atenção primária à saúde_ histórico e perspectivas

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    Ateno Primria Sade:

    histrico e perspectivas

    Mrcia Cristina Rodrigues FaustoGustavo Corra Matta

    Introduo

    A Ateno Primria Sade (APS) tem sido apresentada como ummodelo adotado por diversos pases desde a dcada de 1960 para proporcionarum maior e mais efetivo acesso ao sistema de sade e tambm para tentar

    reverter o enfoque curativo, individual e hospitalar, tradicionalmente institudonos sistemas de sade nacionais, em um modelo preventivo, coletivo,territorializado e democrtico.

    Em diversos momentos, a APS tem sido descrita como uma estrat-gia de ateno sade seletiva, focalizada na populao mais pobre e por-tadora de uma tecnologia simples e limitada. Em contrapartida, outros ad-

    vogam um sentido mais amplo, sistmico e integrado de APS, possibilitan-

    do articulaes intersetoriais em prol do desenvolvimento humano, social eeconmico das populaes.

    No Brasil, a APS reflete os princpios da Reforma Sanitria, levando o

    Sistema nico de Sade (SUS) a adotar a designao Ateno Bsica Sade

    (ABS) para enfatizar a reorientao do modelo assistencial, com base emumsistema universal e integrado de ateno sade. Isto significa afirmar que

    diversos sentidos de APS esto em disputa na produo acadmica e poltica no

    campo das polticas e planejamento em sade.Este texto tem o objetivo de apresentar, descrever e discutir esses diver-

    sos sentidos de APS em uma perspectiva histrica e poltica, apontando seus

    avanos, suas contradies e suas estratgias de expanso e operacionalizaono mbito do sistema de sade brasileiro.

    Esta discusso fundamental para a compreenso do lugar e funodos trabalhadores da APS, em especial os agentes comunitrios de sade(ACS), compreendendo o cenrio terico e poltico que embasam seus sa-beres e prticas junto s comunidades e territrios brasileiros. Esperamos

    que a perspectiva crtica adotada pelos autores incentive a reflexo sobre

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    as realidades loco-regionais, possibilitando o reconhecimento de especificidades

    e a criao de propostas emancipatrias tanto para usurios quanto para tra-

    balhadores de sade.

    Aspectos Histricos e Conceituais da Ateno Primria Sade

    A idia de APS foi utilizada como forma de organizao dos sistemas de

    sade pela primeira vez no chamado Relatrio Dawnson, em 1920. Esse docu-

    mento do governo ingls procurou, de um lado, contrapor-se ao modelo

    flexineriano americano de cunho curativo, fundado no reducionismo biolgico e

    na ateno individual, e, de outro, constituir-se em uma referncia para a or-

    ganizao do modelo de ateno ingls, que comeava a preocupar as autori-

    dades daquele pas, devido ao elevado custo, crescente complexidade da

    ateno mdica e baixa resolutividade.

    O relatrio concebia o modelo de ateno em centros de sade pri-

    mrios e secundrios, servios domiciliares, servios suplementares e hos-

    pitais de ensino. Os centros de sade primrios e os servios domiciliares

    deveriam estar organizados de forma regionalizada, onde a maior parte dos

    problemas de sade deveriam ser resolvidos por mdicos com formao

    generalista. Os casos que o mdico no tivesse condies de solucionarcom os recursos disponveis nesse mbito da ateno deveriam ser encami-

    nhados para os centros de ateno secundria, onde haveria especialistas

    das mais diversas reas, ou ento para os hospitais, quando existisse indi-

    cao de internao ou cirurgia. Essa organizao caracteriza-se pela

    hierarquizao dos nveis de ateno sade.

    Os servios domiciliares de um dado distrito devem estar baseados numCentro de Sade Primria uma instituio equipada para servios demedicina curativa e preventiva para ser conduzida por clnicos gerais da-quele distrito, em conjunto com um servio de enfermagem eficiente ecom o apoio de consultores e especialistas visitantes. Os Centros de

    Sade Primrios variam em seu tamanho e complexidade de acordo comas necessidades locais, e com sua localizao na cidade ou no pas. Mas,a maior parte deles so formados por clnicos gerais dos seus distritos,bem como os pacientes pertencem aos servios chefiados por mdicosde sua prpria regio. (Ministry of Health, 1920)

    Esta concepo, elaborada pelo governo ingls, influenciou a organizao

    dos sistemas de sade de todo o mundo, definindo duas caractersticas bsicas da

    APS. A primeira seria a regionalizao, onde os servios de sade devem estar

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    organizados de forma a atender as diversas regies nacionais, atravs da sua

    distribuio tendo emvista bases populacionais, bem como a identificao dasnecessidades de sade de cada regio. A segunda caracterstica a integralidade,

    fortalecendo a indissociabilidade entre aes curativas e preventivas.

    Os elevados custos dos sistemas de sade, o uso indiscriminado de

    tecnologia mdica e a baixa resolutividade preocupavam a sustentao eco-

    nmica da sade nos pases desenvolvidos, fazendo-os pesquisar novas for-

    mas de organizao da ateno com custos menores e maior eficincia. No

    entanto, os pases pobres e em desenvolvimento sofriam com a iniqidade

    dos seus sistemas de sade, com a falta de acesso a cuidados bsicos de

    sade, com a mortalidade infantil e com as precrias condies sociais,

    econmicas e sanitrias.

    O fortalecimento internacional da organizao da APS est relacionado s

    idias formuladas pela medicina preventiva, especialmente para pensar a prtica

    mdica. Com base em umaabordagem integral, a medicina preventiva props quea ateno mdica, em sua fase inicial, deveria se fazer mais prxima do ambiente

    sociocultural dos indivduos e famlias, o que respaldaria sua interveno para a

    preveno e controle do adoecimento. Formou-se, a partir de ento, uma cultura

    sobre os diferentes momentos da ateno, em que a ateno primria se localiza-

    ria na fase inicial do cuidado, antecedendo e definindo uma srie de outros cuida-

    dos que deveriam ser ofertados por outros nveis de ateno mais complexos

    (Leavell & Clark, 1976). Esta concepo foi fundamental para formar a base das

    prticas de APS, ao conjugar duas questes essenciais: a ateno que se faz em

    primeiro lugar e que se faz mais prxima do cotidiano dos indivduos e das famlias.

