aspectos relevantes para uma análise e entendimento acerca da obra fahrenheit 451

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91 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.16, n.2, p.91-106, jul./dez. 2006 LIVRO E CINEMA: representações de práticas relativas ao livro na imagem cinematográfica Terezinha Elisabeth da Silva * RESUMO Aborda alguns tópicos de pesquisa sobre as representações de práticas relativas ao livro na imagem cinematográfica. Foram realizadas análises da imagem em vários filmes que abordam os cinco temas eleitos para estudo: 1) lugares ou espaços de armazenagem; 2) profissionais responsáveis pela organização e armazenagem; 3) autores, criadores e escritores; 4) leitores e usuários; 5) distopias ou destruições de coleções. Conclui-se que há representações que são comuns a muitos filmes. Tais representações elaboram estereótipos que têm funções pedagógicas, nem sempre positivas, a respeito de dos temas estudados. Palavras-chave LIVRO – REPRESENTAÇÕES E IMAGENS IMAGEM CINEMATOGRÁFICA * Professor Adjunto do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina E-mail: [email protected] memória científica original 1 INTRODUÇÃO L ivros, leitores e bibliotecas são temas de pesquisas instigantes e, por outro lado, de estudos muitas vezes enfadonhos, aparentemente inócuos para boa parte das pessoas em geral e, até muito recentemente, para os estudos acadêmicos. Porque apenas censitários, bibliométricos e inventariantes, são estudos que giram em torno de si mesmos, por meio de estatísticas sem densidade de análise e que pouco contribuem para a compreensão dos fenômenos que transitam nesse e através desse objeto, o livro. Nas décadas de 1980-90, entretanto, ocorrem mudanças importantes nas abordagens e pesquisas sobre livros, leitura e bibliotecas. O caráter quantitativo de pesquisas anteriores cede lugar a olhares mais delicados e qualitativos que passam a refletir essas questões por outros prismas. Foram fundamentais para essa mudança de foco os trabalhos de autores como Roger Chartier (1994, 1998, 2002); Robert Darnton (1990, 1992), Alberto Manguel (1997, 2005), Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1991, 1996, 2002), Teixeira Coelho (1986, 1999) e Luís Milanesi (2002, 2003). São autores- pesquisadores de quem somos tributários porque, de modo significativo, alavancaram as pesquisas da área dedicando-se a vertentes que contribuíram – e ainda contribuem – para saltos qualitativos das disciplinas relativas ao livro e às bibliotecas. Este artigo, originado de tese de doutorado (SILVA, 2006) defendida no Programa de Pós- Graduação em Multimeios da Unicamp tenta uma abordagem que o torna desafiador em razão das dificuldades que o problema impõe como a incursão em área do conhecimento diferente da Biblioteconomia e da Ciência da Informação. O terreno é insidioso e repleto de armadilhas, mas proporciona desafios os quais um caminho reto e sem obstáculos impede vivenciar. Estudos fáceis e quantitativos são temerários e devem ser evitados porque pouco avançam no debate sobre o livro, sua natureza e materialidade. Dessa forma, mergulharemos em outro medium que incorpora o objeto, o suporte e a ordem do livro, tal qual o debate das décadas de 1980-90 aventou e viabilizou. 2 O CINEMA E OS LIVROS O mundo dos livros ainda é, para muitos, o lugar onde a informação está armazenada e o lugar

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O presente trabalho visa a análise sobre a referida obra. Além disso, foca em elementos que não estão a um nível de fácil acesso a todos os leitores.

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91Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.16, n.2, p.91-106, jul./dez. 2006

Livro e cinema

LIVRO E CINEMA:representações de práticas relativas ao

livro na imagem cinematográfica

Terezinha Elisabeth da Silva*

RESUMO Aborda alguns tópicos de pesquisa sobre as representaçõesde práticas relativas ao livro na imagem cinematográfica.Foram realizadas análises da imagem em vários filmes queabordam os cinco temas eleitos para estudo: 1) lugares ouespaços de armazenagem; 2) profissionais responsáveis pelaorganização e armazenagem; 3) autores, criadores eescritores; 4) leitores e usuários; 5) distopias ou destruiçõesde coleções. Conclui-se que há representações que sãocomuns a muitos filmes. Tais representações elaboramestereótipos que têm funções pedagógicas, nem semprepositivas, a respeito de dos temas estudados.

Palavras-chave LIVRO – REPRESENTAÇÕES E IMAGENSIMAGEM CINEMATOGRÁFICA

* Professor Adjunto do Departamentode Ciência da Informação daUniversidade Estadual de LondrinaE-mail: [email protected]

mem

ória

cie

ntífi

ca o

rigi

nal

1 INTRODUÇÃO

Livros, leitores e bibliotecas são temas depesquisas instigantes e, por outro lado, deestudos muitas vezes enfadonhos,

aparentemente inócuos para boa parte das pessoasem geral e, até muito recentemente, para os estudosacadêmicos. Porque apenas censitários,bibliométricos e inventariantes, são estudos quegiram em torno de si mesmos, por meio deestatísticas sem densidade de análise e que poucocontribuem para a compreensão dos fenômenosque transitam nesse e através desse objeto, o livro.

Nas décadas de 1980-90, entretanto, ocorremmudanças importantes nas abordagens e pesquisassobre livros, leitura e bibliotecas. O caráterquantitativo de pesquisas anteriores cede lugar aolhares mais delicados e qualitativos que passam arefletir essas questões por outros prismas. Foramfundamentais para essa mudança de foco ostrabalhos de autores como Roger Chartier (1994,1998, 2002); Robert Darnton (1990, 1992), AlbertoManguel (1997, 2005), Marisa Lajolo e ReginaZilberman (1991, 1996, 2002), Teixeira Coelho (1986,1999) e Luís Milanesi (2002, 2003). São autores-pesquisadores de quem somos tributários porque,

de modo significativo, alavancaram as pesquisasda área dedicando-se a vertentes que contribuíram– e ainda contribuem – para saltos qualitativos dasdisciplinas relativas ao livro e às bibliotecas.

Este artigo, originado de tese de doutorado(SILVA, 2006) defendida no Programa de Pós-Graduação em Multimeios da Unicamp tenta umaabordagem que o torna desafiador em razão dasdificuldades que o problema impõe como a incursãoem área do conhecimento diferente daBiblioteconomia e da Ciência da Informação. Oterreno é insidioso e repleto de armadilhas, masproporciona desafios os quais um caminho reto esem obstáculos impede vivenciar. Estudos fáceis equantitativos são temerários e devem ser evitadosporque pouco avançam no debate sobre o livro, suanatureza e materialidade. Dessa forma,mergulharemos em outro medium que incorpora oobjeto, o suporte e a ordem do livro, tal qual o debatedas décadas de 1980-90 aventou e viabilizou.

2 O CINEMA E OS LIVROS

O mundo dos livros ainda é, para muitos, olugar onde a informação está armazenada e o lugar

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Terezinha Elisabeth da Silva

exclusivo do conhecimento – aquele conhecimento,por assim dizer, autorizado. Ora, há que sediscordar, pelo menos em termos, dessaproposição, porque ela exclui o conhecimento e ainformação que supõem outras formas depercepção, outros tipos de sensibilidade e outrossuportes. A respeito da aceitação de suportes, alémdo impresso, como suportes chancelados – pelaacademia, principalmente – como lugares por ondeo conhecimento e a informação circulam, e, nadefesa dessa postura, são fundamentais asargumentações de Arlindo Machado (1997), IreneMachado (2000) e Lúcia Santaella (1998) e ReginaZilberman (2001).

