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Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR Ano 5 - Número 1 - Abril de 2020 ASPECTOS LEGAIS DO COMPLIANCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO EMPRESARIAL ESTRATÉGICA. Rodolfo Fernandes de Souza Salema Rodolfo F. de Souza Salema, advogado, graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, pós graduado em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC- -PR) e MBA em Gestão Estratégica pela Universidade de São Paulo (FEA-USP). 1. Introdução No cenário político e empresarial brasileiro, é notória a crise de credibilidade pela qual passam as instituições, impulsionada, principalmente, pelos recentes escândalos de corrupção e pela cultura da impunidade que permeia as relações do nosso país. Derivada do verbo “to comply”, da língua inglesa, o Compliance remete a um conjunto de atos e procedimen- tos que visam garantir a conformidade da conduta de uma organização, o cumprimento de leis e regulamentos ine- VENCEDOR DE CONCURSO

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Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR

Ano 5 - Número 1 - Abril de 2020

ASPECTOS LEGAIS DO COMPLIANCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO EMPRESARIAL ESTRATÉGICA.

Rodolfo Fernandes de Souza SalemaRodolfo F. de Souza Salema, advogado, graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, pós graduado em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC--PR) e MBA em Gestão Estratégica pela Universidade de São Paulo (FEA-USP).

1. Introdução

No cenário político e empresarial brasileiro, é notória a crise de credibilidade pela qual passam as instituições, impulsionada, principalmente, pelos recentes escândalos de corrupção e pela cultura da impunidade que permeia as relações do nosso país.

Derivada do verbo “to comply”, da língua inglesa, o Compliance remete a um conjunto de atos e procedimen-tos que visam garantir a conformidade da conduta de uma organização, o cumprimento de leis e regulamentos ine-

VENCEDOR DE CONCURSO

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rentes às suas atividades, de modo a atuar na prevenção de riscos e fraudes internas.

Apesar de o conceito de Compliance (como política de boa governança corporativa) não ser relativamente novo no cenário internacional, no Brasil ainda há uma carência destas estruturas nas empresas, mesmo após o advento da Lei 12.486/2013, popularmente conhecida como “Lei Anti-corrupção” ou “Lei da Empresa Limpa”.

Não obstante, o tema ganhou grande relevância no ambiente empresarial, tornando-se motivo de preocupação a necessidade de adequar as empresas às obrigações e des-dobramentos da lei, por meio da estruturação de uma polí-tica de Compliance e de medidas de integridade.

Sabe-se que a referida legislação estabelece, princi-palmente, a responsabilidade objetiva (independentemen-te de culpa) das pessoas jurídicas por atos de corrupção contra a Administração Pública, a possibilidade de for-malização de acordos de leniência (declaração voluntá-ria de culpa), além de prever mecanismos de redução de penas para aquelas empresas que tenham um programa efetivo de Compliance.

As investigações de atos de corrupção, como a Ope-ração “Lava Jato” da Polícia Federal e a Ação Penal 470 do Supremo Tribunal Federal (“Mensalão”), aliadas ao clamor público pela tolerância zero a práticas desta na-tureza, impulsionaram a discussão do tema no mercado empresarial brasileiro.

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Nessa seara, o Compliance é uma tendência em gover-nança, pois estabelece um padrão de negócio baseado em boas práticas, relações éticas e transparentes entre as empre-sas e o setor público – especialmente aquelas que atuam em setores regulados –, além de substituir instrumentos tradi-cionais de combate ao crime por meio da prevenção.

As empresas que estão alinhadas a uma efetiva po-lítica de Compliance certamente garantirão credibilidade frente ao mercado, valorização da sua marca, e confiabili-dade dos seus produtos e serviços, as quais, juntas, repre-sentam condições essenciais para a gestão estratégica e o resultado das corporações.

Finalmente, não há dúvidas que o Compliance tem reflexos diretos nos processos de due diligence e join ven-ture, demandando atuação estratégica das empresas por meio de adequação de contratos, criação de códigos de éti-ca e de conduta, treinamentos sucessivos aos funcionários, canais de denúncia, além, é claro, de um departamento de Compliance totalmente independente, dotado de ferramen-tas de investigação e poder decisório.

2. Breves considerações sobre Compliance

Na esfera institucional e corporativa, pode-se dizer que as primeiras discussões sobre programas de Com-pliance remetem, principalmente, aos grandes escândalos ocorridos no mercado financeiro internacional que antece-deram a criação do Banco Central Americano (1913), que

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ocasionaram a falência de empresas que tiveram investido-res, fornecedores e clientes iludidos, fato que despertou a necessidade premente de se cultivar a ética nos negócios.

Na definição de Manzi1, o termo Compliance é o “ato de cumprir, de estar em conformidade e executar regula-mentos internos e externos, impostos às atividades da ins-tituição, buscando mitigar o risco atrelado à reputação e ao regulatório/legal”.

No ambiente corporativo, o conceito vai além, pois as relações empresariais devem buscar, também, a “conso-nância com os princípios da empresa, alcançando a ética, a moral, a honestidade e a transparência, não só na conduta dos negócios, mas em todas as atitudes das pessoas”.2

Do ponto de vista legal, o instituto do Compliance está intimamente relacionado à Lei Federal nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), devidamente regulamentada pelo Decreto 8.420/2015, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangei-ra (em especial atos de corrupção), bem como disciplina a necessidade da criação de programas de integridade com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularida-des e atos ilícitos praticados por pessoas jurídicas.