    Sob o signo da medicina preventiva, a medicina comunitria foi ampla-

    mente divulgada pelos departamentos das escolas de medicina envolvidos nes-

    te movimento e trouxe consigo uma srie de idias e propostas relativas

    APS. Estas propostas foram amplamente disseminadas em vrios pases, ten-

    do forte repercusso nos pases mais pobres, posto que se transformaram em

    estratgias dos governos no sentido de fortalecer as polticas de desenvolvi-

    mento econmico e social.1

    1A medicina comunitria surgiu nos EUA, nos anos 60 do ltimo sculo, como estratgia deprestao de servios dirigidos parcela da populao desprovida de acesso aos servios desade, tendo em vista os princpios elaborados pela medicina integral e preventiva. Dentreas razes que motivaram este movimento est o fato de que o mdico generalista foi perden-do valor em detrimento das especialidades mdicas que passaram a ter maior prestgio,provocando um declnio do nmero de mdicos generalistas (Donnangelo, 1976).

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    Nos anos 70, programas nesta linha passaram a ocupar o espao de

    ao governamental, sendo remetidos ao campo de competncias dos ser-

    vios de sade e organizao de suas aes. desta forma que a ateno

    primria ganha destaque na agenda das polticas de sade, tendo a Organi-

    zao Mundial da Sade (OMS) como uma das principais agncias difusoras

    desta proposta.

    Os programas de extenso de cobertura foram os principais mecanismos

    de veiculao dos programas de ateno primria, interpretados como aes

    elementares que todos os servios de sade, at os mais simples, deveriamestar capacitados para prov-los. No centro destas aes estava a ateno

    mdica, e a execuo das prticas de promoo da sade era fundamentalmen-

    te impulsionadapor pessoas vinculadas s prprias comunidades, treinadas pelosprofissionais de sade.

    Nos anos 60 e 70, vrios pases desenvolveram tais programas de exten-

    so de cobertura e o resultado das vrias experincias em curso levou a OMS a

    organizar a I Conferncia Internacional Sobre Cuidados Primrios em Sade,

    que, em linhas gerais, props a APS como estratgia para ampliar a cobertura

    dos sistemas nacionais de sade e, conseqentemente, alcanar as metas do

    Programa Sade Para Todos no Ano 2000 (SPT 2000).

    DEFINIO DE CUIDADOS PRIMRIOS DE SADE NA CONFERN-CIA DE ALMA-ATA (Unicef, 1979:1):

    Cuidados essenciais baseados em mtodos prticos, cientificamente bemfundamentados e socialmente aceitveis e em tecnologia de acesso uni-versal para indivduos e suas famlias na comunidade, e a um custo que acomunidade e o pas possam manter em cada fase de seu desenvolvimen-to, dentro do esprito de autoconfiana e autodeterminao. Os cuidadosprimrios so parte integrante tanto do sistema de sade do pas, de queso ponto central e o foco principal, como do desenvolvimentosocioeconmico geral da comunidade. Alm de serem o primeiro nvel decontato de indivduos, da famlia e da comunidade com o sistema nacionalde sade, aproximando ao mximo possvel os servios de sade noslugares onde o povo vive e trabalha, constituem tambm o primeiro ele-mento de um contnuo processo de atendimento em sade.

    Em termos conceituais, foi a partir da Conferncia de Cuidados Primri-

    os em Sade, realizada no ano de 1978, em Alma-Ata, Cazaquisto, que se

    buscou uma definio para APS.

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    O documento descreve ainda as seguintes aes mnimas, necessrias

    para o desenvolvimento da APS nos diversos pases: educao em sade volta-

    da para a preveno e proteo; distribuio de alimentos e nutrio apropria-

    da; tratamento da gua e saneamento; sade materno-infantil; planejamento

    familiar; imunizao; preveno e controle de doenas endmicas; tratamento

    de doenas e leses comuns; fornecimento de medicamentos essenciais.

    A OMS enfrentou fortes resistncias econmicas e polticas, uma vez

    que a proposta da APS defendida em Alma-Ata e preconizada no SPT 2000

    conflitava frontalmente com os interesses, por exemplo, da indstria de leite ede medicamentos, uma vez que defendia o aleitamento materno e o forneci-

    mento gratuito e at mesmo a fabricao de medicamentos essenciais em

    pases menos desenvolvidos (Matta, 2005b).

    Ao longo do tempo, a APS tem adquirido diversos significados para dife-

    rentes pessoas, em pocas e lugares especficos, o que coloca desafios impor-

    tantes para a sua compreenso.

    Para iniciar esta discusso, vale lembrar que o vocbulo primrio(a), na

    lngua portuguesa, tem vrios sentidos e traz em si diferentes possibilidades

    explicativas, colaborando para a falta de clareza e ausncia de consenso em

    relao ao propsito da APS. A palavra primria pode estar relacionada desdea noo de primitivo, sem refinamento, ou mesmo idia de algo que seja

    principal, central ou essencial (Fausto, 2005).

    As vrias interpretaes que podem ser feitas sobre APS colocam como

    ponto-chave para essa discusso a necessria contextualizao e um olhar po-

    ltico sobre sua compreenso. A tentativa de chegar a uma nica definio so-

    bre o que APS no nos ajuda a compreender o que APS. necessrio ter

    claro a poca, os atores sociais envolvidos, a cultura e as finalidades do sistema

    de sadecom base noqual procuramos definir a APS. Devemos considerarainda que os aspectos econmicos, polticos e ideolgicos que permeiam as

    prticas no campo da sade produzem distintas interpretaes e abordagensem APS nos diferentes sistemas de sade.

    Considerando as vrias interpretaes, a APS tambm tem sido com-

    preendida como: um conjunto de atividades associadas s prticas de promo-

    o, preveno e recuperao da sade, que podem estar ou no restritas ao

    campo da sade; um nvel deassistncia conectado com os demais nveis queconformam o sistema de servios de sade; uma estratgia de organizao do

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    sistema de servios de forma a garantir a efetivao das diretrizes organizativas

    de um dado sistema de sade; e como um princpio norteador das aes de-

    senvolvidas em qualquer momento do cuidado ofertado pelo sistema de sade

    (Vuri apud Mata & Ruiz, 1993).

    Para Starfield (2002), as interpretaes identificadas por Vuri no so

    excludentes e podem coexistir em um mesmo sistema de sade, j que no

    existe uma nica forma de delimitao da APS.

    A APS, no sistema de sade, compreenderia o primeiro nvel de ateno,

    tendo uma abordagem que forma a base e determina o trabalho de todos os

    outros nveis do sistema de sade, devendo organizar e racionalizar o uso de

    todos os recursos, tanto bsicos como especializados, direcionados para a pro-

    moo, manuteno e melhora da sade (Starfield, 2002).

