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Estado do Mundo 2004

ATRÁS DOS BASTIDORES: COMPUTADORES

C A P Í T U L O 3

Incrementando aProdutividade Hídrica

Sandra Postel e Amy Vickers

Na xícara do café desta manhã e no goledo chá da tarde residem moléculas de águaque circularam pela atmosfera terrestremilhares e milhares de vezes. Esse líquidotem estado presente no planeta por pelomenos 3 bilhões de anos, circulando entreterra, mar e ar. Impelido pelo sol, esse ci-clo cria uma ilusão de abundância – águadoce aparentemente ilimitada, pois cai docéu, ano após ano.

Ao longo das duas últimas décadas, en-tretanto, essa ilusão foi desfeita pela escalade influências humanas sobre osecossistemas de água doce da Terra – osrios, lagos, terras alagadas e aqüíferos sub-terrâneos que armazenam, movem e limpama água à medida que ela circula. Lençóisfreáticos estão em queda devido à extraçãopredatória da água subterrânea em grandes

áreas da China, Índia, Irã, México, OrienteMédio, África do Norte, Arábia Saudita eEstados Unidos. Muitos córregos e rios –inclusive os grandes, como o Amu Dar’ya,Colorado, Ganges, Indus, Rio Grande e oAmarelo – secam hoje durante parte do ano.Grandes lagos interioranos, particularmenteo Mar de Aral, na Ásia Central, e o LagoChad, na África, estão reduzidos a merassombras do que foram. Mundialmente, áre-as alagadas de água doce – ecossistemasque realizam um esplêndido serviço de puri-ficação da água – diminuíram pela metade.Pelo menos 20% das 10.000 espécies depeixe de água doce estão ameaçadas deextinção ou já estão extintas.1

A escala e ritmo dos impactos huma-nos sobre os sistemas de água doce ace-leraram ao longo do último meio século,

Sandra Postel é co-autora de Rivers for Life: Managing Water for People and Nature (Island Press, 2003) ediretora do Projeto de Políticas Globais para a Água em Amherst, MA. Amy Vickers, autora do premiadoHandbook of Water Use and Conservation: Homes, Landscapes, Business, Industries, Farms (WaterPlowPress, 2001), é engenheira e especialista em conservação hídrica, residente em Amherst, MA.

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juntamente com o crescimento popula-cional e o consumo. Mundialmente, asdemandas hídricas triplicaram. O núme-ro de grandes represas (com pelo menos15 metros de altura) saltou de 5.000 em1950 para mais de 45.000 hoje – uma taxamédia de construção equivalente a duasgrandes represas por dia, durante 50anos. Por algum tempo, registramos ape-nas os benefícios desses projetos de en-genharia, dando pouca atenção aos cus-tos sociais e ecológicos. Medimos oshectares adicionais irrigados, os quilo-watt-hora gerados e a população atendi-da, mas não os pesqueiros destruídos, asespécies aquáticas ameaçadas, as pesso-as desalojadas de seus lares ou asustentabilidade dos padrões de uso daágua criados por grandes empreendimen-tos hídricos.2

Uma sociedade sustentável e segura éuma que atenda suas necessidades hídricassem destruir os ecossistemas dos quaisdepende ou as perspectivas das geraçõesfuturas. A boa notícia é que é possível atin-gir esse objetivo.

Atualmente, a agricultura é responsá-vel por cerca de 70% do consumo globalde água, a indústria por 22% e as cidadese municípios por 8%. As oportunidadespara o aumento da eficiência do uso daágua nas fazendas, fábricas e em cidadese lares têm sido minimamente exploradas.Só melhorias de eficiência, entretanto, nãoserão suficientes. Face ao crescimentopopulacional e afluência crescente, as pes-soas têm um papel importante a desempe-nhar fazendo escolhas responsáveis sobreseus padrões de consumo – desde dietasaté compras de materiais.3

Um Novo Conceito para aGestão da Água

Diferentemente do cobre, petróleo e damaioria das outras commodities, a águadoce não é apenas um recurso que adquirevalor apenas quando é extraído e colocadoem uso. Mais fundamentalmente, a águadoce é o sustentáculo da vida. Quando bom-beamos ou desviamos água para atenderdemandas humanas, exploramos um siste-ma vivo do qual miríades de outras espéci-es dependem para sua sobrevivência e quepresta serviços valiosos para a economiahumana. A função desempenhada só pelasterras alagadas pode valer cerca de US$20.000 por hectare, por ano.4

O fato da nossa contabilidade econômi-ca não refletir esses serviços significa que ocusto real do nosso uso da água é sensivel-mente maior do que pensamos. À medidaque mais e mais água é desviada para agri-cultura, indústria e cidades, o volume res-tante para executar o trabalho da naturezafica cada vez menor. A uma certa altura, osecossistemas deixam de funcionar. As trá-gicas condições de saúde e econômicas emtorno do Mar de Aral, que perdeu mais de80% do seu volume devido a desvios fluvi-ais excessivos, são um alerta claro sobre ofatídico destino dessa trajetória.5

Hoje os cientistas sabem queecossistemas sadios requerem não apenasuma quantidade e qualidade mínimas deágua, e sim um padrão de fluxo que se as-semelhe a seu regime natural de vazão. Issoocorre porque as espécies passaram milê-nios adaptando-se à variabilidade do fluxoda natureza – o ciclo natural de altos e bai-xos, enchentes e secas – e suas vidas es-

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tão harmonizadas a ele. Elas migram, ge-ram, nidificam e alimentam-se segundo asleis da natureza. Ao perturbar os padrõesnaturais de fluxo, através da construção debarragens, represas e projetos de desvio derios, a humanidade involuntariamente des-trói muitas das condições de habitat e desustentação de vida que nossos companhei-ros terrenos – e os serviços ecológicos quenos prestam – necessitam.6

O que isso implica para o consumo egestão da água doce? Significa que o velhoobjetivo do esforço contínuo para atendera demandas cada vez maiores é um empre-endimento fadado ao fracasso. A otimizaçãode um equilíbrio entre o atendimento dasnecessidades humanas e a proteção dasfunções valiosas dos ecossistemas requera alocação de água suficiente durante todoo ano para a sustentação dessas funções.Uma vez estabelecida essa alocação, o de-safio é utilizar a água remanescente parasatisfazer as demandas humanas de formaeficiente, eqüitativa e produtiva.

Para realizar essa mudança é mais fácilfalar do que fazer. Porém, aqui e ali começaa acontecer. Na Austrália, as extrações deágua da bacia hidrográfica do Rio Murray-Darling – o maior e mais economicamenteimportante do país – foram limitadas, numesforço para coibir a deterioração grave desua saúde ecológica. Esforços que já tarda-vam: a vazão do Murray caiu tanto em 2003que seu estuário ficou entupido com areia.A inovadora legislação hídrica da África doSul, em 1998, exigiu o atendimento às ne-cessidades hídricas básicas tanto das pes-soas quanto dos ecossistemas antes que aágua seja alocada a usos não-essenciais. Essa“reserva” de água doce é priorizada e, sefor implementada como se pretende, asse-

gurará que as extrações permaneçam den-tro dos limites ecológicos definidos por ci-entistas e pelas comunidades. Nos EstadosUnidos, num caso envolvendo alocação deágua na Ilha de Oahu, a Corte Suprema doHavaí determinou, em agosto de 2000, quecada desvio particular de água fique subor-dinado “a um interesse público superior nes-sa riqueza natural” e que o interesse públi-co, que inclui o ecossistema, deve serpriorizado frente a usos comerciais priva-dos nas decisões de alocação de água.7

O estabelecimento de limites para o usode rios e outros ecossistemas de água doceé a chave para o avanço econômico sus-tentável, pois protege os ecossistemas queescoram a economia enquanto promovemmelhorias na produtividade hídrica – o be-nefício líquido derivado de cada unidadede água extraída do meio ambiente natural.

Da mesma forma que a melhoria deprodutividade da mão-de-obra – a produ-ção por trabalhador – ajuda uma econo-mia, também o fazem as melhorias na pro-dutividade hídrica – a produção por metrocúbico de água. (Um metro cúbico equi-vale a 1.000 litros.)

Medida a grosso modo como o valorde bens e serviços econômicos por metrocúbico de água consumida, a produtivi-dade hídrica tende a aumentar, juntamen-te com a renda nacional, por três razõesprincipais. Primeiro, porque a produçãoagrícola é tão intensiva em água e os pre-ços são tão baixos, em relação à maioriade outros bens, que uma mudança em di-reção a uma economia mais industrializa-da aumentará a produção econômica pormetro cúbico de água. Segundo, porqueleis de controle de poluição, como asadotadas no Japão, Estados Unidos e mui-

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tos países europeus, freqüentemente tor-nam mais econômico para as fábricasreciclar e reutilizar sua água de processoem vez de despejá-la no meio ambiente. Eo terceiro motivo é que à medida que aseconomias deslocam-se de indústrias de

transformação para indústrias de serviço,a produtividade hídrica tende a aumentarainda mais. A economia da Alemanha, porexemplo, hoje gera US$ 40 de produçãopor metro cúbico de água, mais de 10 ve-zes a da Índia. (Vide Figura 3-1.)8

Figura 3-1. Produtividade Hídrica de Economias Nacionais,Países Selecionados, 2000

A produtividade hídrica nos EstadosUnidos (que destina uma parcela muitomaior de água para a agricultura irrigadado que a Alemanha) registra cerca de US$18 por metro cúbico. Hoje, a economiados Estados Unidos gera 2,6 vezes maisvalor econômico por metro cúbico extra-ído dos seus rios, lagos e aqüíferos doque em 1960. (Vide Figura 3-2.) Mesmoassim, apesar desse avanço, os Estados

