aspectos culturais da tradução bíblica no brasil

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UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO Centro de Filosofia e Ciências Humanas GUILHERME CARAMEL MARQUES ASPECTOS CULTURAIS DA TRADUÇÃO BÍBLICA NO BRASIL: UM ESTUDO COMPARATIVO DO NÔVO TESTAMENTO/EDIÇÃO CATEQUÉTICA POPULAR E JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA

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Trabalho de Conclusão de Curso de Tradutor na Universidade do Sagrado Coração de Jesus, em Bauru-SP.Este trabalho apresenta uma pesquisa sobre a Bíblia Sagrada (composição de seus livros, suas traduções ao longo da história), além de discutir o processo de tradução e a mudança de alguns versículos bíblicos entre diferentes versões bíblicas.

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Page 1: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃOCentro de Filosofia e Ciências Humanas

GUILHERME CARAMEL MARQUES

ASPECTOS CULTURAIS DA TRADUÇÃO BÍBLICA NO BRASIL:

UM ESTUDO COMPARATIVO DO NÔVO TESTAMENTO/EDIÇÃO CATEQUÉTICA POPULAR E JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA

Bauru 2007

Page 2: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃOCentro de Filosofia e Ciências Humanas

GUILHERME CARAMEL MARQUES

ASPECTOS CULTURAIS DA TRADUÇÃO BÍBLICA NO BRASIL:

UM ESTUDO COMPARATIVO DO NÔVO TESTAMENTO/EDIÇÃO CATEQUÉTICA POPULAR E JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA

Bauru 2007

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Monografia apresentada ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Sagrado Coração como parte dos requisitos para obtenção do título de bacharel em Tradutor, sob orientação do Prof. Ms. Antônio Walter Ribeiro de Barros Junior

Page 3: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Dedico este trabalho aos meus pais

Josias e Marlene e à minha irmã

Déborah.

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Page 4: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus, fonte de esperança, alívio e salvação, em quem encontro

força a qualquer momento para todas as situações.

Aos meus pais, Josias e Marlene, e a minha irmã, Déborah, pelo apoio incondicional em todos

os momentos da composição deste trabalho, pelo incentivo e luta durante todos esses anos

para que eu concluísse o Ensino Superior.

À minha namorada, Cristiane, por entender os meus objetivos ao escrever esse projeto e pelo

apoio constante sempre que precisei.

Agradeço também ao meu orientador, Prof. Ms. Antônio Walter Ribeiro de Barros Júnior, por

todas as leituras e pelo direcionamento do trabalho que fez que o mesmo se tornasse bastante

enriquecido. Sua visão muito colaborou para que esse trabalho se tornasse realidade.

E, por fim, um agradecimento singelo ao Luis Martini, Tinho (Benedito), Wendel Pinheiro e

Prof. Jorge Fabbro; as professoras Marileide Esqueda e Patrícia Belam pelo apoio neste ano;

aos amigos e colegas por estarem ao meu lado diariamente, sempre me dando palavras de

conforto e ânimo.

Obrigado a todos, cada qual contribuiu com a diferença para o desenvolvimento e conclusão

deste projeto.

iv

Page 5: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

“A tradução (...) Trabalho penoso, extenuante,irritante, desesperador. Trabalho que enriquece,

é necessário aos homens, exige abnegação,escrúpulos, honestidade, modéstia (...) E,

naturalmente, talento.”Elsa Triolet

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Page 6: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Resumo

Escrita por diferentes autores, a Bíblia apresenta uma seqüência de histórias e ensinamentos que formam a base das religiões cristãs atuais. Todo livro tem uma história única e deve ser lido sob seu próprio contexto histórico, gênero literário e intenção do autor. Buscando analisar o papel do tradutor dos textos bíblicos e as nuances de seu trabalho, este trabalho objetiva traçar de uma maneira mais pontual a história da bíblia e suas traduções ao longo dos anos, a nível mundial e, posteriormente, no Brasil, além de analisar quatro excertos bíblicos distintos crítico-comparativamente, nos aspectos semântico-discursivo, estilístico e cultural apresentados no Novo Testamento. Esta pesquisa é de caráter exploratório-documental e utiliza a técnica de descrição histórica e bibliográfica, fazendo uma análise crítico-comparativa de quatro excertos de livros do Novo Testamento bíblia e apontando e discutindo pontos semelhantes e divergentes nas traduções das edições católicas das bíblias Nôvo Testamento e Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular. Este trabalho encontra justificativa no fato de que contribui para a discussão a respeito do trabalho da tradução bíblica e da existência de mudanças no texto bíblico ao longo dos anos.  

Palavras-chaves: Tradução Bíblica; Edições Católicas, Mudanças No Texto Bíblico.

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Page 7: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Abstract

Written by different authors, the Bible presents a sequence of histories and teachings that form the base of the current Christian religions. Each book has its own history and must be read on the background of its proper historical context, literary genre, intention of the author, etc. (KONINGS, 1998). Wanting to analyze the role of the translator of the Biblical texts and the nuances of his work, this work aims to trace the history of the Bible and its translations over the years in a world-wide level and later in Brazil, besides a critical-comparative analysis of four distinct Biblical excerpts, in the semantic-discursive, stylistic and cultural aspects presented in the New Testament. This research has an exploratory-documentary character and uses the historical description technique, making a critical-comparative analysis of four excerpts of book of the New Testament, pointing and arguing similar and divergent points in the translations of Catholic bible editions Nôvo Testamento and Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular. This work contributes for the discussion concerning the work of the Biblical translation and the existence of changes in the Biblical text over the years.

Key Words: Biblical translation; Catholic Editions; Biblical Text Changes.

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Page 8: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Lista de Anexos

Anexo 1: Nôvo Testamento - Contracapa e Capa....................................................................85Anexo 2: Nôvo Testamento - Frontispício................................................................................86Anexo 3: Nôvo Testamento - Índice..........................................................................................87Anexo 4: Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular - Contracapa e Capa........................88Anexo 5: Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular - Fronstispício..................................89Anexo 6: Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular - Índice.............................................90Anexo 7: Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular - Prólogo à Tradução..........................91

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Page 9: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Lista de Tabelas

Tabela 1. Divisões dos livros da bíblia hebraica. Adaptada de Alter (1997, p. 24)................20Tabela 2. Itens para checagem de existência nas edições publicadas pela editora Ave-Maria.69

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Page 10: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Sumário

I INTRODUÇÃO.................................................................................................................111 A HISTÓRIA DA BÍBLIA E SUA COMPOSIÇÃO.....................................................15

1.1 O Velho Testamento........................................................................................................171.1.1 O Pentateuco............................................................................................................201.1.2 Os Livros Históricos................................................................................................221.1.3 Os Livros Poéticos...................................................................................................261.1.4 Os Livros Proféticos................................................................................................27

1.2 O Novo Testamento.........................................................................................................301.2.1 Os Evangelhos.........................................................................................................311.2.2 O Livro Histórico.....................................................................................................331.2.3 As Epístolas.............................................................................................................331.2.4 O Livro Profético.....................................................................................................34

1.3. Setenta e três livros em apenas um................................................................................352 TRADUÇÃO (BÍBLICA) E CULTURA........................................................................37

2.1 Tradução e recepção.......................................................................................................41

2.2 Tradução e cultura: uma relação...................................................................................453 A TRADIÇÃO DA TRADUÇÃO BÍBLICA..................................................................48

3.1. Textos anteriores ao nascimento de Cristo....................................................................493.1.1 Septuaginta (c. 280 a.C.)..........................................................................................493.1.2 Targuns (últimos séculos a.C.).................................................................................52

3.2. Textos posteriores ao nascimento de Cristo..................................................................523.2.1 Áquila (c. 125 a 150)...............................................................................................543.2.2 Vetus Latina ou Ítala (sec. II)..................................................................................543.2.3 Peshitta (séc. II e III)................................................................................................553.2.4 Vulgata Latina (Jerônimo: 391-405)........................................................................553.2.5 Tradução de John Wycliff (c. 1330-1384)...............................................................573.2.6 Tradução de Lutero (N.T.: 1522; Bíblia completa: 1534).......................................573.2.7 Tradução de William Tyndale (N.T.: 1526)............................................................593.2.8 Bíblia de Genebra (N.T.: 1557; Bíblia completa: 1560)..........................................613.2.9 Versão do Rei Tiago (1611).....................................................................................623.2.10 Versão de João Ferreira de Almeida (N.T.: 1681; Bíblia completa: 1753)...........62

4 MUDANÇAS AO LONGO DOS ANOS: UMA ANÁLISE DA BÍBLIA CATÓLICA COMPARADA A VERSÃO DE JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA...............................64

4.1 Diferenças internas e externas........................................................................................664.1.1 Nôvo Testamento (1969).........................................................................................684.1.2 Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular (2007)................................................69

4.2 Análises dos excertos......................................................................................................704.2.1 Apresentação bíblica de Deus..................................................................................714.2.2 Apresentação bíblica de Jesus..................................................................................734.2.3 Concessão da benção divina....................................................................................744.2.4 Submissão da mulher...............................................................................................76

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................79REFERÊNCIAS......................................................................................................................81ANEXOS..................................................................................................................................83

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Page 11: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

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Page 12: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

I INTRODUÇÃO

Paz, vida, solidariedade, direitos humanos, morte, dor, solidão. Temas como esses

são exaustivamente abordados e abarrotam estantes, bibliotecas, livrarias. Em especial, um

único livro aborda todos essas temas e muitos outros mais. Um livro cheio de histórias, de

conselhos, de orientações específicas para pessoas específicas e também para povos em geral.

A Bíblia Sagrada, base da fé cristã, ainda hoje é o livro mais procurado e o mais vendido. O

cristianismo, baseado exclusivamente nos escritos bíblicos, tem nesse livro sua fonte de

crenças desde os tempos antigos. Motivo de grandes guerras, de mortes ao longo da Idade

Média, os ensinamentos bíblicos são sagrados para os cristãos. A Bíblia Sagrada é fonte de

conhecimento e salvação para todo aquele que a lê e compreende seus ensinamentos e, acima

de tudo, os segue.

Com textos escritos antes e depois do nascimento de Jesus, a bíblia contém uma

diversidade de histórias e períodos históricos. Escrita por diferentes autores, a Bíblia contém

mensagens distintas e que muitas vezes, causam dificuldades de compreensão por parte do

leitor. Ao ler, o leitor fica com a impressão de o autor estar falando sobre acontecimentos do

seu tempo, as vezes acontecimentos do tempo do leitor e, isso causa uma confusão no

entendimento da mensagem. Konings (1998, p. 11) diz que a bíblia

Contém uma diversidade de escritos autônomos. Cada livro tem sua própria história e deve ser lido sobre o fundo de seu próprio contexto histórico, gênero literário, intenção do autor, etc. Mas a Bíblia também deve ser considerada na sua unidade, para se compreender por que e em que sentido essa biblioteca foi constituída e assumida por determinados grupos religiosos.”

O entendimento dos assuntos que a bíblia trata até hoje geram polêmica. Ao defender

suas crenças, diferentes religiões que usam a bíblia como fonte de crença alegam ter a correta

compreensão e que as outras religiões é que estão erradas. Até mesmo o formato e conteúdo

da bíblia diferem entre as religiões. Algumas apresentam a bíblia com 66 livros, outras com

73. Essas diferenças fazem da bíblia um livro tão estudado e, conseqüentemente, tão

traduzido.

Essas diferenças também influem na recepção que o leitor tem ao estudar os textos

bíblicos. Ao estudar os textos bíblicos, existem características que influenciam essa leitura e

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Page 13: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

devem ser consideradas. A relação do tempo histórico em que foi escrito e o atual é um

motivo de diferença que influencia a leitura. As condições sociais de autor e leitor também.

Por ter sido escrita por bastantes autores, a bíblia apresenta várias visões de um mesmo povo

por pessoas que pertenciam a camadas e grupos diferentes. A forma como foram escritos os

livros também difere. Autores que eram camponeses, médicos, pescadores, tudo isso

influencia a forma de escrita dos livros da bíblia e, ao traduzi-la, o tradutor deve considerar

cada livro como um original diferente e, na medida do possível, respeitar as características

individuais de cada um dos autores. Nesse sentido, esse trabalho também se baseará na

estética da recepção de Hans Robert Jauss.

Além de fatores como esses, a leitura que o tradutor faz do texto original também

influencia a sua tradução. Ao ler o texto, o tradutor tira suas impressões e elas ficam marcadas

na sua tradução. O processo da tradução não é mecânico, logo, é influenciado por

características do tradutor. Sua visão do texto fica implícita ao realizar o processo de

tradução. A expressão cultural que o texto original propõe passa pelas mãos do tradutor e cabe

a este adapta-los ou não conforme a necessidade do texto. Ao usar essa adaptação, o tradutor

coloca também sua cultura e, assim, a obra traduzida passa a conter também a visão do

tradutor. Esse processo de adaptação, de leitura do texto, coloca o tradutor numa posição

bastante importante, pois cabe a ele trazer a mensagem de um original para o leitor (ou

inúmeros leitores) que espera ansiosamente por conhecer o que o texto traz de informações

novas.

Ao tratar dessa questão relacionada à cultura, a bíblia tem um ponto importante: a

língua. Por não conter apenas uma língua, mas três (hebraico, aramaico e grego), sua tradução

também teve momentos diferentes. Escritos em hebraico, os livros do Velho Testamento

foram traduzidos posteriormente para o aramaico e para o grego. Após essas traduções,

inúmeras outras foram feitas para variadas línguas, o que levou a questão da fidelidade ao

original. Teria sido perdido durante essas traduções o conteúdo original? Ao se traduzir a

bíblia de uma língua para outra, a consulta aos originais deveria ser feita? Ao se traduzir de

uma língua para outra, perdem-se características importantes? Existem ainda os originais para

serem consultados? Perguntas como essas passeiam pelo pensamento dos leitores e dão base

para vários estudos acerca da tradução bíblica.

O trabalho do tradutor bíblico passa a ser extremamente importante, pois a fé dos

cristãos depende em muito da sua tradução. Essa responsabilidade leva o tradutor a realizar

seu trabalho com extrema cautela e prestando contas ao leitor que busca inspiração para sua

vida dentro dos escritos bíblicos. O caráter de responsabilidade do tradutor em relação ao

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Page 14: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

conteúdo de sua tradução é e deve ser encarado e o desafio da tradução aceito.

Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é traçar de uma maneira mais pontual a

história da bíblia e suas traduções ao longo dos anos, a nível mundial e, posteriormente, no

Brasil. Os autores que fundamentarão este estudo serão Kermode e Alter (1997), Konings

(1998), Bassnet (2003), Villela (1997; 2004) e Zimmer (sem data). Kermode e Alter tratam

sobre a literatura original da Bíblia (Antigo e Novo Testamento), além de mostrá-la através de

fatos históricos essenciais ao entendimento das formas como a Bíblia foi escrita; Konings

apresenta a formação da Bíblia através dos séculos, discorrendo sobre o contexto geográfico e

cultural, as línguas nas quais foi escrita e outras questões contextuais. Bassnet apresenta uma

visão mais teórica da tradução, expondo os bastidores do trabalho de tradução. Villela propõe

uma reflexão sobre a tradução da Bíblia no que se refere às teorias de tradução e às suas

conseqüências para o texto bíblico e as polêmicas entre sagrado e profano no contexto da

tradução bíblica, e Zimmer traz dados e fatos históricos imprescindíveis ao estudo da história

da tradução da Bíblia.

Para tanto, exemplificaremos essas mudanças culturais na tradução de textos do

Novo Testamento, publicado pela Editora Ave-Maria em 1969, que é de origem católica, com

uma tradução atual (2007) também publicada pela mesma editora. Somado a isso, será

analisada uma tradução não católica (tradução de João Ferreira de Almeida) de 1860 com uma

tradução de 2005. Por existirem várias publicações e reedições das Bíblias, devido ao fato dos

cristãos basearem-se estritamente nas palavras dos textos bíblicos, o trabalho pretende mostrar

as mudanças que aconteceram nas quatro edições, em especial nas duas católicas. Serão

contempladas as características tanto externa como internas e os projetos de tradução.

Deste modo, este trabalho objetiva responder às seguintes perguntas de pesquisa:

Quais as diferenças internas e externas entre a versão Nôvo Testamento de 1969 e a versão

Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular de 2007? Como foram traduzidos os excertos de

Judas 25, João 6,69, I João 4,10 e I Coríntios 14,34-35 de ambas as versões? No que se

assemelham e diferem? Quais as divergências lexicais estilísticas e discursivas entre ambos?

A pesquisa é de cunho exploratório-documental e bibliográfica. A técnica utilizada é

a de descrição histórica, sendo que será feita uma análise crítico-comparativa de 4 excertos de

alguns livros da bíblia. Além disso, os dados bibliográficos, quanto à edição das traduções

bíblicas brasileiras e sua trajetória, serão coletados de duas formas: primeiramente, será

realizada uma busca na rede mundial de computadores em relação aos dados de edição; em

segundo lugar, serão coletadas as datas, junto à própria Bíblia e sua ficha catalográfica, os

dados de edição e textos originais que serviram como base. E, em terceiro lugar, serão

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Page 15: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

coletados os dados de formatação das bíblias traduzidas no Brasil: verificando se as mesmas

trazem introdução, prefácio, posfácio e notas de rodapé. Assim acreditamos que este estudo

proporcionará o entendimento sobre o papel da cultural e do contexto na leitura e no ato da

tradução.

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Page 16: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

1 A HISTÓRIA DA BÍBLIA E SUA COMPOSIÇÃO

Para uma melhor compreensão da análise das mudanças que as Bíblias católicas

sofreram ao longo dos anos é necessária uma volta ao passado, uma retomada histórica dos

caminhos que a Bíblia tomou ao longo dos anos (ao ser escrita, ao ser reunida em 66 livros,

etc.), um conhecimento dos livros que a compõe, para assim entender o processo das

mudanças.

Por ser composta de 66 livros diferentes, com alguns autores escrevendo até mais de

um livro, a Bíblia tem em si uma carga histórica bastante vasta. E essa história tem como

centro um povo específico, escolhido por YHWH1. Este povo, Israel, é o povo que YHWH

“toma” para si e, através dos relatos bíblicos, é colocado como persongem central das

histórias. Os grandes heróis, os grandes pensadores, os grandes vilões, todos têm uma

característica em comum: pertencer a esse povo ou ter sua história cruzada com a história do

povo de Israel. O cenário central bíblico é a chamado “Terra de Israel”, conhecida na

historiografia contemporânea como a Palestina. É nesse cenário em que acontecem as grandes

batalhas, os grandes desastres e as grandes promessas. As histórias desse povo são narradas

através de toda a Bíblia, a qual é dividida em duas partes distintas: Velho Testamento e Novo

Testamento. Dos 66 livros que compõe toda a Bíblia cristã, 39 estão presentes no Antigo

Testamento e 27 no Novo Testamento.

Os livros do Antigo Testamento referem-se às histórias acontecidas anteriormente ao

nascimento de Jesus Cristo, iniciadas no livro chamado Gênesis e terminadas com o livro

chamado Malaquias. Deste último livro passamos automaticamente ao nascimento de Jesus

Cristo, descrito no primeiro livro do Novo Testamento, chamado Evangelho segundo São

Mateus. Os livros do Novo Testamento apresentam a história da vida de Jesus Cristo, a

continuação da divulgação de seu evangelho através de seus discípulos e, logo após, através

dos apóstolos. O Novo Testamento tem seu fim com o livro do Apocalipse de São João,

composto especialmente de mensagens proféticas em relação ao futuro do povo escolhido por

YHWH (no Novo Testamento, não mais o povo de Israel, mas os chamados “gentios” –

goyim).

Mas o uso dos termos Velho, Novo e Testamento não é algo simples. Estes termos

não são usados sem uma razão, pois contêm em si uma mensagem implícita. Johan Konings

(1998, p. 12) afirma que “o termo ‘testamento’ não siginifica um legado deixado por alguém, 1 Segundo a tradição judaica, YHWH é a terceira pessoa do imperfeito no singular do verbo ser. Esta teoria tem como base o Capítulo 3, versículo 14, do livro de Êxodo, constituindo a base do monoteísmo judaico-cristão.

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Page 17: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

mas a ‘aliança atestada’ entre Deus e o povo (berît)”. Essa aliança (testamento) para o

judaísmo tem como significado a aliança selada entre o povo de Israel e YHWH por

intermédio de Moisés. Essa aliança, segundo a compreensão cristã, foi renovada por Jesus

Cristo. Robert Alter (1997, p. 23), em relação a esses termos, cita que “o uso comum na

cultura ocidental, seguindo a tradição cristã, os chama de Velho Testamento, nome originário

da suposição de que o Antigo requer complementação do Novo ou é, na realidade,

ultrapassado pelo Novo”. Além destes termos, “o próprio termo Bíblia (do grego ta biblia –

os livros) é mais uma classificação vaga do que um título” (op. cit., p. 24).

Essa idealização de que o Velho Testamento necessitava ser complementado pelo

Novo em nenhum momento agradou aos judeus. Robert Alter (op. cit., p. 23-24), ainda em

relação a esse assunto, afirma que

Os judeus coletivamente rejeitaram o termo por tudo o que ele implica e, em termos de história literária, por certo nada autoriza imaginar que os antigos escritores hebreus compuseram suas histórias, poemas, leis e listas genealógicas com a idéia de que estavam fornecendo o prelúdio a um outro conjunto de textos a ser escrito em outra língua, séculos mais tarde.

Em relação a esses dois testamentos, as bíblias católica e cristã divergem entre si em

relação à escolha e a ordem dos livros que compõem o seu cânon. A Bíblia católica apresenta

7 livros a mais que a Bíblia cristã (entenda-se aqui cristã protestante). Esses 7 livros (Tobias,

Judite, 1.º e 2.º Macabeus, Livro da Sabedoria, Eclesiástico e Baruc) são chamados

deuterocanônicos (recusados pelos cristãos). Esse número desigual de livros entre uma versão

e outra gera pôlemica. Konings (1998, p. 13) afirma que

Já antes de Cristo existiam duas versões da Bíblia do Antigo Testamento: a original, em língua hebraica, e a tradução grega, para os judeus de língua grega. A tradução grega incluía alguns livros e partes a mais que o original hebraico. [...] no fim do século I d.C., excluíram definitivamente os cristãos de suas sinagogas, os rabinos judeus decidiram aceitar somente os livros que constavam no original hebraico; adotaram assim o chamado ‘cânon restrito’, enquanto os cristãos continuavam com o ‘cânon amplo’ do Antigo Testamento”.

