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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ASPECTOS DESTACADOS DA LEI Nº 11.340/06 RUBIA FERNANDA FERREIRA Itajaí (SC), 10 de junho 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ASPECTOS DESTACADOS DA LEI Nº 11.340/06

RUBIA FERNANDA FERREIRA

Itajaí (SC), 10 de junho 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ASPECTOS DESTACADOS DA LEI Nº 11.340/06

RUBIA FERNANDA FERREIRA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Msc. Adriana Maria Gomes de Souza Spengler

Itajaí (SC), 10 de junho 2010

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AGRADECIMENTO

A Deus, por iluminar o meu caminho e ser

presença constante em minha vida.

A minha mãe Lair Alaíde Pereira Ferreira pelo

amor e dedicação incondicional.

Ao meu pai, Antônio dos Santos Ferreira (in

memorian), por ter me ensinado os valores morais que

representam hoje os meus ideais.

Aos meus irmãos Roberta Pâmela Ferreira e

Juliano dos Santos Ferreira, pelo carinho e apoio.

Ao meu amigo Raphael Degenhardt por me

ajudar e acreditar em mim, por estar sempre ao meu

lado me incentivando e auxiliando nesta jornada.

Aos meus amigos da graduação que sempre

incentivaram meus sonhos e estiveram ao meu lado,

especialmente aos amigos, Rafaela Bueno Peres,

Tatiana Antunes de Castro, Giacomo Vicente

Perciavalle e Jerusa Ternes, que durante o curso

sempre me deram incentivo e me fizeram ver o

verdadeiro sentido da palavra amizade.

A todos os docentes desta Universidade, e em

especial a minha orientadora, Adriana Maria Gomes de

Souza Spengler, que empenharam seu tempo em favor

do aprendizado daqueles que serão os futuros

operadores do Direito.

A todos aqueles que deram a sua valiosa

contribuição de maneira direta ou indireta para a

realização desta pesquisa, sem medir esforços para

que esta se findasse.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho as mulheres vítimas de

violência doméstica no qual prestei atendimento

durante meu estágio.

À Maria da Penha Maia Fernandes, que

transformou seu drama em uma bandeira de luta,

na esperança de conquistar um mundo melhor.

E a todos os meus familiares que sempre

acreditaram e torceram por mim.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), 10 de junho de 2010

Rubia Fernanda Ferreira Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Rubia Fernanda Ferreira, sob o

título Aspectos destacados da Lei nº 11.340/06, foi submetida em 10 de Junho de

2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Adriana Maria

Gomes de Souza Spengler (Orientadora e Presidente da Banca), Maria Fernanda

do Amaral Pereira Gugelmin Girardi (Examinadora) e aprovada com a nota [ ]

([ ]).

Itajaí (SC), 10 de junho de 2010

Adriana Maria Gomes de Souza Spengler Orientadora e Presidente da Banca

Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916 CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002 CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CP Código Penal Art. Artigo Arts. Artigos CAPUT Cabeça do artigo de lei Nº. Número

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias1 que a autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais2.

Violência de gênero:

Conceito que abrange todas as formas de violência praticadas contra a mulher.

Violência física:

Conduta qualquer que ofenda sua integridade ou saúde corporal.

Violência psicológica:

Qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que

lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou

controlar as ações da mulher, bem como seus comportamentos, crenças e

decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,

isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,

ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio

que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Violência sexual:

Conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de

relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da

força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua

sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force

ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,

chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus

direitos sexuais e reprodutivos;

1“Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” In:

PASSOLD, Cesar Luiz. Prática de pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úties para o pesquisador do direito. P. 40.

2“Conceito Operacional [=cop] é uma definição para uma palavra e/ou expressão, com o esejp que

tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos” In: PASSOLD, Cesar Luiz. Prática de pesquisa jurídica: (...), p. 56.

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Violência patrimonial:

Conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos

da mulher, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e

direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas

necessidades;

Violência moral:

Qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

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SUMÁRIO

RESUMO.. ............................................................................................. XI

INTRODUÇÃO......................................................................................2 CAPÍTULO1........................................................................................05 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA LEGISLAÇÃO PENAL PÁTRIA.................................... 05 1.1 HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ......................................... 05 1.2 PERÍODO COLONIAL ........................................................................................ 06 1.2.1 O rigor das punições em geral ...................................................................... 06 1.2.2 O tratamento legal da violência doméstica nas Ordenações Filipinas ..... 11 1.3 PERÍODO IMPERIAL ......................................................................................... 14 1.3.1 O Código Criminal do Império ...................................................................... 14 1.3.2 O tratamento legal da violência doméstica no Código Criminal do Império ..................................................................................................................... 15 1.4 PERÍODO REPUBLICANO ................................................................................ 16 1.4.1 O Código Penal de 1890 ................................................................................ 16 1.4.1.1 O tratamento da violência doméstica no Código Penal de 1890............. 17 1.4.2 A Consolidação das Leis Penais .................................................................. 18 1.4.3 O Código Penal de 1940 ................................................................................ 18 1.4.3.1 O tratamento legal da violência doméstica no Código de 1940 .............. 20 1.4.3.2 A reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940 ................................. 21 1.5 O JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL ................................................................... 25 1.6 A LEI 10.455/02 .................................................................................................. 29 1.7 A LEI 10.778/03 .................................................................................................. 30 1.8 A LEI 10.886/04 .................................................................................................. 31 1.9 A LEI 11.106/05 .................................................................................................. 33

CAPÍTULO 2 ............................................................................................ 35 AS FORMAS DE VIOLÊNCIA AMPARADAS PELA LEI Nº 11.340/06 ..... 35 2.1 O CASO MARIA DA PENHA .............................................................................. 35 2.2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ............................................................................................................... 37 2.2.1 Definição de violência de gênero ................................................................. 38 2.2.2 Definição de violência contra a mulher ........................................................ 40 2.2.3 Definição de violência doméstica e familiar ................................................ 42 2.3 SUJEITOS PASSIVOS E ATIVOS NA LEI 11.340/06 ........................................ 44 2.3.1 Sujeitos passivos ........................................................................................... 44 2.3.2 Sujeitos ativos ................................................................................................ 46 2.4 FORMAS DE VIOLÊNCIA .................................................................................. 47 2.4.1 Violência física ............................................................................................... 49 2.4.2 Violência psicológica ..................................................................................... 50

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2.4.3 Violência sexual ............................................................................................. 51 2.4.4 Violência patrimonial e as causas de isenção do art. 181 do Código Penal ........................................................................................................................ 53 2.4.5 Violência moral ............................................................................................... 55

CAPÍTULO 3 ............................................................................................ 56

ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS DA LEI Nº11.340/06 ......... 56 3.1 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INQUÉRITO POLICIAL APLICADO À LEI Nº 11.340/06 ............................................................................... 56 3.1.1 Considerações acerca das ações penais ..................................................... 60 3.2 RENÚNCIA E RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO .................................... 65 3.2.1 Renúncia ......................................................................................................... 65 3.2.2 Retratação da representação ........................................................................ 66 3.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ART. 16 DA LEI Nº 11.340/06 ......................... 67 3.4 A REPRESENTAÇÃO NO CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE .................. 70 3.5 A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS PROTETIVAS ................................................. 71 3.6 A APLICAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA ....................................................... 74

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................... 80

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RESUMO

O presente trabalho tem como objeto de estudo, aspectos

materiais e processuais da Lei nº 11.340/06. O seu objetivo é a comprovação de

que a partir da Lei nº 11.340/06 existem garantias processuais que asseguram a

proteção da mulher contra um tipo de violência específica, a doméstica. Iniciou-se

com o estudo e a descrição da violência contra a mulher no Brasil, registrando o

processo de afirmação histórica deste tema, para que, finalmente, fossem

estabelecidas garantias para a proteção da mulher. Posteriormente foi dado

enfoque para as formas de violência contra mulher no ordenamento jurídico

pátrio, reforçando a importância de sua discussão no atual contexto social. Em

seguida apresentou-se os aspectos processuais especialmente aplicados nos

casos de violência contra a mulher. Por fim, analisou-se a questão da aplicação

da prisão preventiva e a sua relação com as medidas protetivas preconizadas

pela Lei nº 11.340/06.

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2

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto discorrer sobre

aspectos destacados da Lei nº 11.340/06.

O seu objetivo é abordar os principais tópicos acerca da Lei

11.340/06, tendo como base de estudo o disposto no art. 5º e incisos da referida

lei, com exceção do resultado morte.

O objetivo institucional desta monografia é a obtenção de

título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí -UNIVALI.

O objetivo geral á analisar o campo de atuação da Lei nº

11.340/06, tendo como base de estudo o disposto no art. 5º e incisos da referida

lei, com exceção do resultado morte. Seus objetivos específicos são: a) descrever

a evolução histórica da violência contra a mulher no Brasil; b) analisar e pesquisar

acerca das formas de violência contra mulher no ordenamento jurídico pátrio; c)

Destacar e discorrer sobre os aspectos processuais especialmente aplicados nos

casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da

evolução histórica da violência contra a mulher no ordenamento jurídico – penal

brasileiro, desde o período colonial até os dias atuais no Brasil.

No Capítulo 2, tratar-se-à das formas de violência que a Lei

nº 11.340/06 abrange no contexto jurídico pátrio, bem como das interpretações a

serem destacadas com as inovações contidas de direito material no referido

diploma.

No Capítulo 3, tratar-se-á dos aspectos processuais

destacados na Lei nº 11.340/06, preceituando desde a fase administrativa e suas

atribuições, até os aspectos processuais penais relevantes para a aplicação da

referida lei no tocante à violência doméstica e familiar contra a mulher.

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3

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

acerca da aplicação e das conseqüências materiais e processuais da Lei nº

11.340/06.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

A violência contra a mulher é demonstrada na história,

possuindo conseqüências na evolução de regras que preceituam a proteção da

mulher contra qualquer violência.

As formas de violência dependem de uma interpretação

sistemática da Lei 11.340/06, não devendo ser interpretado sozinho o art. 7º do

referido diploma.

Modernamente, a evolução legislativa no âmbito processual

da violência contra a mulher toma novo rumo, eis que procedimento próprio foi

preconizado.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação3 foi utilizado o Método Indutivo4, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano5, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

3 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

4 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.

5 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

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4

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente6, da Categoria7, do Conceito Operacional8 e da Pesquisa

Bibliográfica9.

6 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.

7 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.

8 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.

9 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

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CAPÍTULO 1

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA LEGISLAÇÃO PENAL PÁTRIA

1.1 HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

O avanço da violência doméstica contra a mulher não é fato

da sociedade moderna. Nesse sentido, SALIBA10 considera que “A violência

contra a mulher não é um ponto isolado na história, mas sim fruto de um processo

cultural da sociedade moderna”.

Conforme relata SCHRAIBER11, a violência afeta mulheres

de todas as idades, raças e classes sociais e tem graves repercussões sociais.

Agravos à saúde física e mental, dificuldades no emprego, na aprendizagem,

riscos de prostituição, uso de drogas e outros comportamentos de risco. Nas

populações de várias partes do mundo, e em diferentes culturas, um grande

número de mulheres relata que já foi agredida física, psicológica ou sexualmente,

pelo menos uma vez na vida.

PARODI12 constata que o problema da violência familiar

apresenta-se como um dos pontos cruciais da desestruturação familiar,

comprometendo o futuro da mulher, do marido e dos filhos do casal. Isso sem

considerar os reflexos negativos sobre a sociedade em geral e o Estado como

ente estatal que deveria ser formado apenas por famílias bem estruturadas.

10

SALIBA, Maurício Gonçalves; SALIBA, Marcelo Gonçalves. Violência doméstica e familiar – Crime e castigo: lei nº. 11.340/06./06. Revista Magister do Direito Penal e Processual Penal, n.12, p. 50-52, Porto Alegre, jun./jul.2006.

11 SCHRAIBER, Lilia Blimer; D’ Oliveira, Ana Flávia Lucas Pires. Violência conta mulheres:

interface com a saúde. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. V3, n.5, 1999. Disponível em: <http://www.interface.org.br/revista5/ensaio1.pdf> Acesso em 21 de novembro de 2009.

12 PARODI, Ana Cecília; GAMA, Ricardo Rodrigues. LEI MARIA DA PENHA – Comentários a Lei

nº. 11.340/2006. ed. Russell, Campinas.2009, 274 p. p. 14-15.

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6

O convívio familiar reclama a criação de inúmeras regras

comportamentais, visando sempre facilitar o exercício de direitos e o cumprimento

de obrigações entre os membros da família.

Segundo PARODI13 a composição da família apresenta-se

como determinante na elaboração de tais regras, uma vez que elas são dirigidas

para os membros da família. Primeiramente, destaquem-se as regras vigorantes

entre o marido e a mulher, depois a regulamentação da vida dos filhos, netos,

sogros, genros, noras etc.

Nesse sentido, apesar da complexidade da vida familiar, as

ditas regras não são geradas pelo poder legislativo familiar, mas pelos pais,

teoricamente em conjunto. É comum o pai encarregar-se de ditar as regras,

funcionando como ente legislativo da família, isso sem deixar de lado a mulher

com a construção e imposição de tantas regras específicas.14

1.2 PERÍODO COLONIAL 1.2.1 O rigor nas punições em geral

Como herança de uma colonização religiosa somada aos

costumes da corte portuguesa, o oitocentismo ou modelo patriarcal, estabeleceu-

se desde o Brasil Colônia, no apogeu de um país agrícola e sem contato com a

cultura de seu tempo.15

Caracterizava-se pelo grande agrupamento de membros de

uma mesma célula, envolvendo, inclusive, os empregados, servos e escravos.

Resquício da Roma Antiga, o casamento era uma relação essencialmente

negocial – a despeito do afeto entre nos nubentes, era arranjado pelos

13

PARODI, Ana Cecília; GAMA, Ricardo Rodrigues. LEI MARIA DA PENHA – Comentários a Lei nº. 11.340/2006. p.16.

14 SCHRAIBER, Lilia Blimer; D’ Oliveira, Ana Flávia Lucas Pires. Violência conta mulheres:

interface com a saúde. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. V3, n.5, 1999. Disponível em: <http://www.interface.org.br/revista5/ensaio1.pdf> Acesso em 21 de novembro de 2009.

15 PARODI, Ana Cecília; GAMA, Ricardo Rodrigues. LEI MARIA DA PENHA – Comentários a Lei

nº. 11.340/2006. p.16.

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7

progenitores, em nome de interesses comerciais e de continuísmos

tradicionalistas; as noivas carregavam consigo seus dotes e passavam a

professar a religião do marido, a qual via de regra era a mesma de sua própria

família, relevados os aspectos de afinidade cultural, conforme aborda PARODI16:

Ainda na esteira da herança histórica, o pater familiae – ou pai de

família –, no “legítimo” exercício do poder patriarcal, detinha

direitos literalmente sobre vida e morte de seus subordinados,

podendo determinar todas as escolhas dos integrantes de sua

casa, em sentido amplo. Vivia-se a era da família – Instituição,

estritamente patrimonializada, cujo regramento jurídico fazia

prevalecer a sua preservação a todo e qualquer custo, a exemplo

do tratamento conferidos as empresas.

À época do descobrimento, estavam vigentes em Portugal

as Ordenações Afonsinas, que foram consideradas pelos seus contemporâneos

como um marco fundamental do direito português. Contudo, verifica-se que as

Ordenações Afonsinas não tiveram nenhuma aplicação no Brasil, pois ainda não

havia aqui nenhum núcleo colonizado.17

No ano de 1521, entraram em vigor as ordenações

manuelinas, que tiveram aplicação pouco significativa, tendo em vista que

somente no ano de 1532 foi fundada a primeira cidade – São Vicente. Entre 1534

e 1536, houve a divisão do território em capitanias hereditárias. Confirma

PIERANGELLI18:

As legislações Afonsinas não chegaram a influir no Brasil,

ressalvadas as disposições que foram enxertadas nas

Ordenações Manuelinas. Estas sim, embora fossem escassos os

agrupamentos, todos localizados na faixa litorânea, chegaram a

ter alguma aplicação no período das capitanias hereditárias, [...]

16

PARODI, Ana Cecília; GAMA, Ricardo Rodrigues. LEI MARIA DA PENHA – Comentários a Lei nº. 11.340/2006. p. 63.

17 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal

brasileiro: parte geral. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 201.

18 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Jalovi,

1980, p.7

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8

ZAFFARONI19 relata que, em 1603, ano em que foram

promulgadas as Ordenações Filipinas, já havia povoados organizados na colônia,

mas somente em 1609 foi organizada a administração da justiça no território

brasileiro, com a criação da Relação da Bahia. Por essas razões, afirma o autor

que o Direito Penal que efetivamente vigorou no Brasil Colônia foi o Livro V das

Ordenações Filipinas.

Neste sentido, PIERANGELLI20 narra a seqüência das

codificações portuguesas que disciplinaram a matéria penal no Brasil:

As normas penais que vigoraram no Brasil a partir do

Descobrimento estão contidas no Livro V das ordenações do

Reino. Nessa época, estavam vigentes em Portugal as

ordenações Afonsinas, cujo texto foi composto por ordem de Dom

João I, tendo os trabalhos sido concluídos no ano de 1446. A

partir de 1521, passam a viger em Portugal e,

consequentemente, no Brasil, as ordenações Manuelinas, fruto

de um trabalho de revisão que durou 26 anos, por ordem de Dom

Manuel, “o Venturoso”. Em 1603, já sob o reinado de Felipe II,

foram publicadas em Portugal as Ordenações Filipinas, fruto de

uma nova estruturação dos códigos anteriores, a qual iniciará por

ordem de Felipe I. Com a restauração da monarquia Portuguesa,

houve a revalidação destas normas no ano de 1643, por Dom

João VI, as quais permaneceram vigentes até o ano de 1830,

com a promulgação do Código Criminal.

Nesse sentido, MARQUES21 comenta acerca das

conseqüências jurídicas das ordenações Afonsinas e Manuelinas novamente

introduzidas em Portugal, possuindo aplicação direta no Brasil, asseverando:

Foram elas o grande código do Brasil colonial, e persistiram em

parte como lei do Brasil independente em longevidade

impressionante e singular. Se, após a restauração da

independência portuguesa, as Ordenações foram confirmadas

por lei de 29 de janeiro de 1643, de El-Rei D. João VI, no Brasil,

19

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 201.

