assistência em saúde mental na atualidade

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Assistência em Saúde Mental na Atualidade A Profª Drª Dorisdaia Carvalho de Humerez, especialista em saúde mental e assistência psiquiátrica, fala sobre a antiga e a atual política da reforma psiquiátrica, e aponta cuidados determinantes que precisam ser empregados no atendimento de pacientes com transtornos mentais. A Profª Drª Dorisdaia Carvalho de Humerez, especialista em saúde mental e assistência psiquiátrica, fala sobre a antiga e a atual política da reforma psiquiátrica, e aponta cuidados determinantes que precisam ser empregados no atendimento de pacientes com transtornos mentais. Nursing - Hoje, quais são as medidas para o cuidar apresentadas pela atual política de saúde mental brasileira no que tange o tratamento da pessoa com transtornos mentais? Profª Drª Dorisdaia C. de Humerez - A atual política de saúde mental brasileira se inscreve nas possibilidades e nos limites das políticas públicas e tem como pilares as diretrizes da Reforma Psiquiátrica que preconizam a reinserção social e resgate da cidadania da pessoa portadora de transtorno mental e os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). A Reforma Psiquiátrica propõe a mudança do eixo da assistência à saúde mental, até então hospitalocêntrica, para uma redução progressivamente dos leitos psiquiátricos, expansão e fortalecimento da rede extra-hospitalar, preferentemente de base comunitária. Uma das medidas prioritárias da política é a reversão do modelo hospitalocêntrico e com isto, todo o quadro assistencial deve estar mobilizado para promover a desospitalização imediata dos pacientes que estão submetidos a internações prolongadas e a assistência deve passar a ser direcionada para uma significativa rede de serviços alternativos. O resultado destas ações tem sido uma redução no número de pacientes institucionalizados e uma tendência crescente de o número das altas ultrapassar o número das internações. A implementação das medidas de desinstitucionalização e de reabilitação psicossocial vem-se fortalecendo, cada vez, mais nos últimos anos. Nursing - Quais são os serviços alternativos indicados para o cuidar da saúde mental do paciente? Profª Drª Dorisdaia C. de Humerez - Os serviços alternativos indicados para o cuidar em saúde mental devem ser constituídos por vários dispositivos assistenciais que possibilitem a atenção psicossocial aos pacientes com transtornos mentais, seguindo critérios populacionais e demandas dependendo da característica de cada município, orientadas pelo Ministério da Saúde. Estes dispositivos constituim-se em ações de saúde mental na atenção básica, em Núcleos ou Centros de Atenção Psicossocial (NAPS/CAPS), em Serviços Residenciais Terapêuticos como os Lares Abrigados, Residências Terapêuticas, Pensões Protegidas, Programa de Volta para Casa, Centros de Convivência

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Assistência em Saúde Mental na Atualidade

A Profª Drª Dorisdaia Carvalho de Humerez, especialista em saúde mental e assistência psiquiátrica, fala sobre a antiga e a atual política da reforma psiquiátrica, e aponta cuidados determinantes que precisam ser empregados no atendimento de pacientes com transtornos mentais. A Profª Drª Dorisdaia Carvalho de Humerez, especialista em saúde mental e assistência psiquiátrica, fala sobre a antiga e a atual política da reforma psiquiátrica, e aponta cuidados determinantes que precisam ser empregados no atendimento de pacientes com transtornos mentais.

Nursing - Hoje, quais são as medidas para o cuidar apresentadas pela atual política de saúde mental brasileira no que tange o tratamento da pessoa com transtornos mentais?

Profª Drª Dorisdaia C. de Humerez - A atual política de saúde mental brasileira seinscreve nas possibilidades e nos limites das políticas públicas e tem como pilaresas diretrizes da Reforma Psiquiátrica que preconizam a reinserção social e resgateda cidadania da pessoa portadora de transtorno mental e os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). A Reforma Psiquiátrica propõe a mudança do eixo da assistência à saúde mental, até então hospitalocêntrica, para uma redução progressivamente dos leitos psiquiátricos, expansão e fortalecimento da rede extra-hospitalar, preferentemente de base comunitária. Uma das medidas prioritárias da política é a reversão do modelo hospitalocêntrico e com isto, todo o quadro assistencial deve estar mobilizado para promover a desospitalização imediata dos pacientes que estão submetidos a internações prolongadas e a assistência deve passar a ser direcionada para uma significativa rede deserviços alternativos. O resultado destas ações tem sido uma redução no número de pacientes institucionalizados e uma tendência crescente de o número das altas ultrapassar o número das internações. A implementação das medidas de desinstitucionalização e de reabilitação psicossocial vem-se fortalecendo, cada vez,mais nos últimos anos.

