aula 18 o regime de acumulação sob a dominância financeira e a nova ordem (economia brasileira)

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O Brasil sob a Nova Ordem A economia brasileira contemporânea Uma análise dos governos Collor a Lula Rosa Maria Marques e Mariana Ribeiro Jansen Ferreira Organizadoras 1ª Edição | 2010 |

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O Brasil sob a Nova Ordem

A economia brasileira contemporânea – Uma análise dos governos Collor a Lula

Rosa Maria Marques e Mariana Ribeiro Jansen Ferreira

Organizadoras

1ª Edição | 2010 |

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Capítulo 1 O Regime de Acumulação sob a

Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

Rosa Maria Marques

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Capítulo 1

O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

Introdução As diferentes contribuições presentes neste livro têm como ponto de partida a compreensão de que o capitalismo das últimas décadas foi dominado pela face mais perversa do capital financeiro (capital portador de juros), isto é, pelo capital fictício. Essa nova realidade se impôs soberana e modificou o quadro econômico, social e político de praticamente todos os países. E o Brasil não ficou imune às forças que determinaram e movimentaram o novo mundo que se descortinou com a instalação dessa dominância.

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Capítulo 1

O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

1. O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira Nos anos 1980, quando os Estados Unidos e Inglaterra capitanearam a desregulamentação monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados financeiros nacionais e a desintermediação bancária, os defensores do livre mercado entenderam que finalmente, depois de décadas, a economia teria liberdade para desenvolver todo seu potencial. Dessa forma, depois de 30 anos, o capital portador de juros retornou soberano e se colocou no centro das relações sociais e econômicas do mundo contemporâneo.

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Capítulo 1

O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

Vários foram os fatores que determinaram a retomada do poder do capital financeiro. Entre eles se destaca a decisão dos Estados Unidos e da Grã Bretanha de implementar a liberação do movimento dos capitais e a desregulamentação de seus sistemas financeiros, e de medidas que promovessem a centralização dos fundos líquidos, de empresas e das famílias. A esses fatores “institucionais” somou-se o fato de, no início da crise (evidente para todos a partir de meados dos anos 1970), as empresas norte-americanas localizadas no exterior terem colocado seus lucros não reinvestidos na City de Londres, dando início ao surgimento dos eurodólares.

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O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

A essa imensa disponibilidade de capital, adicionou-se a oriunda do petróleo, os petrodólares, base dos empréstimos realizados para os países do então chamado Terceiro Mundo e, portanto, da dívida externa brasileira. O retorno do capital portador de juros foi acompanhado pela construção de uma nova relação entre os diferentes componentes do capital (portador de juros, industrial e comercial) e por uma nova correlação de forças entre o capital e o trabalho, desfavorável a este último. Apesar das medidas assumidas por diferentes governos, a crise não se restringe ao sistema financeiro e começa a tocar a produção e o consumo, configurando-se em uma crise de superprodução.

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O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

2. A Nova Ordem no Brasil: de Collor a Lula A adoção do pensamento neoliberal na determinação da política econômica brasileira pode ser claramente situada no início do governo Fernando Collor de Mello. Ao mesmo tempo, no período chamado de desenvolvimentista (ditadura militar), o Estado definia a política salarial e regulamentava os preços de produtos considerados essenciais. Dessa forma, o período democrático antes da ascensão de Collor à presidência da República, ou seja, do governo José Sarney, pode ser visto como uma transição entre o passado desenvolvimentista e a política econômica fundada no neoliberalismo.

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O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

Embora o resto do mundo estivesse firmemente questionando a presença do Estado na economia, na determinação das políticas sociais e salariais e nos serviços de transporte, entre outros, a hegemonia política necessária para realizar as chamadas “reformas” no País não tinha ainda sido formada, em razão de dois fatores fundamentais. De um lado, a democratização recente, plena de mobilizações de diferentes setores da sociedade, especialmente dos trabalhadores, estava voltada para a obtenção de salários, condições melhores de trabalho e novos direitos sociais.

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Capítulo 1

O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

Por outro, a não resolução da dívida externa e da inflação crônica e ascendente paralisava o Estado brasileiro, de modo que ele não podia adotar qualquer política perene. No primeiro pleito direto depois de finda a ditadura militar, Collor foi eleito à presidência da República, derrotando o candidato do Partido dos Trabalhadores Luiz Inácio Lula da Silva, e, assim que empossado, lançou um plano ambicioso de combate à inflação, com o início da abertura comercial e das privatizações. Mas foi somente durante o governo Fernando Henrique Cardoso que, de fato, a política econômica foi totalmente subordinada ao pensamento neoliberal, aos interesses dos credores (internacionais e nacionais) e ao capital financeiro em geral.