Muito tempo depois disso, os cristãos (protestantes) adotaram a maneira judaica

quanto ao conteúdo e ordem dos livros do Antigo Testamento. Os cristãos católicos optaram

por utilizar uma ordem dos livros semelhante a dos primeiros cristãos. Com isso, esses livros

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Page 18: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

que não são encontrados nas bíblias cristãs-protestantes são chamados de deuterocanônicos,

pois foram “canonizados num momento posterior”.

Para uma melhor compreensão dessa divisão e dos livros que compõe a Bíblia, é

necessário tratarmos de ambos separadamente. Primeiramente, uma visão acerca dos livros do

Velho Testamento e, após isso, uma visão do Novo Testamento.

1.1 O Velho Testamento

Apesar da diferença do número de livros que apresentam, tanto a Bíblia católica

quanto a protestante apresentam 35 livros iguais. Esses livros, que em sua grande maioria

foram escritos no idioma do povo de Israel da época, o hebraico, apresentam algumas partes

escritas em aramaico, língua que, segundo Konings (1998), era a língua administrativa do

império persa e ainda falada no tempo de Cristo. Os versículos de Daniel 2,4b-7,28 e Esdras

4,8;6,18;7,12-26, por exemplo, foram escritos em aramaico.

A Bíblia hebraica ainda tem em si uma característica que todas as bíblias posteriores

herdaram: refusão de textos dentro de seu conteúdo completo. Alter (1997, p. 26) afirma que

“a Bíblia hebraica, porque com tanta freqüência articula seus significados refundindo textos

dentro de seu próprio corpus, já se encaminha para ser uma obra integrada, com toda a sua

diversidade antológica”. Existem retomadas de leis antigas, presentes nos primeiros livros

(Pentateuco), cumprimento de acontecimentos previstos pelos profetas do Antigo Testamento

durante a extensão do Novo Testamento.

Um exemplo interessante é a retomada que o livro de Rute faz do livro de Gênesis.

Quando Booz encontra Rute em seu campo, posteriormente a ela se prostrar diante dele após

sua oferta de proteção e também de hospitalidade, ela a louva com as palavras: “Booz

respondeu: Fiquei sabendo de tudo o que você fez por sua sogra, depois que você perdeu o

marido. Você deixou pai e mãe, abandonou sua terra natal e veio viver no meio de um povo

que você não conhecia” (Rute 2, 11)2. Aqui existe uma forte lembrança das palavras de

YHWH a Abraão, presentes no livro de Gênesis, onde YHWH diz a Abraão: “Javé disse a

Abraão: Saia de sua terra, do meio de seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que

eu lhe mostrarei” (Gênesis 12,1)3. Tanto em Gênesis como em Rute, as palavras terra-lugar de

nascimento e pai estão presentes nos dois textos, indicando que Booz cita algo já dito por

2 Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 2000.3 Idem.

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Page 19: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

outro personagem bíblico (que pertenceu ao mesmo povo que ele). Mas essas retomadas

presentes não seriam possíveis se um dos livros não fosse integrante do cânon bíblico.

Além de fazer retomadas a textos anteriores, o Antigo Testamento apresenta alguns

problemas de conteúdo geral. Pode-se tomar como exemplo o caso de Gênesis 1 e Gênesis 2-

3, além do caso de Gênesis 12 e Gênesis 20. No primeiro caso, a história da criação do mundo

juntamente com a criação do homem é colocada de duas formas de seqüência. Gênesis 1

mostra a criação do mundo na seqüência: Luz – Firmamento entre águas – Divisão de terra e

mar – Natureza – Sol e lua – Peixes e aves – Animais domésticos e ferozes – Homem e

mulher. Ao contrário de Gênesis 1, o capítulo 2 apresenta a criação com o homem sendo o

primeiro a ser criado e depois o restante. Essa narrativa de uma mesma história, porém, com

diferenças, mostra em dois capítulos narrativas concorrentes de um mesmo fato.

Já nos capítulos 12 e 20 de Gênesis apresentam-se ao leitor duas narrativas da

história de Abraão em que este corre risco de morte por ser esposo de Sara. No capítulo 12

Abraão teme morrer e apresenta Sara como sua irmã ao Faraó. O Faraó coloca Sara sobre suas

posses e trata muito bem a Abraão, enchendo-lhe de presentes. Mesmo assim, o Faraó é

castigado por YHWH com doenças. Sara então é devolvida a Abraão e ele tem permissão de

sair do Egito com sua mulher. No capítulo 20, novamente Abraão apresenta Sara ao rei de

Gerar, Abimalec. O rei manda raptar Sara. É castigado por YHWH. Sara novamente é

devolvida a Abraão.

Além disso, a autoria de Moisés é questionada devido a um outro problema de

conteúdo geral. Konings trata muito bem desse aspecto em seu livro A Bíblia nas suas origens

e hoje dizendo que

[...] muitas leis e situações mencionadas no Pentateuco não correspondem ao tempo de Moisés, quando hebreus vivam como nômades no deserto, e sim, ao período em que os israelitas já estavam assentados como agricultores na Terra Prometida. (KONINGS, op. cit., p. 76)

Mesmo tratando-se de um problema de conteúdo geral, o fato de Moisés escrever

sobre fatos posteriores a seu tempo, não se pode discordar de que a visão que o Pentateuco

proporciona do início da história do mundo e do povo é grandiosa, além de que consegue

fazer uma maravilhosa transição para a historiografia profética do período das tribos e do

reinado de Israel. Essa transição, feita no livro de Deuteronômio, não deixa um vazio ao

leitor, pois o início do livro de Josué já teve uma prévia apresentada nos capítulos finais de

Deuteronômio.

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Page 20: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

A formação do cânon bíblico, mais especificamente do Antigo Testamento

proporciona um conhecimento por parte do leitor desde a criação do mundo até os tempos dos

profetas, antecipando o nascimento de Jesus Cristo. A estrutura desse cânon tem por objetivo

dar essa visão histórica geral para que os acontecimentos do Novo Testamento tenham uam

base já prevista e/ou profetizada.

O cânon do Antigo Testamento nem sempre foi da forma como conhecemos hoje.

Sabemos que essa divisão foi formada no século V a.C., nos dias de Esdras e Neemias, mas

antes desse período possuía uma estrutura diferente. A Bíblia hebraica seguia uma estrutura

diferente da utilizada hoje, sendo desiginada pelos judeus como Tanakh. De acordo com Alter

(1997), a palavra Tanakh era “um acrônimo para Torah (Pentateuco), Neviim (profetas

anteriores e posteriores) e Ketuvim (Coletânea de Escritos ou Tudo o Mais)” (op. cit., p. 24).

A Bíblia hebraica então apresentava uma divisão em 3 grandes partes:

Nome Significado Descrição

Torah Pentateuco Compreendem os cinco

primeiros livros: Gênesis,

Êxodo, Levítico, Números e

Deuteronômio.

Neviim Profetas anteriores e

posteriores

São divididos em anteriores:

Josué, Juízes, Samuel e

Reis; e posteriores: Isaías,

Jeremias, Ezequiel e os doze

profetas menores.

Ketuvim Coletânea de Escritos ou

Tudo o Mais

São subdivididos em livros

poéticos: Salmos,

Provérbios e Jó; rolos:

Cântico dos Cânticos, Rute,

Lamentações, Eclesiastes e

Ester; e outros livros:

Daniel, Esdras e Neemias

juntos, e Crônicas.

Tabela 1. Divisões dos livros da bíblia hebraica. Adaptada de Alter (1997, p. 24)

20

Page 21: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Para melhor entender o Antigo Testamento como um todo, uma visão um pouco mais

detalhada dos livros que fazem parte dele é de grande interesse. E essa visão será dividida em

4 tópicos: Pentateuco, Livros Históricos, Livros Poéticos e Livros Proféticos.

1.1.1 O Pentateuco

O Pentateuco (cinco livros), também conhecido como Torah, que significa lei,

apresenta os cinco livros de Moisés. A visão apresentada por esses livros inicia-se com a

criação do mundo por YHWH, desde a separação entre terra e água até a criação do homem a

sua imagem e semelhança. Esse início do mundo e a continuação da raça humana são

apresentados no primeiro livro dos 5: o Gênesis. O livro transmite uma verdade religiosa ao

longo de seus 50 capítulos:

Deus escolhe um povo para veículo de fé e vivência religiosa autênticas. Não é um compêndio de história. Narra as vivências religiosas dos patriarcas, não com recitação fria e distante de episódios passados, mas como meditação contemplativa de uma experiência que se repete e atualiza4.

O Pentateuco apresenta em seu conteúdo uma série de histórias e leis relacionadas ao

povo de Israel. Leis essas que, ao longo da história, foram sendo reformuladas, adaptadas,

mas nunca esquecidas. Todas essas leis que o Pentateuco apresenta têm como base a liberdade

concedida por YHWH aos israelitas do povo egípcio, que sinaliza o início da formação real

do povo de Israel. Através dessa libertação os israelitas são chamados de povo (povo de

Israel, povo de YHWH).

As leis apresentadas no Pentateuco são diretas ao povo de Israel em todas as etapas de

sua história. Em momento algum as leis são utilizadas para fins errados, apenas para melhorar

o convívio com YHWH e a relação com o próximo. Essa lei, apresentada no Monte Sinai por

YHWH a Moisés é simbolizada por duas tábuas, contendo os Dez Mandamentos. As leis

visam trazer libertação do povo como um todo e criação de uma sociedade justa, que ande

segundo os princípios de YHWH.

A questão das alianças de YHWH com os patriarcas também é um aspecto interessante

do Velho Testamento, em especial no Pentateuco. As alianças de YHWH com Moisés, com 4 Retirado de Bíblia Sagrada: traduzida das Línguas Originais com uso crítico de todas as fontes antigas pelos Missionários Capuchinho. Lisboa: Stampley, [s.d].

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Page 22: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Abraão e também com José são essenciais para o desenvolvimento da história de Israel

enquanto povo. Na destruição da terra através do dilúvio, na preservação da espécie e

aumento dela e no cuidado através de sonhos fazem com que o início do povo de Israel seja

marcado por sonhos, crenças de um futuro melhor e dedicação a YHWH. O livro de Êxodo,

em particular, apresenta a aliança dos homens com YHWH através das tábuas da lei. Através

dessas leis, a sociedade de Israel seria livre e protegida. Através do cumprimento dessas leis,

o povo de Israel poderia acreditar que sempre se veria diante de demonstrações materiais do

poder de YHWH (José), como no dilúvio (Noé) e no aumento da geração (Abraão) e

demonstração de amor e cuidado (Moisés).

Em um determinado momento da história, o controle sobre o povo começa a fugir de

Moisés, e chega a hora de serem eleitos novos juízes para julgarem porções pequenas do

grande povo. Através de Moisés, o povo chega a tão sonhada terra de Canaã, e cabe a Moisés

transformar um grande número de pessoas fugitivas em um povo com características próprias,

dono de uma cultura diferente de todas as culturas dos povos ao seu redor. Sobre Moisés e seu

papel no Pentateuco, Alter (1997) diz que Moisés

É o mediador da Aliança Sagrada entre Javé e seu povo, o chefe carismático do povo hebreu em sua marcha de escravidão do Egito até a aliança no Monte Sinai. Embora tendo exercido todas estas funções, a atuação de Moisés não se limitava a nenhuma delas. Mas na função de legislador, ele se destacava, como o atestam, unanimente todas as tradições do Pentateuco. (op. cit., 42-43)

O terceiro livro, Levítico, é apresentado como o livro das leis do antigo povo de

Israel. Mas por trás da apresentação monótona das leis, o livro traz ao leitor o ideal proposto

ao povo: o de prestar culto ao YHWH que os havia libertado do Egito através de sacrifícios,

comunhão e reconhecimento de seus dons. O livro apresenta uma quantidade de leis relativas

a esse ideal. A passagem pelo deserto traz ao povo o entendimento da necessidade de crença

na fonte de esperança (YHWH). A passagem pelo deserto se faz necessária para que o povo

possa entender as leis e aceitá-las de coração aberto. David Damrosch (apud ALTER;

KERMODE, 1997, p. 90) diz que “em sua apresentação da Lei dentro dessa visão do

potencial redentor do exílio, o Levítico é o próprio âmago da narrativa do Pentateuco”.

Um grande recenseamento é apresentado no livro de Números (quarto do

Pentateuco), além de duas partes interessantes na caminhada do povo de Israel rumo a Terra

Prometida. James S. Ackermanm (apud ALTER; KERMODE, 1997, p. 91) diz que “o livro

dos Números narra a partida de Israel do Monte Sinai e sua jornada no Deserto por uma

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Page 23: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

geração inteira até alcançar a fronteira da Terra Prometida”. Em um determinando momento

da história (narrado no capítulo 16), os líderes mostram-se sujeitos a fraquezas e desânimos,

assim como o povo já havia mostrado, mesmo sendo eles os mais importantes dentro de todo

o povo. Em um outro momento, a história interessante de uma jumenta que adquiri a

capacidade da fala. Mesmo sendo um estrangeiro, Balaão passa pela experiência de tornar-se

um profeta de Israel. Essa parte mostra a necessidade de um profeta de YHWH dentro do

povo. Uma conexão direta com YHWH através de um homem, mesmo YHWH habitando

dentro de seu povo no Santuário.

O último livro do Pentateuco, o Deuteronômio, mostra ao leitor uma reapresentação

da Lei de YHWH, agora mostrada em sentido da vida do povo na Terra Prometida. A idéia

central do livro mostra uma opção ao povo como um todo: seguir as ordens de YHWH ou não

seguir. Se o povo decide seguir a YHWH, se o povo for fiel à aliança feita com YHWH, o

povo será feliz e próspero. Se a decisão for a de quebrar essa aliança, de não seguir mais a

YHWH, então isso acarretará desgraças e eles poderão até perder a terra. O livro também

apresenta uma divisão do povo. Aqueles que agora entrariam na Terra Prometida não eram

mais aqueles a quem YHWH havia feito a promessa. Eram uma nova geração, pois aquela

primeira havia perdido o direito. Moisés mesmo era um deles. Apenas pode vislumbrar a

Terra, mas não possuí-la. Robert Polzin (apud ALTER; KERMODE, 1997, p. 105) diz que “o

Deuteronômio oferece uma visão geral da história inteira de Israel, que será em breve

recontada com detalhes de Josué a II Reis”.

Por ser dado a Moisés o crédito da escrita do Pentateuco, o quinto livro encerra-se

com a morte de Moisés. O povo então adentra a Terra Prometida. Moisés conduz o povo do

Egito as portas do local, mas, por desobediência anterior, não recebe o privilégio de possuir a

terra. Ao se encerrar o Pentateuco, a Bíblia traz ao leitor o início dos livros históricos,

relativos ao povo ou a personagens do povo de Israel.

1.1.2 Os Livros Históricos

Os Livros Históricos apresentam a história do povo de Israel desde a entrada na Terra

Prometida sobre o comando de Josué até quase a época do exílio em Babilônia. É composto

pelos livros de Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel, I e II Reis, I e II Crônicas, Esdras, Neemias,

Ester. Nas bíblias católicas existe o acréscimo dos livros de Tobias, Judite, I Macabeus e II

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Page 24: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Macabeus. A apresentação dos livros não segue uma ordem totalmente cronológica, mas uma

interpretação de fatos relacionados à fé dos personagens.

Uma ordem cronológica é seguida pelos livros de Josué, Juízes, I e II Samuel e I e II

Reis. Os livros I e II Crônicas, Esdras e Neemias referem-se ao tempo de pós-exílio

babilônico. Por fim, os livros de Rute, Tobias, Judite, Ester, I e II Macabeus referem-se a

narrativas particulares.

Josué, o primeiro dos Livros Históricos, apresenta a narrativa da conquista da Terra

Prometida. Em nenhum momento o povo obtém a terra de forma fácil. Essa conquista torna-se

um processo longo e ao mesmo tempo lento, muitas vezes deixando de ser pacífico para

tornar-se violento. Segundo a Introdução da Bíblia Sagrada: Edição Pastoral5, “o livro de

Josué constitui, portanto, um insuperável tratado sobre a graça de Deus, que é a base da vida e

da história”. A promessa feita por YHWH durante o período do Pentateuco agora começa a

tornar-se realidade para a geração de Josué, geração seguinte àquela que havia sido libertada

do cativeiro egípcio. David M. Gunn (apud ALTER; KERMODE, 1997, p. 115) afirma que o

livro de Josué

[...] retoma a história – uma história que vai de Gênesis a II Reis – onde o Deuteronômio para: o povo deixou o Egito, a terra do cativeiro, atravessou o Mar Vermelho, recebeu a lei de YHWH no Sinai, atravessou o deserto, tomou posse da terra a leste do Jordão (Núm. 32) e agora está prestes a receber o restante da promessa.

Uma semelhança interessante com o livro Deuteronômio é que ambos terminam com

a morte de seus escritores. Se o Pentateuco termina com a morte de Moisés, o livro de Josué

termina com a breve despedida de Josué ao povo e a narração de sua morte. E é com a sua

morte que entra em cena a necessidade do povo de uma liderança feita por meio de juízes.

A morte de Josué, a divisão do povo em tribos e o crescimento do povo como um

todo fazem surgir os juízes entre o povo. As tribos são governadas por juízes vitalícios, que

em determinados momentos da história dão lugar a um único juíz que comanda toda a nação.

Em especial o destaque para Débora e Barac, Gideão e Sansão. O ponto de interesse na leitura

do livro de Juízes é uma seqüência de fatos que se assemelham muito. Na história dos 4 juízes

já citados, essa seqüência é idêntica.

Nessa seqüência, o povo começa a praticar pecado e abandonar (e/ou esquecer)

YHWH. Logo após, passa por um período de castigos, pois está servindo a ídolos e está

novamente sem liberdade. Após passar por essas duas etapas, começam a passar por um

5 Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 2000. p. 241. 41ª impressão.

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Page 25: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

processo de conversão, onde, no limite do sofrimento, começam a voltar a lembrar de YHWH

e a buscá-lo. Por fim, entram na última etapa, a etapa da graça, na qual YHWH escuta seus

clamores e os liberta do opressores através dos 4 grandes juízes citados anteriormente. Nas

histórias dos 4 grandes juízes, essa seqüência se repete de uma forma muito clara. É

necessário passar por um período de intenso sofrimento para que o povo de Israel volte a ser

governado inteiramente por YHWH.

Diferentemente dos outros povos, Israel não era um povo ainda monárquico. Mas essa

diferença tem seu fim nos livros de I e II Samuel. A transição do período dos juízes é feita por

Samuel, ora um grande juíz, ora um profeta de Deus. Cabe a ele escolher (sob orientação de

YHWH) o primeiro monarca de Israel. Nos dois livros, apresentam-se as histórias dos

primeiros dois monarcas de Israel: Saul e Davi. A Bíblia Sagrada: Edição Pastoral (2000, p.

301) cita que “I Samuel oferece, portanto, uma visão crítica da autoridade política. Mostra que

Deus é o único rei sobre seu povo. Para ser legítimo, o rei humano deve ser representante de

Deus, isto é, servir a Deus através do serviço ao povo”. Saul, primeiro rei de Israel, decide

seguir um caminho diferente do proposto por YHWH, Saul tem um reinado conturbado e

coloca fim a sua vida se jogando sobre um espada. Com a morte de Saul, o livro de I Samuel

tem seu fim.

A figura de Davi é o centro do livro de II Samuel. Mesmo que a morte de Samuel

acontece no capítulo 25 de I Samuel, a narrativa continua. O segundo livro apresenta o

reinado de Davi sobre Israel. De maneira diferente, Davi escolhe reinar de acordo com os

princípios de YHWH, seguindo todas as ordens deixadas por ele. Davi torna-se um modelo de

autoridade política que desenvolve (e prega) a justiça. Davi traz ao povo o sentimento de

esperar o Messias que os iria reunir novamente. Joel Rosenberg (apud ALTER; KERMODE,

1997, p. 156), ao falar de ambos os livros de Samuel, diz que

Samuel é, assim, um trabalho de crítica nacional. Ele reconhece que Israel não teria sobrevivido, política ou culturalmente, sem a presença de uma casa real dinástica. Mas torna tanto a casa como seus súditos responsáveis por padrões firmes de justiça profética – não aos padrões de profetas de culto ou exáticos profissionais, mas de líderes proféticos moralmente íntegros na tradição de Moisés, Josué, Débora, Gideão e Samuel.

Os livros de I e II Reis dão continuidade à história da monarquia de Israel. Depois da

morte do sucessor de Davi, Salomão, o reino se divide em dois: o reino de Israel, que tem

como sede a cidade de Samaria, e o reino de Judá, que tem como sede a cidade de Jerusalém.

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Page 26: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Ambos os livros tratam de um mesmo tema: se os reis são fiéis a Deus, o povo recebe bençãos

e tem prosperidade; se os reis são infiéis, o povo recebe maldições, chegam à ruína e são

levados ao exílio (II Reis 17). Mais uma vez, o tema central dos livros anteriores é colocado: a

presença do povo na Terra Prometida só é possível se existe fidelidade a YHWH; a partir do

momento em que o povo se esquece dEle, começam a sofrer as conseqüências. Ainda nesses

dois livros, dois temas são apresentados: o Templo e o profetismo. O Templo como local de

reunião de todo o povo e encontro com YHWH. Os profetas como mensageiros diretos de

YHWH e responsáveis por manter a consciência do povo voltada aos princípios de YHWH,

para que o povo não o esqueça e não seja castigado.

Ambos os livros de Crônicas (I e II Crônicas) tem como tema principal o templo e os

sacerdotes e levitas que dentro dele exercem suas funções respectivas. Apresentam em

especial o papel dos levitas dentro do povo, tanto nas linhas genealógicas quanto na narrativa.

