capítulo vii a reorganização da abapi e a luta pelo ... · história do estado autoritário. ......

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Capítulo VII A reorganização da ABAPI e a luta pelo reconhecimento da profissão 103 “A necessidade de uma remodelação da Associação em sua estrutura é mais imperiosa ainda pelo fato de que terá agora que assumir encargos importantíssimos, avultando dentre eles a obtenção de uma lei federal que discipline o acesso e o exercício da profissão de agente da Propriedade Industrial por formas adequadas à realidade atual...” MEMORIAL DOS AGENTES DE 1975

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Capítulo VIIA reorganização da ABAPI e a lutapelo reconhecimento da profissão

103

“A necessidade de uma remodelação da Associação

em sua estrutura é mais imperiosaainda pelo fato de que terá

agora que assumir encargosimportantíssimos, avultando

dentre eles a obtenção de uma leifederal que discipline o acesso e oexercício da profissão de agente daPropriedade Industrial por formas

adequadas à realidade atual...”

MEMORIAL DOS AGENTES DE 1975

O ano de 1974, quando assumiu a presidência daRepública o general Ernesto Geisel, foi um marco nahistória do Estado autoritário. Geisel reiterava ocompromisso de implementar uma “abertura lenta egradual”. Apesar das pressões da oposição, a transiçãopara a democracia caminhou lentamente nos primeirosanos. Mas foi o suficiente para abrir novas perspectivaspara a sociedade brasileira.

No plano econômico, a crise internacional do petróleo de1973 havia causado alguns transtornos. Em compensação,nos anos seguintes, os países exportadores de petróleopassaram a oferecer os chamados petrodólares, com jurosbaixíssimos. A entrada de grandes financiamentos externospermitiu que a economia se mantivesse aquecida, aomesmo tempo em que a dívida externa do país alcançavanúmeros jamais vistos. Grandes obras, como aTransamazônica, continuavam na agenda governamental. Aindústria e o comércio se beneficiaram. Como reflexo, onúmero de pedidos de marcas e patentes mantinha-se emacelerado crescimento.

“Veja” (1976)

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Os novos ares políticos alcançaram o INPI em 1975, dandoinício a uma nova fase. O presidente do órgão, capitãoThomaz Thedim Lobo, afastou-se do cargo.81 Curiosamente,após a reforma na Marinha, abraçou a profissão de agente,abrindo um escritório de Propriedade Industrial.

Na ocasião, assumiu a presidência do órgão GuilhermeHatab, o primeiro civil. Com uma nova postura, ele deu umaguinada na questão da exclusividade no procuratório. Masno INPI a transição também foi lenta e progressiva, numespelho do processo de transição pelo qual passava o país.

Apesar de lenta, a transformação foi significativa. A grandenovidade foi a disposição do novo presidente em dialogarcom os agentes e com a ABAPI. Na prática, a políticasignificou o reconhecimento da categoria pelo INPI, aindaque não houvesse reconhecimento oficial da exclusividadedo procuratório.

A mudança não foi fruto apenas de uma visão diferenciadada questão. A realidade - a morosidade no andamentodos processos estava de volta - reclamava uma novapostura. O INPI enfrentava diversos problemas criadospela atuação de agentes totalmente despreparados para oexercício da profissão. Também contribuiu para essequadro adverso a elevação das taxas para os registros epatentes em até cerca de 500%, o que pressupunha amovimentação de grandes capitais e quase esmagou ospequenos agentes.

81. Entrevista de Oscar-José Werneck Alves,em 15 de agosto de 1998.

Agentes e o presidente doINPI discutem os rumos daPropriedade Industrial nocomeço da década de 1970(da esq. para dir.: EduardoThomé Saboya e Silva,Tomaz Thedin Lobo, Oscar-José Werneck Alves,Custódio Cabral de Almeidae Thomas Othon Leonardos)

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A rearticulação da ABAPIEm 1976, o país vivia um quadro político bem diferentedaquele do início da década. O arbítrio e a intolerânciahaviam progressivamente perdido espaço. Os estudantesse reorganizaram. Diversos sindicatos, associações e outrossegmentos da sociedade civil logo se reordenaram.

O fenômeno também alcançou os agentes. Antigosassociados da ABAPI se mobilizaram para rearticular aentidade. Oscar-José Werneck Alves que foi procurado pordiversos agentes, muitos deles integrantes dos grandesescritórios, e indicado para encabeçar uma nova diretoria.