    Na poltica de sade brasileira, predomina a compreenso da APS como

    o primeiro nvel ou o momento em que se inicia o processo da ateno em um

    sistema de sade. Como veremos, mais recentemente, alm de primeiro nvel

    de ateno do sistema de sade, a APS tambm compreendida como uma

    estratgia fundamental para a reorientao do modelo de ateno do SUS.

    Com o objetivo de avaliar as aes primrias de sade, Starfield define

    quatro atributos, os quais, na sua concepo, devem balizar a organizao da

    APS. Esses atributos podem ser reconhecidos como elementos que organizam

    a APS nos servios de sade ou fazem parte do processo da ateno neste

    mbito. Quais sejam:

    Primeiro contato implica acessibilidade e uso do servio a cada novo

    problema ou novo episdio de um problema pelo qual as pessoas buscam

    ateno sade.

    Continuidade pressupe a existncia de uma fonte regular de aten-

    o e seu uso ao longo do tempo, exigindo a delimitao da populao s

    equipes de ateno primria. Integralidade as unidades de ateno primria devem fazer arranjos

    para que o usurio receba todos os tipos de servios de acordo com a sua

    necessidade, sendo alguns ofertados dentro do servio de APS ou em

    outros servios que compem o sistema de sade. Isto inclui o encami-

    nhamento para servios nos diferentes nveis de ateno, dentro ou fora

    do sistema de sade.

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    Coordenao significa garantir alguma forma de continuidade do cui-

    dado que possa ocorrer nos diferentes nveis de ateno, de forma a

    reconhecer os problemas que necessitam de segmento consecutivo. Sig-

    nifica manter-se responsvel por acompanhar o usurio vinculado ao ser-

    vio de APS, ainda que ele esteja temporariamente sob os cuidados de

    um outro servio.

    Mata e Ruiz (1993), em acordo com a proposta de Starfield, propem a

    intersetorialidade como um outro atributo da APS, visto que a sade resul-

    tante de mltiplos fatores, o que exige a combinao de aes de diversos

    setores da sociedade. Para os autores, este deve ser um esforo a ser seguido

    nas propostas de APS. Alm disto, as aes de promoo e a preveno envol-

    vem mais do que a ao especfica dos profissionais de sade e do Estado.

    Delas tambm fazem parte o autocuidado, os cuidados promovidos pelas fam-

    lias, pela comunidade, pessoas, grupos, organizaes no-governamentais, que

    de alguma forma promovem a sade, o bem-estar e a qualidade de vida.

    A compreenso a respeito de APS tem sido ampliada ao longo do tempo.

    O desenvolvimento e a importncia deste tema esto muito relacionados s

    discusses do campo da sade pblica e organizao da ateno sade nos

    sistemas de sade modernos. Veremos mais adiante como a discusso da APS

    tem ganhado fora na poltica nacional de sade, especialmente no que se refe-

    re reorientao do modelo assistencial no SUS.

    A Trajetria Histrica e Poltica da Ateno Primria Sade

    Desde o momento da organizao da Conferncia de Alma-Ata j existia

    uma clara tenso entre duas distintas formas de conceber a ateno primria.

    Entre os organizadores da Conferncia havia quem defendesse a APS em um

    sentido integrado e outros que a defendiam em um sentido seletivo (Litsios, 2002).Apesar das divergncias conceituais, a APS na Declarao de Alma-Ata

    foi interpretada como estratgia central de organizao do sistema de sade,

    que se pretendia mais eqitativo, apropriado e efetivo para responder s neces-

    sidades de sade apresentadas pela populao usuria dos servios de sade.

    Nesta concepo estava implcita a necessria relao dos servios de APS

    com os demais pertencentes ao sistema de sade.

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    Entretanto, no ano seguinte Conferncia de Alma-Ata, realizou-se

    na Itlia a Conferncia de Bellagio, onde se disseminou a noo seletiva da

    APS. Essa Conferncia defendeu uma concepo de APS baseada na for-

    mulao de programas com objetivos focados em problemas especficos de

    sade para atingir grupos populacionais em situao de pobreza. Esses pro-

    gramas, difundidos principalmente por organismos internacionais em pases

    pobres, propuseram o uso de recursos de baixa densidade tecnolgica, sem

    interface direta com os demais recursos em sade (Cueto, 2003; Magnussen

    & Jolly, 2004).A Declarao de Alma-Ata representa uma proposta num contexto muitomaior que um pacote seletivo de cuidados bsicos em sade. Nesse sen-tido, aponta para a necessidade de sistemas de sade universais, isto ,concebe a sade como um direito humano; a reduo de gastos comarmamentos e conflitos blicos e o aumento de investimentos em polti-cas sociais para o desenvolvimento das populaes excludas; o forneci-mento e at mesmo a produo de medicamentos essenciais para distri-buio populao de acordo com as suas necessidades; a compreensode que a sade o resultado das condies econmicas e sociais, e dasdesigualdades entre os diversos pases; e que os governos nacionaisdevem protagonizar a gesto dos sistemas de sade, estimulando o inter-cmbio e o apoio tecnolgico, econmico e poltico internacional. (Matta

    & Morosini, 2006: 25-26)

    A noo seletiva surgiu da crtica feita concepo de ateno primria

    integral defendida na Declarao de Alma-Ata, interpretada como uma con-

    cepo idealizada, muito ampla, e por isto com poucas chances de aplicabilidade

    e de ser realizada no prazo definido pelas metas do SPT 2000.2

    As principais crticas referidas verso seletiva da APS apontavam

    para a caracterstica de programas verticais no relacionados s causas

    sociais do processo de adoecimento, alm de falaremda adoo de medi-das paliativas e do distanciamento da noo de uma ateno integrada s

    demais aes desenvolvidas em um sistema de sade (Warren, 1988).

    A tenso discursiva entre a noo seletiva e a integral percorreu toda

    a dcada de 1980 com reflexos nos anos 90. O resultado dessa polmica foi

    favorvel s concepes da ateno primria seletiva.

    2O documento de base para as discusses da Conferncia de Bellagio apontava para o aspectotemporrio da proposta de Ateno Primria em Sade Seletiva (APSS), ao passo que no erapossvel garantir uma ateno primria integral, conforme proposto pela Conferncia de Alma-Ata (Warren, 1988; Cueto, 2003).