Logicamente, há outros lugares parapesquisar o livro, mas, como já dito, o estudo dolivro pelo prisma do cinema, além de desafiador,reflete desejos impregnados de alguns (bons)motivos. Antes de tudo, o fascínio: sons, imagens,formas, ritmos, cores, movimento. O cinema podeser considerado como o primeiro meio a solicitara intervenção indireta de quase todos os sentidospelo arrebatamento das sensações. De mais a mais,

[...] a capacidade do cinema de criarimagens com existência autônoma e depoder registrá-las, reproduzi-las econservá-las, confere a esta forma derepresentação um poder inusitado: o degerar e manter vivas todas as suasconstruções, até mesmo aquelas cujacorrespondência com as figuras da práticacotidiana o tempo já se encarregou deanular (SENRA, 1997, p. 3).

De outro modo, à semelhança das catedraisgóticas,1 o filme é uma obra com autoria, pode-sedizer coletiva: diretor, roteirista, produtor, atores,camera-men e uma equipe maior ou menor deespecialistas e técnicos das mais diversas áreas.Sirvo-me desta analogia, porque uma dascaracterísticas mais marcantes das catedraisgóticas é o fato de serem obras coletivas. Geraçõesinteiras investiram seu trabalho intelectual e físicoem construções onde não é possível nomearexatamente a autoria. Há nas catedrais góticas umacúmulo singular de inspirações, idéias, trabalhoe investimento, que resultam em obras grandiosase policrômicas, cujos detalhes e minúcias

arrebatam os sentidos. Além disso, entrar em umasala de cinema assemelha-se a entrar na naveprincipal de uma catedral gótica: a amplidão e opé direito da sala escura fazem com que o espíritovoe e, de repente, no meio da escuridão, um fachode luz perfura os vitrais policromados (o projetor)e revela o interior magnífico (espetacular) doedifício.

O cinema, sendo obra coletiva, social,industrial, tende a refletir a mentalidade do grupoe indústria (em sentido amplo) e incide fortementeno imaginário social. Qualquer que seja oresultado, técnica e artisticamente falando, aimagem que o cinema projeta não é apenas aimagem que o diretor elege, mas uma imagemcoletiva, determinadas perspectivas. Mesmo osfilmes autorais seriam, neste sentido, de autoriamúltipla, realizados por um sujeito múltiplo, nãobastasse o fato de se tratarem de produtosindustriais.

A imagem – artística ou comunicacional –informa sobre o mundo e fornece índices para oentendimento dos fenômenos sociais.Decorrentemente, a análise das imagens se revelaindispensável para a compreensão deproblemáticas que compõem o tecido social e suasrelações simbólicas, de produção, armazenamentoe recepção.

Destaque-se ainda que o cinema, comodispositivo industrial de criação e entretenimento,assume, na sociedade do século XX, um importantelugar na circulação, armazenagem e preservaçãoda memória coletiva, através de imagens. Amemória preserva o momento – artístico, culturalou histórico – sob diversas formas e em váriossuportes. O cinema participa da criação ecirculação da memória com vários tipos equalidades de imagens, conforme afirma (1999, p.55-56):

IMAGENS de catástrofes, IMAGENSfantásticas, IMAGENS violentas eensangüentadas, IMAGENS de ambientesaristocráticos, nobres, burgueses, plenosde decoração maravilhosa, IMAGENS deseres extra-terrestres, grotescos,híbridos, IMAGENS angelicais, IMAGENSinfernais, povoam os afrescos emmovimento do cinema [...] Em todos osgêneros, mesmo em seu gênero ‘cult,artístico, intelectual’, o cinema e,também, a televisão, revelam-se uma arteda memória e seus trajetos origináriosenlaçam, num certo momento da história,o Ad Herennium e participam da memória

1 Há um ensaio de Umberto Eco, em que o autor comenta o argumento dePanofsky, que diz ver semelhanças entre a organização espacial de uma catedralgótica e um tratado teológico. ECO, Umberto. A definição da arte. SãoPaulo: Martins Fontes, 1972.

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Livro e cinema

coletiva, histórica. São também parte daretórica da indústria e da culturaaudiovisual. Ritualizam, em imagensagentes, visuais e sonoras, as imagens elocais que o espectador-fiel deve recordarao cogitar o passado, o presente e ofuturo de sua vida.

Há, na citação do professor, uma repetiçãoproposital da palavra IMAGEM, para marcarnão somente a persistência, mas também acirculação exaustiva dessas imagens nocontemporâneo, assim como sua participação,tanto na criação quanto na circulação ecristalização da memória.

Essa ênfase é partilhada por Francastel(1973, p. 29) quando sustenta que as imagenscontemporâneas, tal como as antigas iconografias,devem ser examinadas como “testemunhos maisdiretos e amiúde mais secretos das grandes formasda sensibilidade coletiva.” Desvelam “o imensoalcance histórico e sociológico do testemunho daarte.” Mais que fornecer indicações

sobre a vida das classes dominantes e nosrevelar apenas palavras de ordem oficiais,ela é, ao contrário, um dos testemunhosque traem os instintos profundos damassa anônima, os conflitos de crençasou de interesses da multidão com seusmestres (FRANCASTEL, 1973, p.29).

Deleuze imputa outras acepções à imagemcinematográfica, além do desvelamento dasociedade. Fazendo menção à multiplicidade desentidos que emerge do cinema, o autor afirma queele “não se confunde com as outras artes, quevisam antes um irreal através do mundo, mas fazdo próprio mundo um irreal ou uma narrativa”.(DELEUZE, 1985, p. 77) Linguagem híbrida porexcelência, o cinema ou seu produto, o filme,possibilita a vivência de uma gama de experiênciassensoriais. Riqueza de atos, movimentos e papéisque faz emergir um sem número de interpretaçõesde uma mesma obra, uma vez que seu significadoé dinâmico, criando deslocamentos geradores denovos signos.

Tal processo vai construindo um corpo deconhecimentos – nos campos do sensível e dointeligível – elaborados e desenvolvidos pelo esobre o cinema. Conhecimento ao mesmo tempomodelar e modelizante. Pensado para além docaráter de entretenimento, o cinema é informativoe formativo; pedagógico e ideológico, em seusentido corrente. Signos não só cumulativos, mas

que originam outros que procuram, ao representar,recriar o real. Signos que assumem significados emuma rede social.

Pulsões de objetividade e de subjetividade,o cinema se impõe como uma arte que tambémconjuga o ver-ouvir-pensar, em seqüências deimagens-movimento / imagens-tempo. Ver umfilme é mais que ver, é estar nele, é sentir-se emsua ambiência, seus personagens, suas ações esentimentos. Mas é também reflexão, “o que emmim sente está pensando” (PESSOA, 1965, p. 144).

O princípio estético-técnico do cinema nãose encontra, portanto, subordinado a outras formasestéticas ou a outras formas de expressão porquenenhum medium tem prerrogativa sobre o outro.Existem singularidades que fazem com que, emdeterminadas situações ou momentos, hajapreponderância de um medium sobre o outro, o quenão significa supremacia, pois

cada tecnologia suscita questõesrelacionadas à consistência enunciativaespecífica que, em última instância, searticula com a produção cultural de umasociedade em um determinado momento(PARENTE, 1999, p. 64).

Ao aceitar e entender as diferenças entre asformas de expressão, elas podem adquirir caráter decomplementaridade, sem relação de hierarquia. Oprincípio estético-técnico-comunicativo do cinemaamplia nossa potência de percepção ao utilizar outronível de informação: a que é trabalhada e mediada pelamáquina operada pelo homem (SANTOS, 1994). Dessaforma, através da análise, o conteúdo comunicacionale evidentemente cultural do cinema ganha umconteúdo teórico, encorpando conhecimentos.

Finalmente, e de um ponto de vistainvertido, estudar o mundo do livro a partir deoutro olhar: o olhar cinematográfico. Interessaverificar de que forma o cinema apresenta erepresenta os desdobramentos, os descolamentose as mutações do livro. Um livro códice que setransforma em livro-máquina. Ao entrar em“novos” terrenos, oferece-se contribuições àBiblioteconomia e à Ciência da Informação, umavez que este é um trabalho reflexivo sobre minhaárea de origem a partir de como o outro me vê, meforma em seu olhar e me informa para o mundo.