20 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Jalovi,

1980, p.7

21 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. v.I. Campinas: Millennium, 2002, p. 90.

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determinava D. Pedro I, em lei de 20 de outubro de 1823, que as

ditas ordenações ficassem “em inteiro vigor na parte em que não

tivessem sido revogadas, para por elas se regularem os negócios

do interior do império”.

Ressalta-se, que os referidos autores, que tratam sobre a

legislação penal no livro V das Ordenações Filipinas referem-se de maneira única

às crueldades, barbáries que eram legitimadas pelo referido diploma à época

aplicado. Nesse sentido, ZAFFARONI22 comenta:

[...] era um misto de despotismo e de beatice, uma legislação

híbrida e feroz, inspirada em falsas idéias religiosas e políticas,

que, [...] confundia o crime com o pecado, e absorvia o individuo

no Estado fazendo dele um instrumento. Ma previsão de conter

os maus pelo terror, a lei não media a pena pela gravidade da

culpa; [...] Assim, a pena capital era aplicada com mão larga;

abundavam as penas infamantes, como o açoite, a marca de

fogo, as galés, e com a mesma severidade com que se punia a

heresia, a blasfêmia, a apostasia e a feitiçaria, eram castigados

os que, sem licença de EL-Rei e dos Prelados, benziam cães e

bichos, e os que penetravam nos mosteiros para tirar freiras e

pernoitar com elas. [...] A este acervo de monstruosidade outras

se cumulavam: a aberrância da pena, o confisco dos bens, a

transmissibilidade da infâmia do crime.

Mas as descrições acerca da rigidez das punições e dos

abusos cometidos ultrapassam os limites legais e da condição da dignidade

humana, relatando MARQUES23:

[...] de todos é sabido o rigor e iniqüidade do livro V das

Ordenações. O legislador ali só teve em vista conter os homens

por meio de terror, [...]. Penas crudelíssimas eram cominadas a

infrações muitas vezes sem maior importância. E o catálogo de

delitos era tão extenso que um rei africano estranhou, ao lhe

serem lidas as Ordenações, que nelas não contivesse pena para

quem andasse descalço.

22

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 201.

23 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. p. 90.

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Outro aspecto relevante a ser ressaltado é a desigualdade

no tratamento de pessoas perante a lei, na qual configuravam-se privilégios ou

punições conforme a posição social do agente ou da vítima. Nesse sentido, é o

que registra FALCONI24:

[...] o fato criminoso era considerado mais em razão do agente,

ativo e passivo, do que como circunstância de desequilíbrio

social. Assim, quanto mais importante fosse a vitima, maior seria

o risco da pena contra o criminoso. Doutra parte, quanto mais

importante fosse o criminoso, maiores as chances da

impunidade. Havia, até mesmo, condutas que eram “crimes” para

alguns, não sendo para outros.

Nesse viés, DOTTI25 considera acerca das penas desiguais,

de maneira a prevalecer preponderantemente a arbitrariedade na aplicação da

pena, sem mesmo esclarecer qual o fundamento aplicado a determinado caso,

que, por ventura, viesse a embasar o motivo da sanção e do cumprimento da

pena imposta, asseverando:

As Ordenações Filipinas [...] desvendaram durante dois séculos a

face negra do Direito penal. Contra os hereges, apóstatas,

feiticeiros, blasfemos, benzedores de cães e demais bichos, sem

autorização do rei, e muitos outros tipos pitorescos de autores,

eram impostas as mais variadas formas de suplícios com a

execução das penas de morte, de mutilação e da perda da

liberdade, além das mediadas infamantes. Mas, em contraste

com uma tipologia de agentes marcada por ferro em brasa,

existiam as categorias privilegiadas de sujeitos que gozavam de

imunidade ou especial tratamento punitivo: fidalgos, cavalheiros,

desembargadores, escudeiros, etc.

Conforme exposto, observa-se que não era utilizado o

principio da legalidade (nullum crimen nulla poena sine lege) pelos legisladores,

existindo apenas a aplicação da lei para alguns delitos sendo estes chamados de

“pena crime arbitrária”, que era aplicada pelo julgador conforme lhe parecesse

24

FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. São Paulo: Ícone, 2002. p.56.

25 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro. Forense, 2005.

p. 182.

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razoável.26 Assim, era esse o contexto jurídico da época, devendo-se passar para

a verificação da dispensa do tratamento pela lei aos atos violentos praticados

contra a mulher durante o período.

1.2.2 O tratamento legal da violência doméstica nas Ordenações Filipinas.

Encontram-se no livro V das Ordenações Filipinas exemplos

veementes do poder que o homem tinha sobre a mulher, poder este que se

caracterizava pela posse ampla de seu corpo e pela sujeição da mulher ao arbítrio

do pai, do irmão, do marido etc. Desta forma, o homem tinha o direito legitimo

garantido pela lei, de castigar a sua mulher, desde que, para isso, não utilizasse

arma, conforme o Título XXXVI do referido diploma:

Das penas dos que matão, ferem ou tirão ara de corte. [sic]

[...] E estas penas não haverão lugar no que tirar arma, ou ferir

em defensão de seu corpo e vida, nem nos escravos captivos

que, com páo, ou pedra ferirem, nem na pessoa, que for de

menos idade de quinze annos, que sem qualquer arma ferir, ou

matar, ora seja captivo, ora fôrro [...], nem em quem castigar

criado, ou discípulo, ou sua mulher, ou seu filho, ou seu scravo

[...].

Porém, se em castigando ferirem com arma, não serão relevados

das ditas penas. (grifo nosso).

O cometimento de adultério pela mulher dava ao marido o

direito de matá-la, assim como ao adúltero, conforme o título XXXVIII.

Do que matou sua mulher, pola achar em adultério, licitamente

poderá matar assim a ella, como o adultero, salvo se o marido for

peão e o adutero Fidalgo, ou nosso Dezembargador, ou pessoa

de maior qualidade. Porém, quando matasse alguma das

sobreditas pessoas, achando-a como sua mulher em adultério,

não morrerá por isso, mas será degradado para África [...].

E não somente poderá o marido matar a sua mulher e o adultero,

que achar com ella em adultério, mas ainda os póde licitamente

26

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 199.

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matar, sendo certo que lhe cometerão adultério, per prova licita e

bastante conforme a direito, será livre sem pena alguma [...].

O artigo citado é corolário da desigualdade de tratamento

entre as pessoas, pois conferia flagrante diferença entre peões e fidalgos. E ainda

deixava claro que o marido não precisava constatar a flagrância do “crime”: se

estava autorizado a matar a adultera e o adultero, salvo se este possuísse

qualidade social superior a do marido traído (“Fidalgo, nosso desembargador ou

pessoa de maior qualidade”).

Para PIERANGELLI27 a lei era abrangente ao ponto de

obrigar o homem a matar sua mulher, pelo ato de infidelidade, tendo em vista que

não era permitido ao marido perdoar sua esposa nestas condições, conforme o

titulo XXV, §9:

Do que dorme com mulher casada:

[...] e sendo provado, que algum homem consentio a sua mulher,

que lhe fizesse adultério, serão elle e ella açoutados com senhas

capellas de cornos, e degradados para o Brazil, e o adultero será

degradado para África, sem embargo de o marido lhe querer

perdoar.

O mesmo livro ainda estabelecia diferença exorbitante em

relação ao adultério cometido pelo homem: este seria punido apenas se

possuísse uma amante, não fazendo a lei nenhuma referência em casos de

infidelidade esporádica. E ai além: nestes casos, o homem sofria apenas o

degredo e penas pecuniárias, enquanto à “barregã” eram infligidas penas de

“açoute pela Villa com baraço e pregão”, degrado e penas pecuniárias, conforme

o título XXVIII: Dos barregueiros casados e de suas barregãas.

Em relação à violência sexual, não havia distinção se o

homem “dormisse per força” com a mulher se ela fosse familiar, ou estranha, ou

escrava, ou criada, conforme o Titulo XVIII.

27

PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Jalovi, 1980, p.42.

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Ainda, segundo o Titulo XVII [sic], se o homem “dormisse

com parentes ou affins”, ambos seriam condenados à fogueira e “feitos per fogo

em pó”. As penas para esses crimes variavam, conforme grau de parentesco,

desde a fogueira, a “morte natural”, o degredo para África ou Brazil, cada um para

“differentes capitanias” e para Castro Marim, até o “baraço e pregão”, além do

perdimento de bens para a Coroa. A única ressalva para vítima de violência

sexual doméstica era no caso de ela ser menor de treze anos ou se viesse “logo

queixar e descobrir às Justiças”. Nestes casos, seria ela “relevada de todas as

penas, que pelo dito crime poderia merecer”.

Em um contexto social em que a mulher vivia atrelada à

autoridade do pai, do irmão, do marido ou daquele que lhe provesse o sustento,

questiona-se a possibilidade real de a vítima reagir ou negar-se diante do

comportamento do agressor.

Assim, observa-se que a mulher que sofresse abusos

sexuais dentro do ambiente doméstico, além de não ser considerada como vítima,

era elevada a categoria de agente do delito, sofrendo as mesmas penas que o

seu agressor, a menos que, contrariando o poder patriarcal, se expusesse ao

arbítrio da (in) justiça, numa época em que a mulher era “demonizada”, vista

como culpada pelo desejo lascivo do homem, verdadeira encarnação da tentação,

à qual tinha o homem que resistir a qualquer custo.

Acerca da situação social da mulher na Idade média,

Porto28 observa:

Nesta era, a mulher foi muito vitimizada, não apenas pelo homem

– marido, pai e irmãos – como ainda pelas religiões, pois, sobre

sua natureza feminina, tida como o portal dos pecados, muitas

vezes pesaram acusações de bruxaria e hermetismos heréticos

que as levaram a tortura e a fogueira.

O mesmo autor salienta que não obstante a igualdade

pregada por Paulo de Tarso na Epistola aos Gálatas, onde declamava que diante

28

PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência domestica e familiar contra a mulher. lei 11.340/06 – analise critica e sistêmica. São Paulo: Livraria do Advogado, 2007. p.14.

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da comum filiação divina “já não há nem judeu nem grego, nem escravo nem livre,

nem homem nem mulher”, a mensagem cristã não conseguiu combater a

desigualdade, tendo em vista que na sociedade medieval valia o argumento de

que esta igualdade entre homens ocorria no plano sobrenatural, verificando-se

após a morte.

Não foi encontrada, na pesquisa sobre a legislação penal do

período colonial, nenhuma referência aos conceitos “violência de gênero”,

“violência doméstica” e “violência contra a mulher”, em tampouco qualquer

disposição legal que conferisse proteção à mulher em face de qualquer tipo de ato

violento no ambiente doméstico ou em razão de convivência familiar ou afim.

1.3 PERÍODO IMPERIAL 1.3.1 O Código Criminal do Império

O Brasil se tornou independente de Portugal no ano de

1822. Contudo, conforme informa FALCONI, a antiga legislação penal do Império

não foi revogada imediatamente: O artigo 179, §18, da Constituição de 1824,

impôs a organização de “um Código Criminal, fundado nas sólidas bases da

justiça e da equidade”. Conforme se citou anteriormente esta mudança somente

veio a ocorrer em 1830, na data de 16 de dezembro, com a promulgação do

Código Criminal do Império.

Para FALCONI29, o novo diploma penal foi “calcado quase

que exclusivamente nos padrões da Revolução Francesa, que era a grande

coqueluche da época”.

PIERANGELLI30 ainda assinala que o Diploma teve fortes

influências das idéias iluministas e foi considerado uma grande inovação

legislativa, exercendo influência sobre as posteriores codificações penais de

vários países da América Latina.

29

FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. São Paulo: Ícone, 2002. p.56.

30 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. Bauru: Jalovi,

1980, p.7

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15

MARQUES31 registra que o estatuto criminal de 1830 “foi,

na América Latina, o primeiro Código Penal independente e autônomo,

efetivamente nacional e próprio; a sua influência sobre a legislação espanhola e,

através desta, sobre a dos países latino-americanos, foi forte e acentuada”.

1.3.2 O tratamento legal da violência doméstica no Código Criminal do Império

Neste diploma, desapareceu a nefasta previsão legal que

permitia ao homem castigar fisicamente a mulher. Com relação ao crime de

adultério, também desapareceu a permissão que era dada ao marido traído de

matar a adúltera e o adúltero. Contudo, continuou a diferenciação: o artigo 250 do

referido Código estabelecia que, para que a mulher sofresse as penas do crime

adultério, bastava que cometesse um episódio de infidelidade isolado, enquanto

ao homem eram aplicadas as penas somente se tivesse “concubina, teúda e

manteúda”. Surgiu, no artigo 16, §6º, uma “circunstância agravante” que podia dar

ensejo à majoração da pena no caso da violência perpetrada contra pessoa que

estivesse sem condições de reagir à altura da agressão: “§6º. Haver no

delinqüente [sic] superioridade em sexo, forças ou armas de maneira que o

offendido não pudesse defender-se com probabilidade de repelir a ofensa”.

No que tange a violência sexual, no caso do crime de

estupro, previsto no artigo 219, a pena era dobrada se aquele que cometesse o

estupro tivesse e seu poder ou guarda a “deflorada”, conforme artigo 220 do

mesmo diploma. Desse modo, verificou nenhuma referência com relação aos

termos “violência de gênero, violência doméstica ou violência contra a mulher”. Os

crimes relacionados a lesão corporal (ferimentos) tinha tratamento genérico.

31

MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. p. 96.

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1.4 PERÍODO REPUBLICANO 1.4.1 O Código Penal de 1890

Com a abolição da escravatura, no ano de 1888, a

legislação penal pátria sofreu diversas alterações, as quais geraram a

necessidade de revisão das normas penais vigentes.

Por ocasião da Proclamação da República, em 1889, foram

interrompidos os trabalhos de revisão já iniciados, sendo retomados por ordem de

Campos Sales, à época Ministro da Justiça do governo provisório; a 11 de

outubro de 1890, foi promulgado o Código Penal Brasileiro, chamado “Código

Penal de 1890”, com vacatio legis de seis meses, comentando MARQUES32 que a

obra recebeu fortes críticas de diversos juristas, tendo sido apresentado à câmara

de Deputados um projeto de reforma já no ano de 1893 (apenas três anos após a

sua promulgação).

Neste sentido, é o que registra FALCONI33:

Foi o pior de tantos outros quantos tenhamos tido, somente tendo

sido aprovado por razões políticas do momento. È que, com o

advento da Proclamação da República, havia necessidade

premente de cambiar o sistema normativo, evitando, assim, que o

movimento republicano se transformasse em um “golpe de

Estado”, que é muito diferente de uma verdadeira revolução, No

primeiro caso, trocam-se os governantes; no segundo, trovam-se

as leis [...] De tão fraco que era, já em 1893 havia em

desenvolvimento o Projeto “Vieira Araújo”.

PIERANGELLI34 lembra que o Diploma, apesar da profunda

desaprovação e das idéias reformistas dos juristas da época, recebeu, aos

poucos, na tentativa de sanarem-se os seus defeitos e lacunas, alterações e

adiantamentos através de leis esparsas , que passaram por uma compilação.

32

MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. p .126.

33 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. São Paulo: Ícone, 2002. p.61.

34 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 10.

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Esse corpo de dispositivos passou, já no governo de Getúlio Vargas, a se chamar

Consolidação das Leis Penais.

1.4.1.1 O tratamento da violência doméstica no Código Penal de 1890

No código Penal de 1890, verificou-se que o adultério

continuava a ter o mesmo tratamento dado pela legislação anterior (artigos 279,

280 e 281). Foi mantida, como circunstância agravante, a “superioridade em sexo,

força ou armas”, conforme artigo 39, §5º.

O parágrafo 9º do mesmo artigo trouxe uma inovação, ao

estabelecer como agravante a circunstância de a vítima ser o “ascendente,

descendente, cônjuge, mestre, discípulo, tutelado, amo, doméstico, ou de

qualquer maneira legítimo superior ou inferior do agente”35, indicando,

implicitamente, circunstâncias de relação de convivência doméstica entre vítima e

o agressor. Os crimes de violência carnal (artigos 266, 267 e 268 – atentado

violento ao pudor e estupro) e rapto (artigo 270), tinha suas penas aumentadas se

houvesse entre o agente e a vítima relações familiares ou domésticas.36

Assim, das inovações demonstradas historicamente na

legislação penal em análise, não encontrou-se no corpo de seus dispositivos

nenhuma menção aos vocábulos “violência do gênero”, “violência doméstica” ou,

ainda, “violência contra a mulher”, entretanto, percebe-se claramente a evolução

legislativa desde os primórdios até o tratamento penal da matéria no Código

Penal de 1890, pois o mens legis37 à época objetivava justamente construir uma

proteção jurídica, para a família, incluindo-se nesse contexto a mulher, ainda que

não fosse expresso no texto legal.38

35

PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 273.

36 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 299 -300.

37 Intenção do legislador.

38 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 299 -300.

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1.4.2 A Consolidação das Leis Penais

Entre 1932 e 1940, passou a Vigorar a Consolidação das

Leis penais, que segundo FALCONI39, tratou-se de uma mera união legislativa,

sendo assim, não criando nenhuma inovação para o mundo jurídico da época.

Nesse sentido, salienta o autor:

[...] essa miscelânea que foi a Consolidação da Lei Penal [sic],

que não tinha estrutura de lei, pois era apenas uma obra feita

para pesquisadores, a nível de direito comparado, [...], e não para

aplicação como se lei fosse.

Desse modo, devido à aplicabilidade do referido diploma, e

diante da necessidade de criar mecanismos penais de maior eficácia, criou-se um

Código Penal propriamente dito, vigendo a Consolidação das Leis por apenas oito

anos, sendo, em seguida, substituída pelo Código Penal de 1940.

1.4.3 O Código Penal de 1940

A partir da instauração do Estado Novo, em 1937, começam

os trabalhos de elaboração de um anteprojeto de código penal, o qual foi

sancionado em 1940, tendo entrado em vigor em 1942. O código está em vigor

até hoje. Conforme informa Marques: “as qualidades, no vigente estatuto penal,

superam seus defeitos. [...] é obra que honra nossa cultura jurídica e que já tem

merecido boas referencias e lisonjeiros qualitativos da critica estrangeira”. Nesse

sentido, salienta PIERANGELLI40:

O Código de 1940 possui defeitos, como não poderia deixar de

ocorrer, os quais foram demonstrados durante os seus trinta e

sete anos de aplicação. Verdade, porém, é que constitui obra que

enaltece a cultura jurídica de nosso país e tem merecido

elogiosas referências da crítica estrangeira.

