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0 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Ana Perwin Fraiman Assédio moral e outros danos na aposentadoria - conhecer, corrigir e superar - DOUTORADO EM ANTROPOLOGIA SÃO PAULO 2010

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    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    PUC-SP

    Ana Perwin Fraiman

    Assédio moral e outros danos na aposentadoria

    - conhecer, corrigir e superar -

    DOUTORADO EM ANTROPOLOGIA

    SÃO PAULO

    2010

  • 1

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    PUC-SP

    Ana Perwin Fraiman

    Assédio moral e outros danos na aposentadoria

    - conhecer, corrigir e superar -

    DOUTORADO EM ANTROPOLOGIA

    Tese apresentada à Comissão Julgadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Antropologia, na área de Ciências Sociais, sob a orientação da Professora Doutora Maria Helena Villas Boas Concone.

    SÃO PAULO

    2010

  • 2

    COMISSÃO JULGADORA

    ________________________________________

    ________________________________________

    ________________________________________

    ________________________________________

    ________________________________________

  • 3

    Dedicatória

    Aos meus netos Mario Victor e Laura que, já na sua infância, têm plena capacidade

    de compreender a importância de ser ético e justo nesta vida e se esforçar, agindo –

    com amorosidade, autonomia e independência - dentro de seus meios, para

    conquistar aquilo que desejam ganhar.

    Aos verdadeiros empreendedores, todos aqueles que querem contribuir, dando tudo

    de si para um mundo melhor.

    Àqueles que, aceitam lapidar o seu caráter no dia-a-dia, séria e diligentemente,

    dando-se ao trabalho de se autoconhecer, se corrigir e buscar se superar. E que, por

    isso mesmo, conseguem ser feliz e gargalhar.

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Sinceros e efusivos,

    Aos meus colaboradores e amigos, Mônica Vasconcelos, comunicadora,

    Keila Martins, estudante de administração, Marcos Brogna, jornalista, Thaissa

    Lamha, jornalista pós-graduada em Ciências Sociais e, Tabata Bagatim, bióloga,

    sem cuja dedicação e competência este trabalho não teria chegado ao fim;

    Aos meus amigos e amigas, pelo interesse demonstrado, pelas indicações

    de autores e outros profissionais com quem me aconselhar, pelos abraços trocados,

    pelas palavras de incentivo, profusamente pronunciadas e por confiarem em mim;

    Ao meu amigo de longa data, Affonso Heleno de Oliveira Fausto, que

    dedicou muito de seu tempo, paciência e cultura geral, enquanto agia como

    consultor pessoal para a área de Direito, História e para me ajudar a raciocinar.

    Agradeço a todos aqueles, conhecidos e desconhecidos, que me abriram

    portas e me trouxeram oportunidades de conhecer situações e pessoas, e às

    pessoas todas que se abriram comigo e me permitiram saber o que lhes passa na

    mente e o estado de seus corações com relação às experiências vividas por conta

    de sua aposentadoria.

    Às professoras que compuseram a Banca Examinadora de Qualificação,

    Dra. Vera Lúcia Valsecchi de Almeida e Dra. Liana Gottlieb, que foram

    absolutamente precisas e generosas pelos bons conselhos sobre como prosseguir,

    reconhecendo meus esforços acadêmicos e minha prática profissional, corrigindo

    com rigor desacertos que eu precisava sanar.

    Gratidão especial, por demonstrar tanto saber, gosto e alegria ao me

    orientar, à Professora Dra. Maria Helena Villas Boas Concone, aceitando percorrer

    comigo novos caminhos, que enriqueceram meus propósitos iniciais e, saudaram-

    me amigável e profissionalmente nos passos finais.

    À minha família íntima tão querida, marido, filho, filha, neto e neta, que me

    compreende, me ama e, sempre me apóia, para que eu tenha condições de

    executar árduas tarefas que o trabalho me impõe, suportando minhas ausências e

    mau humor, bastante inconvenientes nas horas de estafa e frustração, sempre

    comigo, para se alegrar e comemorar os bons frutos colhidos.

  • 5

    RESUMO

    Esta tese pretende revelar: o contexto macro, que é público e impessoal, e o contexto micro, que é privado, altamente personalizado e subjetivo, em torno do tempo que tem marcado a retirada e o afastamento dos postos de trabalho daqueles que são mais velhos. Os fenômenos aqui descritos inscrevem a sua história sobre aquilo que, efetivamente compreende e significa a aposentadoria, em meio às transformações atuais no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que lança luzes às experiências subjetivas vividas pelas pessoas que estão próximas a aposentar-se.

    Apresentada dentro do modelo transversal de estudos e pesquisas, não apenas de saberes afins, entrelaçando as ciências sociais a outras diferentes áreas, este trabalho integra um grupo de saberes que, em seu conjunto é capaz de melhor conduzir à compreensão dos caminhos trilhados para se chegar à compreensão da situação de precariedade vivida por grande parcela da população de brasileiros e brasileiras aposentados nos tempos atuais e quais outros caminhos podem se abrir a partir disso.

    Esta tese se debruça, principalmente sobre algumas das principais áreas de conflito e paradoxo, bem como busca possibilidades de haver diálogo, entre o velho e o novo. Da mesma forma, procura conhecer como a pessoa humana tem absorvido e metabolizado as violências que sobre ela se abatem em virtude das convulsivas transformações paradigmáticas que ocorrem. Refina suas lentes, dirigindo os olhares em especial às relações interpessoais travadas no universo do trabalho. Procura inventariar, interpretar e narrar a respeito dos processos e mecanismos que as pessoas têm adotado e, poderão ainda vir a utilizar-se de, para criar um novo futuro: um futuro através do qual elas próprias tenham liberdade e autonomia para se recriar e para se integrar a nova realidade que se desenha.

    Focando rituais que negam o valor da pessoa e outros que a dignificam, busca compreender o que de específico acontece nas relações humanas no espaço organizacional de trabalho e no espaço das instituições que, muitas vezes, como uma guilhotina, impedem-na de prosseguir e empregar suas forças vitais, que lhe permitam significar sua jornada existencial e se reconhecer em posse e gozo de seus plenos direitos de cidadania.

    Palavras-chave: honra, aposentadoria, ritual, empobrecimento, violência, assédio moral, assédio moral organizacional, assédio moral institucionalizado, danos morais e existenciais, superação.

  • 6

    ABSTRACT

    This thesis aims to reveal: the macro context, which is public and impersonal, and the micro level, which is private, highly personal and subjective, around time that has marked the withdrawal and retirement of those who are older from their jobs. The phenomena described here inscribe its history about what actually comprise and means retirement, in the midst of the current transformations in the labor market, at the same time it clarifies the subjective experiences lived by people close to retire.

    Presented within the transverse model of study and research, not only of related knowledge, interlacing the social sciences to other different areas, this thesis gathers a group of knowledge that, as a whole can better lead to understanding the paths taken to reach the precarious situation experienced by a large parcel of the population of all retired Brazilians and what other ways might be opened from that.

    This thesis focuses mainly on major areas of conflict and paradox, as well as search possibilities for dialogue between the old and new. Similarly, it demands to know how the human person has absorbed and metabolized the violence slaughtered on it by virtue of convulsive paradigmatic changes that occur. It refines its lenses, driving looks particularly to interpersonal relationships that are seen in the labor universe. It aims to inventory, interpret and narrate about the processes and mechanisms that people have adopted, and may also be able to use to create a new future: a future in where they have the freedom and autonomy to recreate and integrate the new reality that emerges.

    It is focusing on rituals that deny and others that dignify the value of the person, and seeks to understand what specifically happens in human relations within the organizational work space and within the institutions space that, often as a guillotine, prevent the person from continuing and use its vital forces, that allows it to signify their existential journey and recognize themselves in possession and enjoyment of full rights of citizenship.

    Keywords: honor, retirement, ritual, poverty, violence, moral siege, organizational moral siege, institutionalized moral siege, moral injury, existential injury, risks prevention and overcoming.

  • 7

    RÉSUMÉ

    La présente recherche se propose d’analyser le contexte macro, public et impersonnel, ainsi que le contexte micro, privé, hautement personnalisé et subjectif, de la temporalité qui marque la retraite et l'éloignement du milieu professionnel chez les personnes âgées. Les phénomènes décrits ici s’inscrivent dans l’histoire des retraités; que signifie, pour ces personnes, la retraite, dans le contexte des transformations actuelles observées sur le marché de travail. De plus, un éclairage est apporté sur les expériences subjectives vécues par ceux qui sont proches de la retraite.

    A la croisée de plusieurs disciplines, des sciences sociales au droit en passant par la psychologie, l'économie et la littérature mais aussi la gérontologie sociale et l'histoire, le présent travail s’intègre dans un groupe de savoirs visant, dans son ensemble, une amélioration des conduites grâce à la compréhénsion des chemins qui mènent une grande partie de la population brésilienne retraitée à des situations de précarité. Cette étude tente également de voir quelles voies alternatives peuvent s'ouvrir à ces populations.

    Cette thèse se concentre notamment sur certaines des principales zones de conflit et de paradoxe et, en même temps, cherche des possibilités de dialogue entre l'ancien et le nouveau. De même, elle cherche à analyser la manière dont l'être humain a absorbé et metabolisé les violences qui le frappent dû à des transformations paradigmatiques convulsives. Cette recherche affine ses objectifs, en conduisant la réflexion spécifiquement sur les relations interpersonnelles nouées dans l'univers de travail. Cette thèse cherche à inventorier, interpréter et raconter les processus et mécanismes que les personnes adoptent et adopteront pour créer un futur nouveau à travers lequel elles auront leur propre liberté et autonomie pour recréer et pour s'intégrer à la nouvelle réalité qui se dessine.

    En mettant l'accent sur des rituels qui nient la valeur de la personne et d'autres qui la rendent digne, ce travail cherche à comprendre la spécificité des relations humaines dans l'espace organisationnel du travail et dans le domaine des institutions. Ces dernières, agissant comme un couperet, empêchent la personne de suivre et de ressentir ses forces vitales lui permettant de donner sens à sa journée d’existence, de se reconnaître en pleine possession et de jouir de ses droits de citoyeneté.