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    A disseminao de programas seletivos de ateno primria em pases

    pobres foi amplamente apoiada por agncias internacionais, cujo objetivo era a

    extenso de cobertura com base na oferta de aes de sade simples e de baixo

    custo, principalmente em reas rurais onde a populao no tinha acesso ao

    sistema de sade existente.3

    O cenrio de crise econmica dos anos 80 e a emergncia dos governos

    neoliberais nos pases desenvolvidos, que apiam projetos de ajuda ao desen-

    volvimento de pases pobres, tambm foi um fator que colaborou para a disse-

    minao de programas seletivos de ateno primria. As polticas de ajusteestrutural e as idias sobre reforma do Estado que tinham como alvo a reduo

    de gastos pblicos influenciaram na escolha de projetos de mais baixo custo e

    de curto prazo a serem financiados (Cueto, 2003).

    A perpetuao da situao de crise econmica mundial levou muitos pa-

    ses a encaminharem mudanas na conduo de sua poltica. As resolues

    voltadas para a organizao dos servios de sade previam a racionalizao do

    uso dos recursos em sade, adotando medidas que favorecessem o uso mais

    adequado das tecnologias pesadas e caras, colocando nfase nas aes de pro-

    moo e preveno em sade (Almeida, 1999).

    Em contrapartida, os defensores da sade pblica apontavam crticascontundentes ao modelo de ateno baseado na biomedicina, centrado na cura

    de doenas e na ao hospitalar. Uma ampla discusso sobre os determinantes

    da sade tambm fortalecia propostas de promoo e preveno da sade (Buss

    et al., 2000).

    Neste cenrio, o vis econmico ganhou destaque na agenda dos orga-

    nismos de cooperao internacional e passou a orientar as propostas de insti-

    tuies como o Banco Mundial, principal difusor das idias de focalizao e

    seletividade das aes dos governos no campo das polticas sociais, especifica-

    mente na sade.

    O Banco Mundial defendia as cestas bsicas de servios de sade, su-gerindo que o setor pblico deveria prover um conjunto mnimo de aes essen-

    ciais aos que no pudessem arcar individualmente com os gastos em sade. A

    cesta era composta tipicamente por aes classificadas como tecnologias sim-

    3Sobre as relaes entre Estado e polticas sociais no capitalismo, ver Pereira e Linhares, textoO Estado e as polticas sociais no capitalismo, no livro Sociedade, Estado e Direito Sade,nesta coleo (N. E.).

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    ples e de alto impacto, como vacinao, pr-natal, aes de promoo e pre-

    veno da sade, ou seja, o mesmo conjunto de aes que compem a ateno

    primria desde sua origem. As demais aes em sade, especialmente aquelas

    de diagnstico e terapia que implicam maior custo, deveriam ser ofertadas pelo

    setor privado (Banco Mundial, 1993).

    Praticamente nos anos 90 a OMS abandonou a proposta de APS integral

    e acompanhou a proposta seletiva do Banco Mundial, mas com uma outra ver-

    so. Props o chamado novo universalismo, que traz como argumento a noo

    de sustentabilidade dos governos nacionais. No lugar de assumir todas as aespara toda a populao ou s assumir um conjunto mnimo de aes para os

    pobres, os Estados deveriam se responsabilizar por um conjunto de aes es-

    senciais ofertadas com alta qualidade para toda a populao (WHO, 2000).

    Mais recentemente, aps uma srie de crticas s propostas seletivas,

    alm das evidncias de que tais medidas no resultaram na reduo da pobreza

    e no melhor acesso aos servios pblicos de sade, tanto o Banco Mundial

    quanto a OMS tm revisto suas posies. Atualmente, a OMS tem proposto

    revisitar a Conferncia de Alma-Ata, sugerindo um reavivamento dos princpios

    da APS formulados naquele momento (OMS/Opas, 2003).

    Algumas questes tm propiciado o resgate da proposta de APS em seusentido compreensivo, apontado para a insuficincia e a baixa efetividade da

    ateno primria como programa desconectado das demais aes do sistema

    de sade. O desenvolvimento tecnolgico no campo da sade, o perfil demogrfico

    da populao, o surgimento de novas doenas, o retorno de velhos agravos,

    entre outras questes econmicas e socioepidemiolgicas, que do contornos

    ao quadro das condies de sade de uma populao, levam a crer que uma

    viso restrita de ateno primria no corresponde realidade atual da aten-

    o sade.

    Atualmente, o quadro epidemiolgico geral das populaes marcado

    pelas doenas crnicas, que cada vez mais compem o conjunto de aes abor-dadas na esfera da ateno primria, pressupondo um cuidado integrado a ou-

    tros nveis de ateno (Bodenheimer, Wagner & Grumbach, 2002; Rothman &

    Wagner, 2003).

    Finalmente, o conceito ampliado de sade, baseado na noo de direito

    de cidadania, amplitude e diversidade de recursos existentes para lidar com os

    problemas de sade de nosso tempo, no comporta aes restritas na APS.

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    Cada vez mais se espera que a APS assuma posio estratgica para

    a superao de um modelo de ateno que no tem alcanado efetividade

    nas aes de sade, alm de no ter sustentao econmica nos sistemas

    de sade atuais.

    De que maneira o Brasil tem estruturado polticas nesta direo?

    Ateno Primria Sade no Brasil

    No Brasil, os antecedentes da ateno primria esto localizados no tra-

    balho desenvolvido pelo Servio Especial de Sade Pblica (Sesp) desde os

    anos 40.4As atividades do Sesp foram influenciadas pela medicina preventiva,

    dentro dos moldes clssicos norte-americanos. Seus programas incorporavam

    servios preventivos e curativos que contemplavam desde campanhas sanitri-

    as, assistncia domiciliar at a assistncia mdica ambulatorial, servios de

    urgncia e de internao hospitalar organizados em uma rede regionalizada e

    hierarquizada de ateno sade (Fonseca, 2001).5

    As aes desenvolvidas pelo Sesp tinham como base um programa inte-

    grado, compreensivo, que conciliava agentes sanitrios, auxiliares de enferma-

    gem, enfermeiros e mdicos. Aes de saneamento e abastecimento de gua

    potvel se integravam s de sade. Entretanto, a atuao do Sesp limitava-ses reas estratgicas e configurava-se como aes centralizadas, com pouca ou

    nenhuma articulao com as demais instituies de sade.

    Durante os anos 60, desenvolveram-se no pas os primeiros programas

    de integrao docente-assistencial realizados pelos recm-institudos Departa-

    mentos de Medicina Preventiva (DMP), vinculados s escolas de medicina. As

    experincias em medicina comunitria desenvolvidas em vrias localidades do

    pas faziam parte dos programas de formao mdica, associados s iniciativas

    voltadas para a interiorizao da medicina.