A Bíblia Sagrada: Edição Pastoral afirma que “os livros das Crônicas, portanto, oferecem

uma versão da história que reivindica e justifica a função do levita na liderança da

comunidade judaica”. Os levitas são apresentados como aqueles que relembram o povo da

aliança anteriormente feita com YHWH e, dessa forma, necessariamente detentores de uma

posição privilegiada entre o povo. Nessa narrativa, apenas o Reino do Israel é citado. Nos

livros de Esdras e Neemias, o tema central é a organização da comunidade, formada após o

exílio na Babilônia. Juntos, possuindo 23 capítulos, abrangem três unidades narrativas

distintas, com um personagem central em casa uma delas. Shemaryahu Talmon (apud

ALTER; KERMODE, 1997, p. 384) cita que “os primeiros seis capítulos tratam da etapa

inicial de repatriação, sob a liderança do descendente davídico Zorobabel e do sumo sacerdote

Josué (538-515 a.C.); (...) os quatro capítulos seguintes referem-se a Esdras, sumo-sacerdote e

escriba que, segundo o relato, chefiou o retorno de outro contingente de judeus no sétimo ano

do rei persa Artachshast (...)”. Os outros treze capítulos relatam a história de Neemias.

Os outros seis livros não se encaixam nessa narrativa anterior ao exílio e também após

o mesmo. Tobias, Ester, Rute e Judite podem ser considerados romances, por colocarem

histórias ao leitor, histórias de situações típicas dos judeus. Servem de modelo para uma

análise profunda de certos momentos e/ou situações enfrentadas pela monarquia e pelo povo.

Por fim, os livros I e II Macabeus referem-se ao sentido religioso da resistência judaica

através do uso da crônica. Segundo a Bíblia Sagrada: Edição Pastoral, ambos os livros de

Macabeus apresentam “estilo de crônica elogiosa sobre os heróis da fé, mostrando as bases

para uma reflexão sobre o martírio”.

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Page 27: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

1.1.3 Os Livros Poéticos

Os Livros Poéticos, também chamados de Sapienciais, apresentam ao leitor a

sabedoria e espiritualidade do povo de Israel. A essa sabedoria não se deve conotar um

acúmulo de conhecimento ou excesso de inteligência, mas sim o uso do bom senso e do

discernimento perante situações que exigem decisões importantes. Nestes livros, o leitor pode

encontrar exemplos vividos pelos personagens e utilizá-los posteriormente em sua própria

vida. Os problemas do cotidiano do povo israelita trazem lições importantes que são expostas

ao longo dos conteúdos dos Livros Poéticos.

Provérbios e Eclesiático são dois livros que apresentam a sabedoria popular em forma

de coleção de frases e sentenças curtas que trazem saídas para diferentes situações enfrentadas

por qualquer tipo de pessoa. James G. Williams (apud ALTER, 1997, p. 288) afirma que “o

papel que os provérbios e máximas desempenham na retificação de situações sociais e

sustentação de decretos legais estão intimamente relacionado ao que foi revelado em algumas

teorias modernas do eu; essas teorias oferecem certos dados sobre a função da sabedoria”. Os

provérbios são originados na experiência de vida do povo e relatados a gerações posteriores

através de breves frases que contém esse conhecimento. Além disso, contém a verdade de

YHWH, pois esse conhecimento adquirido pelo povo é fruto da experiência de vida através de

uma vida ligada a YHWH.

Os livros de Jó, Eclesiastes e Sabedoria apresentam um foco mais específico sobre os

problemas da vida. Tratam de temas que despertam interesse do ser humanos, temas esses que

são discutidos até mesmo nos dias atuais. O sentido da vida, a morte, o bem e o mal, a justiça,

esses temas são abordados de uma maneira mais profunda por esses três livros. Em especial,

destaca-se o livro de Jó, por sua forma de escrita (poesia) e pela discussão que trás ao longo

de seus 42 capítulos. Ao discutir o problema do bem e do mal em relação ao ser humano, o

sofrimento físico e psicológico causado por essa diferença entre bem e mal, o livro discute de

uma forma bastante interessante a relação entre YHWH e o homem. Através da história deste

personagem, YHWH é mostrado de uma forma mais amorosa em relação ao homem, sendo

que essa forma mais amorosa se dá quando existe a disponibilidade de caminhar juntamente

com o ser humano e com ele crescer social e materialmente. Nos três livros, de formas

diferentes, essa relação YHWH-ser humano é apresentada.

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Page 28: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

O livro chamado Cântico dos Cânticos trata do amor humano fazendo uma relação

com o amor de YHWH por ser povo, revelando o amor de YHWH pela humanidade. Ao falar

do amor humano, o livro apresenta o amor de YHWH. Francis Landu (apud ALTER, 1997, p.

341) diz que “mais centralmente, o Cântico é um reflexo da história do Jardim do Éden,

usando as mesmas imagens de jardim e árvore, substituindo a dissociação traumática do

homem e animais por sua integração metafórica. Através dele vislumbramos, tardiamente,

pela graça da poesia, a possibilidade do paraíso”. O livro ainda utiliza-se de menções

constantes a elementos da natureza.

Por fim, o livro de Salmos apresenta a espiritualidade de Israel através de orações.

Dentro das orações, diversas situações da vida humana são abordadas. YHWH mais uma vez

é apresentado através da experiência cotidiana e a necessidade de uma relação íntima com Ele

torna-se imprescindível. Os salmos são poesias (forma mais apropriada para expressar os

sentimentos diante da realidade da vida. Robert Alter (1997, p. 278-279), ao falar sobre o

livro de Salmos, afirma que “o Livro dos Salmos reflete certas preocupações temáticas

específicas e recorrentes. Estas não são, como se poderia pensar de início, coextensivas com o

gênero salmódico, mas, pelo contrário, tendem a cruzar-se nos diferentes gêneros”.

Preocupações com a morte, com a salvação, com os problemas da vida, essas preocupações

são tratadas ao longo da extensão do livro de Salmos.

1.1.4 Os Livros Proféticos

Após uma pausa a respeito da história de Israel feita pelos livros poéticos, a história é

retomada pelos Livros Proféticos. O tema central destes livros é o desejo de YHWH de que

seu povo alcance grandes conquistas e faça mudanças. Através de seus profetas YHWH fala

ao seu povo em diferentes épocas sobre presente e futuro. A mensagem destes profetas

carrega duas vertentes: a exigência imediata de conversão e o anúncio de esperança. A

conversão feita no presente acarreta em esperança futura. Os profetas, de maneiras diferentes

e em épocas diferentes, procuram levar o povo a um relacionamento íntimo comYHWH. Em

especial, destacam-se Isaías, Jeremias e Ezequiel, Jonas e Davi.

O livro de Isaías pode ser dividido em 3 partes para facililitar seu entendimento. Do

capítulo 1 ao 39, o livro apresenta a santidade de YHWH como tema central, utilizando

oráculos diversos (capítulos 1-12), oráculos contra pagãos (capítulos 13-23), conclusões dos

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Page 29: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

oráculos anteriores (capítulos 14-27), profecias de Isaías (capítulos 28-35), e uma seção

narrativa com poemas inseridos (capítulos 36-39); a segunda parte apresenta a situação

histórica do exílio, antecipando o retorno do povo. Apresenta uma mensagem de esperança e

consolação (capítulos 40-55); a terceira parte retoma o mesmo tema da segunda, mas introduz

oráculos sobre julgamentos. Além disso, procura estimular a comunidade formada após o

exílio. O papel de Isaías como profeta é destacado por Luis Alonso Schökel (apud ALTER,

1997, p. 193), ao dizer que “um grande inimigo da esperança é a nostalgia: o sonho de um

passado dourado, que nunca deve voltar. Dedicando tempo excessivo ao passado, o povo não

vê o presente nem o futuro. O profeta denuncia essa nostalgia paralisante e, contra o ensino

tradicional sobre a recordação (Salmos 78:5-7), ousadamente os instrui: ‘Não fiqueis a

lembrar coisas passadas” (Salmos 43:18), para que eles possam compreender o advento de um

futuro novo. Essa mudança de visão é possível por Isaías.

Os livros de Jeremias e Ezequiel são livros distintos, nos quais a atuação dos dois

profetas se dá na transição de Israel para o exílio. O profeta Jeremias pertence ao mundo

camponês. Sua atuação extende-se por quatro períodos distintos: durante os reinados de

Josias, Joaquim e Sedecias, além da posterioridade da queda de Jerusalém. Jeremias traz uma

visão camponesa sobre a situação do país. Já Ezequiel tem sua atuação durante o período de

exílio na Babilônia. Assim como aconteceu no passado, cabe a ele trazer luz a mente do povo

ao pregar uma conversão completa a YHWH para que o povo possa voltar a ser livre. A

atuação destes dois profetas, mesmo em períodos distintos, porém em seqüência, tentam

elucidar o povo da antiga aliança feita antes mesmo de conquistarem a Terra Prometida.

Apesar de aparecer entre os Profetas Menores, o livro de Jonas apresenta-se com

diferenças marcantes, principalmente no que tange a obra literária. James S. Ackrman (apud

ALTER, 1997, p. 251) diz que “enquanto os Profetas Maiores e Menores são essencialmente

coleções de oráculos, Jonas reconta as aventuras de um profeta que luta contra sua missão

divina”. A história desse profeta, marcada por narrativas grandiosas (Jonas é engolido por um

grande peixe e passa três dias em seu ventre, por exemplo), o livro aponta para a conversão de

uma cidade incrivelmente pecaminosa, deixando explícita a mensagem de que todos têm uma

chance de conversão aos princípios de YHWH.

O livro de Daniel (um dos maiores profetas do Antigo Testamento, talvez o maior

deles) apresenta uma característica que o diferencia de todos os outros: o profetismo

apocalíptico. O profeta não apenas trazia mensagens sobre o povo de Israel, mas sobre o

futuro do mundo. O livro pode ser dividido em duas partes distintas: a primeira (capítulos 1-6)

traz as histórias de Daniel e seus amigos durante o domínio persa; a segunda trata sobre o

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Page 30: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

futuro, em especial os acontecimentos anteriores ao estabelecimento do reino de Deus. A

preocupação com o futuro traz ao presente a necessidade de fidelidade e perseverança nas

promessas feitas por YHWH. Além do profetismo apocalíptico, o livro de Daniel traz uma

“diversidade lingüística e literária (...) [que] revela uma estrutura composta. As partes de

abertura e encerramento (1:1-2:4a e 8-12), em hebraico, emolduram uma porção em aramaico

que é, ela própria, um composto (2:4b-6:28 e 7:1-28)”6.

Os outros livros que compõem os Livros Proféticos (Lamentações, Baruc, Oséias,

Joel, Amós, Obadias, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias)

vão retomar o ideal de que o povo necessita dedicar-se (converter-se) inteiramente a YHWH,

sem nenhum tipo de reserva. Cada um a seu estilo, os profetas tentam trazer o povo de volta

aos caminhos de Deus, mas de uma maneira completa, não apenas algumas pessoas. Como

exemplo, Miquéias, profeta que de origem camponesa, utiliza-se de uma linguagem franca e

concreta, começa denunciando os erros que o povo comete e termina trazendo mensagens de

esperança e também promessas. Já o profeta Malaquias (o último livro do Velho Testamento

leva seu nome) utiliza-se do formato perguntas e respostas para fazer o povo rever sua fé e

com isso mudar sua forma de ver a religião. Traz a mensagem de que YHWH não se esquece

dos justos e, portanto, o povo precisa tornar-se justo para que Deus não se esqueça dele.

O livro do profeta Malaquias encerra o Velho Testamento. Após este livro, iniciam-

se os livros que compõe o Novo Testamento. É perceptível que a mensagem contida no Velho

Testamento gira sempre em torno da conversão completa do povo a YHWH (de geração em

geração, pois sempre aparecem personagens pregando essa mensagem ao povo). Tanto na

formação do povo de Israel como em toda a sua história, a presneça de YHWH é constante e

sempre necessária. Por mais longe que o povo esteja dEle, a necessidade faz com que eles

tornem a procurá-lo, mesmo que muitas vezes seja necessário alguém relembrá-los que Ele

exista. Após isso, a história continua com o nascimento de Jesus Cristo e seu ministério. O

Velho Testamento encerra-se e dá lugar ao Novo Testamento.

1.2 O Novo Testamento

Diferente do Velho Testamento, tanto bíblias católicas quanto protestantes possuem

o mesmo número de livros que compõem o Novo Testamento. O tema central é Jesus Cristo. 6 TALMON, Shemaryahu. Daniel. In: KERMODE, Frank; ALTER, Robert (Org.). Guia literário da Bíblia. Tradução Raul Fiker. Revisão de tradução Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. (Prismas)

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Page 31: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Uma característica interessante é que ele não é composto totalmente por livros, mas também

por cartas, sendo que 21 dos 27 livros do Novo Testamento são cartas. Por ter em mãos os

escritos do Antigo Testamento, tanto Jesus Cristo (em seus discursos) quanto seus discípulos

e apóstolos utilizam bastantes referências a passagens do Velho Testamento. Frank Kermode

(1997, p. 403) afirma que “o Antigo Testamento, portanto, molda as narrativas do Novo, que

não pode ser plenamente entendido sem referência a seu predecessor sagrado”. Através dos

livros do Novo Testamento é possível perceber que Jesus Cristo veio estabelecer a aliança

definitiva entre Deus e os homens.

Em nenhum momento os livros do Novo Testamento prentendem ser considerados

como biografias de Jesus Cristo. Foram escritos unicamente com o objetivo de propagar as

aos outros as mensagens de Cristo através das eras. Além disso, o pensamento de que o Novo

Testamento foi escrito em função de tomar o lugar do Velho Testamento é incorreto.

Kermode (op. cit., p. 644) cita que

[...] nem Paulo nem os evangelistas escreviam com o objetivo de acrescentar algo a Bíblia existente; na verdade, o único livro do Novo Testamento que reivindica esse status inspirado é o Apocalipse, com sua ameaça de danação contra qualquer um que presumivelmente lhe fizer acréscimos.

Os livros do Novo Testamento apresentam primeiramente a história da vida de Jesus

Cristo (Evangelhos), relatando sobre sua igreja (Atos), apresenta as 21 cartas (Epístolas) e

termina com um livro profético (Apocalipse). Todas as histórias e relatos estão voltados para

Jesus Cristo e seu ministério. Em nenhum momento o Velho Testamento é descartado ou

esquecido. Sobre isso, Kermode (op. cit., p. 407) cita ainda que “ao considerar tais questões,

lembremos, mais uma vez, que a Bíblia dos autores do Novo Testamento era a Bíblia hebraica

(e suas traduções e paráfrases gregas e aramaicas). Sobre esse texto fundador foi sobreposto

um forte kerygma oral, a proclamação cristã, mas as escrituras, o fundamento escrito, eram

especialmente importantes para os evangelistas escritores”. Uma visão mais detalhada dos

livros do Novo Testamento ajuda bastante na compreensão do tema central.

1.2.1 Os Evangelhos

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Page 32: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Os quatro evangelhos apresentam a vida de Jesus Cristo e seu ministério. Os quatro

evangelhos apresentam diferenças entre seus conteúdos, pois apresentam as formas de cada

discípulo ver e relatar os acontecimentos. Muitas histórias se repetem, apresentando adição de

informações e/ou também subtração. Mas o tema principal dos quatro livros é a vida e o

ministério de Jesus Cristo.

Jesus Cristo é apresentado como Emanuel (que significa Deus Conosco) e o

significado do nome é a mensagem principal do Evangelho segundo São Mateus. Para o autor,

as promessas apresentadas pelos profetas no Velho Testamento têm seu cumprimento com o

nascimento e a vida de Jesus Cristo. Tudo o que um dia havia sido fonte de esperança para o

povo de Israel agora tornava-se realidade na pessoa de Jesus Cristo. A presença de Jesus

Cristo na vida diária é o ponto forte do livro. O leitor é convidado a uma reflexão sobre o

papel de Jesus Cristo em sua vida. Kermode (apud ALTER; KERMODE, 1997, p. 417) diz

que “o Evangelho de Mateus é muito mais longo que o de Marcos e acrescenta ao registro

muita coisa referente ao ensinamento de Jesus, além de uma história da Natividade totalmente

ausente de Marcos e significativamente diversa da de Lucas”. Diferente dos outros

evangelistas, Mateus aproxima Jesus Cristo da vida diária dos leitores através de uma atenção

especial dada aos seus ensinamentos durante seu ministério.

No Evangelho segundo São Marcos, o autor tem a intenção de mostrar ao leitor quem

é Jesus Cristo. Este é apresentado através da prática de seu ministério, entrando em conflito

com o sentimento do povo de que deveria exercer dominação sobre aqueles que os

dominavam. Toda a prática do ministério de Jesus é apresentada como o anúncio e a

concretização da vinda do Reino de YHWH. O autor trabalha os relatos para mostrar que o

leitor também precisa tornar-se um discípulo. Sobre o estilo usado pelo autor do Evangelho,

John Drury (apud ALTER; KERMODE, 1997, p. 438) afirma que “Marcos usava técnicas

narrativas comuns a todos os praticantes do ofício, mas o esboço de seu texto e a força de suas

crenças apocalípticas combinam-se para tornar o uso que delas faz invulgarmente (para nós)

diagramático.

Apesar de os quatro evangelhos apresentarem o mesmo Jesus Cristo, Lucas é, dentre

os quatro, o que apresenta a forma mais humana de Cristo. Com relação explícita com o livro

de Atos dos Apóstolos (que segundo estudiosos também recebe a autoria de Lucas), o

Evangelho segundo São Lucas apresenta o caminho de Jesus Cristo que entra para a história,

caminho esse que inicia o processo de libertação do pecado e começa a escrever uma nova

história para a raça humana. John Drury (apud ALTER; KERMODE, 1997, p. 547), ao falar

sobre essa relação, cita que “o fim do Evangelho é também um começo. Do mesmo modo que

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Page 33: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

os dois primeiros capítulos gravitam na direção de Jerusalém, centripetamente, de agora em

diante as novas serão espalhadas a partir de Jerusalém, centrifugamente”. Os discípulos que

começam a pregar a partir de Jerusalém são os mesmos que começam a fundar a igreja de

Cristo em Atos do Apóstolos. O ponto central do Evangelho de Lucas se dá na morte de Jesus

Cristo, ponto crucial para a libertação dos homens. A obediência total e confiante a YHWH

traz a morte, mas através dela o ser humano obtém libertação. Jesus Cristo, através de sua

morte, traz libertação, e YHWH, através da ressurreição de Cristo, legitima seu ministério na

terra.

O último dos evangelhos, o Evangelho segundo São João, é o que apresenta mais

diferenças. O autor não se detém nos milagres e nas palavras de Jesus Cristo. O evangelho de

João tem por meta despertar no leitor a fé em Jesus Cristo. João colocado Cristo como o

centro, mostrando que aqueles que o aceitam como Salvador, também aceitam a salvação que

ocorre por meio dele; aqueles que rejeitam a salvação, ao mesmo tempo rejeitam a Cristo.

Sobre o Evangelho de João, Frank Kermode (apud ALTER; KERMODE, 1997, p. 486)

afirma que “o engenho narrativo de João tem as virtudes da economia, complexidade e

profundidade. Está empenhado em tornar sua narrativa coerente, ao fazê-lo, sempre trata de

seu propósito mais profundo, que é a representação do eterno em relação ao transitório, das

manifestações do ser em um mundo de vir-a-ser”. O leitor é convidado a fazer um julgamento

de seus atos e repensar suas atitudes. Jesus Cristo é ao mesmo tempo aquele que ama e que

julga, a revelação do amor de YHWH pela humanidade. O ponto central do evangelho é a

narrativa da paixão de Cristo.

Ao encerrar-se o Evangelho segundo São João, encerram-se também as narrativas da

vida e do ministério de Cristo. Inicia-se então a caminhada dos fiéis pelo mundo, através da

fundação da igreja de Cristo. E isso é o que vai ser narrado desde Atos dos Apóstolos até o

Apocalipse.

1.2.2 O Livro Histórico

Escrito pelo mesmo autor do Evangelho segundo São Lucas, o livro de Atos dos

Apóstolos apresenta conexões diretas com o evangelho de Lucas. O Evangelho de Lucas

apresenta o caminho de Cristo na terra; o livro de Atos apresenta o caminho da igreja de

Cristo na terra. Ambos os caminhos apontam para a salvação da raça humana. É no livro de

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Page 34: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Atos que o Espiríto Santo atua e traz a formação da igreja de Cristo, de forma organizada e

crescente. James M. Robinson (apud ALTER; KERMODE, 1997, p. 509) afirma que “Atos

usa a narrativa para apresentar uma doutrina ainda mais abstrata do que a missão dos gentios e

o governo da Igreja: a verdade cristã é verdade revelada nem sempre prontamente inteligível

mesmo para os cristãos”. O livro de Atos apresenta ao leitor o surgimento e as dificuldades

encontradas pela igreja primitiva. O desejo e a iniciativa da divulgação da mensagem de

Cristo a todos as partes do mundo. Após essa narrativa, a Bíblia apresenta as cartas dos

apóstolos a igrejas e pessoas específicas, que dão nome aos livros-cartas posteriores ao livro

de Atos.

1.2.3 As Epístolas

Os livros-cartas seguintes ao livros de Atos dos Apóstolos dividem-se em Epístolas

Paulinas e Universais. As Epístolas Paulinas correspondem as cartas de Paulo aos Romanos, I

e II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses, I e II Timóteo,

Tito, Filemon e Hebreus. Já as Epístolas Universais correspondem as cartas de Tiago, I e II

Pedro, I, II e III João e Judas.

As Epístolas Paulinas tem uma divisão entre si. Existe uma concordância geral de que

das quatorze epístolas, sete delas são autênticas, quatro são pseudônimas e três são

controversas. Michael Goulder (apud ALTER; KERMODE, 1997, p. 515) apresenta a

seguinte divisão:

As autênticas são: I Tessalonicenses, I Coríntios, Gálatas, II Coríntios, Romanos, Filemon e Filipenses, provavelmente nessa ordem. As pseudônimas (ao mesno em sua forma presente) são I e II Timóteo, Tito e Hebreus; II Tessalonicenses, Colossenses e Efésios são controversas, principalmente a última.