39

FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. São Paulo: Ícone, 2002. p.64.

40 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. p. 10.

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Digna de evidencia é a nova estruturação trazida pelo

referido diploma. Segundo Bittencourt41, os códigos anteriores revelavam a

“proeminência do Estado sobre a pessoa”, tendo em vista que na ordem de

disposição dos tipos penais, os crimes contra o Estado ocupavam o início da

Parte Especial. Somente com a promulgação do código de 1940, os crimes

contra a pessoa passavam a ocupar o início do livro, recebendo, assim, a vida, a

merecida proeminência como bem jurídico. Enfim, notadamente, o legislador

passou a considerar o ser humano “como o epicentro do ordenamento jurídico,

atribuindo a pessoa humana posição destacada na tutela que o Direito penal

pretende exercer”.

Acerca da ordem ocupada pelos tipos penais, MIRABETE42

observa que a Parte Especial do atual Código Penal “está sistematizada de

acordo com a natureza do objeto jurídico tutelado pelos tipos penais”. Assim,

passou o bem jurídico vida a ser reconhecido pelo legislador penal como o bem

mais importante a ser tutelado pelo Estado.

No ano de 1969, durante o governo de Jânio Quadros, foi

convertido em lei um novo projeto de código penal, que entraria em vigor em

1970. Contudo, sua vigência foi sendo prorrogada, até ser expressamente

revogada em 1978 pelo governo Geisel.

FALCONI43 comenta os possíveis motivos da não vigência

do estatuto de 1969:

Não chegou a entrar em vigor, pois sofreu o maior “vacatio legis”

de que se tem conhecimento sendo revogado, antes mesmo de

entrar em vigor, em 1977. Tendo sido encomendado em 1963, no

governo Jango, como poderia entrar em vigor nos governos

seguintes.

41

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2003. p.31.

42 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal:parte especial. São Paulo: Atlas, 2005. p.

41.

43 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. p. 65.

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20

O autor faz menção ao fato de que os governos militares

que tomaram o país em 1964 jamais dariam vigência a um diploma penal talhado

segundo uma ideologia política diametralmente oposta aquela que se impôs

durante os anos da ditadura.

Deste modo, a violência contra a mulher foi sofrendo

diferentes tratamentos legais até a promulgação do Código Penal de 1940, o que

será tratado a seguir.

1.4.3.1 O tratamento legal da violência doméstica no Código de 1940

O código trouxe algumas inovações no tratamento aos

crimes que envolvam a mulher, conforme se extrai do item 77 da Exposição de

Motivos do Projeto de Código penal:

O exclusivismo da recíproca posso sexual dos cônjuges é

condição de disciplina, harmonia e continuidade do núcleo

familiar. [...] uma notável inovação contem o projeto: para que se

configure adultério do marido, não é necessário que tenha e

mantenha concubina, bastando, tal como no adultério da mulher,

a simples infidelidade conjugal.

Observa-se, pela primeira vez, o termo relações

domésticas, inserido na Parte Geral, no artigo 44, entre as circunstâncias

agravantes:

Art. 44 – São circunstâncias que sempre agravam a pena,

quando não constituem ou qualificam o crime:

II – ter agente cometido o crime:

g) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações

domésticas, de coabitação ou de hospitalidade;

O artigo 48 trouxe como circunstâncias atenuantes o

motivo de relevante valor social ou moral e a influência de violenta emoção,

provocada por ato injusto da vítima. E, no crime de homicídio (artigo 121),

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21

encontra-se como casos de diminuição de pena expressões semelhantes às

atenuantes acima descritas44:

Art. 121 – Matar alguém: Pena – reclusão, de seis e vinte anos.

Caso de diminuição de pena: §1º - se o agente comete o crime

impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob

domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta

provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a

um terço.

Novamente, no artigo 129 § 4º (crime de lesão corporal),

encontram-se descritas, como causas de diminuição de pena, as circunstâncias

previstas no artigo supracitado.

É corriqueira a aceitação, ainda hoje, em nosso meio

jurídico, da utilização equivocada destas circunstâncias pelos homens (maridos,

namorados, companheiros) como justificava para o cometimento de crimes

(homicídios, lesões corporais etc.) contra suas mulheres, sob as mais diversas

alegações, entre elas a infidelidade.

1.4.3.2 A reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940

No ano de 1984, uma substancial modificação foi operada

com a reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940, através da Lei nº. 7.209,

de 11 de julho de 1984, a qual subsiste até hoje. Contudo, não foi observada

nenhuma modificação que contemplasse inserção dos termos “violência de

gênero”, “violência doméstica” ou “violência contra a mulher” na descrição de um

tipo penal que viesse a dar proteção específica à mulher vítima de violência

doméstica.

Isso apesar de, desde a década de 70, conforme observa

SABADELL45, os movimentos feministas buscarem a conscientização dos

44

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal:parte especial. São Paulo: Atlas, 2005. p. 32.

45 SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos

fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2005.

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22

diversos setores da sociedade, a fim de erradicar a violência doméstica contra a

mulher. Esses movimentos consideravam que a violência doméstica, apesar de

ocorrer no âmbito privado, é um problema social; por isso, passaram a reivindicar

o seu tratamento político, exigindo uma atuação efetiva do poder público:

As feministas indicaram que a violência doméstica, apesar se

ocorrer no âmbito privado, é um problema social geral, e

reivindicaram sua politização, considerando-a como problema

público (o privado é político), revelando, desde modo, “a violência

da privacidade”, que reproduz a subordinação das mulheres, e

observando que a “retórica da privacidade permite mascarar a

desigualdade e a subordinação”.

A referida autora informa que o debate sobre o tema

enfrentou resistência até por parte de alguns grupos feministas, que preferiam

tratar de todas as formas de violência decorrentes do patriarcado, numa analise

mais abrangente sobre os “sutis e difusos mecanismos de dominação masculina”,

sob a alegação de que “a violência física, salvo o caso de estupro, não constituía

um problema central para as mulheres”. Contudo, como observa, que “não

obstante o desinteresse inicial e uma certa resistência ao tema, a problemática da

violência domestica adquiriu visibilidade particular por meio da pratica política dos

movimentos de mulheres que eclodiram neste período”.46

Desses debates resultou um conceito de violência

doméstica tendente a ser ampliado, que passou a considerar, além da violência

física, a violência emocional e psíquica. A autora observa que:

No fim da década de 80, ampliou-se a discussão sobre violência

doméstica, com a introdução do tema na esfera do direito interno

e do direito internacional. [...] Por detrás da [...] eleição do termo

ampliar, oculta-se um árduo debate sobre a construção do

conceito de violência doméstica.

As diversas conceituações propostas muitas vezes

estenderam demasiadamente o conceito, dando margem a interpretações

46

SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2005.

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23

errôneas e tendentes à manutenção da impunidade, pois dificultam ao legislador

definir as condutas a serem criminalizadas. Segundo SABADELL47:

[...] a tendência à ampliação do conceito levou à inclusão de

todas as formas de violência que pode ocorrer no âmbito das

relações familiares, encontrando-se, nos anos de 1990, autores

que propunham abarcar ao conceito as agressões entre vizinhos

e amigos.

Em 1985 surgiu no Estado de São Paulo a primeira

delegacia da Mulher a passarem a funcionar as primeiras casas de abrigo para

vítimas de violência doméstica. A seguir, com a promulgação da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro passou

a considerar a violência doméstica como um problema a ser tutelado pelo Estado,

conforme previsto no artigo 226, § 8º48 da Carta Magna. Apesar deste avanço, a

legislação penal não foi modificada de maneira imediata, continuando a demanda

a ser ignorada pelo legislador, conforme observa SABADELL49:

A análise feminista desvendou que os princípios constitucionais

que estruturaram e legitimam o discurso jurídico carecem de

eficácia social, visto que, em todos os níveis da atividade jurídica

(legislação, dogmática, aplicação do direito), podem ser

identificados elementos que reproduzem a discriminação da

mulher, o que contraria as promessas de liberdade e igualdade.

47

SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2005.

48 Art.226. A família, base da sociedade tem especial proteção do

Estado.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência á família na pessoa de

cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a

violência no âmbito de suas relações.

49 SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos

fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2005.

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24

CONTI50, ao propor a adoção de uma lei específica para a

violência doméstica, confirma o descaso em relação ao mandamento

constitucional:

Estas normas não estão sendo efetivamente cumpridas. A

legislação brasileira vigente não prevê tratamento específico para

os casos de violência doméstica. Estas causas vão para a “vala

comum” dos crimes em geral, recebendo o mesmo tratamento

dispensado para os demais ilícitos penais.

Em 1994, o Brasil assinou a convenção de Belém do Pará,

tendo feito o depósito de ratificação em novembro de 1995. O instrumento

reconheceu em seu preâmbulo que a violência contra a mulher constitui violação

dos direitos humanos e das liberdades fundamentais das mulheres. E estabeleceu

aos Estados signatários deveres constantes no art. 7º e seguintes do referido

diploma, assumindo os mesmos responsabilidades na criação de medidas

próprias que venham a proteger a mulher de qualquer tipo de violência.

Destaca-se também no texto da Convenção, a previsão de

pessoa ou entidade não governamental apresentar denúncia ou queixa acerca de

violação cometida por um Estado Parte:

Artigo 12. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer

entidade não-governamental juridicamente reconhecida em um

ou mais Estados membros da Organização, poderá apresentar à

Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições

referentes a denúncias ou queixas de violação no artigo 7 desta

Convenção por um Estado Parte, devendo a comissão considerar

tais petições de acordo com as normas e procedimentos

estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos

e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de

Direitos Humanos, para a apresentação e consideração de

petições.

Apesar de o Brasil ter se comprometido internacionalmente

através deste instrumento, não se articulou uma resposta adequada ao problema

da violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei 9.099/95, que instituiu os

50

CONTI, José Mauricio. Violência domestica. Proposta para elaboração de lei própria e criação de varas especializadas. Jus Navigandi. Teresina, ano 6, n 56, mar. 2002. Disponível em: <http:// jus2.uol.com,Br/doutrina/texto.asp?id=2785>. Acesso em 21 de nov. de 2009.

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25

Juizados Especiais Civis e Criminais, poderia ter sido um instrumento jurídico

eficaz, mas não logrou êxito na prática, como se verá adiante.

1.5 O JUÍZADO ESPECIAL CRIMINAL

Após a entrada em vigor Lei Federal 9.099/95, ficou

estabelecido a competência da União a aos Estados criarem por lei, os Juizados

especiais Cíveis e Criminais no Distrito Federal, Territórios e Estados. Isso ocorre

do art. 98, I, da Constituição Federal, e também dos arts. 1º, 93 e 95 da Lei

9.099/95.

Daí, portanto se conclui pela obrigatoriedade da edição da

Lei Estadual para sua criação. Nesse sentido, MIRABETE51 enfatiza que:

Cabe aos Estados a criação dos Juizados Especiais Criminais

com competência para processar e julgar as infrações penais de

menor potencial ofensivo. De acordo com o art. 24, XI, da

Constituição Federal, pode a lei Estadual dispor,

concorrentemente com a União, sobre procedimentos em matéria

processual, ou seja, desdobrar os princípios ou diretrizes inscritas

na Lei 9.099/95. Assim, por exemplo, poderá criar medidas

judiciais expeditas, estabelecer formas de realização de

intimações (art. 67), prever os requisitos do termo

circunstanciado, estabelecer número máximo de testemunhas a

serem ouvidas e tempo para alegações na audiência de instrução

e julgamento.

No ano de 1995 (mais de um ano após a assinatura da

Convenção de Belém do Pará), entrou em vigor a Lei 9.099/05. O diploma

inaugurou o conceito de delito de menor potencial ofensivo, assim considerando

os crimes sancionados com pena privativa de liberdade não superior a dois anos.

Desta forma, os crimes de lesão corporal leve em geral passaram a ser tratados

como delitos de menor potencial ofensivo, dando ensejo a aplicação de normas

51

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 2005. p. 57.

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26

processuais penais, procedimentais e relativas à execução da pena diferenciadas.

Um dos objetivos da Lei 9.099/05, segundo SABADELL52, é:

[...] oferecer melhores soluções aos conflitos sociais causados

pela pratica delitiva, prevendo o emprego de procedimentos mais

ágeis para os crimes definidos como de menor potencial ofensivo.

Dentre estes procedimentos, destaca-se a possibilidade de

conciliação entre vítima e agressor (transação penal) e,

finalmente, a suspensão condicional do processo, desvinculando-

se, assim, da aplicação da pena privativa de liberdade.

A criação de juízos especiais conforme relata DIAS53 para

julgamento de delitos menores foi determinada pela Constituição Federal. A Lei

dos Juizados Especiais veio dar efetividade ao comando constitucional e

significou verdadeira revolução no sistema processual penal brasileiro. A criação

de medidas despenalizadoras, a adoção de um rito sumaríssimo, a possibilidade

de aplicação da pena mesmo antes do oferecimento da acusação e sem

discussão da culpabilidade , agilizaram o julgamento dos crimes considerados de

pequeno potencial ofensivo. Com isso a justiça desafogou-se, ganhou celeridade

e diminuiu a ocorrência de prescrição, emprestando maior credibilidade ao Poder

Judiciário.

Tendo em vista que o requisito para o enquadramento do

delito na Lei 9.099/95 é a pena privativa de liberdade cominada ao delito não ser

superior a dois anos, os crimes de lesão corporal em geral passarem a ser

processados e julgados nos juizados especiais criminais, inclusive aqueles

praticados com violência contra a mulher no ambiente doméstico. Por absoluta

falta de previsão legal especificada para esses casos, as normas

52

SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2005.

53 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. 2 tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. 160 p. p. 16.

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27

“despenalizadoras” previstas pelo diploma passarem a reger a maior parte destes

conflitos, ainda que inadequadamente, conforme aduz SABADELL54:

No que se refere à problemática das mulheres, uma parte

significativa dos casos atendidos pelas delegacias da mulher

referem-se aos crimes de lesão corporal leve e ameaça,

castigados com penas inferiores a dois anos, o que leva

aplicação da Lei 9.099/95.

CAMPOS55 constata a absoluta incompatibilidade entre a

Lei 9.099/95 e a referida Convenção no tocante a violência contra a mulher:

[...] a Lei 9.099/95 está em completa dissonância com os

instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos

das mulheres, em especial com a Convenção de Belém do Pará,

notadamente pela ausência de medidas que garantam sua

integridade física e emocional. [...] não compreendeu a natureza

diferenciada da violência doméstica. Essa (in)compreensão

jurídica tem como conseqüência a banalidade da violência de

gênero.

SABADELL56 observa que a Lei 9.099/95 sofreu críticas

desde o início de sua vigência e que as pesquisas acerca da efetividade da norma

revelavam contradições dignas de nota:

[...] primeiro, a falta de eficácia das normas penais em caso de

violência doméstica com a interrupção do processo ainda em sua

fase preliminar [...], algo que é considerado, por muitas

feministas, como indicativo da banalização do conflito. Segundo,

o aumento expressivo de denúncias de violência doméstica nas

delegacias da mulher a partir da entrada dessa norma em vigor.

54

SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2005.

55 CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Violência domestica e juizados especiais

criminais: análise desde o feminismo e o garantismo. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, n. 19, p.53 a 65, jul/set. 2005.

56 SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos

fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2005.

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28

CONTI57 ressalta as mesmas contradições, ao afirmar que a

Lei 9.099/95 acabou gerando efeitos positivos e também negativos. Entre os

efeitos positivos, destaca-se:

[...] a possibilidade de realização de acordos que evitaram a

punição do agressor, o que permite sua recuperação sem se

sujeitar as penas severas, como a privação da liberdade, que

muitas vezes acabava por prejudicar a própria família do

agressor, aumentava a litigiosidade entre as partes e dificultava

uma desejável reconciliação e recuperação no infrator”.

E em seguida, observa a falta de efetividade da referida lei

nos casos em que havia a necessidade de ma atuação mais rígida do Estado:

[...] este diploma legal, na tentativa de dar maior agilidade e

eficiência a Justiça, [...], ao mesmo tempo que produziu os

resultados esperados em várias situações, gerou efeitos

colaterais perversos. O agressor passou a se beneficiar de uma

legislação mais tolerante e, com isto, viu-se aumentar a

dificuldade para puni-lo com severidade e afastá-lo do convívio

familiar, em casos nos quais esta seria a solução adequada.

SOUZA58, por sua vez, comenta a acerca da falta de

efetividade da referida lei, observando:

A Lei 9.099/95, [...], imbuída das melhores intenções do legislador

naquele momento, teve o sentido de agilizar a atuação judicial,

reduzir conflitos judicializados, estimular as composições

amigáveis e aliviar o sistema penitenciário, mas acabou por se

revelar um instrumento de impunidade nos caos de violência

doméstica [...].

CAMPOS59, também critica a aplicação da Lei 9.099/95 aos

casos de violência contra a mulher:

57

CONTI, José Mauricio. Violência domestica. Proposta para elaboração de lei própria e criação de varas especializadas. Jus Navigandi. Teresina, ano 6, n 56, mar. 2002. Disponível em: <http:// jus2.uol.com,Br/doutrina/texto.asp?id=2785>. Acesso em 21 de nov. de 2009.

58 SOUZA, Sergio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher: lei

Maria da Penha 11.340/2006. Curitiba: Juruá, 2007. p. 14.

59 CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Violência domestica e juizados especiais

criminais: analise desde o feminismo e o garantismo. Revista de Estudos Criminais.

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29

A lei como de menor potencial ofensivo os crimes cuja pena

máxima não ultrapasse dois anos. Assim, potencialidade da

ofensa é medida pela quantidade de pena cominada. O critério

adotado pela lei desrespeita a valoração normativa do bem

jurídico tutelado e, se aplicada indistintamente aos casos de

violência conjugal, implica a negação da tutela jurídica os direitos

fundamentais das mulheres.