1 MANZI, Vanessa A. Compliance no Brasil - Consolidação e Perspecti-vas. Saint Paul, São Paulo, 2008.2 GIOVANINI, Wagner. Compliance: A Excelência na Prática. 1ª Ed. São Paulo: 2014.

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A Lei Anticorrupção nasceu de um projeto de iniciati-va do Poder Executivo, com o objetivo de suprir uma lacuna existente no sistema jurídico brasileiro com relação à res-ponsabilização civil e administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos (especialmente de corrupção) contra a Administração Pública, e para cumprir compro-missos internacionais3 assumidos pelo Brasil no combate à corrupção estrangeira (suborno transnacional).

Até então, havia uma carência legislativa nacional para punir as pessoas jurídicas por atos de corrupção, na medida em que o arcabouço normativo existente na esfera penal, cível e administrativa não previa a responsabilida-de objetiva das empresas, tampouco sanções severas por atos de corrupção.

Além da atribuição da responsabilidade objetiva (in-dependentemente de culpa) das empresas na prática de atos lesivos, a lei expressamente prevê que, para aplica-ção de sanções, serão levados em consideração a existên-cia de mecanismos e procedimentos internos de integri-dade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.

3 O Brasil assumiu compromissos internacionais no combate à corrup-ção, por meio da Convenção das Nações Unidas contra Corrupção (idea-lizada pela ONU), Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (idealizada pela OEA) e a Convenção de sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Interna-cionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (idealizada pela OCDE).

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Nesse passo, além das premissas de transparência e ética, os programas de integridade também passaram a ser ferramentas obrigatórias para mitigar riscos e atenuar pos-síveis sanções administrativas e/ou judiciais.4

A propósito, o Decreto nº 8.420/2015, que regulamen-ta a Lei Anticorrupção, define o Programa de Integridade da seguinte forma:

[...] O programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na apli-cação efetiva de códigos de ética e de conduta, po-líticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos pra-ticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira. (...) O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

Assim, infere-se que o programa de integridade é uma ferramenta específica do Compliance corporativo, atuando, sobretudo, de forma preventiva para a detecção e remediação de atos lesivos.

Sem dúvida, as empresas comprometidas com as medidas de integridade têm vantagem competitiva no

4 BITTENCOURT, Sidney. Comentários à Lei Anticorrupção: Lei 12.846/2013. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

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mercado, valorização da imagem, valuation e reputação da empresa, com contribuição direta para a sua longevi-dade, tendo como base de sustentação e de crescimento a ética e a transparência.

3. Estruturação de um Programa de Compliance: pontos relevantes para a sua existência e aplicação.

Os programas de integridade devem ser estruturados de acordo com as peculiaridades de cada empresa, de ma-neira a considerar um modelo “Taylor Made”, perfeitamen-te adaptado ao porte da empresa, ao segmento de mercado, ao grau de interação com o poder público, à cultura empre-sarial, aos recursos disponíveis, ao comprometimento da alta direção e ao ambiente regulatório relacionado à natu-reza das operações.5

Em outras palavras, é “preciso tomar cuidado para que o programa de integridade não se torne uma commo-dity, um modelo pronto (checklist), como se fosse uma re-ceita de bolo a ser incorporado pelas empresas”6.

Não obstante inexistir um modelo universal, para Candeloro (2015), por exemplo, existem quatro grandes te-mas que dão aos programas de Compliance sustentação e

5 CANDELORO, Ana Paula P.; RIZZO, Maria Balbina Martins de; PINHO, Vinícius. Compliance 360º: riscos, estratégias, conflitos e vaidades no mun-do corporativo. São Paulo: 2015.6 CAPANEMA, Renato de Oliveira. Inovações da Lei nº 12.846/2013. In: NASCIMENTO, MelilloDinis do. (Org.). Lei Anticorrupção empresarial as-pectos críticos à Lei 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2014.

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consistência: comprometimento, implementação, monito-ramento, e medição e melhoria contínua. No mesmo senti-do, Bittencourt (2015, p.112) defende a existência de quatro pilares para estruturação do Compliance:

1º) Cultura de Compliance: deve ser patrocinada pela alta administração da organização. A partir dessa decisão, deverá ser estabelecido um Código de Conduta, Políticas e Procedimentos amplamen-te divulgado aos stakeholders; e definem-se tam-bém os recursos para a implementação da estrutu-ra do Compliance;

2º) Gestão de riscos: permite identificar os riscos relativos à corrupção em setores, atividades, proces-sos e pessoas consideradas mais vulneráveis na or-ganização; atividades de treinamento e capacitação contínuas para informar aos funcionários o Código de Conduta e a legislação que lhe dá suporte.

3º) Canais de denúncia e remediação: deverão ser acessíveis a todos, garantidas a confidencialidade e a não retaliação; medidas disciplinares contra os infratores devem ser aplicadas, independentemen-te do cargo ou função;

4º) Melhoria contínua de Compliance: exige revisão e monitoramento constantes para identificar regras aplicáveis aos produtos e mercados, bem como pro-blemas nos processos internos. Para aprofundar o programa, deve-se promover due diligence de for-necedores, incluindo terceiros com os quais se re-lacionam, com direito de auditoria. A due diligence também deve ser aplicada antes das aquisições, as-sim como na integração de empresas.