    Mots-clés: honneur, retraite, appauvrissement, violence, harcèlement moral, harcèlement moral organisationnel, harcèlement moral institutionnalisé, préjudice moral, préjudice existentiel, surpassement.

  • 8

    SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 14

    1.1 OBJETO DA PESQUISA............................................................ 15

    1.1.1 Objeto Geral/Tema.......................................................... 15

    1.1.2 Objeto Formal/Título........................................................ 15

    1.2 O ESTADO DA QUESTÃO......................................................... 15

    2 CONHECER............................................................................................. 19

    2.1 DO SOFRIMENTO NA APOSENTADORIA: DISCERNIR OS

    CHOROS....................................................................................

    20

    2.1.1 Não tem com quem falar................................................. 22

    2.2 O GRANDE CONTRASTE......................................................... 25

    2.3 DA RELEVÂNCIA DO TEMA...................................................... 31

    2.4 METODOLOGIA......................................................................... 34

    2.4.1 Caracterização do local e dos ambientes de

    Investigação....................................................................

    36

    2.4.2 Caracterização da população e amostra......................... 38

    2.4.3 Faixa etária das pessoas em fase de aposentadoria,

    que compareceram aos grupos de preparação...............

    39

    2.4.4 Motivos levantados sobre a ausência de cônjuges nos

    grupos de PPA.................................................................

    40

    2.4.5 Dados advindos de outras fontes, que não os

    seminários de PPA..........................................................

    41

    2.4.6 Procedimentos e organização das variáveis do estudo.. 43

    2.5 VARIÁVEIS CRITÉRIO............................................................... 44

    2.5.1 Variáveis sócio-demográficas e ocupacionais................ 45

    2.5.2 Variáveis ambientais........................................................ 45

    2.5.3 Variáveis intervenientes................................................... 46

    2.6 CARGA PSÍQUICA DE TRABALHO.......................................... 46

    2.7 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS DOS

    PARTICIPANTES.......................................................................

    47

  • 9

    2.7.1 Aplicação dos instrumentos............................................. 47

    2.8 PEQUENO HISTÓRICO DOS PROGRAMAS

    MULTIPROFISSIONAIS DE PPA - PREPARAÇÃO PARA A

    APOSENTADORIA E PÓS-CARREIRA.....................................

    48

    2.8.1 Minha identificação pessoal e profissional com o

    assunto............................................................................

    56

    2.8.2 Das dificuldades de repetir as mesmas coisas................ 59

    3 UMA VISÃO TRANSDICIPLINAR SOBRE A APOSENTADORIA: AS

    CIÊNCIAS DIALOGAM ENTRE SI.............................................................

    65

    3.1 JUSTIFICATIVA.......................................................................... 66

    3.2 DA ESFERA DA ANTROPOLOGIA............................................ 68

    3.3 DA ESFERA SÓCIO-POLÍTICA................................................. 74

    3.4 DA ESFERA DA HISTÓRIA....................................................... 77

    3.4.1 O império dromocrático................................................... 78

    3.5 DA ESFERA DA FILOSOFIA...................................................... 79

    3.6 DA ESFERA DO DIREITO......................................................... 85

    3.7 DA ESFERA DA ECONOMIA..................................................... 85

    3.8 DA ESFERA DO SENSO COMUM............................................ 91

    3.9 DA ESFERA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E/OU

    PRIVADA....................................................................................

    94

    3.9.1 Considerações sobre a competência para dispensar

    empregados em fase de aposentadoria..........................

    94

    3.9.2 O processo de socialização que ocorre numa empresa.. 94

    3.9.3 Práticas autoritárias e suas conseqüências para os

    aposentáveis e aposentados...........................................

    97

    3.9.4 Práticas permissivas e suas conseqüências para

    aposentáveis e aposentados...........................................

    99

    3.9.5 Práticas negligentes e suas conseqüências para os

    aposentáveis e aposentados...........................................

    102

    3.10 DA ESFERA DA GERONTOLOGIA SOCIAL........................... 104

    3.11 DA ESFERA DA PSICOLOGIA À BOA LITERATURA............. 105

  • 10

    4 CONCEITOS FORMAIS E INFORMAIS SOBRE A APOSENTADORIA

    E SUAS SOBREPOSIÇÕES.......................................................................

    107

    4.1 PRÉ-APOSENTADO, APOSENTANDO E APOSENTADO....... 108

    4.2 HIPÓTESES LEVANTADAS...................................................... 111

    4.3 OS MAIS VELHOS ESTÃO SENDO SIMPLESMENTE

    DESCONSIDERADOS...............................................................

    114

    4.4 ASSÉDIO MORAL...................................................................... 116

    4.4.1 Caracterização do assédio moral.................................... 120

    4.4.2 No que o assédio moral se distingue: Da ocorrência de

    stress e do uso da violência, dentre outras situações de

    conflito.............................................................................

    122

    4.4.3 Formas de Assédio Moral................................................ 125

    4.4.4 O que favorece o assédio................................................ 131

    4.4.5 Virei filho de vidraceiro.................................................... 133

    4.4.6 Avaliação de desempenho: ocasião propícia para o

    ataque..............................................................................

    135

    4.4.7 Na fila do abate............................................................... 138

    4.4.8 As fases do assédio moral.............................................. 139

    4.4.9 Efeitos do assédio moral sobre a saúde da vítima.......... 140

    4.4.10 As provas do assédio moral.......................................... 141

    4.4.11 Indenizações por Dano e Assédio Moral....................... 142

    4.4.12 A responsabilidade pelos prejuízos do Assédio Moral.. 143

    4.5 ACIDENTE DE TRABALHO VERSUS ASSÉDIO MORAL......... 144

    4.5.1 Informação de mão dupla................................................ 144

    4.6 A FORMAÇÃO: RESPONSABILIDADE DAS AUTORIDADES

    MAIORES................................................................................

    145

    4.6.1 A mediação...................................................................... 146

    4.6.2 Unindo as pontas: violências contra os trabalhadores

    mais jovens e contra os mais velhos...............................

    147

    4.7 O DANO MORAL........................................................................ 150

    4.7.1 Assédio moral como dano pessoal.................................. 154

    4.8 A TEORIA DO RISCO................................................................ 155

    4.8.1 Situações geradoras de danos morais trabalhistas......... 156

  • 11

    4.9 SÍNDROME DE BURNOUT ....................................................... 158

    4.9.1 Tudo reduzido a pó.......................................................... 160

    4.10 SLN - SÍNDROME LOCO-NEURÓTICA................................... 162

    4.11 OUTRAS PERDAS................................................................... 164

    5 DANOS EXISTENCIAIS E A EVASÃO DOS MAIS EXPERIENTES...... 178

    5.1 O direito do homem a uma existência digna.............................. 179

    6 COMO SE APRESENTAM OS APOSENTADOS: PRÓXIMOS À

    SAÍDA..........................................................................................................

    185

    6.1 O Brasil lida com a desigualdade social: gerando mais

    desigualdade ainda.....................................................................

    187

    7 APOSENTÁVEIS E APOSENTADOS: ALTO RISCO PARA TODA

    SORTE DE ABUSOS..................................................................................

    189

    7.1 APOSENTADORIA: IMPORTÂNCIAS E VALORES.................. 193

    7.2 MODELOS DE RACIOCÍNIO SOBRE A APOSENTADORIA:

    APRENDIDOS NAS EMPRESAS...............................................

    196

    7.2.1 Modelo racional............................................................... 196

    7.2.2 Modelo de relações humanas.......................................... 196

    7.2.3 Modelo político................................................................. 197

    7.2.4 Modelo sistêmico............................................................. 197

    7.2.5 Modelo diagnóstico.......................................................... 198

    8 ESTILOS GERENCIAIS: COMO SE PROCESSA A

    APOSENTADORIA NAS EMPRESAS.......................................................

    200

    9 O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO QUE OCORRE NUMA

    EMPRESA...................................................................................................

    202

    9.1 PRÁTICAS AUTORITÁRIAS: SUAS CONSEQÜÊNCIAS

    PARA OS APOSENTÁVEIS E APOSENTADOS.......................

    205

  • 12

    9.1.1 A ordem está vindo de cima: hoje é comigo amanhã

    será com ele....................................................................

    206

    9.2 PRÁTICAS PERMISSIVAS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

    PARA APOSENTÁVEIS E APOSENTADOS.............................

    210

    9.3 PRÁTICAS NEGLIGENTES E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

    PARA OS APOSENTÁVEIS E APOSENTADOS.......................

    213

    9.4 O DESENVOLVIMENTO HUMANO NAS IDADES MAIS

    MADURAS..................................................................................

    218

    10 CORRIGIR.............................................................................................. 220

    10.1 UMA VISÃO DE SUSTENTABILIDADE: APOSENTADORIA

    RENOVADA, SENTIDOS E SIGNIFICADOS..........................

    221

    10.2 A PLENA CONSCIÊNCIA DA MATURIDADE.......................... 222

    10.3 DA PASSIVIDADE À PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

    CONSCIENTE..........................................................................

    225

    10.4 POLÍTICAS DE INCLUSÃO PARA OS APOSENTADOS........ 225

    10.5 TROCAS NECESSÁRIAS: LIBERTAR-SE DAS ANTIGAS

    OBRIGAÇÕES PARA DEDICAR-SE ÀS NOVAS...................

    226

    10.6 GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ORIENTADAS PARA

    AS PESSOAS: O QUE TEM SIDO OU NÃO TEM SIDO

    FEITO......................................................................................

    228

    10.6.1 Estender uma Rede de Proteção.................................. 229

    10.6.2 Estender uma Rede de Inclusão................................... 229

    10.7 PPA – PROGRAMAS DE PREPARAÇÃO PARA UMA

    APOSENTADORIA SUSTENTÁVEL.........................................