Em seguida, observa que a categoria “não incorpora o

comprometimento emocional e psicológico e os danos morais advindos de relação

marcada pela habitualidade de violência” e conclui como “pejorativa” a adjetivação

da violência doméstica como crime de menor potencial ofensivo:

[...] ao não ser utilizado o critério do bem jurídico [...], para definir

quais seriam os crimes de menor potencial ofensivo, [...] foram

criadas situações absolutamente paradoxais, como é o caso de

adjetivar a maioria doa casos de violência doméstica como

“crimes menores”.

Verifica-se que a Lei dos Juizados Especiais foi duramente

criticada pelos aplicadores do Direito em relação à sua limitação em resolver a

violência doméstica, pois abordou de forma indistinta situações totalmente

específicas. A Lei 10.455/02 trouxe uma tentativa de dar um tratamento

processual mais adequado aos casos que envolviam violência doméstica, como

se trata a lume a seguir.

1.6 A LEI 10.455/02

Em maio 2002, foi sancionado pelo Presidente da República

o Projeto de Lei nº. 76, de 2001, convertido na Lei 10.455/02, foi acrescentado ao

parágrafo único do artigo 69 da Lei 9.099/95 a previsão de uma medida cautelar

da natureza penal que previa o afastamento do agressor do lar conjugal na

hipótese de violência doméstica:

Artigo 1º. O parágrafo único do artigo 69 da Lei 9.099, de 26 de

setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

Artigo 69 ...............................................................................

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30

Parágrafo único. “Ao autor do fato, após a lavratura do termo, for

imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o

compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em

flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica,

o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu

afastamento do lar, domicilio ou local de convivência com a

vítima”.

SABADELL60 identifica a Lei 10.455/02 como sinal de que o

legislador foi “paulatinamente ocupando-se com a questão da violência

doméstica”. Todavia, a autora questiona a utilidade do texto legal, ao afirmar:

“Ora, a lei não definiu o que se entendia por violência doméstica, dificultando a

aplicação do referido artigo”.

1.7 A LEI 10.778/03

Somente em 2003, a partir da entrada em vigor da Lei

10.778, há no ordenamento jurídico brasileiro a primeira referência ao conceito de

violência contra a mulher, derivado da Convenção Interamericana para prevenir,

punir e erradicar a violência contra a mulher, ratificada pelo Brasil em 1995,

conforme exposto anteriormente. Além da conceituação, o diploma trouxe em seu

bojo a obrigatoriedade da notificação compulsória dos casos de violência

doméstica atendidos na rede de serviços de saúde, prevendo, dentre outros

preceitos previstos nos parágrafos 1º a 3º do art. 1º, que a Constituição de “objeto

de notificação compulsória, em todo o território nacional, a violência contra a

mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados”.

Apesar do grande avanço no tocante à conceituação, o

diploma comporta deficiência, como alerta Sabadell61 abordando que “ é

necessário destacar falta de concretude dessa definição, pois ela não esclarece o

termo (gênero)”.A autora observa, ainda, que “a norma adota um conceito muito

amplo ao referir-se a violência contra a mulher causada em razão do gênero”,

esclarecendo:

60

SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2005. 61

SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2005.

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31

Ocorre que o legislador nacional recebeu influência da legislação

internacional e acabou iniciando nos mesmos erros do legislador

internacional.[...]

Examinando a definição dada pela Convenção interamericana

para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher de

1994, [...]m verificamos que a referida definição do legislador

pátrio [...] é praticamente idêntica aquela usada pela Convenção

[...]

A imitação do legislador internacional chega ao ponto de a

Lei 10.455/02 se referir a “violação”, apesar da inexistência de tal crime na

legislação brasileira.

A autora observa, ainda, que se trata de um “empréstimo

jurídico”, pois houve assimilação voluntária de normas de direito internacional,

costume que, na sua visão, acarreta imperfeições no texto legal, pois não se

atende a “necessidade de adaptação ao contexto nacional”. Assim, a referida Lei

“não estabeleceu o conceito de violência doméstica, de forma a suprir a lacuna

criada pela Lei 10.455/02”.

1.8 A LEI 10.886/04

Em 2004, com a edição da Lei 10.886, houve uma

modificação no artigo 129 do Código Penal, que passou a prever uma pena

mínima aumentada de 3 para 6 meses, no caso de lesão corporal leve decorrente

de violência doméstica. Além disso, o legislador apresentou um novo tipo penal,

denominado expressamente “violência doméstica”, in verbis:

Artigo 1º. O artigo 129 do Decreto Lei nº. 2.848, de 7 de

dezembro de 1940 – Código Penal passa a vigorar acrescido dos

seguintes parágrafos 9º e 10º:

Artigo 129 – Violência Doméstica:

§ 9º. Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente,

irmão cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha

convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações

domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção,

de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.

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32

§ 10º. Nos casos previstos nos parágrafos 1º a 3º deste artigo, se

as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-

se a pena em 1/3 (um terço). (NR)

JESUS62 aduz que, apesar de ter o legislador aumentado a

pena mínima cominada para 6 (seis) meses de detenção, em nada alterou a

situação a violência doméstica, tendo em vista que o insignificante aumento de

pena em nada modificou de fato o destino dos agressores:

[...] uma vez que o fato, por exemplo, de o marido agredir a

esposa, ferindo-a, continua a ser tratado da mesma maneira. Em

face disto, ficou integralmente frustrado o objetivo da lei [...],

desejava tornar mais séria a prática de violência contra a mulher.

[...] Não houve, pois, mudança de relevo [...] a modificação

legislativa foi praticamente inócua, tornando-se urgente a

atualização da Lei 10.886/2004. [...] Enquanto isto, nossas

mulheres continuam apanhando impunemente de seus maridos.

Assim, na mesma esteira das legislações antecedentes, a

Lei 10.886/2004 vem eivada de imperfeições, tendo em vista que o texto não mais

prevê a violência doméstica sofrida exclusivamente pela mulher, conforme explica

SABADELL63:

[...] aceitando-se que se trate de uma definição, devemos dizer

que se refere às pessoas que, por manter um vinculo especial

com a vítima, ao praticarem violência física incidem no referido

tipo pena. Entretanto, esse vínculo não se limita a situação de

(atual ou anterior) matrimônio, união estável, ou namoro entre a

vítima e o agressor. As expressões empregadas no § 9º

permitem concluir que, para o legislador brasileiro, o marido que

agride a mulher comete exatamente o mesmo delito que a mulher

que, por exemplo, após uma discussão agride a esposa do primo

de seu marido que esta hospedada em sua casa, já que nesse

caso existe uma relação de hospitalidade.

62

JESUS, Damásio de. Violência contra a mulher. Revista IOB Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, n. 37,, p. 35-36, abr/maio 2006.

63 SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos

fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2009.

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33

Assevera a autora que “apesar de seus defeitos a Lei

10.778/2003 mantinha referência a questão de gênero, vínculo este que foi

rompido com a Lei 10.886/2004”, abrindo margem para questionamentos no

tocante à definição de violência apresentada nesta ultima Lei e a Convenção de

OEA de 1994, ratificada pelo Brasil.64

Acerca dessa incompatibilidade, ALVES65 observa que a Lei

10.886/04, ao manter os crimes de lesão corporal leve praticados com violência

doméstica entre os crimes de menor potencial ofensivo previsto na Lei 9.099/95,

“formalizou, na verdade uma contradição legislativa perante os compromissos

internacionais assumidos [...]”, pois [...] não de poderia admitir um crime de menor

potencial ofensivo que fosse também uma violação dos direitos humanos

internacionalmente protegidos”.

1.9 A LEI 11.106/05

Com a promulgação da Lei 11.106/05, diversas alterações

foram operadas no Código Penal, todas elas envolvendo a questão de gênero.

Destacando-se:

A inclusão da companheira como sujeito passivo do crime

de seqüestro e cárcere privado qualificado. Com a alteração trazida pela Lei

11.106/05, foi acrescentado o substantivo companheiro ao lado de cônjuge.

Segundo Volpe Filho, essa alteração veio a se alinhar com a matéria introduzida

pela Constituição da República de 1988 e pelo Legislador Ordinário, quando da

promulgação do novo Código Civil, que já previam a situação da união estável

como análoga ao casamento; antes da vigência dessa lei, não se podia qualificar

a conduta do crime de seqüestro e cárcere privado se a vítima era apenas

companheira do agressor.

64

SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas de violência domestica: efetiva tutela de direitos fundamentais e/ou repressão penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 840, p. 429-456, out. 2009.

65 ALVES, Fabrício Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à provação de uma proposta

concreta de combate à violência e familiar contra a mulher. Jus Navigandi. Teresina, ano 10, n. 1133, 8 de agosto de 2006 em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764. Acesso em: 22 nov 2009.

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34

A revogação total do artigo 216 no qual previa o crime de

atentado violento ao pudor mediante fraude e o artigo 240, onde era previsto o

crime de adultério, esse crime estava em desuso no meio jurídico. Assim, a

situação jurídica do adultério passou a ser regulada somente pelo Direito Civil.

Extrai-se, como destaque dessa fase que se iniciou com a

promulgação da CRFB e terminou com edição da Lei 11.106/05, que o legislador

foi se preocupando paulatinamente em atender o clamor social, inserindo em

nosso ordenamento jurídico modificações que atingissem eficazmente o mal da

violência doméstica. Assim, foram, aos poucos, sendo introduzidos no meio

jurídico os conceitos de violência contra a mulher, violência doméstica, violência

de gênero e passaram a ser observada as questões relativas a igualdade dos

sexos, traduzindo-se esta postura em adoção de ações afirmativas, os quais,

permitindo uma discriminação positiva, que objetivam remediar as desvantagens

históricas, conseqüências de um passado marcado pela discriminação.66

Apesar das inovações trazidas, não houve uma resposta

eficaz ao problema da mulher que sofria, no âmbito das relações familiares e de

afeto, a violência praticada por aqueles que deveriam protegê-las. A Lei nº

11.340/06 (Lei Maria da Penha), promulgada em 07 de agosto de 2006, veio

suprir essa lacuna, disciplinando material e processualmente a questão, a qual

será tratada no próximo capítulo.

66

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. 2 tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. 160 p. p. 16.

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35

CAPÍTULO 2

AS FORMAS DE VIOLÊNCIA AMPARADAS PELA LEI 11.340/06

A Lei 11.340/06 foi denominada “Lei Maria da Penha” em

homenagem a uma vítima de violência doméstica, a qual não se intimidou diante

das agressões sofridas e resolveu buscar justiça. Este capítulo se destina à

análise desta Lei: sua origem, conceitos relacionados e discussões doutrinárias

acerca dos sujeitos passivos e ativos, do âmbito espacial de abrangência, das

relações entre vítima e agressores e das formas de violência coibidas.

2.1 O CASO MARIA DA PENHA O motivo que levou a lei a ser “batizada” com esse nome, pelo

qual, irreversivelmente, passou a ser conhecida, remota ao ano de 1983. No dia

29 de maio deste ano, na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, a

farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, enquanto dormia, foi atingida por

tiro de espingarda desferido por seu então marido. Em razão deste tiro, que

atingiu a vítima em sua coluna, destruindo a terceira e a quarta vértebras,

suportou lesões que deixaram-na paraplégica.67

Apesar do fato trágico, as agressões não se limitaram ao dia

29 de maio de 1983. Passada pouco mais de uma semana, quando já retornara

para sua casa, a vítima sofreu novo ataque do marido. Desta feita, quando se

banhava, recebeu uma descarga elétrica.68

Embora negasse a autoria do primeiro ataque, pretendendo

simular a ocorrência de um assalto à casa onde moravam, as provas obtidas no

67

CUNHA, Rogério Sanches. PITNO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). 2. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. 272 pgs. p. 21-23.

68 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. p. 13.

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36

inquérito policial o incriminavam e se revelavam suficientes para embasar a

denúncia, ofertada pelo Ministério Público, no dia 28 de setembro de 1984,

perante a 1ª Vara Criminal de Fortaleza.69

O réu foi então pronunciado em 31 de outubro de 1986, sendo

levado a júri em 4 de maio de 1991, quando foi condenado. Contra essa decisão

apelou a defesa, suscitando nulidade decorrente de falha na elaboração dos

quesitos. Acolhido o recurso, foi o réu submetido a novo julgamento, no dia 15 de

março de 1996, quando restou condenado a pena de dez anos e seis meses de

prisão. Seguiu-se novo apelo deste último julgamento, bem como recursos

dirigidos aos tribunais superiores; certo que, apenas em setembro de 2002,

passados, portanto 19 anos da pratica do crime, foi seu autor finalmente preso.70

Segundos dados obtidos em reportagem, publicada pela

internet que trata do progresso das mulheres no Brasil. Esta reportagem relata o

caso “Maria da Penha” expondo sobre a condenação de seu marido, autor da

tentativa de homicídio contra Maria da Penha Maia Fernandes. Dispõe sobre a

condenação do réu a pena de 10 anos, na qual não cumpriu 1/3 em regime

fechado. Preso em setembro de 2002, foi posto em regime aberto, retornando

para o Estado do Rio Grande do Norte.71

É de se lembrar que a época em que foi perpetrado o crime,

no ano de 1983, ainda não entrada em vigor a Lei 8.930/94 (etiquetando o

homicídio qualificado como hediondo), o que permitiu a progressão de regime ao

condenado.

Mais adiante, aborda Dias acerca da repercussão

internacional da Lei 11.340/06:

69

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 13.

70 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. p. 13.

71 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. p. 13.

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37

Essa é a história de Maria da Penha. A repercussão foi de tal

ordem que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL

e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos

Direitos da Mulher-CLADEM formalizaram denúncia à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos

Estados Americanos. Apesar de, por quatro vezes, a Comissão

ter solicitado informações ao governo brasileiro, nunca recebeu

nenhuma resposta. O Brasil foi condenado internacionalmente

em 2001. O relatório da OEA, além de impor o pagamento de

indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da

Penha, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e

omissão em relação a violência doméstica, recomendando a

adoção de várias medidas, entre elas “simplificar os

procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o

tempo processual”.

Por fim, a autora72 aborda que devido à forte pressão exercida

por parte da OEA (Organização dos Estados Americanos), o Brasil cumpriu as

convenções e tratados internacionais do qual é signatário, motivo pelo qual

referenciou-se na ementa da Lei Maria da Penha à Convenção a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e à Convenção

Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a mulher.73

2.2 VIOLÊNCIA DE GENÊRO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Os conceitos de violência de gênero, violência doméstica e

violência contra a mulher estão vinculadas entre si, mas se diferenciam em razão

de seu âmbito, explicando Souza74 que a violência de gênero é um conceito que

abrange na totalidade as formas de violência praticadas contra a mulher,” não só

no âmbito familiar, mais também no social e trabalhista. Assim, a violência

doméstica e violência contra a mulher seriam espécies de violência do gênero”.

72

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 14.

73 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. p. 14.

74 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários a Lei de Combate à Violência Contra a Mulher.

P.35.

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38

2.2.1 Definição de violência de gênero

Para que se possa elucidar o conceito de violência de gênero,

é necessário que se conceitue o termo gênero, nesse sentido SILVA JÚNIOR75

observa que o conceito é extrajurídico devendo ser buscado fora do direito penal.

Heilborn, citado por Silva Júnior, define gênero como “um conceito das ciências

sociais que se refere a construção social do sexo, distinguindo a dimensão

biológica da social. Ou seja, o individuo nasce macho ou fêmea, mas assume o

papel de homem ou mulher em razão da cultura. Assim, o autor conclui que “[...]

conduta baseada no gênero é aquela que decorre das relações entre mulheres e

homens em um sistema simbolicamente concateado”.

Nesse mesmo sentido, aborda SILVA76 que a categoria

gênero tem sido utilizada tradicionalmente como sinônimo de sexo, remetendo ao

fator biológico de ser macho ou fêmea. Todavia, verifica-se que atualmente “a

utilização do termo visa a referência às diferenças socialmente impostas aos

homens e mulheres, que os fazem assumir funções e papéis nas relações sociais

ditas masculinas e femininas”.Mais adiante, o referido autor conclui que Gênero é

um conceito em que se analisa “a relação entre a subordinação das mulheres e a

mudança social e política”, possuindo, o referido termo, um significado social e

político historicamente atribuído ao seu sexo, sendo que “o processo de fazer

homens e mulheres é tão historicamente e culturalmente variável;

consequentemente, pode ser potencialmente modificado através da luta política e

das políticas públicas”. Diante disso, SOUZA77 define a violência baseada no

gênero como:

[...] forma mais extensa e se generalizou como uma expressão

utilizada para fazer referência aos diversos atos praticados contra

as mulheres como forma de submetê-las a sofrimento físico,

sexual e psicológico, ai incluídas as diversas formas de ameaças,

não só no âmbito intrafamiliar, mas também abrangendo a sua

75 SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Lei 11.340/06: Violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi. Data de acesso: 24/04/2010.

76 SILVA, Marlise Vinagre. Violência contra a mulher. p 20. 77

SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários a Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p. 27.

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39

participação social em geral, com ênfase para as suas relações

de trabalho, caracterizando-se principalmente pela imposição ou

pretensão de imposição de uma subordinação e controle do

gênero masculino sobre o feminino, criada e alimentada a partir

da instituição de esteriótipos aplicáveis a cada gênero, em um

modelo típico de subordinação do gênero feminino ao masculino.

Entende-se, assim, que a violência de gênero, nada mais é

que o resultado das relações sociais que justificam a dominação do homem sobre

a mulher. A conscientização política e social são fundamentais pra trazer

modificações a esse quadro de desigualdade. No mesmo sentido, define SILVA

JÚNIOR78 que a “violência baseada no gênero é aquela praticada pelo homem

contra a mulher”, revelando concepção dominação social pelo homem, propiciada

por relações sexualmente desiguais, “nas quais o masculino define sua identidade

social como superior à feminina, estabelecendo uma relação de poder e

submissão que chega mesmo ao domínio do corpo da mulher”.

Diante da amplitude do referido conceito, convém ressaltar o

Art. 5o, da Lei 11.340/0679, prelecionando que “configura violência doméstica e

familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe

cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou

patrimonial [...]”.

Nesse sentido, DIAS80 conclui que a Lei ter por objetivo

definir, em seu art 5º, o que vem a ser a violência de gênero, ou seja, qualquer

ação ou omissão em si baseado, tendo as posteriores conseqüências previstas no

próprio dispositivo, estabelecendo, a seguir, em seus incisos seu “campo de

abrangência”. Entretanto, para que se configure tal previsão é necessário haver

78

SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Lei 11.340/06: Violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi. Data de acesso: 24/04/2010.