Podemos destacar das Epístolas Paulinas a carta aos Hebreus. A carta apresneta Jesus

Cristo como aquele que supera a instituição cultual do Antigo Testamento. Jesus é colocado

como aquele que substitui o formato de cultos feitos no Antigo Testamento. Não mais eram

necessários os sacrifícios de animais no pátio do templo, pois Jesus, o Cordeiro de Deus, que

tira o pecado do mundo, já havia vindo ao mundo e garantido a salvação. Os sacrifícios não

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Page 35: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

mais asseguravam perdão e comunham com YHWH. Assim sendo, Jesus Cristo torna-se,

segundo a carta de Hebreus, o único mediador entre YHWH e os homens.

As Epístolas Paulinas tendem a trazer mensagens diretas aos problemas enfrentados

por carta a um dos destinatários. Cartas de reprovação, cartas de recomendações, cartas de

ânimo e perseverança. Já as Epístolas Universais são cartas e discursos dos próprios autores.

Trazem mensagens como as de Paulo aos respectivos destinatários. Em especial, a Carta da

São Judas, que segundo a Bíblia Sagrada: Edição Pastoral é “um discurso violento, mas, ao

mesmo tempo, estranho e surpreendente; muitos particulares aí acenados são desconhecidos

totalmente por nós”. A carta tem como tema principal a necessidade da defesa da fé com todas

as forças e da denúncia do misticismo imoral. Além disso, o autor ataca, em determinada

parte da carta, alguns grupos que pretendiam possuir uma forma particular de conhecimento.

Uma carta dura, porém, com uma mensagem de esperança e de fortalecimento.

Após as cartas-livros, a Bíblia apresenta seu último livro. Diferente de todos os

outros do Novo Testamento, com algumas semelhanças com o livro de Daniel (Velho

Testamento), o Apocalipse é o único livro que compõe a parte profética do Novo Testamento.

1.2.4 O Livro Profético

O último dos livros da Bíblia, o Apocalipse (também chamado de Revelação),

apresenta profecias para o futuro da igreja, desde a igreja primitiva até a atual. O autor (São

João) utiliza imagens, símbolos, figuras e números misteriosos, o que torna a compreensão

das mensagens proféticas bastante complicada. Bernard McGinn (apud ALTER; KERMODE,

1997, p. 564) cita que

milhões de cristãos fundamentalistas lêem o Apocalipse de um modo sumamente literal, como um plano detalhado da crise vindoura, ao passo que os teólogos da libertação e outros procuram ali uma mensagem política, mesmo que menos literalmente profética.

Cabe ao leitor fazer seu estudo detalhado dos símbolos e buscar respostas dentro da

própria Bíblia.

O livro foi escrito em um momento difícil para os cristãos, pois encontravam-se

perseguidos pelo poder imperial romano. O livro tem por objetivo fortalecer e advertir os

cristãos sobre os perigos das diferentes épocas. O livro traz mensagens de esperança e

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Page 36: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

fortalecimento. João mostra que a vinda do Reino de YHWH e seu julgamento são

imprescindíveis, ficando a cargo dos cristãos se fortalecerem na fé, testemunharem aos outros

sobre a mensagem de Jesus Cristo e se prepararem para sua volta.

1.3. Setenta e três livros em apenas um

Como já foi dito, a Bíblia dos judeus do Novo Testamento constituía-se em livros do

Velho Testamento. A Bíblia judaica, menor que a Bíblia cristã, não contém os escritos

cristãos. Após os livros, que hoje conhecemos como Novo Testamento, terem sido escritos,

era necessário reunir todos os livros inspirados em um só. A essa reunião deu-se o nome de

Bíblia, plural da palavra grega bíblion (livro). Reis (2002, p. 65), afirma

no final do século IV, quando Teodósio declarou o cristianismo como a religião oficial do Império Romano, encomendou cinqüenta cópias novas de manuscritos bíblicos para serem usadas nas igrejas de Constantinopla em substituição aos livros cristãos existentes, que estavam muito gastos. Acredita-se que essa foi a primeira vez que o Antigo e o Novo Testamento foram reunidos em um único volume, a Bíblia.

A bíblia protestante reúne 66 livros; a católica reúne 73 livros. Os livros bíblicos são

divididos em capítulos e subdivididos em versículos. Segundo Konings (1998, p. 16), “a

divisão em capítulos data da Idade Média (Stephan Langton, 1228), e a divisão em versículos,

do início da modernidade (Robert Estienne, 1559)”. De uma edição da bíblia para outra,

diferenças existem na numeração de versículos e capítulos. Isso acontece também porque

essas divisões não correspondem sempre ao sentido do texto.

Além da divisão entre capítulos e versículos, a bíblia apresenta alguns subsídios que

auxiliam a leitura e o estudo. As bíblias católicas contêm introduções e notas explicativas,

diferentemente da protestante que apenas contém notas que remetem a outros textos dentro da

própria bíblia. Além disso, as bíblias católicas e protestantes trazem um apêndice com mapas,

índices de assuntos e temas, concordância, vocabulário ou glossário, calendário, moedas e

medidas. A quantidade de informações dentro dos apêndices varia de edição para edição.

As traduções também variam, pois variam os públicos leitores da Bíblia. Muitas

traduções popularizam a linguagem bíblica, já outras procuram rebuscar o seu linguajar para

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Page 37: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

ajudar e agradar a estudiosos. A questão das traduções e sua história será tratada no próximo

capítulo.

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Page 38: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

2 TRADUÇÃO (BÍBLICA) E CULTURA

Partindo do princípio de que toda tradução é um ato de recriação, a tradução da bíblia,

livro mais traduzido da atualidade, não pode deixar de ser considerada uma recriação por

parte do tradutor. O trabalho do tradutor bíblico é por si só um trabalho de recriação. Ao

transpor uma mensagem milenar de uma língua para outra, o tradutor cria uma nova obra,

voltada especificamente para uma nova cultura, para uma visão de mundo diferente daquela

em que foram escritos os livros que compõe a bíblia.

A tradução não se resume apenas a trazer a mensagem de uma língua para outra

através de textos, sejam estes literários, jornalísticos, científicos, entre outros. Ao realizar seu

trabalho, o tradutor tem em mente seu público-alvo, a reação que sua tradução causará nas

pessoas que a utilizarem, e, portanto, seu trabalho passa a ser não apenas o de transposição de

uma língua para outra, mas também o de adequar a mensagem. E esse trabalho de adequação

da mensagem é o que torna o trabalho do tradutor uma tarefa de recriação.

A tradução pode ser vista como uma recriação de significados que não se perdem

frente ao original, mas que são usados em caráter de restituição pelo tradutor, pois este deve

buscar dar a seu texto forma e corpo pertinentes aos que irão utilizar seu trabalho. Diana

Junkes (2007) diz que

o importante do ato de tradução é que é uma operação feita no intervalo; o traduzir não diz respeito nem ao original nem ao traduzido, mas se concretiza na tradução ao tomar emprestado ora do texto-cultura de origem, ora do texto-cultura de chegada aspectos, signos, significados e significantes, revelando a técnica do autor traduzido e, também a do tradutor.

O trabalho toma então, a partir desse pensamento, um caráter de desconstrução e

recriação, pois as possibilidades que o tradutor tem a mão permitem-lhe uma gama grandiosa

de novas construções utilizando tanto original como público-alvo. O tradutor deve então fazer

em seu trabalho uma transposição da mensagem da língua fonte (LF), a língua do original,

para que essa mensagem possa se adequar aos padrões da língua de chegada (LF), a língua da

tradução. Susan Bassnett (2003), teórica da tradução, defende em sua obra Estudos de

Tradução a transposição criativa em relação ao processo de tradução dizendo que

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Page 39: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

apenas a transposição criativa é possível: seja a transposição intralingüística (de uma forma poética para outra), seja a transposição interlingüística (de uma língua para outra), ou, finalmente, a transposição intersemiótica (de um sistema de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, dança, cinema ou pintura (p. 38).

A transposição de uma mensagem entre LP e LF é um trabalho bastante exigente ao

tradutor, pois ele trabalha com dois pólos distintos. O tradutor tem em suas mãos mensagens

implícitas que não estão explícitas em primeira instância ao leitor. A cultura é um exemplo

perfeito disso. Ao trabalhar com línguas diferentes, o tradutor trabalha em seus textos,

principalmente nos textos literários, culturas diferentes. Lotman e Uspensky (1978) dizem que

“uma língua não pode existir se não estiver inserida no contexto de uma cultura e uma cultura

não pode existir se não tiver no seu centro a estrutura de uma língua natural”. Todas as

línguas existentes carregam em si marcas da cultura de onde provêem e, assim sendo,

qualquer texto literário a ser traduzido contém implícita uma carga cultural. Bassnett (2003)

afirma ainda que “a língua natural é, assim, o coração do corpo da cultura”. Cultura e língua

andam juntas e entrelaçadas e, ao tradutor, resta o trabalho de trabalhá-lhas de uma maneira

que agrade tanto a usuários da LF quanto usuários da LC. Ao trabalhar os aspectos culturais

contidos nos textos literários, o tradutor se depara com um problema já apontado por Roman

Jakobson: “se bem que as mensagens [recodificadas] sirvam de interpretações adequadas de

unidades de código ou mensagens, não se obtém normalmente completa equivalência através

da tradução” (BASSNET, 2003, p. 37).

A equivalência que o tradutor busca em sua tradução muitas vezes não é obtida,

porque a transposição nem sempre é fácil de ser feita. O trabalho de recriação do tradutor

torna-se então necessário, porém, torna-se alvo de críticas e elogios, dependendo do resultado

final. Ao recriar, o tradutor “transforma” a mensagem original de uma forma que faz com que

ela seja compreendida e aceita entre os usuários da LC, mas que contenha todas as

características essenciais que a LF trazia. E é esse trabalho que gera polêmicas e críticas. O

tradutor tem em mãos a tarefa de trazer a uma comunidade uma mensagem, mas nem sempre

essa mensagem mostra-se perfeita em relação aos traços culturais dessa comunidade e isso

gera uma polêmica: seguir estritamente o que diz o original ou adequá-lo as características da

comunidade. A adequação, que nada mais é do que um processo de transposição criativa, é

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Page 40: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

necessária, mas nem sempre bem aceita. O que leva a essa não aceitação é uma simples

palavra: fidelidade.

Ao pensar o seu trabalho como um processo de recriação, o tradutor se depara com a

base do pensamento daqueles que se utilizam da tradução: a fidelidade ao original. O

pensamento e o desejo de que toda tradução seja estritamente fiel ao original não é de hoje,

mas sim já anda paralela ao trabalho de tradução há alguns milhares de anos. Cícero e

Horácio, teóricos da tradução da Era Romana já trabalhavam com o problema da fidelidade.

Bassnet cita que Cícero chegou a afirmar “Se traduzo palavra por palavra, o resultado soará

estranho, e se levado pela necessidade altero algo na ordem e nas palavras, parecerá que me

afastei da função de tradutor”.

A questão da fidelidade sempre esteve presente na vida do tradutor, e principalmente

quando se referiu em especial à tradução de textos bíblicos. Por se tratarem de textos

especiais, com maior destaque no campo religioso, a questão da fidelidade sempre trouxe

opiniões diversas. O tradutor deve ser fiel apenas ao original? Deve ser fiel ao leitor? Deve ser

fiel aos dois?

Werner Kaschel, autor de um dos capítulos do livro I must speak to you plainly fala

sobre essa questão da tradução da Bíblia em relação à fidelidade. Ao tratar deste tema, ele

destaca três pontos interessantes e que devem ser considerados ao discurtir-se a tradução de

textos sagrados, como os da Bíblia. Ele fala em especial da tradução destes textos para uma

linguagem menos erudita, com uma característica bastante popular. Ele afirma em seu texto

que

uma tradução de linguagem comum deve ser clara. Clara para quem? Às pessoas comuns para quem é preparada, isto é, as pessoas que têm pouco ou nenhum conhecimento das Escrituras. Toda tradução da Bíblia tem que ser fiel primeiramente aos textos originais no hebraico, no aramaico e no grego. Qualquer tradução em linguagem comum, conseqüentemente, deve aderir a este princípio, que é seguido pelo mais importante seguinte, a saber, fidelidade ao leitor. Isto significa que esta tradução é orientada pelo receptor. O significado dos originais tem que ser comunicado em um nível de linguagem adequado à capacidade do receptor de compreendê-la. O estilo vem em terceiro lugar (KASCHEL, 2004, p. 112 – minha tradução)7.

7 “A common language translation has to be clear. Clear to whom? To the common people for whom it is prepared, that is, people who have little if any knowledge of the Scriptures. Any translation of the Bible has to be faithful first to the original texts in Hebrew, Aramaic and Greek. Any common language translation, therefore, has to adhere to this principle, which is followed by the next most important one, namely, fidelity to the reader. This means that this translation is receptor-oriented. The meaning of the originals has to be communicated at a level of language suited to the receptor’s capacity of understanding it. Style comes third.”

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Page 41: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Para que uma tradução bíblica seja digna de confiança, precisa primeiro ser fiel aos

seus textos originais. Os originais dão o tom da fidelidade da tradução. Além disso, o tradutor

deve considerar o leitor, o nível de conhecimento que este possui e, conseqüentemente, o seu

nível de entendimento dos textos bíblicos. Se o leitor do texto bíblico não possui um nível de

escolaridade bom, o entendimento das mensagens do texto bíblico fica prejudicado. O texto

bíblico é um texto diferenciado de muitos outros. O seu conteúdo traz dificuldades de

entendimento aos tradutores. Mas não apenas aos tradutores. Muitos teólogos e estudiosos,

aos utilizarem certos textos bíblicos, se deparam com problemas de difícil solução. Um

exemplo é o tempo verbal chamado profético perfeito. Esse tempo verbal é utilizado

principalmente quando os profetas estão falando sobre profecias. Omanson (2004) cita em seu

livro que

em muitas partes do mundo os tradutores possuem pouco ou nenhum conhecimento da gramática hebraica e tem um conhecimento limitado da histórica israelita, então, eles costumam falhar em reconhecer a função retórica do perfeito profético.

Muitas das profecias não são datadas e é simplesmente impossível saber em alguns

casos a que o profeta estava se referindo: um acontecimento do futuro ou a algo que já havia

acontecido. Esse é um exemplo da dificuldade que o tradutor bíblico enfrenta até hoje. O

tradutor bíblico, com ou sem dificuldades, ao longo da história desempenhou funções com seu

trabalho que estavam além de sua designação. Com a expansão do cristianismo, a tradução

adquiriu uma nova função: espalhar a palavra de Deus. Bassnet (2007) cita que

uma religião tão baseada num texto como é o cristianismo propiciou aos tradutores uma missão que abarcava critérios tanto estéticos quanto doutrinários. A história da tradução da Bíblia representa, consequentemente, um microcosmo da história da cultura ocidental (BASSNET, 2003, p. 83-84).

Sendo o cristianismo uma religião baseada essencialmente nos textos bíblicos, o

tradutor tinha em suas mãos o dever de traduzir e continuar ou extinguir crenças sobre

determinados assuntos contidos na bíblia e, de acordo com seu trabalho, faria com que novas

crenças aparecessem nas religiões (ou na religião) que utilizasse sua tradução. Com isso, a

recepção de sua tradução nas comunidades religiosas era algo consideravelmente importante

ao tradutor. O tradutor leva em consideração que sua tradução só será entendida no momento

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Page 42: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

em que o horizonte do seu texto puder se sobrepor ao horizonte do leitor. Um texto

contextualizado a realidade histórica é mais fácil de ser entendido pelo leitor do que um texto

totalmente descontextualizado. A bíblia, apesar de ter sido escrita há muitos séculos atrás,

continua despertando o interesse de seus leitores, o que há torna uma obra literária eterna.

Todavia, a recepção da bíblia hoje não é a mesma recepção de séculos atrás.

Com o Renascimento dos sécs. XV e XVI (que pregava o retorno aos clássicos gregos) e o Iluminismo do séc. XVIII (que cultuava a deusa-Razão), sobretudo com os avanços tecnológicos dos séc. XIX e XX que permitiram à ciência estudar importantes documentos bíblicos como os descobertos em uma caverna próximo ao mar Morto em 1950, além de poder analisar comparativamente fatos históricos, objetos e relatos dos tempos bíblicos, o entendimento da Bíblia ganhou novo alcance.8

O tradutor deve levar em consideração que seu trabalho não tem mais a mesma

aceitação que tinha na Idade Média. Atualmente, existe um estudo maior do conteúdo da

bíblia e uma busca maior aos textos antigos para uma comparação dos significados. Não se

acredita mais no que se diz sem uma consulta profunda na bíblia a respeito do tema tratado. A

comparação de traduções antigas com as atuais se dá constantemente. O número de traduções

que são lançadas faz com que essa comparação seja feita também dentro das igrejas, já que

num público determinado, o número de versões diferentes da bíblia se torna grande e as

mensagens contidas podem ser entendidas de modos diferentes de acordo com a leitura de

cada tradução.

2.1 Tradução e recepção

A questão da recepção é tratada pela Estética da Recepção de Hans Robert Jauss, da

Escola de Constança na Alemanha. A recepção que o texto literário terá e o que isso tem de

valor tanto para o escritor como para o leitor é o que trata essa Estética. A respeito dela,

Gumbrecht (1998) diz que

Interessa à Estética da Recepção o confronto entre a construção do autor e as reconstruções do leitor. Atenta para os significados e seus locais de

8 Capítulo III: A recepção do Discurso. Disponível em: <http://webmail.faac.unesp.br/~pcampos/t6.htm>. Acesso em: 17 out. 2007.

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Page 43: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

construção, suas interpretações, observando as diferenças heurísticas à luz de mediações históricas e sociais. Faz-se necessário ainda avaliar o conceito de texto, que para a recepção normativa, encontra-se voltado para um modelo de leitura ideal, enquanto que, para a leitura descritiva, ou heurística, necessita flexibilidade.9

A construção do autor de um determinado texto irá gerar novas construções nos

leitores. As interpretações são diferentes. Interessa a Estética da Recepção o local da

construção do texto, pois o ambiente e época em que foi feito são incorporadas. Essas

características são pessoais do autor e ficam presentes em sua obra. O leitor dessa obra tira

novas conclusões porque tem suas próprias características e são elas que vão ajuda-lo a

compreender e a formar sua idéia sobre o texto. Mas a sua percepção não será a mesma do

autor, porque sua experiência e vivência não são as mesmas.

Como exemplo claro, uma obra sobre o carnaval, escrita por um autor brasileiro que

vive no Rio de Janeiro, não terá o mesmo entendimento por parte dos leitores chineses que

adquirirem a obra traduzida. As impressões e idéias do ator sobre o carnaval carioca são

diferentes das impressões dos leitores chineses a respeito do carnaval. Portanto, o local da

construção do texto e as interpretações do mesmo são bastante importantes, tanto para a

Estética da Recepção como para o tradutor, que vai se usar do estudo dessa Estética para fazer

seu trabalho. A composição da obra original de determinado autor irá depender do tradutor

para que seja entendida como se espera em outros locais por leitores que adquiram a obra.

Ainda sobre a Estética da Recepção, Cristina Martinho ([s.d]) afirma que

A Estética da Recepção considera a literatura um sistema que se define por produção, recepção e comunicação, tecendo uma relação dialética entre autor, obra e leitor. Não revitaliza a noção de produção e representação, bases da estética tradicional. Destaca que o ato de leitura tem uma perspectiva dupla na dinâmica da relação obra - a projeção desta obra pelo leitor de uma determinada sociedade. Interessa-se pelas condições sócio-históricas que formularam as diversas interpretações que o texto ficcional recebeu, e assinala que o discurso literário é o resultado de um processo de recepção ao mover a pluralidade destas estruturas de sentidos historicamente mediadas.10

9 GUMBRECHT, Hans Ulric. As Conseqüências da Estética da Recepção: Um Início Postergado. In: Corpo e Forma. Rio de Janeiro: UERJ, 1998. Disponível em: <http://www.uesc.br/icer/resenhas/alineresenhagumbrecht.htm>. Acesso em: 17 out. 2007.10 MARTINHO, C. M. T. Frankenstein e a estética da recepção. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno12-10.html>. Acesso em: 17 out. 2007.

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Page 44: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

A produção dos textos que compõe a bíblia, a recepção que estes textos têm e como

são comunicados, isso tudo importa a Estética da Recepção. Por terem sido escritos em

diferentes épocas da história, os livros da bíblia tiveram produções diferenciadas. Inicia-se por

conter diferentes línguas e acima de tudo, diferentes autores. É perceptível que os livros da

bíblia não são todos iguais e nem devem ser traduzidos todos da mesma forma. A poesia do

livro de Salmos, escrita por Davi no período de reinado de Israel, não é a mesma forma com

que escreve Lucas, médico, autor dos livros de Atos e do Evangelho de Lucas. Paulo, autor de

diversas epístolas, homem que havia estudado com os melhores mestres do povo de Israel,

escreve totalmente diferente dos profetas do Antigo Testamento. Cada livro, escrito em

épocas diferentes, tem suas características textuais específicas, únicas. Traduzi-los de uma

forma única e compacta, igual a todos, é descaracterizá-los.

A recepção do conteúdo desses livros também é importante. A mensagem de cada

livro deve ser passada. Um leitor que trabalha diretamente com questões religiosas trabalhará

melhor com as passagens teológicas da bíblia, diferente de um leitor acostumado a trabalhar

com leis, que irá entender melhor as leis do povo de Israel e o que elas trariam de benefícios e

prejuízos ao povo de Israel. Para um leitor que tem um grau maior de instrução, o

entendimento da bíblia torna-se mais fácil. Procura pesquisar sobre o que está escrito,

comparar com escritos que tenham o mesmo tema, que sejam da mesma época. Um leitor com

pouca instrução, ao ler sozinho, encontrará muitas vezes dificuldade de entender por não ter

uma carga cultural e de conhecimento adequadas ao texto apresentado na bíblia. Uma bíblia

de linguagem rebuscada e trabalhada é bem recepcionada no meio daqueles que a estudam e

tem um conhecimento maior de linguagem, história, em resumo, dos aspectos característicos a

bíblia. Para o leitor mais simples, uma bíblia mais popularizada, menos trabalhada e de fácil e

rápido entendimento, é interessante, pois lhe proporciona o conhecimento das mensagens

bíblicas sem ter problemas de compreensão.