Os caminhos trilhados na pesquisasubsumem a necessidade de diálogomultidisciplinar, amplificando o processo decompreensão do objeto de estudo. Para tanto,elegeu-se a área de Multimeios cuja natureza

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Terezinha Elisabeth da Silva

permitiu o trânsito por campos de estudo ereferências diversas, um trânsito entre, através ealém dos limites das disciplinas que constituem ocampo de problema. Essas interfaces variadaspressupõem também o movimento e ainstabilidade da pesquisa (BARRETO, 2001). Estainstabilidade significa justamente que o trânsitoentre as disciplinas coloca em evidência o carátertransitório – talvez efêmero – dos resultados daspesquisas, sempre em superação.

3 LIVROS NO CINEMA

O cinema inventa tipos, clichês, estereótipos.Quanto mais comercial, maior a obviedade naabordagem de tipos e cenas, pois o cinemacomercial se nutre de “clichês e lugares-comuns,alimentados por séculos de teatro” (TARKOVSKI,1998). Mas o cinema de ficção não oferece só oreflexo do mundo, ele cria também o reflexo doespírito humano (MORIN, 1997), é um espelho deidentificação que legitima discursos. No entanto,o cinema não é só representação, é tambémapresentação, invenção que se transforma no fiocondutor da cultura de uma nação como os EstadosUnidos, um cotidiano forjado no seio do cinema,como mostram Neal Gabler (1999) e RobertBurgoyne (2002).

A invenção de tipos pelo cinema tantolegitima discursos quanto cria novas narrativas epersonagens que passam a viver no mundo “real”,compondo uma série de protocolos discursivospresentes em formas e tipos recorrentes. Assim,podemos dizer que o cinema é não só o reflexo domundo e do espírito humano, mas as própriasprojeções e aspirações desse espírito.

Ao analisar determinadas séries de filmesque tratam de temas semelhantes, é possívelperceber núcleos ou estruturas comuns quecompõem tanto a memória daquele tema ougênero, quanto a memória de personagens, cenasou seqüências; enfim, a memória de elementos queestão ou estarão presentes em vários filmes.

No que concerne ao universo do livromostrado no cinema, é possível indicar,através do movimento de análise de filmes,algumas questões sobre a importância docinema enquanto forma legí t ima deconhecimento, promovendo o estudo dopróprio livro, tais como: a) Como o cinemapercebe o universo do livro? b) Como o cinemaarticula a noção do livro em ato, em escritura

nascente, articulação que o livro não faz sobresi mesmo? d) De que forma se constroem e sãoapresentados no f i lme, o l ivro, o l ocus -biblioteca e a informação? e) Como o olhomediado pela máquina vê a nós ,bibliotecários? Quem é aquele ou aquelapersonagem que me representa no cinema? f)Ampliando a objetiva, pode-se encontrar aindaas representações cinematográficas sobre asmaneiras de criar (escrever) e folhear (ler).

As questões acima, devidamentesistematizadas, convertem-se em “portas deentrada” para uma lista de mais de uma centenade filmes que, em níveis diferenciados, isto é, commaior ou menor freqüência de imagensproduzidas em várias épocas e em países distintos,abordam o universo do livro. Essa freqüênciapermite delinear os temas recorrentes, depoisdefini-los e esboçar estereótipos de personagens esituações. São temas repletos de sentidos quecirculam, migram dos lugares e fazem eclodir,principalmente por metonímia, as generalizaçõesque se transformam em modelos. Essasgeneralizações permitem, portanto, acesso aosdiscursos que legitimam certas práticas ealimentam o imaginário sobre o tema.

Os tópicos seguintes abordam justamenteesses temas e tipos inventados pelo cinema para omundo dos livros, que se apresentam divididosem cinco categorias: 1) filmes que mostram oslugares, principalmente bibliotecas, ou outrosespaços que aglomeram coleções de livros; 2)profissionais: personagens que são responsáveispela organização e armazenagem de livros; 3)filmes que mostram as tensões do processo criativoe se relacionam com autores, criadores, escritores;4) personagens que são leitores e usuários embusca de livros ou em atos de leitura; 5) arepresentação, pelo cinema, da destruição decoleções de livros e de bibliotecas e da existênciaum mundo sem livros, ou de um tempo futurotomado pelas distopias.

3.1 Lugares

Os lugares são principalmente bibliotecas –particulares ou não – e livrarias. Em grande partedas representações cinematográficas, esses lugaressão apenas panos de fundo para cenas. Mas podemser também lugares misteriosos e até perigosos quese transformam em “personagens” participantesmais ativos da trama dos filmes.

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Livro e cinema

Assim é em Pagemaster: o Mestre daFantasia. A biblioteca pública é o lugar ondeRichard, o garoto medroso, se esconde dotemporal. Ali, ele adormece e, em sonho, éacordado e mesmo acossado por livros infantis.Então sua vida se transforma em uma grandeaventura cheia de mistérios, fantasias e terror,deflagrados pelos livros que moram naquelabiblioteca e contribuem, no final, para que elepossa enfrentar seus medos de forma mais“honrosa” e positiva. A biblioteca, inicialmenteapenas um esconderijo, um lugar inócuo e semsignificado para Richard, transforma-se em umlugar temerário que obriga o garoto a vivenciarseus medos ao extremo. Com ajuda dos livros,Richard transforma-se em outra pessoa maiscorajosa, aproximando-se talvez, da figura de heróique gostaria de ser.

Em muitos filmes, como Os Caça-Fantasmas, Harry Potter e a Pedra Filosofal e opróprio Pagemaster, a biblioteca é um labirintopara perseguições de bandidos e mocinhos, oupara que os personagens se escondam em seusmeandros. Nesses filmes, a arquitetura dabiblioteca e os próprios móveis têm função depersonagem, ou pelo menos contribuem para como desenvolvimento de tramas cujos focos requeremambientes labirínticos, corredores escuros quesugerem mistérios ou que sejam cenáriosconvenientes para seqüências de ação.

Por sua vez, em O Nome da Rosa, apresença e o estatuto de labirinto borgeano doconto A Biblioteca de Babel ficam patentes. No filme– e, sobretudo, no livro – o imaginário dasbibliotecas medievais foi engenhosamenteexplorado, relido e reelaborado. Bibliotecas cujotom era dado pelos verbos ora et labora, como asde mosteiros famosos – Saint-Michell, Cluny,Bobbio e Durham – onde o poder era controladopelo conhecimento reproduzidoautograficamente por copistas e armazenado sobos olhos atentos dos armarii ou dos bibliothecarii,monges responsáveis pela guarda de livros, peladistribuição e recolhimento dos originais e pelaentrega de material e instrumentos necessáriosaos copistas. Nessas bibliotecas, o livro, namaioria das vezes, permanece fechado emarmários ou amarrado às estantes (liber catenatus).

Em termos gerais, o poder que emana deuma biblioteca fica evidente a partir de tomadasdo alto (plongée), constituindo assim um lugar-panopticon (FOUCAULT, 1987), como em Todos os

Homens do Presidente, na seqüência em que osdois repórteres do Washington Post consultam,nos catálogos da Biblioteca do CongressoAmericano, informações sobre livros emprestadospor membros do Partido Republicano. Redonda ecom corredores em disposição radial, repleta demosaicos e vitrais, pé direito de 50 metros, a salade leitura principal da Biblioteca do Congresso,no seu prédio mais famoso, o Thomas Jefferson de1897, é mais um importante ícone americano. Ali,os leitores são observados por musas distribuídasao longo de um mezanino sustentado por grandescolunas.

Tal como outras “grandes bibliotecaspanópticas” em seus “edifícios enciclopédicos”(GRAFTON, 2000, p.180), a Biblioteca doCongresso Americano é sinônimo do poder doconhecimento, desde a segunda metade do séculoXIX e por todo o século XX. Esse esplendor éevidenciado não só através de seu prédio, masporque a Biblioteca do Congresso assume o poderde coletar, armazenar, organizar e distribuirinformação para todo o mundo.

