as trincheiras da memória. a associação brasileira de imprensa e

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1 (Publicado em Denise Rollemberg e Samantha Viz Quadrat (orgs.). A construção social dos regimes autoritários. Legitimidade, consenso e consentimento no Século XX. Vol. 2: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. As Trincheiras da Memória. A Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura (1964-1974) Denise Rollemberg “A ABI não capitulou e nem capitulará. As bombas estouram e a fumaça desaparece no espaço. E a ABI, a trincheira inexpugnável continua de pé, enfrentando e vencendo o terror e a intolerância pela afirmação dos direitos humanos”. Edmar Morel. 1 “Na ordem da cultura política, é a lenda que é a realidade, pois é ela que é mobilizadora e determina a ação política concreta, à luz da representação que propõe”. Serge Berstein 2 . O processo de abertura política iniciado no governo Geisel sintetiza, talvez como nenhum outro tema, a memória coletiva construída sobre os vinte e um anos de regime ditatorial 3 . No ocaso do período iniciado com o 31 de março e, ao longo da década de 1980, os historiadores, ao mesmo tempo em que escreviam a história do tempo presente, integravam-se num movimento da própria sociedade de digerir o período. Segundo Daniel Aarão Reis, o ano de 1979, marco no longo processo, expressa o sentido de conciliação no qual a transição da ditadura para a democracia estruturou-se. Em 1º de janeiro, o AI-5 deixava de vigorar; em agosto, promulgava-se a lei de anistia; em seguida, reformulava-se a lei de segurança nacional, promovendo a libertação dos presos políticos. Entre perdão e esquecimento - ou silêncio - seria formulada a memória dos anos de chumbo, da barbárie dos porões da ditadura, do regime imposto pelos militares. A partir do ano da anistia, silenciava-se sobre o fato de que aqueles foram anos de ouro para muitos; a consagração da metáfora porão que torna invisível – leia-se, 1 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 209. 2 Serge Berstein. “L’historien et la culture politique”. Vingtième siècle. Revue d’histoire, nº 35, 1992, p. 69. 3 Para o conceito de memória coletiva, cf. Maurice Halbwachs. La mémoire colletive. Paris, Albin Michel, 1997.

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Page 1: As Trincheiras da Memória. A Associação Brasileira de Imprensa e

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(Publicado em Denise Rollemberg e Samantha Viz Quadrat (orgs.). A construção social dos regimes autoritários. Legitimidade, consenso e consentimento no Século XX. Vol. 2: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. As Trincheiras da Memória. A Associação Brasileira de Imprensa e a ditadura (1964-1974)

Denise Rollemberg

“A ABI não capitulou e nem capitulará. As bombas estouram e a fumaça desaparece no espaço. E a ABI, a trincheira inexpugnável continua de pé, enfrentando e vencendo o terror e a intolerância pela afirmação dos direitos humanos”. Edmar Morel.1 “Na ordem da cultura política, é a lenda que é a realidade, pois é ela que é mobilizadora e determina a ação política concreta, à luz da representação que propõe”. Serge Berstein2.

O processo de abertura política iniciado no governo Geisel sintetiza, talvez como

nenhum outro tema, a memória coletiva construída sobre os vinte e um anos de regime

ditatorial3. No ocaso do período iniciado com o 31 de março e, ao longo da década de

1980, os historiadores, ao mesmo tempo em que escreviam a história do tempo presente,

integravam-se num movimento da própria sociedade de digerir o período.

Segundo Daniel Aarão Reis, o ano de 1979, marco no longo processo, expressa o

sentido de conciliação no qual a transição da ditadura para a democracia estruturou-se.

Em 1º de janeiro, o AI-5 deixava de vigorar; em agosto, promulgava-se a lei de anistia;

em seguida, reformulava-se a lei de segurança nacional, promovendo a libertação dos

presos políticos. Entre perdão e esquecimento - ou silêncio - seria formulada a memória

dos anos de chumbo, da barbárie dos porões da ditadura, do regime imposto pelos

militares. A partir do ano da anistia, silenciava-se sobre o fato de que aqueles foram anos

de ouro para muitos; a consagração da metáfora porão que torna invisível – leia-se,

1Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 209. 2 Serge Berstein. “L’historien et la culture politique”. Vingtième siècle. Revue d’histoire, nº 35, 1992, p. 69. 3 Para o conceito de memória coletiva, cf. Maurice Halbwachs. La mémoire colletive. Paris, Albin Michel, 1997.

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ignorado - o inadmissível, uma vez que nos subterrâneos. A partir dali, a sociedade

construía a imagem de si mesma como essencialmente democrática, que repudiara o

arbítrio, desde o início, desde sempre, numa luta intransigente contra os militares. Na

verdade, o golpe tinha sido militar; a ditadura, militar; o regime, imposto; a sociedade,

vítima. Recorrendo às palavras de 1979, consagradas até hoje - porões da ditadura, anos

de chumbo etc. – o historiador chamou a atenção para a construção desta Memória,

abrindo amplas perspectivas para uma revisão da historiografia sobre o período 1964-

1985. Mais particularmente, sobre as relações da sociedade com o regime e sobre a

memória construída a posteriori. Uma memória estruturada no mito da resistência4.

Golpe militar, ditadura militar, sínteses que absolvem a sociedade de qualquer

responsabilidade, como se referiu Francisco Carlos Teixeira da Silva5, que negam o

autoritarismo como produto da sociedade.