    4 O Sesp tinha como um dos seus objetivos centrais proporcionar o apoio mdico-sanitrio sregies de produo de materiais estratgicos que naquela poca eram relevantes para oBrasil em suas relaes internacionais, no perodo que antecedeu a Segunda Guerra Mundi-al. Neste sentido, o seu espao de atuao era a Amaznia (produo da borracha), o estadode Gois e o Vale do Rio Doce (extrao de minrios). A Fundao Rockefeller teve papelfundamental na organizao das aes do Sesp, e em seus primeiros anos as atividadesdesenvolvidas tiveram forte influncia da medicina preventiva, dentro dos moldes clssicosnorte-americanos.5Sobre a histria das aes e do sistema de sade brasileiro, ver Baptista, texto Histria daspolticas de sade no Brasil: a trajetria do direito sade, no livro Polticas de Sade: aorganizao e a operacionalizao do Sistema nico de Sade, nesta coleo (N. E.).

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    Ainda na dcada de 1960, agncias internacionais, como Fundao Kellogg

    e Fundao Ford, incentivaram a implantao de programas de extenso de

    cobertura, formulados principalmente por departamentos de medicina preven-

    tiva, secretarias estaduais de sade, em muitos casos havendo convnio entre

    duas ou mais instituies. Esses programas ocorriam paralelamente s medi-

    das oficiais adotadas pelo governo federal no mbito da sade, surtindo um

    relativo efeito de ampliao do acesso aos servios de sade, principalmente

    em reas pouco ou nada privilegiadas de recursos nesta rea. Constituram-se,

    desta maneira, em modelos alternativos ao padro dominante na poltica desade naquele momento.

    quela pocajera possvel identificar discursos e proposies que bus-cavam repensar o arcabouo dos modelos vigentes de ateno sade. Na III

    Conferncia Nacional de Sade (1963), por exemplo, diversos setores da soci-

    edade brasileira j expressavam, ainda que conflituosa e contraditoriamente,

    insatisfao com a estrutura do sistema nacional de sade, especialmente em

    relao centralizao, dicotomia entre assistncia mdica e aes preventi-

    vas, fragilidade do sistema no tocante sua capacidade para enfrentar osproblemas de sade da populao (Luz, 1986).

    As propostas alternativas que emergiram dos programas docente-assistenciais e posteriormente dos programas de extenso de cobertura trazi-

    am como questo central a compreenso de que no se tratava apenas de

    construir um modelo de ateno com maior racionalidade tcnica, mas cons-

    truir um novo modelo que fosse mais democrtico e inclusivo socialmente, que

    fosse capaz de se responsabilizar pela sade das pessoas. A ateno sade,

    neste caso, no se limitava a olhar os processos de adoecimento, mas tinha por

    referncia a noo de que o estado de sade das pessoas expressava uma

    relao direta com as condies de vida, o que exige uma interveno muito

    mais ampla. Tudo isso configurou uma crtica profunda medicina preventiva e

    ao sistema de sade oficial naquele momento.Seguindo este pensamento, j nos anos 70, alguns municpios organiza-

    ram seus sistemas locais de sade, tendo como eixo norteador os ideais de

    extenso de cobertura de aes de sade nas periferias urbanas, conforme

    difundidos naquele momento, porm com um diferencial: pensava-se na organi-

    zao de um sistema de sade integrado que articulasse as aes tpicas de

    ateno primria a um conjunto maior de aes em sade. Mesmo com uma

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    oferta de servios fragmentada, tais propostas apresentavam um leque de aes

    preventivas e curativas muito diferentes dos programas de medicina comunit-

    ria que propunham aes isoladas, sem nenhuma relao com uma rede de

    referncia de maior complexidade.

    No final da dcada de 1970, essas primeiras experincias em ateno

    primria comearam a ganhar visibilidade, dando o tom formulao de novas

    abordagens e formas de organizao da ateno em sade em uma perspectiva

    de servios de APS integrados ao sistema de sade no nvel local. Foram exem-

    plares, neste sentido, as experincias na organizao de servios de sade, nosmunicpios de Campinas, Londrina, Niteri, So Paulo, e projeto Montes Claros

    (Goulart, 1996).

    Neste contexto, o governo federal editou um programa nacional de ex-

    tenso de cobertura, o Programa de Interiorizao das Aes de Sade e Sa-

    neamento (Piass), em 1978, o qual foi bastante inspirado nessas experincias

    municipais, particularmente na experincia de Montes Claros. O Piass expres-

    sou as idias que faziam parte de um pensamento em destaque naquele mo-

    mento nas diversas reas do planejamento econmico e social no pas. Nesse

    programa, as aes de sade previam o uso de tecnologias mais simples, com

    utilizao ampla de pessoal auxiliar e agentes de sade residentes nas comuni-dades. Tinha como propsito criar uma infra-estrutura de sade pblica para

    uma rpida expanso na cobertura de aes de alcance coletivo.

    Inicialmente, o programa foi apresentado como uma proposta seletiva,

    voltada para regies mais pobres do pas, sendo o Nordeste sua rea de atua-

    o, abrangendo o chamado polgono das secas, rea coberta pela Superinten-

    dncia de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Em 1979, cogitou-se sua

    extenso para todo o territrio nacional.

    O Piass constituiu-se em uma das primeiras iniciativas formais de

    integrao das aes de sade com vistas a evitar atuaes superpostas e

    concorrentes dos servios de sade. Esta experincia brasileira aconteceu noperodo ureo da proposta de APS formulada em Alma-Ata.

    Apesar de ter respondido de maneira restrita s necessidades de sade

    de grupos populacionais desprovidos de acesso aos recursos de sade, o Piass

    contribuiu para a redefinio da poltica de sade, especialmente em dois senti-

    dos: props e investiu nas aes descentralizadoras, acumulando fora e apoio

    dos estados e municpios no sentido da expanso da rede pblica de ateno

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    sade. A partir da extenso da cobertura, apesar da caracterstica seletiva,

    colocou em discusso um modelo de organizao da ateno sade, distinto

    do predominante. Props uma reorientao na organizao da ateno, tendo a

    ateno primria como porta de entrada, e estimulou a integrao dos servios

    de sade nos diferentes nveis de ateno, os quais deveriam compor uma rede

    nica. Esta era uma perspectiva j verificada na experincia do Sesp (Souza,

    1980; Rosas, 1981).