Nursing - Quais são os serviços alternativos indicados para o cuidar da saúde mental do paciente?

Profª Drª Dorisdaia C. de Humerez - Os serviços alternativos indicados para o cuidar em saúde mental devem ser constituídos por vários dispositivos assistenciais que possibilitem a atenção psicossocial aos pacientes com transtornos mentais, seguindo critériospopulacionais e demandas dependendo da característica de cada município, orientadas pelo Ministério da Saúde. Estes dispositivos constituim-se em ações de saúde mental na atenção básica, em Núcleos ou Centros de Atenção Psicossocial (NAPS/CAPS), em Serviços Residenciais Terapêuticos como os Lares Abrigados, Residências Terapêuticas,Pensões Protegidas, Programa de Volta para Casa, Centros de ConvivênciaComunitária, Cooperativas Sociais, em leitos psiquiátricos em hospitais gerais, Ambulatórios de Saúde Mental, além de outros dispositivos que estão sendo reinventadoscom vistas a manter o portador de sofrimento psíquico na comunidade, evitando assim, a sua segregação e estigmatização. Enfim, devem ser continuamente pensadas novas estratégicas que possibilitem a inclusão social, o estabelecimento de vínculos e acolhimento às pessoas com transtorno mental ou em sofrimento psíquico e novas respostas às necessidades que se apresentam nas diversas esferas da vida dessa clientela, como ações em parceria com usuários e seus familiares com a comunidade quefavoreçam o convívio social dos portadores de sofrimento mental.

Nursing - A política da reforma psiquiátrica passou por diversas alterações. Qual é a diferença da atual política se comparada com a da década de 1970?

Profª Drª Dorisdaia C. de Humerez - Falar em políticas de saúde mental no Brasil é uma possibilidade recente e que começa a acontecer concretamente a partir do processo de reforma psiquiátrica. A assistência na década de 1970 mostra grandes diferenças comparando com a assistência nos últimos anos. As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pela cristalização do modelo assistencial centrado em hospitais com características manicomiais e pela aumento da população de internos à vida manicomial.Havia falta de normatização, de padrões mínimos para regulação da assistência psiquiátrica o que possibilitava internações consideradas abusivas, tempo médio deinternação muito extenso e práticas consideradas violentas para com os pacientes.Até a década de 1960, os hospitais psiquiátricos eram quase que exclusivamenteestatais ou filantrópicos, mas na década de 1970 observou-se uma grande expansãoda rede hospitalar psiquiátrica privada. Em meados da década de 1970 verificava-seque as consultas psiquiátricas resultavam em um número extremamente maior deinternações, do que a OMS estimava como limite. Outro fato relevante é quea cronificação e as reinternações eram esperadas e quase obrigatórias o que significavaque a pessoa passava grande parte de sua vida nas instituições manicomiais. No entanto, no final da década de 1970, em 1977, começaram as manifestações das entidades psiquiátricas contra a indústria da loucura. E, em 1978 as forças envolvidas no movimento da reforma psiquiátrica, ganham expressão através do Movimento dos Trabalhadoresde Saúde Mental, denunciando às más condições de trabalho e de assistência e à privatização da assistência psiquiátrica. Em 1988, num contexto de redemocratizaçãoe de rediscussão do papel do Estado, a Constituição Federal instituiu o SUS e, com isto foram criadas condições para a instituição no Ministério da Saúde, em 1991, da Coordenação Nacional de Saúde Mental, instância inédita no Brasil, responsável pela formulação e implementação da política na área. Mas é somente em 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, que a Lei Federal 10.216 é sancionada no país.A Lei redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento detratamento em serviços de base comunitária, dispõe sobre a proteção e os direitosdas pessoas com transtornos mentais, no entanto, não institui mecanismos clarospara a progressiva extinção dos manicômios. Mesmo assim, a promulgação dalei impôs novo impulso para o processo de Reforma Psiquiátrica. É no contexto das Conferências Nacionais de Saúde Mental, e em especial a III Conferência em 2001, que se consolida a Reforma Psiquiátrica como política oficial do SUS e propõe a conformaçãode uma rede articulada e comunitária de cuidados, quando iniciam as mudanças mais concretas. Assim, o cenário hoje é muito diferente da década de 1970, mas como era de se esperar, todas as modificações efetuadas na política assistencial ainda não foram suficientes para atender aos problemas históricos da assistência psiquiátrica.