1 - Memória coletiva e o processo de abertura

Pode-se dizer que existem algumas linhas interpretativas acerca da

redemocratização do país - ou da volta ao estado de direito -, iniciada no governo Geisel,

em 1974. Evidentemente, não cabe aqui uma análise aprofundada do assunto, mas apenas

destacar o debate historiográfico centrado, em linhas gerais, em três eixos diferentes.

Um primeiro busca enfatizar o papel dos movimentos sociais de oposição e/ou de

resistência democrática, que teriam sido decisivos na chamada crise da ditadura e na volta

dos militares aos quartéis. As insatisfações da sociedade com o regime são enfatizadas,

sobretudo, com a crise do milagre econômico, mas mesmo antes. Nestas interpretações, o

4 Cf. Daniel Aarão Reis Filho. “Um passado imprevisível: a construção da memória da esquerda nos anos 60”, “Versões e ficções: a luta pela apropriação da memória”, “À maneira de um balanço: epílogo ou prólogo?”, in ------ (org.). Versões e ficções. O seqüestro da História. São Paulo, Perseu Abramo, 1999; ------ . Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000; ----. “Amnistie ou amnésie: société et dictature au Brésil”. Tumultes, Paris, v. 14, 2000; “Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória”, in --------; Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá Motta (orgs.). O golpe e a ditadura militar. 40 anos depois (1964-2004). Bauru, EDUSC, 2004. No início dos anos 1980, René Dreifuss publicou sua tese de doutorado sobre o golpe de 1964. Através de farta documentação, comprovou a participação decisiva de segmentos da sociedade civil no movimento que derrubou o governo institucional de João Goulart, que assumiram um lugar igualmente relevante no regime instaurado. Assim, Dreifuss o chamou de golpe civil-militar; mais esclarecedor ainda seria vê-lo como um movimento civil-militar. 5 Cf. intervenção de Francisco Carlos Teixeira da Silva na argüição da defesa de mestrado de Andréia Prestes Massena. PPG em História Comparada, ICHF-UFRJ, Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2005.

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Estado surge como força unicamente coercitiva, mesmo no período do governo Médici,

marcado por grande popularidade6.

Uma segunda linha interpretativa vê o processo de uma forma mais complexa e

sofisticada. Inclusive, chamando a atenção para o fato de que o projeto de abertura

política não foi pensado devido à crise do milagre, mas, ao contrário, devido ao seu

sucesso, invertendo a lógica com a qual se trabalhara até então. Aqui, se procurou melhor

compreender as diferenças entre militares, jamais monolíticos, presentes na clássica

alternância entre linha dura e linha moderada7. Como se sabe, elas compuseram-se e

arranjaram-se, inclusive, no interior de cada governo8. Nesta interpretação, valorizou-se

bem mais o peso da linha dura, ou seja, dos segmentos militares contrários à abertura,

encastelados na chamada comunidade de informações e nos órgãos da polícia política,

fortalecidos nos governos anteriores, influenciando o ritmo do processo. Ainda assim, os

movimentos de oposição e resistência democrática têm posição de destaque. Nos onze

anos que pretendiam abrir dez anos, os militares só perderiam o controle da situação no

governo João Figueiredo, marcado por um elemento importante no cenário político: o

movimento sindical do ABC paulista, surgido em 1978, ou seja, ainda sob Geisel.

Somente então, imerso em crises internas, econômicas e mesmo pessoais, ou seja, em

meados do governo Figueiredo, os militares deixariam de controlar a transição para o

regime democrático representativo9.

Uma terceira linha, ainda que veja os movimentos sociais de oposição e

resistência democrática atuando ao longo do período, procura explicar a transição

centrando-se nos conflitos dentro da corporação militar, nas disputas entre projetos rivais

alternativos e excludentes. Segundo esta análise, os militares jamais perderam o controle

do processo: a dinâmica e o ritmo da abertura sempre foram dados por estas disputas.

Nesta interpretação, enfatizam-se as muitas continuidades mesmo após a conclusão do

6 Cf. por exemplo, Bernardo Kucinski. O fim da ditadura militar. São Paulo, Contexto, 2001. 7 Para uma reflexão mais fina sobre a oposição linha dura e linha branda, inclusive colocando em xeque a possibilidade do uso destas referências, ver João Roberto Martins Filho. O palácio e a caserna. A dinâmica militar das crises políticas na ditadura. 1964-1969. São Carlos, SP, Editora da UFSCar, 1996. 8 Cf. Sebastião Velasco e Cruz e C. E. Martins. “De Castello a Figueiredo: uma incursão na pré-história da abertura”, in B. Sorj e M. H. Almeida (orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo, Brasiliense, 1983. 9 Como expressão desta linha, ver Francisco Carlos Teixeira da Silva. "Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-1985", in Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura. Vol. 4. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.

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processo10. Ao voltarem aos quartéis, os militares passavam o poder para civis, sim, mas

civis que, nas décadas anteriores, estiveram comprometidos com posições não muito

diferentes das defendidas pelos militares, muitos, inclusive, políticos da velha Arena. O

próprio governo civil, ao suceder aos governos militares, seria liderado por Tancredo

Neves, jamais Ulysses Guimarães, que, favorável ao golpe, havia se transformado em

opositor, odiado pelo general Geisel. O vice, José Sarney, presidente da Arena por anos.

