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Laboratório didático de Física Profa. Eliane Angela Veit Prof. Ives Solano Araujo Aula 1: Demonstrações e atividades experimentais tradicionais e inovadoras Nesta aula trataremos de demonstrações e atividades experimentais tradicionais e inovadoras. Vamos começar a aula retomando questões que discutimos ao longo da disciplina de Modelos científicos e fenômenos físicos, e, especialmente, na última aula daquela disciplina. Recapitulando: As aulas “teóricas” tradicionais de Física É muitíssimo frequente que as aulas de Física se reduzam à discussão do quadrado central desta figura. Os alunos são levados a trabalhar com grandezas físicas, conceitos, princípios, equações,..., substituem valores nessas equações, fazem cálculos e “pumba”! Obtém um número, a chamada resposta do problema, que se conferir com a resposta dada no livro ou dita pelo professor, está certa, e podem passar para o próximo problema. Muitas vezes não conseguem atribuir significado algum àquilo que acabaram de calcular e os exercícios só servem para alimentar seu horror à Física. De certo modo, as aulas de Física se passam como se estivesse sendo contada uma estória sem começo e sem fim. Como auxiliar os alunos a pensar sobre Física com uma estória pela metade? Trabalhar apenas com o mundo idealizado, representado por este quadrado central, corresponde a deixar de contar o início e o fim da estória. 1/9

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Laboratório didático de Física Profa. Eliane Angela Veit

Prof. Ives Solano Araujo

Aula 1: Demonstrações e atividades experimentais tradicionais e inovadoras

Nesta aula trataremos de demonstrações e atividades experimentais tradicionais e inovadoras. Vamos começar a aula retomando questões que discutimos ao longo da disciplina de Modelos científicos e fenômenos físicos, e, especialmente, na última aula daquela disciplina.

Recapitulando: As aulas “teóricas” tradicionais de Física

É muitíssimo frequente que as aulas de Física se reduzam à discussão do quadrado central desta figura. Os alunos são levados a trabalhar com grandezas físicas, conceitos, princípios, equações,..., substituem valores nessas equações, fazem cálculos e “pumba”! Obtém um número, a chamada resposta do problema, que se conferir com a resposta dada no livro ou dita pelo professor, está certa, e podem passar para o próximo

problema. Muitas vezes não conseguem atribuir significado algum àquilo que acabaram de calcular e os exercícios só servem para alimentar seu horror à Física.

De certo modo, as aulas de Física se passam como se estivesse sendo contada uma estória sem começo e sem fim. Como auxiliar os alunos a pensar sobre Física com uma estória pela metade? Trabalhar apenas com o mundo idealizado, representado por este quadrado central, corresponde a deixar de contar o início e o fim da estória.

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Três são as questões que nos afligem com esse modo de trabalhar:

- qual o interesse dos alunos sobre a questão em estudo (se é que eles conseguem entendê-la)?

- qual a relação com o mundo real do sistema ou evento físico idealizado? (O que se está tentando discutir sobre o mundo físico?)

- qual o significado da resposta obtida? (Ela é sempre válida? Como se poderia melhorá-la?)

Recapitulando: Tripé de sustentação da Física

Lembremos que o tripé de sustentação da Física é a teoria, a experimentação e a simulação computacional.

Na disciplina de Modelos científicos e fenômenos físicos demos bastante ênfase aos modelos, sobre os quais dizíamos que estabelecem uma ponte entre o mundo real, que é complexo e holístico, e o mundo idealizado com o qual os físicos, ou os professores de Física, costumam trabalhar e demos atenção à conexão teoria-simulação computacional. Na presente disciplina,

vamos focar nossa atenção na experimentação e sua relação com a teoria e a simulação computacional.

Recapitulando: Distinção entre o mundo real e o ideal

Ora, a experimentação é feita no mundo real, portanto, mais do que nunca é preciso distinguir o mundo real, com toda a sua riqueza e complexidade, do mundo ideal, sobre o qual é feita a teorização, à luz de teorias gerais, por exemplo, a Mecânica clássica, que quando aplicada a um problema específico gera equações específicas, por exemplo, a posição, velocidade e aceleração de um corpo que desliza sobre um plano inclinado.