    230

    10.7.1 As dimensões ética e estética: alcance de um PPA...... 236

    10.8 A HONRA EM PAUTA.............................................................. 237

    10.9 O IMPÉRIO DROMOCRÁTICO................................................ 243

  • 13

    11 SUPERAR.............................................................................................. 245

    11.1 A PROCURA DE AJUDA.......................................................... 246

    11.2 A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO DE RISCO................. 248

    11.2.1 Confiança e senso de justiça: primordiais..................... 250

    11.2.2 O envolvimento das chefias e a coerência entre as

    lideranças......................................................................

    251

    11.3 PROJETO DE VIDA: LEGADOS E VIDAS COM

    SIGNIFICADO............................................................................

    255

    12 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 260

    12.1 O CONHECIMENTO HUMANO RESGATADO DO BAÚ DAS

    IDÉIAS APOSENTADAS: LEBRES LEVANTADAS VERSUS

    QUESTÕES QUE FORAM CALADAS.....................................

    261

    12.2 REFLEXÕES SOBRE ASSÉDIO MORAL INSTITUCIONAL E

    SEUS RISCOS NA APOSENTADORIA...................................

    262

    12.3 A MEIA IDADE.......................................................................... 269

    12.4 UMA PONTE PARA A SAÚDE DOS APOSENTADOS E DAS

    COMUNIDADES.......................................................................

    275

    12.5 DUAS CONCEPÇÕES: AS MUDANÇAS E A MUDANÇA....... 279

    12.6 A VIRTUDE DA POTÊNCIA: DA MEDIOCRIDADE À

    ORIGINALIDADE.......................................................................

    281

    BIBLIOGRAFIA........................................................................................... 284

    ANEXOS...................................................................................................... 302

  • 14

    1 INTRODUÇÃO

  • 15

    1.1 OBJETO DA PESQUISA

    1.1.1 Objeto Geral/Tema

    Ritos de dispensa/demissão/alteração da qualidade da vinculação que o

    trabalhador mantém com a empresa por ocasião da sua aposentadoria: a moral e o

    moral que permeiam as relações interpessoais com os trabalhadores mais velhos

    nesse ambiente.

    1.1.2 Objeto Formal/Título

    Assédio moral, outros danos e perdas na aposentadoria: conhecer, corrigir e

    superar.

    1.2 O ESTADO DA QUESTÃO

    Para os críticos das políticas de RH implementadas pelas modernas

    empresas é visível a crescente degradação das relações de trabalho atravessadas

    por imposições e conflitos velados, ambigüidades e dissonâncias entre a prática e o

    discurso com o conseqüente desgaste na saúde mental dos trabalhadores.

    É cada vez mais forte a presença de pesquisas sérias que reconhecem os

    poderosos e sutis mecanismos de sedução e de oferta-distribuição de privilégios,

    que os aprisionam numa rede de necessidades totalmente dispensáveis, às quais

    são induzidos a ansiar, gerando um vínculo de forte dependência destes em relação

    à empresa-mãe que dirige e dirigiu suas vidas. Não só dirigiu e orientou como se

    apoderou do seu tempo, pensamento, modo de ser e de pensar, levando-os a uma

    condição de fragilidade, submissão e apego excessivos, que não ousam ou nem

    querem questionar.

    Uma forte presença de processos alienantes, a insistência em “dobrar” a

    visão e a força da vontade do trabalhador, alinhando-as com a ideologia da

  • 16

    empresa, rouba-lhes a capacidade de elaborar mecanismos de defesas psíquicas à

    altura das absurdas exigências que lhes estão sendo impostas: aceitar ter sua vida

    privada invadida e vasculhada, aceitar a idéia de investir seu “tempo livre” em

    atividades pré-programadas e estruturadas pelas próprias empresas (o que equivale

    a exercer mais trabalho ainda sem a contraparte de remuneração compatível),

    conviver com o medo “natural” de perder o emprego, sem se dar conta de já

    haverem aberto mão de algo ainda mais precioso, que é a sua autonomia e, mais

    além, sua própria identidade e, igualmente importante, desviar para o ambiente de

    trabalho as relações de segurança, afeto, pertença, lealdade e erotismo que fariam

    melhor por existir no âmbito da família e em meio à sociedade.

    O mundo da fábrica é o universo das relações sociais. É o espaço dos discursos e das promessas, das seduções e dos conflitos, da competição e das exigências. É uma relação que comporta sentimentos de identificação e adesão muito fortes, sustentados pela preleção colaboracionista. Como que enfeitiçados, grande parte dos trabalhadores vê as empresas como a mãe que os acolheu: com o status internalizado da empresa-mãe, hospitaleira e aconchegante, eles tudo fazem pelo bem-estar da genitora simbólica que habita o centro do seu imaginário. Vida pessoal e sonhos se confundirão com a vida da organização, sendo tênue a fronteira que os separam. Na contramão do paradigma de valorização do humano, a tecnocracia foi construindo e reafirmando no cotidiano uma racionalidade prática que elimina a autonomia e o domínio do ‘saber-criar-fazer’ pelos trabalhadores; a tecnocracia, à medida que decompõe, mina e torna ilusória essa autonomia, aprisiona as iniciativas que restam esquecidas e subsumidas nas exigências da produção, resultando em uma nova configuração das relações sociais e laborais. Dá-se uma verdadeira tentativa de alfabetizar as emoções, blindando-as e procurando-se mantê-las fora do espaço fabril. Cursos e treinamentos intensivos e exaustivos proliferam em ritmo acelerado, com promessas de melhorar a performance, estimular as emoções positivas e expulsar as negativas, colocando a inteligência emocional a serviço das relações nas organizações. Acima de tudo, os empregados devem internalizar os desejos e ideais corporativos como se fossem seus. Aqueles que não seguem a prescrição são vistos como incapazes de se adaptar às novas práticas, sendo classificados como divergentes e resistentes”. A investida das empresas em tais políticas de afetividade, traz por conseqüência o fomento à indiferença em relação à própria dor, à dor do outro, à insensibilidade, à passividade e à apatia em relação aos fatos que testemunham ou vivenciam em seu entorno social. (BARRETO: 2008, PP. 61-62)

    Neste cenário o abuso é tomado por natural e a violência deixa de ser ato

    pontual para se tornar processo, produzido e reproduzido como estilo gerencial, do

    qual os altos escalões só tomam conhecimento caso haja repercussão nos

    resultados, sendo que a própria omissão, a não intervenção das altas esferas que

    são “naturalmente tidas por desiguais”, na condição de superiores formais, por si só

  • 17

    já criam condições de perpetuar abusos e dão novas roupagens para as antigas

    formas de exercer a violência através do poder do cargo. E muitas vezes por

    determinações que vêm de uma matriz de fora, cujos interesses são estranhos e

    indiferentes aos nossos, nacionais e, cujas políticas e procedimentos de RH ferem

    até mesmo nosso código civil.

    E como é possível, o que sustenta o fato de que nossa própria soberania

    esteja sendo vilipendiada? O que vai embutido na expressão de total indiferença

    para com a dispensa de um colega: Lamento, mas são ordens da matriz? Ou somos

    colegas de equipe e nos importamos uns com os outros ou formamos uma equipe

    somente quando temos metas a alcançar e deixamos de sê-lo à hora de dispensar?

    Que política de afetividade é esta? Por quais regras nos pautamos?

    Que o poder, por meio do castigo físico ou ameaça de sua aplicação, através

    de promessas de recompensas pecuniárias diretas ou indiretas, vantagens e

    benefícios, por persuasão, validação e manipulação dos afetos, leva pessoas a ela

    sujeitas a abandonar suas próprias preferências e a aceitar as preferências alheias,

    isto é fato sabido. Mas o que leva à confusão entre os instrumentos do exercício do

    poder e as fontes do direito a exercê-lo? E mais, a confundir exercício com abuso

    desse mesmo poder?

    Há que se pensar num certo conteúdo secreto deste exercício: a submissão

    não pode ser evidente para aqueles que se submetem. Eles devem desejar fazê-lo.

    É aqui que se insere o culto à personalidade do trabalhador, a captura de sua mente

    para que ele se perceba e se sinta especial e único, como aquele que faz a

    diferença, um valor (capital humano) alçado ao status de grande colaborador, credor

    de todos os méritos que a organização (empresa) não faz mais do que cultivar,

    manter e preservar. Até quando não mais lhe interesse. Aplica-se, então, uma

    dispensa sumária.

    Nessa hora, os egos inflados de todos os empregados seduzidos pela mística

    do culto ao personalismo, aliada convicta da gestão pela afetividade, implodem pela

    súbita queda do paraíso em direção à grande e cruel realidade: nos tempos atuais, a

    personalidade está associada, antes de qualquer coisa, ao poder condicionado, que

    melhor se traduz pelo talento pessoal em gerar confiança. A hora da dispensa súbita

    e sumária, sem qualquer cuidado ou preparação é, por excelência e essência, a

    hora da quebra de confiança e da autoconfiança.

  • 18

    O empregado ao se aposentar sem ter-se preparado tem uma revelação

    dolorosa: a propriedade, que inclui rendimento à altura e disponível, na mais parte

    das vezes, ele não tem; a organização, que garantia um ambiente funcional,

    confiável e estável de aceitação e utilidade, decreta sua morte social, que equivale a

    um doloroso banimento; a personalidade, habituada a se submeter e aceitar como

    legítimas, compensações tangíveis na forma de cargo, emprego com carteira

    assinada e apreço social, se desestrutura. O trabalhador não dá conta de “liderar a

    si mesmo”, posto que liderança é uma qualidade de relacionamento em grupo e não

    uma atitude ou competência que se auto-aplique.

    A perda de sua importância, que no início de sua vida laboral foi o atributo

    que lhe garantiu tornar-se alguém de respeito, agora rapidamente o remete ao nada,

    ao vazio de si mesmo, à dolorosa síndrome da inutilidade, não exclusivamente

    ocupacional, mas verdadeiramente existencial.