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O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

No plano da inflação, é preciso lembrar que o Plano Real, que resultou na retomada da estabilidade da moeda, foi realizado na gestão de Itamar Franco, vice de Collor que assumiu a presidência quando de seu afastamento, mas sob a pasta de Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda. Durante o governo Lula, não foi abandonada a política econômica realizada por FHC – muito pelo contrário, pode-se dizer que ela foi aprofundada. As mudanças ocorridas no sistema financeiro começaram em 1988, quando o Banco Central (Bacen) permitiu que as instituições, que antes funcionavam com apenas uma carteira, se transformassem em bancos múltiplos.

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Capítulo 1

O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

Segundo o estudo realizado por Cássia Bömer Galvão no Capítulo 7, no período de 1994 a 2007 ocorreram 4.715 fusões e aquisições no País, das quais 56,63% tiveram participação de capital estrangeiro Em relação ao mercado de trabalho, estruturalmente precário e concentrador, e com um nível baixo de salário médio praticado, todos os governos tentaram, a partir de 1990, de todas as formas, torná-lo ainda mais flexibilizado e barato. Assim, mesmo que as leis trabalhistas da época de Getúlio Vargas ainda não tenham sido eliminadas, começou-se a praticar o contrato de trabalho por tempo parcial, introduziu-se um sistema de remuneração variável, e foi flexibilizada a jornada de trabalho mediante a criação do banco de horas.

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O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

3. O Governo Lula e sua Base de Apoio Em 1980, quando foi criado o Partido dos Trabalhadores no Colégio Sion, em São Paulo, o elemento dinâmico do movimento era constituído pelos trabalhadores organizados em torno de seus sindicatos. Do ponto de vista de classe, o governo Lula é um governo burguês que tem em sua direção tanto antigos líderes sindicais e intelectuais vinculados ao PT como os mais convictos neoliberais. Os neoliberais presentes no governo, capitaneando a área econômica, definem a relação com os credores em geral e com o FMI, bem como todos os aspectos da política econômica a ser seguida, subsumindo as demais áreas de atuação do governo aos seus objetivos.

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O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

Em sua reeleição, Lula recebeu 58,3 milhões de votos (60,8% dos votos válidos), apesar de denúncias de corrupção de membros de sua equipe terem marcado todo o período de sua primeira gestão, e isso ter sido basicamente o teor do discurso de seus opositores durante suas campanhas. O governo Lula deu início a um tempo de um “um novo populismo”, a cujos desdobramentos ainda estamos assistindo. Isso porque esse governo necessita, para se manter no poder, além de cumprir a agenda que ficou pendente ao final da gestão FHC, construir uma base de sustentação política confiável (e, por isso, sólida), o que somente pode ser feito a partir da população mais pobre e com menos experiência organizativa.

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3.1 O novo populismo O populismo no Brasil nasceu com Getúlio Vargas e foi caracterizado, entre outros aspectos, pela capacidade de o Estado conter e manipular o movimento de massas organizado. Na época de Getúlio, o populismo se fundava nas massas organizadas e contra suas direções tradicionais, fazendo dos sindicatos agentes de sustentação de seu projeto nacional. Já o “novo populismo” não só não pode se apoiar no movimento organizado, salvo se ele estiver sob seu controle, como está a serviço dos interesses do capital internacional, em especial do financeiro.

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Capítulo 1

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A utilização política dos trabalhadores organizados em seus sindicatos, associações e/ou movimentos apresenta limites extremamente estreitos, dados pela própria contradição entre o cumprimento da agenda, e a necessidade de uma condução que priorize recompor os serviços públicos sucateados e a aplicação de uma política salarial adequada, entre outros aspectos. Qualquer mobilização mais firme por parte dos trabalhadores organizados constitui uma ameaça ao governo. Já a nova base de apoio, formada principalmente pelos beneficiários do Bolsa Família, diluída em todo o País e tendo em comum somente sua baixa renda, não constitui uma ameaça.

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Capítulo 1

O Regime de Acumulação sob a Dominância Financeira e a Nova Ordem no Brasil

O desenho de uma nova base de apoio do governo Lula – a partir do desenvolvimento de programas de transferência de renda – completa-se, no âmbito maior da proteção social, com a destruição daquilo que se avançou na Constituição de 1988. Em nome da estabilidade, do crescimento e do cumprimento dos “contratos” com os credores internacionais e nacionais, abandona-se a idéia de universalização das políticas sociais, adotando-se as antigas formas assistencialistas para os pobres e deixando para os demais (embora não ricos), como única alternativa, o mercado.