co’a podridão
Ainda sabe amar...
O quão grande era a dor
De esconder meu amor –
E em meu peito o clamor
De quem quer se matar!
Nos vejo em meus sonhos
Brincando risonhos.
Florzinhas lhe ponho
Nas madeixas belas.
Na grama deitamos,
As nuvens olhamos
E então nos beijamos,
Ó doce donzela!
Mas são sonhos somente...
E minh’alma doente
Tão podre e carente
Só pode chorar.
Sem você ao meu lado
E por ninguém amado,
Só sofro calado...
Mas quero gritar!
Gritar que te adoro,
Que morro, descoro,
E do que lhe choro
Não me envergonho!
Se tivesse a alegria
De tua companhia,
Eu juro que iria
Ser menos tristonho!
Te amo, te quero,
Desejo, esmero,
E um dia espero
Lhe ver junto a mim...
Enquanto este dia
Não chega, a agonia
Me dá euforia...
Querida Katryn!
À MORTE DE UM ANJO
"Não chorem... Que não morreu!
Era um anjinho do Céu
Que outro anjinho chamou!
Era uma luz peregrina,
Era uma estrela divina
Que ao firmamento voou!"
(ÁLVARES DE AZEVEDO)
I
Amor! Uma última vez
Teus lábios eu quero beijar!
Sentir deles o calor
Que por ti fez me apaixonar!
Agora teus lábios eu vejo
Frios e sem qualquer cor...
O cruel Anjo da Morte
Roubou-te de mim, ó amor!
II
Amor! Uma última vez
Quero ter (só uma vez!) um lampejo
De teus olhos castanhos brilhantes
Que sempre quis eu com desejo.
Será que eu poderia
Dar-lhe milhões de abraços
E encarar os teus olhos
Apesar de estarem baços?
III
Amor! Uma última vez
Teu perfume eu quero sentir!
O cheiro tão afrodisíaco
Que, quando triste, me fazia sorrir!
Mas hoje o que emana de ti
É um mórbido e podre odor...
Oh, Deus! O que será de mim
Sem você ao meu lado, amor?
IV
Amor! Uma última vez
Tuas faces eu quero acariciar!
O rosto tão fresco e róseo,
Outrora tão bom de afagar!
...Vejo teu rosto pálido e frio,
E sendo beijado somente
Pelos vermes que roem tua carne
Sempre tão incessantemente.
V
Morte! Uma última vez
Meu amor quero poder rever!
Não vês como meu coração
Começa a apodrecer?
Não tendo minh’alma a meu lado,
Com minha vida quero acabar...
Valho-me do frio punhal,
Querendo ao mundo falar:
VI
Mundo! Uma última vez
Despeço-me de suas vaidades!
De que vale a vida a mim
Se ela é cheia de adversidades?
Ponho um ponto final à minha história;
Nada mais quero declarar.
A única coisa que quero
É de novo meu anjo beijar...
DOCE ESPERANÇA
Quando o meu coração se agoniza,
Transbordando de pânico fremente,
Imagino sua pessoa ao meu lado
E trazes então alívio à minha mente!
Quem não iria se animar
Com teus olhos negros e brilhantes
Refulgindo com o calor e a beleza
De mais de um milhão de diamantes?
E se alguém não conseguisse sonhar
Com o pedaço de céu noturno
De teus cabelos, tal ser abjeto
Seria esmagado por seu coração soturno.
Ah, minha amada, meu peito se aquece
Quando vejo um sorriso nos lábios teus.
Que sorte eu tenho em ter você,
Que dedique seus beijos aos lábios meus!
Ah, doce esperança, mas sei que um dia
Ficaremos velhos e então morreremos.
Mas o poder de nosso amor
Fará com que no Céu acordemos!
CONSIDERAÇÕES SOBRE A POESIA
"O verso é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.
A estrofe é a púrpura extrema,
Último trono — é o poema!
Último asilo — a Canção!"
(CASTRO ALVES)
Um dia, enquanto eu caminhava,
Uma estranha coisa aconteceu.
Parecia ter saído de um poema
Que o Sr. Castro Alves escreveu.
Um velho bardo mendicante,
Já todo roto e quebrado,
Por uma rósea adolescente
Estava sendo interpelado.
Disse ela: “Por que, pobre velho,
Não aproveitas teus últimos dias
Descansando ao invés de enfadar
O crânio com poesias?
“Veja este céu tão lindo!
Ouça as aves a piar!