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Nota-se, portanto, que todo e qualquer programa de Compliance segue premissas focais para sua efetividade.

A começar, por exemplo, com a inclusão de todos os padrões da organização sob a forma de Código de Ética (que trate de valores e princípios da empresa) e de Código de Conduta (que trate da conduta que deve ser seguida pe-los membros da empresa).7

Ainda, em paralelo, deve haver o comprometimento genuíno da organização, com envolvimento e comporta-mento ético da Alta Direção (“Tone from the Top”), funda-mentais para que o Compliance esteja enraizado na cultura empresarial e, consequentemente, respeitado e seguido pe-los funcionários.

Esta ideia de que a efetividade do Compliance de-pende de um comprometimento vertical-hierárquico (“top down”), foi debatida, inclusive, pelos ministros do Supre-mo Tribunal Federal no emblemático julgamento da Ação Penal nº 470 (“Mensalão)”:

“O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator):

– Vossa Excelência conhece muito bem, Ministro Lewandowski, a palavra, o verbo, da língua in-glesa, que consta do cargo exercido por ele. Com-pliance. Compliance vem de quê? Vem de comply.

7 Controladoria Geral da União. Programa de Integridade: Diretrizes para as empresas privadas. Brasília. Publicado em 22.09.2015. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/pro-grama-de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf. Acesso em 05.12.2015.

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O que significa comply em inglês?

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor):

- O que significa?

O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator):

- Fazer cumprir, cumprir normas.

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Revisor):

- Sim, fazer cumprir. Mas ele, como subordina-do, não pode fazer com que a autoridade superior cumpra.” (Acórdão da Ação Penal nº 470, p. 2683).

Assim, é certo que a falta de engajamento das cama-das mais altas da companhia, seja no endosso inicial do programa ou na defesa dos valores defendidos pela empre-sa, não passará aos funcionários o compromisso institu-cional de intolerância ao cometimento de atos lesivos (cor-ruptos) e, provavelmente, o Compliance existirá apenas no papel, sem efetividade prática alguma.

Além dessa visão interna, os programas de Complian-ce devem ser estendidos para as relações comerciais prati-cadas com todos os parceiros da empresa, mesmo porque a Lei Anticorrupção tende a não ignorar os atos praticados por um parceiro em nome da empresa.

Para mitigação de riscos, é fundamental avaliar as condições dos terceiros que participam da cadeia de rela-cionamento (“due diligence” ou “Know your customer”)8.

8 SANTOS, Thiago C. A importância da “due diligence” no universo empresarial. Boletim Jurídico, Uberaba, MG, a.4, n. 170. Disponível em

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Nessa análise de riscos, recomenda-se que a empresa identifique e avalie o cliente/fornecedor/funcionário; certi-fique se o parceiro não está incluído no rol das empresas punidas9; verifique o tempo de existência no mercado, a credibilidade, imagem, missão e valores; busque referên-cias comerciais e bancárias; faça monitoramento contínuo; e estabeleça cláusulas contratuais na parceria que garan-tam direito de auditoria e de rescisão contratual pela com-provação de atitudes de não “compliant”.

Definitivamente, tais medidas não são exageros. Para proteger a reputação da empresa é crucial que os terceiros (fornecedores, prestadores de serviços, agentes interme-diários) também estejam em Compliance, comprometen-do-se ao controle de riscos, à adoção de boas práticas, e a agir em conformidade com os princípios éticos, morais, sociais, trabalhistas e ambientais exigidos.

De igual modo, nos processos de fusões, aquisições (“joint ventures”) ou reestruturações societárias, há riscos inerentes ao Compliance que devem ser observados, intima-

http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1153. Acesso em 08.12.2015.9 Com o intuito de atender às determinações da Lei Anticorrupção, a Controladoria Geral da União criou um sistema para gerir informações de sanções, por meio do i) CEIS: Cadastros de Empresas Inidôneas e Sus-peitas, que têm por objetivo consolidar a relação das empresas e pessoas físicas que sofreram sanções que restringiram o direito de participar de li-citações ou de celebrar contratos com a Administração Pública; e do ii) CNEP: Cadastro Nacional das Empresas Punidas, que busca consolidar a relação de penalidades aplicadas pela Administração Pública a pessoas jurídicas com base na Lei 12.846/2013.

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mente ligados com o processo de “due diligence”. Antes de qualquer operação societária envolvendo terceiro, é funda-mental adotar medidas para verificar se a outra empresa tem histórico de cometimento de atos lesivos e desvios de condu-ta, sob pena de a empresa assumir um imenso passivo e, em algumas hipóteses, ser responsabilizada por seu histórico.

Outro ponto crucial nas estruturas de Compliance é o controle financeiro e contábil. Por exemplo, muito já se noti-ciou sobre investigações envolvendo pagamentos de propina sob a maquiagem contábil de doações a agentes políticos.

Por isso, os registros e os controles contábeis rígidos (“Compliance contábil”) são peças indispensáveis para a identificação de impropriedades, na medida em que inú-meros pagamentos indevidos ou desvios podem estar dis-farçados contabilmente em pagamentos legítimos, tais como, comissão, consultoria, gastos com viagens, bolsas de estudos, entretenimento e reembolsos.