Nursing - Como o profissional de saúde pode trabalhar e driblar o preconceito para inserir o paciente vítima de transtorno mental numa mesma sociedade com pessoas sãs?

Profª Drª Dorisdaia C. de Humerez - O preconceito relacionado às pessoas comTranstorno mental é histórico. Isola o indivíduo em relação aos outros e o estigmatiza.Enfrentar o preconceito no sentido de incluir a pessoa com transtorno mental aoconvívio social é um dos desafios impostos pela Reforma psiquiátrica e deve sertarefa dos profissionais de saúde, dos usuários, dos familiares, de toda sociedade.Temos que considerar que preconceitos de qualquer monta são fruto da ignorânciae de uma consciência social moralmente negativa. O preconceito, é um fenômenosimbólico, usualmente designado como pensamentos, sentimentos, fantasias oucrenças, a partir do qual se sustentam as práticas de exclusão social. O profissionaldeve trabalhar com afinco para driblar o preconceito e contribuir com a manutenção e reinserção do paciente na sociedade e encontrar estratégias, no jogo das práticas sociais que possibilitem o resgate da identidade do paciente deve compartilhar com ele para resgatar o relacional e favorecer a sua participação na vida com os outros e concede-lhe autonomia nas decisões sobre sua própria vida. Deve buscar um modo de intervençãocompartilhado com os usuários, em busca de táticas e estratégias para reinventar,

com eles, um lugar identitário, relacional e histórico, onde o sofrimento não pode sernegado, mas deve ser acolhido, compreendido, não necessariamente explicado,mas compartilhado, para não ter como solução, unicamente o controle de suas ações. Deve buscar criar uma dinâmica de trabalho que tenha flexibilidade e disponibilidadepara as transformações e, especialmente, para se confrontar com a insistência dos retrocessos e do retorno dos preconceitos.Não basta tirá-los dos espaços tradicionalmente manicomiais, se a qualidade da relação nos outros espaços, mesmo que comunitários não configurar como igualitária. É uma luta árdua, pois enfrenta interesses lucrativos e mudanças culturais a cerca da tolerância frente às diferenças do ser humano.

Nursing - Quais são as metas estabelecidas pelo SUS no que diz respeito aoatendimento de pessoas com dificuldades mentais?

Profª Drª Dorisdaia C. de Humerez - Enquanto metas estabelecidas, a política oficial do governo federal tem investido em linhas específicas de financiamento estão sendo criadas pelo Ministério da Saúde para os serviços abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico e novos mecanismos para a fiscalização, gestão e redução programada de leitos psiquiátricos existentes. A rede de atenção comunitária à saúde mental experimenta umaimportante expansão, passando a alcançar regiões de grande tradição hospitalar.A política de saúde mental do governo federal passa a consolidar-se, ganhandomaior sustentação e visibilidade. Como exemplo, estão sendo melhor remuneradospelo SUS os hospitais psiquiátricos que reduzem os leitos e melhoram a qualidade da assistência à clientela. Estão sendo criados e implementados mecanismos que assegurem o financiamento e sustentabilidade das ações da Política de Saúde Mental.Temos a certeza que há necessidade de potencialização da rede básica ou atençãoprimária de saúde, mas a própria consolidação da Reforma vem trazendo à tona uma quantidade crescente de desafios que precisam ser incorporados conjuntamente pelos profissionais de Saúde Mental e Saúde Coletiva.