79 BRASIL. Congresso Nacional. Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 - Diário Oficial da União de Novembro de 2002. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8

o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. 80

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 40.

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40

“ação ou omissão na unidade doméstica ou familiar ou em razão de qualquer

relação íntima de afeto do agressor convívio com a vitima, independentemente de

coabitação”.

2.2.2 Definição de violência contra a mulher A violência contra a mulher traduz-se por todas as

formas de violência que tem como sujeito passivo a mulher, não só no âmbito das

relações familiares, mas também na sociedade em geral.81

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e

Erradicar a Violência Doméstica, de 1994 – Convenção de Belém do Pará – em

seu artigo 1º, define violência contra a mulher como: [...] qualquer ato ou conduta

baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou

psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.82

Nesse viés, DIAS83 comenta acerca da interpretação

conjunta do art. 5º e do art. 7º da Lei nº 11.340/06, preceituando:

De qualquer modo, para se chegar ao conceito de violência

doméstica é necessária a conjugação dos art. 5º e 7º da Lei

Maria da Penha. Deter-se somente no art. 5º é insuficiente, pois

são vagas as expressões: “qualquer ação ou omissão baseada

no gênero, âmbito de unidade domestica”, “âmbito de família” e

“relação intima de afeto”. De outro lado, apenas o art. 7º também

não se retira o conceito legal de violência contra a mulher. A

solução é interpretar os art.s 5º e 7º conjuntamente e então

extrair o conceito de violência domestica e familiar contra a

mulher.

81

SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários a Lei de Combate a Violência Contra a Mulher. ed. Juruá, p 29, Curitiba. 2009

82 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos

Humanos. Convenção Interamericana pra Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a mulher: Convenção de Belém do Pará. 83

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 40.

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41

Corroborando com Dias, e ampliando a definição do que

venha a ser a violência contra a mulher, e abordando seu tipo penal e função

legal, de acordo a interpretação dos artigos supra referidos, considera Hermann84:

[...] As definições não possuem escopo criminalizador, ou seja,

não pretendem definir tipos penais. Sua função, no contexto

misto da lei, é delinear situações que implicam em violência

domestica e familiar contra a mulher, para todos os fins da Lei

Maria da Penha, inclusive para agilização de ações protetivas e

preventivas.

Assim, diante do aspecto de não definir tipos penais,

PACHECO85 considera:

Essa definição “aberta” de “violência doméstica e familiar contra a

mulher” demandará interpretação restritiva pela jurisprudência e

doutrina, conforme instituto jurídico específico (competência,

determinada medida protetiva etc.) ou o caso concreto, a fim de

que os institutos da Lei 11.340/06 não violem princípios

constitucionais [...]

No intuito de definir a violência contra a mulher, PARODI86

define que a violência contra a mulher esta relacionada à desigualdade entre

homens e mulheres que foram construídas com o passar de longos anos,

visualizando-se ma construção sócio-cultural sem qualquer base compreensível,

tais diferenças encontraram campo fértil para serem transformadas em atos de

discriminação e violência. Corroborando com os posicionamentos retro, considera

que o legislador resolveu definir a violência que pretendia regulamentar,

aproveitando-se da força da norma positivada como forma de vencer a crença

social de favorecimento do homem diante da mulher. Assim, salienta que por

84

HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com nome de mulher: considerações à Lei nº 11.340/2006: contra a violência domestica e familiar, incluindo comentários artigo por artigo. Campinas, SP: Servanda Editora, 2008. 264 p. p. 108.

85 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: critica e práxis. 5. ed. ver. e atual.

Com Emenda Constitucional da “Reforma do Judiciário”. Niterói, RJ: Impetus, 2008. 1024 p. p. 534.

86 PARODI, Ana Cecília; GAMA, Ricardo Rodrigues. LEI MARIA DA PENHA – Comentários a Lei nº. 11.340/2006. ed. Russell, Campinas. 2009.. p. 56.

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42

disposição expressa do caput do artigo 5º, da Lei 11.340/2006, a violência contra

a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,

lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial”.

Desse modo, a violência contra a mulher pode ser definida

como a que ocorre dentro do ambiente familiar, ou seja, inserido em um convívio

interpessoal, independente de vinculo familiar, de maneira sofrer vários tipos de

violência, a ser caracterizada de acordo com o caso, sendo a mesma tratada em

momento oportuno nesta monografia.

2.2.3 Definição de violência doméstica e familiar

Como é sabido, a Lei Maria da Penha, na tentativa de

garantir preceitos na ordem de garantir a proteção da pessoa da mulher em

quaisquer circunstancias, diante de determinada violência, acabou criando

“mecanismos para coibir a violência domestica e familiar contra a mulher”87. No

intuito de aproveitar a interpretação sistemática dos arts. 5º e 7º da referida lei, é

crucial sua aplicação de maneira mais específica no tocante à violência inserida

na unidade doméstica, e também inserido em contexto familiar de que trata o art.

5º, incisos I e II.

Nesse sentido, com o objetivo de compreender a real

definição de “unidade doméstica”, preleciona Dias88 “a expressão unidade

doméstica deve ser entendida no sentido de que a conduta foi praticada em razão

dessa unidade da qual a vitima faz parte”.

Conseqüentemente, SOUZA89 compara os preceitos de

“violência domestica” e “violência familiar”, comentando que seus conceitos se

apresentam como sinônimos, abrangendo que seus conceitos vão além de uma

87

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 39-40.

88 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. p. 42.

89 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários a Lei de Combate a Violência Contra a Mulher. p

29.

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43

“referencia subjetiva”, podendo ser inserido no âmbito de qualquer integrante de

uma entidade familiar, abordando:

O termo “violência doméstica” se apresenta com o mesmo

significado de “violência familiar” ou ainda de “violência

intrafamiliar”, circunscrevendo-se os atos atos de maltrato

desenvolvidos no âmbito familiar, enfatizando prioritariamente,

portanto, o aspecto espacial no qual se desenvolve a violência,

não deixando expressa uma referencia subjetiva, ou seja, o

conceito que não se ocupa do sujeito submetido à violência,

entrando no seu âmbito não só a mulher, mas também qualquer

outra pessoa integrante do núcleo familiar (principalmente

mulheres, crianças, idosos, deficientes físicos ou deficientes

mentais) que venha a sofrer agressões físicas ou psíquicas

praticadas por outro membro do mesmo grupo. Trata-se de

acepção que não prioriza o fenômeno da discriminação a que a

mulher é submetida, dispensando a ela tratamento igualitário em

relação aos demais membros do grupo familiar privado.

Nesse sentido, é oportuno observar que, conforme institui a

Lei Maria da Penha, a acepção de violência domestica e familiar contra a mulher

deverá ser interpretado restritivamente, entretanto, aplicando-se de maneira

cumulativa os preceitos de violência de gênero, intrafamiliar e contra a mulher.

Corroborando com tal fundamentação, CUNHA90 assevera:

[...] definimos violência doméstica como sendo a agressão contra

a mulher, num determinado ambiente (domestico, familiar ou de

intimidade), com finalidade especifica de objetá-la, isto é, dela

retirar direitos, aproveitando-se de sua hipossuficiência.

Nesse viés, SABADELL91 preceitua que a violência é uma

espécie de “violência física e/ou psíquica”, sendo exercida no âmbito de qualquer

relação de afetividade, exercida pelos homens, sendo “o traço distintivo deste tipo

de violência é o fato de ocorrer nas (e decorrer das) relações privadas.”

90

CUNHA, Rogério Sanches. PITNO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). p. 28.

91 SABADELL, Ana Lucia. Perspectivas jussociológicas da violência domestica: efetiva tutela

de direitos fundamentais e/ou repressão penal. Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo. 840 p. p. 137.

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44

Conforme já abordado, percebe-se amplitude dos conceitos

operacionais relacionados ao tema, e diante disso verifica-se que a violência

doméstica “alcança situações diversificadas e que o legislador procurou conceder

à mulher maior proteção à lei”92, nos casos em que a privacidade do lar tornam-se

invisíveis ao sentimento de humilhação e de sofrimento em que a mulher muitas

vezes é submetida.

Portanto, verifica-se que em se tratando de violência, os

sujeitos ativo e passivo são imprescindíveis para a caracterização de violência e

aplicação da Lei Maria da Penha, sendo estes, por conseguinte, os enfoques do

próximo tópico.

2.3 SUJEITOS PASSIVO E ATIVO NA LEI 11.340/06 2.3.1 Sujeito passivo

O intuito de diminuir a violência domésitca e familiar contra

a mulher, a criação dos juizados especiais protegendo a mulher de todos os tipos

de violência, em quaisquer circunstâncias, conforme apresentado no preâmbulo

da Lei Maria da Penha, é constatado superficialmente na medida em que a lei

comporta apenas a mulher como sujeito passivo, ainda que existam

interpretações doutrinárias divergentes.

SOUZA93 ressalta, ao mencionar o sujeito passivo, a Lei

traz à baila a expressão “ofendida”, o que pode se presumir que somente a

mulher pode ser a ofendida. Nesse sentido, no intuito de também afirmar a mulher

como sujeito passivo, assevera PARODI94:

A vitima será sempre a pessoa do sexo feminino, a mulher.

Assim, a violência domestica e familiar deve ser tomada somente

como violência contra a mulher, pois sua razão de ser foi gerada

92

FURTADO, Sara. Aspectos Normativos e Processuais da Lei 11.340/06 “Lei Maria da Penha”. UNIVALI, 2007.

93 SOUZA, Luiz Antonio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência domestica e familiar contra a

mulher. Lei nº 11.340/06. São Paulo: Método, 2007. p.73.

94 PARODI, Ana Cecília; GAMA, Ricardo Rodrigues. LEI MARIA DA PENHA – Comentários a Lei

nº. 11.340/2006. ed. Russell, Campinas. 2009.. p. 55.

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45

a partir do sofrimento e agressões dirigidos especificamente às

mulheres pelo fato de serem mulheres por agressores

conhecidos.

Nesse mesmo viés, DIAS95 comenta que para

caracterização do sujeito passivo existe uma “exigência de uma qualidade

especial: ser mulher”, asseverando que encontram-se nesse conceito todas as

pessoas que tenham a necessária identidade com o sexo feminino,

independentemente de orientação sexual. Aborda, também, acerca da atividade

dentro do ambiente familiar, considerando:

Não só as esposas, companheiras ou amantes estão no âmbito

de abrangência de violência domestica como sujeitos passivos.

Também as filhas e netas do agressor como sua mãe, sogra, avó

ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar com ele

podem integrar o pólo passivo da ação delituosa.

Entretanto, não se consagra na Lei Maria da Penha, outra

sujeito passivo além da mulher, todavia, diante da consideração retro, é oportuno

comentar a situação a ser verificada nos 9º e 11 do art. 129 do Código Penal, com

a nova redação dada pelo art. 44 da Lei 11.340/06, in verbis:

Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de

1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes

alterações:

“Art. 129. ..................................................

..................................................................

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente,

irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha

convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações

domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

..................................................................

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada

de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de

deficiência.” (NR)

95

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 41.

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46

Diante do dispositivo legal retro, existem posições

doutrinárias que também contrapõem a idéia exclusiva do sujeito passivo como

sendo do sexo feminino. Nesse sentido CUNHA96 entende que o homem também

pode ser vítima de violência doméstica, comentando acerca da aplicação do art.

129, § 9º do Código Penal:

Não se ignora, é verdade a intenção da lei. É a mulher o seu

principal foco. Foi a mulher tida por hiposuficiente que pretendeu

o legislador conferir especial proteção. Mas isso não autoriza a

conclusão de que apenas sendo a ofendida do sexo feminino é

que terá incidência a agravante.

No tocante ao deficiente físico DIAS97 comenta que a

pessoa que tenha a referida qualidade, em se tratando de “alvo de lesão corporal,

a pena de seu agressor é dilatada”. Após critica que tal hipótese deveria estar

configurada no art. 61 do Código Penal tratando do crime dessa natureza como

agravante genérico, e não somente tratar da hipótese de lesão corporal

doméstica.

Desse modo é relevante considerar que apesar do foco da

Lei Maria da Penha abordar exclusivamente a vítima do sexo feminino, é preciso

ressalvar que apesar na referida lei ter incluído dispositivos no Código Penal

incluindo como vítima pessoa do sexo masculino tal aplicação dar-se-á através do

Código Penal.

2.3.2 Sujeito Ativo

Inicialmente percebe-se que o art. 5º da Lei Maria Da Penha

(Lei 11340/06) define que a conduta seja baseada no gênero, entretanto apesar

de estar implícita a idéia de apenas homem figurar como sujeito ativo, a doutrina

afirma, quase que de maneira unânime, que qualquer pessoa pode ser inserida

96

CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). p. 117.

97 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

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47

como sujeito ativo, conforme exposto a seguir. Nesse sentido GOMES98

considera:

Sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada

com a vítima [...]: do sexo masculino, feminino ou que tenha

qualquer orientação sexual. [...] basta estar coligada a uma

mulher por vinculo afetivo, familiar ou doméstico: todas se

sujeitam a nova lei.

Do mesmo modo, SOUZA99 entende que apesar da lei se

preocupar em proteger especialmente a mulher sua aplicação destina-se a

questão do gênero de maneira direta apenas no aspecto passivo, fato que não

impede que as mulheres estejam em condições iguais aos dos homens, vindo a

“praticar atos de violência doméstica e familiar contra outras mulheres”.

Portanto, não se pode concluir que o sujeito ativo seja

necessariamente o homem, podendo ser o agressor qualquer pessoa que figure

em qualquer tipo de relação no âmbito familiar, independentemente de opção

sexual. Ao contrario do foco feminista do sujeito passivo, o pólo ativo na Lei

11.340/06 é caracterizado como agressor(a) contra a mulher simplesmente, não

se podendo levar em conta a questão do gênero, apesar da denotação da referida

lei.

2.4 FORMAS DE VIOLÊNCIA

Basicamente, a lei 11.340/06 não procurou apenas definir a

violência doméstica e familiar, como também elencou formas de violência dessa

natureza, sendo estas consubstanciadas no art. 7º da referida lei. Entretanto DIAS

ressalta que o rol constante do referido dispositivo não é taxativo em razão da

utilização da expressão “entre outras”, conforme se observa:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a

mulher, entre outras:

98

GOMES, Luiz Flávio. BIANCHI, Alice. Aspecto criminais da lei de violência contra mulher. Jus Navigandi. Teresina, ano 10, n.1169, 13 set. 2006. Disponível em: <http: // jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8916>. Acesso em: 20 abril. 2010.

99 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários a Lei de Combate à Violência Contra a Mulher.

P.35.

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48

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que

ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que

lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que

lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise

degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e

decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,

manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição

contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e

limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe

cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a

constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação

sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou

uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de

qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar

qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à

gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,

chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o

exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta

que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de

seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais,

bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os

destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que

configure calúnia, difamação ou injúria.

Acerca do dispositivo retro, SOUZA100 e GUIMARÃES101

asseveram que não existe tipificação penal própria no caso da Lei 11.340/06,

visto que altera penas, acrescentando circunstâncias qualificadoras ou agravantes

aos tipos penais comuns anteriormente existente no Ordenamento Jurídico.

Nesse sentido não há outra opção, a não ser aplicar de maneira subsidiária a Lei

Maria da Penha, nos casos de violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher,

às tipificações constante no Código Penal e Lei de Contravenções Penais (art.

147 e art. 213 à 216 do Código Penal e art. 21 da Lei de Contravenções Penais).

100

SOUZA, Sergio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência contra a mulher. p.53.

101 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. MOREIRA, MOREIRA, Rômulo de Andrade. A Lei Maria da

Penha. Aspectos Criminológicos, de Política Criminal e do Procedimento Penal. Salvador: JusPODIVM, 2009. p. 83 -84.

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49

Assim, é preciso sempre considerar a ligação entre os arts.

5º e 7º da Lei Maria da Penha, nos casos de violência contra a mulher. A seguir,

serão analisadas individualmente as cinco formas de violência descritas na

referida lei.

2.4.1 Violência física

Conforme anteriormente exposto no art. 7º inciso I da Lei

11.340/06, a violência física é caracterizada por condutas que agridam a

integridade física ou saúde corporal da mulher. Com escopo de definir, violência

física comenta CUNHA102:

Violência física é o uso da força, mediante socos, tapas,

pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras etc.,

visando, desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal

da vítima, deixando ou não marcas aparentes, naquilo que se

denomina, tradicionalmente, vis corporalis.

Corroborando com o referido autor, DIAS103 complementa

que a saúde corporal e a integridade física, já anteriormente protegidas no

ordenamento, ganharam destaque com o acréscimo do § 9º ao art. 129 do Código

Penal, expondo a alteração da pena nos moldes do referido dispositivo, nos casos

de violência contra membros dentro da entidade familiar. De maneira a

complementar tal pensamento, a autora complementa que não só a lesão dolosa,

também a lesão culposa constitui violência física, pois nenhuma distinção é feita

pela lei sobre a intenção do agressor.

102

CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). p. 37.

103 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. p. 47.

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50

2.4.2 Violência psicológica

No tocante à violência psicologia, pelo fato não haver

previsão na legislação penal, sendo adotada como norte a Convenção de Belém

do Pará, que foi incorporada à Lei 11.340/06.

Assim, NUCCI104 entende que o legislador excedeu-se ao

considerar as hipóteses que consideram a vitima de violência psicológica quem

sofre de absolutamente qualquer tipo de dano emocional ou humilhação, pois em

tese “ todo crime é capaz de gerar dano emocional à vitima, seja ele mulher, seja

homem”, devendo ser reservada sua aplicação para os casos em que sejam

realmente relevantes “no contexto da discriminação contra a mulher, no âmbito

doméstico ou familiar ou familiar”.

HERMANN105, por sua vez, considera:

A violência psicológica, enfocada no inciso II do art. 7º, consiste

basicamente em condutas – omissivas ou comissivas – que

provoquem danos ao equilíbrio psico-emocional da mulher vitima,

privando-se de auto-estima e autodeterminação. É nitidamente

ofensiva ao direito fundamental à liberdade, solapada através de

ameaças, insultos, ironias, chantagens [...] Implica em lenta e

contínua destruição da identidade e capacidade de reação e

resistência da vitima, sendo comum que progrida para prejuízo

importante à saúde mental e física.