Logicamente, coletar e colecionar acervossignifica poder que, no entanto, pode serrepresentado pela ausência de coleções. EmFahrenheit 451, poder e também censura sãomostrados na ausência de bibliotecas públicas ena caça aos livros e às coleções privadas. A tramase passa em uma sociedade onde livros –quaisquer que sejam – são proibidos. Embora nãodatada, a história ocorre em uma sociedade dofuturo, um futuro não muito distante das décadasde 1950-60. Um futuro que tanto pode ser o ano2000 como qualquer outro do início do terceiromilênio.

A narrativa de Fahrenheit 451 se organizaem torno da proibição dos livros naquelasociedade totalitária, onde a palavra escrita estáausente, sendo a leitura um ato criminoso. Quaseninguém lê em Fahrenheit 451, porque poucossabem ler e, acima de tudo, ninguém deveria lerou estaria autorizado a ler naquela sociedade. Ofilme denuncia os perigos de uma ordem socialonde é nula a reflexão germinada pelo livro,porque não há impressos ou escritos – livros ejornais – de caráter opinativo, o que comprometea densidade da comunicação e do dito. Talvez maisgrave que a proibição e a inexistência de livros sejaa ausência de comunicação, de conversação entreos membros da sociedade, parecendo ser esta adenúncia de Truffaut.

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Terezinha Elisabeth da Silva

3.2 Profissionais

No grupo dos profissionais do livro eresponsáveis pela guarda da memória livresca estáo bibliotecário que, na maioria das vezes tanto nofílmico como na vida real, é mulher. Além disso,são representadas por estereótipos físicos epsicológicos: usam óculos e coque ou os cabelospresos, têm a arrogância na ponta do nariz, sãoenvelhecidas precocemente e solteironas, a negativado desejo sexual e da sexualidade. Realizam quaseque exclusivamente trabalhos técnicos, como éainda característica da corrente americana daprofissão. O clichê da bibliotecária tímida, semgraça, solitária e infeliz está no núcleo decomposição da maioria dos personagens. Clichêsreproduzidos extensivamente, que se movimentamno sentido de criar padrões de vivência e dedesenvolvimento dos personagens. Portanto, maisque clichês, é possível pensar em modelos.

Alguns textos americanos que tratam deimagem profissional, referem-se à bibliotecária dotipo solteirona de coque (spinster with the hair in abun librarian), evidenciando o estereótipo atravésda potência de síntese do adjetivo (RAISH, 2004;WALKER; LAWSON, 1993). Também no cinemaelas são solteironas solitárias e mal amadas queusam coque e óculos. Ou o extremo disso, comoHeather, de Uma Flor, Um Crime, bipolar,ninfomaníaca e assassina em série. Metódica,solitária e, aparentemente, bem comportada,Heather tem complexos psíquicos nuncaresolvidos. Durante o dia é uma tradicionalbibliotecária de coque e óculos que trabalha emuma belíssima biblioteca pública de Nova Iorque.À noite, transforma-se em viúva negra: de perucaloura, vestido preto e flor amarela na mão, vai aoencontro de homens casados que buscamrelacionamentos na seção de classificados pessoais(personals) de um jornal. Após o sexo, Heather mataos parceiros e assim se transforma em serial killer.Como em todo clichê cinematográfico acentuado,Heather enlouquece gradativamente, oscilandoentre suas duas personalidades extremas. Certodia, entre orgulhosa e insana, diz à mãe que ébibliotecária assistente, não sabe que a chefepretende demiti-la porque tem faltado em demasiaao trabalho. Enlouquece definitivamente e morre,arrematando o clichê.

Muitas bibliotecárias mostradas pelo cinemasão tresloucadas, atrapalhadas, alucinadas, aexemplo de Gloria de Golpe Sujo. Apesar de jovem

e bonita, Gloria está infeliz com sua vida pessoal eprofissional. Acaba de se separar do marido, mostra-se depressiva, desanimada e totalmente dedicada aotrabalho em uma biblioteca pública de São Francisco.Como se não bastasse o fato de nada dar certo emsua vida, envolve-se por acaso em assassinatos e sevê às voltas com uma quadrilha que conspira paramatar o Papa. A trama de Golpe Sujo é puroentretenimento; portanto, tudo se resolve na vida deGloria que, no final do filme, continuará bibliotecária,mas feliz, afinal, torna-se namorada do policialdestacado para resolver o caso.

A dicotomia profissional dada pela oposiçãomoderno–antigo fica evidente em Um Perigo deMulher. Nesse filme, Betty Lou, uma bibliotecáriajovem, luta para criar novos serviços na bibliotecapública da pequena cidade americana em quetrabalha. Betty Lou é tímida e com baixa estima,mas enfrenta a chefe, sua antagonista, umabibliotecária bastante tradicional, de posturasantiquadas, personagem com quem Betty mantémembates constantes na tentativa de impor suasidéias. A bibliotecária-chefe encontra-se no outroextremo: é zeladora da ordem, do acervo, dosilêncio, da organização dos espaços da biblioteca.Em uma seqüência do filme, Betty Lou érepreendida quando conta histórias para criançaspequenas que gritam e se agitam, participando daencenação promovida pela jovem bibliotecária. Achefe argumenta que as crianças devem ler em vozbaixa, sem se dar conta de que elas ainda nãosabem ler. Betty Lou contra-argumenta,retomando uma frase de Carlyle: “O melhor efeitode um livro é levar o leitor à atividade”, então a chefetorna-se mais enfática: “É obvio que esse homemnunca dirigiu uma biblioteca, o principal efeito de umlivro de biblioteca é ser devolvido inteiro à prateleira”.A exemplo de Gloria de Golpe Sujo, Betty Loutambém se envolve incidentalmente comassassinatos e quadrilhas, complicando sua vidapessoal ao longo do filme. Como bibliotecária,porém, ela é ativa e consciente de seu papel social.

Amor Eletrônico, comédia romântica cujatrama se passa no final da década de 1950 em NovaIorque, também apresenta a dicotomia moderno-antigo. Nesse filme, as bibliotecárias de referênciada Federal Broadcasting Network, uma grandeempresa americana do ramo de entretenimento,se vêem atormentadas com a iminência deperderem seus postos de trabalho para ocomputador Emerac, instalado na companhia porRichard Sumner, engenheiro de computação

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Livro e cinema

graduado no MIT. Após muitas desavenças, ocomputador é colocado na sala da referência; amáquina, porém, não consegue responder àsperguntas com a mesma eficiência dasbibliotecárias. As chefiadas de Bunny Watson sãotodas solteiras e, embora sejam jovens, bonitas,ativas e muito eficientes, temem as conseqüênciasque a chegada do enorme computador poderáacarretar para suas vidas profissionais. Astecnologias de informação em seu surgimento,conforme mostradas em Amor Eletrônicosignificam risco para a sociedade e ameaça para ofuturo daquelas bibliotecárias.

Em filmes infantis, o bibliotecário – ou outropersonagem que conduz ao livro – revela-se magoaos olhos da criança, a exemplo do citadoPagemaster. É o caso também do Sr. Koreander, olivreiro de A História Sem Fim e A História SemFim II. No último filme da trilogia, A História SemFim III, Koreander surge como um bibliotecárioescolar que instiga o adolescente Bastian a reler AHistória Sem Fim.