  • 19

    2 CONHECER

  • 20

    2.1 DO SOFRIMENTO NA APOSENTADORIA: DISCERNIR OS CHOROS

    No tempo em que me debruço para escrever sobre esse tema já acumulo

    perto de 30 anos de trabalho junto ao público aqui estudado. Quando iniciei meu

    trabalho de preparação para a aposentadoria nas empresas, trabalho esse sempre

    realizado em grupo, aqueles que compareciam eram todos de cabelos grisalhos, só

    os meus não eram tintos. Hoje é quase ao contrário. Há turmas em que dentre eles,

    se não sou a mais velha em idade cronológica, com certeza estou entre as mais.

    Ao longo de todos estes anos, ao conduzir esses programas tenho sido

    testemunha de um fenômeno que me toca fundo: quase sempre há pessoas

    deprimidas que, ao cabo de toda uma vida de trabalho saem da empresa

    profundamente magoadas e, abatidas e que, quando falam disso suas vozes ficam

    embargadas.

    A esmagadora maioria, a quem tenho me relacionado em seminários e

    observado em meu trabalho clínico, é de homens que, com o coração partido, ao se

    encorajar a falar a respeito desandam a chorar, soluçar, sentidos como crianças e se

    retiram do recinto, cabisbaixos, numa cena de vergonha e profunda dor. Muitos, a

    maioria nem sequer chega a dizer nada em público. Só chora. Os colegas, na

    tentativa de quebrar o silêncio que se instala, começam a fazer gracinhas do tipo:

    Ah, não vai começar a chorar agora! Ou contam uma piada totalmente fora de

    contexto, enquanto constrangido e mudo, aquele que sofre se retira, vai lavar o rosto

    e tentar se recompor lá fora. Vez por outra algum colega o acompanha. Na maior

    parte das vezes, saem e permanecem sozinhos com sua dor.

    Dentro da sala, os colegas me confidenciam: Deixa ele. Tá magoado. É coisa

    de chefia. Deu lá umas encrencas... Foi lá fora, mas depois passa e ele volta.

    Essas ocorrências sempre me impressionaram e jamais deixei de me

    aproximar daquela pessoa ferida, perguntando-lhe, nalgum intervalo dos nossos

    trabalhos, se desejaria dizer alguma coisa em especial e se eu poderia ajudar de

    alguma forma. A resposta jamais variou: maus tratos sofridos na empresa. E nunca

    houve também a quem recorrer. Aos superiores dos seus superiores? Ouvidos

    moucos.

    Foi e continua sendo um tipo de situação tão recorrente que isso me levou à

    certa altura da minha vida profissional nesse tipo de trabalho a aconselhar àqueles

    que compunham os grupos a que não saíssem das empresas sem antes ter

  • 21

    acertado as contas antes. Que não saíssem com o moral abatido, carregando

    mágoas, com o coração apertado. Até poucos anos atrás era essa a minha visão. A

    pessoa teria sido destratada, espezinhada ou ofendida, pelos colegas ou

    principalmente pela sua chefia, principalmente dito um monte e ouvido uma

    montanha, no mais das vezes de desaforos. E deveria procurar esclarecer tudo

    antes. No meu parco e ingênuo saber, eu raciocinava em termos de procurar fazer

    as pazes ou de colocar o outro, o ofensor, no seu lugar, porque sair magoado não

    lhe faria bem.

    Ouvi muitos, inúmeros relatos de pessoas que saíram muito mal, se sentindo

    aviltadas, desonradas mesmo. Pessoas indignadas, não pelo fato de haverem

    perdido seu posto de trabalho, mas pela forma com que foram destratadas, forçadas

    a sair, expulsas e ofendidas, moralmente feridas ou traídas. E se não aconteceu

    com elas próprias, viram acontecer com seus colegas. Por mais que se cale a

    respeito, todos - ouso dizer - sabem do que se trata.

    Aprendi a discernir os choros. Há o choro emocionado das despedidas e o

    choro de desgosto da vítima desonrada e abatida. Na despedida o choro é doce e as

    lágrimas rolam suaves pelas faces. O choro do desgosto é amargo, rosto e mãos, o

    corpo todo contorcido e crispado. Na despedida as pessoas choram abraçadas, de

    saudades antecipadas. Na vergonha as pessoas se afastam e se escondem, se

    fecham ao contato, estão sós e se calam. Da sua revolta ninguém quer saber. A

    própria pessoa muitas vezes, não tem forças nem coragem para contar. Ela se isola

    e seus olhos não enxergam muito além. A recompensa é pouca demais.

    Não é exagero, pois, repetir o que amigos e familiares dizem: – Desde que o

    fulano foi saído ele anda assim, prá baixo. Nunca mais se recuperou. Fizeram

    cachorrada com ele. Pois é, morreu de desgosto. Os

    desfechos são trágicos. Mortes, psicoses,

    alcoolismo, síndromes várias que venho registrando

    na minha memória e nos arquivos do meu

    consultório e para as quais até poucos anos atrás eu

    mesma não tinha muito que a fazer, a não ser dizer:

    Não saiam antes de procurar acertar as coisas,

    porque depois vocês não vão ter com quem falar.

    Vão se queixar para quem? Para o delegado?*

    *A expressão “vai se queixar pro delegado” era muito comum a cerca de 40, 50 anos atrás. Dita em tom de ironia, significava: “Não adianta reclamar, por mais razão que você tenha, ninguém vai tomar providência alguma. Algo semelhante a Vai reclamar para o Bispo. Seriam pois,queixas vãs, sem chance de ser atendidas. Puro tempo perdido.

  • 22

    O tempo passou. O mundo mudou e eis que um livro me chamou a atenção:

    “Mal estar no trabalho”, escrito por Marie France Hirigoyen e publicado no Brasil pela

    Bertrand. Era o ano de 2002.

    Há livros que marcam a vida da gente. Esse, com certeza, me fez enxergar as

    relações de trabalho e seu impacto na saúde mental de uma outra forma. Escrito

    numa linguagem simples, bastante didática, fez desfilar sob meus olhos toda uma

    torrente de pessoas que foram abusadas e abatidas durante seu percurso e,

    principalmente, à hora da partida. Digo principalmente não no sentido de mais

    freqüentemente, mas por se tratar daqueles a quem mais estive vendo e ouvindo ao

    longo do meu próprio percurso profissional.

    2.1.1 Não tem com quem falar1

    Você vê. O que aconteceu comigo foi em junho e até agora, novembro de 2.007, ainda não me recuperei. Estou em tratamento, por depressão. Simplesmente um dia a minha chefia chegou pra mim e disse que a partir daquele dia eu não ia mais ser técnico de medição, porque “eu não tinha perfil”. Eu levei um baque. Como assim?! Há 28 anos e três meses trabalhando nesta empresa, me capacitando para fazer o que eu faço bem feito! Fazia. Porque me tiraram, mesmo tendo recebido prêmios, elogios. A própria juíza me cumprimentava pela qualidade das minhas perícias como técnico de medição. Eu tinha o maior orgulho de tudo isso. E me designaram para ser técnico das empreiteiras, que prestam serviços à área de energia elétrica. Agora eu faço umas coisinhas, nada de importante. Para que investiram tanto em mim? E não tem com quem falar, ninguém te escuta. Isso te põe doido, né? Lá é um trabalho inferior. Um cargo inferior e um trabalho que praticamente não me exige nada, não me aproveita em nada. Vinte e oito anos e três meses jogados no lixo. Por isso fiquei e ainda estou tão doente. Me senti um... Um nada! Puseram uma pessoa, um colega que era meu subordinado no meu lugar, mas que não chegava aos pés daquilo que eu sabia. Passei meses sem dormir, emagreci muito, só chorava, fiquei um trapo. Fui me defender. Enviei uma nota para o superior acima dele (chefia que o dispensara) e você pensa o quê? Que fui recebido? Que fui ouvido? Nem reunião, nem por telefone, nada. Então, desisti, deixei quieto. Não tem com quem falar. Eles dizem que a empresa é ética, mas não tem ética aqui, não. Só se for pra eles. Pra nós, os técnicos, não. A que eu atribuo à atitude dele? Perseguição. Eu sabia que ele já não gostava muito de mim, de coisas de tempos atrás. Até que ele se tornou meu chefe e fez o que fez. Eu não tenho o perfil... Então, porque é que a empresa me deixou ocupar o cargo pelos últimos 15 anos, me designava como preposto, nas ações de fraude, me elogiava por tanto tempo?! Para eu não ter perfil?!

    Depoimento informal - S.K.F., 52 anos, 29 anos de empresa do setor eletricitário, concedido espontaneamente em novembro de 2.007, num intervalo havido durante um seminário de P.P.A. que eu conduzia, numa cidade próxima à São Paulo, SP.

  • 23

    Depois de ter lido o livro de Hirigoyen, sobre as relações humanas no

    ambiente de trabalho pude compreendê-los melhor e muitas luzes se acenderam no

    firmamento de onde extraio hoje o meu conhecimento. Os processos vividos

    ganharam um nome: “Assédio Moral”. E, tendo um nome, ganharam concretude,

    objetivação e qualificação. Sem perder seu caráter sensível e subjetivo, passaram a

    ser reconhecidos também, por seu caráter interpessoal e social. Sem negar a

    experiência fenomenológica, sem cuja participação dos sentidos nem experiência

    seria, então se agregava a dimensão científica e racional. Essa foi a grande

    mudança, o início da verdadeira conquista na virada para o novo milênio, aqui no

    Brasil: o universo do trabalho agora comportando o reconhecimento dos direitos do

    homem, de qualquer homem, os direitos verdadeiramente humanos..

    Apesar de que humilhações e maus tratos sempre tenham ocorrido nas

    relações de trabalho, como também nas relações familiares e em outros espaços

    sociais, eles sempre foram tolerados, senão estimulados. O poder da coação se

    sobrepunha aos demais e não se reconheciam os poderes e direitos

    personalíssimos, tais como a dignidade, a intimidade, a liberdade, a integridade

    física e mental, a autonomia e a cidadania, além do direito de ser feliz.