Na ocasião, os membros do movimento de rearticulaçãoenviaram memorial a Thomas Othon Leonardos,destacando “seu empenho pessoal, no exercício dessemandato que já conta com cinco anos, com o objetivo depreservar o reconhecimento da nossa profissão, reivindicarcondições mínimas para o nosso exercício profissional juntoao INPI e valorizar a nossa especialidade”.

O documento falava da necessidade de remodelação daAssociação, com vistas à obtenção de lei federal paradisciplinar a profissão de agente da Propriedade Industrial.Com o objetivo de mobilizar os agentes em torno daentidade, o memorial - assinado por 63 agentes82 - sugeriaanistia geral das contribuições vencidas, admissão denovos sócios sem cobrança de quaisquer taxas, entreoutras. As propostas foram prontamente aceitas. Em tornodo nome de Oscar-José Werneck Alves foi organizada umachapa de consenso, integrada por vários agentes novos.

Em julho de 1976 foi realizada a assembléia para a escolhada nova diretoria, conselho fiscal e consultivo. As eleições,que transcorreram tranqüilamente, contaram com apresença de agentes de diversos Estados. A nova diretoriaassumiu a entidade sem nenhuma dívida, que havia sidoquitada pela diretoria anterior, e com recursos próprios.

Abriu-se uma fase totalmente nova. Até o fim da década de1960, a principal meta havia sido o melhoramento doexercício da profissão e o aprimoramento do DNPI. Agora,diante da descaracterização da função de agente daPropriedade Industrial, a missão era resgatar oreconhecimento oficial da categoria, enfrentando posiçãopolítica adversa dentro do governo. Tratava-se de empreenderautêntica cruzada pelo reconhecimento da profissão.

Essa luta marcou a história da ABAPI nas décadasseguintes. Ao longo dos anos, a batalha passou por etapasbem distintas. Foi preciso fazer constantes articulaçõesjunto aos poderes públicos, à imprensa e à sociedade civil.O êxito só veio com a volta da democracia.

82. Abaixo-assinadoenviado a Thomas OthonLeonardos, em 3 deoutubro de 1975.

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“Jornal do Brasil” (26 dejunho de 1976)

O primeiro anteprojeto de regulamentação daprofissão de agente da Propriedade IndustrialReconhecendo que o fim da exclusividade no procuratóriotinha sido prejudicial ao bom andamento do INPI, o entãopresidente do órgão, Guilherme Hatab, defendia a criaçãode algum tipo de controle sobre o acesso à profissão. E,curiosamente, era contrário a que esse controle fosseexercido pela autarquia. 83

Estavam lançadas as bases para a auto-regulação profissionalda categoria. Os agentes não perderam tempo. Na assembléiaconvocada para a escolha da nova diretoria, em 23 de julho de1976, foi designada uma comissão especial de trabalhos paraa elaboração do anteprojeto de regulamentação. Era integradapor Denis Allan Daniel, Luiz Leonardos, Peter Dirk Siemsen,Pietro Ariboni e Waldemar Álvaro Pinheiro. A elaboração de umtexto inicial para debate na comissão ficou sob aresponsabilidade de Luiz Leonardos.84

O anteprojeto elaborado pela comissão entregava ocontrole do acesso ao cargo de agente e a fiscalização doexercício da profissão à ABAPI. Foi baseado no modeloinglês - onde o controle da profissão de agente daPropriedade Industrial era exercido pelo Chartered Instituteof Patents Agents ou pelo Institute of Trade Marks AgentsLtd - e nos estatutos da OAB.85

83. Carta da ABAPI aUbirajara Quaranta Cabral,presidente do INPI, em 26de maio de 1977.

84. Correspondência daABAPI para GuilhermeHatad, presidente do INPI,de 2 de julho de 1977. Vertambém circular da ABAPIde 15 de julho de 1977.

85. Correspondência deLuiz Leonardos para aABAPI, em 10 de janeiro de1977.

Novos tempos: Gert EgonDannemann, Peter DirkSiemsen e Oscar-JoséWerneck Alves emconfraternização com opresidente do INPI, ArthurBandeira de Mello (quarto,da esq. para dir.), no fim dadécada de 1970

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Em 1º de setembro de 1977, o anteprojeto foi enviado paraa apreciação do INPI.86 Os meses seguintes foram deansiedade para a categoria, que aguardava a manifestaçãodo Instituto. Prevalecia no governo visão contrária àproposta e os dirigentes do órgão preferiram manter osilêncio. O fato levou a categoria a mudar de tática ebuscar aprovação através do Legislativo.