O ministro da Justiça garantiria o não-revanchismo. A própria lei de anistia representaria

a vitória do governo, embora, na prática, os chamados crimes de sangue acabassem sendo

anistiados, porém significativa, uma vez que anistiou igualmente os torturadores. A lei

de agosto de 1979 sobrepunha-se a outros projetos em disputa, assegurando o coroamento

de uma longa transição, na qual a principal preocupação não estava nas esquerdas ou nas

oposições, mas numa extrema-direita que insistia em permanecer no aparelho de Estado,

recorrendo a atos de terrorismo.

Como memória coletiva, a primeira interpretação prevaleceu, consolidou-se. No

final dos anos 1970 e na década de 1980, era a versão mais palatável, não porque

imposta, mas por corresponder melhor às demandas e às aspirações, por acreditar resolver

muitas questões por oposições: civis e militares, a favor do regime e contra o regime.

Assim, os movimentos sociais valorizados são os de oposição; os de apoio ao regime,

esquecidos ou interpretados a partir de pontos de vista simplistas ou equivocados.

Hoje, quando já existe uma vasta historiografia a respeito da ditadura, parece

fundamental que se tornem objetos de estudo os movimentos, as instituições, as

manifestações, os personagens etc. que respaldaram o regime, desconstruindo uma

memória da resistência, não raramente superdimensionada e mitificada11.

10 Para esta interpretação, ver Suzeley Mathias. A distensão militar. Campinas, Papirus, 1995. 11 Daniel Aarão Reis Filho tem chamado a atenção para esta questão, ou seja, como a história da ditadura vem sendo contada através da história da resistência e mais, como, em geral, na história do Brasil, há uma desproporção entre os numerosos estudos das esquerdas em comparação com as escassas pesquisas sobre as direitas, como se aquelas tivessem tido maior peso do que estas na nossa história. Para uma historiografia que está na contramão dessa tendência, ver, além dos textos do autor citados na nota 4: Carlos Fico. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 1997. --------. "Prezada Censura": cartas ao regime militar. Topoi - Revista de História, Rio de Janeiro, v. 5, p. 251-286, 2002. Beatriz Kushnir. Cães de guarda. Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo, Boitempo, 2004. Lucia Grinberg. Partido político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). 1965-1979. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em História-UFF, Niterói, 2004. Aline Alves Presot. As Marchas da Família com Deus pela Liberdade e o Golpe de 1964. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação

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Mais do que isto, é preciso compreender estes objetos não exclusivamente em

campos bem delimitados de a favor ou contra e sim naquilo que o historiador francês

Pierre Laborie chamou de zona cinzenta: o enorme espaço entre os dois pólos –

resistência e colaboração/apoio e mais, o lugar da ambivalência no qual os dois

extremos se diluem na possibilidade de ser um e outro ao mesmo tempo. Então, para

interpretar a sociedade francesa sob o regime de Vichy (1940-1944), Laborie cunhou o

conceito penser-double: muitas vezes, se é um e outro, se é duplo12. Nesta ambivalência,

que não é sinônimo de contradição estaria a França dos anos troubles. Embora sejam

conceitos para interpretar uma situação específica, acredito que podem ser um

instrumental teórico valioso na reflexão da sociedade brasileira dos anos 1960 e 1970.

Para além da ambivalência, é preciso investigar a ausência de oposição, ou seja,

tornar objeto de estudo a opinião13 que não se manifesta diante do infame. Este vazio

ocupa um lugar na História, na história do período 1964-1985. Como disse outro

historiador dos années noires, Henry Rousso, "o inquietante com Vichy não é tanto os

crimes de uma minoria, mas a indiferença da grande maioria"14.

No caso da ditadura brasileira, é preciso ainda tornar objeto de pesquisa o

argumento do desconhecimento, da ignorância, tantas vezes usados ao fim das ditaduras

para justicar omissões. No contexto do fim da II Guerra Mundial, Albert Camus já

alertava: "No dia em que o crime se ornamenta com os despojos da inocência, por uma

curiosa deformação que é própria do nosso tempo, é a inocência que se vê intimada a

apresentar suas justificativas" 15.

em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro, 2004. Gustavo Alves Alonso Ferreira. “Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”. Wilson Simonal e os limites de uma memória tropical. Dissertação de mestrado apresentada ao PPGH-UFF, 2007. 12 Para os conceitos de zona cinzenta e penser-double, ver Pierre Laborie. Les Français des années troubles. De la guerre d' Espagne à la Liberation. Paris, Seuil, 2003. ----- . L´opinion française sous Vichy. Les Français et la crise d' identité nationale. 1936-1944. Paris, Seuil, 2001. 13 Para o conceito de opinião, ver, além dos livros de Pierre Laborie citados na nota anterior, o seu artigo "De l´opinion publique à l´imaginaire social", in Vingtième Siècle. Année 1988, vol. 18, n. 18, pp. 101-117; cf. também Jean-Jacques Becker. “A opinião pública”, in René Rémond (org.). Por uma história política. Rio de janeiro, Ed. FGV, Ed. UFRJ, 1996; cf. Ainda, para opinião, Robert Gellately. No sólo Hitler. La Alemania nazi entre la coacción y el consenso. Barcelona, Crítica, 2005. 14 Henry Rousso, citado por Peter Reichel. L'Allemagne et sa mémoire. Paris, Éditions Odile Jacob, 1998, p. 10. 15 Albert Camus, O mito de Sísifo. 2ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara, 1989, p. 12; citado em O mito de Sísifo (1ª ed. de 1942), mas se trata de Homem revoltado, de 1951.