Unidos têm todos os sinais reveladores douso insustentável da água – inclusiveexaustão de água subterrânea, perda deterras alagadas, dizimação de pesqueirose rios secos. Por quê? Legisladores aindanão impuseram limites ao uso humano daágua em níveis ecologicamente sustentá-veis – uma barreira que promoveria efeti-vamente níveis muito maiores de produti-vidade hídrica.9

BangladeshEgitoÍndiaPeru

ChinaIndonésia

MéxicoFederação Russa

África do SulEstados Unidos

BrasilEspanhaAustrália

FrançaAlemanha

Fonte: FAO, USGS, OCDE(Dólares de 2000)

0 10 20 30 40PIB por metro cúbico de consumo

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dial, uma vez que a distribui-ção de água é freqüentementedesigual também dentro depaíses. A China, por exemplo,tem 21% da população mun-dial, mas apenas 7% da águadoce do planeta – e a maiorparte encontra-se na regiãosul do país. A Planície Norteda China, que inclui o RioAmarelo, é uma das regiõesmais populosas do mundo,com escassez hídrica. Abri-gando cerca de 450 milhõesde pessoas, seu suprimento

per capita de água é de menos de 500 metroscúbicos por ano, quase igual à Argélia. Oconsumo de água na Planície Norte já su-pera o suprimento sustentável. Quase todoano, o baixo Rio Amarelo seca completa-mente antes de alcançar o mar. E por todaa planície, que produz um quarto dos grãosda China, os lençóis freáticos estão caindoa uma taxa de 1–1,5 metro ao ano. Comoobserva o economista hídrico JeremyBerkoff, a escassez de água na PlanícieNorte da China “afetará mais aqueles commenor condição de suportá-la e pequenosagricultores que cultivam grãos em locaismais isolados”.11

Locais de pobreza hídrica geralmenteexercem maior pressão sobre rios eaqüíferos do que locais de riqueza (videTabela 3-1) porque em climas mais secosa produção agrícola – intensiva no uso daágua – requer irrigação. O consumo deágua per capita do Egito é quase o dobroda Rússia, não porque os egípcios sejammais sedentos (embora consumam maisdo que sua parcela justa do Nilo), e simporque toda sua região agrícola necessita

Figura 3-2. Produtividade Hídrica dos EstadosUnidos, 1950–2000

Riqueza Hídrica,Pobreza Hídrica

O ciclo hidrológico da Terra distribui águade forma irregular por todo o planeta. Ape-nas seis países – Brasil, Rússia, Canadá,Indonésia, China e Colômbia – representammetade do suprimento renovável total deágua doce, de 40.700 quilômetros cúbicos(contando apenas o escoamento de rios eáguas subterrâneas, sem a evaporação etranspiração vegetal). O fato de uma regiãoser hidrologicamente rica ou pobre depen-de, em parte, de quanto do legado globalrecebe em relação à sua população. O Cana-dá, por exemplo, situa-se próximo ao topoda riqueza hídrica, com mais de 92.000metros cúbicos de água por habitante. Nolado pobre do espectro estão a Jordânia, comum manancial renovável anual de 138 metroscúbicos por habitante, Israel com 124 e oKuwait, com basicamente nada.10

Entretanto, as cifras nacionais masca-ram grande parte do estresse hídrico mun-

1950 1960 1970 1980 1990 2000

20

15

10

5

0

PIB real por metro cúbico de extração anual de água

Fonte: USGS, OCDE(base=2000)

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de irrigação, contra apenas 4% na Rússia.Os Estados Unidos, todavia, emergem efe-tivamente como uma nação pródiga no usoda água: possui uma das maiores taxas percapita de consumo em todo o mundo,mesmo irrigando apenas 11% da sua re-gião agrícola.12

verdes, campos de golfe e piscinas em cadaquintal. Mas esse luxo tem um preço alto –a exaustão de aqüíferos e importações deágua do distante Rio Colorado às custas docontribuinte. Por outro lado, um sobrevôopela Etiópia, no leste da África, onde, em2003, mais de 12 milhões de pessoas en-frentaram a fome, revela uma terra seden-ta de água, mesmo com 84% da vazão doNilo fluindo por seu território. Devido àinfluência do poder, da política e do dinhei-ro, a escassez natural de água não implicaprivação; nem também a abundância natu-ral implica acesso.13

Facilitar tanto o sobreconsumo quantoo subconsumo são dois aspectos do desa-fio global da água. A tarefa mais urgente éfornecer a todos os povos pelo menos umvolume mínimo de água potável e sanea-mento necessários para uma boa saúde.Hoje, uma em cada cinco pessoas no mun-do em desenvolvimento – 1,1 bilhão ao todo– enfrenta riscos diários de doença e mortepor lhe faltar “acesso razoável” a água po-tável, definida pelas Nações Unidas comoa disponibilidade de, pelo menos, 20 litrospor pessoa por dia, de uma fonte a umadistância não-superior a 1 quilômetro dolar. A grande lacuna na disponibilidade temquase nada a ver com escassez de água. AIndonésia, por exemplo, tem um legadonatural de água superior a 13.000 metroscúbicos por pessoa; entretanto, um quartoda sua população não tem acesso a águapotável. Globalmente, proporcionar aces-so universal a 50 litros por pessoa, por dia,até 2015, exigirá menos de 1% das extra-ções atuais em todo o mundo. Há água maisdo que suficiente, porém, até agora, faltamvontade política e compromissos financei-ros para proporcionar acesso aos pobres.14

Assim, o quadro só estará completo seconsiderarmos afluência e pobreza. Paraisso, basta voar até Phoenix, Arizona, nosudoeste dos Estados Unidos, para ver umacidade-oásis que desafia seu legado hídriconatural. Embora seu índice pluviométricoseja de apenas 19 cm anuais, Phoenix pos-sui uma paisagem exuberante de gramados

Tabela 3-1. Extrações AnuaisEstimadas de Água, Per Capita,

Países Selecionados, 2000

FONTE: vide nota final 12.

País

EtiópiaNigériaBrasilÁfrica do SulIndonésiaChinaFederação RussaAlemanhaBangladeshÍndiaFrançaPeruMéxicoEspanhaEgitoAustráliaEstados Unidos

Extrações de ÁguaPer Capita

(metros cúbicos por pessoapor ano)

4270

348354390491527574578640675784791893

1.0111.2501.932

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Em 2000, a Assembléia Geral das Na-ções Unidas adotou, como uma das MetasDesenvolvimentistas do Milênio para 2015,a redução pela metade da parcela de pesso-as sem condições de acesso à água potá-vel. Dois anos depois, na Cúpula Mundialsobre Desenvolvimento Sustentável, emJoanesburgo, as nações comprometeram-se igualmente a reduzir à metade, até 2015,a proporção de pessoas sem acesso a sa-neamento adequado. A difusão de serviçosde saneamento tem ficado bem atrás dofornecimento de água doméstica, deixan-do 2,4 bilhões de pessoas, mundialmente,sem saneamento básico. (Vide Tabela 3-2.)A fim de atender aos novos compromis-sos, os serviços de água terão que alcançarmais 100 milhões de pessoas, e o sanea-mento adequado outras 125 milhões depessoas, anualmente, entre 2000 e 2015.15

tísticas da ONU, cinco países – Bangladesh,Camoros, Guatemala, Irã e Sri Lanka –obtiveram sucesso em reduzir à metade aparcela de suas populações carentes de águapotável entre 1990 e 2000. (Essas estatís-ticas, entretanto, não incluem a descobertade níveis venenosos de arsênio em poçosde água subterrânea em extensas áreas deBangladesh.)16

A África do Sul avançou também naprestação de serviços de água. Quando oCongresso Nacional Africano assumiu opoder, em 1994, cerca de 14 milhões desul-africanos não tinham acesso a águapotável. A constituição pós-apartheid,ratificada em 1996, declarou a água po-tável um direito universal, e a lei da águade 1998, que estabeleceu uma reservahídrica em duas partes – atender às ne-cessidades hídricas de todas as pessoas eecossistemas –, concedeu prioridade má-xima à prestação de serviços de abasteci-mento de água. Entre 1994 e abril de 2003,o Programa Comunitário de Abastecimen-to de Água e Saneamento do país propor-cionou acesso a 8 milhões de pessoas, aum custo médio de US$ 80 por pessoa. Asautoridades estimam que os 6 milhões depessoas restantes terão acesso até 2008.17

A fim de atender à população mais po-bre da África do Sul e, também, conseguiruma recuperação razoável de custos, foiestabelecido um preço baixo de “linha devida” para os primeiros 25 litros diários,aumentando a tarifa acima desse nível. Umavez que até a tarifa mínima onerava as fa-mílias pobres, as autoridades começarama conceder gratuidade a esse volume. Nasregiões onde o governo contratou empre-sas privadas para gerir os sistemas de água,entretanto, a recuperação de custos parece

Tabela 3-2. Populações sem Acesso a ÁguaPotável e Saneamento, 2000

FONTE: vide nota final 15.

Embora ambiciosas, essas metasconquistáveis são marcos essenciais nocaminho para uma cobertura universal deágua e saneamento. De acordo com esta-

Região

ÁfricaÁsiaAmérica Latina eCaribe

ÁguaPotável

3619

13

SaneamentoAdequado

4053

22

(percentual)

Parcela da PopulaçãoSem Acesso a

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ter adquirido prioridade sobre o direito cons-titucional à água, provocando protestos dapopulação. Em Joanesburgo, por exemplo,onde a concessionária assinou um contra-to de gestão com a corporação francesaSuez, foram instalados hidrômetros de pa-gamento prévio que só fornecem às famí-lias a quantidade paga antecipadamente.Empresas privadas de água, preocupadasprincipalmente em aumentar os lucros paraseus acionistas, pouco incentivo têm paraatender às necessidades básicas dos pobres,a não ser quando obrigadas, pelos poderespúblicos, a fazê-lo.18

Água, Lavouras e Dietas

A agricultura consome cerca de 70% de todaa água extraída dos rios, lagos e aqüíferossubterrâneos da Terra, e até 90% em mui-tos países em desenvolvimento. Projeçõesrecentes indicam que, até 2025, inúmerasbacias hidrográficas e nações enfrentarãouma situação em que 30% ou mais de suasnecessidades de irrigação não poderão seratendidas, devido à escassez de água. Essasincluem a maioria das bacias da Índia, asbacias Hai e Amarela, na China, do Indus,no Paquistão, e muitas bacias hidrográficasda Ásia Central, África Subsaariana, Áfricado Norte, Bangladesh e México.19

Elevar a produtividade do uso da águaagrícola é crucial para o atendimento das ne-cessidades alimentares das pessoas à medidaque o estresse hídrico aumente e se espalhe.Esse desafio tem três partes principais: for-necer e aplicar água à agricultura com maioreficiência, aumentar a produtividade por litrode água consumida, tanto por lavourasirrigadas quanto alimentadas pela chuva, e

mudar as dietas, a fim de satisfazer as neces-sidades nutricionais com menos água.