Em 1980, o deputado Célio Borja apresentou o Projeto deLei de Regulamentação da Profissão de Agente daPropriedade Industrial, sob o nº 3.437/80. A grandenovidade era a incorporação do princípio da autogestão, oque transformava a ABAPI em órgão de controle profissionaldos agentes da Propriedade Industrial. O projeto foirapidamente aprovado na Câmara dos Deputados.

86. Correspondência daABAPI para o INPI, em 1 desetembro de 1977.

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“Manchete” (1978)

A década perdida e a redemocratizaçãoClassificada pelos economistas como a década perdida, osanos 80 foram marcados pela economia estagnada, cominflação centenária e gigantesca dívida pública interna eexterna. O país pagou pelos erros cometidos na décadaanterior. Os números não deixaram dúvidas: em 1970, adívida do Brasil alcançava 5,2 bilhões de dólares; em 1979,era quase dez vezes maior, 49,9 bilhões; em 1983, ano dagrande crise, estava próxima dos 100 bilhões de dólares. Ocrescimento da inflação no período foi igualmente trágico:em 1978, era de 40% anual; em 1980, atingiu os trêsdígitos, 110%; em 1983, passou dos 200%.

O trágico quadro econômico só era compensado pela voltada democracia. Em 1984 chegaram ao fim os governosmilitares, após a fantástica campanha das Diretas Já, quelevou milhares de brasileiros às ruas. Apesar da nãoaprovação das eleições diretas para a presidência daRepública, o movimento criou as condições para que achapa de oposição, formada por Tancredo Neves e JoséSarney, derrotasse Paulo Salim Maluf, candidato da situação.

Começou o governo de transição. Fatidicamente, TancredoNeves não pôde tomar posse em conseqüência da doençaque o vitimou algumas semanas depois, comovendo toda anação. Assumiu o vice-presidente José Sarney, quepermaneceu no cargo por cinco anos.

A transição para a democracia culminou com a realizaçãoda Assembléia Nacional Constituinte e a promulgação daConstituição em 1988. O Brasil voltava à ordemconstitucional democrática 24 anos após o golpe de 1964.Finalmente, no ano seguinte, houve eleição direta parapresidência da República, consagrando o processo.Fernando Collor de Mello saiu vencedor.

Nesse mesmo ano de 1983, para ampliar as atividades dacategoria, criou-se a Associação Paulista da PropriedadeIndustrial (ASPI), reunindo agentes e empresários. Dedicadaa estudos sobre a Propriedade Industrial, a ASPI, sediadaem São Paulo, teve como seu primeiro presidente JoséCarlos Tinoco Soares.

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O projeto de Célio BorjaApesar da rápida aprovação na Câmara dos Deputados, oprojeto de regulamentação da profissão apresentado pelodeputado Célio Borja enfrentou longa batalha no Senado,onde recebeu o número 124/81.87 Surgiram duas propostascontrárias à aprovação do projeto da forma como seapresentava: um parecer do INPI e outro da ConsultoriaJurídica do Ministério da Indústria e Comércio.

Havia na época um forte movimento político contra ocorporativismo, o que complicava a tramitação. Para muitoslegisladores, o projeto era corporativista. Apesar de não setratar de uma visão hegemônica dentro do Congresso, apostura, juntamente com a posição contrária manifestadapor parte das autoridades, contribuiu para que o projetonão conseguisse reunir o apoio necessário para suaaprovação no Senado. Em 1988, ele foi arquivado e a lutapelo reconhecimento da categoria tomou novo rumo.

87. Circular da ABAPI dedezembro de 1980.

88. Ata da assembléia geralextraordinária de 4 denovembro de 1983.

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O Primeiro Encontro Nacional dos Agentes da Propriedade Industrial, em 1983A integração da categoria era a principal meta da ABAPI aoreiniciar as atividades em 1980. O Primeiro EncontroNacional dos Agentes da Propriedade Industrial, no Rio deJaneiro, foi realizado nos dias 14 e 15 de abril de 1983,intercalando atividades sociais com trabalho. O principaltema de debate era a questão da regulamentaçãoprofissional e o andamento do projeto apresentado pelodeputado Célio Borja, que acabou sendo arquivado em1988. Os Encontros tornaram-se uma tradição, repetindo-seanualmente. Neles, são homenageadas pessoas que sedestacaram na profissão.