    Foram necessários alguns séculos de experiência de governos democráticos

    para que se respeitem os princípios universais regidos pela consciência de que todo

    e qualquer ser humano é digno por ser único e em assim sendo é insubstituível. É,

    então, a dignidade, um valor íntimo inviolável. O ser humano consciente ou não,

    como parte integrante da humanidade e sob qualquer condição, tem o direito -

    garantido por lei - de ser tratado com dignidade, tenha ele ou não agido de forma

    moral e ou legal, pois sendo parte representante da humanidade e sendo esta capaz

    de moralidade, cabe-lhe o seu quinhão.

    Uma vez tenha sido reconhecido o incomensurável valor da dignidade

    humana, não mais cabe tolerar qualquer forma de violência, ocorrida nos espaços

    públicos ou privada, em qualquer lugar onde haja convivência. Nas organizações,

    em que pese ainda subsista muito da lógica perversa nas relações de poder, já se

    verificam esforços para instituir um novo modelo pautado pela ética e transparência

    na gestão de pessoas. Contudo, uma mudança cultural exige mais do que boa

    vontade e os abusos são freqüentes e diversos, manifestados como: perseguições,

    caprichos, humilhações, atritos injustificados e desnecessários e falta de diretrizes

  • 24

    claras, exigências excessivas e outras atitudes e comportamentos mais ou menos

    explícitos, muitos chamados de ordens ou política da matriz que a tudo justifica sem

    maiores questionamentos. Daí se depreende haver aceitação dessas condutas

    perversas, ainda antes de fazê-las cumprir.

    A violência psicológica que aconteceu no espaço e nas relações de trabalho é

    ainda mais complexa pela sutileza com que pode ser aplicada, sua intangibilidade,

    as enormes dificuldades em se estabelecer e comprovar o nexo causal, a vergonha

    das vitimas e a excessiva tolerância cultural para com os abusos e os preconceitos

    que se abatem sobre os trabalhadores mais velhos, acrescidos da violenta

    competitividade intergeracional no mercado de trabalho e produção globalizada e,

    mais além, numa economia estagnada sem grandes perspectivas de crescimento

    sustentável para uma extensa parte deste vasto mundo, em especial para os países

    ainda tão carentes de investimentos em educação, como é o caso brasileiro, e que

    ainda apresenta índices altíssimos de indigência e miserabilidade de várias ordens.

    Esse conjunto introduz uma dinâmica de graves tensões que torna muito difícil

    garantir a proteção dos direitos inalienáveis e irredutíveis do ser humano, onde se

    inserem: a integridade de sua honra e a sua dignidade.

    Aqueles que estão próximos à aposentadoria, então, tornam-se presas

    potenciais facilmente detectáveis por parte de personalidades individuais ou grupais

    abusivas e instituições que aplicam políticas abusivas e que, em vez de proteger a

    quem deveriam, pelo contrário atentam contra a integridade e dignidade dos sujeitos

    que delas dependem e por conta dos quais foram criadas e permanecem sendo

    sustentadas.

    A questão da aposentadoria tem sido tratada pelas instituições financeiras

    pela égide da liberdade, apresentando-a como um período futuro de liberdade e de

    satisfação para o qual as pessoas devem fazer sua poupança adicional como

    solução para a crise da previdência social. Transfere-se desta maneira para a alçada

    do individual e privado aquilo que é de natureza social e pública.

    Em pesquisa internacionalmente realizada e apresentada em 2007, pelo

    banco HSBC* (para obter as informações completas Vide Anexo 1), constatou-se

    que a população brasileira mostra-se otimista em relação ao seu futuro em

    comparação a outros países, contando com a ajuda de seus filhos em relação a

    cuidados pessoais, despesas médicas, moradia e despesas em geral. Prevalece a

    idéia de que a família ainda será o seu porto seguro.

  • 25

    Em relação a um novo trabalho seu apelo é o de manter-se fisicamente ativo

    e trabalhar, somente se for para ganhar um bom dinheiro, não havendo menção à

    auto-realização. Liberdade, satisfação e felicidade constroem a grande idealização

    da futura aposentadoria. Ao lado, apresentamos um gráfico da pesquisa acima

    mencionada, que representa a visão sobre respostas obtidas em economias

    desenvolvidas, o que em definitivo não é o caso brasileiro, a não ser em termos de

    porcentagem ínfima da nossa população.

    GRÁFICO 1

    Fonte: O futuro da Aposentadoria – A nova terceira idade

    Estudo elaborado pela Universidade de Oxford, encomendado pelo

    Banco HSBC ao Harris Institute, publicado em 2006.

    2.2 O GRANDE CONTRASTE

    Enquanto as instituições financeiras

    continuam a veicular as imagens paradisíacas de

    uma aposentadoria sombra e água fresca e os

    primeiros planos de previdência privada fechada

    procuraram garantir vencimentos seguros compatíveis com aqueles percebidos no

    último salário, a que ponto, efetivamente chegamos?

    Em 2050 a idade cronológica mediana da população brasileira estará próxima

    aos 48 anos: metade da população terá mais de 48 anos e a outra terá menos do

    que isso. O que nos levará a uma convivência forçada de 5 gerações dentro de uma

    mesma família, talvez sob o mesmo teto, cuja maior concentração populacional

    haverá de se encontrar nas áreas urbanas, cada vez mais caóticas e violentas.

    Estamos em 2010 e a idade mediana da população é de 28,8 anos. Em 20

    anos será de 37,9 anos e em 2050 será de 46,2. Isso significa que metade da

    população terá menos e metade da população terá mais que 46,2 anos de idade.

  • 26

    TABELA 1

    Para facilitar ainda mais o conhecimento das transformações que já se

    processam, apresento a evolução da pirâmide da população brasileira. Verifique-se,

    em especial, o crescimento das faixas médias de idade e, mais propriamente, o

    vertiginoso crescimento das idades mais velhas, acima de 80 anos.

    GRÁFICO 2

    CRESCIMENTO DAS IDADES MAIS VELHAS, ACIMA DE 80 ANOS, NO BRASIL.

    Fonte: IBGE, 2001

  • 27

    Se hoje, individual e familiarmente já nos ressentimos em razão de:

    • falta de infra-estrutura básica;

    • carência de mão-de-obra especializada para cuidar das polipatologias

    em serviços de home care, (cuidados domésticos especializados nas

    varas áreas de saúde física e/ou mental);

    • ausência de residências e moradias adaptadas para vários um, dois

    e/ou mais idosos dependentes ou semi-dependentes numa mesma

    família,

    • alto custo com cuidados na esfera da saúde;

    • inexistência de programas de educação para o envelhecimento ;

    • programas de inserção no mundo do trabalho, no mundo social e na

    esfera digital para os mais velhos,

    Todo esse conjunto só faz por aumentar a vulnerabilidade ante as severas

    ameaças que o atual sistema de aposentadoria introduz na vida de expressiva

    parcela da população brasileira, disponha ela ou não de uma aposentadoria

    complementar e de outros recursos pessoais, familiares e patrimoniais somados

    que, à bem da verdade, menos de 3% da nossa população dispõe de.

    Vejamos a seguir parte do material que foi mostrado no VIII Encontro dos

    Estados do Cone SUL dos Fundos de Pensão, havido em Curitiba, Paraná, de 05 a

    07 de junho de 2009, onde se apresentou o Digníssimo Secretário de Políticas de

    Previdência Social, do Ministério de Previdência Social, o Sr. Dr. Eduardo da Silva

    Pereira, que expôs e comentou a seguinte situação:

  • 28

    FIGURA 1: POPULAÇÃO OCUPADA E ASSISTIDA PELO INSS

    A manter junto à população, a ilusão de uma aposentadoria sombra e água

    fresca, tranqüila e feliz, prevalecendo-se da sua ingenuidade e desinformação - tão

    somente com o objetivo de atingir metas de vendas em planos de aposentadoria

    complementar – sem conscientizá-la das grandes mudanças em andamento, as

    instituições financeiras, longe de virem a entregar o tão almejado sonho, fomentam

    um grande pesadelo em âmbito nacional, lançando todas as gerações, atuais e

    futuras num espaço econômico e político da mais

    absoluta irresponsabilidade.*

    Cabe ainda considerar as contribuições que a

    Profa. Dra. Ana Amélia Camarano aponta, ao tratar

    de um dos tópicos mais atuais e relevantes no que

    diz respeito à participação dos idosos na família,

    enquanto provedor de rendimentos:

    *Do modo como está a situação da Previdência, ficarão insatisfeitas, tanto a expectativa de justiça intrageracional (em que cada indivíduo poupa para si próprio e/ou para o usufruto de sua própria geração), como a de justiça intergeracional, como bem assinala Axel Grosseries em sua obra La justice entre lês générations, publicada em 2.004, pela Alto/Aubier, na França.

  • 29

    A renda do idoso depende, principalmente, dos benefícios previdenciários, cuja contribuição tem aumentado no tempo para ambos os sexos. A participação da renda do trabalho na renda do idoso não se alterou muito no tempo, mas sua importância aposentadoria cresceu no tempo. Isso se deu em detrimento da participação de outras rendas e foi observado em ambos os sexos. A composição da renda das mulheres deve estar refletindo um efeito coorte, ou seja, o aumento da participação no mercado de trabalho das coortes mais jovens em décadas anteriores. No caso da renda das mulheres, aumentou a contribuição das pensões. Foi visto que as aposentadorias desempenham um papel muito importante na renda dos idosos e essa importância cresce com a idade. Pode-se concluir que o grau de dependência dos indivíduos idosos é, em boa parte, determinado pela provisão de rendas por parte do Estado. Como uma parcela importante da renda familiar depende da renda do idoso, sugere-se que, quando se reduzem ou se aumentam benefícios previdenciários, o Estado não está simplesmente atingindo indivíduos, mas uma fração razoável dos rendimentos de famílias inteiras. Isso é importante de ser notado porque, como conseqüência, o perfil do sistema previdenciário construído hoje influirá na distribuição futura da renda das famílias. Concluindo, pode-se dizer que o aumento da longevidade conjugado com o momento pelo qual passa a economia brasileira com efeitos expressivos sobre o jovem, tem levado a que o idoso assuma papéis não esperados nem pela literatura e nem pelas políticas. Isto faz com que a associação entre envelhecimento e aumento da carga sobre a família e o Estado não se verifique de forma tão direta. Por outro lado, por mais que o crescimento a taxas elevadas da população idosa provoque aumento nos custos da previdência social e de saúde, espera-se que a demografia, como uma ciência social, se paute por estudar alternativas para que os idosos, bem como outros grupos populacionais vivam bem. Parafraseando um demógrafo neozelandês, Ian Pool, a demografia deve ser uma ciência que vá além de contar pessoas, mas deve fazer com que as pessoas contem (Ian Pool, 1997)*.