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Aulas experimentais

Voltemo-nos, então, especificamente para o Laboratório didático de Física. Não sabemos ainda o que vocês pensam sobre o laboratório e qual o uso que dele fazem, pois ainda não analisamos as respostas de vocês ao questionário. Vamos então nos basear não na vivência e realidade de vocês, por enquanto, mas no que diz a literatura a respeito do uso do laboratório.

Precisamos deixar claro que quando nos referimos a atividades experimentais,

queremos nos referir àquelas realizadas pelos alunos, em pequenos grupos, usualmente com um roteiro de laboratório. Já as experiências realizadas pelo professor ou por um único grupo de alunos para toda a turma denominamos de demonstrações experimentais.

As sínteses que aparecem nas próximas lâminas constam de recente artigo que enviamos para publicação, o Ives eu e o Prof. Pedro Dorneles, que atualmente é professor da UNIPAMPA, em Bagé. Nós nos baseamos nos trabalhos que consideramos mais marcantes na discussão de atividades experimentais e que constam nas referências finais dessa apresentação.

Aulas experimentais: Fatores positivos

Dentre os fatores considerados positivos, a literatura aponta:

O aprendizado de técnicas de laboratório, através da manipulação de objetos reais, de instrumentos de medida e da realização de medidas experimentais;

A possibilidade de conexão entre o que ocorre fisicamente nos experimentos e os conceitos físicos apresentados nas aulas teóricas, levando a um aprofundamento da aprendizagem;

E, ainda, que o laboratório propiciaria o desenvolvimento de atitudes científicas, como a objetividade e rigor, além da geração de hipóteses, a serem testadas com os experimentos.

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Aulas experimentais: Fatores negativos

No entanto, nas aulas tradicionais de laboratório, e por aulas tradicionais queremos dizer aquelas em que os alunos recebem roteiros de laboratório fortemente dirigidos ao estilo “receita de bolo”, que priorizam a coleta e análise de dados, o que se observa normalmente é que os alunos:

são induzidos com frequência a uma visão empirista-indutivista da metodologia científica, como se a finalidade da

experiência fosse provar as leis apresentadas nas aulas teóricas;

consomem muito tempo nas operações de montagem de equipamentos, coleta de dados e cálculos para obter respostas esperadas, ao ponto de desmotivá-los;

e com frequência percebem as aulas práticas como eventos isolados, em que o objetivo é chegar à “resposta certa”, pois, na maior parte das vezes, não estão efetivamente relacionadas com os conceitos físicos.

Aulas experimentais: Como inovar no laboratório?

A questão que se coloca, então, é: como inovar no laboratório? Como fazer com que o laboratório efetivamente auxilie o aluno a ter uma melhor compreensão da Física?

A resposta a essa pergunta será construída colaborativamente por vocês, com a nossa ajuda e a dos tutores, e amparada nas ideias existentes na literatura. A resposta começará a ser construída ainda hoje, na medida em que vocês pensarem no que estamos lhes falando e refletirem sobre a prática de vocês, continuará a ser elaborada na medida em que vocês lerem o texto que recomendamos na tarefa para a semana e discutirem no fórum. E continuará ao longo das várias semanas dessa disciplina e da correspondente prática pedagógica.

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Demonstrações experimentais: Não basta ver!

Passemos então a discutir o que a literatura nos diz sobre as demonstrações experimentais.

Durante muito tempo se acreditou, e muitos professores ainda acreditam, que basta o aluno ver uma demonstração experimental para aceitar a visão científica da realidade. Na prática, entretanto, pesquisas na área do ensino nos mostram algo bem diferente. Como já lhes mencionei na última aula da disciplina de Modelos científicos, as pesquisas têm demonstrado que a visualização tem pouco efeito sobre a aprendizagem, ainda que possa ter muito efeito sobre a motivação. Vamos retomar alguns exemplos que lhes apresentamos na última aula de Modelos científicos e fenômenos físicos.