    Na seqncia do Piass e superando sua caracterstica seletiva, em 1981 foi

    formulado o Programa Nacional de Servios Bsicos de Sade (Prev-Sade), cujatemtica principal girava em torno da poltica de extenso de cobertura dos servi-

    os de sade para todo o territrio nacional. Pode-se dizer que o Prev-Sade foi

    uma tentativa de re-edio do Piass, em uma verso de universalizao dos servi-

    os bsicos de sade. O programa previa a expanso da rede pblica de sade por

    intermdio dos municpios e estados, com integrao da rede de servios bsicos

    de sade e demais servios ofertados em outros nveis de ateno, tanto do siste-

    ma previdencirio quanto das demais instituies pblicas de sade. Em 1980, a

    proposta ganhou corpo com a configurao formal de suas diretrizes no mbito da

    VII Conferncia Nacional de Sade (VII CNS).

    No obstante ter havido consenso no momento de sua formulao, doponto de vista prtico o Prev-Sade no conseguiu avanar. Contudo, com o

    aprofundamento da crise da previdncia social que afetou a base da poltica

    nacional de sade ao longo da dcada de 1980, foram adotadas medidas

    institucionais de carter transitrio que marcaram o incio da reforma do siste-

    ma. Tais medidas foram colocadas em prtica pelo Ministrio da Sade e

    Instituto Nacional de Assistncia Mdica e Previdncia Social (Inamps),

    principais instituies que motivaram alteraes importantes no curso da

    poltica de sade. As Aes Integradas de Sade (AIS) e o Sistema nico

    e Descentralizado de Sade (Suds), ao mesmo tempo, davam respostas

    crise previdenciria e abriam espaos para a construo de um outro proje-to para o setor: o SUS.6

    A amplitude da agenda de Reforma Sanitria proposta pelo Movimento

    Sanitrio na VIII CNS (1986) empalideceu a discusso sobre ateno primria,

    6Sobre os princpios e diretrizes do SUS, ver Matta, texto Princpios e diretrizes do Sistemanico de Sade, no livro Polticas de Sade: a organizao e a operacionalizao do Sistemanico de Sade, nesta coleo (N. E.).

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    conforme se verificou nos anos 70 at a formulao do Prev-Sade. Temas

    como financiamento, descentralizao, universalizao e integrao das aes

    no sistema de sade adquiriram maior visibilidade no debate e foram matrias

    de grande negociao no momento da Constituinte.

    A ateno primria era um dos aspectos tratados como parte das discus-

    ses sobre a integralidade das aes na estrutura do sistema de sade e no

    mais como a estratgia para ampliao da cobertura do sistema pblico de

    sade. Esta discusso estava permeada pela noo de que um sistema de sa-

    de inclusivo e baseado nas necessidades de sade extrapola os limites de umaproposta de extenso de cobertura. Isso pressupunha que a organizao da

    ateno sade deveria ser integral tanto do ponto de vista das aes quanto

    no sentido da articulao da rede de servios de sade.

    Durante os anos 80 e 90, as propostas para APS no sistema de sa-

    de brasileiro divergiam em muitos aspectos das reformas realizadas em boa

    parte dos pases latino-americanos. Nestes, os governos foram motivados

    por agncias internacionais a adotar polticas de sade baseadas em pro-

    gramas seletivos de ateno primria e desvinculados de aes realizadas

    em outros nveis de ateno.

    No nosso pas, no se questionava o valor da ateno primria no conjun-to das aes e servios de sade. Entretanto, questionava-se o carter

    simplificador da medicina pobre para os pobres, adotada como poltica, cuja

    racionalidade econmica era a essncia das aes promovidas pelo Estado (Tes-

    ta, 1985, 1992).

    Assim, ao passo que muitos sistemas de sade pblicos estavam experi-

    mentando reformas no sentido da reduo dos custos de suas aes, o Brasil

    adotou legalmente polticas sociais de carter redistributivo e inclusivo jamais

    admitidas anteriormente. Nesta perspectiva, a APS, defendida e garantida no

    texto da Constituio Federal de 1988, foi pensada com base em princpios

    norteadores do SUS: sade como direito de todos, eqidade, integralidade e

    participao popular.

    A Ateno Primria no Sistema nico de Sade

    No SUS, as medidas reformistas implementadas at meados da dcada

    de 1990 estavam essencialmente voltadas para o financiamento e a

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    descentralizao das aes e servios de sade. A ausncia de uma discusso

    mais profunda no mbito do Ministrio da Sade sobre organizao da ateno

    fez com que prevalecesse, no SUS, o modelo de ateno centralizado, com

    nfase na doena e nas aes curativas ofertadas pelos hospitais. As aes de

    carter preventivo mantiveram-se sob o predomnio da lgica dos programas

    verticais e das campanhas sanitrias. O tipo de financiamento adotado favore-

    cia as aes de sade hospitalares e, na esfera das aes ambulatoriais, man-

    teve-se a lgica da produo de atos mdicos (consultas mdicas especializadas,

    recursos diagnsticos e terapias) no favorecendo as aes de promoo epreveno em sade.

    No curso do processo de descentralizao do sistema de sade, alguns

    municpios construram propostas alternativas e muito variadas em termos da

    organizao da ateno, tendo como foco a ateno primria. As experincias

    locais favoreceram a ampliao da discusso sobre a crise do modelo assistencial,

    intensificando a valorizao deste tema na agenda reformista do setor no de-

    correr da dcada de 1990.

    Em termos normativos, a APS ganhou destaque na poltica nacional

    de sade a partir da edio da Norma Operacional Bsica do Sistema nico

    de Sade NOBSUS 01/96. Em termos histricos, as primeiras iniciativasdo Ministrio da Sade dedicadas alterao na organizao da ateno

    sade com nfase na ateno primria surgiram no momento em que foram

    estabelecidos o Programa de Agentes Comunitrios de Sade (Pacs), em

    1991, e o Programa Sade da Famlia (PSF), em 1994. O Pacs e posterior-

    mente o PSF surgem com o intuito de estimular os municpios a assumirem

    alternativas de organizao da ateno em mbito local, especialmente

    aqueles municpios pequenos, sem nenhuma ou com exgua rede de servios

    de sade conformada.

    A institucionalizao do Pacs estava associada tambm ao do gover-

    no federal para enfrentar o problema dos altos ndices de morbimortalidadeinfantil e de algumas epidemias na regio Nordeste do Brasil, posteriormente

    se estendendo regio Norte. O PSF, considerado uma derivao e ampliao

    do Pacs, embora no assumido formalmente como um programa seletivo,

    priorizou sua implantao em reas de maior vulnerabilidade social, tendo como

    base de informao o mapa da fome produzido pela Comunidade Solidria (Dal

    Poz & Viana, 1998).