Uma grande parte da água armazenadapor trás de barragens, e desviada através decanais de irrigação, nunca beneficia uma la-voura. Uma análise em 2000 constatou quea eficiência de irrigação da água de superfí-cie varia entre 25 e 40% na Índia, México,Paquistão, Filipinas e Tailândia; entre 40 e45% na Malásia e Marrocos e entre 50 e60% em Israel, Japão e Taiwan. A grandeparcela de água que não atinge as raízes daslavouras não é, necessariamente, perdida oudesperdiçada: pode, por exemplo, escorrerpor um campo ou canal e recarregar o len-çol subterrâneo, transformando-se no su-primento de outro agricultor. Todavia, parteé perdida pela evaporação do solo ou super-fícies de canais. De qualquer forma, essasineficiências acarretam altos custos:indisponibilidade de água quando e onde ne-cessária, habitats aquáticos destruídos des-necessariamente, maior área de terra tornan-do-se salina e maior volume de água docepoluído por sais e pesticidas.20

A maioria das regiões obteve ganhos ape-nas modestos na melhoria da eficiência deirrigação. Com a água de irrigação,freqüentemente cobrada a menos de umquinto do seu custo real, e com a extraçãode água subterrânea praticamente não-regu-lamentada, os agricultores e gestores de ir-rigação têm pouca motivação para moderni-zar suas práticas. Melhorias na regulação econfiabilidade na distribuição de água sãopré-requisitos para muitas das medidas deeficiência que os próprios agricultores po-dem tomar. Produtores de alguns distritosda Califórnia, por exemplo, gostariam detransferir-se para sistemas mais eficientesde irrigação, porém precisam de maior se-

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gurança sobre a freqüência, taxa de vazão eduração de seu fornecimento de água antesde fazê-lo.21

Há um rico cardápio de escolhas para amelhoria da produtividade da água de irri-gação, inclusive um conjunto de medidastécnicas, gestoras, institucionais e agronô-micas. Um número cada vez maior de agri-cultores em todo o mundo está constatan-do, por exemplo, que sistemas de irrigaçãopor gotejamento – que fornecem água di-retamente às raízes das plantas em baixovolume, através de tubos perfurados insta-lados sobre ou sob o solo – podem econo-mizar água, incrementando as colheitas aomesmo tempo. Comparados à irrigaçãoconvencional por inundação ou valas, mé-todos de gotejamento freqüentemente re-duzem o volume de água distribuída aoscampos em 30–70%, aumentando a pro-

dução em 20–90%. Essa combinação podesignificar uma duplicação ou triplicação daprodutividade hídrica.22

Mundialmente, métodos de microirri-gação (inclusive gotejamento e micro-espargidores) são utilizados em aproxima-damente 3,2 milhões de hectares ou poucomais de 1% das terras irrigadas. Um pu-nhado de países carentes de água hoje de-pende, e muito, deles. (Vide Tabela 3-3.)Ademais, a área sob gotejamento e outrastécnicas de microirrigação ampliou-se sen-sivelmente em vários países ao longo daúltima década: mais do dobro no México eÁfrica do Sul, um aumento de 3,5 vezesna Espanha e quase nove vezes no Brasil.Embora partindo de uma base pequena,China e Índia também ampliaram o uso deirrigação por gotejamento, a fim de lidarcom a crescente escassez hídrica.23

Tabela 3-3. Uso de Gotejamento e Microirrigação,Países Selecionados, 1991 e Cerca de 20001

1 A microirrigação inclui métodos de gotejamento (tanto superficial quanto subsuperficial) emicroespargidores; o ano de divulgação varia de país a país.FONTE: vide nota final 23.

ChipreIsraelJordâniaÁfrica do SulEspanhaBrasilEstados UnidosChileEgitoMéxicoChinaÍndia

25,0104,312,0102,3160,020,2606,0

8,868,560,619,017,0

35,6125,038,3

220,0562,8176,1850,362,1

104,0143,1267,0260,0

906655171764332

<1<1

Área Irrigada por Gotejamento eOutros Métodos de Microirrigação

Parcela da Área Total Irrigada sobGotejamento e Microirrigação

País 1991 Cerca de 2000 Cerca de 2000

(mil hectares) (percentual)

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Mudanças nos padrões de produção emétodos de cultivo também oferecem opor-tunidades para se colher mais por gota. Essedesafio é mais destacado na produção dearroz, o alimento básico preferido de cercada metade da população global. Mais de 90%do arroz mundial é cultivado na Ásia, ondemuitos rios e aqüíferos já estão excessiva-mente explorados e a pressão para desviarágua das fazendas para as cidades está au-mentando. Ao longo do último quarto deséculo, a adoção generalizada de variedadesde arroz de alta produtividade e amadureci-mento precoce levou a um aumento de 2,5a 3,5 vezes o volume de arroz colhido porunidade de água consumida – uma conquis-ta impressionante. Maiores ganhos serãomais difíceis de serem obtidos. Muitos es-tudos demonstraram, todavia, que a práticatradicional de inundar arrozais durante a es-tação de cultivo não é essencial para aumen-tar a produção. Aplicar um espelho d’águamais raso, ou até mesmo deixar os arrozaissecos entre irrigações, pode, em alguns ca-sos, reduzir o uso de água em 40–70% semperda significativa de produção.24

Igualmente, pesquisadores constataramque a produção de grãos pode ser susten-tada com 25% menos de água de irrigaçãodo que é normalmente utilizado, contantoque as lavouras recebam água suficientedurante seus estágios críticos de cresci-mento. Chamada de irrigação de déficit,essa prática está se tornando um recursonecessário em algumas áreas carentes deágua. Na Planície Norte da China, por exem-plo, os agricultores hoje irrigam o trigo trêsvezes numa safra em vez de cinco.25

Para muitos agricultores pobres, aquestão não é como irrigar com maioreficiência, e sim como irrigar, simples-

mente. A maioria dos cerca de 800 mi-lhões de pessoas famintas ou malnutridaspertencem a famílias de agricultores daÁfrica Subsaariana e sul da Ásia. Paraelas, os equipamentos convencionais deirrigação são muito dispendiosos, e oacesso à água de irrigação é sua esperan-ça para colheitas mais estáveis e produti-vas, maior segurança alimentar e melho-res rendas. Aumentar o acesso dos agri-cultores pobres à irrigação, por meio dadisseminação de tecnologias acessíveispara pequenas áreas, melhoraria imensa-mente a produtividade hídrica – gerandomelhor saúde e benefícios sociais por li-tro de água consumida.26

Um modelo de sucesso está emBangladesh, onde agricultores pobres ad-quiriram mais de 1,2 milhão de bombas apedal que lhes dão acesso a lençóis rasos epermitem cultivos durante a estação seca,aumentando suas rendas em US$ 100, emmédia, por cada bomba de US$ 35 no pri-meiro ano. A International DevelopmentEnterprises, do Colorado, está hoje desen-volvendo sua experiência em Bangladesh eem inúmeros outros países, numa iniciati-va multidoadora internacional chamada Ini-ciativa Mercadológica de Irrigação paraPequenos Produtores, que objetiva facili-tar o acesso de agricultores pobres à irri-gação – incluindo sistemas de gotejamentode baixo custo e bombas a pedal – com ameta de livrar da pobreza cerca de 30 mi-lhões de famílias rurais até 2015.27

Por grandes áreas da Índia, gruposcomunitários estão reativando o uso deaçudes tradicionais, barragens de deten-ção e outros equipamentos para captaçãoe armazenagem de água da chuva, parairrigar suas lavouras durante a estação

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seca e recarregar os lençóis freáticos. Nodistrito de Alwar, em Rajasthan, 2.500açudes (chamados de johads) foramconstruídos em 500 vilarejos, aumentan-do a produção agrícola e de leito signifi-cativamente. Ao repor a água subterrânea,os johads também elevam o lençol freáticode uma média de 60 metros abaixo da su-perfície para 6 metros.28

Esses exemplos mostram apenas algu-mas das inúmeras formas pelas quais agri-cultores e gestores de água podem aumen-tar a eficiência da irrigação, fazendo me-lhor uso da chuva e aumentando a produti-vidade agrícola por litro de água consumida.Por intermédio de suas escolhas dietéticas,consumidores individuais também têm umpapel importante a desempenhar – um quese mostrará vital para dobrar a produtivi-dade hídrica da agricultura.