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Assim, o penser-double, a indiferença, a inocência, o mito da resistência – ou a

memória superdimensionada da resistência - impõem definições ou redefinições mais

elaboradas do próprio conceito de resistência16.

2- Lugares da resistência

A memória da abertura segundo a qual a sociedade foi o grande ator que

impulsionou a transformação de um regime ditatorial para um regime democrático

transcende o próprio período, ou seja, 1974-1985. É uma memória que evidenciaria o

que teriam sido, na verdade, o comportamento e a opinião da sociedade sob ditadura.

Neste contexto, algumas instituições surgem, então, como as grandes fortalezas do

embate contra o regime, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Como se sabe, mas freqüentemente se silencia, a OAB e a CNBB apoiaram o

golpe de 1964, saudando-o com entusiasmo. A Ata da Reunião Ordinária do Conselho

Federal da OAB, o Conselho Pleno, de 7 de abril de 1964, é um verdadeiro manifesto a

favor da intervenção militar, resgatando "a memorável reunião extraordinária de 20 de

março [1964]" quando "tivemos a lucidez e o patriotismo de alertar" "para a defesa da

ordem jurídica e da Constituição"17. O documento e os registros das reuniões seguintes

revelam o apoio da Instituição e de setores significativos da sociedade, ausente na

consagrada fórmula do golpe militar18.

A Comissão Central da CNBB divulgou, em julho de 1964, a “Declaração da

CNBB sobre a Situação Nacional” na qual se colocava:

“Atendendo à geral e angustiosa expectativa do Povo Brasileiro, que via a marcha acelerada do comunismo para a conquista do Poder, as Forças Armadas acudiram

16 Para pensar o conceito de resistência, ver Pierre Laborie. “L’idée de Résistance, entre définition et sens: retour sur um questionnement”, in ----- . Les Français des années troubles, 2003; Henry Rousso. Vichy. L’événement, la mémoire, l’histoire. Paris, Gallimard, 1992, em especial o cap. “L’impact du Régime sur la société”; François Marcot (dir.). Dictionnaire Historique de la Résistance. Paris, Éditions Robert Laffont, 2006; François Marcot e Didier Musiedlak (orgs.). Les Résistances, miroir des regimes d´oppression. Allemagne, France, Italie. Actes du Colloque International de Besançon, 24 a 26 septembre 2003, Musée de la Résistance et de la Déportation de Besançon, Université de Franche-Comté e Université de Paris X. Besançon, Presses Universitaires de Franche-Comté, 2006. 17 Ata da 1.115ª sessão de instalação da 34ª Reunião Ordinária do Conselho Federal Da OAB do Brasil (Conselho Pleno), realizada aos 7 de abril de 1964, em sua sede, à Av. Marechal Câmara, 210, 6º andar - Casa do Advogado - Estado da GB. 18 Sobre a posição da CNBB no golpe, ver Kenneth P. Serbin. Diálogos na sombra. Bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 104.

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em tempo, e evitaram se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa Terra”. E adiante: “Logo após o movimento vitorioso da Revolução, verificou-se uma sensação de alívio e de esperança, sobretudo, porque, em face do clima de insegurança e quase desespero em que se encontravam as diferentes classes ou grupos sociais, a Proteção Divina se fez sentir de maneira sensível e insofismável. De uma à outra extremidade da pátria transborda dos corações o mesmo sentimento de gratidão a Deus, pelo êxito incruento de uma revolução armada. Ao rendermos graças a Deus, que atendeu às orações de milhões de brasileiros e nos livrou do perigo comunista, agradecemos aos Militares que, com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos supremos interesses da Nação, e gratos somos a quantos concorreram para libertarem-na do abismo iminente”19.

A ABI, como instituição, não apoiou, formalmente, o golpe. Entretanto, na leitura

das Atas das Reuniões Ordinárias e Extraordinárias e do Boletim do Conselho

Administrativo da ABI20, chama a atenção o tipo de luta encaminhado: eminentemente

corporativa, de defesa de jornalistas presos e da liberdade de imprensa. Evidentemente,

eram pontos de pauta de grande importância na chamada resistência democrática, mas

estavam longe de esgotar a agenda de temas que se impunham, mesmo – ou sobretudo –

numa instituição de jornalistas. Assim, muitas vezes, é a ausência de determinados temas

o que chama a atenção, prevalecendo em debate outros menos relevantes diante do

contexto por que o país passava.

Para além desta questão, a documentação revela a diversidade das posições nos

debates. A ABI e a OAB, antes de 1974, travavam discussões internas a respeito do

regime instaurado no país, de como se posicionar como instituição sem a unanimidade

construída a posteriori pela memória. No caso da OAB, a unanimidade existiu sim, no

19 A íntegra do documento “Declaração da CNBB sobre a Situação Nacional” está publicada em Luiz Gonzaga de Souza Lima. Evolução política dos católicos e da Igreja no Brasil. Hipóteses para uma interpretação. Petrópolis, Vozes, 1979, pp. 147-149; cit. p. 147. 20 Para o período aqui trabalhado, a primeira Ata disponível é de 7 de maio de 1964. As Atas referentes ao momento logo depois do golpe de 31 de março de 1964 não foram localizadas na ABI. Como informa a edição número 1, o Boletim do Conselho Administrativo da ABI foi criado em novembro de 1972, sendo distribuído por via postal aos sócios da ABI. Segundo Edmar Morel, a sua criação ocorreu em maio de 1952, por iniciativa de Herbert Moses, circulando com regularidade até 1961; depois, apareceu entre 1962 e 1974, com edições descontínuas; um terceiro período iniciou-se em 1974, seguindo desde então, com regularidade. Cf. verbete de Edmar Morel da Associação Brasileira de Imprensa, em Alzira Alves de Abreu et al. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. 2ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro, Editora FGV, CPDOC, 2001, pp. 393 e 394.