A respeito dessa tradução mais popularizada para leitores mais simples, Villela

(2004) afirma que

Lembremos que essas “traduções populares da Bíblia” seguem a teoria da tradução dinâmica, defendida por Eugene Nida, segundo a qual o importante na tradução do texto bíblico é a compreensão por parte de seus receptores: se para tanto for necessário fazer atualizações da linguagem ou mesmo das metáforas utilizadas na narrativa bíblica, isso não significará infidelidade aos seus originais. (p. 166)

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Page 45: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Se Nida defende que a compreensão dos leitores é o que importa, Konings (1998)

tem uma visão diferente em relação à teoria da tradução dinâmica. As atualizações da

linguagem ou mesmo o uso das metáforas são vistas por Konings como uma forma

empobrecer a tradução. Konings afirma que

a simplificação lingüística, às vezes, empobrece a tradução. Na hora do estudo aprofundado, estas traduções apresentam o inconveniente de não deixar transparecer a estrutura e o colorido da língua original, escondendo particularidades inerentes, como os jogos de palavras, os efeitos retóricos do texto original, etc. (p. 22)

A simplificação lingüística traz problemas como os apresentados por Konings. Um

estudo mais profundo a respeito do conteúdo lingüístico dos livros da bíblia se torna mais

difícil se a bíblia escolhida for uma que utilize uma linguagem mais popularizada. As

construções são modificadas e/ou adaptadas a linguagem do público que fará uso dessa bíblia

e nem sempre esse público tem uma linguagem que ofereça oportunidade de aprofundamento

dentro do estudo da bíblia. Ainda sobre esse assunto, Villela (1997) afirma que

A tradução, nesta perspectiva, deve revelar ao máximo a forma e o conteúdo da mensagem original, reproduzindo elementos formais como: as unidades gramaticais, a consistência na linguagem utilizada e os significados nos termos do contexto original. (p. 50)

Assim sendo, Villela e Konings diferem de Nida no que diz respeito à popularização

do conteúdo da tradução, em especial da tradução bíblica. Além do aspecto da popularização

dos textos bíblicos que tem relação com a Estética da Recepção, outro fator importante ao

tradutor são as relações da tradução com a cultura. A cultura está intimamente ligada ao

processo de tradução. Mas para entender essa ligação entre cultura e tradução é necessário

entender o que é cultura.

2.2 Tradução e cultura: uma relação

Mona Baker (1999), autora de um dos capítulos da obra Tradução e

Multidisciplinaridade, afirma em seu texto que existem duas formas de se pensar a cultura. E

sobre essas duas formas ela diz que

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Page 46: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Tradicionalmente, há duas maneiras de se pensar a cultura. A primeira vê como resultado de um processo evolutivo, que parte de um estado de selvageria para chegar ao auge da civilização. Trata-se de uma visão elitista, que privilegia, por exemplo, a civilização ocidental, em detrimento da hindu ou chinesa – e, mais recentemente, a literatura erudita em oposição a manifestações artísticas populares, como as novelas de televisão ou a música de Bob Dylan. A segunda é vertente menos elitista, mais pluralista e vê a cultura como o modo de vida de um povo. Essa foi a visão que acabou por preponderar na antropologia e na teoria social, e que deu origem a estudos culturais como disciplina independente. É uma visão que enfatiza o pluralismo e a diferença, e que usa os estudos de campo como uma metodologia de pesquisa sobre vários aspectos de uma determinada cultura, seja de forma empírica ou histórica. (BAKER apud MATINS, 1999, p. 18)

Ao se pensar a cultura como o modo de vida de um povo, uma forma hereditária de

manifestação, percebe-se que a cultura é um ciclo, pois passa de geração para geração. Em

cada nova etapa (geração), ela pode modificar algum ponto da história, mas nunca perde o

valor deixado pelos ancestrais. Mas, além disso, uma das principais características da cultura

é a adaptação. As pessoas mudam de ambiente, mudam seu estilo de vida, mudam seus

hábitos cotidianos, passam a fazer parte da nova cultura. As pessoas se adaptam a novas

culturas e vivem dependente delas. Para serem aceitas na sociedade, precisam se adaptar a

cultura da sociedade e, assim, mostra-se que cultura e sociedade têm uma relação direta, pois

ambas necessitam-se mutuamente para uma perfeita compreensão.

Os elementos que a sociedade utiliza fazem parte de sua cultura e, àqueles que

querem se adaptar a essa sociedade, é necessário utilizar esses elementos. Essa adaptação se

faz necessária para existir uma aceitação dentro da sociedade. Uma mesma cultura é criada

para os membros de sua sociedade, mas não se pode afirmar que isso ocorre na vida em

sociedade. Talvez devido à existência da divisão das classes sociais, de acordo com a

aquisição material, o que cria classes diferentes. A partir disso, a sociedade conhece um

fenômeno chamado ideologia. A ideologia passa a ser o resultado da imposição dos

dominantes (em relação à cultura) para toda a sociedade, como se todas as classes devessem

ter a mesma cultura, mesmo vivendo em situações sociais diferentes.

A tradução tem relação direta com a cultura. A cultura está implícita nos textos e cabe

a tradução transportar as características culturais do texto original para um novo texto, a

tradução. A tradução transporta as ideologias de um texto para outro. Transporta idéias e

ideais de um povo para outro, fazendo com que o povo que recebe a tradução também receba

essas idéias e as aceite ou as deixe de lado. O texto literário, diferente de textos técnicos e

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Page 47: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

científicos, carrega uma carga muito grande da cultura do autor e cabe ao tradutor passar essas

informações ao leitor. Lya Wyler (2003) afirma que

Por definição, a tradução entre povos é a reescritura em língua nacional de um texto em língua estrangeira. Toda reescritura, seja qual for a intenção que lhe dê origem, reflete uma certa ideologia e uma poética, cuja função é levar o receptor a reagir de uma dada maneira. E é isto que confere a tradução de pensamentos, palavras e imagens a característica de instrumento de manipulação a serviço de um dado poder. (p. 11)

No caso da tradução bíblica, a tradução propicia ao leitor o contato direto com as

ideologias dos cristãos. Isso se percebe facilmente ao se analisar as religiões que utilizam a

bíblia como instrumento de evangelização. Por mais que existam diferenças entre elas,

existem pontos iguais em suas crenças e, muitas vezes, pontos iguais que apenas são

levemente alterados de uma religião para outra. A tradução bíblica evoca ao tradutor a tarefa

de propiciar ao leitor o conhecimento do cristianismo, suas ideologias, a cultura da época. E

para que isso aconteça, cabe ao tradutor a fidelidade ao texto original, para que estas

características não se percam no tempo.

A fidelidade a essas características também impõe uma regra geral de não se usar a

adaptação, já que esta pode trazer diferenças do original. Se esta regra é usada no ato da

tradução, a popularização começa a se tornar difícil. Sem adaptação não se consegue chegar a

popularização. A popularização atesta para a perde de elementos essenciais, muitas vezes

presentes no vocabulário, e estes elementos tornam a tradução distante do original. Konings

(1998) diz que

À primeira vista não se percebe a utilidade das traduções para conhecer o texto original. Mas estas traduções, sobretudo anteriores ao séc. IV, atestam às vezes leituras originais que se perderam nos textos gregos “recenseados” no decorrer do séc. IV. Pois se as recensões corrigiam os erros, às vezes “corrigiram” também o que eram mesmo o texto original! (p. 189)

Ao ser fiel, o tradutor passa o texto como ele está, seja ele escrito de forma errada ou

não. A partir do momento em que existem mudanças no estilo, conteúdo, vocabulário, etc.,

um novo texto se forma desviando-se das características do original. Se os livros bíblicos

foram escritos por pessoas do povo para o povo, a linguagem utilizada nem sempre foi a mais

culta. Assim sendo, as diferenças dos livros e de duas características literárias também devem

ser marcantes. Se todos os livros forem traduzidos da mesma forma seguindo-se as mesmas

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Page 48: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

regras gerais, deixam de existir as diferenças entre os autores e suas épocas e passa a existir

uma compilação geral de modo igual por parte do tradutor.

A fidelidade aos originais, as características implícitas e explícitas sempre permearam

o trabalho desses tradutores e ainda hoje estão presentes no trabalho da tradução bíblica.

Objetivando trazer fluência ao texto, entendimento de todos os leitores, buscando mostrar a

essência de cada texto, o trabalho do tradutor sempre foi movido pelo sentimento de se tornar

invisível, uma ponte entre os originais hebraicos, aramaicos e gregos e as línguas que agora

têm traduções. A respeito disso, Wyler (2003) afirma que

quanto mais fluente, mais invisível ele se torna e tanto mais visível a personalidade ou intenção do autor estrangeiro, enfim, sua essência – algo supostamente imune às limitações impostas pela língua, biografia e história. (p. 15)

A tradução da bíblia sempre objetivou levar a mensagem com todas as características aos

seus leitores. Em momentos diferentes, feita por homens diferentes, o trabalho da tradução

buscou trazer a mensagem de Cristo a todas as pessoas, independente de classe social ou raça.

A meta sempre foi levar a mensagem a qualquer pessoa, no máximo de línguas diferentes

possível. Na história, alguns tradutores como Lutero, Tyndale, São Jerônimo e outros se

destacaram por produzir grandes traduções e através delas trazer benefícios para as sociedades

onde viviam. No próximo capítulo, falaremos mais detalhadamente sobre esses tradutores e as

grandes traduções bíblicas da história.

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Page 49: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

3 A TRADIÇÃO DA TRADUÇÃO BÍBLICA

Os judeus da época de Jesus, e até alguns de algumas gerações anteriores, usavam

como base de seus estudos teológicos os escritos que hoje são conhecidos como Velho

Testamento. Mas os judeus daquela época não estavam todos concentrados em um mesmo

lugar. Já não eram mais um reino único e indestrutível. Agora eram um povo dividido em dois

reinos distintos. Saíram também dos reinos e procuraram novos locais para habitar. Havia a

necessidade de levar a mensagem dos profetas aos judeus de outros países. Mas levar essa

mensagem agora implicava em passar o conteúdo da língua hebraica para uma nova língua: o

grego, língua falada pelos judeus que habitavam o Egito. Assim, uma tradução do Velho

Testamento era o que deveria ser feito. Iniciava-se a tradição da tradução bíblica.

Essa tradição passa por dois momentos distintos. O primeiro deles, anterior ao

nascimento de Jesus Cristo, traz a tradução da Bíblia (Velho Testamento) de judeus para

judeus. O segundo momento, posterior ao nascimento de Cristo, traz a tradução do Velho e

Novo Testamentos para outros povos e outras línguas, e essa tradição estende-se até o

presente momento.

Essa tradição trouxe características importantes para momentos específicos da

história do mundo. A formação de línguas (como exemplo, a tradução de Lutero da bíblia e a

língua alemã), a perseguição aos tradutores e eventualmente, com as suas mortes, a

disseminação da bíblia (Tyndale e sua morte na fogueira). A tradição da tradução bíblica

favoreceu mudanças sociais em vários locais onde aconteceram traduções. E para entender

essas mudanças é necessário o conhecimento destas traduções acontecidas ao longo dos

séculos.

Este capítulo toma como base Jean Delisle e Judith Woodsworth, especialmente ao

falar sobre as traduções de Lutero e Tyndale e as suas relações com a língua de seus

respectivos países. O trabalho de Kênia I. A. Tillvitz ajuda a conceber uma visão geral das

traduções da bíblia ao longo dos séculos e, como base geral de dados históricos e

cronológicos, o dvd do Rev. Rudi Zimmer, que traz informações importantes e curiosidades

acerca das traduções bíblicas no mundo.

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Page 50: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

3.1. Textos anteriores ao nascimento de Cristo

Os escritos dos autores do Velho Testamento, que na época de Cristo eram os autores

de toda a Bíblia, formavam a base para a fé daqueles que faziam parte do povo de Israel e

Judá. Escritos no idioma de ambos os povos, o hebraico, os textos eram utilizados no templo

durante os cultos religiosos. Mas com as grandes conquistas dos gregos, em um determinado

momento, a língua grega torna-se a língua oficial administrativa, cultural e comercial. Os

judeus dentro e fora da palestina começaram então a utilizar o grego como a língua falada no

cotidiano. Principalmente em Alexandria, no Egito, a utilização do grego como língua oficial

se tornou forte. Era necessária então a tradução dos escritos do Velho Testamento do hebraico

para o grego. Além disso, a língua falada não era mais o hebraico, e sim o aramaico. Traduzir

os escritos para a língua falada pelo povo era necessário nos dois casos. Tomava forma então

à tradição da tradução bíblica anterior ao nascimento de Cristo.

3.1.1 Septuaginta (c. 280 a.C.)

A Septuaginta, tradução dos livros do Velho Testamento para o grego, tem início em

Alexandria, no Egito. Após as grandes conquistas de Alexandre, o Grande e a disseminação

da cultura grega para o mundo, os judeus começaram a utilizar-se da língua grega, deixando

de lado a língua hebraica.

“Os judeus que viviam fora da Palestina, principalmente, em grande número no Egito, não entendiam mais o hebraico, que era a língua dos judeus, e falavam o grego, que era a língua universal naquele momento, e então começou a surgir aquela que é conhecida como a tradução da Septuaginta (c. 280 a.C.). Uma tradução feita por judeus para judeus.” (ZIMMER, [s.d.])

Os judeus espalhados por outras partes do mundo teriam a oportunidade do contato

com a palavra de YHWH através da tradução dos livros do Velho Testamento. Essa tradução

adquiriu rapidamente uma grande importância. Traduzida de judeus para judeus, a

Septuaginta tinha uma divulgação maior do que a versão hebraica, já que agora a língua mais

falada era o grego, e não o hebraico. Jean Delisle e Judith Woodsworth (1995), ao falarem

sobre a história da tradução da Septuaginta, dizem que

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Page 51: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

“A primeira tradução escrita importante da Bíblia hebraica foi a versão grega conhecida como Septuaginta, comumente designada LXX (70 em algarismos romanos). Acredita-se que essa versão foi encomendada por Ptolomeu Filadelfus (Ptolomeu II) (308-246 a.C.), rei do Egito, por iniciativa do seu bibliotecário Demétrio de Falera (falecido em 280 a.C.), com o objetivo de enriquecer a célebre biblioteca de Alexandria.” (p. 172-173)

A história desta tradução apresenta algumas lendas interessantes, na qual existe uma

atribuição da tradução a 70 sábios, todos encarregados de traduzir para colocar na Biblioteca

de Alexandria uma versão em grego da bíblia dos hebreus. Uma das lendas atribui aos sábios

a capacidade de ter traduzido a bíblia em 70 dias e, ao serem comparadas as traduções, todas

estavam exatamente iguais. Assim sendo, a tradução seria extremamente fiel e correta, além

de proporcionar ao leitor a sensação de estar lendo exatamente o que estava escrito nos

originais. Outra lenda credita aos sábios a inspiração divina para realizar sua tradução. Ao

serem separados, os sábios traduziram os escritos exatamente iguais. Sobre essa lenda, Delisle

& Woodsworth dizem que

“Embora a tradução pretendesse ser um esforço coletivo, uma outra lenda afirma que os tradutores tinham alojamentos separados e não podiam comunicar-se uns com os outros; contudo, produziram versões idênticas, prova de que agiam sob inspiração divina.” (op. cit., p. 173)

Mas esta história apresenta outras versões. Uma delas diz que os sábios não traduziram

todos os livros de uma só vez. Foram traduzidos apenas alguns livros numa primeira

oportunidade, sendo que os outros foram sendo adicionados depois. Baseado em Konings

(1998), Cazetta Jhúnior (2006) cita que

“Primeiramente, traduziu-se a Torá de Moisés (ou Pentateuco), que são os livros do Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio; anos depois foram se acrescentando os livros sapienciais, poéticos e históricos. Com isso, o povo judeu, fora da Terra Santa poderia, então, praticar sua fé, mas em língua grega.” (p. 18)

Mas apesar das diferentes versões para o processo de tradução da Septuaginta, a

abertura que esta tradução deu para a divulgação da palavra de YHWH a outros povos foi

bastante importante. Agora os relatos e mensagens não ficariam mais resumidas aos cultos e

tradições orais do povo judeu, mas poderia tomar novas proporções geográficas. Delisle &

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Page 52: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Woodsworth (1995), com uma versão diferente para o processo de tradução da Septuaginta,

dizem que

“Vertida em épocas diferentes, por diferentes tradutores com conhecimento variável do hebraico e do grego, a Septuaginta tem uma qualidade irregular. Contudo, seu valor foi inestimável: tornou a Bíblia acessível, servindo como um texto autorizado do Velho Testamento para o cristianismo primitivo; foi a base das outras versões antigas da Bíblia (para o etíope, copta, eslavônio, etc.) e preservou os textos apócrifos não incluídos no cânon judaico.” (p. 174)

Além de base para outras versões da bíblia antiga, a Septuaginta foi a bíblia utilizada

por cristãos primitivos como Paulo, Estevão, Barnabé, entre outros. E tem seu período de

popularidade até a tradução da Vulgata por São Jerônimo. Popularidade essa que lhe concede

o título de original, sendo base para traduções posteriores. Após os escritos hebraicos, é a

Septuaginta que tem status de original. A dificuldade de ter os originais para efetuar a

tradução credita à Septuaginta e às bíblias posteriores esse encargo de originais. Essa

popularidade que a Septuaginta obtém é comentada por Delisle & Woodsworth (op. cit., p.

170), na qual os autores comparam os feitos da Septuaginta com os feitos de bíblias

posteriores a ela, dizendo que

“Paradoxalmente, as traduções feitas em épocas de transição cultural adquiriram, às vezes, status original, impedindo o acesso aos textos-fontes em que tinham origem. Esse foi o caso da Septuaginta em língua grega (c. 250-130 a.C.), que substituiu a Bíblia hebraica e mais tarde tornou-se o Velho Testamento da Bíblia cristã até o surgimento da Vulgata. Da mesma forma, a King James Bible, ou Versão Autorizada (1611), tornou-se o texto fonte para subseqüentes traduções protestantes em muitas línguas não-européias.”

Ao ser traduzida, a Septuaginta sofreu modificações quanto à ordem de seus livros.

Contendo mais livros do que a bíblia hebraica (os livros deuterocanônicos), a ordem dos

livros foi organizada pelos continuadores dos 70 sábios. Sua organização foi feita a partir da

cronologia e conteúdo dos livros. Os livros deuterocanônicos foram também colocados junto

com os canônicos adequando-se a regra da cronologia e conteúdo.

Além de ser instrumento de divulgação da mensagem de YHWH pelo mundo, a

Septuaginta é peça-chave para as traduções modernas da bíblia. Foi base de fé para os judeus

da época de Cristo, base da tradução e comparação da Vulgata de São Jerônimo. O intuito de

trazer a mensagem para os judeus distantes também trouxe o trabalho da tradução bíblica para

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Page 53: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

o mundo. Através da Septuaginta, a mensagem de YHWH começou a ser traduzida para

outras línguas e povos.

3.1.2 Targuns (últimos séculos a.C.)

Além da tradução do hebraico para o grego, os judeus também traduziram os escritos

do Velho Testamento para o aramaico, língua falada pelo povo judeu. Na época, o hebraico

era usado nos cultos do templo, mas não no cotidiano dos judeus que ainda habitavam a Terra

Prometida do Antigo Testamento. Tanto a Septuaginta como os Targuns foram traduções

feitas no intuito de levar a mensagem do templo para a língua do povo. Zimmer ([s.d]) afirma

que os Targuns

São extremamente livres na tradução, parafrásticos. [...] Quando o tradutor, naquela tradução oral, não entendia bem, ele simplificava, dizia o que entendia, e as vezes até dizia a sua opinião porque não concordava com o texto bíblico.

A tradução trouxe vários comentários, citações e notas explicativas. Além disso,

adotou a forma livre como forma de tradução. A tradução livre repleta de explicações e

auxílios ao conteúdo acabou não sendo tão bem aceita, e acabou em desuso. Diferente da

Septuaginta, que se tornou base para traduções posteriores, os Targuns acabaram não sendo

vistos com bons olhos e sendo levados ao desuso por parte dos leitores.

3.2. Textos posteriores ao nascimento de Cristo

Após o nascimento de Cristo, os judeus ainda utilizavam a Septuaginta como fonte

de leitura e estudos. Mas novas traduções começaram a ser feitas, com intuito de adequar as

mensagens de YHWH às necessidades locais. Formas de levar às pessoas simples e sem

instrução as mensagens bíblicas era uma dessas necessidades. Novas traduções começaram a

ser feitas a nível local para que essas necessidades pudessem ser atendidas, sem ter que

esperar por traduções que buscassem atender a todas as necessidades de um modo geral.

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Page 54: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Em determinado momento da história, o cristianismo ganha posição de destaque, ao

receber o título de religião oficial do império romano. As perseguições aos cristãos cessam e

as idéias e crenças começam a ser espalhados por todo o território de Roma. Em 323 d.C., o

imperador Constantino, recém-convertido ao cristianismo, faz cessar a perseguição aos judeus

e começa a fazer a transição da igreja para torná-la parte ativa do sistema político. A Igreja

como parte do Estado começa a trazer uma mistura entre paganismo e cristianismo.

Os cristãos, até então divididos em pequenos grupos localizados em várias partes do

território romano, tinham uma forma de adoração e pregação até certo ponto modesta, se

comparada com a religião pagã romana. Não era uma religião grandiosa, não tinham grandes

templos (como já haviam possuído no passado, a citar como exemplo o templo de Salomão),

tinham apenas a motivação da divulgação do evangelho de Cristo. Desde a morte de Cristo,

essa divulgação foi aumentando e se propagando para diferentes pontos do império romano, o

que começou a causar certo desconforto aos imperadores romanos. Obter a confiança e ter os

cristãos como aliados era um objetivo que interessava ao imperador Flavius Valerius

Constantinus (285-337 d.C.), pois lhe daria maior poder sobre os povos que dominava.