O que se espera de uma empresa em Compliance são registros contábeis detalhados, analíticos, exatidão dos ba-lanços, realização de monitoramento contínuo e auditoria para demonstrar a confiabilidade dos relatórios e das de-monstrações financeiras da pessoa jurídica, além de polí-ticas muito bem definidas sobre a interação e o relaciona-mento com o Poder Público.10

10 Controladoria Geral da União. Programa de Integridade: Diretrizes para as empresas privadas. Brasília. Publicado em 22.09.2015. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-inte-gridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf. Acesso em 05.12.2015.

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No dia a dia da empresa, é necessária a realização de comunicação (interna e externa) e de treinamentos periódi-cos, que garantam a aplicação e a manutenção das medidas de integridade; afinal, um programa desconhecido (ou não aplicado) é um programa inexistente.

Quando a comunicação não é suficiente para trans-mitir a mensagem desejada, seja pela profundidade do tema ou pela sua importância, surge a necessidade de se realizarem treinamentos periódicos, a fim de que os funcionários e a direção da empresa tomem consciência de determinada medida de integridade e a disseminem em seus comportamentos.

O desafio de mudar paradigmas, convencer pessoas, inserir novas atividades, controles e processos, mudar hábi-tos, e, ainda, manter a chama do programa de Compliance sempre acesa na organização, ficará com a comunicação e com o treinamento.

Mais um aspecto importante do programa de Com-pliance é a disponibilização dos canais de denúncias, que permitam a comunicação de atos lesivos e garantam o ano-nimato dos denunciantes.

Uma vez constatada alguma irregularidade (por de-núncia, monitoramento, investigação ou auditoria), o pro-grama de Compliance deverá ter procedimentos definidos para serem seguidos visando a cessação do ato lesivo, bem como a remediação imediata dos danos causados.

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Ademais, é primordial que a empresa tome medi-das assertivas, de forma rápida e direta, para a inter-rupção das irregularidades, a criação de soluções e a reparação do dano:

Revisar, verificar e checar! (...) Investigar situa-ções ou comportamentos inadequados. Conhecer a legislação aplicável a sua empresa. (...) Procurar saber quem são as autoridades responsáveis caso haja a necessidade de fazer alguma denúncia, es-clarecer dúvida ou qualquer outro tipo de contato. Registrar todas as irregularidades constatadas e a forma como os danos foram reparados11.

Assim, é fundamental a existência de regras inter-nas que estabeleçam procedimentos de investigação ao Compliance Officer e seu respectivo departamento, bem delineado e estruturado, que assegure a efetiva apuração dos fatos e a interrupção imediata da irregularidade, com correção eficaz de desvios de condutas e aplicação de me-didas disciplinares.

Finalmente, deve-ser ter em mente que o programa de Compliance nunca estará concluído, pois trata-se de um processo contínuo de monitoramento e revisões periódicas com relação ao seu próprio conteúdo, a fim de garantir que o programa esteja compatível com a evolução do negócio, das leis e dos regulamentos.

11 SEBRAE. Integridade para Pequenos Negócios. Brasília, DF, 2015. Disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arqui-vos/integridade-para-pequenos-negocios.pdf. Acesso em 05.12.2015.

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Para tanto, é fundamental estabelecer métricas e in-dicadores capazes de medir o desempenho do programa:12

O modelo de monitoramento pode ser proativo (com ações preventivas para evitar incidentes: auditoria, controles, fiscalização, vistorias, po-líticas, indicadores, melhores práticas) ou rea-tivo (quando o sistema recebe, avalia e acom-panha incidentes) e pode ser desenvolvido para quaisquer ativos.13

Desta maneira, o monitoramento do programa tem a finalidade de identificar e remediar problemas, analisar criticamente a sua integridade e eficácia, bem como se os objetivos e as metas estão sendo devidamente cumpridos.14

12 CANDELORO, Ana Paula. Os 9 passos essenciais para fortalecer o Compliance e a governança corporativa nas empresas. Publicado em abril/2013.Disponível em http://hbrbr.com.br/os-9-passos-essenciais-pa-ra-fortalecer-o-Compliance-e-a-governanca-corporativa-nas-empresas/. Acesso em 10.12.2015.13 Revista GRC Manegement. Monitoramento contínuo: melhor alter-nativa para gestão de riscos. Disponível em http://www.modulo.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2425&Itemid=160. Aces-so em 19.12.2015.14 CICCO, Francesco de. Programas de Compliance: a norma AS 3806:2006.Disponível em https://books.google.com.br/books?id=1wX-FCgAAQBAJ&pg=PA27&lpg=PA27&dq=monitoramento+continuo+-do+programa+Compliance&source=bl&ots=v83a1OuuBm&sig=e-8vi94LYs1t1fEqY3lCN_FvsAD8&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwihm-pmG35zKAhVCkJAKHWCtDVkQ6AEIVzAH#v=onepage&q=monito-ramento%20continuo%20do%20programa%20Compliance&f=false. Acesso em 19.12.2015.