    A segurança é um componente fundamental de todo e qualquer plano de

    desenvolvimento sustentável, seja ele econômico ou ambiental ou humano, porque o

    humano jamais conseguirá viver com qualidade, se não puder transformar a questão

    ambiental, de remediativa à ação preventiva e proativa e, em relação à economia se

    não puder reconduzir o trabalho humano ao patamar que lhe cabe como gerador de

    sentido de vida e não somente de riquezas materiais.

    Para reiterar a urgência em se adotar políticas públicas de cuidados, para

    com a pessoa humana, ilustramos a seguir o vertiginoso crescimento populacional

    que ocorrerá dentre aqueles que se situarão nas faixas etárias acima dos 80 anos

    de idade, o que causará impacto sobre todas as demais gerações, que serão

    chamadas a dar-lhes suporte de várias ordens.

  • 30

    TABELA 2

    A estratégia para enfrentar tais desafios deve ser de caráter preventivo,

    portanto, sem descuidar das situações urgentes e das emergências,

    fundamentalmente, para que se alcance o justo equilíbrio entre as potencialidades

    do homem para o seu trabalho, em qualquer idade e condição, mormente os de mais

    idade – que são o foco deste estudo – e as suas vulnerabilidades face ao

    desenvolvimento: desenvolvimento social, global, universal, com o qual se alinhe, se

    realize e encontre a si próprio, podendo ser feliz e útil ao longo de todo o seu

    caminho.

    Ao governo deverá caber a garantia de medidas que, democraticamente

    estimulem a melhoria das condições de vida de toda a população do país,

    lembrando que tão mais forte e democrático é um governo quanto mais ele

    consegue prever e prevenir desastres de qualquer ordem. Já vivemos uma situação

    de urgência para estancar as graves perdas, das inteligências e desperdícios de

    preciosos conhecimentos que vão parar na vala comum dos aposentados

    descartados, sempre que o país não lhes ofereça condições de educação

    continuada, informação oportuna e apoio, recursos que lhes permitam superar as

    vulnerabilidades e empreender seus novos projetos.

  • 31

    Por fim, quero registrar que a omissão e o silêncio são as mais insidiosas

    formas de violência. Porque não têm rosto, não têm nome e se ocultam em qualquer

    pessoa, porém distante da pessoa humana.

    2.3 DA RELEVÂNCIA DO TEMA

    Para os críticos das políticas de RH - Recursos Humanos, implementadas

    pelas modernas empresas, é visível a crescente degradação das relações de

    trabalho atravessadas por imposições e conflitos velados, ambigüidades e

    dissonâncias entre a prática e o discurso com o conseqüente desgaste na saúde

    mental dos trabalhadores.

    É cada vez mais forte a presença de pesquisas sérias que reconhecem os

    poderosos e sutis mecanismos de sedução e de oferta-distribuição de privilégios,

    que os aprisionam numa rede de necessidades totalmente dispensáveis, às quais

    são induzidos a ansiar, gerando um vínculo de forte dependência destes em relação

    à empresa-mãe que dirige e dirigiu suas vidas. Não só dirigiu e orientou como se

    apoderou do seu tempo, pensamento, modo de ser e de pensar, levando-os a uma

    condição de fragilidade, submissão e apego excessivos, que não ousam ou nem

    querem questionar.

    Uma forte presença de processos alienantes, a insistência em “dobrar” a

    visão e a força da vontade do trabalhador, alinhando-as com a ideologia da

    empresa, rouba-lhes a capacidade de elaborar mecanismos de defesas psíquicas à

    altura das absurdas exigências que lhes estão sendo impostas: aceitar ter sua vida

    privada invadida e vasculhada, aceitar a idéia de investir seu “tempo livre” em

    atividades pré-programadas e estruturadas pelas próprias empresas (o que equivale

    a exercer mais trabalho ainda sem a contraparte de remuneração compatível),

    conviver com o medo natural de perder o emprego, sem se dar conta de já haverem

    aberto mão de algo ainda mais precioso, que é a sua autonomia. E mais: perderam

    sua própria identidade e, igualmente importante, desviam para o ambiente de

    trabalho as relações de segurança, afeto, pertença, lealdade e erotismo que fariam

    melhor por existir no âmbito da família e em meio à sociedade.

  • 32

    O mundo da fábrica é o universo das relações sociais. É o espaço dos discursos e das promessas, das seduções e dos conflitos, da competição e das exigências. É uma relação que comporta sentimentos de identificação e adesão muito fortes, sustentados pela preleção colaboracionista. Como que enfeitiçados, grande parte dos trabalhadores vê as empresas como a mãe que os acolheu: com o status internalizado da empresa-mãe, hospitaleira e aconchegante, eles tudo fazem pelo bem-estar da genitora simbólica que habita o centro do seu imaginário. Vida pessoal e sonhos se confundirão com a vida da organização, sendo tênue a fronteira que os separam. Na contramão do paradigma de valorização do humano, a tecnocracia foi construindo e reafirmando no cotidiano uma racionalidade prática que elimina a autonomia e o domínio do saber-criar-fazer pelos trabalhadores; a tecnocracia, à medida que decompõe mina e torna ilusória essa autonomia, aprisiona as iniciativas que restam esquecidas e subsumidas nas exigências da produção, resultando em uma nova configuração das relações sociais e laborais. Dá-se uma verdadeira tentativa de alfabetizar as emoções, blindando-as e procurando-se mantê-las fora do espaço fabril. Cursos e treinamentos intensivos e exaustivos proliferam em ritmo acelerado, com promessas de melhorar a performance, estimular as emoções positivas e expulsar as negativas, colocando a inteligência emocional a serviço das relações nas organizações. Acima de tudo, os empregados devem internalizar os desejos e ideais corporativos como se fossem seus. Aqueles que não seguem a prescrição são vistos como incapazes de se adaptar às novas práticas, sendo classificados como divergentes e resistentes. A investida das empresas em tais políticas de afetividade traz por conseqüência ‘o fomento à indiferença em relação à própria dor, à dor do outro, à insensibilidade, à passividade e à apatia em relação aos fatos que testemunham ou vivenciam em seu entorno social’. (BARRETO: 2008, PP. 61-62)

    Neste cenário, o abuso é tomado por natural e a violência deixa de ser ato

    pontual para se tornar processo, produzido e reproduzido como estilo gerencial, do

    qual os altos escalões só tomam conhecimento caso haja repercussão nos

    resultados, sendo que a própria omissão, a não intervenção das altas esferas que

    são naturalmente tidas por desiguais, na condição de superiores formais, por si só já

    criam condições de perpetuar abusos e dão novas roupagens para as antigas

    formas de exercer a violência através do poder do cargo. E muitas vezes por

    determinações que vêm de uma matriz de fora, cujos interesses são estranhos e

    indiferentes aos nossos, nacionais e cujas políticas e procedimentos de RH ferem

    até mesmo nosso código civil.

    E como é possível? O que sustenta o fato de que nossa própria soberania

    esteja sendo vilipendiada? O que vai embutido na expressão de total indiferença

    para com a dispensa de um colega: Lamento, mas são ordens da matriz? Ou somos

    colegas de equipe e nos importamos uns com os outros ou formamos uma equipe

    somente quando temos metas a alcançar e deixamos de sê-lo na hora de

    dispensar? Que política de afetividade é essa? Por quais regras nos pautamos?

  • 33

    Que o poder, por meios do castigo físico ou ameaça de sua aplicação, através

    de promessas de recompensas pecuniárias diretas ou indiretas, vantagens e

    benefícios, por persuasão, validação e manipulação dos afetos, leva pessoas a ela

    sujeitas a abandonar suas próprias preferências e a aceitar as preferências alheias,

    isto é fato sabido. Mas o que leva à confusão entre os instrumentos do exercício do

    poder e as fontes do direito de exercê-lo? Mais ainda, a confundir exercício com

    abuso desse mesmo poder?

    Há que se pensar num certo conteúdo secreto desse exercício: a submissão

    não pode ser evidente para aqueles que se submetem. Eles devem desejar fazê-lo.

    É aqui que se insere o culto à personalidade do trabalhador, a captura de sua mente

    para que ele se perceba e se sinta “especial e único”, como aquele que “faz a

    diferença”, um valor - capital humano - alçado ao status de grande colaborador,

    credor de todos os méritos, que a organização – empresa - não faz mais do que

    cultivar, manter e preservar. Até quando não mais lhe interesse. Aplica-se, então,

    uma dispensa sumária.

    Nessa hora, os egos inflados de todos os empregados seduzidos pela mística

    do culto ao personalismo, aliada convicta da gestão pela afetividade, implodem pela

    súbita queda do paraíso em direção à grande e cruel realidade: nos tempos atuais, a

    personalidade está associada, antes de mais nada, ao poder condicionado, que

    melhor se traduz pelo talento pessoal em gerar confiança. A hora da dispensa súbita

    e sumária, sem qualquer cuidado ou preparação, é, por excelência e essência, a

    hora da queda de confiança e da auto-confiança.

    O empregado, ao se aposentar sem ter-se preparado, tem uma revelação

    dolorosa: a propriedade, que inclui rendimento à altura e disponível, ele não tem; a

    organização, que garantia um ambiente funcional, confiável e estável de aceitação e

    utilidade, decreta sua morte social; a personalidade, habituada a se submeter e

    aceitar como legítimas, compensações tangíveis na forma de cargo, emprego com

    carteira assinada e apreço social, se desestrutura. O trabalhador não dá conta de

    liderar a si mesmo, posto que liderança é uma qualidade de relacionamento em

    grupo e não uma atitude ou competência que se auto-aplique.