A profissão está associada à figura femininae, logicamente, ao profissional que trabalha embiblioteca pública, porque é esta a face mais visívelda profissão. Contudo, mesmo os personagensmasculinos não escapam de estereótiposnegativos, nada glamourosos, como o bibliotecáriopreconceituoso de A Escolha de Sofia, filme quenarra a história de uma imigrante polonesa naAmérica do pós Segunda Guerra. Em umaseqüência do filme, Sofia vai à biblioteca em buscade livros de sua poetisa favorita, Emily Dickinson.Com sotaque carregado, diz ao bibliotecário quegostaria de alguma coisa de “Emil Dickins”.Grosseiramente, o rapaz a direciona ao catálogoe, com arrogância, diz que ela não encontrará talentrada no catálogo. Em vez de mostrarcompreensão com a dificuldade expressiva deSofia, o bibliotecário, em atitude preconceituosa,opta por humilhá-la: “Todos sabem que CharlesDickens era inglês. Não existe nenhum poeta americanochamado Dickens”.

Há também preconceito na forma como obibliotecário atende Andy, o protagonista deFiladélfia. Portador do HIV e com a doença semanifestando, o jovem e promissor advogado Andyé demitido do grande escritório em que trabalha esupõe que a demissão seja motivada pela doença e,principalmente, pela homofobia. Em busca deinformações para processar a empresa, Andy vai auma biblioteca pública onde, sem que saiba, também

está Joe, o advogado que anteriormente tentaracontratar. O bibliotecário cria uma situaçãoconstrangedora para Andy ao sugerir que a bibliotecatem “uma sala individual disponível”. O protagonistaagradece e diz que está bem onde se encontra. “Nãovai ficar mais à vontade lá?”, insiste o bibliotecário, aoque Andy responde: “Não! Você ficaria mais à vontadecomigo lá?” Quando o silêncio constrangedor e a trocade olhares entre o protagonista, outros usuários e obibliotecário tornam-se insuportáveis, surge oadvogado Joe que se encontrava escondido atrás deuma pilha de livros, de forma a evitar ser visto porAndy. Joe, também preconceituoso em relação aohomossexualismo, resolve assumir o caso a partirdesse evento.

Essa seleção de filmes mostra que, quandomulheres, raramente as bibliotecárias sãoperfiladas como pessoas expansivas e atraentes,mesmo em papéis protagonizados por atrizesjovens e bonitas, a exemplo de Golpe Sujo e UmPerigo de Mulher. Se são infelizes no amor, umromântico “final feliz” consegue reverter asituação. Da mesma forma, muitas acabamatuando em profissões mais interessantes eglamourosas, resultado em mudanças de atitudeno decorrer da trama cinematográfica.

Se profissionais do sexo masculino, asrepresentações mostram bibliotecários que, emboradistantes no tempo e no espaço, ecoam ascaracterísticas de Jorge de Burgos de O Nome daRosa. São arrogantes, preconceituosos e não sãorepresentados como audazes, rebeldes, com forçafísica, porque estas são características de outrascategorias de atividades ou profissões que incluemdetetives, cowboys, aventureiros e soldados. Estas simse caracterizam como atividades específicas dogênero masculino, conforme observam StephenWalker e Lonnie Lawson (1993) após analisaremtrinta filmes de Hollywood das décadas de 1920 a1980. Os autores concluem que o estereótipo negativodo profissional bibliotecário não é específico de umadeterminada época e sugerem que característicaspsicológicas e físicas da bibliotecária de um filme de1920 podem estar presentes na bibliotecária de umfilme da década de 1990.

3.3 Autores, criadores, escritores

Nessa categoria encontram-se filmes em queo tema principal gira em torno de autores eescritores. Mostra o processo criativo, os infernos eparaísos da criação como em Mistérios e Paixões,

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de David Cronenberg, baseado em O Almoço Nu,de William Burroughs, que, em narrativa dúbia efragmentada, expõe o mundo repleto de alucinaçõesde um aspirante a escritor, Bill Lee. Para ganhar avida e tentar fugir dos infernos do processo criativo,Bill trabalha exterminando insetos e, como suamulher, torna-se viciado no pó inseticida que vende.Perde totalmente o controle de sua vida e passa amesclar alucinações e realidade; em um dessesdelírios os insetos o instigam a matar a esposa, Joan.Após matá-la, Bill se esconde na estranha Interzone,uma espécie de serviço de inteligência, de ondeenvia aos superiores, relatórios sobre o modo devida dos que habitam o lugar. Os moradores deInterzone, a exemplo de próprio Bill, são escritoresobcecados por suas máquinas de escrever que setransformam em insetos gigantes. Interzone é palcode uma profunda paranóia e o clima do filme é tãobizarro, denso e estranho quanto uma viagemlisérgica (GARDNIER, 2005). Centrais em Mistériose Paixões são os

mistérios inerentes à criação artística,personificados por Lee, marginal etoxicómano que retornou à literatura embusca da redenção, em uma tentativapermanente de exorcizar os fantasmas dagrande tragédia que se abateu na sua vida(CORDEIRO, 2005).

Também em Barton Fink, a ficção confunde-se com a realidade. Na década de 1940, para darconta do roteiro encomendado por um estúdio deHollywood, Barton Fink, teatrólogo da Broadway,isola-se em um hotel barato de Los Angeles. O únicoobjetivo de Barton é concentrar-se no roteiro, mas oprotagonista fica totalmente bloqueado, semconseguir escrever uma linha sequer. Coisasestranhas passam a acontecer, dificultando cada vezmais o cumprimento dos prazos fixados pelosprodutores. Angustiado, o sofrido escritor vê-sepreso à folha de papel, à máquina de escrever quenão produz, ao quadro na parede, da mesma formaque o espectador vê-se amarrado à narrativanonsense dos irmãos Coen. Barton almeja o sucessocomo escritor erudito e não compreende porque étão difícil fazer um “simples” roteiro de um filmepopular. Entretanto, embotado pela arrogância, oprotagonista não consegue enxergar a mudança deregras, a diferença que existe entre a escrita para oteatro e a produção em escala industrial para ocinema. É essa cegueira a principal causa dainsanidade de Barton que,

ambicioso intelectualmente, arrogante,não admite que o problema esteja em suaincompetência para entender seu objeto.Não, ele está acometido de uma febrede falta de criatividade (WERNECK,2005).

Mistérios e Paixões e Barton Fink abordamnuances do processo criativo que desordena ossentidos, porque escrever é doloroso. Como osescritores sofrem! É assim com Jack Torrance, o escritorfracassado e atormentado de O Iluminado. Jack aceitao trabalho temporário como zelador de um hotel emum período de baixa estação e pretende aproveitar oisolamento para tentar produzir um livro, masacontecimentos estranhos se sucedem. Jack e o filhoDanny são videntes, entretanto reagemdiferentemente às manifestações do fenômeno:enquanto Danny consegue ler as mentes das pessoase antecipar o futuro, Jack tortura-se com as visões dopassado e, aos poucos, é tomado pela loucura.Distante, cada vez mais, de seu projeto de escritor,Jack vagueia alucinado e perdido pelos labirintostemporais e espaciais do antigo hotel. Ao final do filme,uma seqüência antológica narra o assustador embateentre Jack e o filho: fugindo do pai, Danny se escondenos jardins labirínticos e cobertos de neve do hotel,onde há a perseguição e o desfecho da trama. Omenino – o iluminado do título – se salva ao sair dolabirinto porque decifra o futuro mais distante,enquanto Jack “vê apenas um futuro imediato [...]Assim, no labirinto, Jack não será capaz de exercitar amiopia teórica e permanecerá embaraçado”(CALABRESE, 1999, p. 149). Se escrevesse, talvez Jackconseguisse se desvencilhar dos fantasmas e alcançaro mesmo nível de iluminação de seu filho, no entanto,o que poderia ser sua salvação é seu sofrimento e elepermanece com olhar fixo e perdido na máquina deescrever. Entretanto, se for capaz de escrever, seu textodeve ser

uma espécie de marco zero em torno doqual o filme se organiza, um tipo final deafirmação auto-referencial vazia sobre aimpossibilidade da produção cultural ouliterária (JAMESON, 1995, p. 96).