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4. Gestão de Compliance: importância na Gover-nança Corporativa

Para o Instituto Brasileiro de Governança Corpora-tiva (IBGC), a governança corporativa é “o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, mo-nitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”.15

Sendo assim, é nítida a sinergia existente entre Compliance e Governança Corporativa, pois ambos são fundamentados em pilares de transparência, equilíbrio de direitos e abertura de informação ética da adminis-tração das empresas:

São conceitos e mentalidades de gestão empresa-rial que geram valor, que aumentam a segurança e a qualidade das decisões e das práticas empre-sariais, num mundo cada vez mais competitivo e desafiador, especialmente no caso brasileiro – e em momentos de economia combalida. Tanto a Governança Corporativa quanto a Conformidade são benefícios empresariais fundamentais, que co-laboram muitíssimo para o aumento da competi-tividade e da rentabilidade, aliando boas práticas, organização, métodos, disciplina, ética e procedi-mentos que ajudam ainda a segurança jurídica.16

15 Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Governança Corporativa. São Paulo, SP. Disponível em http://www.ibgc.org.br/inter.php?id=18161. Acesso em 05.01.2016.16 LEITE, Leonardo Barém. Governança corporativa, Compliance e

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Não obstante, lamentavelmente, ainda há quem diga que os programas de Compliance são processos burocráti-cos e modistas. Por estas e outras razões, o principal desa-fio do Compliance sempre será de desmitificar o legado da cultura da impunidade e de tolerância à prática de atos de corrupção, fortalecendo a ideia de que é um dos pilares da Governança Corporativa:

O grande desafio na implantação desses progra-mas é estabelecer a cultura de que a função Com-pliance vai além da fiscalização, do cumprimento das normas e regulamentos, e detecção dos desvios da conformidade. [...] Hoje, um bom programa de Compliance aufere à organização a credibilidade necessária para se alinhar à tendência mundial da ética e melhores práticas na condução dos negó-cios. (CANDELORO, 2015, p. 150).

Na prática, é possível relacionar inúmeros benefí-cios advindos da relação entre Compliance e Governança Corporativa, fundamentais para a perenidade da empre-sa: transparência nos negócios; mitigação dos riscos; pre-servação da imagem e geração de valor para a marca da empresa; possibilidade de transmitir a cada colaborador o dever individual de respeitar as normas; maior eficiência na gestão, desempenho e controle (interno e externo) da empresa; fortalecimento da responsabilidade corporativa

as empresas - Aspectos práticos.Publicado em 26.08.2015. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI225889,11049-Gover-nanca+corporativa+Compliance+e+as+empresas+Aspectos+praticos. Acesso em 05.01.2016.

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com relação às políticas e práticas sociais, ambientais e de segurança do trabalho. 17

“O sucesso das organizações é extremamente de-pendente da admiração e da confiança pública, re-fletida no valor de suas marcas, na sua reputação, na capacidade de atrair e fidelizar clientes, investido-res, parceiros e até os empregados. Estudos recentes têm demonstrado como estão à frente as organiza-ções que apresentam uma estrutura sólida de pre-ceitos éticos e atuam de forma responsável, em de-trimento das demais que atuam de forma diversa”18

Assim, infere-se que os programas de Compliance ge-ram sustentabilidade e contribuem consideravelmente para se estabelecer um padrão de negócio baseado nas melhores práticas de mercado, prevenindo riscos e contribuindo para o desenvolvimento de um mercado mais ético, íntegro e maduro, indispensável para que as empresas possam atin-gir e desbravar o famoso cenário de um “oceano azul”.

Finalmente, sopesadas todas estas questões, é possí-vel afirmar que mais importante do que proteger-se contra problemas corporativos de ontem, é identificar e evitar os escândalos de amanhã.19

17 COIMBRA, Marcelo. Ética, Governança e Compliance. Disponível em http://www.britcham.com.br/download/130509_Marcelo_Coimbra_CFA_Advs.pdf. Acesso em 08.01.2016.18 COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi (Coord.). Ma-nual de Compliance: preservando a boa governança e a integridade das organizações. São Paulo: Atlas, 2010, p.5).19 MAGAZONI, Luciana Paulino. CGU publica manual de boas práti-cas em auxílio às empresas privadas para estruturação de Programa de

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5. Compliance como alternativa (preventiva) aos tradicionais instrumentos legais de combate aos atos de não conformidade.

Como visto, o programa de Compliance revela-se como uma tendência em governança, pois estabelece um pa-drão de negócio baseado em boas práticas, relações éticas e transparentes entre as empresas e o setor público (ou não), especialmente àquelas que atuam em setores regulados.

Há uma grande expectativa que ao longo do tempo, os programas de Compliance, por meio de medidas de pre-venção, possa vir a substituir instrumentos tradicionais de combate a atos de não conformidade.

Na prática, a Lei Anticorrupção inovou ao se di-rigir exclusivamente para a responsabilização de pes-soas, em complemento à lei penal, que se aplica apenas para pessoas físicas.

De certa forma, por meio da lei anticorrupção, o le-gislador delegou também ao setor privado a responsabili-dade pela prevenção de cometimento de atos ilícitos, nota-damente por meio, repita-se, do estímulo à implementação dos programas de Compliance.

Nesse contexto, há quem acredite que estes progra-mas continuem a ser um pontapé inicial para o surgimento

Integridade (Compliance) trazido pela lei da empresa limpa –12.846/13. Publicado em 22.10.2015. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI228790,81042-CGU+publica+manual+de+boas+prati-cas+em+auxilio+as+empresas+privadas. Acesso em 05.01.2016.