Por que da tua mendicância
Não faz algo para escapar?
“Não que teus versos não sejam belos:
Por muitas vezes os ouvi.
Mas não gostarias de ter
Uma casa só para si?”
O velho então se ergueu.
Suas faces macilentas
Ganharam um pouco de cor;
E bateu nas vestes poeirentas.
Disse: “Não preciso de nenhum descanso,
Pois já aproveito meus dias
No lendário campo verdejante
De nome Poesia.
“Neste campo não sou velho mendigo,
Mas príncipe por todos adorado,
Servido por pálidas damas
Em rico trono dourado.
“Do que adianta ser rico
Quando não se tem a poesia?
Nenhuma riqueza me vale
Se não vem com o dom da fantasia!
“Com ele tenho a mulher que quero,
E viajo para terras distantes.
Isto me ajuda a escapar
De minha pobreza gritante.
“E daí se sou um mendigo
E não tenho aonde viver?
Toda a dor se mitiga
Quando tem-se o prazer de escrever!”
Ouvi muito atento e pasmo
Toda aquela conversação.
Concordei com o alquebrado bardo;
Ele tinha toda a razão.
Não importa se ‘stou solitário
Ou se acabei de sofrer rejeição.
Poderei sempre me consolar
Se eu tiver uma caneta na mão!
AGOURO
"Torce-te aí na sepultura fria
Onde passa rugindo o furacão –
Seja-te o orvalho das manhãs negado,
Soe em teu leito a voz da maldição!"
(FAGUNDES VARELA)
Que o cancro maligno roa-lhe a alma –
O verme corroa sua carne impura –
E que seja forçada a sempre penar
No fundo da terra escura!
Por toda a sua vida nunca me amou,
Enquanto eu ansiava e queria você.
Acho que foi bom p’ra minha sanidade
O fato de você morrer!
Tomara que este teu peito estourado
E o roubo que fiz do teu coração
Ensinem-lhe a nunca mais brincar
Com o sentimento alheio; oh, não!
CANTIGA DE NINAR
"Dorme: ele te nina."
(MANUEL BANDEIRA)
Vem, ó amiga, ó venha!
Venha dormir no colo meu.
Pois só tu és minha amiga
E eu sempre serei só teu.
Cerra teus olhos cansados —
Descansa a cabeça pesada.
No doce mundo dos sonhos,
Não tem com o que estar preocupada!
Ah! Como teus cachos são lindos!
E como parece serena!
Nem parece ter passado
Por uma ardente Geena!
Ao estar dormindo tu voltas
A ser uma doce criança
Que nunca passou por tormentos —
Que nunca perdeu a esperança!
Esqueça os problemas, amiga...
Serei o teu Lamartine
Cantando doces melodias
A tu; a minha Jocelyn.
Pois muito você já chorou:
Agora eu te dou consolo.
Lave todos os teus prantos —
Oh! Venha dormir em meu colo!
Um sorriso nos lábios perspassa;
Tiveste uma boa lembrança?
Ah! Como teu sono é suave!
Minha pálida e amada criança!
Como é delicioso beijar-te
E afagar-te os cabelos.
Tomara que isto lhe ajude
A ter os sonhos mais belos.
Ah, minha adorada amante,
Fiquemos assim ao léu...
Se assim é a vida com você,
Não tenho porque almejar o Céu.
O CRUCIFIXO (A C.M.)
Como quisera eu ser o crucifixo
Que deste teu pescoço dependura —
Pois quando o despe tu o beijas
Com a mais terna e infantil candura!
Como tu pareces uma santa
Nesta tua meiga devoção!
Ah! Como é doce tua crença!
E tão putrefato é meu coração!
Podre por eu ser um rejeitado —
E vazio, por eu ser um ateu.
Mas você mantém a alma pura
De criança que nunca sofreu!
Como eu queria ter a sorte!
Mais digna de tu a cruz é.
É o doce símbolo de tua
Dócil e pueril fé!
Ouvirias o apelo
De um pobre moribundo?
Poderia me ouvir
Por um único segundo?
No meu momento de morte,
Estenda sobre o meu caixão
Teu adorado crucifixo
E faça-me uma oração.
Me dê finalmente a luz
Que sempre procurei
E que sempre quis que viesse
Da dama que amei!
Mas, oh, por favor! Oh, não chore!
Estarei junto de teu Deus.
Pois a força de teu crucifixo
Pode salvar todos os ateus!