CUNHA106 igualmente considera que a violência psicológica

advém de agressão emocional, cujo comportamento típico se dá quando o agente

“ameaça”, rejeita ou aproveita qualquer forma de discriminação para com a vitima,

104

NUCCI, Leis penais e processuais comentadas. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 867.

105 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com nome de mulher: considerações à Lei nº

11.340/2006: contra a violência domestica e familiar, incluindo comentários artigo por artigo. p. 109.

106 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da

Penha (Lei 11.340/2006). p. 61.

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51

demonstrando claramente quando vê o outro sentir medo diante de uma ação

compulsiva do agressor.

Desse modo, existem vários delitos que podem ocorrer

mediante violência psicológica (constrangimento ilegal e ameaça por exemplo)

inseridos no Código Penal, entretanto DIAS107 considera que a violência

psicológica é uma expressão ampla, no sentido de poder ser aplicada em

qualquer crime contra a mulher, aplicando-se, por conseguinte, tratamento

diferenciado “apenas pelo fato de a vitima ser mulher”, configurando

“discriminação injustificada de gêneros”, fato este criticado pela doutrina,

criticando que “quem assim pensa olvida-se que a violência contra a mulher tem

raízes culturais e históricas merecendo ser tratada de forma diferenciada”, mesmo

porque tal realidade está atrelada ao princípio da igualdade.

2.4.3 Violência sexual

Constante no rol dos crimes contra os costumes no Código

Penal, a violência sexual já se encontrava inserida entre os arts. 213 a 234 do

referido diploma legal.

Entretanto, o art. 7, inciso III da Lei 11.340/06, disciplinou tal

modalidade de violência de maneira a incidir sobre mulheres vitimas desses

delitos, passando-se a exigir, por conseguinte, tutela jurídica especializada.

Assim, a violência no âmbito sexual é caracterizada pelo “constrangimento com o

propósito de limitar a autodeterminação sexual da vitima, tanto pode ocorrer

mediante violência física como através da grave ameaça”.108

Nesse viés, assevera CUNHA109:

107

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 47.

108 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência Doméstica contra a mulher: Lei 11.340/06:

análise critica e sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. 120 p. 25 p.

109 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da

Penha (Lei 11.340/2006). p. 61.

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52

O inciso III, de forma ampla, entende por violência sexual

qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter

ou participar de relação sexual não desejada, mediante

intimidação, ameaça, coação ou uso da força, que a induza a

comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade,

que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a

force ao matrimonio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,

mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação, ou que

limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e

reprodutivos. Agressões como essas provocam nas vitimas, não

raras vezes, culpa, vergonha e medo, o que as faz decidir, quase

sempre, por ocultar o evento.

Dessa maneira, corrobora DIAS110, dentre outras

providências à favor da mulher, acerca das conseqüências para a saúde da

mulher, bem como acerca do acesso à medidas de urgência no tocante à sua

saúde, abordando:

A segunda parte do inciso III do art. 7º da Lei Maria da Penha

enfoca a sexualidade sob o aspecto do exercício dos direitos

sexuais e reprodutivos. Trata-se da violência que traz diversas

conseqüências à saúde da mulher. A própria Lei assegura à

vitima acesso aos serviços de contracepção de emergência, a

profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da

Síndrome da Imunodependência Adquirida (AIDS) e outros

procedimentos necessários e cabíveis (art. 9º, §3º).

Desse modo, finaliza HERMANN111 que da mesma maneira

pode ser considerado, como violência sexual, desde o induzimento, através de

qualquer vicio de vontade, até “ao sexo comercial ou a práticas que contrariem a

livre expressão de seus autênticos desejos sexuais, assim entendidas aquelas

que não lhe tragam prazer sexual”, devendo ser respeitado ao máximo “o livre

arbítrio sobre o uso e função e capacidade reprodutivas”, asseverando inclusive

que “é também considerado conduta violenta o aborto coagido por intervenção de

110

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 51.

111 HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com nome de mulher: considerações à Lei nº

11.340/2006: contra a violência domestica e familiar, incluindo comentários artigo por artigo. p. 111.

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53

terceiro, assim como constrangimento, por qualquer meio, ao casamento ou à

prostituição”.

2.4.4 Violência patrimonial e as causas de isenção do art. 181 do Código Penal

A violência patrimonial, de acordo com o art. 7º, inciso IV,

da Lei nº 11.340/06, pode ser consubstanciada através de toda qualquer conduta

que seja praticada “retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus

objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos

ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”,

tendo como vitima a mulher.

No intuito de explicar o referido dispositivo, assevera

HERMANN112:

A violência patrimonial é forma de manipulação para subtração

da liberdade à mulher vitimada. Consiste na negação peremptória

do agressor em entregar à vítima seus bens, valores, pertences e

documentos, especialmente quando esta toma a iniciativa de

romper a relação violenta, como forma de vingança ou até como

subterfúgio para obrigá-la a permanecer no relacionamento da

qual pretende se retirar.

Nesse viés, PORTO113 assevera que o referido conceito de

violência patrimonial traduz-se em um conceito muito amplo que desafia

sobremaneira a semântica tradicional, ficando clara a intenção do legislador em

alcançar, mediante conceito de violência patrimonial, os crimes patrimoniais não-

violentos.

Mais adiante, aduz o autor que, interpretando a lei de

maneira literal, o art 181 do Código Penal poderia em tese, sofrer revogação

parcial (derrogação), o que implicaria na existência de dúvida com relação à

aplicabilidade da isenção para a mulher “que pratica delito patrimonial contra

112

HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com nome de mulher: considerações à Lei nº 11.340/2006: contra a violência domestica e familiar, incluindo comentários artigo por artigo. p. 111.

113 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência domestica e familiar contra a mulher. p. 25.

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54

cônjuge varão”. Afirma, inclusive que tal fato geraria desapropriação devido ao

tratamento legal desigual entre homem e mulher, não havendo justificativa do

legislador em exercer tal raciocínio, uma vez que os tratamentos legais, por

ventura diferenciados, devem visar sempre a igualdade material, pois na pratica

dos referidos delitos, “nenhuma qualidade especifica do homem melhor o habilita

em significativo prejuízo da mulher”. Assim o autor discorda com a exclusão da

imunidade do art. 181 do Código Penal, somente para agente do sexo masculino:

[...] a Lei Maria da Penha foi aprovada sob a bandeirada violência

física contra a mulher, demonstrada por levantamentos e

estatísticas, mas trouxe de carona outras formas próprias e

impróprias de violência [...] algumas delas que a experiência nem

revelou assim tão freqüente ou tão exclusiva do homem contra a

mulher.

Nesse sentido, de maneira a complementar o raciocínio

acerca da aludida “revogação parcial”, considera CUNHA114 que “somente uma

declaração expressa contida na lei teria o condão de revogar os dispositivos do

Código Penal. E tal revogação não é vista, quer parcial quer totalmente”,

conforme o aludido estatuto.

Por outro lado DIAS ressalta, que dentre outras obrigações

que envolvem o patrimônio, deve também ser observado o eventual não

pagamento de alimentos, de maneira a descuidar o alimentante de suas

obrigações, principalmente quando dentro de boa situação econômica, deixa

configurar o crime de abandono material. A referida autora preleciona inclusive

que:

Não é necessário que o encargo alimentar esteja fixado

judicialmente. Mesmo durante a vida em comum, sonegando o

varão os meios de assegurar a subsistência de esposa ou da

companheira, que não tem meios de prover a própria

subsistência, além da violência doméstica pratica o varão o crime

de abandono material.

114

CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). p. 65.

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55

Nesse sentido, é importante notar que o conceito de

violência patrimonial pode sofrer variações, como no caso da prestação de

alimentos, que possui ligação direta com o patrimônio pessoal da eventual vítima

mulher em vista sua fragilidade diante da situação fática, incorrendo em equivoco

o questionamento do art. 5º, inciso IV da Lei 11.340/06.115

2.4.5 Violência moral

A violência moral também é uma das formas que já

encontrava-se embasada no Código Penal, porém sob a tipificação dos arts. 138,

139 e 140 do Código Penal, ou seja, calúnia, difamação e injúria,

respectivamente. Os delitos contra a honra, quando, cometidos contra mulher, de

acordo com o art. 5º da Lei nº 11.340/06, configuram violência moral, devendo ser

reconhecidos como violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo a

medida que se impõe, de acordo, com o art. 61, inciso II, alínea f do Código

Penal, o agravamento da pena.116

Desse modo, complementam CUNHA117 e DIAS118 que tais

crimes normalmente ocorrem ao mesmo tempo, ou em decorrência da violência

psicológica.

Assim, diante das questões referentes aos tipos de violência

e suas vaiadas formas, sujeitos e aplicação do referido diploma legal, verifica-se

que os entendimentos doutrinários são diversificados. Por conseguinte, diante da

inovação processual que trouxe a Lei nº 11.340/06, as questões inerentes ao

inquérito policial, medidas de urgência e processo judicial e sua forma de

aplicação de acordo com a referida lei, serão os enfoques do próximo capítulo.

115

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 53.

116 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. p. 54.

117 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da

Penha (Lei 11.340/2006). p. 65.

118 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. p. 54.

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56

CAPÍTULO 3

ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS DA LEI Nº 11.340/06

3.1 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA AUTORIDADE POLICIAL E A LEI Nº 11.340/06

Após a prática de um ato criminoso, neste caso, uma

agressão contra a mulher no âmbito da Lei nº 11.340/06, surge para o Estado a

obrigação ou, pelo menos, o direito de punir o agente que praticou a infração

criminal, sendo que para puni-lo são necessários mecanismos probatórios para

que se possa, em momento oportuno, instaurar o procedimento judicial.

Entretanto, em linhas gerais, atrelado ao direito de punir, o

Estado realiza essa ingente tarefa através do Ministério Público, que se incumbe

de ajuizar a ação penal e acompanhar o seu desenrolar até o final, sendo definida

também de persecutio criminis in judicio. Mas para o parquet conseguir levar ao

conhecimento do juiz a notícia sobre um fato que vai de encontro à norma penal,

este terá que contar com elementos comprobatórios do fato somado aos indícios

de autoria do ato delituoso, e para que se consiga tal prova, o Estado criou outro

órgão incumbido de maneira exclusiva tal missão, que é a Polícia Judiciária

elencada no art. 144, §4º119 da Constituição da República Federativa do Brasil,

que regulamenta a possibilidade da instauração da ação penal pelo órgão

ministerial através das provas coletadas pela Polícia Judiciária.120

MIRABETE121 considera também que a Polícia Judiciária é

um instrumento da Administração Pública que se destina a manter a ordem e a

segurança da sociedade, e na medida dos recursos que dispõe, possuindo dupla

119

Nos Estados a regra é a responsabilização da Polícia Civil na apuração de infrações penais que não forem apuradas pela Polícia Federal, ou seja, é competente a Justiça Estadual para processar e julgar crimes de violência contra a mulher, possuindo um rito especifico na Lei.11.340/06.

120 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 21 ed. rev e atual. São Paulo:

Saraiva, 2005p. 193.

121 MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. p. 56.

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57

função. A administrativa (de segurança propriamente dita) e a judiciária. Neste

ponto o referido autor122 as define da seguinte maneira:

Com a primeira, de caráter preventivo, ela garante a ordem

pública e impede a prática de fatos que possam lesar ou pôr em

perigo os bens individuais ou coletivos; com a segunda, de caráter

repressivo, após a prática de infração penal recolhe elementos

que o elucidem para que possa ser instaurada a competente ação

penal contra os autores do fato.

A essa atividade do Estado, portanto, denomina-se

persecutio criminis, que apresenta dois momentos distintos segundo TOURINHO

FILHO123 em consonância com MARQUES124, que pressupõem que o ato é

dividido em duas etapas: a fase de investigação e a fase de ação penal. Trazendo

uma definição jurídica específica, preconiza DEMERICAN125:

O inquérito policial é um procedimento administrativo que não se

sujeita às mesmas fórmulas do processo judicial. É realizado pela

Polícia Judiciária e tem como e escopo reunir elementos de

convicção que habilitem o órgão da acusação à propositura da

ação penal (pública ou privada).

Por sua vez, define MIRABETE126, de maneira mais restrita

o Inquérito Policial:

Inquérito Policial é todo procedimento destinado a reunir

elementos necessários à punição da prática de uma infração

penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória,

preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes

difíceis de se obter na instrução judiciária, como o auto de

flagrante, exames periciais etc.

Salienta ainda, o referido autor que seu destinatário imediato

é o Ministério Público, nos casos em que o crime se tratar de ação pública, ou o 122

MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. p. 56.

123 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. p. 193.

124 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. In: TOURINHO FILHO,

Fernando da Costa. Processo Penal. p. 193.

125 DEMERICAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. São Paulo:

Atlas, 1999. p. 61. 572 p.

126 MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. p. 60.

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58

ofendido que se tratar de ação penal privada, que com ele formam sua opinião

sobre o delito para que se possa promover a denúncia ou queixa, sendo que o

destinatário direto é Juiz, ressaltando ainda que deverá ser observado o requisito

do art. 12 do Código de Processo Penal, caso que o inquérito acompanhará a

denúncia ou queixa, sempre que servir de base uma ou outra.127

Este procedimento (conjunto de atos administrativos)

realizado pelo Estado, por intermédio da polícia civil, constitui-se em atividade a

fim de propiciar aos titulares da ação penal indeclinável robustez probatória

servível à propositura e exercício da ação penal. Sua finalidade do está disposta

nos artigos 4º, 12 e 41 do Código de Processo Penal, que dizem respeito ao

inquérito, conclui-se que ele visa a apuração da existência de infração penal e a

respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos

que o autorizem a promovê-la. Quanto a apurar a autoria, a Autoridade Policial irá

desenvolver intensa atividade para conhecer o verdadeiro autor do fato infringente

porque, sem saber quem o cometeu, não poderá ser promovida a ação penal.128

Nesse sentido, é preciso ressaltar a existência de duas

finalidades acessórias existentes no inquérito policial. A primeira delas, embasar o

julgador na decisão sobre a concessão de eventuais medidas cautelares, ainda

na fase pré-processual: prisões (temporária e preventiva), busca e apreensão,

interceptação telefônica e seqüestro de bens. Quanto à segunda das finalidades

acessórias, fala-se naquela de embasar o juízo de admissibilidade da ação penal,

demonstrando o que se convencionou chamar de justa causa para a propositura

da ação penal, ou seja, a existência de prova da materialidade do fato e de

indícios razoáveis de autoria pesando sobre o acusado ou, procurando

demonstrar que o exercício da ação não se revestiu de arbitrariedade, não

havendo reparo a ser feito.129

127

MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. p. 60.

128 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. p. 198.

129 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. p. 198.

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59

Aludindo-se ao art. 12 da Lei nº 11.340/06, assevera

PORTO130 sobre as providências a serem tomadas no inquérito policial:

Os incisos II, IV, V e VI do art. 12 da Lei Maria da Penha referente

tão somente a providências comuns, já previstas no CPP, relativas

à elaboração do inquérito policial, tais como a ouvida de envolvidos

e testemunhas, requisição de exame de corpo de delito (embora,

ao menos provisoriamente, o prontuário hospitalar possa supri-lo,

conforme art. 12, §3º da LMP), juntada de antecedentes policiais e

colhida de todas as provas necessárias ao esclarecimento do delito

e da sua autoria.

Por outro lado, é prudente o comentário de MIRABETE131

com relação ao caso de “imunidade” do art. 181 do Código Penal, comentando

sua casuística no processo penal:

[...] existindo um caso de imunidade absoluta, não pode ser

instaurado inquérito policial e muito menos ação penal por falta

de interesse de agir. Não se admite a instauração de um

procedimento (ação penal condenatória) quando não se pode

impor sanção penal. Tratando-se de imunidade relativa, a

inexistência de representação impede também o inquérito e a

ação penal por falta de condição de procedibilidade. [...] possui

objetivo de preservar a paz, a honra da família, considerando-se

ainda que, se houver punição, os prejuízos serão maiores do que

os benefícios à ordem pública.

Considerando que a preservação da família, sendo o seu

enfoque a mulher, possui a autoridade policial a responsabilidade de tomar

medidas de proteção, de maneira a comunicar de imediato o Ministério Público e

o Poder Judiciário, encaminhando a vitima de violência ao recinto em que possa

ser feito todas as medidas onde o enfoque seja sua saúde física e corporal

(hospital ou posto de saúde mais próximo), fornecendo o transporte para levar a

vitima a local seguro, se necessário retirando seus bens do local da agressão e

informando seus direitos conferidos pela Lei nº 11.340/06, tomando a autoridade

130

PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/06: analise critica e sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007. 120 p. p. 78.

131 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. II p. 367.

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60

policial as providencias cabíveis, nos moldes do arts. 10 e 11 da referido

diploma.132

Nesse sentido, critica CUNHA133 que a proteção policial nos

casos de violência contra a mulher não é nada fácil, pois o condão excessivo de

proteção à mulher, acaba por entrar em contradição, muitas vezes, com o próprio

aparato policial oferecido pelo Estado, pois em algumas situações “a polícia não

garante proteção em si mesma”, ressaltando inclusive que “o legislador revelou-se

um tanto otimista ou pretensioso, divorciando mesmo da realidade fática do

cotidiano”. Assevera, ainda, que a autoridade policial tem o poder dever de

acompanhar a retirada da ofendida do local onde mora, e de seus bens, se assim

for necessário, estando autorizada a policia de proceder a prisão preventiva do

agressor, nos moldes do art. 11, inciso IV e art. 20 da Lei nº 11.340/06, devendo,

ao final, tudo constar no relatório da fase do inquérito policial.

3.1.1 Considerações acerca das ações penais

Para que seja instaurada a ação penal é preciso que exista a

notitia criminis134 (mesma peça que pode embasar a persecução penal). Desse

modo, é a noticia crime peça fundamental para instauração do inquérito135, que

132

CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). p. 87-89.

133 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da

Penha (Lei 11.340/2006). p. 89.