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de um divisor de águas nos atos de corrupção impregnados nas corporações e enraizadas na cultura brasileira.

Sob o viés de prevenção, o principal desafio continua a ser o de desmitificar o legado da cultura da impunidade e fortalecer a ideia de que o Compliance é um dos pilares da governança corporativa, de modo que não seria o caráter punitivo da legislação penal (que criminaliza os atos ile-gais) o principal fator para o impedimento de crimes desta natureza por empresas e funcionários, mas sim o trabalho preventivo e educativo disseminado pelo Compliance den-tro da organização.

No entanto, não há como negar que a mudança cultu-ral e a prevenção de atos de corrupção demandam tempo, cuja origem, inclusive, pode estar atrelada à ineficiência do modelo tradicional de combate aos atos de não conformi-dade (legislação penal e processual penal).

Com efeito, o Anexo20 deste artigo traz uma en-trevista com o procurador da República e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato, Dr. Diogo Castor de Mattos, que tem uma visão um tanto cética sobre a efetividade da Lei Anticorrupção, bem como da ade-quação das empresas às novas exigências legais envol-vendo os programas de integridade.

Isso porque, na visão do procurador, o principal fator

20 Anexo: entrevista com o Dr. Diogo Castor de Mattos, procurador da República e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato, realizado em fevereiro de 2016, com finalidade acadêmica.

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da corrupção paira sobre a ineficiência crônica do sistema de justiça criminal brasileiro, o uso desmesurado de recur-sos e, até mesmo, da postura do Poder Judiciário.

Segundo o procurador, a efetividade da Lei Anticor-rupção e a adequação ou criação de programas de Com-pliance pelas empresas podem ser colocadas em xeque na hipótese de o Judiciário afastar qualquer punição efetiva na esfera administrativa. Ainda, para o procurador, o Po-der Judiciário não pode funcionar como um instrumento de controle dos poderosos, pois enquanto existirem a sen-sação e a certeza da impunidade, nada vai mudar no com-portamento empresarial brasileiro.

Por outro lado, ressalta a importância de eventual pu-nição da pessoa jurídica no cometimento de atos lesivos e a normatização dos acordos de leniência, com a possibilida-de de as empresas trazerem questões reveladoras e, a partir daí, instituírem um sistema de Compliance muito parecido com o FCPA21, no qual a empresa tem que fazer uma inves-tigação interna e, se for o caso, implementar ou adaptar seu Programa de Integridade.

Realmente, a visão do procurador nos remete ao fato histórico de que, em muitos casos, a legislação brasileira não se mostrou eficaz (como deveria) no combate à prática de atos de não conformidade, sobretudo para aqueles vol-tados à corrupção de agentes políticos.

21 FCPA: Foreing Corrupt Practices Act - Lei americana de com-bate à corrupção.

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Nesse sentido, o programa de Compliance pode repre-sentar uma ferramenta para mudar esse legado, na medida em que tratará o problema na origem, por meio de ações de prevenção no combate aos atos de não conformidade.

Afinal, não se pode olvidar que a função primordial do Compliance caracteriza-se justamente por não ter um caráter sancionador; pelo contrário, o programa tende a ser preventivo e educador, porquanto se antecipa à ocorrência dos fatos e torna a punição sempre uma consequência (e nunca uma finalidade).

6. Conclusões

A Lei Anticorrupção (12.846/2013) e seu Decreto Re-gulamentador (8.420/2015) trouxeram inovações radicais para o cenário empresarial brasileiro, notadamente ao es-timular a necessidade de implementação e estruturação de Programas de Integridade (Compliance) nas empresas.

As organizações depararam-se com a necessidade de se adequarem à nova legislação, cuja efetividade está finca-da e paira sobre a imposição da responsabilidade objetiva das empresas no cometimento de atos lesivos e, também, nas consequências legais advindas pela inobservância de mecanismos e procedimentos de integridade como forma de prevenção de possíveis sanções administrativas e judiciais.

Na prática, a lei veio suprir uma lacuna existente no arcabouço jurídico brasileiro que, até então, não previa a responsabilização objetiva (administrativa e cível) das em-

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presas no cometimento de atos ilícitos, estendendo para o setor privado, assim, a responsabilidade pela prevenção de atos de corrupção.

Sem dúvida, este cenário estimulará gradativamente a criação de políticas de Compliance, na medida em que a lei estabelece penalidades severas às empresas (multas, perda de bens, suspensão das atividades e até dissolução compulsória); isso sem falar na tendência de empresas e consumidores optarem em fazer negócios apenas com or-ganizações sérias, sustentáveis e comprometidas com o combate a atos de não conformidade.

No que tange à efetividade dos programas de integri-dade (Compliance), é de rigor que seja construído de acordo com a realidade de cada empresa, de modo a ser considerado o “Taylor Made” devidamente adequado aos parâmetros de tamanho, natureza e peculiaridades do negócio.

Não obstante, é uníssono o entendimento de que há alguns pilares indispensáveis para o sucesso e reconhe-cimento dos programas, tais como: comprometimento e apoio da alta direção; criação de um departamento es-pecífico para atuar de forma autônoma e independente; análise e avaliação de riscos; criação de códigos de con-duta e de ética; canais de denúncia e remediação; pro-cedimentos de prevenção e treinamentos; processos de due diligence em operações societárias e nas relações com parceiros de negócio; bem como monitoramento periódico e revisões contínuas do programa, construin-

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do-se um ambiente propício para que a empresa seja e esteja constantemente em Compliance.