Os vários alimentos que ingerimos exi-gem volumes de água imensamente dife-rentes para serem produzidos. Tambémvariam nos seus valores nutricionais – in-cluindo energia, proteína, cálcio, gordura,vitaminas e ferro. A combinação dessas duascaracterísticas dá uma medida da produti-vidade nutricional da água – quanto valornutricional é derivado de cada unidade deágua consumida. Utilizando o consumo deágua na agricultura e a produção daCalifórnia, os pesquisadores Daniel Renaulte Wes Wallender estimaram a produtivida-de nutricional da água para as principaislavouras e produtos alimentícios. Os resul-tados foram reveladores: é necessário cin-co vezes mais água para suprir 10 gramasde proteína da carne bovina do que do ar-roz, e quase 20 vezes mais água para su-prir 500 calorias da carne bovina do quedo arroz. (Vide Tabela 3-4.)29

Com seu alto teor de carne, a dieta co-mum nos Estados Unidos requer 5,4 metroscúbicos de água por pessoa, por dia – odobro de uma dieta vegetariana, igualmen-te (ou mais) nutritiva. Mesmo uma saídaparcial de produtos animais faria uma dife-rença imensa. Por exemplo, a redução deprodutos animais pela metade e substitui-ção por produtos vegetais altamente nutri-tivos diminuiria a intensidade hídrica da di-eta americana em 37%. Realizar essa tran-sição até 2025, quando a população dosEstados Unidos deverá somar mais de 350milhões de pessoas, reduziria as necessi-dades hídricas alimentares da nação, na-quela ocasião, em 256 bilhões de metroscúbicos por ano – uma economia equiva-

Tabela 3-4. Água Consumida para SuprirProteínas e Calorias, Alimentos Selecionados1

1Baseado na produção agrícola e na produtividade hídricada Califórnia; leva em consideração apenas as exigênciashídricas das lavouras, não eficiências de irrigação ou outrosfatores.FONTE: vide nota final 29.

Alimento

BatatasAmendoimCebolaMilhoFeijãoTrigoArrozOvoLeiteAvesCarne SuínaCarne Bovina

Água Consumidapara Suprir 10

Gramas de Proteína

6790

118130132135204244250303476

1.000

Água Consumidapara Suprir

500 Calorias

89210221130421219251963758

1.5151.2254.902

(litros)

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lente à vazão anual de 14 rios Colorado.Muitos outros benefícios resultariam tam-bém – inclusive redução de doenças cardí-acas, menor crueldade com os animais emenor poluição de córregos e baías causa-da por currais industriais.30

Mundialmente, assegurar uma dietasadia para todos, face à crescente es-cassez hídrica, exigirá ajustes em ambasas pontas do espectro dietético. O bi-lhão malnutrido de pessoas no mundoprecisa alimentar-se mais, a fim de vi-ver com saúde. A ampliação do acesso aníveis mínimos de água de irrigação po-derá ajudar a atingir esse objetivo. Umaparticipação mais eqüitativa da água in-corporada nos alimentos, através docomércio e programas de ajuda, tambémserá importante. E a mudança dietéticasensata descrita acima para a populaçãodos Estados Unidos liberaria água sufi-ciente para proporcionar dietas sadias acerca de 400 milhões de pessoas, quaseum quarto do número que se antecipaserá adicionado à população do mundoem desenvolvimento até 2025.31

Cidades e Lares

As demandas – e carências – de água emmuitas cidades por todo o mundo aumen-tam aceleradamente. Com quase metade dapopulação global hoje vivendo em áreasurbanas, que deverá aumentar para 60%até 2030, satisfazer os desejos cada vezmaiores dos ricos pela água e as necessi-dades dos pobres é um grande desafio. (VideQuadro 3-1.) Embora as cidades sejam res-ponsáveis por menos de 10% das extra-ções mundiais de água doce, seu consumo

concentrado requer uma infra-estruturacapital-intensiva complexa, que exercegrande pressão sobre os mananciais super-ficiais e subterrâneos finitos.32

QUADRO 3-1. DESSALINIZAÇÃO –SOLUÇÃO OU SINTOMA?

Um número crescente de cidades estárecorrendo à água do mar dessalinizada ouágua salobra como prevenção à futuraescassez hídrica. Existem atualmente cerca de9.500 usinas de dessalinização em todo omundo, com uma capacidade instaladaestimada de 11,8 bilhões de metros cúbicospor ano – 0,3% do atual consumo mundial.Um processo intensivo no uso de energia, adessalinização está concentrada no GolfoÁrabe e Oriente Médio, ricos em petróleo,responsáveis por cerca da metade dacapacidade global. Entretanto, tanto asnecessidades energéticas quanto os custosvêm caindo com a melhoria das tecnologias, ea capacidade mundial de dessalinização estáexpandindo a uma taxa anual de cerca de11%. O projeto israelense de gerar até metadedo seu abastecimento urbano de água dadessalinização até 2008 poderá efetivamenteliberar outros mananciais para umadistribuição eqüitativa com os palestinos.

Porém, será que para a maioria do mundoa dessalinização é uma opção sensata ououtra solução dispendiosa para oabastecimento? Em termos unitários, amaioria das medidas de conservação eeficiência pode atender às novasnecessidades hídricas a 10–25% do custo deprodução de água dessalinizada. Não fazmuito sentido dessalinizar o mar e, noprocesso, lançar mais gases de estufa naatmosfera, quando a redução de desperdíciose o aumento da eficiência poderão suprirágua com melhor custo/benefício e menordano ecológico.________________________________________FONTE: vide nota final 32.

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Demandas excessivas de água têm cus-to. A maioria das 16 megacidades mundiais– aquelas com 10 milhões de habitantes oumais – situa-se entre regiões que sofremestresse hídrico de fraco a agudo, umacondição em que as extrações exaurem osmananciais disponíveis. À medida que a de-manda urbana vai aumentando, a pressãosobre a agricultura e áreas rurais para ven-derem ou abrirem mão de seus direitos àágua intensifica-se.33

Uma manchete de primeira página so-bre o uso da água urbana pode ser resu-mida em uma palavra: desperdício. “Pre-cisamos... reduzir vazamentos, especial-mente nas muitas cidades onde as perdasde água atingem o nível assustador de40%, ou mais, do manancial total”, decla-ra o Secretário-Geral das Nações Unidas,Kofi Annan. Vazamentos e outras perdassão, em muitos casos, fontes de desper-dício negligenciadas ou ocultas: muitosgestores de sistemas de abastecimento nãodão conta de 15–40% do seu fornecimen-to. Em regiões dos países em desenvolvi-mento, como a África, é comum 50–70%da água extraída dissipar-se através devazamentos, conexões ilegais e contabili-dade falha. Até um terço do abastecimen-to de água de uma cidade típica do GolfoÁrabe pode perder-se por vazamentos emtubulações e adutoras. Taiwan perde qua-se 2 milhões de metros cúbicos diariamen-te com vazamentos, volume equivalente a325 milhões de descargas de sanitários.Calcula-se que essas perdas atinjam US$200 milhões ao ano.34

A “prestação de contas” da água é oindicador principal da eficiência e gestãodas concessionárias; todavia, elascomumente falham nessa tarefa básica de

manutenção. (Vide Tabela 3-5.)Freqüentemente, são os países pobres,cuja população carece de suprimento su-ficiente, que têm as maiores taxas de des-perdício de água, embora a reputação dosetor privatizado nos países industriali-zados seja longe de exemplar. (Vide Qua-dro 3-2.) Vazamentos e outras perdas dossistemas de abastecimento – comumentechamados “água não-contabilizada”(ANC) ou “água não-faturada” – são ovolume retirado, mas que nunca chegaou nunca é registrado como tendo sidoentregue a um consumidor final. Geral-mente é calculado como a diferença en-tre a água “produzida” (conforme medi-ção no ponto de extração ou estação detratamento) e a água vendida (baseada emleituras de hidrômetros dos consumido-res), embora o setor, há muito, careça denormas consistentes para definir, medire informar a ANC. A maior parte da ANCé o resultado de vazamentos em adutorase tubulações sem manutenção adequada;também ocorrem roubo e defeitos emhidrômetros, particularmente em sistemasantigos e malcuidados. Assim, grandeparte da ANC representa água que pode-ria abastecer outros consumidores, eoutra parte dela resulta em perda de re-ceita, pois a água é utilizada e não-paga.O valor econômico da água perdida de-vido a falhas na leitura de hidrômetrosou roubo freqüentemente chega a 10 ve-zes o custo operacional marginal associ-ado a vazamentos.35

As cidades americanas, consideradascomo possuidoras das tecnologias einfra-estrutura hídricas mais modernas,têm ANCs que variam entre 10 e 30% e,às vezes, mais. Na ausência de códigos

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nacionais que definam e meçam as perdasde água, alguns estados estabeleceramsuas próprias normas. Estas variam de 7,5a 20%, mas não são bem aplicadas. Ape-nas uns poucos estados publicam os nú-meros de perda de água. Por exemplo,Kansas, cuja região ocidental cobre oaqüífero declinante de Ogallala, possuiuma norma ANC de 15%; entretanto, osnúmeros mais recentes divulgados sobreas perdas estaduais relacionam 52 forne-cedores com ANCs de 30% ou mais. Aseu crédito, o Programa Hídrico de Kansasdeterminou a redução de ANC como umadas suas metas prioritárias.36

Tabela 3-5. Vazamentos e Perdas em Sistemas deAbastecimento de Água, Países Selecionados

FONTE: vide nota final 35.

QUADRO 3-2. PRIVATIZAÇÃO EVAZAMENTO: OMISSÃO DEPRESTAÇÃO DE CONTAS

Apesar das promessas de maior eficiênciae sistemas de “gestão inteligente” quesupostamente viriam junto à privatizaçãodos sistemas de abastecimento de água,várias empresas privadas não prestamconta dos volumes maciços de água queseus sistemas perdem em vazamentos eoutros usos, não-medidos ou justificados.