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momento do golpe, saudando "os homens responsáveis desta terra" que “erradicavam” "o

mal das conjuras comuno-sindicalistas, proclamando que a sobrevivência da Nação

Brasileira se processou sob a égide intocável do Estado do Direito"21.

O silêncio sobre o apoio ao golpe ou sobre as contradições e embates internos

nestas instituições acerca da conjuntura por que o país passava reforça a idéia da

possibilidade de a memória coletiva ser um instrumento de coesão social e não exclusiva

ou principalmente de coerção 22.

O que é mais desafiador, entretanto, é, sem dúvida, compreender as ambivalências

que fundiam apoio e rejeição; as posições que diluíam as fronteiras rígidas entre uma

coisa e outra, que não cabem nos campos bem demarcados com os quais a historiografia

vem trabalhando.

O enquadramento da memória23, assim, fez-se em função do mito da geração

resistente. As gerações que viriam depois, não tendo vivido o período, herdaram-na,

projetaram-na para adiante, isolando-a cada vez mais da história24. Neste sentido, o livro

de Edmar Morel, jornalista, conselheiro da ABI25 ao longo da ditadura, lançado em 1985

– o último ano do regime – A trincheira da liberdade, História da ABI -, subentende, até

pela metáfora trincheira, que a luta da instituição foi de enfrentamento em campo

claramente definido em relação a outro campo, como numa guerra, opostos pela guerra.

A objetivo do artigo é, então, recuperar as discussões internas, nos dez primeiros

anos da ditadura, na ABI, que se tornou, com a OAB e a CNBB, símbolo da resistência

no pós-197926; acompanhar a diversidade que desapareceu ou se diluiu, posteriormente;

21 Ata da 1.115ª sessão de instalação da 34ª Reunião Ordinária do Conselho Federal Da OAB do Brasil (Conselho Pleno), realizada aos 7 de abril de 1964, em sua sede, à Av. Marechal Câmara, 210, 6º andar - Casa do Advogado - Estado da GB. 22 Cf. Michael Pollak. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, nº 3. 1989, p. 3, a partir de Maurice Halbwachs. Para a coesão, no caso específico do fim da ditadura, ver os textos citados de Daniel Aarão Reis, nota 4. 23 Para o conceito de enquadramento da memória, ver Michael Pollak. Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, nº 3. 1989. ------. “Memória e identidade social”. Estudos Históricos, vol. 5, nº 10, 1992. 24 Para a discussão sobre a herança da memória, ver Peter Reichel. L'Allemagne et sa mémoire. Paris, Éditions Odile Jacob, 1998. 25 Marco Morel me chamou a atenção para o fato de que, apesar de conselheiro e da intensa atividade na ABI, Edmar Morel jamais se tornou membro da direitoria da entidade. 26 Devido aos limites de espaço do artigo, trarei aqui apenas da ABI e, em outra oportunidade, da OAB. O tema e as discussões aqui trabalhados estão inseridos na pesquisa de pós-doutorado As relações entre sociedade e ditadura: a OAB e a ABI, no Brasil de 1964 a 1974, desenvolvida no Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC), Departamento de História, UFF, com estágios de pós-doutorado na Universidade

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compreender as posições em suas ambivalências para melhor perceber o que foram a

vivência da instituição sob o regime de exceção e a sua memória.

3 – As trincheiras da Memória

Nas Atas das Reuniões Ordinárias e Extraordinárias do Conselho Administrativo,

assim como no Boletim Conselho Administrativo da ABI, é uma constante a defesa da

liberdade de imprensa, contra a reforma da Lei de imprensa em vigor, quando do golpe,

contra a censura, com destaque para a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e a

atuação em defesa de jornalistas presos. Criada ainda na gestão de Herbert Moses, a

Comissão logo se tornou Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e do Livro.

Embora Edmar Morel, ao escrever a história da instituição, desde a fundação, não

tenha deixado de mencionar a existência de conflitos internos – a Associação como “um

verdadeiro saco-de-gatos”, “dividida em grupos”, “clima de tensão na Casa” 27, “a classe

um tanto tumultuada” 28 -, não esclarece do que tratava. Buscando coesionar a ABI num

pólo bem demarcado em relação ao regime, as diferenças se diluem. Certamente, o

contexto do início da década de 1980 pode explicar esta construção, um momento ainda

de tensões em relação à abertura política, marcado pelos atentados terroristas de militares

contrários à abertura, atingindo, inclusive, a ABI. Apesar disto, a unidade que se

construía então não deve se restringir, como veremos, a este aspecto.