De igual modo, é evidente a importância dos progra-mas de Compliance para a governança corporativa, sendo ambos estruturados sobre pilares de transparência, equilí-brio de direitos, ética e moral na gestão empresarial, cuja existência e sinergia são fundamentais para superação da crise de credibilidade pela qual passam as instituições e para a prevenção de responsabilidades.

Ainda, é necessário que as empresas continuem a criar uma identidade corporativa que seja reconhecida por seus valores morais e princípios éticos, possibilitando, as-sim, uma gestão sustentável, preventiva e educadora.

Nesse contexto, é possível vislumbrar que comporta-mentos éticos e morais tendem a reger as relações empresa-riais presentes e futuras, pois, provavelmente, tais compor-tamentos irão determinar a sustentabilidade, a reputação, a credibilidade, a geração de valor e a própria sobrevivência das organizações a longo prazo.

Não se pode esquecer, ainda, que estes comportamen-tos também podem refletir no desenvolvimento da socie-dade, sobretudo quando replicados no dia a dia de cada pessoa, estimulando a transparência ética nas relações hu-manas de maneira geral.

Finalmente, os programas de Compliance devem ser vistos como parceiro das áreas de negócio das empresas,

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atuando como um guardião do cumprimento das normas, além de auxiliar a administração no desenvolvimento das estratégias e objetivos da empresa, sob a premissa de que ações preventivas são muito mais importantes e econômi-cas que as ações corretivas.

Por todo o exposto, percebe-se que as organizações devem compreender que a gestão de Compliance vai muito além do cumprir leis e normas, prevenir sanções, compor-tamentos antiéticos e desvios de conduta, devendo sempre pautar sua atuação no fortalecimento da integridade corpo-rativa e na preservação da boa imagem institucional junto aos clientes, investidores, Poder Público e sociedade.

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ANEXO22

Entrevista realizada com Dr. Diogo Castor de Mat-tos, Procurador da República e membro da Força-Tare-fa da Operação Lava Jato.

Pergunta: Sabemos que a cultura de cada país tem influência direta na prática e no combate aos atos de cor-rupção. Nesse contexto, na sua opinião, quais os principais fatores que propiciam a corrupção?

Resposta: “No meu entender é a questão da ineficiên-cia crônica do Sistema de Justiça Criminal. Os crimes de colarinho branco são tomados por decisões racionais. Tem até um estudo sobre isso. O cidadão toma uma decisão ra-cional; ele avalia os custos, o ônus e o bônus e toma a deci-são de cometer um ato de corrupção. No Brasil, o benefício geralmente é certo e muito rentável. A nossa corrupção é de milhões e até bilhões, já nos outros países a corrupção fica na casa dos milhares. Então o beneficio é certo, a chance de descobrir o crime é muito pequena. São crimes sofisticados, cometidos no bojo de organizações criminosas, prepostos, pessoas interpostas, laranjas, lavagem de dinheiro, utiliza-ção de offshore, o que torna muito difícil descobrir. Quan-do se consegue provar e descobrir, você tem um sistema de

22 Anexo: entrevista com o Dr. Diogo Castor de Mattos, procurador da Re-pública e membro da força-tarefa da Operação Lava Jato, concedida ao autor deste artigo em fevereiro de 2016, com finalidade exclusivamente acadêmica.

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Justiça Criminal totalmente preparado para que o processo não vá pra frente, para que sempre seja anulado por uma questão formal, secundária ou, então, pra que simplesmen-te se arraste até prescrever. Isso ocorre pela (...) questão do uso desmesurado do habeas corpus, da benevolência na aceitação de tudo quanto é recurso, (...) por superestimar o principio da “persona non culpa” a limites nada razoáveis. E você veja: em 2013, o STJ bateu a marca de 300 mil ha-beas corpus impetrados em 25 anos de existência. (...) De 2005 a 2009 triplicou o número de habeas corpus. Só em 2011 foram 32 mil habeas corpus, distribuídos a dez minis-tros. Então, são 3.200 mil habeas corpus por ministro. Como é que (o Juiz) vai relatar e julgar? Não julga, né?! Como é que irão ficar os Recursos Especiais que estão aguardando julgamento para poderem transitar em julgado, para execu-tar as penas? Não transita em julgado. Então, minha crítica é bem pontual nesse sentido. Claro que não vai acabar nun-ca. O (Juiz) tem 32 mil habeas corpus pra julgar tem que co-locar na frente de todos os recursos especiais, é lógico que nunca vai julgar. E é para não julgar mesmo, daí prescreve. Todos os casos de corrupção no Brasil prescrevem ou são anulados.”

Pergunta: Então, pode-se dizer que a principal causa da corrupção é a ineficiência do Sistema Penal como um todo?