Nursing - O que é necessário para a consolidação da Reforma Psiquiátrica no Brasil?Profª Drª Dorisdaia C. de Humerez - Para pensar a consolidação da ReformaPsiquiátrica, temos que considerar as características geográficas, políticas e sociais do país, bem como as dimensões continentais e a enorme diversidade cultural. Com isto, não é possível pensar um modelo assistencial que sirva igualmente para as megalópolese para as pequenas cidades. Diante disto, são imensos os desafios impostos para a construção dos dispositivos comunitária de cuidados, fundamental para a consolidação da Reforma e uma real articulação em rede dos variados serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico com as outras instituições, associações, cooperativas e variados espaços das cidades. A organização em rede é pensada não apenas como um serviço ou equipamento, que seja capaz de garantir resolutividade, promoção da autonomia eda cidadania às pessoas secularmente estigmatizadas, em nosso país de acentuadasdesigualdades sociais. A organização desta rede deve acontecer no território e trabalhar no território não equivale a trabalhar na comunidade, mas com os componentes, saberes e forças concretas da comunidade resgatando as potencialidades dos recursos, construindo coletivamente as soluções. Ainda, um dos principais desafios para o processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira é a formação de recursos humanos capazes de superar o paradigma da tutela do louco e da loucura e de compreender que a Reforma é processual e deverá sempre ir sendo reinventada.

Nursing - Quais as atitudes que o enfermeiro precisa ter para cuidar do paciente doente e ao mesmo tempo promover uma situação amigável entre cuidadores, clientes, família e comunidade?

Profª Drª Dorisdaia C. de Humerez - O trabalho do enfermeiro na área da saúde mental é

historicamente, marcado pelo modelo médico de base biológica, disciplinador de sujeitos e as suas ações estavam subordinadas e eram coadjuvantes neste processo. No entanto, o enfermeiro é, potencialmente, importante agente de mudança, como os outros técnicos, mas, essa potencialidade está diretamente relacionada ao grau de consciência de cada trabalhador. Quanto mais explícito estiver a sua condição pessoal e social, sua cidadania, mais apto estará para eleger instrumentos de trabalho que visem o resgatedessa mesma condição de sujeito-cidadão às pessoas com transtornos mentais epara transformar seu papel profissional, participando da organização do trabalhoem equipe, do trabalho interdisciplinar e intersetorial, da articulação entre os aspectos clínicos e políticos da atenção psicossocial, do entrelaçamento entre as estratégias de cuidado e as estratégias de responsabilização ou interpelação do sujeito. O enfermeiro deve sempre convicção e considerar que os direitos civis e políticos, são direitos fundamentais, universais e válidos para todo ser humano e todo cidadão têm esses mesmos direitos, independente de seus atributos pessoais. Pensar na atitude do enfermeiro precisa ter para cuidar do paciente com transtorno mental e ao mesmo tempo promover uma situação amigável entre cuidadores, clientes, família e comunidade, faz com que tenhamos que rever a necessária redefinição da divisão do trabalho do enfermeiro como membro da equipe de saúde mental, onde acreditamos que o enfermeirodeva ser um profissional atuante no conjunto do trabalho em equipe, e em ações técnica e éticamente adequadas. Diante disto, temos que considerar que a Reforma evidencia a família como o elemento chave da assistência. E é na família que se dá o embate com a realidade do cotidiano, no entanto, a sobrecarga vivida pela família e a carência de suporte do sistema de saúde faz com que o enfermeiro possa ser um dos profissionaisque reconheça o sofrimento psíquico da família e ofereça acolhimento e apoio para enfrentar esta problemática. O desenvolvimento da estratégia do Programa Saúde da Família- PSF, nos últimos anos, tendo como campo de intervenção no PSF é composto por profissionais, famílias e relações com grupos heterogêneos. Assim, por sua proximidade com as famílias e comunidades, as equipes do PSF, da qual sempre faz parte o enfermeiro, sob minha ótica, apresentam-se como um recurso estratégico para oenfrentamento de importantes problemas de saúde pública, como os agravos vinculadosao uso abusivo de álcool, drogas e diversas outras formas de sofrimento psíquico. A Reforma Psiquiátrica é projeto de horizonte democrático e participativo e exige a produção de novas práticas para garantir assistência de qualidade e superação das contradições, no entanto, temos a convicção de que a união de equipe compartilhado com usuário, família e a comunidade e o convívio com a diferença irá, com certeza, produzir a construção de uma sociedade mais tolerante para com a diversidade, visto que o cuidado deve ser desenvolvido no cotidiano de suas vidas e no encontro com a diferença.

e-mail: [email protected]

Profª Drª Dorisdaia Carvalho de Humerez

Professora Adjunto da Universidade de Guarulhos. Experiência em Ensino, Assistência e Pesquisa Avaliadora Institucional do Banco de Avaliadores do Sinaes ( BASis) - Ministério da Educação. Membro da Câmara Técnica de Pesquisa do Cofen