Habituais também são as representações dainveja entre autores, da falta de ética e do plágio,verificados em Morto ao Chegar. O protagonistaé Dexter Cornell, escritor de relativo sucesso nopassado, que resolve abandonar o ofício paratornar-se professor de literatura na Universidadedo Texas. No competitivo sistema publish or perish

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Livro e cinema

do mundo acadêmico americano, justamente ondenão publicar significa morrer, Dexter vê suacapacidade de produção totalmente bloqueada. Éentão que alguns fatos impulsionam a trama dofilme: o divórcio inesperado, o suicídio de seualuno mais brilhante, seu próprio envenenamento.Não publicar é morrer e Dexter terá morte lenta eanunciada. Em Morto ao Chegar, a menção ao livrono início do filme parece não querer anunciar –não quer, nem pode, trata-se de um suspense – queele terá papel crucial nos minutos finais, quando érevelada sua importância como personagem quedá origem e significado à trama.

Em Contos Proibidos do Marquês de Sade,o personagem principal, o próprio Marquês deSade, alimenta o mercado livreiro com obrasconsideradas libertinas, devassas e “perversas”,que assolam a sociedade francesa do final doséculo XVIII. Chama a atenção, no filme, aexpansão da escritura para além do papel e dolivro. O livro, ou os livros, estão presentes em todoo filme. Para o Marquês atormentado, a perversãoe o sadismo são seus grandes contentamentos, seusdesejos e suas realizações (VILHAÇA, 2003).Encarcerado, um dos poucos prazeres de Sade é aescrita, mas à medida que sua loucura literáriaaumenta e seus livros chegam aos leitores,diminuem seus privilégios no sanatório. Aospoucos vão sendo retirados seus instrumentos deescrita. Ele passa, então, a utilizar os maisinusitados materiais para a escrita: cacos de vidro,madeira, sangue, tecido.

Tão perdido está o Marquês nos limites dosádico que utiliza seu próprio sangue e suas fezespara escrever. Ele se converte em escrita. Seu corpotorna-se letra, prosa, texto. Em Contos Proibidosdo Marquês de Sade misturam-se sexo e texto,sangue e tinta. Sexo transformando-se em texto e osangue em tinta. Um Marquês consideradoenlouquecido e, por isso, privado de todos os meiosde escrita, escreve em seu corpo, um livro-corpodedicado a registrar sua obra literária, a perversãoe o sádico. A escrita torna-se a “ereção constante” doMarquês, sua salvação. O desejo pulsando naqueleque cria. O corpo é também mediação entre o desejode escrever e o mundo, corpo que se transformaem suporte da escrita e em canal de comunicaçãodo autor com seus interlocutores.

Momentos de fluidez na escrita, como seobserva em Contos Proibidos do Marquês de Sadesão raros no cinema. (AUBRON, 1997) Na maioriadas vezes, a persistência da página em branco agencia

os bloqueios e a impotência do escritor. E o mistériopsíquico da criação transcende o real. Assim, ato deescrever detona situações de demência no escritor,porque a escrita tem horror ao vazio. Vazio que é olugar do morto, da falta de ação. Por isso, nasrepresentações cinematográficas, a loucura éimanente à condição de escritor que é, quase sempre,louco e delirante, porque vive na fronteira delicadae absorvente entre a ficção e a realidade.

3.4 Leitores, usuários

Nesse caso, são modelares os filmes queapresentam a leitura como promotora oudetonadora de revoluções pessoais ou coletivas,servindo de redentora para situações de exclusão,aspecto tão bem retratado em Sociedade dosPoetas Mortos e Um Sonho de Liberdade.

Sociedade dos Poetas Mortos mostra asestratégias de ensino de John Keating, um professorde literatura irreverente para os padrões americanosda década de 1950, quando se passa o filme. “Osespaços e tempos apresentados no filme sãodisciplinares, produzindo uma pedagogiatradicional, onde o poder que permeia as relações éo poder disciplinar” (SALCIDES; FABRIS, 1998).Disciplina é a norma da Academia Welton, uminternato masculino conservador onde Keating chegapropondo usar a literatura como forma de despertarnaqueles rapazes tão reprimidos, discussões relativasà liberdade e aos afetos. Até então objetorepresentativo somente de um saber elitizado eerudito, o livro passa a ser manipulado por Keatinge seus alunos de forma inusitada: as páginas sãorasgadas; os poemas, destrinçados para que consigaalcançar a classe. Os alunos, antes tímidos e insossos,servem-se da subversão para chegar ao resultadoalquímico e improvável que se tem no final do filme.Vários poetas, dentre eles Whitman e Byron, sãocitados e recitados pelo professor e seus alunos comomotes da liberdade prefigurada na expressão carpediem, que os estudantes incorporam a suas vidas.

São pulsões libertárias semelhantes quemovimentam o protagonista de Um Sonho deLiberdade. Aqui, no entanto, não se trata de umaescola, mas da prisão americana Shawshank, ondeo banqueiro Andy Dufresne cumpre pena na décadade 1940. Jovem e bem sucedido, ele é condenado àprisão perpétua por ter, supostamente, assassinadoa esposa. Em Shawshank, Andy torna-se amigo deRed e, com seu senso de moral e sua inabalávelesperança, passa a intervir diretamente no cotidiano

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da prisão, ao criar uma biblioteca que acaba por sero ponto central de convivência dos presos e oprincipal foco de conflito entre o banqueiro e odiretor do presídio. Andy tem papel messiânico natrama, daí a redenção do título em inglês (TheShawshank Redemption). Ao criar a biblioteca efinalmente, salvar-se a si e ao amigo Red, ele salvatodos daquele sistema injusto e viciado. Além detudo, o desfecho que Andy cria é duplamenteirônico. Quando chega à prisão, é advertido de quea Bíblia é a única leitura permitida, mas, aos poucoso banqueiro incorpora o papel de bibliotecário e criauma grande e animada biblioteca. No final do filme,quando o carcereiro chega à cela de Andy e percebea fuga, descobre que dentro da Bíblia ele guardavao martelo usado para abrir o túnel. Essa é a primeiraironia. A segunda é que a página do lado é Êxodo,livro que narra a fuga dos hebreus do Egito.

São ainda muitos os filmes em cujastemáticas a leitura mescla fantasia e prazer, em queo livro se torna objeto de fetiche. É assim em NuncaTe Vi, Sempre Te Amei, que narra o relacionamento“bibliofílico-amoroso” entre um livreiro deLondres e uma escritora americana. Eles têm emcomum o amor pelos livros, amor que é evidenteno enredo. Por isto “ambos acabam amigos,embora um viva à custa do outro. Um bom livreiroé o melhor guia que pode ter um colecionador. Arecíproca é verdadeira” (MORAES, 1975, p. 25).Neste filme, os livros são personagens queconduzem a trama narrativa. O prazer de lerorienta e se impõe como argumento principal dosprotagonistas do filme – o livreiro e escritora. Olivro e o prazer da leitura são elementos queconduzem a história afetiva e acabamcontaminando os personagens secundários do seuuniverso. Os diálogos giram em torno desseselementos: os afetos, o livro, o prazer de ler,compondo uma amizade que vai sendo tecida apartir dos interesses comuns (SILVA, 2003).

Enquanto os filmes antes arrolados tratamdo poder libertário dos livros ou da transformaçãoética através da leitura, Uma Leitora BemParticular mostra o poder libertador do sonho eda imaginação potencializados pela leituraliterária. É um jogo metalingüístico: o filme narrae comenta um livro que narra um livro(TOUBIANA, 1988). Uma Leitora Bem Particular,cujo título original é La Lectrice, tem início comMarie lendo o livro La Lectrice de Raymond Jean.Marie lê para o marido a história de outra Marieque é leitora profissional. Acompanhada por

sonatas de Beethoven, a Marie personagem dolivro transita por entre labirintos de ruas, deintrigas e de leitores, imbricando sua vida na vidadas personagens. Marie lê por prazer, lê paraentreter, e lê principalmente porque ler é inerenteà sua profissão, lê para justificar a existência deseus clientes-ouvintes e sua própria existência. Olivro transforma-se em objeto erótico e erotizante,tornando-se elemento ou personagem capital paraa construção de uma narrativa que prima pelorigor e pela precisão dos elementos constitutivosdo filme, como a música e a cor, que

dão a impressão de um sistema complexocujo mecanismo faz o espectador passarconstantemente do real ao imaginário.Jogo intelectual e libertino, que anda nolimite perigoso entre a reflexão filosófica,o humor, o erotismo e a vulgaridade(XAVIER, 2005).