As metas de redução das perdas de água, tão alardeadas pelas empresas privadasda Grã-Bretanha, ainda estão para seralcançadas e a realidade é que algumas“empresas ainda não atingiram seus níveiseconômicos de vazamento”, de acordocom um relatório da Câmara dos Comuns.A medição correta de vazamentos é aindamais complicada no Reino Unido, devidoao fato de apenas 20% dos domicíliospossuírem hidrômetros, o que torna asestimativas de vazamentos da empresa“sujeitas a manipulação”, de acordo com orelatório. Em seguida à privatização dossistemas de água, em 1989, os níveis devazamento em todo o setor hídrico do RUatingiram o nível médio de 30% em 1995.O Departamento de Serviços de Água, queregula o setor de abastecimento esaneamento da Inglaterra e País de Gales,interveio e estabeleceu metas obrigatóriaspara redução de vazamento. Váriasempresas com altos níveis de perda,notadamente a Thames Water UtilitiesLTD, atendem a áreas que enfrentamquedas de abastecimento. Em 2003,vazamentos e perdas de água pela ThamesWater foram responsáveis por mais de25% do total de vazamentos na Inglaterrae País de Gales; todavia, a empresa atendeapenas a 15% dos consumidores faturadosnessas regiões.________________________________________

FONTE: vide nota final 35.

País

África do Sul

AlbâniaCanadáCingapuraDinamarcaEspanhaEstados Unidos

França

JapãoJordâniaQuêniaRepública TchecaTaiwan

Área de Serviço

JoanesburgoTshwane (Pretória)NacionalKingston, OntarioNacionalCopenhagueNacionalNacionalBethlehem, PAParisNacionalFukuokaNacionalNairobiNacionalNacionalTaipei

Estimativa dasPerdas Médias no

Suprimento Total

(percentual)4224

até 753853

24–3410–30

2730

até 5054840

20–302542

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A recuperação da água “perdida”por vazamentos, falha de medição oucontabilização corrupta representa umenorme manancial inexplorado que pode-ria ajudar cidades e regiões que enfren-tam escassez a atender suas reais neces-sidades hídricas. Argumentos de que per-das por vazamentos não são significati-vas porque recarregam os aqüíferos ouabastecem outros usuários ignoram o fatode que extrações têm custo. A águadeslocada da sua “área de serviço” originalna natureza e dissipada a usuários de tubu-lações falhas causa secas em rios, destrui-ção de habitats e desaparecimento de vidasilvestre. Da mesma forma que as cavida-des dentárias, tubulações corroídas podemficar sem atenção por um tempo, mas te-rão que ser cuidadas; quanto mais tempo oproblema for negligenciado, mais custososerá para reparar. Caso a infra-estruturaexistente não seja estanque, os projetos decapital propostos, destinados a atender às“necessidades” hídricas, são ilusórios.

Copenhague, na Dinamarca, com ape-nas 3% de ANC (cerca de 1,6 metro cúbi-co por pessoa, por ano, ou um galão pordia), é uma exceção positiva ao controlehistoricamente fraco do setor hídrico. ODepartamento de Águas de Copenhaguetambém tem sofrido um declínio constan-te no consumo per capita domiciliar diá-rio, entre seu meio milhão de habitantes,desde que implantou metas de conserva-ção e iniciou uma série de campanhaseducativas e aumentos tarifários.

Talvez o incentivo mais forte para amanutenção de sistemas ajustados na Di-namarca seja o fato de as concessionári-as serem taxadas (0,7 euros ou 85 cen-tavos de dólar por metro cúbico) caso o

índice de vazamento exceda 10%. Em2000, apenas 8 dos 40 maiores fornece-dores da Dinamarca reportaram uma per-da acima de 10%. (Vide Quadro 3-3 parauma descrição de outros programas deeficiência urbana.)37

A redução de vazamentos e o uso maiseficiente da água também poupam ener-gia, uma vez que o bombeamento, trata-mento e distribuição da água requeremenergia em cada estágio. Os sistemas deágua da Califórnia são um dos maioresconsumidores de energia do estado, por-que transportam a água a longas distânci-as e por regiões altas. Em média, obombeamento de um acre-pé (1.234metros cúbicos) de água, por meio doAqueduto do Rio Colorado, para o sul daCalifórnia consome cerca de 2.000 kWhde eletricidade, enquanto o envio de umacre-pé para o mesmo destino, através doProjeto Estadual de Água, requer cerca de3.000 kWh. Numa residência típica do sulda Califórnia, a energia necessária para ofornecimento de água potável chega a atin-gir o terceiro lugar em importância, apóscondicionadores de ar e refrigeradores.Uma vez que o uso mais eficiente da águareduz o consumo de energia, também re-duz a produção dos gases de estufaalteradores do clima, que ameaçam pertur-bar vazões fluviais e sistemas hidrológicosem todo o mundo.38

A conservação da água obviamenteconserva energia, mas a conservação daenergia também conserva a água. Usinastermelétricas (a carvão, petróleo, gás na-tural, nuclear ou geotérmica) consomemágua pela evaporação, quando o calor ex-cessivo é retirado dos condensadores. Aextração dos combustíveis utilizados para

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operar essas usinas também consomeágua. A geração de energia hidrelétrica re-sulta na evaporação da água de reserva-tórios. Em conjunto, a água necessáriapara atender às demandas energéticas ésubstancial – nos Estados Unidos chegaa cerca de 8,3 litros por kWh de eletrici-

dade fornecida. Assim, a família médianorte-americana, utilizando 10.000 kWhde eletricidade por ano, está indiretamenteconsumindo também mais 83 metroscúbicos de água – um volume equivalen-te a quase 14.000 descargas de um vasosanitário eficiente.39

Várias cidades e sistemas de água lançaramprogramas de eficiência hídrica nos últimosanos, e várias outras conseguiram umaeconomia impressionante de custo e consumo:

• Cingapura reduziu o índice de água não-contabilizada de 10,6 para 6,2%, entre 1989e 1995, e economizou mais de US$ 26milhões, evitando gastos de capital naexpansão de suas instalações, por meio deiniciativas agressivas de detecção e reparode vazamentos, renovação de adutoras e100% de leituras (incluindo o Corpo deBombeiros). Em 2003, a ANC caiu para5%. Hidrômetros industriais e comerciaissão substituídos a cada quatro anos ehidrômetros residenciais a cada sete anos,para assegurar faturamento correto eminimizar perdas de água não-medida. Osgestores de água de Cingapura tambémpromovem educação pública, programasescolares, auditorias hídricas e reutilizaçãode água não-potável pelas indústrias.Conexões ilegais são sujeitas a multas de atéUS$ 50.000 ou três anos de detenção. Em1995, os 3 milhões de habitantes da cidadeconsumiram, em média, 1,2 milhão demetros cúbicos por dia; em 2003, ademanda total de água havia aumentadoapenas 8%, embora a população tenhacrescido 40%, para 4,2 milhões.

• Fukuoka, no Japão, conhecida como aCidade com Consciência de Conservação

QUADRO 3-3. PROGRAMAS URBANOS DE CONSERVAÇÃO HÍDRICA QUEPOUPAM ÁGUA E DINHEIRO

Hídrica, tem uma das menores taxas devazamento (cerca de 5%) do Japão, com umconsumo per capita de aproximadamente20% menos do que outras cidades domesmo tamanho. Fukuoka conseguiu essaseconomias através de esforços em detecçãode vazamentos e reparo, técnicassofisticadas de leitura, coleta de águaspluviais, utilização de água recuperada parasanitários, instalação de dispositivoseficientes de torneiras em mais de 90% dasresidências e promoção de programas deconscientização pública das questõeshídricas.

• Desde o final dos anos 80, o Departamentode Água do Estado de Massachusetts(MWRA, na sigla em inglês), que abastecemais de 40 cidades na área de Boston,reduziu a demanda em toda a rede em cercade 25%, por intermédio da implementaçãode um programa abrangente de redução dedemanda que incluía reparos de vazamentose instalação de equipamentos e dispositivoseficientes na tubulação. Isso permitiu ocancelamento de um projeto para represaro Rio Connecticut – uma propostapoliticamente polêmica – e poupou aos2,1 milhões de consumidores do MWRAmais de meio bilhão de dólares só emdispêndio de capital.

__________________________________________

FONTE: vide nota final 37.

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O uso doméstico de água varia sensi-velmente em todo o mundo e revela mui-to sobre as diferenças de riqueza e cultu-ra. (Vide Figura 3-3.) Por exemplo, oshabitantes do Reino Unido consomemapenas cerca de 70% da água consumidapelo americano mais poupador. Estima-se que o consumo interno nos lares dosEstados Unidos é de uma média de 262litros per capita, por dia (lpcd). As resi-dências que instalam utensílios eficien-tes em termos de consumo de água (sa-nitários, chuveiros e torneiras) e eletro-

domésticos (lavadoras de roupa e prato),e que reduzem vazamentos, consomemapenas 151–170 lpcd. Desde 1997, to-dos os sanitários, mictórios, torneiras echuveiros instalados nos Estados Unidossão obrigados a satisfazer as normasestabelecidas pela Lei de Polít icaEnergética (EPAct, na sigla em inglês) de1992. Até 2020, essas normas de efici-ência deverão poupar cerca de 23–34milhões de metros cúbicos por dia, águasuficiente para abastecer de quatro a seiscidades do tamanho de Nova Iorque.40

Figura 3-3. Consumo Doméstico de Água, Cidade e Países Selecionados

Estudos de 16 localidades nos EstadosUnidos revelam que as reduções de águaconforme as normas da EPAct pouparãoàs concessionárias US$ 166 a US$ 231milhões ao longo dos próximos 15 anos,

como conseqüência de investimentos di-feridos ou evitados em aumento de capa-cidade ou em novas instalações de trata-mento e armazenamento de água potável.As necessidades energéticas das instala-

Quênia (domicílios conectados)

Uganda (domicílios conectados)

Tanzânia (domicílios conectados)