A incessante perseguição aos cristãos apenas trazia força para a divulgação do

cristianismo e isso era algo que preocupava Constantino. Após a morte de seu pai,

Constantino assumiu o poder em 306 d.C., e começou a mudar a política em relação aos

cristãos. Em vez de persegui-los, começou a divulgar o cristianismo. Através da promoção do

cristianismo, Constantino tinha por objetivo uma unidade religiosa em seu império. Ao

divulgar o cristianismo, Constantino fazia com que os pequenos grupos de cristãos espalhados

por seu império se aliassem a ele e ele controlasse religiosamente todo o seu império.

Mas essa aliança não apenas favorecia aos cristãos (com a divulgação de sua

mensagem), mas também a Constantino, que aos poucos foi implantando novas crenças

dentro das crenças já existentes dos cristãos. Um exemplo foi a implantação do culto pagão ao

“Sol Invictus”, culto que ele presidia pois era o sumo-sacerdote da religião pagã romana. A

partir dessa influência, Constantino governa absoluto. A criação de uma religião unificada do

império era também o nascimento de uma nova igreja, que utilizava ritos de igrejas diferentes.

Roberto Junior (1997) cita que

O Concílio de Nicéia, na Ásia Menor, presidido por Constantino era composto pelos Bispos que eram nomeados pelo Imperador e por outros que eram nomeados por Líderes Religiosos das diversas comunidades. Tal Concílio consagrou oficialmente a designação "Católica" aplicada à

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Page 55: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Igreja organizada por Constantino: "Creio na igreja una, santa, católica e apostólica".11

Ao tornar-se religião oficial do império, o cristianismo começou a sofrer desvios de

sua originalidade. Práticas pagãs foram assimiladas, foram criados novos ritos, rezas, formas

de adoração. Nascia uma religião forte que servia ao império romano, um império unido e

sem disseminações. E a bíblia, instrumento de estudo dos cristãos também sofre alterações.

As traduções posteriores ao nascimento de Cristo foram influenciadas por esse nascimento de

uma nova igreja no império romano.

3.2.1 Áquila (c. 125 a 150)

Áquila, recém-convertido ao judaísmo, realizou uma tradução da bíblia, que teve

como característica o modo grotesco de apresentar o conteúdo em grego. Áquila achava que a

Septuaginta favorecia a teologia dos hebreus. Assim, buscou fazer uma tradução

extremamente formal, literal e ao pé da letra. Procurou traduzir os mesmos termos

apresentados no hebraico para o grego, para que não existissem diferenças entre um e outro.

Essa apresentação tornou-se grotesca por ser extremamente literal. Foi bastante aceita pelos

judeus da época, mas caiu em desuso tempos depois e apenas alguns fragmentos dessa

tradução sobreviveram.

3.2.2 Vetus Latina ou Ítala (sec. II)

A tradução da bíblia conhecida como Vetus Latina foi uma das tentativas de sanar as

necessidades de congregações de cristãos que possuíam um grau de conhecimento baixo.

Cabia a cada líder religioso adaptar a linguagem da bíblia para a necessidade de sua

comunidade. Rudi Zimmer ([s.d.]) cita que “Eram traduções que cada pastor, bispo da sua

área fazia, para que pudesse atender essa demanda e passar a Palavra para as pessoas

simples”. A Vetus Latina tinha a intenção de utilizar a adaptação como meio de propagação

da bíblia a todo tipo de pessoas, seja de culturas mais ou menos elevadas.11 Disponível em: < http://br.geocities.com/luizahpbr/Frases-Nticker/nic.html >. Acesso em: 3 out. 2007.

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Page 56: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Essa tentativa não ficou restrita a um lugar específico, mas “ocorreu em várias partes,

associada à evangelização para passar a fé no Senhor Jesus” (ZIMMER, [s.d.]). A busca pela

evangelização fez com que as traduções tivessem grande propagação. Cada líder religioso

adaptava a mensagem ao seu público, e assim colaborava para propagar o evangelho ao

máximo de pessoas possível.

3.2.3 Peshitta (séc. II e III)

A Peshitta, versão siríaca da bíblia foi uma tentativa de traduzir o Antigo Testamento

para a língua da Síria. O nome da tradução, Peshitta, que significa “simples” ou “comum”, foi

a tentativa de realizar uma tradução em língua popular, de uma forma simples ao

entendimento do leitor. Entretanto, a versão final mostrou-se bastante complexa. Uma das

curiosidades a respeito dessa tradução é o fato dela apresentar apenas 22 livros no Novo

Testamento. Foram excluídos os livros de II Pedro, II e III João, Judas e Apocalipse. Na

intenção de cuidar com o conteúdo da bíblia, esses cinco livros foram deixados de fora do

cânon da Peshitta.

3.2.4 Vulgata Latina (Jerônimo: 391-405)

A partir de 325 d.C., o cânon da Bíblia foi estabelecido. No Concílio de Nicéia,

realizado pelo imperador Constantino, esse cânon foi estabelecido. O Concílio, que teve

importante papel devido ao fim da perseguição aos cristãos, foi convocado por Constantino e

tratou de temas que eram julgados pelo imperador de caráter urgente. Temas como a questão

ariana, a escolha dos evangelhos que figurariam a Bíblia, a celebração da páscoa, o batismo

de hereges e o estatuto dos prisioneiros na perseguição de Licínio, entre outros temas, foram

discutidos e votados pelos bispos presentes. O papa em exercício na época, Silvestre I,

recusou-se a comparecer pessoalmente nas sessões do Concílio, esperando que sua ausência

representasse um protesto contra a convocação do sínodo pelo imperador.

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Page 57: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

O Concílio foi aberto formalmente em 20 de maio de 325 d.C., na estrutura central do

palácio imperial. Um dos temas tratados, a escolha dos evangelhos que figurariam a Bíblia,

fez com que fosse votado o cânon da bíblia que seria usada no império. Os livros que

entraram e os que foram considerados impróprios para entrar foram votados nesse concílio.

Além disso, um importante tema, a divindade de Cristo, também mereceu atenção especial

durante a duração do Concílio. O cânon amplo, com 73 livros, foi votado neste Concílio e

perdura até hoje nas bíblias traduzidas e utilizadas pela Igreja.

A tradução, até então utilizada, era a Septuaginta, e uma nova tradução se fazia

necessária. Anos depois do Concílio de Nicéia uma nova tradução foi feita: a Vulgata Latina.

Depois da Septuaginta, a bíblia usada como referência é a Vulgata Latina. Se a Septuaginta

foi a tradução para a língua mais falada de seu tempo, o grego, a Vulgata também tem o

mesmo intuito, que é a tradução para a língua de comunicação entre locais diferentes, a língua

universal. Essa tradução aconteceu devido a uma preocupação em relação ao uso da bíblia nas

igrejas. Zimmer ([s.d.]) diz que

O bispo Damaso de Roma, ele se sentiu preocupado porque não havia uma bíblia latina para todas as igrejas. [...] Encomendou de Jerônimo, um estudioso, para que ele preparasse uma versão, nem que seja uma revisão de todas elas, para que seja um padrão para a igreja.

A intenção de ter em todas as igrejas uma bíblia igual, com a mesma língua, fez com

que Jerônimo fosse convocado para realizar a tradução dos textos para o latim. Esse processo

de tradução foi um período longo, 15 anos, e envolveu a tradução de textos antigos e revisões

de textos já traduzidos para o latim. Essa tradução evidentemente ficou muito melhor do que

as traduções anteriores para o latim.

A tradução de Jerônimo tornou-se a bíblia oficial da Igreja Católica. “Tornou-se a

Bíblia oficial em 1546, um milênio e 100 anos depois, no Concilio de Trento, já no auge da

Contra-Reforma” (op. cit., [s.d.]). A tradução de São Jerônimo foi adotada como Bíblia oficial

e perdurou até o Concílio Vaticano II (1962-1965), onde foi substituída pela Nova Vulgata,

uma versão com correções no texto de São Jerônimo.

São Jerônimo, tradutor da Vulgata Latina, tem um papel de destaque devido ao seu

trabalho. Deslile & Woodsworth (1995) afirmam que “São Jerônimo (c. 331-c. 420), o santo

patrono dos tradutores, é sem dúvida um dos mais conhecidos de todos os tempos, pelo menos

no Ocidente, tendo se notabilizado pela Vulgata, ou a Bíblia latina padrão” (p. 177). Sua

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Page 58: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

tradução ainda é tida como a primeira a traduzir diretamente do original hebraico para o latim

os livros do Antigo Testamento. Sua bíblia foi a grande bíblia da Idade Média.

3.2.5 Tradução de John Wycliff (c. 1330-1384)

John Wycliff foi o primeiro a traduzir a bíblia para o inglês. Era um estudioso, teólogo

de Oxford. Sua tradução, literal da Vulgata, tinha o intuito de popularizar a leitura da bíblia, já

que apenas o clero tinha acesso a ela. Por ir contra a forma da Igreja de utilizar a bíblia,

Wycliff resolveu traduzi-la para a língua de seu povo, o inglês.

A tradução de Wycliff possibilitaria ao povo uma chance de não mais estar sob os

domínios da Igreja. Zimmer ([s.d.]) afirma que

Ele [Wycliff] se levantou contra as indulgências, contra o domínio do clero sobre o povo, de que só o clero podia ler a bíblia e interpretá-la para o povo, ele chegou à conclusão de que a única maneira pela qual o povo podia se libertar desse domínio era através da palavra de Deus.

E através da tradução de Wycliff, que foi publicada em 1848, esse domínio religioso

podia ser combatido. A população poderia ter acesso aos conteúdos dos livros da bíblia.

Assim, não apenas poderiam aprender na Igreja, mas também em casa.

3.2.6 Tradução de Lutero (N.T.: 1522; Bíblia completa: 1534)

Martinho Lutero, conhecido pelo movimento da Reforma, também é uma das bases da

língua alemã. Graças ao seu trabalho de tradução, muito da língua alemã foi formada. Lutero

leu a bíblia pela primeira vez aos vinte anos de idade. A leitura da bíblia só era permitida a

magistrados, cardeais, reis e papas. Por ser permitida apenas para pessoas de classes muito

altas, a maioria do povo não tinha nenhum tipo de acesso a ela. Após ter contato com a bíblia

e conhecer seu conteúdo, Lutero decide traduzi-la para o alemão. Além disso, decide tornar

públicas suas idéias a respeito do que era pregado pela Igreja. Lutero elabora 95 teses sobre

suas descobertas teológicas e as fixa nos portões do castelo de Wittenberg, em 1517. Lutero

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Page 59: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

tinha o intuito de fazer uma revisão em aspectos da igreja. Cazetta Jhúnior (2006) afirma que

“Ele [Lutero] pretendia abrir um debate para uma avaliação interna da Igreja, pois acreditava

que a mesma precisava ser renovada a partir do Evangelho de Jesus Cristo. Com isso, a Igreja

passa a persegui-lo e o excomunga”.

Lutero pregava a justificação pela fé. Seu pensamento e teses batiam de frente com o

que era pregado pela Igreja. Zimmer ([s.d.]) diz que “Foi estudando, foi interpretando a bíblia

que Lutero veio a convicção de que a salvação é recebida pela fé no salvador Jesus Cristo. E

que a fé não depende de nenhuma obra, mas exclusivamente da graça de Jesus Cristo”. Por

bater de frente com o pensamento da Igreja, e participando da Igreja como monge

agostiniano, Lutero é excomungado.

Depois de ser excomungado, Lutero inicia o trabalho da tradução do latim para o

alemão. Seu trabalho minucioso demora treze anos para ser completado, sendo que Novo e

Velho Testamentos são publicados em datas diferentes. Delisle & Woodsworth (1995) citam

que.

Lutero trabalhou na tradução da Bíblia de 1521 a 1534, em colaboração com um grupo de estudiosos. Sua tradução para o alemão do Novo Testamento grego de Erasmo foi publicada em 21 de setembro de 1522, e a Bíblia completa apareceu em Wittenberg em 1534. A Bíblia de Lutero foi a primeira Bíblia completa em língua moderna traduzida diretamente das línguas originais, grego e hebraico. (p. 182)

A tradução de Lutero provocou ainda uma reforma cultural. Graças a seus esforços em

rebuscar o vocabulário utilizado e a sua incessante busca aos textos originais, Lutero traduz

para uma língua alemã compreendida por todos. Lutero não só estudou o latim para fazer a

tradução, mas também o hebraico e o grego. Conhecer as línguas que compunham a bíblia era

de extrema necessidade para Lutero. Além disso, não se concentrou apenas em seus

conhecimentos, mas procurou consultar diferentes profissionais para resolver problemas de

terminologia.

A tradução de Lutero seguia alguns princípios, que mais tarde levaram o resultado

final a ter grande influência até mesmo nos dias atuais. Lutero seguia uma linha de tradução

que lhe inspirava confiança e seguia seu pensamento de como a bíblia deveria ser traduzida.

Delisle & Woodsworth (op. cit.) afirmam que

Em primeiro lugar, ele advogava o retorno às línguas originais da Bíblia: o hebraico, no Antigo Testamento; e o grego, no Novo Testamento (sem, contudo, desprezar completamente a Vulgata latina, no caso do Novo

59

Page 60: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Testamento). Outro princípio era a abordagem inovadora, baseada na influência crescente da filosofia humanista. Embora a Igreja Católica tivesse proclamado a Vulgata como a versão oficial da Bíblia, Lutero a rejeitava como um texto autêntico. (p. 59)

O esforço de Lutero em sua tradução não apenas era o de trazer a mensagem da bíblia

de uma forma mais simples, mas de abranger também as classes sociais menores ao

conhecimento das mensagens bíblicas. Através de uma tradução que se mostrasse

compreensível ao povo simples, Lutero conseguiu fazer com que a língua alemã fosse igual a

todos. Zimmer ([s.d.]) diz que “O alemão que as traduções tinham era incompreensível para o

povo simples. Lutero se pôs a traduzir. Inclusive em grande parte criou a língua alemã que se

tornou padrão”.

A influência da tradução de Lutero começou a ser evidenciada depois de sua morte.

As primeiras gramáticas alemãs, publicadas por Valentin Ickelsamer e Fabian Franck, tinham

como base direta a língua alemã utilizada por Lutero em sua tradução. Lutero produziu com

sua tradução um enriquecimento e padronização do léxico alemão, além de desenvolver uma

sintaxe mais equilibrada. Um texto claro, simples e de boa compreensão fizeram com que

Lutero se destacasse no campo estilístico, mostrando as características de um bom texto, todas

utilizadas em sua tradução. Ainda hoje a tradução de Lutero serve de base para traduções e

revisões detalhadas da bíblia.

3.2.7 Tradução de William Tyndale (N.T.: 1526)

Se Lutero teve um papel importante para a formação da língua alemã, Tyndale também teve

esse papel na Inglaterra. Com uma história de vida interessante, proporcionou uma tradução

bastante completa e que foi considerada uma afronta direta ao clero. Sobre a vida de Tyndale,

Delisle & Woodsworth (1995) afirmam que

William Tyndale (c. 1494-1536) nasceu em Gloucestershire, estudou no Magdalen College de Oxford e foi ordenado em 1519. Cedo foi acusado de heresia; absolvido, recebeu uma censura por haver assumido atitudes demagógicas. (p. 44-45)

Por certas atitudes e por ser considerado herege, Tyndale muda-se para o continente

europeu, onde começa um projeto de tradução da bíblia para o inglês. Um dos motivos que o

60

Page 61: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

levaram a desenvolver esse projeto no continente europeu foi a falta de apoio por parte do

bispo de Londres. Mudou-se para a Alemanha, onde começou seu projeto e publicou

primeiramente o Novo Testamento. Delisle & Woodsworth (op. cit.) dizem que

Na Alemanha conheceu Lutero, traduziu e publicou o Novo Testamento. Na Antuérpia publicou seu Pentateuco – os cinco primeiros livros do Antigo Testamento. Traído por um compatriota, que o denunciou a agentes de Carlos V, foi estrangulado e queimado na fogueira em 6 de outubro de 1536, em Vilvorde, perto de Bruxelas. (p. 45)

A atitude de Tyndale foi oposição explícita ao clero. Zimmer ([s.d.]) afirma que

Tyndale “Enfrentou a oposição do clero”. Essa oposição dez com que ele fosse procurado e,

após ser denunciado, sofreu a morte por estrangulamento e ser queimado na fogueira. Além

disso, não apenas sua vida foi tirada, mas também os seus escritos caçados. Zimmer (op. cit.)

diz que “Tentaram queimar a todo custo os escritos de Tyndale, que eram contrabandeados

para a Inglaterra”. Sua tradução, vinda do continente, agora era proibida, e só era possível ser

lida graças ao contrabando. Diferente das outras bíblias, que eram corpulentas e pesadas, a

bíblia de Tyndale era leve e menor, o que a tornava mais prática ao uso.

Tyndale acreditava que era mais fácil trazer as mensagens do hebraico e do grego para

o inglês, pois este refletia a ampla variedade de estilos do Antigo Testamento. Para Tyndale, o

inglês dava mais opções em relação às línguas originais do que o alemão. Sua tradução tinha

como alvo o povo, e nela estavam presentes as suas características pessoas, como a

experiência de pregador e a sensibilidade. Ainda sobre a pessoa de Tyndale e seu trabalho,

Delisle & Woodsworth (1995) citam que

Tyndale foi um lingüista e pesquisador notável, cujo atributo mais importante era a clareza, derivada do treinamento em lógica e retórica que tinha recebido em Oxford. Conhecia oito línguas, inclusive grego e hebraico (o que era excepcional na sua época), tinha experiência como pregador e sensibilidade para a tradição da escrita em inglês. Traduzia para a linguagem que o povo falava, não para a língua escrita dos eruditos. (p. 45-46)

Tyndale tem influência na língua inglesa não pela sua presença no país, mas pelo seu

trabalho lingüístico na tradução da bíblia para o inglês, além de sua importância nas batalhas

políticas, teológicas e ideológicas durante o período da Reforma e posteriormente a ela. Sua

escrita erudita e trabalhada, influenciada por sons, sintaxe e vocabulário de Gloucestershire12,

12 Cidade natal de Tyndale.

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Page 62: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

lhe conferiram o poder de dar a Inglaterra uma linguagem bíblica própria, assim como Lutero

havia feito na Alemanha.

3.2.8 Bíblia de Genebra (N.T.: 1557; Bíblia completa: 1560)

Depois da tradução de Tyndale, a tradução da Bíblia de Genebra se destaca. Devido à

destruição das bíblias que ocorria na Inglaterra, reformadores foram a Genebra para realizar

ali uma nova tradução da bíblia para o inglês. Essa bíblia contou com a participação de

reformadores calvinistas. Houve a participação do herdeiro de Calvino no processo de

tradução da Bíblia de Genebra. Segundo Zimmer ([s.d.]), a Bíblia de Genebra “Foi a Bíblia de

Shakespeare, a Bíblia de Crowell e seus soldados”. Além disso,

Foi a primeira bíblia inglesa que dividiu o texto em dois ciclos, com capítulos e versículos em inglês. [...] Foi a primeira bíblia a utilizar o tipo latino. Antes era escrito em letra gótica. Agora era latina. [...] Foi a primeira bíblia com itálicos, indicando palavras que não constavam no original, mas eram necessárias para dar entendimento. (op. cit.)

Uma característica especial desta tradução é que ela foi a primeira a apresentar uma

introdução a todos os livros bíblicos. Uma introdução explicativa do conteúdo de cada livro.

A mensagem essencial do livro, assim como a sua história de forma resumida. Além disso,

essas introduções transpareciam a doutrina evangélica de Calvino. Por ter sido traduzida por

calvinistas, a bíblia apresentava a doutrina de uma forma implícita, mas sem ser utilizada no

texto sagrado, apenas na introdução. Ao ler a introdução antes de ler o livro, primeiramente

era apresentado ao leitor um pouco da doutrina de Calvino, e, após essa introdução, o leitor

tinha acesso ao conteúdo dos livros. Kênia Tillvitz (2006) afirma que

Não há na Bíblia identificação dos tradutores, mas acredita-se que William Whittingham (editor geral), Miles Coverdale, John Knox, Christopher Goodman, Anthony Gilby, Thomas Sampson, William Cole, entre outros, tenham participado desse trabalho.

A Bíblia de Genebra é um diferencial das anteriores e um modelo para as posteriores.

As mudanças nas partes externas e internas do texto fizeram com que as bíblias atuais

seguissem esse modelo. O uso de palavras que não estavam no original, em itálico, para

62

Page 63: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

auxiliar a compreensão do leitor fez com que a Bíblia de Genebra ganhasse destaque como

uma das grandes traduções da bíblia.

3.2.9 Versão do Rei Tiago (1611)

Após tornar-se rei de toda a Inglaterra, o rei Tiago, da Escócia, tentou chegar a um

consenso e unificar os povos da Inglaterra. Unificar católicos e anglicanos. Depois de uma

tentativa mal-sucedida através de uma reunião geral, uma idéia que iria unificar os povos

agradou bastante ao rei e foi colocada em prática. “O rei Tiago convocou 50 teólogos e deu

claras instruções para que preparassem uma bíblia que servisse a todas as igrejas, e para que

não tivesse notas, porque são as notas que dividem as igrejas” (ZIMMER, [s.d.]). Através de

um bíblia comum, as diferenças religiosas, em primeira instância, seriam deixadas de lado,

pois todos utilizariam um mesmo texto religioso, e assim as diferenças deixariam de existir.

A tradução não foi buscar diretamente os originais, como foram as anteriores, mas foi

feita uma revisão de traduções inglesas já feitas em vários momentos da história inglesa, e um

texto fluente e fácil foi feito. “Justamente as bíblias de Wycliff e Tyndale foram as que mais

contribuíram para essa tradução. Esses que foram perseguidos e que foram mortos, a sua

tradução agora se tornou bem quista, ela se tornou parte dessa tradução” (op. cit.). As

traduções que outrora levaram seus tradutores a serem considerados hereges e os levou a

morte, agora são utilizadas como base para uma tradução grandiosa. Baseando-se na

linguagem e conteúdo dessas traduções, a Versão do Rei Tiago é uma bíblia sem notas, mas

com um texto fluente e de fácil compreensão.