Além do jogo metalingüístico, em UmaLeitora Bem Particular, há o jogo intertextual queproporciona ao espectador a entrada em umabrincadeira que mistura sexualidade, erotismo edesejos. Marie lê Duras, Sade, Lênin e Marx, queparticipam da construção da narrativa mise enabyme em que o texto do romance de Raymond Jeane os fragmentos dos autores que Marie lê brincamcom os sentidos do espectador, funcionando comoum jogo que oscila entre as representações do reale do ficcional. Além do valor terapêutico da leitura,está presente o caráter voyeurista da literatura e, éclaro, do cinema. Ao final do filme (e do livro),Marie, a exemplo da personagem do livro, resolvetornar-se leitora profissional: “Vou colocar umanúncio no jornal. Há muita gente que não pode ler.Os velhos demais ou jovens demais, os tristes, ossolitários”. Enfim, para Marie, tudo é motivo paraa leitura.

Não resta dúvida que o livro é um objeto queestabelece vínculos. Na representaçãocinematográfica não é diferente: o livro e a bibliotecapermitem a transposição das barreiras entre o “bem”e o “mal”. A presença do livro é índice de cultura, éatributo do saber e do poder social, atributo daprópria condição humana. É objeto reverenciadoporque pertence a um projeto de iluminação doespírito humano. Assim, estando o livro em nívelmais elevado, a leitura exige a realização de rituais,laicos ou não, porque trata-se de objeto sacralizado,iluminado e muitas vezes misterioso. Objeto culturalde potencial ilimitado que confere a quem o possui,ou a quem o lê, a virtude que gesta.

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Livro e cinema

3.5 Destruição, distopias

Este tópico refere-se aos modos como ocinema representa a destruição de coleções delivros e bibliotecas e a existência de sociedades semlivros, em ambientes tomados pelas distopias.

Não poderia deixar de tratar daqueles quedenomino de “desfazedores” da memória, osdestruidores de coleções de livros e de prédios debibliotecas, papéis geralmente desempenhadospelo lado “mau” do clichê, pelo antagonista.Geralmente, os livros são queimados, o quecaracteriza uma memória em chamas, como nos jácitados O Nome da Rosa e Fahrenheit 451. Mas,em O Nome da Rosa, o compromisso é guardar atal ponto que os livros cheguem a desaparecer.

A censura [...] de qualquer tipo, é ocorolário de todo poder, e a história daleitura está iluminada por uma fileirainterminável de fogueiras de censores,dos primeiros rolos de papiro aos livrosde nossa época (MANGUEL, 1997, p.315).

De todas as formas de destruição de livros,o fogo é a mais significativa, talvez por ser a maiseficaz. O papel se consome totalmente, transforma-se em cinzas e a fumaça se esvai pelo ar. Tudo émuito rápido e não deixa vestígios.

Grandes eventos da história do livro e dasbibliotecas relacionam-se com o fogo. A maisimportante de todas as bibliotecas – e um mito queainda persiste – a de Alexandria, consumiu-se nofogo ateado pelos árabes. O acervo da Biblioteca doCongresso Americano foi queimado pelos ingleses,em 1814. Segundo Robert Darnton (2001), a bibliotecanão era “grande coisa”, cerca de 3 mil volumes parauso dos senadores. Mas, mesmo assim, aqueleincêndio feriu fortemente o sentimento denacionalidade do povo americano. Lembre-setambém que em maio de 1933, Hitler queimou empraça pública 20 mil livros em nome da utopianazista, que vemos numa seqüência de Indiana Jonese a Última Cruzada. Mais próximo de nós, o Exércitodo Khmer Vermelho, buscando o novo começo,denominado “Ano Zero”, destruiu quase que atotalidade dos livros do Camboja (BATTLES, 2003).

Em Fahrenheit 451, as fogueiras queimandolivros são as imagens mais freqüentes esignificativas. A cena mais importante do filme,talvez o seu ápice, ocorre quando uma enormefogueira de livros também consome a mulher queos possuía. No mundo ficcional de Fahrenheit,

queimar livros é a função principal dos bombeirosque, em vez de apagar incêndios, ateiam fogo aoslivros. Daí o número da corporação, número quedá título ao filme: 451. Na escala Fahrenheit, 451graus, que correspondem a 233 Celsius, é atemperatura necessária para que o fogo queime opapel, mais especificamente, os livros.

Fogo e água têm papel importante noimaginário contemporâneo como elementosmíticos que marcam finais, transformações erecomeços. Com esses fortes ingredientes, o fogoe a água transportam para a linguagemcinematográfica toda essa simbologia. No cinema,como na vida, relacionam-se também a castigos eculpas, como é o caso de um dos mitos de origemmais remota: o dilúvio.

Em O Dia Depois de Amanhã, trama quenarra as conseqüências drásticas das alteraçõesclimáticas na Terra, fogo e água criam situaçãoparadoxal para os personagens. Após uma série deeventos catastróficos, como furacões e maremotos,o Hemisfério Norte se resfria a ponto de viver umaera glacial; o núcleo do filme é a congelada NovaIorque, onde restam poucos lugares seguros ehabitáveis. Para se manterem aquecidas enquantoaguardam resgate, as pessoas que se refugiaram naBiblioteca Pública Central de Manhattan sãoobrigadas a queimar livros na velha lareiracentenária. Assim, a Biblioteca, de catedral do sabere sinônimo de preservação da memória do espíritohumano, transforma-se no lugar da preservaçãobiológica, material, de seres humanos que precisamjogar ao fogo mais e mais livros. Em meio à queimade livros, um rapaz segura uma Bíblia: “Esta Bíbliaé o primeiro livro impresso. Ele representa o início daEra da Razão. A palavra escrita é a maior conquista dahumanidade. Mas se a civilização ocidental chegou aofim, vou salvar pelo menos um pedacinho dela.” As cenasque mostram os sobreviventes recolhendo livrospara queimar são irônicas, engraçadas e até piegas.Mas os “livros não servem só para serem queimados”,argumenta a bibliotecária ao descobrir em uma obrade Medicina a cura para uma das integrantes dogrupo que sofre uma septicemia.

O forte apelo do fogo e da água nos filmesreforça o imaginário e faz com que os elementosoperem como personagens que, ora condenam, oraredimem e purificam, ora imprimem a necessidadede esquecimento. De qualquer forma, sempresimbolizam transformações, benéficas ou não;medeiam opostos: nascimento e morte, bem e mal,desaparição e criação.

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Na realidade ou na ficção, a inexistência delivros ou a destruição de coleções – quaisquer quesejam a formas utilizadas – são resultados de projetosutópicos que perderam seus caminhos. Há séries defilmes que mostram sociedades futuras: orasociedades sem papéis (paperless societies), oradominadas por máquinas, ora dominadas porregimes totalitários (ou ambos), o que estabelece umaforte semelhança entre elas. Nesse caso, as sociedadesretratadas são resultados de projetos utópicos quenão se concretizaram, ou que se concretizaram peloavesso, ou o que se deseja coletivamente é umasociedade perversa. Tenta-se, a todo custo, chegar àrealização da utopia, à felicidade prometida em seuprojeto. Mas a utopia – exatamente por ser utopia –para se realizar torna-se tirânica e distópica. Vale-seda violência abusada para coerção de qualquervontade que não seja igual à sua por completo.

