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2 ATRIBUNA VITÓRIA, ES, DOMINGO, 29 DE SETEMBRO DE 2013 AT2 BELEZA “Cultura de reclamar da aparência” E star em dia com o corpo é mais uma das preocupações das mulheres, que já somam outras obrigações no dia a dia, com filhos, marido, casa e carreira pro- fissional. Para a antropóloga Mi- rian Goldenberg, a mulherada está exausta, infeliz e insatisfeita. Mirian, que, desde 2007, conduz a pesquisa “Corpo, Envelhecimen- to e Felicidade” na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), TESTE Você é neurótica com a aparência? 1 Pensando sobre o seu próprio cor- po, você sente que ele: A. Está acima ou abaixo do peso e lon- ge do ideal B. Pode melhorar C. Está muito próximo de como você gostaria 2 É um domingo de sol. Os amigos ligam para você e te convidam pa- ra curtir uma praia. Você imediata- mente pensa: A. Não vou. Meu corpo está horrível, não vou me sentir à vontade B. Acho que dá pra encarar a praia C. É uma oportunidade de mostrar a minha beleza 3 Chega a hora de se vestir pra balada. Vo c ê : A . Troca de roupa várias vezes, pois nada parece ficar bem em você DIVULGAÇÃO MIRIAN: “Elas querem ser leves” KADIDJA FERNANDES/AT A antropóloga Mirian Goldenberg diz que brasileiras buscam ideal de perfeição, gerando exaustão e infelicidade B. Demora muito para se arrumar, mas acaba achando algo que lhe parece bom C. Não consegue escolher, pois tudo lhe cai bem 4 Se pudesse mudar alguma coisa em seu corpo, você escolheria: A. Um novo corpo B. Uma ou duas coisas, só pra melho- rar C. Nada. Me sinto muito bem do jeito que estou Mais A INSATISFEITA. Insegura e autocríti- ca, você parece ter uma relação de insatisfação com seu corpo e com sua aparência. Cuidado para não desenvolver uma baixa autoestima, que vai te prejudicar. Mais B PARCIALMENTE SATISFEITA. De- pendendo do dia e das suas condi- ções, você pode se sentir bem ou mal com seu corpo. Tente manter os pensamentos positivos sobre suas formas. Mais C TOTALMENTE SATISFEITA. Você se sente “poderosa” com suas formas. Sua relação com o seu corpo é de satisfação e sua autoestima é alta. RESULTADO ESPECIALISTAS Neurose “As mulheres são sensíveis à 'cultura do corpo' do Brasil, pois boa parte de sua valorização se dá por atributos físi- cos. Isso pode se tornar neurose quando elas passam a perseguir modelos de beleza irreais”. Adriano Jardim, psicólogo Ditadura “A gente vive a ditadura da magre- za e beleza no Bra- sil. A partir do mo- mento em que vo- cê não é magra, tem fraqueza de caráter. O gordo é o novo fumante”. Fernanda Thedim, autora de “Corpo Novo, Vida Nova” Acesso “Hoje as pessoas têm acesso a trata- mentos, academias. O consumo de bele- za é grande. Nas classes mais bai- xas, elas também querem ser magras e fazer plásticas”. Joana de Vilhena Novaes, psicanalista Demora pra se vestir A estudante de Pedagogia Me- lissa Costa, 19 anos, revela que também sofre com a autocrítica em relação à aparência. “As pessoas me dizem: 'Nossa, você é tão bonita'. Fico sem graça e respondo: 'Quem dera'”, contou ela, aos risos. Melissa entregou que não gos- ta muito de sua barriga, mas não fica triste com isso. Dias atrás, ela demorou uma hora para ficar pronta para sair com os amigos. Tudo porque tro- cava de roupa o tempo todo, até achar uma produção que desse certo com ela. “É engraçado, a gente bota uma coisa, tira e co- loca outra, e acha que nada está bem”. Ela comentou que gosta de cuidar da aparência. “Vou sem- pre ao salão, me alimento bem. Nunca fiz, mas sou a favor de plástica para melhorar alguma parte do corpo”. Não sou tão encanada com a aparência. Posso estar insatisfeita, mas sei que sempre tenho uma maneira de melhorar falou sobre o tema ao AT2. O as- sunto também é tratado em seu li- vro mais recente, “A Bela Velhice”, da editora Record. AT2 Acredita que as brasilei- ras são extremamente insatis- feitas? MIRIAN GOLDENBERG São. A brasileira tem cultura de reclamar mais da aparência. Muitas pare- cem se focar mais no que elas não têm, em suas faltas. Investigam suas faltas, usando uma lupa para aumentar, como se fossem deteti- ves. Há busca por um ideal de per- feição. A brasileira se exige, por is- so está sempre insatisfeita. Ou faz dieta, ou acha que deveria fazer. Ou está malhando, ou acha que de- veria malhar. Não são tantas as mulheres que malham, mas mui- tas se sentem mal por não malha- rem. As brasileiras estão insatisfei- tas e exaustas. > Como é isso? A mulher brasileira soma exi- gências sociais, não consegue di- zer “não” e se livrar de algumas delas. É dona de casa e mãe. Ainda trabalha fora e estuda, procurando sempre crescer profissionalmente. E ainda é vaidosa, e se preocupa com o corpo. A mulher tem difi- culdade de priorizar um tempo para ela, e fica muito insatisfeita, exausta. > Essas exigências levam à in- felicidade? Em minha pesquisa, 32% das entrevistadas disseram que não são felizes por serem perfeccionis- tas, insatisfeitas, críticas, ocupa- das. Estamos exaustas e infelizes, mas 60% das entrevistadas afir- mam que querem ser mais leves e divertidas. O tempo é um bem pre- cioso. Como estão voltadas para demandas, as mulheres não têm tempo pra elas. > O culto ao corpo é grande no Brasil? O corpo sexy, magro e jovem é um capital, sem dúvida. Só de pen- sar que um dia vai envelhecer, a mulher brasileira já sofre. Por isso, as brasileiras investem muito em cuidados de aparência, desde ce- do, com pavor de envelhecer. Pas- samos décadas sofrendo, pensan- do na velhice. Mas a velhice pode ser um momento de liberdade, o melhor momento da vida de uma pessoa. O Brasil sempre foi um país de pessoas jovens, agora a pi- râmide está sendo invertida. A po- pulação está envelhecendo. Não são só as celebridades que podem ser belos velhos, mas todos nós po- demos ser. Fonte: psicólogo Adriano Jardim