O primeiro exemplo se refere a uma pesquisa realizada na Alemanha, por Schlichting, em em 1991. Esse pesquisador antecipou para a turma que ao fechar a chave interruptora do circuito elétrico mostrado nesta figura, o fio fino incandesceria. Ele perguntou, então, à turma que parte do fio começaria a incandescer primeiro quando a chave interruptora fosse fechada. Os alunos fizeram essencialmente três diferentes predições: um terço da turma disse que primeiro o fio queimaria na esquerda (ou

direita) dependendo da suposição feita sobre o sentido da corrente elétrica e considerando que incandesceria o lado pelo qual a corrente “entra no fio”; um terço da turma sugeriu que fosse no meio, já que haveria dois tipos de corrente – uma que entra pela esquerda e outra pela direita – e esses dois tipos se encontrariam no meio do fio, segundo os alunos, e um terço da turma sugeriu que se incandesceria simultaneamente em todos os lugares Essa é a visão correta do fenômeno. Depois das predições terem sido feitas, a experiência foi realizada e praticamente todos os alunos disseram que viram o que esperavam ver, ou seja, o que tinham predito que veriam. Então, a demonstração apenas reforçou as concepções prévias dos alunos, e não serviu como demonstração da visão científica.

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Demonstrações experimentais: Interação é fundamental

O segundo exemplo se refere a várias pesquisas realizadas nos Estados Unidos, desde a década de 80, sobre a aprendizagem de gráficos da cinemática. Em um primeiro momento poderia se pensar que a visualização simultânea da imagem de um corpo em movimento e do correspondente gráfico de posição contra o tempo deveria levar os alunos a compreenderem melhor os gráficos da cinemática. No entanto resultados dessas pesquisas mostraram que o efeito sobre a aprendizagem não era estatisticamente significativo quando se comparavam duas turmas de alunos, uma turma experimental, que via a justaposição das duas imagens, e uma turma de controle, em que esse recurso não era usado. Já quando os alunos dispunham de um instrumento eletrônico, que detectava a sua posição com uma espécie de sonar e, instantaneamente, mostrava no visor o gráfico posição contra tempo sendo construído à medida que os alunos se moviam na sala, ou seja, quando os alunos dispunham do feedback sinestésico, havia sim ganho na aprendizagem. Conclui-se, então, desse tipo de pesquisa que é necessário o engajamento do aluno.

Demonstrações experimentais: Uma alternativa: P. O. D.

O terceiro exemplo que queremos nos reportar, diz respeito a um interessante artigo de Mazur, um físico da Universidade de Harvard, com quem o Prof. Ives está trabalhando presentemente. O artigo se intitula: Demonstrações: instrumentos de aprendizagem ou de entretenimento? O experimento envolveu 4 grupos de alunos. O grupo A foi constituído por estudantes que não viram demonstração experimental alguma; o grupo B, por estudantes que só

viram a demonstração experimental, mas não foram questionados a respeito dela, o grupo C por estudantes que foram primeiro questionados sobre o que veriam e o que imaginavam que aconteceria e, posteriormente viram a demonstração experimental, e finalmente um quarto grupo que primeiramente predizia, depois observava e finalmente discutia. Ou seja, o quarto grupo usava o que os autores denominam de método predizer, observar e discutir.

O resultado da pesquisa é marcante:

não houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo que apenas via a demonstração e o grupo que não via demonstração alguma. As diferenças começaram a aparecer

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quando primeiramente o grupo era questionado sobre o que veria e, especialmente, quando o grupo era quesitonado, via a demonstração e posteriormente era instigado a discutir. Ou seja, duas lições se podem aprender desses resultados:

- é preciso engajamento cognitivo

- o método predizer, observar e discutir pode ser uma boa alternativa para as aulas demonstrativas.

Comentários finais:

Explorando conceitualmente a realidade

Tradicionalmente o laboratório didático esteve associado à ideia que é importante medir, obter valores numéricos e compará-los com valores preditos por alguma teoria.

Uma visão mais atual sugere que o laboratório pode ser muito útil para discussões conceituais qualitativas sobre o fenômeno em estudo. Em vez da ênfase em valores numéricos e erros percentuais, a

ênfase pode ser na avaliação qualitativa, na discussão do perfil das curvas obtidas.

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O computador como instrumento de medida

Até agora nesse curso de EAD o computador foi visto como um instrumento que permite disseminar informações, facilita a comunicação e o trabalho colaborativo, que permite calcular e simular fenômenos físicos. Nessa disciplina, e já a partir da próxima aula, ele será visto como um instrumento de medida. Através dele dados serão coletados e analisados.

Há necessidade de aprimorar a elaboração de roteiros de laboratório

Estamos pensando em inovação nas atividades de laboratório e isso requererá que se aprimore a elaboração de roteiros para os alunos. Esse é um dos tópicos que trataremos em aulas futuras. Encerramos essa aula desejando-lhes uma boa semana!

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