    A perda de sua importância, que no início de sua vida laboral foi o atributo

    que lhe garantiu tornar-se alguém de respeito, agora rapidamente o remete ao nada,

    ao vazio de si mesmo, à dolorosa síndrome da inutilidade, não ocupacional, mas

    verdadeiramente existencial.

  • 34

    Para melhor compreender questões de tal magnitude e complexidade,

    busquei saberes de várias áreas do conhecimento e elegi a abordagem

    transdiciplinar, especialmente a partir da antropologia, em meio às ciências sociais,

    sem, contudo, dispensar aqueles conhecimentos advindos da minha primeira

    formação acadêmica, a psicologia.

    Para justificar a escolha da temática desta tese procuraremos elucidar tanto a

    origem como as causas deste trabalho que, em razão de sua complexidade, exige-

    nos realizar um esforço de buscar e compreender saberes em múltiplas áreas do

    conhecimento: antropologia, sociologia, política, história, economia, administração

    pública e privada, direito, filosofia, gerontologia social e psicologia, além de

    educação.

    Mais à frente, serão apresentados os autores, seus conceitos e reflexões,

    bem como minhas próprias idéias e questionamentos, de cada uma das áreas

    pesquisadas.

    2.4 METODOLOGIA

    A presente tese, realizada com estudos que ocorreram em ampla base

    geográfica, tem natureza descritiva e obedece a experiências de duplo caráter:

    construtivista e fenomenológica.

    Observei, e analisei fatos e/ou fenômenos altamente complexos concernentes

    à pessoa humana, muitos dos quais testemunhei, outros ouvi atenta e

    minuciosamente: os relatos de assédio moral, violências, perdas e danos que se

    abatem sobre os aposentados, em seu período de aposentadoria - de mais ou

    menos 5 anos antes a mais ou menos 5 anos após requerer o INSS.

    Procurei descobrir com o máximo de clareza e precisão, aquilo que os

    provoca, como eles são percebidos e sentidos, sua natureza e características e, sua

    relação e conexão com outros fenômenos sociais, de igual ou maior complexidade.

    Introduzi, também com clareza, vários dos temas relacionados em seu

    conjunto: dano existencial, síndrome de burnout, síndrome loco-neurótica, e outras

    formas de violência que acarretam prejuízos de várias ordens, suas cargas

    psíquicas negativas, relacionando-os ao largo processo de aposentadoria e à

    crescente fragilização de seu público alvo nas empresas, com o intuito de

  • 35

    compreender melhor esses fenômenos e propor modos de prevenção, objetiva e

    subjetivamente. Procurei trazer experiências inéditas e reflexões que impulsionem

    inclusive outras pesquisas.

    Para atingir os objetivos propostos, foram programadas diferentes estratégias

    operacionais para a pesquisa, abrangendo:

    • Dados obtidos em campo, enquanto coordenadora e instrutora de

    programas de aposentadoria junto a empresas públicas e privadas e a

    grupos de funcionários públicos ou de empregados pré-aposentados ou

    já aposentados, bem como junto a cônjuges que acompanham os

    grupos mencionados anteriormente nas empresas;

    • Entrevistas, algumas delas formais, outras informais, havidas com

    colegas da mesma área que a minha e de áreas afins;

    • Entrevistas, algumas formais e outras informais, realizadas com

    profissionais de empresas; (vide Anexo 16)

    • Reuniões formalmente havidas e pré-agendadas com sindicalistas;

    • Debates com grandes públicos nas oportunidades em que os ensejei,

    após haver proferido palestra junto a pessoas aposentadas e seus

    familiares.

    Foram, também, aproveitadas experiências de consultório, que venho tendo

    no atendimento clínico a pacientes vítimas de assédio moral, ao longo dos meus

    quase 30 anos de trabalho como psicoterapeuta, sendo que algumas dessas vítimas

    me foram encaminhadas pelas próprias empresas em que ocorreu o episódio de

    assédio, dano moral e/ou outra forma de violência.

    Outras delas trouxeram suas experiências de assédio moral no trabalho em

    meio a outros conflitos, não tendo sido sua queixa principal, nem o motivo primeiro

    que as motivou a procurar tratamento. Em verdade, durante alguns anos, muitas

    dessas vítimas e eu própria, enquanto psicoterapeuta, não me dava conta da

    devastação emocional que episódios desta monta e natureza introduzem no

    psiquismo da vítima e, nas repercussões que acarretam em um casamento e,

    mesmo numa família.

  • 36

    À medida que as pesquisas e os relatos prosseguiam, no entanto, foi

    inevitável que essas memórias retornassem e contribuíssem para formar um pano

    de fundo sobre o qual tecer minhas considerações e gravar meus conhecimentos e

    reflexões. Em assim sendo, de maneira não planejada, foi-se construindo um rico

    banco de dados pessoal.

    2.4.1 Caracterização do local e dos ambientes de investigação

    Foram vários os ambientes de observação, participação e investigação.

    Basicamente: em meu próprio consultório, salas de treinamento, auditórios e

    salas de reunião em diferentes empresas públicas e privadas.

    • Meu consultório: Fica na cidade de São Paulo, numa de suas

    principais artérias comerciais, nos Jardins, bairro que dá acesso a um

    grande centro de compras, lazer e escritórios, onde estão alocadas as

    principais lojas que atendem ao mercado do luxo. Ali, no terceiro andar

    de um edifício comercial, atendo em uma clínica particular, onde recebo

    clientes por recomendação de outros colegas e dos próprios clientes

    (antigos e atuais) e por indicação de profissionais que trabalham nas

    empresas para as quais presto serviços de transição e de preparação

    para a aposentadoria e pós-carreira.

    A maior parte dos atendimentos ocorridos em meu próprio consultório, entre

    os anos de 2005 e 2008 estendeu-se para profissionais de alto escalão. Sua

    duração, em média foi de 8 meses, tempo que as empresas houveram por bem

    arcar com as despesas.

    Duas empresas contrataram meus serviços, também para atender a

    profissionais que lá ocuparam posições bem mais humildes (p.e., como copeira ou

    como secretária) e todos os atendimentos sempre foram individuais, com uma hora a

    uma hora e meia de duração cada sessão. Nenhum deles acompanhado pelos

    respectivos cônjuges, embora nas empresas isso seja praxe.

    Como parte da negociação com a empresa é estabelecido contrato de

    absoluto sigilo quanto ao conteúdo daquilo que é relatado pelo cliente que me é

  • 37

    encaminhado e, nas ocasiões em que é detectada a ocorrência de algum tipo de

    violência sofrida, dano ou assédio, o cliente é esclarecido e tem a liberdade de tomar

    suas decisões, sem sofrer qualquer tipo de pressão.

    Considero muito interessante, porém, que se realize um processo de

    mediação e, desde que haja interesse e disposição entre as partes, se encaminhe o

    processo, da mediação para uma negociação ganha-ganha, evitando os desgastes e

    a morosidade do sistema judicial e buscando a conciliação através do elegante

    sistema de mediação e arbitragem para-judicial, para o qual deve-se chamar um

    advogado, uma vez tratar-se de questão ocorrida no ambiente de trabalho.

    Todos estes já são termos de que me valho e utilizo junto às empresas com

    as quais negocio meus serviços de aconselhamento e estabeleço meu contrato de

    prestação de serviços junto àqueles que estão por se aposentar, aposentáveis –

    vitimados ou não - em qualquer situação.

    • Salas de treinamento e auditórios: Mesmo que eu tenha trabalhado,

    desde 1983, com Programas de Preparação para a Aposentadoria em

    quase todos os estados brasileiros, à exceção dos estados do Acre,

    Roraima, Amapá, Rondônia e Tocantins e, ainda assim, atendido a

    trabalhadores originais destas regiões, desde que tomei a decisão de

    fazer o doutorado, meus estudos estiveram concentrados, nos estados

    aonde meu trabalho nesta área vem se realizando, basicamente: na

    cidade de São Paulo, Brasília-DF, Curitiba-PR, Rio de Janeiro-RJ,

    Vitória-ES, Salvador-Ba, Natal-RN e Aracajú-SE.

    Em se tratando de empresas públicas, quase sempre os trabalhos se

    realizaram em grandes auditórios, mesmo quando os grupos foram pequenos (de

    até 25 pessoas). Foi bastante comum que houvesse faltado algum material para ser

    distribuído, dentre aqueles que eu haja previamente enviado. Ou que não tenha

    ainda sido instalada na sala alguma aparelhagem de som ou de projeção e que, de

    última hora alguém tenha que sair em busca de um técnico para resolver o

    problema. Muito dificilmente o horário de início do evento é mantido, por conta de

    alguma autoridade que não está presente no momento e que deve ser aguardada

    para dar início ao cerimonial.

  • 38

    Nas empresas privadas, as salas de treinamento raramente são sediadas nas

    dependências das próprias empresas, porque o tipo de trabalho que faço – seja

    palestra, seja grupo de PPA - envolve grande número de pessoas a cada vez (de 40

    a 300 ou mais). Desta forma, as salas são alugadas pelas empresas e ficam em

    hotéis ou sedes de clubes de campo e, quase sempre os técnicos que conduzem o

    evento já testaram os aparelhos que serão usados, o material já foi conferido e está

    disponível e os diretores estão a postos no horário previsto. Há diferenças

    marcantes, no entanto, quando ocorre a presença dos primeiros escalões, tanto nas

    empresas públicas, quanto nas privadas.

    Já nas empresas públicas, o protocolo é extremamente rigoroso e o clima que

    se instala, entre as lideranças e o público, é gélido e distante, enquanto que nas

    privadas as lideranças buscam instalar um clima de maior envolvimento e

    descontração, passeiam por entre o público, tratam-no pelos respectivos nomes

    próprios, tocam-nos com as mãos e, apresentam-se mais próximos, inclusive para

    responder ao que lhes possa interessar, tanto no momento, quanto após o(s)

    evento(s).