Quando do golpe, o jornalista Herbert Moses ocupava a presidência da ABI havia

trinta e três anos, o que, diga-se de passagem, não parecia um problema. Ao menos, não

há registro neste sentido. Idoso e com problemas de saúde, Moses renunciou em agosto,

elegendo-se presidente Celso Kelly, no mês seguinte29. Em fevereiro de 1966, Kelly

renunciou para assumir a direção do Departamento Nacional de Ensino, do Ministério da

de Paris X, Departamento de História, e UNICAMP, Departamento de Sociologia. Agradeço aos professores Didier Musiedlak e Marcelo Ridenti, respectivamente, supervisores do pós-doutorado, e a Daniel Aarão Reis Filho, coordenador do Convênio CAPES-COFECUB, através do qual fiz o pós-doutorado na França. Agradeço também a Gabriela Marins de Menezes e Luciana de Castro Soutelo, que trabalharam na pesquisa como bolsistas de Iniciação Científica/CNPq-Propp. Por fim, agradeço a Marco Morel o diálogo inteligente e generoso e, sobretudo, a amizade. 27 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. e p. 163. 28 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 207. 29 Segundo Edmar Morel, a eleição de Celso Kelly para presidência da ABI se dá em 11 de setembro de 1964. Entretanto seu nome aparece pela primeira vez como presidente na ata de 27 de agosto (na reunião anterior, em 11 de agosto, ainda consta o nome de Herbert Moses na função).

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Educação, ocupando tal função “em prol da educação moral e cívica da mocidade”, como

se referiu Morel. Assim como fizera Moses nos anos da ditadura Vargas, assim como

“quase todos os presidentes da Casa”, ele “procurou estabelecer contato com os ministros

militares”, alegando Kelly ser o “governo reconhecido por quase todos os países do

mundo” 30.

Ao longo dos dez primeiros anos do regime civil-militar, é interessante notar

como a memória de Getúlio Vargas é trabalhada. Se em 1985 está associada à ditadura –

“o Brasil estava mergulhado nas trevas do Estado Novo”31- , em 1974, em pleno regime

ditatorial, Vargas era homenageado, na ABI, no momento do vigésimo aniversário da sua

morte32. O conselheiro José Talarico, quando propôs a homenagem a Vargas, havia

acabado de saudar a Conferência Nacional dos Advogados, por sua atuação em “defesa

das liberdades democráticas” 33. Na reunião seguinte, outro conselheiro, Gentil Noronha,

referia-se à importância do suplemento sobre o desaparecimento do presidente, publicado

no Jornal do Brasil, solicitando que a ABI se congratulasse com o periódico34.

Assim, Vargas era lembrado, ao fim da ditadura de 1964, como ditador que

cerceara a liberdade de imprensa e – não porém - digno de honras na Casa do Jornalista.

Sem aparentes contradições. Ou, ainda, identificado com ditadura, em 1985, mas não

enquanto se vivia sob ditadura35. É nesta ambivalência que se pode compreender a idéia

de que "sobreviveu a ABI ao Estado Novo de Vargas"36, e, "ao deixar o Rio, após ser

30 Edmar Morel. A trincheira da liberdade: história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, pp. 164 e 163, respectivamente. 31 Edmar Morel. A trincheira da liberdade: história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 202. 32 Sobre Getúlio Vargas e a ABI, assim se refere Edmar Morel: “Getúlio Vargas, embora mandasse prender grande número de jornalistas, manifestou vontade de visitar a obra da ABI [trata-se da construção do edifício da atual sede], para a qual concedeu um crédito especial de quatro mil contos. Ao deixar o local, recebeu estrondosa vaia de centenas de familiares de presos políticos” e, em seguida: “Antes da queda do Estado Novo, em 29 de outubro de 1945, Vargas concedeu a anistia por decreto assinado a 18 de abril. Por essa época voltou à ABI, recebendo então verdadeira consagração. Ao deixar o Rio, após ser deposto, foi acompanhado por Moses até a porta do avião”. Em seu último governo, Vargas tornou-se sócio-benemérito da ABI. Cf. Edmar Morel. "Associação Brasileira de Imprensa". Alzira Alves Abreu de et al. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. 2ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro, Editora FGV, CPDOC, 2001, pp. 393 e 394. 33 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 27 de agosto de 1974. 34 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 24 de setembro de 1974. 35 Angela de Castro Gomes, em seu texto neste livro, trabalha esta duplicidade da memória de Vargas. 36 Fernando Segismundo. ABI sempre. Rio de Janeiro, Unigraf, 1998, p. 80.

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deposto, [Vargas] foi acompanhado por Moses [então presidente da ABI] até a porta do

avião"37.

A relação ambivalente com a memória de Vargas parece se repetir quanto à

ditadura que, então, vigorava.

****

As deferências a homens do regime estão presentes em diversos momentos.

Na reunião de julho de 1967, o conselheiro Oswaldo Paixão propôs o voto de

pesar pela morte de Castelo Branco. Apesar dos “acalorados debates”, quando os que se

manifestavam contrários à proposta alegaram, “entre outros motivos a perseguição

movida pelo ex-presidente aos homens de imprensa”38, foi aprovada com um único voto

contrário, do conselheiro Miguel Costa Filho.

Alguns meses antes,

“O Conselheiro Mozart Lago apresentou proposta no sentido de ser convidado a comparecer à próxima reunião do Conselho o Ministro Hélio Beltrão, filho do antigo jornalista, vice-presidente e um dos baluartes da Casa. O Conselheiro Othon Costa propôs, em adendo à referida proposta, que a ABI envie telegrama ao Ministro Hélio Beltrão, congratulando-se pela sua escolha para o Ministério do Planejamento. O Conselheiro Mozart Lago propõe ainda que seja indicado o Conselheiro Othon Costa para saudar, em nome do Conselho, o ilustre visitante. Todas as propostas foram aprovadas”39.