Resposta: “Processual Penal! No meu entender o fa-tor da corrupção é a justiça, o judiciário, o Poder Judiciá-

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rio. O (criminoso) sabe que é muito difícil ser pego. E se for pego é quase impossível de ser punido. Ele sabe que vai ter um sistema (processual penal) com milhares de recursos. Todas aquelas fraudes dos grandes bancos que quebraram na década de 90, (os criminosos) desviaram milhões do pró-prio bolso. Aquilo lá deu em que? Deu em nada, prescreveu tudo. Teve até uma juíza que decretou a prisão de um réu, que estava quase prescrevendo. Em 22 horas (o advogado) conseguiu um habeas corpus falando que não estava exau-rido todos os recursos. Daí foi na TV, disse que era um ab-surdo aquela prisão ilegal, que o réu tem o direito de recor-rer, que contrariou a Constituição Federal; fez um discurso romântico pra explicar o inexplicável. Então, ao meu ver, o principal fator é esse. Porque se tivesse uma punição efeti-va, é claro que não se consegue debelar, mas conseguiria reduzir drasticamente a corrupção. Essas pessoas tem mui-to a perder e são muito medrosas, por isso que começa a ter um pouco de efetividade o colarinho branco; pois a cadeia de colaboração é muito grande. São pessoas que não são clientes comuns do sistema carcerário.”

Pergunta: E tem um sentimento de impunidade en-raizado na sociedade?

Resposta: “Tem um sentimento de impunidade. Como não são pessoas que estão acostumadas com o sis-tema carcerário, é claro que a questão da prisão tem um impacto muito negativo na vida dessas pessoas.”

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Pergunta: A Lei Anticorrupção no âmbito do Di-reito Administrativo Sancionador vem, então, suprir essa carência processual penal? Se sim, qual seria aí o ponto de destaque da Lei Anticorrupção no combate à criminalidade?

Resposta: “A Lei Anticorrupção eu acho que ela ti-nha uma importância que é a de punir as pessoas jurídi-cas, envolvendo-as nos atos de corrupção, pois os crimes de colarinho branco (corrupção) geralmente são crimes societários, sempre vai envolver pessoa jurídica. Até en-tão, você não tinha nenhuma punição direta; você tinha a Lei de Improbidade que também é outro instrumento to-talmente inefetivo, que demora 50 anos para acabar. (...) o grande trunfo (da Lei Anticorrupção) era a questão do acordo de leniência (...)”.

Pergunta: Você acha que a responsabilidade objetiva da Lei Anticorrupção pode de alguma maneira instigar e fazer com que as empresas acabem criando medidas de in-tegridade e programas de Compliance?

Resposta: “Acho que não. (...) Tudo que se trata de jurisdição penal ou cível no Brasil envolvendo determi-nados interesses econômicos é sempre inefetivo. A Lei Anticorrupção nasce imbuída de bons propósitos, mas (...) a sua efetividade é bem controversa. Então, eu acho que o melhor dela era o acordo de leniência. A possibi-lidade de trazer questões (reveladoras) e, a partir daí, a

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empresa instituir um Compliance, muito parecido com o FCPA, que a empresa tem que fazer investigação interna, tem que abrir um Sistema de Compliance. (...) Mas a Lei Anticorrupção legitima órgãos de Estado que não tem a menor vocação pra esse tipo de coisa, como corregedo-rias e controladorias municipais”.

Pergunta: Sobre esta questão da legitimidade para instauração do processo administrativo que será julgado pela autoridade máxima do órgão que o instaurou (pos-to normalmente ocupado por um político ou funcionário comissionado), tal fato pode resultar em alguma falta de imparcialidade que o processo demandaria?

Resposta: “Parece que os órgãos que foram empa-relhados são muito pouco imparciais para ter alguma efe-tividade. Nós (Ministério Público Federal) fizemos bons acordos de leniência que, no meu entender, foram bem su-cedidos (...). Esses acordos trouxeram uma sensação míni-ma de efetividade. Porque (a empresa) pelo menos assume que fez algo de errado. Em tese, eles instauram um sistema de prevenção para o futuro, instauram uma auditoria in-terna. Quer dizer, em tese. Nunca se sabe. E devolvem o que desviou (pelo menos uma parte)”.

Pergunta: Sem falar em processo judicial, mas apenas das sanções (severas) e as multas (pesadas) pre-

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Ano 5 - Número 1 - Abril de 2020

vistas na Lei Anticorrupção: isso faria com que as em-presas adotassem medidas preventivas de Compliance e de Integridade?

Resposta: “Enquanto existir a sensação e a certeza da impunidade, nada vai mudar. (...) Sobre a própria res-ponsabilidade objetiva: por exemplo, a responsabilidade objetiva ambiental. Qual é o exemplo na jurisprudência brasileira de uma estabilização efetiva de alguma empre-sa que devolveu dinheiro significativo? (...) Lembro-me de dezenas de demandas que não deram em nada, que tão aí se arrastando ou, então, que acabaram com acordos judiciais que também não tiveram efetividade. (...) Essas multas nunca eram executadas, entendeu?! (...) Não tem efetividade nenhuma, porque sempre vai ter o Judiciário para impedir qualquer punição efetiva na esfera admi-nistrativa. (...) Minha tese é que o Judiciário realmente é um instrumento de controle dos poderosos. A (empresa) sempre vai poder recorrer, embargos, apelação, Recurso Extraordinário, vai passar 20 anos e o patrimônio que estava bloqueado cautelarmente (por exemplo) já terá sido liberado para pagar os funcionários (que não tem nada a ver com isso); sempre tem alguém que vai dar a liminar, se não der nesse, vai tentar no próximo, no pró-ximo e no próximo. (...)”.