Zimmer ([s.d]) ainda cita que a bíblia do rei Tiago é uma grandiosa obra da literatura

inglesa ao dizer que a Versão do Rei Tiago “É um dos monumentos da língua inglesa. É

praticamente o mesmo sentido que a tradução de Lutero teve para a Alemanha essa teve para

a Inglaterra e para o mundo inglês também no aspecto da literatura”.

3.2.10 Versão de João Ferreira de Almeida (N.T.: 1681; Bíblia completa: 1753)

63

Page 64: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

João Ferreira de Almeida, o mais conhecido tradutor da bíblia para a língua

portuguesa, conhecedor do hebraico e do grego, iniciou a tradução da bíblia aos 17 anos de

idade. Por perder seus manuscritos, teve que recomeçar todo o processo em 1648. Tomou

como base de seu trabalho algumas traduções da bíblia como a Vulgata latina, a tradução

holandesa e a francesa.

Terminou de traduzir o Novo Testamento em 1676, mas só pode ser impresso em

1681, depois de um longo processo de revisão e impressão. Após conseguir publicar o Novo

Testamento, Ferreira de Almeida iniciou o processo de tradução do Velho Testamento. Mas

não conseguiu terminar essa tradução. Zimmer ([s.d.]) afirma que Ferreira de Almeida “Não

conseguiu terminar a tradução. Ele traduziu até mais ou menos a metade de Ezequiel. A parte

final foi traduzida por Jacobus op den Akker, um missionário holandês”.

Em 1753 foi publicada a primeira bíblia completa em português, em dois volumes.

Posteriormente, em 1819, foi publicada em Londres, pela primeira vez, a bíblia em português

em apenas um volume. Uma revisão foi feita setenta e nove anos depois, em 1898, e foi

publicada com o nome de Revista e Corrigida.

No Brasil, a primeira revisão da Bíblia de Almeida foi realizada sob a coordenação

da Sociedade Bíblica do Brasil, no ano de 1959. Essa revisão, que foi uma revisão no sentido

de trazer a linguagem do português de Portugal para o português do Brasil, recebeu o nome de

Revista e Atualizada. Essa versão foi a primeira revisão brasileira da Bíblia de João Ferreira

de Almeida. Desde então, a Bíblia de João Ferreira de Almeida tem sido a bíblia predileta da

grande maioria de leitores de língua portuguesa.

As traduções brasileiras a partir de João Ferreira de Almeida são muitas. Variam de

acordo com o público que querem atingir. Em especial, a Bíblia da Ave-Maria e Bíblia

Sagrada: Edição Pastoral, destacam-se por uma tradução que mantém os princípios da Igreja e

procuram dar ao leitor mais comodidade ao ler a bíblia, utilizando um vocabulário mais

simples e de fácil entendimento. As questões relacionadas às semelhanças e diferenças destas

traduções e a sua relação com a tradução de João Ferreira de Almeida serão tratadas no

próximo capítulo.

64

Page 65: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

4 MUDANÇAS AO LONGO DOS ANOS: UMA ANÁLISE DA BÍBLIA CATÓLICA COMPARADA A VERSÃO DE JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA

Semelhante a outros países que tiveram na tradução bíblica uma fonte de novos

conhecimentos e também de mudanças culturais e lingüísticas, o Brasil encontrou na tradução

bíblica uma forma de conquista. Em primeira instância, uma conquista portuguesa por meio

dos jesuítas e sua arrancada rumo a pregação para os índios, e depois, uma arrancada cultural

(a tradução primeiramente bíblica agora começa a fazer parte do teatro, entre outras coisas).

Lya Wiler (2003), ao falar sobre a tradução no Brasil em seus primórdios, em

especial sobre a tradução oral, primeira desenvolvida no país, afirma que

O registro que inaugura a história da tradução no país é o mesmo que coloca o Brasil no mapa das terras “descobertas” pelos navegadores portugueses. Em carta data de 1.º de maio de 1500, o escrivão da frota portuguesa, Pero Vaz de Caminha, relata ao rei de Portugal o achamento de nova terra a leste da linha demarcada pelo Tratado de Tordesilhas. Descreve com grande detalhe o território, os habitantes, os atos de índios e portugueses e até mesmo as justificativas desses atos. Caminha descreve mais: relata que o primeiro ato de tradução realizado entre portugueses e índios, ao informar que precisaram recorrer à mímica para se fazer entender. (p. 36)

Se a tradução oral encontrou dificuldades, a tradução escrita encontrou dificuldades

ainda maiores. Resignou-se a ser um exercício acadêmico até a segunda metade do século

XX. Durante esse período, desde o descobrimento, a tradução foi tratada como sendo uma

ocupação temporária da elite intelectual, uma atividade que rendia prazer intelectual. De

acordo com Wyler (op. cit.), a escola democrática, fundada pelo padre Manuel da Nóbrega,

tornou-se um instrumento de segregação do negro, do índio, da mulher e do pobre. Classes

sociais mais baixas não tinham acesso aos locais de ensino e, conseqüentemente, o

analfabetismo de massa tomava grandes proporções.

Outro problema que enfrentado era a falta de impressão de livros no Brasil. Os

poucos que eram impressos vinham de Portugal, o que dificultava o trabalho de combate ao

analfabetismo. Em muitos momentos, as cópias à mão eram um recurso viável e necessário.

Além das cópias, as importações clandestinas de livros também eram um outro meio de obter

livros para o ensino. Wyler (op. cit.) cita que

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Page 66: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Se nos primeiros anos os jesuítas se viram obrigados a copiar à mão as cartilhas de ensinar a ler, aos poucos foram reunindo bibliotecas bem sortidas. Importavam seu conteúdo, legal ou ilegalmente, de Portugal e Itália, bem como o adquiriam dos funcionários graduados que regressavam a metrópole. Durante dois séculos, tais bibliotecas constituíram centros de grande importância para a formação cultural e intelectual da juventude e manutenção do plurilingüismo natural.

Durante o período colonial, a tradução escrita foi a ocupação missionários

responsáveis pela evangelização dos índios e pelo ensino nos colégios dos jesuítas. Os

missionários eram incumbidos de registrar a língua indígena, organizar os registros em

dicionários e, posteriormente, utiliza-los na comunicação e tradução de obras de religião

(orações, sermões e hinos) para os índios. De acordo com Wyler (op. cit.), acredita-se que a

primeira tradução brasileira foi a Suma da doutrina cristã. Do português para o tupi, anterior a

1577, de autoria do padre João de Azpilcueta Navarro, S. J., conhecido pelo seu talento

lingüístico.

Em relação à tradução da bíblia propriamente dita, a primeira tradução completa para

o português acontece entre 1772 e 1790 pelo padre Antônio Pereira de Figueiredo, baseada na

Vulgata. Todavia, esta versão não é a mais difundida no Brasil. A versão do padre Matos

Soares, de 1932, publicada pela editora Paulinas, também baseada na Vulgata, aparece como a

primeira tradução integral da bíblia no Brasil e, mais difundida do que a versão do padre

Antônio Pereira de Figueiredo.

Da versão do padre Matos Soares, de 1932, para a versão adaptada da tradução

francesa dos Monges de Maredsous (Bélgica), publicada pela editora Ave-Maria, a partir de

1958, passam-se 26 anos. Neste intervalo de tempo, é publicada a Bíblia: Antigo e Novo

Testamento pela Liga de Estudos Bíblicos (LEB), a primeira tradução católica em português

diretamente a partir dos originais hebraicos e gregos. Atualmente esta bíblia vem sendo

publicada em edição popular (A Bíblia Mensagem de Deus, editora Loyola).

Neste capítulo serão analisadas duas versões publicadas pela editora Ave-Maria em

duas datas diferentes. A primeira versão, Nôvo Testamento, publicada no ano de 1969, é

composta apenas do Novo Testamento e contém vários dos itens de auxílio à leitura 13 que as

outras bíblias apresentam em suas edições. Devido à dificuldade de acesso a primeira edição

(1958), utilizaremos esta edição que foi a mais próxima a primeira que conseguimos encontrar

(1969 – 3.ª edição). A segunda versão, Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular, é uma

edição do ano corrente a este trabalho (2007), uma tradução integral da bíblia, que também

apresenta vários itens de auxílio à leitura.13 Índice, Introdução, Notas explicativas, entre outros itens.

66

Page 67: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

No intuito de melhorar ainda mais a análise de alguns excertos bíblicos, serão

utilizadas duas versões da tradução de João Ferreira de Almeida, bíblia muito utilizada pelos

várias denominações cristãs. A primeira versão é do ano de 1860, publicada pela Sociedade

Americana da Bíblia, utilizando o português falado em Portugal. A segunda edição, publicada

em 2005 pela editora Geográfica, é uma edição revista e corrigida, na grafia simplificada, em

sua sexta edição.

Ao utilizar as duas versões da tradução de João Ferreira de Almeida, objetiva-se

melhorar ainda mais a análise, provendo não só as mudanças das duas edições católicas, mas

também compará-las com uma tradução bíblica bastante utilizada por outras denominações

religiosas. Com isso, poderá ser visto as mudanças que aconteceram nos textos ao longo dos

anos, o intuito das traduções e das mudanças que elas trouxeram.

Em um primeiro momento, as duas edições católicas (publicadas pela editora Ave-

Maria) serão analisadas nos aspectos de diferenças internas e externas, no que diz respeito ao

aspecto visual de nos itens de auxílio à leitura. Num segundo momento, será feita uma análise

das mudanças lexicais discursivas e estilísticas.

4.1 Diferenças internas e externas

Não são apenas os relatos das histórias do povo de Israel antes do nascimento de

Cristo e o nascimento da igreja de Cristo depois de sua morte que compõe uma bíblia. Como

um livro, a bíblia apresenta muito mais que isso. Todo livro segue um projeto gráfico

específico da editora. Normalmente, livros de uma mesma coleção têm um mesmo projeto

gráfico para que fique fácil para o leitor visualiza-los e saber que são de uma mesma coleção.

Influi no projeto gráfico de uma bíblia a capa, o frontispício (também conhecido como folha-

de-rosto), o prólogo à tradução, a introdução, as notas de rodapé (que podem ser notas do

tradutor ou notas explicativas do texto), a concordância bíblica e o dicionário bíblico. Além

disso, o estilo de letra e a disposição do conteúdo na página são algumas das partes que cabem

ao projeto gráfico.

Com o passar dos anos, os projetos gráficos vão sendo modificados com o intuito de

sempre estarem atualizados e propiciarem ao leitor uma melhor leitura. Letras muito pequenas

ou muito juntas, espaços vagos na página, figuras e tabelas sem explicação, tudo isso torna a

leitura difícil e maçante. E se a leitura é maçante, o livro será deixado de lado muito

67

Page 68: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

rapidamente e, na maioria das vezes, deixará de ser utilizado pelo leitor, que buscará uma

leitura mais agradável.

Ao analisar as duas edições publicadas pela editora Ave-Maria, foi-se respeitada uma

seqüência de itens a serem verificados. Logo após, os itens foram sendo minuciosamente

checados em ambas as edições, para que depois fossem transcritos os resultados. A seqüência

de itens verificados foi organizada em uma tabela e, após isso, foram sendo anotados os

resultados. A tabela com a seqüência continha os seguintes itens:

Item Contém Não Contém

Capa

Frontispício

Índice

Prólogo a tradução

Índice alfabético

Índice doutrinal

Introdução

Velho Testamento

Novo Testamento

Notas de rodapé

Concordância bíblica

Dicionário bíblico

Mapas

Moedas e Medidas

Orações

Contracapa

Tabela 2. Itens para checagem de existência nas edições publicadas pela editora Ave-Maria.

Cada um destes itens tem grande influência na leitura. Não são apenas os textos

(Velho e Novo Testamento) que trazem conhecimento ao leitor, mas os demais itens também.

Os demais itens são um auxílio muitas vezes necessários para que se possa compreender o que

está escrito. Notas que fornecem explicações sobre expressões e que indicam textos

relacionados, lista de pesos e medidas usados na bíblia e a equivalência com os pesos e

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Page 69: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

medidas atuais, além de dicionários, mapas, concordâncias e índices, tudo coopera para que o

entendimento seja completo.

As duas edições publicadas pela editora Ave-Maria diferem-se em vários aspectos

interna e externamente. Mas apresentam também algumas semelhanças que perduraram por

vários anos. Os itens Capa, Frontispício, Índice, Prólogo a Tradução, a primeira página do

Velho Testamento e a primeira do Novo Testamento, além da Contracapa, encontram-se

escaneadas na parte dos Anexos. Os dados coletados nas bíblias checados com a utilização da

tabela citada anteriormente mostrando as diferenças e semelhanças entre ambas, além dos

itens que cada uma contém ou não, são comentados a seguir.

4.1.1 Nôvo Testamento (1969)

Diferente da outra edição analisada neste trabalho, a edição de 1969 (3.ª edição

publicada) da editora Ave-Maria conta apenas com o Novo Testamento, como o próprio nome

já indica. A edição tem o formato 12 x 18 cm, contendo apenas 480 páginas, divididas em

Frontispício, Índice, Introdução (que vai da página 7 à página 14) e os livros do Novo

Testamento. A edição não apresenta Prólogo a Tradução, Índice Doutrinal e Índice

Alfabético. Sua capa tem uma identificação bastante interessante, que só pode ser entendida

ao colocar capa e contracapa alinhadas. Ao olhar apenas a capa, a imagem de Cristo

carregando uma cruz traz uma primeira impressão. Mas ao alinhar capa e contracapa, vê-se

que a cruz que Jesus carrega não apenas está sendo por ele carregada, mas por muitas outras

pessoas.

A tradução foi feita dos originais hebraico, aramaico e grego, mediante a versão

francesa dos Monges Beneditinos de Maredsous (Bélgica) pelo Centro Bíblico de São Paulo.

A primeira tradução no Brasil é datada de 1958. O Nôvo Testamento apresenta ainda notas de

rodapé que auxiliam o entendimento do leitor. Em muitas delas existe uma retomada de

expressões usadas no texto que são explicadas para que o leitor compreenda a utilização da

expressão. Outras notas indicam textos que vão ajudar a entender o contexto e/ou a mensagem

proposta pelo texto bíblico. Apesar de conter estas notas explicativas, a bíblia não apresenta

mais nenhum recurso que auxilie a leitura como Concordância Bíblica, Dicionário Bíblico,

Mapas, Tabela de Moedas e Medidas. Além disso, ao seu final, as Orações que são

costumeiras nas bíblias católicas também não aparecem.

69

Page 70: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Na parte da Conclusão da Introdução, o leitor tem contato direto com as intenções da

Nôvo Testamento, pois todo o resto da Introdução é destinado a explicar o conteúdo dos

livros do Nôvo Testamento. O leitor, ao ler a Conclusão, percebe que a intenção do Nôvo

Testamento é a de induzir uma leitura que anuncie e dê testemunho da mensagem de Jesus

Cristo.

4.1.2 Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular (2007)

Com a primeira edição lançada em 2007, a Bíblia Sagrada: Edição Catequética

Popular apresenta Velho e Novo Testamento, além de um Índice Doutrinal, uma Genealogia

Bíblica, Medidas e Moedas, Orações Diárias do Cristão e Mapas coloridos. Esta edição não

apresenta apenas Concordância Bíblica e Dicionário Bíblico. Todo o seu conteúdo está

dividido em 1600 páginas, no formato 13 x 18cm. Além dos recursos citados anteriormente,

ainda se faz presente um Índice Alfabético dos livros bíblicos, um Prólogo à Tradução que é

datado de 13 de junho de 1959.

Além da Folha de Rosto, dois mapas (Oriente Antigo e Egito e Sinai; Divisão das

Tribos de Israel) e do Índice, esta edição apresenta ainda As grandes datas da Bíblia, Como

Ler a Sagrada Escritura, Como ler as citações, Introdução Geral, Introdução aos Livros do

Antigo Testamento e Introdução aos Livros do Novo Testamento.

A Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular apresenta várias notas explicativas

relacionadas ao contexto dos textos bíblicos. Assim como o Nôvo Testamento, as notas de

rodapé contem o número do capítulo, o número do versículo e as expressões que estão

explicadas aparecem em itálico. Algumas notas que não explicam expressões contêm

passagens relacionadas ao assunto tratado pelo texto.

Tanto o Nôvo Testamento como a Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular

apresentam a mesma Introdução ao Novo Testamento e Conclusão da Introdução, sem

nenhuma mudança nas palavras utilizadas. Com a utilização do mesmo texto de Conclusão,

mostra-se que o objetivo de ambas é o mesmo.

Um fato interessante a ser destacado sobre a Introdução Geral desta Bíblia é o que ela

diz a respeito da autoria dos livros da bíblia em geral e, conseqüentemente, fala diretamente

aos tradutores no que diz respeito ao seu trabalho. Nas páginas 14 e 15, encontra-se escrito

que

70

Page 71: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Os títulos desses livros lembram por vezes o nome dos seus autores, outras vezes, o nome dos seus destinatários, ou ainda os assuntos que nele são tratados. É-nos desconhecido o nome de muitos desses autores; alguns escritos são produto de uma colaboração ou constituem uma coleção de textos antigos compilados posteriormente. Os autores bíblicos viveram em lugares e ambientes diferentes muito diversos: cada um deles imprimiu na sua obra traços muito característicos de sua personalidade. Mas como todos escreveram sob a inspiração do Espírito Santo, é Deus mesmo quem deve ser tido como autor primário de toda a Bíblia.

Ao se pensar na bíblia, o tradutor deve imprimir em seu trabalho os traços

característicos de cada um dos autores, não se esquecendo de deixar claro que o autor

primário é Deus, mas mostrando as diferenças que existiram entre os textos devido a

diversidade de autores. Um trabalho cheio de fadiga e preocupação, desprovido de interesses

materiais, a Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular objetiva com sua tradução fazer com

que o leitor tire proveito espiritual de sua leitura para sua vida cristã.

Após uma visão geral sobre os aspectos internos e externos dos projetos gráficos de

cada uma das bíblias, faz-se necessário uma verificação de eventuais mudanças textuais. Para

isso, quatro excertos serão analisados. Os resultados das análises são mostrados a seguir.

4.2 Análises dos excertos

Cada uma das bíblias analisadas neste trabalho teve por objetivo revelar à mensagem

de Cristo em seu ministério ás pessoas que ainda não o conhecem. Demonstrar que através do

sacrifício dele na cruz, existe a garantia de salvação. Não queremos aqui discutir temas

específicos que muitas vezes geram polêmica entre uma denominação e outra, mas mostrar de

uma forma clara que existem diferenças entre traduções (de uma mesma editora e de mesmo

público religioso ou de diferentes editoras e públicos). Foram escolhidos quatro excertos

dentre os 66 livros que compõe as quatro edições analisadas. Foram escolhidos em temas

bíblicos importantes e por apresentarem diferenças de um público religioso para outro.

Como uma das edições publicadas pela editora Ave-Maria contém apenas o Novo

Testamento, trabalhamos as análises apenas com excertos retirados dos livros do Novo

Testamento. Apesar de alguns excertos terem sido pesquisados no Velho Testamento, utilizá-

los neste trabalho iria deixá-lo incompleto, já que uma das bíblias não poderia fazer parte das

análises. Assim, desde Mateus até Apocalipse, quatro excertos foram estudados e analisados.

71

Page 72: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

As análises foram divididas em quatro temas diferentes, onde foram analisadas as

semelhanças e diferenças entre as versões bíblicas. Primeiramente divididos em Diferentes e

Semelhantes, notou-se a necessidade de apresentar divergências estilísticas entre os excertos,

que foi tratado como um terceiro tópico. Cada um dos temas mostra diferenças entre as

traduções dos excertos e também semelhanças, além de uma análise estilística. Em nenhum

momento foi feito um trabalho de melhorar as traduções apresentadas, mas apenas foi feito o

trabalho da análise.

Os quatro excertos escolhidos foram divididos nos seguintes temas:

Apresentação bíblica de Deus – Judas 25

Apresentação bíblica de Jesus – João 6,69

Amor a Deus - I João 4,10

Concessão de benção divina – Apocalipse 22,19

Submissão da mulher (questão cultural) – I Coríntios 14,34-35

Após terem sido escolhidos os excertos, foram catalogados em uma tabela que

apresenta cada um dos excertos e como eles aparecem nas quatro edições bíblicas. Foram

colocados lado a lado para uma melhor visualização das diferenças e/ou igualdades entre eles.

4.2.1 Apresentação bíblica de Deus

Uma das três pessoas da trindade, Deus é personagem central na bíblia. Intitulando a

si mesmo como Eu Sou, Deus é quem guia o povo de Israel durante toda a sua jornada no

Velho Testamento. Comandante do povo de Israel, é Deus quem os lidera (de formas

variadas) para conquistas e quem os repreende ao ser muitas vezes esquecido. O Todo-

Poderosos, o Alfa e o Ômega, como diz o verso 8 do capítulo 1 de Apocalipse, a figura de

Deus teve várias faces durante as eras.

De acordo com Sarah Carr-Gomm (2004), autora do Dicionário de Símbolos na Arte,

“na imagística da Idade Média tardia, Deus pode ser mostrado como parte da Trindade: ou

como o Pai, criando o mundo; ou na forma de Cristo; ou como o Espírito Santo, numa

Anunciação, representado por feixes de luz ou por uma pomba” (p. 76). Todavia, no

Renascimento a imagem de Deus é representada por uma figura paterna com cabelos e barba

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Page 73: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

branca. Uma figura que muito se assemelha a esse imagem é a de Zeus na mitologia grega,

divindade suprema e governador dos céus, e de Júpiter na mitologia romana.

A bíblia apresenta inúmeras qualidades relacionadas a imagem de Deus. Uma delas

foi destacada nessa análise, pois existe a omissão de uma qualidade das muitas citadas pelo

verso. O verso fala de Deus e confere a ele qualidades, mas em uma versão das bíblias

analisadas encontrou-se uma característica de Deus que nas outras não foi encontrada. A

característica é alterada nas demais versões por uma palavra que em nenhum momento

exprime o sentido desta diferente. Abaixo estão as quatro versões e a forma como apresentam

as características.