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2 ATRIBUNA VITÓRIA, ES, DOMINGO, 29 DE SETEMBRO DE 2013

AT 2

B E L EZ A

“Cultura de reclamar da aparência”

Estar em dia com o corpo émais uma das preocupaçõesdas mulheres, que já somam

outras obrigações no dia a dia, comfilhos, marido, casa e carreira pro-fissional. Para a antropóloga Mi-rian Goldenberg, a mulherada estáexausta, infeliz e insatisfeita.

Mirian, que, desde 2007, conduza pesquisa “Corpo, Envelhecimen-to e Felicidade” na UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ),

T EST E

Você é neurótica com a aparência?1 Pensando sobre o seu próprio cor-

po, você sente que ele:A. Está acima ou abaixo do peso e lon-ge do idealB. Pode melhorarC . Está muito próximo de como vocêg o s ta r i a

2 É um domingo de sol. Os amigosligam para você e te convidam pa-

ra curtir uma praia. Você imediata-

mente pensa:A. Não vou. Meu corpo está horrível,não vou me sentir à vontadeB. Acho que dá pra encarar a praiaC. É uma oportunidade de mostrar aminha beleza

3 Chega a hora de se vestir pra balada.Vo c ê :

A . Troca de roupa várias vezes, poisnada parece ficar bem em você

D I V U LG AÇ ÃO

MIRIAN: “Elas querem ser leves”

KADIDJA FERNANDES/AT

A antropóloga MirianGoldenberg diz quebrasileiras buscamideal de perfeição,gerando exaustão einfelicidade

B. Demora muito para se arrumar, masacaba achando algo que lhe parecebomC. Não consegue escolher, pois tudolhe cai bem

4 Se pudesse mudar alguma coisaem seu corpo, você escolheria:

A. Um novo corpoB. Uma ou duas coisas, só pra melho-ra rC. Nada. Me sinto muito bem do jeitoque estou

Mais AINSATISFEITA . Insegura e autocríti-ca, você parece ter uma relação deinsatisfação com seu corpo e comsua aparência. Cuidado para nãodesenvolver uma baixa autoestima,que vai te prejudicar.

Mais BPARCIALMENTE SATISFEITA. D e-

pendendo do dia e das suas condi-ções, você pode se sentir bem oumal com seu corpo. Tente manteros pensamentos positivos sobresuas formas.