Nesse mundo futuro – nosso, em potencial– ou o livro está ausente, ou não é importante. Istoevidencia uma relação direta entre o totalitarismoe a dita “sociedade sem papéis”, isto é, umasociedade sem impressos e sem livros. O forterepresentante dessa categoria é, mais uma vez,Fahrenheit 451, mas há outros filmes a destacar.

Alphaville, de Jean-Luc Godard, conta ahistória de uma sociedade dominada por umcomputador, o Alpha-60, que tudo vê e sabe. Alpha-60 é o máximo do Panóptico. Como não é um filmeconvencional, não está atrelado à simplesrepresentação e sim à experimentação da linguagemcinematográfica. Dessa forma, Godard propõe umanarrative que jogue com o pontencial da língua, dapalavra e da poesia, ou com a ausência de tudo isso.Na sociedade futurística de Alphaville, só se vive ànoite, não existe língua codificada, a palavra éinterditada. Os sentimentos não podem serexprimidos porque os habitantes da cidade sãorobôs condicionados a repetir friamente expressõescom pouco sentido: “obrigado”, “por favor”, “muitobem”. Desaparecimentos misteriosos ocorrem, e oagente secreto Lemmy Caution vai a Alphaville coma missão de resgatar Dickson, colega de profissão.

Em Alphaville Lemmy conhece Natasha, orobô número 508 que, como toda a população dolugar, não conhece a maioria das palavras. Noentanto, ela lerá o livro de Paul Éluard, A Capitalda Dor, um dos títulos alternativos do filme.(PARENTE, 1998) Introduzido em Alphaville porLemmy, o livro de Éluard é o contraponto à friezadaquela sociedade e, por isto, simboliza liberdadee mudança, porque em Alphaville o livro

referência, um dicionário denominado Bíblia,embora atualizado cotidianamente, não contémpalavras como “porque”, “livre” e “consciência”. “Oslivros, no contexto de Alphaville, contêm umalinguagem conhecida apenas pelos agentessecretos e são símbolo do conhecimento”(CANGIALOSI, 2005). Ao revelar o sentido poéticodos livros, Lemmy Caution rivaliza com oantagonista Alpha-60 pelo seguinte motivo: se oprojeto do computador é dominar aquelasociedade através do pensamento lógico,eliminando as sensações e, principalmente, alinguagem, Lemmy, ao contrário, possui oconhecimento poético, o único que poderiasuplantar a racionalidade do computador.

Baseado no emblemático livro homônimo deGeorge Orwell, o filme 1984, retoma a figura doPanóptico, representado pelo Grande Irmão – o BigBrother que inspira a febre dos reality shows do finalda década de 1990. Ou seriam os reality shows umaironia que confirma a ficção? A exemplo deAlphaville, a proibição do prazer, a vigilânciaexplícita, as normas de conduta rigorosas e a coerçãodemonstram a quebra da felicidade prometida pelautopia tecnológica, em um lugar denominadoOceania. Nas palavras do Grande Irmão, “Uma terrade paz e de abundância. Uma terra de harmonia eesperança” e as pessoas que lá vivem são “osconstrutores de nosso mundo, batalhando, lutando,sangrando, morrendo. Nas ruas de nossas cidades e noscampos de batalha distantes. Lutando contra a mutilaçãode nossas esperanças e sonhos”. Em Oceania, viveWinston, funcionário burocrático do Departamentode Arquivo do Ministério da Verdade, que trabalhareescrevendo notícias de arquivo para alterarhistórias. Como os demais moradores, ele tem suavida controlada pelos olhos do Grande Irmão,espalhados pela cidade. São telas que, além devigiar, educam e ditam normas de comportamento;telas que tudo inspecionam. Quando Winstonapaixona-se por Julia, ambos tentam, sem sucesso,escapar dos olhos do grande Irmão.

Em um filme mais recente que os anteriores,A Rede, a personagem principal Angela Bennett,analista de sistemas, descobre uma conspiração nogoverno dos Estados Unidos e tem sua vidaatropelada por sabotagens, piratarias emanipulação de informações pela Web. Porque sabedemais Angela deve ser eliminada. Sua identidadeé roubada, os documentos falsificados, os amigos –que só conhece no ambiente virtual – são mortos;de uma hora para outra, ela não existe mais nos

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Livro e cinema

bancos de dados e, em breve, não deverá restarqualquer referência sua. Como Angela demandatoda sua vida pela rede – relacionamentos, compras,trabalho – nada mais existe no mundo real que possaprovar sua existência. Tampouco a mãe poderáajudá-la, pois, como doente de Alzheimer, não écapaz de reconhecê-la. Sem identidade e semreferências, Angela se priva da própria existência.A Rede é um thriller que narra os riscos que avulnerabilidade da virtualização das informaçõesacarreta para o indivíduo e a sociedade, através damanipulação e o uso incorreto de dados einformações. O filme enquadra temas e assuntosque sempre emergem na maioria dos debates sobreo potencial das tecnologias contemporâneas: perdade identidade, vigilância e opressão asfixiante sãoas sensações vividas pela protagonista.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se dizer que a maioria dos filmespesquisados e aqui mencionados mostra umnúcleo comum de representações que funcionamcomo estereótipos ou modelos agigantados do real,chegando, inclusive a desenvolver para o tema,seus personagens e sua mise-en-scène, algunslugares comuns que determinam a recorrência emfilmes futuros. Há, portanto, a circulação e afixação do estereótipo e até certa elaboração dosenso comum – pautada pela repetição – pararecuperação ulterior, ou seja, o estereótipo setransforma em modelo porque carrega certa noçãode essência dos objetos e situações, e gesta seupotencial simbólico. Da mesma forma, é possível

afirmar que esses tipos, temas e conteúdosrecorrentes pela força da repetição acabam porfortalecer o imaginário, forjando certacompreensão identitária em torno deles.

Cabe sublinhar que a recorrência e apersistência desses temas e personagensfuncionam como um projeto pedagógico queeduca o olhar, os sentidos e a imaginação, de modoa educar também a alma, criar uma memória efortalecer uma tradição em torno do universo dolivro no interior do cinema. Quando se fala sobreas representações do livro, ou do universo emtorno do livro mostrado pelo cinema, dificilmentetítulos como O Nome da Rosa, Fahrenheit 451 eNunca te Vi, Sempre te Amei são esquecidos,porque eles permitem a circulação dos estereótipose reforçam temas decalcados no imaginário. Sãotrês filmes marcantes e mesmo epigonais noOcidente. No entanto, em certa medida, sãotambém filmes mecanicistas, porque mostram olivro como salvador de situações, como redentordo espírito e propulsor da liberdade individual.

O livro como objeto depositário de poder,que transmite poder a quem o possui “é uma visãotípica da sociedade arcaica, mas que por vezes seprolonga até tempos bem recentes” (CANFORA,2003, p. 62). Livro como sinônimo de liberdade,ou a liberdade como conseqüência quase“mecânica” do livro e da leitura, são idéias quepartilham um projeto que promete a emancipaçãodo homem pela revolução política e pelo saber, emuma espécie de recuperação nostálgica daspremissas da Revolução Francesa e daIndependência Americana de fins dos setecentos.

BOOK AND CINEMA:representations of practices related to book and reading in the cinematographic image

ABSTRACT This article deals with some research topics on the representations of practices related to thebook in the cinematographic image. There were accomplished image analyses in several films inwhich the five themes elected for the study occurred: 1) places or spaces of storage; 2) professionalsthat deal with organization and storage; 3) authors, creators and writers; 4) readers and users; 5)distopias or collections destructions. It is concluded that there are representations that are commonto many films. Such representations elaborate stereotypes that have pedagogical functions, notalways positive, concerning to the themes studied.

Keywords BOOK – REPRESENTATIONS AND IMAGESCINEMATOGRAPHIC IMAGE

Artigo recebido em 15.10.2006 e aceito para publicação em 30.01.2007

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