134 “Notitia criminis (noticia crime é o conhecimento espontâneo, ou provocado, pela autoridade

policial, de um fato aparentemente criminoso. É espontânea aquela em que o conhecimento da infração penal pelo desitinatário da notitia criminis ocorre direta e imediatamente, quando se encontra a autoridade pública no exercício de sua atividade funcional. Provocada é a notícia do crime a esta transmitida pelas diversas formas previstas na legislação processual penal, consubstanciando-se, portanto, num ato jurídico. Na primeira hipótese, pode ocorrer por conhecimento direto ou comunicação não formal (cognitio imediata), como nos casos de encontro de corpo de delito, comunicação de um funcionário subalterno, informação pelos meios de comunicação, etc. Na segunda, por comunicação formal da vítima ou de qualquer do povo, por representação, por requisição judicial ou do Ministério Público etc (cognição mediata). Pode também a notícia do crime estar revestida de forma coercitiva, hipótese de prisão em flagrante delito por funcionário público no exercício de suas funções ou por particular.In: MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. p. 64-65.

135 “A peça que inicia o inquérito policial, como regra geral, é a “portaria”, que poderá estar

presente em todas as forams de início daquele. Em determinados casos, porém, a autoridade policial aproveita a própria notícia que informou o crime, como a requisição da autoridade judiciária ou do membro do Ministério Público, o requerimento de vítima e, por fim, o auto de prisão em flagrante.” In: CAPEZ, Fernando. COLHAGO, Rodrigo. Prática forense penal. p.5.

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61

serve de base para as ações públicas incondicionada e condicionada e nos casos

de ação penal privada.

Sobre a ação penal pública incondicionada, MIRABETE136

preleciona:

Quanto à ação penal pública incondicionada, nos termos do

Código de Processo Penal, o inquérito policial pode ser instaurado

de ofício (art. 5º, I). Trata-se de uma regra geral que só cede

diante de disposição expressa em lei. Tomando conhecimento da

ocorrência do crime (cognição imediata) a autoridade policial deve

instaurar o procedimento respectivo.

Assim, MIRABETE137 e CAPEZ138 preconizam que para

qualquer pessoa do povo (delatio criminis) que saiba que determinada infração

penal existe, identificando-se ou não (notitia criminis inqualificada), será cabível

pela ação pública incondicionada. Tal pessoa poderá, verbalmente ou por escrito,

comunicar à Autoridade Policial acerca da procedência do fato tido como

criminoso, bem como dos indícios de autoria e materialidade, bem como

quaisquer outras informações que possam embasar a instauração do inquérito,

que poderá ser feito, inclusive, por requisição da autoridade judiciária ou do

Ministério Público nos moldes do art. 40 do Código de Processo Penal.

Sobre a ação penal pública condicionada, esta terá duas

espécies: a) mediante representação do ofendido de acordo (art. 24 do Código de

Processo Penal); b) mediante requisição do Ministro da Justiça.

Sobre a representação do ofendido, comenta TOURINHO

FILHO139:

A representação poderá ser feita à Autoridade Policial, ao Juiz ou

ao órgão do Ministério Público. Quando feita ao Juiz, observado o

que dispõe o §1º do art. 39, será ela remetida à Autoridade

Judiciária, acompanhada de ofício requisitório (art. 39 § 4º). Se

136

MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. p. 66.

137 MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. p. 66- 67.

138 CAPEZ, Fernando. COLHAGO, Rodrigo. Prática forense penal. p.6-8.

139 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. p. 233.

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62

feita perante o membro do Ministério Público e se com ela forem

fornecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal,

não haverá necessidade de ser remetida à Autoridade Policial.

Nesse caso, caber-lhe-á oferecer denúncia, tal como se vê pelo §

5ª, do art. 39. Do contrário, restar-lhe-á encaminhá-la com ofício

requisitório à Autoridade Policial.

De maneira a corroborar com tal preceito, comenta

CAPEZ140:

É a manifestação do princípio da oportunidade, que informa a

ação penal pública condicionada até o momento do oferecimento

da denúncia (CPP, art. 25). A autoridade judiciária e o Ministério

Público só poderão requisitar a instauração do inquérito se fizerem

encaminhar, junto com o ofício requisitório, a representação. [...] O

ofendido só pode oferecer a representação se maior de 18 anos,

se menor, tal prerrogativa caberá a seu representante legal. Com

a edição do Novo Código Civil, a partir dos 18 anos a pessoa

adquire plena capacidade civil, cessando, a contar dessa data, a

figura do representante legal. Assim não cabe mais falar em

representante legal para o ofendido maior de 18 anos e menor de

21 anos.

Assevera ainda, que a representação, naturalmente, será

apresentada à autoridade judicial, ou ao Ministério Público, ou até mesmo à

autoridade judiciária, sendo que “após o oferecimento da denúncia, a

representação se torna irretratável.”141

Quanto à ação penal condicionada à requisição do Ministro

da Justiça, preceitua DEMERICAN142 que “não se confundem com a requisição do

Ministério Público ou do Juiz de Direito (art. 13, inciso II, CPP, ato de exigir

legalmente). Trata-se de uma condição específica da ação penal.” Salienta ainda

que “não há prazo para a requisição”, sendo que o Ministro da Justiça “não

decairá desse direito”, podendo, contudo, haver a figura da prescrição. Nesse

sentido, quando ao prazo decadencial preconiza:

140

CAPEZ, Fernando. COLHAGO, Rodrigo. Prática forense penal. p.9.

141 CAPEZ, Fernando. COLHAGO, Rodrigo. Prática forense penal. p.9-10.

142 DEMERICAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. p. 130-131.

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63

Como não há previsão de prazo decadencial para a apresentação

da requisição do Ministério da Justiça, também não se pode falar

em retratação da requisição ofertada, pois aquela autoridade tem

tempo suficiente para decidir a conveniência da autorização para

a persecutio criminis. Cumpre notar, ademais, que a alei também

não prevê retratação da requisição.

Assim, no caso de crime cometido por pessoa estrangeira

contra cidadão brasileiro, fora do território brasileiro, no caso de crimes contra a

honra, não importando se cometidos publicamente ou não, contra chefe de

governo estrangeiro, dentre outros, a requisição será encaminhada ao chefe do

Ministério Público, o qual poderá, desde logo, instaurar a denúncia ou fazer a

requisição de diligências à autoridade policial.143

No caso de ação penal privada, preceitua MARQUES144 que

a ação penal privada145 “é aquela em que o direito de acusar pertence exclusiva

ou subsidiariamente, ao ofendido ou a quem tenha quantidade para representá-

lo.” Assevera ainda, que “ ela se denomina ação privada, porque seu titular é um

particular, em contraposição à ação penal pública, em que o titular do jus actionis

é um órgão estatal: O Ministério Público.”

Corroborando com tal idéia, complementa CAPEZ146:

Conforme disposto no art. 5º, §5º, do Código de Processo Penal,

tratando-se de crime de iniciativa privada, a instauração do

inquérito policial pela autoridade pública depende de requerimento

escrito ou verbal, reduzindo a termo neste último caso, do

ofendido ou de seu representante legal, isto é, da pessoa que

detenha a titularidade da respectiva ação penal (CPP, arts. 30 e

31). Nem sequer o Ministério Público ou a autoridade judiciária

poderão requisitar a instauração da investigação.

Nesse mesmo sentido, comenta TOURINHO FILHO147:

143

CAPEZ, Fernando. COLHAGO, Rodrigo. Prática forense penal. p.10.

144 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p.391.

145 O art. 100 §2º do Código Penal diz que “A ação penal privada é promovida mediante queixa

pelo ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo”, sendo a mesma regra contido no artigo 30 do Código de Processo Penal, que preconiza: “Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada”.

146 CAPEZ, Fernando. COLHAGO, Rodrigo. Prática forense penal. p.10-11.

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64

A distinção que se faz entre ação penal pública e ação penal privada descansa, única e exclusivamente, na legitimidade para agir. Se é o órgão do Ministério Público que deve promovê-la, a ação se diz pública. Privada, se a iniciativa couber ao ofendido ou a quem legalmente o representante.

CAPEZ148 comenta ainda que o requerimento é

caracterizado por ser um pedido diferente quando comparado à representação,

eis que detalha todos os fatos ocorridos “narrando a autoria, os fatos, horário,

local, inclusive indicando testemunhas, se possível, demonstrando para a

autoridade policial que ocorreu um fato criminoso ou sujeito à investigação”.

Existe uma ressalva no caso de ação penal privada, posto

que o ofendido pode dispor da ação penal149, enquanto que nos casos de ação

pública, uma vez instaurada a denúncia pelo Ministério Público, este órgão não

poderá desistir. Assim, nos casos em que a lei prevê expressamente que

determinado crime se apura mediante queixa, a ação penal é privada. Nestes

casos, o art. 5º, § 3º, do CPP, diz que a Autoridade Policial somente deverá

proceder ao Inquérito Policial a requerimento de quem tenha a capacidade para

intentá-la. O flagrante, igualmente, somente poderá ser lavrado a pedido da vítima

(formalizado), já que se trata de peça vestibular do inquérito policial. O

requerimento, portanto, não exige formalidades, basta que sejam oferecidos os

elementos indispensáveis à instauração do inquérito policial. 150

Nesse sentido, nos crimes cometidos, sob a égide da Lei nº

11.340/06, a lei remete aos tipos penais comuns, acrescendo-lhes elementos

especiais. Para os efeitos do referido diploma, os crimes de gênero necessitam de

conduta baseada no gênero e relação de afetividade entre os sujeitos. Desse

modo, o fato de não haver tipos penais novos, para caracterizar o tipo da ação

147

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. p. 417.

148 CAPEZ, Fernando. COLHAGO, Rodrigo. Prática forense penal. p.10-11.

149 “O ofendido pode dispor da ação penal: a) deixando de propô-la, pura e simplesmente, dentro

de seis meses contados da data em que teve conhecimento do crime, caso em que ocorrerá a decadência do jus acusationis; b) renunciando ao direito de queixa, tácita ou expressamente; c) perdoando o querelado, depois de instaurado o processo criminal; d) deixando ocorrer a perempção da instância.” In: MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p.397.

150 CAPEZ, Fernando. COLHAGO, Rodrigo. Prática forense penal. p.10-11.

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65

penal cabível deverá ser analisado qual o crime em si e a hipótese de incidência

penal previsto para o mesmo.151

3.2 CONCEITOS DE RENÚNCIA E RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO

3.2.1 Renúncia

O instituto da renúncia é previsto no Código Penal, como

causa extintiva de punibilidade, nos crimes de ação penal privada:

Art. 107 – Extingue-se a punibilidade:

[...]

V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos

crimes de ação privada;

[...]

Desse modo, JESUS152 define renúncia como sendo a

“abdicação do ofendido ou de seu representante legal do direito de exercer a ação

penal privada”, sendo apenas possível antes da ação penal privada, podendo ser

recebida pelo disposto no art. 104, caput do Código Penal, pois impede o

oferecimento da queixa, sendo oportuna, portanto, que a renúncia seja feita

dentro do prazo de seis meses previstos para o ajuizamento da ação penal

privada.

Nessa mesma linha, NUCCI153 afirma que a renúncia é a

desistência da propositura de ação penal privada, ocorrendo antes do

ajuizamento da ação. Assim, complementa SOUZA154 que a renúncia consiste em

abdicar direito de queixa, ou seja, implica em desistir do direito de agir na esfera

penal em face de pessoa que figure como acusado.

151

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 53.

152 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. vol.1. parte geral. 28. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005.

p. 697.

153 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6.ed. ver. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2006. p. 493.

154 SOUZA, Sergio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência contra a mulher. p.

95.

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66

3.2.2 Retratação da representação

Inicialmente, cumpre salientar acerca da representação e

sua relação com o processo penal, comentando DIAS155 que a desistência só é

cabível nos casos de delitos sujeitos à representação, não havendo essa

possibilidade nos casos de ação penal pública incondicionada. Entretanto,

procura definir o contexto da retratação como sendo ato posterior, de maneira a

“desistir da representação já manifestada”, em suma a “Retratação é uma ato pelo

qual alguém retira sua concordância para realização de determinado ato, que

depende de sua autorização”.

Nesse viés, explica a autora156 acerca dos crimes que

exigem representação criminal, bem como do eventual silêncio da vitima,

considerando:

Exigem representação os crimes de ação penal: os crimes de

ação pública condicionada assim identificados no Código Penal e

as lesões corporais leves e lesões culposas, por expressa

disposição do art. 88 da Lei 9.099/95. Os crimes de ação privada

dependem de queixa-crime. A representação condicionada à

instauração da ação penal, tanto que o inquérito não pode ser

instaurado antes da manifestação da vitima (CPP, art. 5º, §4º). O

silêncio da vitima significa que ela “renunciou” ao direito de

representar contra o ofensor, abriu mão do direito de vê-lo

responder pelo ato que praticou. Portanto, “renúncia à

representação” quer dizer não exercer o direito de representar,

manter-se inerte.

Desse modo, TOURINHO FILHO157 conclui que após feita a

representação, quem a fizer poderá retratar-se, porém, a denúncia ainda não

poderá ter sido oferecida, asseverando o autor que mesmo que o Juiz de Direito

não a tenha recebido, não mais caberá a retratação.

155

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 111.

156 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de

combate à violência e familiar contra a mulher. p. 111.

157 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.1. 597.

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67

3.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ART 16 LEI 11.340/06

Inicialmente destaca-se a questão da "renúncia" à

representação, de que trata o art. 16 da referida lei, in verbis:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à

representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida

a renúncia à representação perante o juiz, em audiência

especialmente designada com tal finalidade, antes do

recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.158

Nesse sentido, relacionando os conceitos de renúncia e

representação, aplicando-se ao contexto da Lei nº 11.340/06, é imperioso fazer a

diferenciação entre renúncia e retratação, na qual SOUZA159 discorre que “a

formalidade inserida no art. 16 da Lei nº 11.340/06, aplica-se apenas aos crimes

sujeitos a ação penal condicionada à representação, sendo que o termo

”renúncia" ali consignada tem sentido de "retratação" “. De fato, com a simples

leitura do dispositivo, nota-se que o legislador conferiu à agredida o direito de

retratar-se da representação, anteriormente oferecida, até a data do recebimento

da denúncia.160

Nesse sentido, pronunciou-se o Tribunal de Justiça de

Santa Catarina161:

Destarte, a segurança familiar e a liberdade individual da mulher

deve se sobrepor ao sistema penal, pois o Poder Judiciário não

tem o poder de agir contrariamente à família, sendo, pelo

contrário, obrigatoriamente responsável pelo zelo de tão

importante e insubstituível forma de relação social, uma vez que

158

BRASIL. Lei nº 11.340/06. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8

o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

159SOUZA, Sergio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência contra a Mulher: Lei

Maria da Penha 11.340/06. p. 96-97.

160 SOUZA, Sergio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência contra a Mulher: Lei

Maria da Penha 11.340/06. p. 96-97.

161 Reclamação n. 2008.042543-3, de Lages, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, j. 13/10/2008.

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68

as questões do Direito de Família são muito mais importantes

que a imposição de uma pena a um agressor perdoado pela

vítima. Não se pretende deixar a ofendida livre para renunciar ao

seu direito no momento em que bem entender, mas sim, fazer

criar a consciência de necessidade da realização da audiência

preconizada pelo art. 16 da Lei Maria da Penha, pois é nela que o

juiz poderá avaliar a situação entre o casal e explicar,

minuciosamente, fatos que poderiam restar omitidos na seara

policial

Desse modo, a norma atribuiu formalidade à retratação,

pretendendo conferir maior eficácia aos objetivos da lei, porquanto estabeleceu a

imprescindibilidade de o ato ser realizado em audiência solene, para que a mulher

esteja livre de pressões externas e ameaças quando demonstrar a sua vontade,

estipulando o dispositivo, inclusive, a necessidade da presença do Ministério

Público. Nesse norte, mostra-se indispensável ao magistrado aplicar os objetivos

para os quais se editou a lei, realizando-se a interpretação da vontade legislativa

e compreendendo o espírito da norma por meio dos princípios e motivos que a

legitimaram, de acordo com o art. 4° da Lei 11.340/06.162

Na interpretação desta lei, deverão observados os fins

sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das

mulheres em situação de violência doméstica e familiar, obrigando o aplicador,

assim, à análise da ratio legis.163

Sobre o tema, disserta PORTO164:

Ademais, sem sombra de dúvidas, se a exigência de

representação é de fato uma medida despenalizadora, não

menos certo é que deixar esta decisão no poder da vítima, que

pode então utilizá-la como instrumento de barganha para uma

162

Anotações preliminares à Lei nº 11.340/06 e suas repercussões em face dos Juizados Especiais Criminais. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=8917, acesso em 02/02/2010.

163 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da

Penha (Lei 11.340/2006). p. 61.

164 Anotações preliminares à Lei nº 11.340/06 e suas repercussões em face dos Juizados

Especiais Criminais. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=8917, acesso em 02/02/2010.

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69

justa reparação de danos civis, atende a dois objetivos: punir o

sujeito ativo e beneficiar direta e imediatamente a própria vítima.

Nesse viés, oportuno salientar a questão da retratação nos

moldes do art. 16 da Lei n º11.340/06, uma vez existente a dependência

processual do recebimento da denúncia do órgão ministerial pelo juiz, desde que

a vítima concorde em promover a ação penal, após sua inquirição em audiência

preliminar. Nesse sentido, considera PACHECO165:

A admissão judicial, em audiência especial, da renúncia à

representação é condição resolutiva para efeito de extinção de

punibilidade, ou seja, é condição sem a qual a renúncia à

representação não gera sua eficácia extintiva. No contexto da Lei

nº 11.340/06, parece-nos que a mera “retratação da

representação”, sem a referida admissão judicial em audiência

especial, não impede a investigação criminal, o oferecimento da

denúncia, o processo penal ou as demais providências de

urgência pela Polícia, membro do Ministério Publico ou juiz.

Nessa linha, a “retratação da representação” teria efeito diverso

do que ocorre fora do âmbito da Lei nº 11.340/06.

Assim sendo, para se condenar alguém pelo referido fato

criminoso deve o Ministério Público propor ação penal pública condicionada à

representação, sendo que no caso desta infração ter sido cometida no âmbito

doméstico e familiar, deve haver uma audiência preliminar na qual o sujeito

passivo poderá manifestar renúncia à representação perante o Contudo, o art, 41

da Lei n" 11.340/06 da aludida norma informa que os crimes praticados com

violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena

prevista, não se aplica a Lei n" 9.099/95. Referido dispositivo legal, à primeira

vista, parece contradizer o art. 16 da Lei Maria da Penha. Entretanto, este

aparente conflito resolve-se por questões de hermenêutica.166

Dessa maneira, deve-se interpretar o art. 41 da Lei n"

11.340/06 de forma sistemática ao art, 16 da mesma norma, sob pena de este

dispositivo legal tornar-se inócuo relativamente ao crime de lesão corporal leve

165

PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: critica e práxis. p. 538.