Mais CTOTALMENTE SATISFEITA. Você sesente “poderosa”com suas formas.Sua relação com o seu corpo é desatisfação e sua autoestima é alta.

R ES U LTA D O

ES P EC I A L I STAS

N e u ro s e“As mulheres são

sensíveis à 'culturado corpo' do Brasil,pois boa parte desua valorização sedá por atributos físi-cos. Isso pode setornar neurose quando elas passam aperseguir modelos de beleza irreais”.

Adriano Jardim, psicólogo

D i ta d u ra“A gente vive a

ditadura da magre-za e beleza no Bra-sil. A partir do mo-mento em que vo-cê não é magra,tem fraqueza decaráter. O gordo é o novo fumante”.

Fernanda Thedim, autora de“Corpo Novo, Vida Nova”

A c e ss o“Hoje as pessoas

têm acesso a trata-mentos, academias.O consumo de bele-za é grande. Nasclasses mais bai-xas, elas tambémquerem ser magras e fazer plásticas”.

Joana de Vilhena Novaes, p s i c a n a l i s ta

Demora pra se vestirA estudante de Pedagogia Me-

lissa Costa, 19 anos, revela quetambém sofre com a autocríticaem relação à aparência.

“As pessoas me dizem: 'Nossa,você é tão bonita'. Fico sem graçae respondo: 'Quem dera'”, contouela, aos risos.

Melissa entregou que não gos-ta muito de sua barriga, mas nãofica triste com isso.

Dias atrás, ela demorou umahora para ficar pronta para saircom os amigos. Tudo porque tro-cava de roupa o tempo todo, atéachar uma produção que dessecerto com ela. “É engraçado, agente bota uma coisa, tira e co-loca outra, e acha que nada estábem”.

Ela comentou que gosta decuidar da aparência. “Vou sem-pre ao salão, me alimento bem.Nunca fiz, mas sou a favor deplástica para melhorar algumaparte do corpo”.

“Não sou tãoencanada com

a aparência. Possoestar insatisfeita, massei que sempre tenhouma maneira de

melhorar ”

falou sobre o tema ao AT 2. O as-sunto também é tratado em seu li-vro mais recente, “A Bela Velhice”,da editora Record.

AT2 Acredita que as brasilei-ras são extremamente insatis-feitas?

MIRIAN GOLDENBERG São. Abrasileira tem cultura de reclamarmais da aparência. Muitas pare-cem se focar mais no que elas nãotêm, em suas faltas. Investigamsuas faltas, usando uma lupa paraaumentar, como se fossem deteti-ves. Há busca por um ideal de per-feição. A brasileira se exige, por is-so está sempre insatisfeita. Ou fazdieta, ou acha que deveria fazer.Ou está malhando, ou acha que de-veria malhar. Não são tantas asmulheres que malham, mas mui-tas se sentem mal por não malha-rem. As brasileiras estão insatisfei-

tas e exaustas.> Como é isso?A mulher brasileira soma exi-

gências sociais, não consegue di-zer “n ão” e se livrar de algumasdelas. É dona de casa e mãe. Aindatrabalha fora e estuda, procurandosempre crescer profissionalmente.E ainda é vaidosa, e se preocupacom o corpo. A mulher tem difi-culdade de priorizar um tempopara ela, e fica muito insatisfeita,exa u st a .

> Essas exigências levam à in-felicidade?

Em minha pesquisa, 32% dasentrevistadas disseram que nãosão felizes por serem perfeccionis-tas, insatisfeitas, críticas, ocupa-das. Estamos exaustas e infelizes,mas 60% das entrevistadas afir-mam que querem ser mais leves edivertidas. O tempo é um bem pre-

cioso. Como estão voltadas parademandas, as mulheres não têmtempo pra elas.

> O culto ao corpo é grande noB ra s i l ?

O corpo sexy, magro e jovem éum capital, sem dúvida. Só de pen-sar que um dia vai envelhecer, amulher brasileira já sofre. Por isso,as brasileiras investem muito emcuidados de aparência, desde ce-do, com pavor de envelhecer. Pas-samos décadas sofrendo, pensan-do na velhice. Mas a velhice podeser um momento de liberdade, omelhor momento da vida de umapessoa. O Brasil sempre foi umpaís de pessoas jovens, agora a pi-râmide está sendo invertida. A po-pulação está envelhecendo. Nãosão só as celebridades que podemser belos velhos, mas todos nós po-demos ser.

Fonte: psicólogo Adriano Jardim