Aprovadas, aparentemente, sem voto contrário, pois não se registrou nenhuma

posição contrária em ata.

Ainda em relação às homenagens a homens do regime, um momento especial

ocorreu quando das comemorações do 60º aniversário da ABI, em abril de 1968. O

general-presidente que promulgaria, em dezembro, o AI-5, colocando um ponto final no

que ainda restara dos direitos civis, fora recebido com entusiasmo, na ABI. Para tal, o

presidente Danton Jobim, senador pelo MDB entre 1971 e 1978, figura que aparece em

destaque na memória da resistência democrática, muito se empenhou40. Apesar das

37 Edmar Morel. "Associação Brasileira de Imprensa". Alzira Alves Abreu de et al. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. 2ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro, Editora FGV, CPDOC, 2001, pp. 393 e 394. 38 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 18 de julho de 1967. 39 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 21 de março de 1967. 40 Danton Jobim elegeu-se em maio de 1966, depois de Elmano Cruz, como vice de Celso Kelly, completar seu mandato. Foi presidente da ABI de 1966 a 1972; em fevereiro de 1978, foi mais uma vez eleito, morrendo, porém, 14 dias depois, sem chegar a tomar posse. Elegeu-se senador pelo MDB pela Guanabara

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tensões que a visita causou, foi na presença de Costa e Silva que se festejou a data. Em

reunião, no início do ano, Danton Jobim anunciava a honra concedida:

“falou o presidente da ABI sobre o aniversário desta, quando será servido um almoço no restaurante da casa, o qual será honrado com a presença do Sr. Presidente da República que acedeu, por intermédio do Dr. Rondon Pacheco, em receber o Presidente da ABI. O presidente Danton Jobim compareceu pessoalmente ao Palácio Laranjeiras ouvindo do chefe da nação que, no dia sete de abril, deverá achar-se no Rio Grande do Sul. No entanto, numa demonstração de especial deferência à ABI, virá de avião no dia mencionado, ou seja, sete de abril, data do aniversário da ABI”41.

Ao mesmo tempo em que se preparava e se aguardava a visita do general Costa e

Silva, o debate na ABI estabelecia-se: alguns conselheiros saudavam-no; outros, inclusive

o próprio presidente Danton Jobim articulador da visita, preferiam fazer ressalvas. Assim,

em março de 1968, registrava-se a

“moção de aplausos, de autoria dos Conselheiros Ivo Arruda e Armando Pacheco, ao presidente Costa e Silva ‘pelo respeito com que tem tratado a imprensa’ e por haver declarado não se utilizar da atual Lei de Imprensa para punir jornalistas. Fazendo considerações sobre a moção, falaram diversos Conselheiros entre os quais o Presidente Danton Jobim que disse tratar a proposta de matéria complexa que não devia ser aprovada de afogadilho, entendendo por isso que a moção devia ser enviada à Diretoria para mais detido exame antes de ser aprovada (...); sobre o assunto, falaram ainda os conselheiros Raul Floriano, que lembrou as palavras do presidente Costa e Silva afirmando que não modificara, de modo algum, a atual Lei de Imprensa e que o nosso ideal seria precisamente o contrário, não cabendo, portanto, qualquer voto de louvor, embora não se oponha a agradecimentos aos serviços que o presidente haja prestado à imprensa; Mário Saladini acrescenta não haver o Presidente da República demonstrado nenhum apreço à imprensa, tanto assim que procura defender a atual Lei de Imprensa, mantendo além disso, o arrocho salarial que somente se faria merecedor de nossa homenagem se acabasse com a censura e tomasse outras medidas liberais; (...) Armando Pacheco que justifica sua assinatura na moção, alegando não se tratar de solidariedade ao

de 1971 a 1975 e, depois da fusão, pelo Rio de Janeiro, de 1975 a 1978. Em 1929, representara o PCB, ao lado de Leôncio Basbaum e Mário Grazini, na I Conferência Latino-Americana dos Partidos Comunistas, em Buenos Aires. Rompeu com o PCB, em 1934. “Apoiou a implantação do Estado Novo em novembro de 1937, sendo nomeado no ano seguinte diretor do Departamento de Propaganda e Turismo do estado do Rio de Janeiro, então governado pelo interventor federal Ernani do Amaral Peixoto. Mais tarde, contudo, passou a combater o regime de exceção, que aboliu a liberdade de imprensa e censurou, através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), muitos editoriais de sua autoria. Engajou-se então na campanha pela redemocratização do país, ...” (Vera Calicchio. "Danton Jobim". Alzira Alves Abreu de et al. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. 2ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro, Editora FGV, CPDOC, 2001). Em 1945, filiou-se ao Partido Republicano (PR). Com a extinção dos partidos políticos e a criação do bipartidarismo, em outubro de 1965, com o AI-2, integrou-se ao MDB. 41 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 23 de janeiro de 1968.