Copenhague, Dinamarca

Reino Unido

Cingapura

Manilha, Filipinas,

Waterloo, Canadá

Melbourne, austrália

Sidnei, Austrália

Seattle, Estados Unidos

Tampa, Estados Unidos

Phoenix, Estados Unidos

0 200 400 600 800 1.000Litros per capita, por dia

Fonte: Vide nota final 40

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ções de tratamento de água e esgoto estãoprojetadas para caírem em 6 bilhões dekWh anuais. Parte dessa poupança deágua, energia e custos, todavia, já estáameaçada: vários grandes fabricantes deutensílios estão promovendo agressiva-mente as vendas de portentosos boxes dechuveiros com múltiplos bocais que es-guicham mais de 300 litros por minuto –mais do que a maioria da população mun-dial consome em um dia.41

Quando se trata do consumo de águae dos custos pagos por ricos e pobres,ocorre uma típica inversão de relação:aqueles que consomem mais pagam me-nos, e aqueles que pouco consomem pa-gam mais. Populações urbanas de baixarenda e pobres, não-conectadas à rede,freqüentemente são forçadas a recorrera suprimentos alternativos e caros, comovendedores de água, que podem cobrarmuitas vezes mais do que usuários pa-gam pela água encanada. Por exemplo,os pobres em Nova Délhi pagam a ven-dedores informais US$ 4,50 por metrocúbico de água, quase 500 vezes o cen-tavo de dólar pago por metro cúbico porquem dispõe de ligação domiciliar. EmManilha, vendedores cobram dos pobres42 vezes mais do que os usuáriosconectados.42

As demandas hídricas domésticasdos mais ricos assumem uma trajetóriaascendente dramática diante de grama-dos irrigados. Em volume, o maior pro-blema de bebida nos Estados Unidos nãoé o álcool, e sim a rega de gramados. Airrigação diária dos gramados e jardinsdos Estados Unidos consome cerca de30 bilhões de litros de água – um volu-me que encheria 14 bilhões de pacotes

de 6 latas de cerveja. O gramado irriga-do médio consome cerca de 38.000 li-tros por verão. E o pior: um morador deOrange County, cidade da Flórida comcarência de água, foi faturado em 15,9milhões de litros em um ano, a maiorparte utilizada na irrigação de sua pro-priedade de 2,4 hectares. Esse volumeequivale, a grosso modo, ao consumoanual de 900 quenianos.43

Gramados bem aparados e carpetesde grama em áreas privadas, públicas eà beira de vias nos Estados Unidos co-brem 12 a 20 milhões de hectares, umaárea maior do que o estado de Louisiana– mais do que é plantado em qualquercultura agrícola. Os Estados Unidostambém possuem cerca de 60% doscampos de gol fe mundiais; seus700.000 hectares absorvem cerca de 15bilhões de litros de água por dia. Gra-mados e campos de golfe não apenasbebem volumes gigantescos de água,mas também o fazem durante os mesesmais quentes do verão, quando a vazãode muitos rios e córregos estão em seusníveis mais baixos.44

Entusiastas por gramados e jardins dosEstados Unidos aplicam, anualmente, maisde 45 milhões de quilos de fertilizantes eprodutos químicos para eliminar insetos,ervas daninhas e fungos. Na realidade, osmoradores utilizam quase 10 vezes maispesticidas por hectare de grama do queagricultores aplicam nas lavouras. Fertili-zantes e produtos químicos não-absorvi-dos diretamente pelas gramas e plantasfreqüentemente escoam para córregos ouinfiltram-se em aqüíferos, onde podemcontaminar a água potável e eutrofizar la-gos e lagoas. (Vide Quadro 3-4.)45

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Embora espargidores e sistemas maiseficientes de irrigação possam reduzir o con-sumo de água em jardins, está ocorrendouma mudança mais fundamental na maniaamericana por gramados, através de ummovimento emergente de paisagismo natu-ral e plantas nativas. Residências e empre-sas estão obtendo economias duradouras esubstanciais de água com o plantio de gra-ma nativa resistente à seca, proteção vege-tal, flores silvestres e plantas que vicejamnaturalmente em seus climas locais. Proje-tos em Prairie Crossing, uma subdivisão naperiferia de Chicago, e na sede da Sears,Roebuck & Company, em Hoffman Estates,Illinois, por exemplo, integram as caracte-

rísticas naturais da paisagem, em vez deeliminá-las. Igualmente, campos de golfecomo os do Prairie Dunes Country Club,em Hutchinson, Kansas, e The Landings, emSavannah, Geórgia, estão reduzindo o usoda água por meio de medidas como irriga-ção controlada pelo tempo, rega limitada dostees e fairways, uso de plantas nativas, con-servação das características naturais dosterrenos acidentados e manutenção orgâni-ca do solo e das plantas.46

A participação em organizações depaisagismo natural, como Wild Ones eEcological Landscaper, está aumentandorapidamente, demonstrando o desejo daspessoas por um relacionamento mais sa-

QUADRO 3-4. BEBENDO O GRAMADO E A FARMÁCIA DO VIZINHO

“É de manhã, você sabe onde estão os seusremédios?” pergunta Christian Doughton, daAgência de Proteção Ambiental dos EstadosUnidos, num artigo em The Lancet. “Muitoprovavelmente, alguns estão a caminho decórregos, rios e talvez até fazendas locais, naforma de biossólidos de esgoto utilizadoscomo fertilizante”. Num estudo deamostragem de 139 córregos em 30 estados, aU.S. Geological Survey constatou que 80%continham traços de pelo menos um produto,seja droga, hormônio endócrino-perturbador,inseticida ou outro produto químico – algunsem níveis que, comprovadamente, causamdanos a peixes e outras vidas aquáticas. Issonão deve surpreender, visto que os EstadosUnidos são os maiores usuários de pesticidase que mais de 3 bilhões de receitas sãofornecidas anualmente para quase metade dosamericanos que tomam, no mínimo, ummedicamento por dia. Estudos no Canadá,Reino Unido e Alemanha também constataramresíduos de produtos farmacêuticos e decuidados pessoais (PFCPs) em água doce,

inclusive protetores solares, antibióticos eplastificantes.

Praticamente nenhuma literatura médicadocumenta a extensão, riscos ou solução para oproblema das drogas como poluentes e seuefeito à saúde humana e ao meio ambiente. Nomomento, não há, a rigor, regulamentaçãoquanto a PFCPs contaminadores na águapotável. Pelo menos com os pesticidas,algumas comunidades não estão assumindoriscos. No Canadá, tanto o subúrbio deHudson, em Montreal, quanto o de Halifax, naNova Escócia, proíbem o uso cosmético(puramente estético) de pesticidas, como nosgramados. “Melhor errar por excesso desegurança do que sofrer enquanto se aguardacomprovação científica”, assinalou um lídercomunitário. Apesar de uma contestação à lei,por parte das indústrias químicas e dejardinagem, a Corte Suprema do Canadádeterminou que todos os municípioscanadenses têm o direito de proibir o uso depesticidas em propriedades públicas e privadas.__________________________________________FONTE: vide nota final 45.

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dio com a terra. Outros conscientizam-sequanto aos benefícios financeiros. ACIGNA Corporation, de Bloomfield,Connecticut, gastou cerca de US$ 63.000ao longo de cinco anos para convertergrande parte dos 120 hectares do seu gra-mado corporativo num aprazível descam-pado com trechos de flores silvestres, lu-crando várias centenas de milhares dedólares anuais em economia no uso deágua, fertilizantes, pesticidas e equipamen-tos e manutenção. Como disse o paisagis-ta da CIGNA, “o que devemos fazer, gas-tar 5.000 dólares em controle de pragas?”

Uso de Água Industriale Consumo de Bens

Materiais

As indústrias são responsáveis por cerca de22% de todas as extrações mundiais de águadoce; no entanto, têm uma participação bemmaior nos países industrializados (59% emmédia) do que nos países em desenvolvimento(10%). As demandas industriais nas econo-mias em desenvolvimento e emergentes es-tão aumentando rapidamente e competirãopelas escassas reservas tanto nas cidadesquanto nos campos. Ademais, as indústriasgeram grandes volumes de água servida, enos países em desenvolvimento grande partedesta continua sendo despejada, sem trata-mento, em rios e córregos vizinhos, poluin-do o pouco que resta de água potável.48

O volume total da demanda de água in-dustrial não é bem avaliado devido ao fatode as grandes indústrias freqüentementeextraírem água – sem medição – diretamen-te de seus poços ou de rios e córregos vizi-nhos. Mundialmente, as maiores indústrias

consumidoras de água incluem termelétricas,metalúrgicas e siderúrgicas, indústrias depapel e celulose, químicas, petrolíferas efabricantes de máquinas. A maioria utiliza osmaiores volumes de água em refrigeração,lavagem, processamento e aquecimento.49

Um número impressionante de usuáriosindustriais e comerciais reduziu suas deman-das hídricas de 10 a 90%, aumentando, aomesmo tempo, sua produtividade e lucros.(Vide Tabela 3-6.) Freqüentemente, essesinvestimentos em eficiência hídrica são pa-gos dentro de dois anos, gerando poupançade energia e também benefícios na preven-ção da poluição. Por exemplo, em 2002, aUnilever, multinacional produtora de alimen-tos e produtos para o lar e cuidados pesso-ais, consumiu em média 4,3 metros cúbi-cos de água por tonelada de produção, umaredução de um terço dos 6,5 metros cúbi-cos por tonelada consumidos em 1998.50

Embora para muitas indústrias a reduçãode custos seja a principal motivação para in-vestimentos em eficiência, existem tambémoutros incentivos, incluindo a necessidade decumprir as regras de licenciamento, avançosdas tecnologias de tratamento in-loco que per-mitem que a água de processamento sejareciclada e reutilizada e a disponibilidade deágua não-potável recuperada a custo baixo.Por exemplo, todo o esgoto de Cingapura étratado em seis estações de recuperação deágua para reutilização pelas indústrias, ajudan-do a preservar a água de alta qualidade paraconsumo humano e outras finalidades. Tarifasmais altas para água e esgoto também podemagir como um incentivo de conservação paraas indústrias; entretanto, tais estratégiastarifárias às vezes têm efeito contrário nos for-necedores, por motivarem os consumidores adesistir do sistema e abrir poços artesianos.51

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Tabela 3-6. Exemplos de Economia de Água Industrial pela Conservação

FONTE: Vide nota final 50.