Judas 2514

Nôvo Testamento (Ave-Maria, 1969)

Bíblia Sagrada (Ave-Maria, 2007)

Bíblia Sagrada (SAB, 1860)

Bíblia Sagrada (Geográfica, 2005)

Ao Deus ÚNICO, Salvador nosso, por Jesus Cristo, Senhor nosso, sejam dadas glória, magnificência, império e poder desde antes de todos os tempos, agora e para sempre. Amém.

Ao Deus ÚNICO, Salvador nosso, por Jesus Cristo, Senhor nosso, sejam dadas glória, magnificência, império e poder desde antes de todos os tempos, agora e para sempre. Amém.

Ao só SABIO Deos nosso Salvador, seja gloria e magestade, força e potencia, assim agora como para todo sempre. Amen.

Ao ÚNICO Deus, Salvador nosso, por Jesus Cristo, nosso Senhor, seja glória e majestade, domínio e poder, antes de todos os séculos, agora e para sempre. Amém.

Em três edições a palavra “único” é utilizada. Mas na versão de João Ferreira de

Almeida, de 1860, a palavra “único” não aparece. É utilizada a palavra “sábio” para designar

uma característica de Deus. Se as outras edições fossem utilizar uma palavra que fosse

sinônima da palavra “sábio”, poderiam ter utilizado as palavras “erudito”, “sensato”, e até

mesmo a palavra “prudente”.

Mas neste caso, optou-se por uma palavra que alterava uma palavra com outra

totalmente diferente em sentido. Ao dizer que Deus é único, não se entende que por essa

característica ele seja sábio. As duas palavras conferem a imagem de Deus característica

diferentes por serem palavras diferentes e que exprimem por si sós entendimentos diferentes.

A diferença entre as traduções existe e é um ponto interessante. Utilizar-se de adjetivos a

imagem de Deus é algo constante na bíblia, mas alterá-los pode ser um ponto de problemas.

14 Algumas partes deste excerto foram destacadas com letras maiúsculas para facilitar a visualização.

73

Page 74: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

Nas edições publicadas pela editora Ave-Maria não existem diferenças em nenhum

momento. Ambos os excertos são traduzidos da mesma forma, sem alteração de palavras.

Existe apenas a alteração quando se compara essas duas edições com a edição da tradução de

1860. Curiosamente, a edição de 2005 da tradução de João Ferreira de Almeida também é

diferente da versão do século anterior, seguindo a mesma palavra utilizada pelas edições da

editora Ave-Maria.

4.2.2 Apresentação bíblica de Jesus

Jesus tem sua imagem associada à Trindade assim como Deus. Uma imagem de filho

amoroso, que cuida do seu povo, a imagem de Jesus sempre foi à de alguém que muito fez

pelo mundo, ao dar a sua vida, ao fazer milagres. Sua vida forneceu inúmeras narrativas para

pintores, escultores, contadores de história, além de ser à base de vida para todos os seres

humanos. Sua vida é retratada na bíblia pelos quatro Evangelhos, sendo dividida em grandes

partes: Natividade, Batismo e vocação dos discípulos, Ensinamentos, Milagres e Paixão. Em

cada uma das partes de sua vida, Jesus apresenta exemplos práticos de vida.

Mas a despeito disso, a pessoa de Jesus é enaltecida e, em muitos momentos das

histórias bíblicas, adjetivos e características são designadas à imagem de Jesus. Filho de Davi,

Filho do Deus bendito, o Rei, Messias, todos são nomes e características especial e

unicamente dadas a pessoa de Jesus. Mas uma dessas características é destacada no excerto

abaixo. Nele, as quatro edições apresentam três versões diferentes para esta passagem. Nas

quatro edições percebe-se o acréscimo e também a retirada de algumas palavras.

João 6:69Nôvo Testamento (Ave-Maria, 1969)

Bíblia Sagrada (Ave-Maria, 2007)

Bíblia Sagrada (SAB, 1860)

Bíblia Sagrada (Geográfica, 2005)

E nós cremos e sabemos que TU ÉS O SANTO DE DEUS!

E nós cremos e sabemos que TU ÉS O SANTO DE DEUS!

E já nósoutros erêmos, e conhecêmos que TU ES O CHRISTO, O FILHO DO DEOS VIVENTE.

E nós temos crido e conhecido que TU ÉS O CRISTO, O FILHO DE DEUS.

Ao conversar com Jesus, Simão Pedro diz que ele e os outros discípulos crêem e

sabem que Jesus é o filho de Deus. Mas existe uma diferença entre as edições apresentadas.

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Page 75: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

As duas edições da editora Ave-Maria apresentam as mesmas palavras nos dois excertos,

dizendo que Jesus é o “Santo” de Deus. Já as edições da tradução de João Ferreira de Almeida

apresentam diferentes versões para um mesmo excerto bíblico. A versão de 1860 apresenta

Jesus como “o Cristo”, “filho de Deus vivente”. A versão de 2005 apresenta de igual forma

que Jesus é “o Cristo”, mas omite a característica “vivente” que está relacionada à palavra

Deus.

A diferença entre as versões é bastante explícita. Utilizam-se duas formas diferentes

para se falar da pessoa de Jesus e duas formas para se falar sobre a pessoa de Deus. Num

primeiro momento, Jesus é apresentado como “Cristo, o filho de Deus”. Num segundo

momento, como o “Santo de Deus”. A diferença gramatical entre as palavras é clara. A

característica de filho de Deus é omitida nas edições da editora Ave-Maria, sendo utilizada em

seu lugar a característica de ser “o santo”. Ao dizer que Jesus é o filho de Deus, entende-se

que Jesus seja como Deus: santo. Assim sendo, o que vai ser somado a imagem de Jesus é o

nome Cristo.

Além disso, apenas o excerto da bíblia de 1860 apresenta a característica “vivente”

relacionada a imagem de Deus. Assim, nas edições da editora Ave-Maria existe uma troca de

expressões que fazem com que se perca um nome designado apenas à pessoa de Jesus e, em

seu lugar, é utilizado uma característica que já está implícita no nome Cristo. Existe ainda a

omissão da palavra vivente, relacionado a imagem de Deus.

4.2.3 Concessão da benção divina

Algo que todo cristão procura diariamente é receber as bênçãos de Deus. Bênçãos

materiais, bênçãos espirituais, bênçãos relacionadas à saúde, a busca por uma ajuda divina é

algo que move cristãos a se relacionarem intimamente com Deus. Um sinônimo para benção é

a palavra graça, muito encontrada na bíblia. São as dádivas, os dons, os favores de Deus, que

todo cristão almeja.

O desejo de habitar nos céus com Jesus faz com que os cristãos sigam as suas leis e

mandamentos. A esperança que todo cristão tem faz com que ele tenha dentro de si uma

vontade muito forte de estar preparado para a volta de Jesus. A volta de Jesus é o

acontecimento mais esperado pelos cristãos. A volta de Jesus traz o fim as dores, aos

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Page 76: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

problemas, traz nova vida, nova moradia, tudo restaurado. Habitar no céu e desfrutar de tudo

o que lá existe é um sonho que pode tornar-se realidade.

O livro do Apocalipse faz uma advertência aos seus leitores relacionada a benção de

estar no céu. No céu, os filhos de Deus poderão comer da árvore da vida. Mas se na terra

deixarem de lado a advertência dada em Apocalipse, a sua estadia no céu pode se tornar irreal.

Este excerto foi destacado devido à existência de uma advertência e de bênçãos reservadas

aos cristãos. Mas também por apresentar uma diferença entre as versões, que faz toda a

diferença.

Apocalipse 22,19Nôvo Testamento (Ave-Maria, 1969)

Bíblia Sagrada (Ave-Maria, 2007)

Bíblia Sagrada (SAB, 1860)

Bíblia Sagrada (Geográfica, 2005)

E se alguém dêle tirar qualquer coisa, Deus lhe tirará a sua parte da ÁRVORE DA VIDA e da cidade santa, descritas neste livro.

E se alguém tirar dele qualquer coisa, Deus lhe tirará a sua parte da ÁRVORE DA VIDA e da Cidade Santa, descritas neste livro.

E se alguém das palavras do livro desta Prophecia diminuir, Deos lhe tirará sua parte do LIVRO DA VIDA, e da santa cidade, E DAS COUSAS que neste livro estão escritas.

E, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da ÁRVORE DA VIDA, e da cidade santa, que estão escritas neste livro.

Ao falar sobre o livro do Apocalipse, o autor fala que não se deve em circunstância

nenhuma haver alterações no que está escrito no livro. Se existir qualquer tipo de alteração,

Deus irá agir contra aquele que tiver feito às alterações. Deus irá retirar duas bênçãos

daqueles que fizerem isto. As bênçãos descritas em Apocalipse 22,19 são tomar parte na

“árvore da vida” e na “santa cidade”. Mas uma das edições apresenta uma benção totalmente

diferente, que implica numa mudança completa de toda a estrutura do excerto. Ao utilizar a

expressão “livro da vida15”, entende-se que ao ser feita alguma alteração, a pessoa tem seu

nom retirado do livro que contém a história de sua vida na terra e, conseqüentemente, ela

deixa de existir, não podendo mais ir ao céu.

Nos excertos que utilizam à expressão “árvore da vida16” fica implícita a idéia de que

a pessoa não estará no céu, pois nem tomara parte da árvore e tampouco estará na cidade

15 O Livro da vida, segundo Apocalipse 20,12, é o livro onde se encontram anotadas todas as obras de todos os seres humanos, desde seu nascimento até a sua morte, e será utilizado para julgar os povos. Aqueles que não estiverem com os seus nomes neste livro, não irão entrar no céu (ver Apocalipse 20,15).16 A Árvore da vida é descrita no livro do Apocalipse como sendo uma árvore que se estende de uma margem a outra do rio que sai do trono de Deus, produz doze frutos, dando seus frutos de mês em mês, e suas folhas são cura para os povos (ver Apocalipse 22,2).

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Page 77: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

santa. O problema reside na utilização das expressões por parte dos tradutores. Árvore da vida

e Livro da vida são objetos distintos apresentados pelo livro do Apocalipse. Um é um

instrumento de julgamento dos povos. O outro, um instrumento que traz alimento e cura. O

primeiro será utilizado para julgar e permitir acesso ao céu. O segundo, é uma das bênçãos

que Deus concederá àqueles que tiverem sua entrada garantida. Para receber os frutos da

árvore e habitar a cidade santa, primeiramente é necessário ter no livro da vida relatos que

permitam o acesso ao céu.

Além da troca de duas expressões por parte das versões analisadas, existe ainda uma

outra diferença. As edições da editora Ave-Maria e a edição de 2005 da tradução de João

Ferreira de Almeida utilizam as expressões “descritas neste livro” e “escritas neste livro”. A

versão de 1860 apresenta uma expressão diferente das outras: “e das coisas que neste livro

estão escritas”. Ao ler essa parte, o leitor entende que se existir qualquer alteração no livro,

todas as bênçãos que nele estão escritas (não apenas árvore da vida, livro da vida e cidade

santa) serão perdidas. Uma pequena expressão que faz uma grande diferença no

entendimento.

Interessante pensar que existem diferenças entre as traduções. De uma versão para

outra existe diferença, logo, existe uma mudança no que está escrito no livro. Assim sendo, as

bênçãos podem ser perdidas por quem fez a alteração.

4.2.4 Submissão da mulher

Ao criar homem e mulher a sua imagem, Deus colocava uma rega geral: o homem

não é superior à mulher. Criados semelhantes a Deus, nenhum dos dois teria superioridade

sobre o outro. Exercer qualquer tipo de superioridade um sobre o outro seria uma ofensa

direta ao Criador e, portanto, ficava claro que a palavra de ordem era igualdade. O livro de

Gênesis relata essa relação de igualdade ao falar da criação, mais especificamente no capítulo

1, verso 27.

Mas com o passar dos anos, a mulher tornou submissa ao homem. Nos tempos

bíblicos, o homem exercia o poder total sobre sua casa, sobre seus filhos. Em alguns

momentos, o papel da mulher na sociedade israelita é o de mãe. Não tem direitos sociais,

apenas deveres maternos e do lar. Não é por menos que a bíblia vai contra isso e apresenta

77

Page 78: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

histórias de mulheres que mudaram a história do povo. Pode-se citar aqui Ester, Rute, Débora,

entre muitas outras.

O Novo Testamento apresenta uma igreja que pregava a submissão da mulher ao seu

marido. Admitia-se que a mulher assistisse nas sinagogas, desde que se mantivesse calada,

sem expressar qualquer tipo de opinião ou dúvida. A mulher deveria apresentar obediência ao

seu marido, ser subalterna a ele. Em outras palavras, a mulher deveria agir com servilismo

para com o homem, já que intelectual e socialmente ele era superior a ele e, cabia a ela

demonstrar respeito a isso para que não sofresse nenhuma punição.

Ao falar sobre a adoração no templo, o livro de I Coríntios apresenta regras especiais

para as mulheres. Deveriam sujeitar-se a algumas regras, regras que exigiam delas a

submissão.

I Coríntios 14,34-35Nôvo Testamento (Ave-Maria, 1969)

Bíblia Sagrada (Ave-Maria, 2007)

Bíblia Sagrada (SAB, 1860)

Bíblia Sagrada (Geográfica, 2005)

COMO EM TÔDAS AS IGREJAS DOS SANTOS, as mulheres estejam caladas nas assembléias: não lhes é permitido falar, mas devem estar SUBMISSAS, como também ordena a Lei.Se querem aprender alguma coisa, perguntem-na em casa aos seus maridos: porque é INCONVENIENTE para uma mulher falar na assembléia.

COMO EM TODAS AS IGREJAS DOS SANTOS, as mulheres estejam caladas nas assembléias; não lhes é permitido falar, mas devem estar SUBMISSAS, como também ordena a lei.Se querem aprender alguma coisa, perguntem-na em casa aos seus maridos, porque é INCONVENIENTE para uma mulher falar na assembléia.

Vossas mulheres calem-se nas Igrejas: Porque não lhes he permitido falarem nellas, mas que estejão SUJEITAS: como também a Lei o diz.E se quizerem aprender alguma cousa, perguntem a seus próprios maridos em casa: porque COUSA FEIA he falarem as mulheres na Igreja.

As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam SUJEITAS, como também ordena a lei.E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é INDECENTE que as mulheres falem na igreja.

O excerto mostra algumas diferenças bastante pertinentes a mudanças culturais ao

longo dos anos. Num primeiro momento, as versões católicas e as versões das traduções de

João Ferreira de Almeida diferem entre si. As versões católicas apresentam a expressão “todas

as igrejas dos santos”, e as versões de João Ferreira de Almeida apresentam apenas a palavra

“igreja”. A expressão “igreja dos santos” resume a ordem que vai se seguir no verso bíblico

apenas aos membros dessa determinada igreja. Já a palavra “igreja” não tem um significado

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Page 79: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

expandido. Ao falar diretamente a igreja de Corinto, utilizar a expressão “igreja dos santos”

confere uma qualidade especial a esta igreja que a versão de João Ferreira de Almeida não

confere. Os membros de Corinto em uma versão são todos santos, em outra, membros como

os de qualquer outra igreja.

A segunda parte destacada apresenta um uso de palavras diferentes para expressar a

mesma ordem às mulheres: submissão. Não devem falar na igreja. Devem estar submissas aos

seus maridos, pois estes têm o direito a falar na igreja. Cabe a elas manter dentro da igreja o

que já fazem fora: serem submissas. Se querem aprender, perguntem aos maridos. Mas não

dentro da igreja, em casa, num local privado. Em público, coloquem-se nos seus lugares.

A última parte destacada mostra uma mudança na linguagem que se adapta ao

período em que a bíblia foi traduzida. Nas edições da Ave-Maria, uma mesma palavra é

utilizada, diferente das edições de João Ferreira de Almeida, onde palavras diferentes são

usadas. As edições católicas (Ave-Maria) utilizam a palavra “inconveniente” para relacionar o

fato de uma mulher falar na igreja. A fala pública de uma mulher é algo inconveniente. O uso

da palavra inconveniente faz com que se utilize um sentido de que a fala da mulher na igreja é

algo impróprio, inadequado, inoportuno. Já o uso da palavra “indecente” denota uma

característica de imoralidade, de depravação, algo indecoroso. Para a versão de 2005 da

tradução de João Ferreira de Almeida, existe uma indecência na fala da mulher na igreja. Não

é apenas algo impróprio, mas indecente. Das versões católicas para as versões de João

Ferreira de Almeida, a fala da mulher na igreja adota um sentimento completamente diferente.

De algo ruim, torna-se totalmente errado, digno de repúdio. A expressão mais amena é a

utilizada pela tradução de 1860, que diz que é “coisa feia” a mulher falar na igreja.

Entre as versões analisadas, nota-se uma diferença muito grande na escolha do

vocabulário e da escolha de expressões. Algumas afetam diretamente o entendimento

teológico. Outras afetam o entendimento lingüístico. Diferenças existem, mas nota-se um

intuito de melhorar a linguagem antiga e deixá-la com um aspecto mais moderno, mais

simples ao entendimento. Só é necessária uma atenção especial para que não se perca de vista

os objetivos e as mensagens dos textos bíblicos.

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Page 80: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, objetivamos mostrar a bíblia como um livro único. Um livro

que contém em si uma gama de informações que regem várias religiões diferentes. Um único

livro capaz de guiar espiritualmente e no cotidiano milhares de pessoas. Mesmo com o passar

dos anos, a bíblia continua sendo o livro que todos procuram ao menos uma vez na vida para

encontrar conforto, paz, segurança, receber conselhos; de uma forma geral, a bíblia atende as

perguntas das pessoas com respostas que parecem ter sido ditas especialmente aos problemas

daquele que a lê.

Em um primeiro momento foi traçado um perfil da bíblia como livro, mostrando seu

conteúdo, mensagens principais, traçando toda a sua história de uma forma resumida, porém,

contendo informações importantes para o entendimento do porque ela se tornou uma obra tão

procurada e, conseqüentemente, tão traduzida. Com uma mensagem simples e clara, a bíblia

mostra um Deus que está sempre disposto a cuidar de seus filhos, que ele mesmo criou, mas

em muitos momentos da história ele fica no esquecimento e, com dor no coração, permite que

seus filhos passem por dificuldades para que se lembrem dele. No Velho Testamento, um

povo que espera o nascimento do filho de Deus e que constantemente deixa Deus de lado para

seguir pelo caminho do paganismo. No Novo Testamento, a formação da igreja de Cristo, que

carrega seu legado aqui na terra, mas que parece cair nos mesmos erros do povo do passado,

deixando Deus de lado e seguindo o caminho do paganismo. Um livro completo, escrito por

diferentes autores em diferentes momentos. Um tesouro literário.

Em um segundo momento mostrou-se o papel que a tradução desenvolve, os desafios

que o trabalho da tradução tem no cotidiano e a relação com a tradução bíblica. Pensando nos

aspectos culturais que vão dar meios e formas de trabalho ao tradutor, além de pensar no

aspecto da recepção da tradução por parte do leitor, objetivou-se esclarecer como estes pontos

têm conexão e como o tradutor deve agir perante esses aspectos. A questão da fidelidade

também foi tratada, pois é algo que está sempre sendo discutido quando se trata do assunto

tradução bíblica. A fidelidade total aos textos bíblicos, as alterações que visam melhorar o

entendimento e/ou a leitura, os aspectos que envolvem a fidelidade.

No terceiro momento, mostrou-se a tradução da bíblia desde os tempos de Jesus até a

tradução de João Ferreira de Almeida para a língua portuguesa. Foram destacadas traduções

que tiveram importância histórica como a Vulgata Latina, de São Jerônimo, que foi

considerada pela Igreja como oficial e foi base para muitas outras traduções. Apenas em

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Page 81: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

1545-1563, no Concílio de Trento, é que ocorreu uma revisão da Vulgata, surgindo a Nova

Vulgata. Foram destacadas as obras de Lutero, Tyndale e Wycliff, que com seus trabalhos de

tradução não só conseguiram dar ao povo a bíblia em suas línguas, mas também promoveram

mudanças lingüísticas e se tornaram grandes mártires da causa bíblica. De uma forma sucinta,

as grandes traduções bíblicas foram mostradas.

No quarto e último momento, foram analisadas duas bíblias católicas, comparadas

com traduções de João Ferreira de Almeida. Objetivou-se mostrar mudanças feitas e

semelhanças que perduraram ao longo dos anos. A edição do Nôvo Testamento, de 1969, e a

edição da Bíblia Sagrada: Edição Catequética Popular foram as bíblias escolhidas para a

análise. Quatro temas distintos foram analisados através de quatro excertos retirados destas

bíblias. Foram mostradas diferenças e mudanças de uma bíblia para outra. Para auxílio na

análise, foram utilizadas as edições da tradução de João Ferreira de Almeida de 1860 e de

2005. Os excertos foram comparados no intuito de demonstrar que houveram perdas e

mudanças ao longo dos anos, mas que muitas vezes, mesmo com as mudanças, algumas vezes

os significados continuaram os mesmos, algumas vezes não.

Ainda existe muito a ser feito em relação a tradução da Bíblia, tanto no âmbito

católico quanto nos demais âmbitos religiosos. No intuito de melhorar a compreensão, nem

sempre o resultado foi o melhor, ainda existe também muita resistência à popularização da

bíblia. Os desafios à tradução existem e precisam ser enfrentados. Cabe aos tradutores unirem

forças e conhecimento para que esses desafios possam ser transpostos. Com isso, os grandes

beneficiados serão os maiores interessados na tradução da bíblia: os leitores. As mensagens,

conselhos, repreensões, castigos, tudo isso muito interessa ao conhecimento do leitor, e ao

tradutor cabe a missão de fazer com que a leitura seja a mais clara possível, mas sem se

desviar do objetivo original: pregar o evangelho de Cristo. Pregar o evangelho a todos os

reinos do mundo, para que então venha o fim.

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Page 82: Aspectos Culturais da Tradução Bíblica no Brasil

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