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    As caractersticas do Pacs e PSF, programas que deram expresso

    APS na agenda da poltica de sade dos anos 90, no primeiro momento,

    guardavam semelhanas com os programas formulados nos anos 70, nos

    seguintes aspectos:

    a extenso de cobertura de recursos assistenciais estava relaciona-

    da oferta de aes especficas de sade direcionadas a grupos

    populacionais mais vulnerveis com dificuldades para acessar e usar

    os servios de sade;

    na medida em que surgem como programas verticais desarticula-

    dos da rede de servios de sade, na sua origem no apresentavam

    elementos suficientemente fortes para reordenar a organizao da

    ateno no mbito do SUS.

    Claramente se verifica que os limites institucionais e os acordos poss-

    veis desta fase da implementao da poltica de sade refletiram no desenho

    dessas primeiras iniciativas de reorganizao da ateno dando um tom seleti-

    vo aos referidos programas de ateno primria. At o momento da formulao

    do PSF no existia na estrutura do Ministrio da Sade nenhuma rea peculiar

    que abrigasse a ateno primria como nvel de ateno. As aes desse cunhoconstituam-se em aes programticas organizadas segundo problemas espe-

    cficos: sade da criana, da mulher, mental, hipertenso arterial, tuberculose,

    entre outros, considerados aes prioritrias, vinculadas ao Departamento de

    Polticas de Sade.

    A posio marginal que ocupava o Pacs e o PSF dentro do Ministrio da

    Sade contribuiu para que tais programas assumissem no primeiro momento

    um perfil segmentado. Sua vinculao se fez junto Coordenao da Sade da

    Comunidade (Cosac) dentro do Departamento de Operaes da Fundao Na-

    cional de Sade (Funasa), sob responsabilidade da Gerncia Nacional do Agen-

    te Comunitrio e da Gerncia da Sade da Famlia. O PSF nasceu descoladodas reas programticas e nos seus primeiros anos de existncia manteve-se

    fora da estrutura do Ministrio da Sade.

    Uma das primeiras medidas que provocou a sada do PSF da posio

    marginal para uma posio de destaque no mbito da poltica foi a mudana na

    sua vinculao institucional. O programa foi transferido da Funasa para a Se-

    cretaria de Assistncia Sade (SAS), sendo ligado diretamente ao Departa -

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    mento de Assistncia e Promoo Sade. Essa medida partiu do Ministro

    Adib Jatene, sensibilizado quanto ao potencial do PSF para o fortalecimento da

    ateno primria na poltica de sade.

    A grande alterao nesse sentido foi a edio da NOB SUS 01/96,

    quando se instituiu o Piso da Ateno Bsica (PAB). Aos municpios seria

    repassado um valor especfico por meio do Fundo Municipal de Sade, cujo

    clculo seria de base per capita, para incentivar a organizao da rede b-

    sica de sade no nvel local. O PAB apresenta uma verso varivel destina-

    da ao incentivo de aes e projetos prioritrios, dando nfase ao Pacs e aoPSF. Com a edio dessa Norma Operacional, o Ministrio da Sade pas-

    sou a incentivar financeiramente a implantao do PSF e do Pacs nos siste-

    mas locais de sade como estratgias para reorganizao do modelo de

    ateno na rede pblica de sade. Estas medidas foram conduzidas como

    parte do processo de descentralizao em curso no pas.7

    A anlise da trajetria do PSF indica dois momentos diferentes do pro-

    grama. O primeiro marca sua fase de formulao e implantao quandoo pro-grama ocupava uma posio marginal no contexto global da poltica de sade,

    apresentando caractersticas de focalizao. No segundo momento, oPSF, comoproposta organizativa da APS, passa a ser considerado estratgico parareorientao do modelo de ateno ainda predominante no SUS.

    Do ponto de vista da abordagem, O Pacs e o PSF trouxeram a famlia e

    a comunidade como norteadores da organizao da ateno sade quando

    tradicionalmente a abordagem individual centrada na doena dominava a ao

    programtica da poltica nacional de sade. A proposta de organizao da aten-

    o inerente ao PSF foi assumida pelo Ministrio da Sade como estratgica

    para a reorganizao da ateno bsica do SUS.

    A ABS, ento, configura-se como primeiro nvel que se articula

    sistemicamente aos demais de servios de sade de maior complexidade

    assistencial, cuja abrangncia prov aes de promoo, preveno, trata-mento e reabilitao, de acordo com o perfil epidemiolgico e necessidades

    apresentadas em um dado territrio (Levcovitz & Garrido, 1996; Cordeiro,

    1996; Brasil, 1999).

    7Sobre o incentivo financeiro da APS no SUS, ver Serra e Rodrigues, texto O financiamentoda sade no Brasil, no livro Polticas de Sade: a organizao e a operacionalizao doSistema nico de Sade, nesta coleo (N. E.).

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    Os incentivos do Ministrio da Sade implantao do PSF visavam

    desenvolver as aes bsicas e promover a reorganizao das prticas de

    sade no somente neste nvel de ateno, mas com reflexos em todo o

    sistema. O modelo PSF prope que a equipe multidisciplinar assuma a res-

    ponsabilidade sobre um territrio onde vivem e trabalham um quantitativo

    de pessoas, tendo como foco de interveno a famlia, buscando imprimir

    uma ateno continuada, intersetorial e resolutiva com base nos princpios

    da promoo da sade (Brasil, 1999).

    Ateno Primria Sade e Ateno Bsica em Sade

    Vrios autores tratam indistintamente os termos Ateno Primria

    Sade (APS) e Ateno Bsica em Sade (ABS), apontando para o

    reconhecimento e utilizao internacional da APS; portanto, ABS seria uma

    descrio brasileira de uma concepo forjada historicamente no cenrio

    internacional (Matta, 2006).

    Atualmente, alguns autores, o prprio Conass e alguns documentos e

    eventos do Ministrio da Sade j vm utilizando a terminologia interna-

    cionalmente reconhecida de Ateno Primria Sade. Assim, claroque, no Brasil, o Ministrio da Sade adotou a nomenclatura de ateno

    bsica para definir APS, tendo como sua estratgia principal a Sade da

    Famlia. (Conass, 2007: 18)

    O termo ateno bsica foi assumido na poltica nacional de sade a

    partir da NOB SUS 01/96. Na anlise dos atores envolvidos na conduo da

    poltica, a opo pelo termo deveu-se essencialmente ao fato de que, naquele

    momento, existia, do ponto de vista ideolgico, uma forte resistncia de alguns

    atores ao termo ateno primria sade, principalmente porque, como dito

    anteriormente, o propsito seletivo prevalecia na concepo veiculada por or-

    ganismos internacionais. O que se propunha para a Reforma Sanitria brasilei-ra era uma estratgia e um dispositivo de ateno integral sade e articulada

    ao sistema de sade de base universal (Sampaio & Souza, 2002; Fausto, 2005).