Com a expansão de empresas industri-ais nos países em desenvolvimento, car-gas poluentes estão aumentando juntamentecom a demanda pela água industrial, amea-çando a vida aquática e a saúde humana.

As indústrias de alimentação e bebidas, ce-lulose e papel e têxtil são responsáveis pormais de três quartos das cargas poluentesda água nos países em desenvolvimento.Por exemplo, a água de enxágüe têxtil con-

Categoria Industrialou Produto

Laticínios(leite e derivados)

Computadores(fábricas elaboratórios)

Siderurgia

Farmacêuticos(pesquisa de ciênciade vida ebiofarmacêuticos)

Chocolate

ConstruçãoHabitacional

Produtos Agrícolas(frutas, legumes,vegetais e ervaslivres de pesticidas)

Cerveja

Empresa

United MilkPlc. Inglaterra

IBM, mundial

Columbia SteelCasting Co.Inc., NorthPortland, OR,EUA

Millpore Corp.,Jaffrey, NH,EUA

GhirardelliChocolate Co.,San Leandro,CA, EUA

Gusto Homes,Inglaterra

Unigro, Plc.Inglaterra

Anheuser-BuschInc., nacional,EUA

Economia

657.000 metroscúbicos/ano;US$ 405.000por ano

690.000 metroscúbicos/ano

1,63 milhão demetros cúbicos/ano US$ 588.000ao ano

31.000 metroscúbicos/ano;US$ 55.000ao ano

78.840 metroscúbicos/ano

50% de economiade água nasresidências(50 metroscúbicos/ano)

9.000–18.000metroscúbicos/ano;US$ 7.400ao ano

90.850 metroscúbicos/ano

Medidas de Eficiência Hídrica

Sistemas de membranas de osmose reversa (OR),recupera e trata o condensado do leite para reutilizaçãopela fábrica, eliminando a necessidade de abastecimentoexterno. O excesso da água recuperada é posto à vendapara outros usuários na área industrial.

A economia de água em 2000 foi de 4,6% do totalutilizado; 375.000 metros cúbicos por ano poupadoscom múltiplos projetos de eficiência hídrica e 315.000metros cúbicos poupados com reciclagem ereutilização.

Substituição do sistema de resfriamento por fluxoúnico, por torres de resfriamento recirculantes.Instalação de sistemas de reciclagem e tanques dearmazenagem para captação de águas pluviais ereutilização de água não-potável de lavagem.Otimização de práticas industriais.

Água servida de processamento, reciclada através detecnologia OR; investimento de US$61.000, retornadoem 1,2 anos em redução de custos de água, água servidae energia.

Instalação de anel recirculante de resfriamento de água,eliminando o uso de água potável para o resfriamentodo chocolate em grandes tanques.

O projeto Millenium Green envolveu a instalação desistema de coleta de água pluvial e armazenagemsubterrânea em 24 residências e escritório da empresa.Instalação também de sanitários de descarga dupla,chuveiros e sanitários aerados e aquecedores solaresde água.

Instalações seladas, com controle climático, utilizamo sistema Greengro Farming e incluem irrigação deprecisão e coleta de águas pluviais, requerendo 30%menos água por unidade de produção do que a irrigaçãoconvencional.

Hidrômetros instalados em todas as instalações paramedir o consumo. Equipamentos de garrafas e latasrecalibrados.

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tém tinturas que exaurem os níveis de oxi-gênio de rios e lagos quando despejada semtratamento. Ao captar e reciclar essas tin-turas dentro do processo fabril, as indús-trias podem reduzir as cargas poluentes eeconomizar em custos de insumos. EmGana, na África Ocidental, um programa-piloto, chamado de Sistema de Manejo deTroca do Estoque de Rejeitos, objetiva au-mentar a reutilização e reciclagem de rejeitosindustriais, a fim de proteger osecossistemas costeiros, fluviais e lacustres.Com o slogan “lixo de um, matéria-primade outro”, a iniciativa tem recebido umaresposta entusiástica das indústrias locais.52

Da mesma forma que escolhas individu-ais de dietas e paisagens podem fazer umagrande diferença no impacto humano sobrecorpos d’água, também o fazem as escolhasde consumo de bens materiais. (Vide Quadro3-5.) Praticamente tudo que se compra – deroupas a computadores e a automóveis –necessita de água para ser fabricado, e esteprocesso pode também resultar em poluiçãode córregos e lagos também. As pessoas quedirigem veículos utilitários esportivos, ávidosconsumidores de gasolina, em vez de carroseficientes no consumo de combustível, porexemplo, não estão apenas gastando cercade três vezes mais gasolina por quilômetrorodado, mas também estão indiretamente uti-lizando muito mais água, uma vez que sãonecessários 18 litros de água para produzirapenas um litro de gasolina.53

No credo ambientalista de reduzir,reutilizar, reciclar, a redução de comprasmateriais sempre tem lugar de destaque notopo. Quando as pessoas adquirem algo,todavia, podem diminuir seus impactos àágua e energia escolhendo produtos fabri-cados com materiais reciclados. Comprar

produtos de papel reciclado em vez de pa-pel virgem, por exemplo, poupa não só ár-vores e energia, mas também a água utiliza-da na manufatura do papel. E produtos dealumínio fabricados com sua sucata reque-rem apenas 17% da água que o mesmo pro-duto necessita se feito de alumínio bruto.54

Prioridades Políticas

Não há mistério algum sobre o fato de oenorme volume de água extraído para con-sumo humano ser desperdiçado e mal-ad-ministrado: as políticas que embasam deci-sões sobre a água, na maioria das vezes,fomentam ineficiências e más alocações, enão a conservação e uso sustentável. Emvez de nos desesperarmos frente a uma novaera de escassez hídrica, precisamos con-frontar velhos erros e desperdícios.

QUADRO 3-5. MEDIDAS QUEPODEMOS TOMAR PARAREDUZIR NOSSO IMPACTOSOBRE A ÁGUA DOCE

• Adquirir menos bens materiais.

• Adotar dietas nutritivas, com menoscarne vermelha.

• Selecionar plantas e gramas nativas parajardins e paisagismo e depender apenasdas chuvas.

• Instalar aparelhos e utensílios maiseficientes em termos de água e energia.

• Pressionar por normas de uso do soloque protejam áreas alagadas, aqüíferos ebacias hidrográficas.

• Participar de comissões locais de gestãode água, a fim de monitorar eimplementar estratégias de proteçãohídrica.

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Em primeiro lugar, é essencial quegovernos cumpram suas obrigações eprotejam a segurança pública da água.A maioria dos ecossistemas de águadoce não é avaliada nem valorizada pelomercado; todavia, sustentam nossaseconomias e vidas com serviços quevalem centenas de bilhões de dólaresao ano. Leis e regulamentos que sal-vaguardem essas funções são cruciais,pois as forças de mercado apenas – in-clusive a tarifação e comercializaçãoda água – nunca poderão proteger ade-quadamente valores não-cotados. A di-retriz da água de 2000, da União Eu-ropéia, a Lei da Água de 1998, da Áfri-ca do Sul, e um punhado de leis esta-duais dos Estados Unidos são exem-plos promissores de governos tentan-do assumir suas responsabilidades naproteção da segurança pública no quediz respeito à água.55

Governos e autoridades comunitári-as precisam instituir ou fortalecer regu-lamentos sobre a água subterrânea. Umrecurso coletivo clássico, a água sub-terrânea é vulnerável ao uso predatório,uma vez que o impacto conjunto de cadausuário, agindo por interesse próprio, éa exaustão do suprimento para todos. Ouso sustentável de aqüíferos renováveisexige que nossas retiradas não excedamo nível de recarga. Entretanto, comoassinalam os pesquisadores do InstitutoInternacional de Gestão da Água, em SriLanka, “em nenhum lugar do mundoexiste um regime tão perfeito efetiva-mente em ação... Pouquíssimo está sendofeito para reduzir a demanda da águasubterrânea ou economizar o seu uso”.56

No leste de Massachusetts, osmoradores secaram o Rio Ipswichdurante vários anos devidoà extração maciça de águasubterrânea para irrigaçãode jardins.

A água subterrânea não está apenas mal-regulamentada, mas também seu uso éfreqüentemente subsidiado sob várias for-mas. No Texas, os agricultores que bom-beiam água do aqüífero Ogallala, em que-da, podem pleitear um abatimento deexaustão em seu imposto de renda. Os agri-cultores indianos recebem energia subsidi-ada, no valor de US$ 4,5–5 bilhões ao ano,para bombear 150 bilhões de metros cúbi-cos de água subterrânea – um incentivoperverso para exaurir os aqüíferos nacio-nais. Embora sustentem a produção nocurto prazo, esses subsídios, na realidade,aceleram o ritmo de exploração excessivae o dia do ajuste final. Com a água subter-rânea contribuindo US$ 25–30 bilhões anu-ais para a economia agrícola da Ásia, urgea adoção e implementação de políticas quelevem a seu uso sustentável.57

Uma tarifa escalonada é um instrumen-to econômico que pode proporcionar umuso mais eficiente e eqüitativo da água.Com esse método, o preço unitário da águapara um consumidor aumenta juntamentecom o volume utilizado. Isso permite queum nível básico de água domiciliar tenhaum preço bastante baixo, enquanto ummaior uso é cobrado a uma taxa mais alta,de modo escalonado. Um estudo em 2002de 300 cidades indianas constatou queapenas 13% utilizam essas estruturas

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tarifárias de blocos ascendentes. Ademais,mesmo quando elas são aplicadas, os blo-cos de menor preço incluem, às vezes,muito mais água do que seria necessáriopara satisfazer as exigências básicas de umdomicílio. Em Bangalore, por exemplo, osdois primeiros blocos, conjuntamente,abrangeram 50 metros cúbicos de águapor mês, um consumo similar ao uso do-miciliar médio nos Estados Unidos.58