166 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: critica e práxis. p. 538.

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70

ocorrido no âmbito doméstico e familiar, caso aquele dispositivo normativo seja

interpretado isoladamente.167

Desse modo, deve ser o art. 16 a "renúncia", interpretada

como "retratação" da representação, a partir do recebimento da denúncia e não o

seu oferecimento, como tradicionalmente estabelecido no art. 25 do Código de

Processo Penal, que continua aplicável às demais situações.168

3.4 A REPRESENTAÇÃO NO CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE

A lesão corporal “leve” descrita no caput do art. 129 do

Código Penal, com pena de detenção, de três meses a um ano, não se confunde

com a figura de lesão corporal com violência doméstica, do § 9º do art. 129 do

Código Penal, com pena de detenção, de três meses a três anos, ressaltando-se

que, na hipótese da lesão corporal com violência doméstica, a adequação típica

se dá na última figura, e não na de lesão leve do caput.169

Nesse sentido, abordo PACHECO170:

[...] com essa pena máxima de três anos, sequer é infração penal

de menor potencial ofensivo e não esta sujeita aos juizados

especiais criminais. Mas isso, como já o dissemos, não impede a

suspensão condicional do processo, tendo em vista os

argumentos expendidos e o fato de uma pena mínima não ser

superior a um ano.

Desse modo, o crime de lesão corporal leve apresentou-se

como de ação penal publica incondicionada, até a promulgação da Lei nº

9.099/95, a qual estabelece em seu art. 88, que “além das hipóteses do Código

Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa

167

NUCCI, Leis penais e processuais comentadas. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007 p. 1060-1062.

168 GOMES, Luiz Flávio, e BIANCHINI, Alice. Lei da Violência Contra a Mulher – Renúncia e

Representação da Vítima. Disponível na Internet, www.lfg.com.br, acessado em 17/11/09.

169 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: critica e práxis. p. 540.

170 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: critica e práxis. p. 540.

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71

aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”. Portanto, o referido

delito passou de ação penal condicionada à representação, recebendo uma

característica peculiar, ou seja, foi considerada como de menor potencial

ofensivo, isto por força do disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/95.171

Dessa feita, por lógica, verifica-se que no caso de prática da

infração de lesão corporal leve praticada no âmbito doméstico e familiar contra a

mulher, referida conduta deve ser apurada por meio da ação pública condicionada

à representação da ofendida. Devendo, assim, haver uma audiência antes do

recebimento da exordial acusatória para que nela a vítima possa exercer o seu

direito de renúncia à representação, por força do que dispõe o art. 16 da Lei nº

11.340/06.172

3.5 A APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS

A Lei nº 11.340/2006, inseriu no ordenamento jurídico

brasileiro um rol de medidas visando resgatar a cidadania feminina e assegurar à

mulher o direito a uma vida sem violência. A partir de agora as agressões sofridas

pelas mulheres sejam de caráter físico, psicológico, sexual, patrimonial e inclusive

moral, passam a ter tratamento diferenciado pelo Estado. Dedica a referida lei,

nos seus artigos 18 a 24, um capítulo às medidas protetivas de urgência,

existindo em um dos artigos a seguinte previsão:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar

contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de

imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as

seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das

testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes

e o agressor; [...]

171

SOUZA, Sergio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. p. 104.

172 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: critica e práxis. p. 541.

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72

Nesse sentido, DIAS173 assevera que além da medida

protetiva de afastamento do agressor do lar, também merece ser adotado o

procedimento de manter-se o agressor distante da vítima:

Outra forma de impedir contato entre agressor e ofendida, seus

familiares e testemunhas é fixar limite mínimo de distância de

aproximação (art. 22, III, “a”). Para isso o juiz tem a faculdade de

fixar, em metros, a distância a ser mantida pelo agressor da casa,

do trabalho da vítima, do colégio dos filhos.[...] Dita vedação não

configura constrangimento ilegal e em nada infringe o direito de ir

e vir consagrado em sede constitucional (CF, art. 5º, XV). A

liberdade de locomoção encontra limite no direito do outro

depreservação da vida e da integridade física. Assim, na

ponderação entre vida e liberdade há que se limitar esta para

assegurar aquela.

Assim, no caso das medidas protetivas previstas na Lei

11.340/06 não há a presença do “fumus boni iuris” uma vez existente a prática de

um ato ilícito. Não há que se falar em fumaça de bom direito quando o que se

vislumbra é uma prática criminosa. Na verdade, o requisito presente que se

constata é o fumus commissi delicti174.

Procurando diferenciar os tipos de medidas cautelares

aplicáveis ao processo penal, neste caso no âmbito da Lei nº 11.340/06, assevera

PACHECO175 que existem diferenças a serem observadas nas medidas do art. 12

e do art. 22 da referida lei, comparando:

O art. 12 da Lei 11.340/06 se refere a outros procedimentos do

CPP, o art. 13 se refere ao processo, ao julgamento e à

excecução das causas cíveis e criminais, bem como a aplicação

do CPP, do CPC e da legislação específica relativa à criança, ao

adolescente e ao idoso no que não conflitar com essa lei, o art.

20 diz respeito à prisão preventiva, o art. 22 manda aplicar, no

que couber, o art. 461, §§5º e 6º, do CPC, e ainda pode haver

“outras medidas”.

173

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 85.

174 GOMES, Luiz Flávio, e BIANCHINI, Alice. Lei da Violência Contra a Mulher – Renúncia e Representação da Vítima. Disponível na Internet, www.lfg.com.br, acessado em 17/11/09.

175 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: critica e práxis. p. 541.

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73

[...]

Já as medidas do inciso IV do art. 22 da LVM parecem ter caráter

cível, seguindo um procedimento civil. Uma coisa é a proibição de

contato como medida cautelar penal, sujeita ao fumus delicti, ao

periculum libertatis, aos fins e ao término da persecução criminal,

o que, indiretamente afeta a eventual visita, e outra diversa é a

restrição ou suspensão de visita, como medida cautelar civil,

sujeita ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, relativa ao

direito de família.

Desse modo, é importante ressaltar que as medidas

protetivas de urgência deferidas no curso do inquérito policial ou do processo

penal, embora não constituam providências acautelatórias do provimento final do

processo penal – a aplicação de uma pena dentro dos limites tolerados pela

Constituição -, pela sua própria natureza, são transitórias e, em tese, somente

cabíveis naquelas situações nas quais a prevenção eventualmente não tiver

nenhuma eficácia.176

Nesse sentido, observa DELMANTO JÚNIOR que “não se

pode afirmar que o delito cometido é uma "fumaça do bom direito", quando na

verdade o que se espera é a probabilidade da ocorrência de um delito, ou seja, o

fumus delicti, ou o fumus commissi delicti. Desta forma é a provável ocorrência de

um delito e os indícios da autoria que se fundem no pressuposto fumus delicti, e

não a existência de um sinal, fumaça de um bom direito que deverá ser tutelado

pelo Estado, o fumus boni iuris.”177

Tal situação pode ser analisada da mesma forma quando

analisamos o outro requisito para a medida cautelar de natureza cível, ou seja, o

periculum in mora. Vê claramente que tal requisito não está presente como

essencial para o deferimento das medidas protetivas da Lei 11.340/06. O que se

tem é uma situação de risco para a vítima, que precisa de proteção do Estado,

176

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei .11.340/2006 de combate à violência e familiar contra a mulher. p. 97.

177 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de

duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 976 p. p. 95.

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74

uma vez que presente o requisito da medida cautelar criminal “periculum

libertatis”.

3.6 APLICAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA

A prisão preventiva, possui essência cautelar, pois objetiva

resguardar a eficácia das medidas protetivas de urgência, que não estão

vocacionadas a assegurar o resultado final do processo penal, ou seja, a

aplicação da pena dentro dos limites máximos de contenção do poder punitivo,

mas se confundem com o próprio fim da intervenção estatal, por meio do

processo penal: a realização, na medida de suas possibilidades, dos direitos

fundamentais do acusado e, agora, após longo período de exclusão, também da

vítima.

Nesse sentido, ressalta-se que a prisão preventiva

referenciada na Lei "Maria da Penha" continua cabendo apenas diante de crimes

dolosos, porque o inciso IV do art. 313 do Código de Processo Penal subordina-

se ao seu caput, onde, na parte final, se estabelece que a medida excepcional só

cabe em crimes dolosos, estando, por conseguinte, excluídas de sua incidência

as contravenções e os crimes culposos.178 Neste sentido, a prisão preventiva do

inciso IV será ainda mais excepcional e, necessariamente, subsidiária às outras

medidas cautelares, definidas como protetivas de urgência, estabelecidas nos

arts. 22, 23 e 24 da Lei "Maria da Penha".179

Nessa linha, trouxe o art. 42 da Lei nº 11.340/06, nova

hipótese de cabimento de prisão preventiva, adicionando o inciso IV do art. 313

do Código de Processo Penal, possibilitando ao juiz decretar a prisão provisória

178

BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha". Alguns comentários. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006>. Acesso em: 27 abril. 2010.

179 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha". Alguns comentários. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006>. Acesso em: 27 abril. 2010.

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75

em desfavor do agressor, “para garantir a execução das medidas protetivas de

urgência”.180

Desse modo, apenas caberá a prisão preventiva, nas

hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher aventadas

exclusivamente no inciso IV do art. 313 para assegurar a eficácia daquelas

medidas protetivas de urgência, se as mesmas, por si só, se revelarem ineficazes

para a tutela da mulher.181

Tal restrição, no entanto, não se torna tão importante na

hipótese do caso se enquadrar nas demais situações estabelecidas nos arts. 313,

I, II e III do Código de Processo Penal, os pressupostos clássicos da prisão

preventiva, ou seja, crime doloso punido com reclusão, punido com detenção

quando o réu é vadio ou há dúvidas sobre sua identificação, ou, independente da

pena cominada, se o réu já foi condenado por outro crime doloso. Presentes

algum dos outros três pressupostos da prisão preventiva, ainda que o crime seja

resultado de violência doméstica e familiar contra a mulher, não se precisará

recorrer ao inciso IV, cabendo a prisão preventiva, independente da eficácia ou

não das outras medidas protetivas de urgência, pelas simples hipóteses

estabelecidas nos incisos I, II e III.182

Assevera CABETTE, que o dispositivo é providencial,

constituindo-se em um instrumento muito útil, tornando efetivas as medidas

preconizadas pela Lei nº 11.340/06. Em não havendo tal modificação, a maioria

dos casos de violência doméstica contra a mulher ficaria privada do instrumento

coercivo da prisão preventiva por ausência de sustentação nos motivos elencados

180

PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência domestica e familiar contra a mulher. lei 11.340/06 – analise critica e sistêmica. p. 25.

181 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência domestica e familiar contra a mulher. lei

11.340/06 – analise critica e sistêmica. p.26.

182 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha".

Alguns comentários. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006>. Acesso em: 27 abril. 2010.

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76

do art. 312 do Código de Processo Penal, tradicionalmente e nos casos de

cabimento descritos no art. 313 do Código de Processo Penal.183

Nesse mesmo viés, considera PACHECO184:

Todavia, o afastamento do lar, domicilio ou local de convivência

com a ofendida pode servir aos fins da persecução criminal,

como medida cautelar processual penal, quando, então, deve

satisfazer aos pressupostos do fumus comissi delicti e do

periculum in mora, tendo como parâmetro o art. 312 do CPP,

segundo a duração razoável do processo penal, ela poderá ser

decretada, por exemplo, nos próprios autos do inquérito policial

ou do processo penal condenatório.

É preciso, portanto, principalmente nos crimes de menor

potencial ofensivo, em virtude da pequena quantidade de pena privativa de

liberdade cominada, que o Juiz seja prudente em decidir pela prisão do agressor,

não podendo-se exceder, em tempo de duração, à projeção de aplicação da pena

privativa de liberdade cominada, em caso de condenação, fato que poderia gerar

a “perda do cautelaridade que se deve exigir da prisão preventiva”.185

Imprescindível considerar, também, que é aplicável ao tema

o art. 314 do Código de Processo Penal186, de sorte que não se poderá cogitar da

prisão preventiva, mesmo em casos de violência doméstica e familiar contra a

mulher, se dos autos se delinearem situações de excludente da antijuridicidade ou

da culpabilidade , faltaria fumus boni juris.

Por outro lado, tendo em vista que a proteção à mulher

vítima da violência doméstica e familiar deve ser efetivada por meio de uma

política pública, constituída de um conjunto de medidas integradas, que vão da

183

CABETE, Eduardo Luiz Santos. Anotações e criticas sobre a lei de violência contra familiar a domestica contra a mulher. Disponível em www.jusnavigand.com.br acessado em 06/11/2009.

184 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal: critica e práxis. p. 541.

185 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha".

Alguns comentários. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9006>. Acesso em: 27 abril. 2010.

186 BRASIL, Código de Processo Penal, art. 314: "A prisão preventiva em nenhum caso será

decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições do art. 19, I, II ou III, do Código Penal".

Page 88: ASPECTOS DESTACADOS DA LEI Nº 11.340/06 - UNIVALIsiaibib01.univali.br/pdf/Rubia Fernanda Ferreira.pdf · materiais e processuais da Lei nº 11.340/06. O seu objetivo é a comprovação

77

prevenção à proteção, se as medidas protetivas de urgência determinadas no

curso do processo penal forem insuficientes para afastar o perigo de lesão aos

direitos fundamentais da mulher, deverão ser substituídas por outras medidas

mais duradouras, as quais poderão ser executadas mesmo após o trânsito em

julgado da sentença penal condenatória, mas, nessa hipótese, a prisão preventiva

não mais poderá ser decretada para a sua eficácia, exceto se a conduta violadora

constituir novo crime e ensejar a instauração de novo processo penal.187

Portanto, a prisão preventiva prevista na Lei 11.340/06,

diferentemente das demais hipóteses legais, tem por fundamento a existência de

uma necessidade de proteção necessidade proteção específica, principalmente

no âmbito processual, dos direitos fundamentais da mulher, vítima da violência

doméstica e familiar, constituindo, a priori, uma “restrição” legítima no sistema

processual penal e constitucional e brasileiro.

187

PRADO, Fabiana Lemes Zamalloa do. A ponderação de interesses em matéria de prova no processo penal. São Paulo: IBCCRIM, 2006.

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78

Considerações Finais

O presente trabalho teve como objetivo investigar a Lei n°

11.340 de 07 de agosto de 2006, à luz dos preceitos jurídicos nacionais, que

possibilitou a instauração de procedimento criminal específico no tocante á

violência contra a mulher, definindo preceitos específicos de aplicação no âmbito

material e processual penal. O interesse pelo tema abordado deu-se em razão de

sua atualidade e pela diversidade que o tema vem sendo abordado no contexto

nacional, desde a promulgação do referido diploma.

Neste diapasão, é perceptível o interesse do legislador

evitar e proteger a mulher contra a violência doméstica, na qual sempre se

sujeitou às “medidas comuns”, não havendo até o ano de 2006, regras e

procedimentos específicos que poderiam garantir sua proteção efetiva. Um

importante fundamento para a questão se encontra no fato de ser necessária uma

prestação jurisdicional que responda aos anseios, cada dia mais crescentes, da

sociedade, em busca da satisfação das suas pretensões, neste caso a aplicação

de medidas específicas de proteção à mulher vítima de violência nos termos da

Lei nº 11.340/06.

No primeiro capítulo, ressaltou-se na historia que, o papel

social do homem foi moldado para dominar a mulher e o da mulher para ser

submissa. Diante de tal relação desigual, surge na sociedade um modelo também

desigual, na qual exalta a “competição masculina”, sendo o intuito da lei mudar tal

mentalidade social, colaborando para a construção de uma convivência

equilibrada, pacífica e democrática entre os sexos.

No segundo capítulo sob o ponto de vista do Direito atual,

ressaltou-se o fato de que a figura do Estado representa importante papel na

promoção e garantia de direitos à mulher, apesar da promoção da ação penal

depender de aceitação da vítima em promover a referida medida, mediante

comparecimento em audiência preliminar nos moldes do art. 16 da referida lei,

muito embora possam existir aplicação de medidas protetivas pela autoridade

policial, conforme exposto.

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79

Desse modo, a Lei 11.340/06 constituiu, sem dúvida, um

avanço para a consolidação do processo penal como efetivo instrumento de

garantia aos direitos sociais da mulher. Entretanto, isso somente será alcançado

se uma efetiva política de bem-estar social for implementada pelo Poder Público,

sob pena de transformar-se a referida lei em mais um capítulo do fracasso do tão

sonhado, Estado Democrático de Direito.

No terceiro capítulo enfatizou-se o fato de não haver

tipificação legal na referida lei e o excesso de divergência doutrinária acerca do

tema, observa-se que na tentativa de definição das condutas previstas como

crime, a Lei nº 11.340/06 remete aos tipos penais comuns, acrescentando-lhes

elementos especiais, definindo tecnicamente a doutrina de crime remetido, não

havendo, portanto, criação de tipos penais novos, fato este que exige a

interpretação sistemática dos arts. 5º e 7º da referida lei. Existe, entretanto, a

novidade de que a lei prioriza e prevenção especial em relação ao sujeito passivo,

ou seja, a vítima concreta do crime.

Neste sentido, todas as hipóteses abordadas no inicio da

presente monografia foram confirmadas. Portanto, ao contrário do que se pode

presumir, mesmo diante da eventual omissão do legislador em alguma matéria,

ou da não tipificação de crimes, não foi deixada de lado a preferência pela

proteção à mulher, principalmente nos casos de violência doméstica. Desse

modo, é pacífico o entendimento de que a Lei nº 11.340/06 é um avanço

legislativo, pois resgata o intuito da prevenção da lei penal do ordenamento

jurídico pátrio, acentuando-se a luta contra os crimes de violência contra a mulher

com atenção especial para a mesma, reprimindo-se, quando necessário o

agressor (acusado), pois objetiva, acima de tudo, resgatar a paz e o equilíbrio

social.

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