No mesmo ano da realização do Primeiro Encontro, osestatutos da entidade foram alterados. Uma assembléia geralextraordinária foi convocada para tratar da ampliação doquadro associativo. Mais de quinze anos haviam se passadosem realização de qualquer concurso. E, como a categoriatinha crescido muito, era necessário flexibilizar o acesso àentidade àqueles que vinham exercendo a profissão.Encontrou-se então uma alternativa criativa: a instituição dacategoria de “sócio aspirante”. Nela estariam incluídosengenheiros, químicos, físicos e aqueles que comprovassemo exercício da profissão por mais de dez anos.88

Os cursos de formação de agentes da ABAPIDurante os anos 80, enquanto ocorriam a elaboração e atramitação do projeto de lei para regulamentar a profissão,os documentos do arquivo da ABAPI evidenciavamcrescente preocupação da diretoria com a multiplicaçãodos problemas éticos. A política adotada pelo INPI em 1973deu margem ao acesso de muitas pessoas desqualificadas.Começaram a surgir diversas práticas antiéticas, como acorrida sem qualquer princípio aos clientes.

O problema maior era a atuação de falsos agentes, quedesvirtuavam a profissão. Esse grupo criou uma práticadesprezível, saindo nas grandes vias comerciais para catare aliciar supostos clientes.89

A categoria vivia situação extremamente contraditóriaporque, para o INPI, os agentes não existiam formalmente.Na sociedade havia certa confusão. Segundo algunsprofissionais, havia um desgaste do termo agente e muitospreferiam denominar-se “profissional especializado emPropriedade Industrial”.90 As empresas, entretanto, sabiam adiferença e procuravam os escritórios especializados emPropriedade Industrial. Companhias estrangeiras traziam doexterior uma cultura tradicional de Propriedade Industrial,onde a profissão de agente é centenária e tem suaimportância reconhecida. Grandes empresários nacionaiscontinuaram a freqüentar os escritórios em que confiavam.

89. Entrevista de LuizLeonardos, em 18 deagosto de 1998.

90. Entrevista de LuizLeonardos, em 18 deagosto de 1998.

Primeiro Encontro Nacionalde Profissionais daPropriedade Industrial (Rio de Janeiro, abril de1983)

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O acesso indiscriminado de pessoas ao exercício daprofissão provocou muitos transtornos. Não era apenas apresença de pessoas sem ética que causava problemas.Havia muitos procuradores de boa-fé que cometiam atosantiéticos por absoluta desinformação. A ABAPI sabia queera preciso tomar providências.

Ainda nos fins da década de 1980, a entidade deu início auma série de cursos voltados para a formação profissionalbásica. Nos anos seguintes, os cursos foram seaprimorando e aprofundando.

Certificado de registro de marca “ABAPI” (maio de1983)

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Convite para coquetel deabertura do SegundoEncontro Nacional deProfissionais da PropriedadeIndustrial (CopacabanaPalace, junho de 1984)

A nova Constituição e a questão daregulamentação da profissão de agenteA questão do reconhecimento profissional foi recolocadaapós a promulgação da Constituição de 1988. Na ABAPIhavia um consenso de que a nova Carta e o famoso Decreto-lei nº 8.933 resguardavam a existência da profissão deagente da Propriedade Industrial. No entanto, mais uma vez,o INPI pronunciou-se a favor do fatídico parecer de 1973.91

A década de 1990 abriu-se com as atenções divididas nomundo da Propriedade Industrial. Um novo projeto decódigo começou a tramitar. Uma curiosa divisão de tarefassurgiu entre a ABAPI e a ABPI, entidade coirmã criada em1963 que congrega grande parte dos associados da ABAPIe empresários. A fundação da ABPI foi idéia de algunsprofissionais, que regressavam em abril daquele ano deuma reunião da AIPPI realizada em Berlim, e idealizaramuma associação para estudos profissionais.

Os dirigentes da ABPI voltaram seus esforços para aquestão da reforma do Código da Propriedade Industrial,enquanto a ABAPI, com larga tradição, concentrou-se nadefesa dos interesses profissionais. Em diversos episódios,porém, as entidades estavam juntas e se faziam representarnas negociações.92

91. Correspondênciaenviada pelo INPI à ABAPI,em 25 de outubro de 1989.

92. Entrevista de LuizLeonardos, em 18 deagosto de 1998.

Certificado da ABAPIreferente ao SegundoSeminário Nacional dePropriedade Industrial (Rio de Janeiro, agosto de1982)

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