    Conforme a atual Poltica Nacional de Ateno Bsica, a ABS pau-

    tada pelos princpios do SUS, caracterizando um dispositivo do sistema de

    sade brasileiro que deve garantir principalmente a universalidade, a

    integralidade e participao popular.

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    A Ateno Bsica caracteriza-se por um conjunto de aes de sade,no mbito individual e coletivo, que abrangem a promoo e a prote-o da sade, a preveno de agravos, o diagnstico, o tratamento, areabilitao e a manuteno da sade. desenvolvida por meio doexerccio de prticas gerenciais e sanitrias democrticas eparticipativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a popula-es de territrios bem delimitados, pelas quais assume a responsa-bilidade sanitria, considerando a dinamicidade existente no territ-rio em que vivem essas populaes. Utiliza tecnologias de elevadacomplexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemasde sade de maior freqncia e relevncia em seu territrio. o con-tato preferencial dos usurios com os sistemas de sade. Orienta-sepelos princpios da universalidade, da acessibilidade e da coordena-o do cuidado, do vnculo e continuidade, da integralidade, daresponsabilizao, da humanizao, da equidade e da participaosocial. (Brasil, 2006: 2)

    A globalizao da economia e, conseqentemente, suas estratgias de

    uniformizao do campo da sade, apontam para o uso de termos e definies

    que procuraram apagar a historicidade e as especificidades polticas, sociais e

    culturais dos Estados Nacionais e suas populaes. Atualmente, essas estrat-

    gias tm sido denominadas Polticas de Sade Globais, uma vez que impem

    uma transterritorialidade aos sistemas e polticas de sade nacionais, da qual a

    APS um de seus principais exemplos (Matta, 2005a).A OMS, o Banco Mundial e a Unicef so alguns dos organismos interna-

    cionais que formulam e propem a APS como um programa a ser desenvolvido

    tendo em vista recomendaes e diretrizes que no dialogam com as

    especificidades dos sistemas nacionais de sade, desconsiderando, em nome de

    proposies custo-efetivas, os pactos nacionais, a participao popular e princi-

    palmente a discusso sobre a sade como um direito.

    Neste sentido, ABS a noo que melhor representa a histria e a

    concepo do sistema de sade brasileiro, fundado nos ideais da Reforma Sani-

    tria e nos princpios e diretrizes do SUS.

    Consideraes Finais

    O PSF tem ocupado um espao importante na agenda da poltica de

    sade. Mas, ao mesmo tempo, por ser um modelo especfico de organizao da

    ateno que tem incentivado implantao nas diferentes realidades do pas,

    tem provocado crticas importantes sua estruturao e implementao.

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    Parte das crticas feitas ao PSF, principalmente nos primeiros anos de

    sua implantao identifica o programa como vertical e seletivo, muito prximo

    das cestas bsicas propostas pelo Banco Mundial. Outros argumentos apontam

    que o PSF no uma proposta inovadora como propem seus formuladores. Ao

    contrrio, traz de volta propostas j superadas, como a da medicina comunit-

    ria ou da medicina simplificada direcionada para os pobres. Outras crticas apon-

    tam o carter centralizador dessas medidas, argumentando que a definio

    prvia da alocao dos recursos financeiros limita as chances dos municpios em

    adotar modelos de ateno mais condizentes com a realidade local.Mesmo que no se possa falar que haja consenso em torno do PSF,

    indiscutvel que sua formulao tenha provocado a reestruturao e o fortaleci-

    mento das diretrizes da ateno primria no mbito da poltica nacional de

    sade. A Estratgia Sade da Famlia (ESF) trouxe incontestvel relevncia

    para a ateno bsica na agenda decisria da poltica nacional de sade e por

    vrias razes tem motivado os dirigentes a persistirem nesta direo.

    Especialmente a partir de 1998, a ESF tem-se desenvolvido em todo

    o pas, sendo notveis a expanso geogrfica de cobertura e a ampliao

    quantitativa das equipes do PSF nos muitos e variados municpios e regies

    do Brasil. Todavia, devemos considerar as diferenas regionais e municipaisverificadas nesse processo. A gesto da ateno bsica muito variada

    entre os municpios brasileiros que tambm so muito desiguais entre si em

    termos demogrficos, econmicos, culturais e institucionais. Os diferentes

    momentos e formas de gesto da sade nos municpios tm reflexos signi-

    ficativos na pluralidade de implantao do PSF e de organizao da ateno

    bsica (Viana et al., 2002; Brasil, 2002). 8

    Boa parte dos problemas e constrangimentos verificados no desenvolvi-

    mento do PSF e mais amplamente na ateno bsica tem relao com a prpria

    vulnerabilidade do SUS. Em ltima instncia, refletem as diretrizes da poltica

    econmica vigente no pas que atingem brutalmente as polticas sociais. O SUSainda apresenta marcas de um sistema de sade fragmentado, no qual as ins-

    tituies de sade so pouco articuladas, suas aes so, em grande medida,

    8 Sobre a relao entre as instncias de gesto do SUS, ver Machado, Lima e Baptista, textoConfigurao institucional e o papel dos gestores no Sistema nico de Sade, no livroPolticas de Sade: a organizao e a operacionalizao do Sistema nico de Sade, nestacoleo (N. E.).

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    desintegradase o acesso da populao aos recursos nos diferentes nveis deateno predominantemente muito desigual. Isto tem reflexos na ateno

    primria e em qualquer outro momento da ateno fornecida pelo SUS.

    Ainda h um longo caminho a ser percorrido para que se possa afirmar

    que as medidas de fortalecimento da ateno bsica adotadas pelo governo

    federal foram capazes de reorientar o modelo assistencial nos servios de sa-

    de do pas e de consolidar uma maior qualidade e satisfao do usurio com os

    servios prestados pela rede pblica.

    Sabemos que, apesar dos investimentos crescentes na ateno bsica,ainda se mantm o modelo assistencial em que a lgica da organizao da

    ateno ainda parte muito mais dos procedimentos previamente definidos do

    que propriamente das necessidades de sade apresentadas pela populao em

    territrios especficos. As aes de promoo e preveno ainda apresentam

    um vis essencialmente vertical, programtico e campanhista. Apesar da am-

    pliao dos recursos financeiros em APS, esses investimentos apresentam mais

    reflexo na ampliao do acesso do que na redefinio do modelo assistencial.

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