Particularmente nos locais ricos, só atarifa não desencoraja o uso pródigo da água.Nos domicílios de renda alta com extensosgramados, por exemplo, manter a gramaverde durante o ano todo é freqüentementemais importante do que a conta de água.Nessas áreas, o próximo passo é restringiro uso da água. No leste de Massachusetts,os moradores secaram o Rio Ipswich du-rante vários anos devido à extração maciçade água subterrânea para irrigação de jar-dins, que exauriu suas vazões de verão. Ogrupo conservacionista American Riversrelacionou o Rio Ipswich em 2003 comoum dos 10 rios mais ameaçados do país.Em maio, o Departamento de ProteçãoAmbiental estabeleceu restrições obrigatóri-as para a extração de água em cada cidadelicenciada a utilizar o Ipswich. Quando avazão atinge um determinado nível, essascomunidades instituem medidas legais deconservação hídrica. Devido a um verãochuvoso em 2003, ainda não foi realizadoum teste real dessa política. Mas deixa evi-dente que o interesse do estado na proteção

da vazão do rio assume prioridade sobre osinteresses particulares dos moradores namanutenção de seus gramados verdes.59

Juntamente com regulamentos rígidose tarifação mais efetiva, os mercados daágua podem ajudar a melhorar a eficiênciade uso e alocação. Com um teto estabele-cido nas extrações da bacia hidrográfica doMurray-Darling, na Austrália, por exemplo,a comercialização da água entre vendedo-res e compradores está ajudando a realocaro manancial disponível. A cidade de Adelaidepoderá, em breve, adquirir água dos agri-cultores, uma vez que já atingiu o limite desua extração do rio. A capacidade de nego-ciar água encoraja os consumidores aconservá-la, já que podem vender a que foipoupada e faturar uma renda extra. Ondeexistem títulos ou direitos claros sobre apropriedade da água, “limitar-conservar-e-negociar” pode ser uma estratégia eficazpara a proteção de ecossistemas e incre-mento da produtividade hídrica.

Finalmente, consumidores individuaistêm também que fazer importantes esco-lhas de política pessoal. Ao optar por umadieta sadia e menos intensiva no uso deágua, uma paisagem atraente e adequadaao clima e um estilo de vida com menosbens materiais, as pessoas poderão re-duzir seu impacto sobre os sistemas deágua doce da Terra, sem sacrificar suasatisfação pessoal. Essas opções pode-rão transformar os consumidores de águaem gestores da água.

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Sabonetes Antibacterianos

A T R Á S D O S B A S T I D O R E S

“Livrar-se dos germes é hojemais divertido do quenunca”, diz o rótulo de umfrasco de sabonete líquidocom aroma de fruta Dial, omaior fabricante desabonetes antibacterianosdos Estados Unidos. Narealidade, o disparo naprodução e uso globais detais produtos apresenta algunsriscos não tão divertidos para asaúde e meio ambiente.

Sabonetes líquidos e gel para banhocom propriedades antibacterianastornaram-se cada vez mais populares nosúltimos anos. Nos Estados Unidos, 75%dos sabonetes líquidos e aproximadamente30% dos sabonetes em barra contêm agoratriclosan e outros compostos químicosformulados para atacar os germessuperficiais. Embora rotulada deantibacteriana, a maioria é na realidadeantimicrobiana, atacando tanto vírusquanto bactérias.1

O mercado mundial para sabonetes estáprojetado pra crescer continuamente, deUS$ 5,5 bilhões em 2003 para US$ 6,1bilhões em 2008, informa o Icon Group, umaempresa de pesquisa mundial de mercado. Omaior crescimento deverá ocorrer na Ásia eno Pacífico, onde a indústria de sabonetesprevê que o crescimento econômico

incentivará a demanda dosconsumidores por sabonetesincrementados, inclusiveantimicrobianos. Na Índia e China, ondeos sabonetes líquidos são vistos como

produtos caros de luxo, aProcter & Gamble estáagora produzindo umaversão antibacteriana de

seu sabonete em barra,Safeguard.2

Todos os sabões são produzidospor meio de uma reação química conhecidacomo saponificação, na qual um sal alcalino,como soda cáustica (hidróxido de sódio),potassa (hidróxido de potássio) ou barrela, éaquecido com uma gordura vegetal ouanimal (sebo) e água. No processo, agordura transforma-se em glicerol líquido(glicerina – que é normalmente removidapara outros usos cosméticos oufarmacêuticos) e sais ácidos graxos – queformam os coalhos do sabão bruto. Essescoalhos são fervidos em água, para remoçãode impurezas, despejados em fôrmas ecortados em barras.3

Alguns dos mais antigos restos desabonetes foram encontrados em potes debarros, datados de 2800 a.C., na Babilônia.Antes do aparecimento das versõesgermicidas, em 1948, os saboneteseliminavam os microorganismos, tornando asujeira e oleosidades superficiais

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escorregadias o bastante para quepudessem ser esfregadas e enxagüadas.Desde a II Guerra Mundial, os produtosquímicos engendrados pelo homemalteraram a receita tradicional. Entre eles,surfactantes, que intensificam a espuma e asolubilidade, compostos antimicrobianos,tais como triclosan, e plastificantes,conhecidos como ftalatos.4

Do mesmo modo que qualquer indústria,a fabricação de sabonetes consomematérias-primas e energia, tais comocombustíveis fósseis para aquecer caldeiras,gerando poluição atmosférica quandoqueimados. Outros subprodutos incluemresíduos graxos sólidos e produtosquímicos que podem escoar, poluindo oscursos d’água. Mas não precisa ser assim.Na Tunísia, uma indústria que fabricasabonetes a partir de resíduos daprensagem do óleo de oliva instaloucaldeiras eficientes e controla as emissõesde resíduos na atmosfera e na água – e afábrica vem economizando mais dinheiro,anualmente, do que o custo inicial demodernização.5

Além do efluente industrial, existe oproblema do escoamento pelo ralo, após obanho, do sabonete usado. Um estudo doU.S. Geological Survey, de 2002, constatouque substâncias químicas em medicamentose detergentes – entre as quais triclosan eftalatos – estão penetrando nos cursosd’água dos Estados Unidos em baixasconcentrações, através dos esgotos. Isso épreocupante, já que os níveis aceitáveis nãoforam estabelecidos para água potável paraa maioria dessas substâncias.6

O triclosan e outros antimicrobianossuscitam questões preocupantes para asaúde e o meio ambiente. A fabricação detriclosan pode criar dioxinas altamente

tóxicas – compostos de cloro cancerígenos,perturbadores hormonais, que se dispersamfacilmente no meio ambiente e são recolhidosna cadeia alimentar. O triclosan também podecausar náusea, vômito e diarréia se ingerido,o que é um problema, já que os sabonetescom “sabor de fruta” podem induzir ascrianças a experimentá-los.7

Mais urgentemente, entretanto, aAssociação Médica Americana e os Centrosde Controle e Prevenção de Doenças(CCDs) estão advertindo contra o usodoméstico de sabonetes antibacterianos,uma vez que esses produtos contribuempara o aumento de bactérias resistentes amedicamentos. A Organização Mundial deSaúde lançou uma campanha contra o usoindiscriminado de antibióticos, observandoque doenças como tuberculose, pneumoniae malária revelaram-se resistentes a váriosantibióticos comumente usados em seutratamento. O triclosan age destruindo asenzimas nas paredes da célula da bactéria eassim elas não podem se reproduzir; esteataca a mesma enzima que o antibióticoisoniazid, usado para o tratamento datuberculose.8

Ademais, estudos demonstraram que ossabonetes antimicrobianos têm a mesmaeficácia no combate aos germes que ossabonetes comuns. “Constatamos que ossabonetes antimicrobianos eantibacterianos não possuem nenhumaqualidade superior aos sabonetes comuns”,declara Elaine Larson, professora Associadada Faculdade de Farmácia da ColumbiaUniversity e autora líder de um relatório doNational Institute of Health, de 1992, sobreo assunto. Os autores recomendam lavar asmãos com sabonete comum e água mornaapós a ida ao sanitário e antes de prepararos alimentos como o melhor modo de

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prevenir resfriados e doenças transmitidaspelos alimentos.9

Como também, apesar da obsessãomoderna pela limpeza, uma casa semnenhuma bactéria não é, necessariamente,uma boa coisa. Na realidade, pode ter umefeito oposto: um estudo recente chegou àconclusão de que adolescentes que viveramem fazendas e eram regularmente expostos àpoeira e germes eram menos propensos aasma e sintomas alérgicos do que osadolescentes criados em outros ambientesrurais. Pesquisadores sugerem que aexposição a bactérias, fungos e poeira podena verdade ajudar a fortalecer os sistemasimunológicos das crianças.10

A solução? Os consumidores devemparar de comprar sabonetes e outrosprodutos de limpeza antimicrobianos, umaatitude que pode eventualmente forçar aindústria a reduzir a intensidade

promocional e produtiva em todo o mundo.“Os sabonetes e loções antibacterianosdevem ser destinados a pacientes doentes,não a uma família sadia”, observou Dr.Stuart Levy, da Alliance for Prudent Use ofAntibiotics, da Universidade Tufts. Paraconter a disseminação de germes noshospitais, os CCDs aconselham queprofissionais de saúde usem gel com basealcoólica para as mãos, pois não apresentamos mesmos riscos de resistência aosantibióticos que os antimicrobianos. O gelpode também ser usado nos lares onde ummembro da família seja portador de AIDS ououtro problema do sistema imunológico.Mas como esses produtos não podemlimpar a velha sujeira comum, eles não sãosubstitutos para o simples e velhosabonete.11

— Mindy Pennybacker, The Green Guide