    A comunicação é mais fluida e muitos deles permanecem por mais tempo no

    recinto após a sua fala inicial, coisa que jamais acontece nas empresas públicas. As

    chefias dão início ao evento e logo depois se ausentam.

    2.4.2 Caracterização da população e amostra

    Ao meu consultório chegaram clientes recomendados por colegas, clientes

    atuais, ex-clientes ou pelas empresas para as quais presto serviços, quase sempre

    em estado de grande padecimento emocional.

    Aqueles que chegaram pelas mãos das empresas, estes em fase de

    demissão, me foram indicados em razão de ser muito conhecida no meio

    empresarial, em função dos meus conhecimentos na área de PPA, ocasião em que

    me era dito pela pessoa que ensejava o contato:

    Ela (a pessoa que está por ser desligada da empresa) está sofrendo muito, não está lidando bem com a nova realidade, de que vai ter que se afastar/está sendo substituída/vai findar seu contrato de trabalho/estamos renovando os quadros/lhe dissemos que não vai poder continuar porque não tem mais o perfil de que necessitamos e ela não conseguirá se encaixar

  • 39

    nas mudanças que virão, e nós estamos muito preocupados com ela (a pessoa). Trata-se de uma excelente profissional, que nós não gostaríamos de ver sofrendo assim e queremos dar um atendimento especial. Além disso, ficando nesse estado, isso repercute muito mal aqui dentro e dificulta a transição e o exercício de autoridade da pessoa que está entrando para assumir no seu lugar. Ela tem ainda ‘x’ tempo para permanecer e a empresa dispõe de recursos para ela ser tratada. Você pode nos atender?

    Em relação à grande maioria daqueles com quem convivi no meu trabalho de

    grupo, junto a empresas públicas e privadas, a população estudada foi composta

    de profissionais em fase de aposentadoria: basicamente pessoas entre 5 anos da

    época prevista para entrar com seu pedido junto ao INSS e 5 anos após já estar

    aposentados pelo INSS.

    A esmagadora maioria goza(va) de complementação ou suplementação

    previdenciária), que lhe garante(ia) um recebimento de pelo menos 50% líquido de

    seu último salário após se aposentar. Dependendo da empresa, muitos puderam

    conservar os benefícios de assistência médica na íntegra ou em parte. Alguns, a

    facilidade de permanecer no plano da empresa, desde que arcassem com a

    totalidade dos custos para si e para o cônjuge.

    São pessoas com quem estive em interação direta, durante os trabalhos de

    PPA, com quem debati suas questões de interesse e com quem conversei - na

    frente dos colegas e/ou em particular - por iniciativa deles, que se aproximavam de

    mim, ou eu deles, para puxar assunto ou dar continuidade a alguma coisa que havia

    sido levantada na sala onde havíamos trabalhado junto, antes. Eles mesmos e/ou

    seus cônjuges ali presentes.

    2.4.3 Faixa etária das pessoas em fase de aposentadoria, que

    compareceram aos grupos de preparação

    Compreendidas entre 45 a 60 anos de idade, situando-se a grande maioria:

    homens, entre 52 a 57 anos de idade; mulheres, entre 48 a 53. Os cônjuges

    respectivos (mulheres) têm: do primeiro casamento, idade variada em torno dos 48 a

    54 anos; do segundo casamento, idade variada em torno dos 38 a 42 anos. Desde

    2006, aos mais de 30 diferentes grupos atendidos por mim, nas diferentes

    empresas, não compareceu nenhum cônjuge do sexo masculino. E nos últimos

    anos, também deixaram de comparecer muitas esposas, pelo motivo de também

  • 40

    estarem trabalhando nos seus empregos e não terem sido dispensadas. Outro dos

    motivos mais freqüentes é o fato ou alegação de estarem cuidando de netos, cujos

    pais e mães trabalham. Além disso, muitas empresas só pagam as despesas de

    deslocamento e/ou hospedagem para os empregados. Quando os seminários se

    realizam em cidades praianas, próximos ao fim de semana ou feriado, o

    comparecimento de casais é expressivamente maior.

    2.4.4 Motivos levantados sobre a ausência de cônjuges nos grupos de

    PPA

    Desde 2006, aos mais de 30 diferentes grupos atendidos por mim até outubro

    de 2009, nas diferentes empresas, não compareceu nenhum cônjuge do sexo

    masculino. Nesses últimos anos, também deixaram de comparecer muitas esposas,

    pelo motivo alegado de também estarem trabalhando nos seus empregos e não

    terem sido dispensadas. Outro dos motivos mais freqüentes é o fato ou alegação de

    estarem cuidando de netos, cujos pais e mães trabalham. Além disso, muitas

    empresas só pagam as despesas de deslocamento e/ou hospedagem para os

    empregados. Quando os seminários se realizam em cidades praianas, próximos ao

    fim de semana ou feriado, o comparecimento de casais é expressivamente maior.

    • Em se tratando de cônjuges mulheres: além da necessidade de cuidar

    de netos, de familiares doentes e/ou dependentes, consideraram muito

    tempo para ficar fora de casa e largar filhos moços solteiros sozinhos

    e/ou filhos menores sem a presença da mãe em casa;

    • Em se tratando de cônjuges homens: Todas alegam: Não quis vir; não

    se interessou; trabalha fora no mesmo horário.

    O comparecimento é sempre voluntário: todos que compareceram aos

    trabalhos de PPA e às palestras fizeram-no voluntariamente, correspondendo aos

    convites feitos pelas empresas e respondendo aos instrumentos: questionários,

    exercícios, dinâmicas, vivências, que fazem parte do meu método de trabalho.

  • 41

    Alguns desses instrumentos permaneceram consigo; outros, dos quais aqui

    apresento dois Modelos (Vide Anexos 2 e 3), foram analisados, para consubstanciar

    as observações e assinalamentos que faço neste estudo, sobre seu perfil.

    2.4.5 Dados advindos de outras fontes, que não os seminários de PPA

    Muito significativo e motivador para a realização dessa tese, foi o fato de

    que, à medida que pessoas – das mais variadas – tomavam conhecimento de meu

    interesse no assunto, muitas delas se dispuseram a colaborar, algumas fazendo

    questão de dizer alguma coisa sobre si ou sobre algum familiar.

    Seus relatos, contundentes, foram importantes, mesmo quando aqui não

    estão sendo citados ou quando as pessoas estiveram erradas, chamando de

    assédio moral ao que não se enquadraria legalmente como tal. Tal processo

    prestou-se a ajudar a apurar a minha ‘escuta’, uma vez que, optei sempre por

    entrevistas não estruturadas. Estive muito atenta, não só aos conteúdos relatados,

    mas ao clima emocional dos relatos espontâneos, às associações livres que fluíam,

    às metáforas que foram sendo construídas, aos gestos e expressões conforme as

    falas se enriqueciam e, também aos intervalos e silêncios que muito me diziam.

    Tive acesso a funcionários, empregados e seus respectivos cônjuges: no

    estado de São Paulo (nas cidades de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, São

    José do Rio Preto, Bauru, Mogi-Mirim e cercanias), Brasília-DF (e cidades-satélite),

    Curitiba-PR (e cidades cercanas), Rio de Janeiro-RJ, Vitória-ES, Salvador-BA (e

    cidades cercanas), Natal-RN (e cidades cercanas, especialmente Mossoró) e

    Aracajú-SE (e cidades cercanas).

    Esse acesso amplo deveu-se, sempre, às estratégias utilizadas pelas

    empresas de congregar grupos de empregados em torno de um pólo maior, quando

    da realização dos programas de PPA de que participei proferindo uma única palestra

    ou ministrando um workshop ou, mesmo, conduzi. Deste modo, além de tê-los visto

    e ouvido durante a ocasião formal dos seminários, em meio aos demais colegas,

    pudemos conversar em pequenos grupos, após o término da programação oficial.

    Eu lhes expunha meus intentos acadêmicos e os convidava a permanecer por

    mais algum tempo ou a retornar à noite ou no dia seguinte, para conversarmos mais

    descontraidamente, quando, então, eu tomaria notas daquilo que me permitissem.

  • 42

    Muitos retornavam com as esposas. Todos valorizavam sobremaneira meus

    objetivos e a maioria, quando não podia permanecer ou retornar, se justificava em

    razão da hora tardia e da necessidade de aproveitar a condução da empresa ou por

    ter que enfrentar longo trajeto de estrada ou já ter outro compromisso. Muitos me

    deram o número de seus telefones particulares e e-mails e mantivemos contato

    assim, à distância.

    Da mesma forma, pude trocar muitas idéias com outros profissionais, da

    minha própria equipe de trabalho, de outras equipes e mesmo das empresas que me

    contrataram. Dentre esses últimos ficou muito claro e confesso que, no espaço

    público necessitavam adotar uma fala oficial, mas na intimidade das nossas trocas

    confidenciais, abrindo seus corações, propiciaram-me informações muito relevantes

    e elucidativas sobre os bastidores dos programas de PPA e as disputas de poder.

    O fato é que, no nível hierárquico de quem os conduz, a intenção é quase

    sempre a de informar e preparar. Observa-se lisura das condutas e sinceridade nas

    palavras, coerência entre as intenções e as ações praticadas. Para quem elabora as

    políticas de pessoal, o panorama não é nada favorável em relação às intenções das

    altas chefias. Sua definição quanto à permanência dos mais velhos nos quadros

    funcionais é a de querer excluí-los, mesmo.

    As entrevistas não estruturadas, tão fluidas e livres que melhor seria

    chamá-las ‘conversas’, que tive com meus colegas da mesma área e/ou de áreas

    afins aconteceram em duas situações:

    a) espontaneamente, em situações de trabalho, em situações sociais,

    durante viagens, em troca de e-mails ou

    b) em salas de reunião, ocasião em que fiz algumas anotações, com o seu

    consentimento, à guisa de entrevista. As entrevistas que tive com sindicalistas e com

    os grupos de aposentados ligados aos sindicatos sempre foram formais, com hora

    marcada, anotadas na sua presença e com o seu consentimento.

    Ao entrevis