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presidente, mas de simples agradecimento pelos serviços que o atual chefe de governo tem prestado à imprensa e à classe dos jornalistas; e finalmente, Ivo Arruda diz não concordar com Danton Jobim quando declara que não se deve aplaudir o presidente somente porque ele vem à ABI, recordando que o presidente Costa e Silva já se manifestou sobre a não utilização no seu governo, da atual Lei de Imprensa, o que constitui um benefício real para a classe”42. Finalmente, aprovou-se a proposta de Danton Jobim de encaminhar a moção à

diretoria para “melhor exame”.

A recepção-homenagem, ao que parece, teve o apoio da maioria do Conselho, que

não a via em contradição com a luta pela liberdade de imprensa, como expôs o jornalista

Jocelin Santos43. Ainda assim, não deixou de suscitar oposição, como a do conselheiro

Edmar Morel que, em resposta

“a aparte do jornalista Jocelin Santos que dizia compreender o significado daquela luta [pela liberdade de imprensa], ao mesmo tempo em que a ABI abria as suas portas para recepcionar Generais que sufocavam aquela liberdade e eram homenageados com almoços, lembrou o orador [Edmar Morel] que tinha autoridade para se retirar como o fez, para reconhecer e proclamar a linha de defesa intransigente da liberdade de imprensa em que sempre se colocou a ABI, ainda que condenasse o movimento de banquetes, mas não via em que se desonrasse a casa em receber um Presidente da República, destacando que entre vários deles que ali foram recebidos lembrava o Presidente Getúlio Vargas, que visitou a ABI por sete vezes”. Ou seja, era contra, retirava-se, mas a recepção não chegava a ser desonrosa.

Segundo Danton Jobim, ao comentar a intervenção de Morel, a ABI em

“nenhum momento cruzou os braços diante de quaisquer tentativas à liberdade de imprensa [está assim no original] em nosso País; disse dos contatos mantidos com as autoridades militares, com Generais, políticos, inclusive com o Presidente Médici, objetivando não apenas a liberdade de jornalistas dos cárceres, mas a liberdade de imprensa, não implicando a falta de publicações desses fatos em omissões...”44.

Sobre a homenagem da ABI ao general-presidente, Edmar Morel escreveu, em

1985:

42 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 19 de março de 1968. 43 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 28 de abril de 1970. 44 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 28 de abril de 1970.

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“Antes da morte do general Costa e Silva, a exemplo do que fizera Herbert Moses com os presidentes Vargas e Dutra, Danton lhe ofereceu um almoço na ABI, homenagem que motivou vários protestos sem a menor repercussão em face da censura reinante na imprensa. A despeito do sistema de segurança, o general-presidente foi vaiado à saída do prédio. Na realidade, a idéia do almoço foi infeliz. O presidente da República banqueteava-se na ABI, quando havia dezenas de jornalistas presos e exilados, alguns torturados bestialmente”45.

Outro ponto importante a destacar é a incorporação pela ABI de símbolos dos

governos militares. Assim, em 19 de novembro, a menos de um mês do AI-5, prestava-se

homenagem ao “Dia da Bandeira”46. Embora estes símbolos não tenham sido criados pela

ditadura, sem dúvida, foram amplamente apropriados como recurso de propaganda e

legitimação do regime.

Esta posição não impediu os muitos apelos para que se fizessem declarações a

favor de jornalistas cassados e presos, na seqüência do fechamento político que o Ato

promoveu. Tampouco levou à reavaliação da homenagem que, naquele momento,

dificilmente poderia estar desvinculada do governo. Sem contradições, era possível atuar

nos dois campos. Da mesma forma que as perseguições no contexto do AI-5 não

impediram, no ano seguinte, em agosto de 1969, que a ABI e seu presidente, Danton

Jobim homenageassem o exército:

“O presidente Danton Jobim fez um relatório das atividades da diretoria durante o mês, destacando a participação da ABI nas comemorações da Semana do Exército com a homenagem prestada às Forças Armadas, presentes o Ministro Lira Tavares e os generais comandantes de unidades sediadas na Guanabara”47.

Com o afastamento de Costa e Silva e a posse de Médici, a ABI e seu presidente

saudavam o novo general-presidente com esperança e entusiasmo. Na ocasião, foi-lhe

enviada mensagem, assinada por Danton Jobim. Com orgulho, aprovou-se a proposta de

um conselheiro de transcrevê-la na íntegra em ata. Embora longa, vale citá-la:

“ ‘Sr. General Emílio Garrastazu Médici. A ABI, pela sua diretoria extraordinariamente reunida, vem apresentar a V. Exa. suas congratulações pelo pronunciamento de ontem, no qual V. Exa. expôs seus propósitos de governo. Nele há posições que coincidem com ardentes aspirações dos homens de imprensa, constantemente renovadas pelo voto de nossas Assembléias em favor

45 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 179. 46 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 19 de novembro de 1968. 47 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 19 de agosto de 1969.

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da paz e da concórdia entre os brasileiros, sob a égide de um autêntico sistema democrático-representativo. Repercutiu entre nós favoravelmente o reconhecimento, por V. Exa., de que para formulação de uma política eficaz de desenvolvimento será preciso reabrir o diálogo com os ‘homens de imprensa, os operários, os jovens, os professores, os intelectuais, as donas de casa, enfim, todo o povo brasileiro’. Bem assim a declaração que se segue, de que ‘esse entendimento requer universidades livres, partidos livres, sindicatos livres, Igreja livre’, o que pressupõe a eliminação da pressão ilegítima de certos grupos radicais minoritários. Regozija-se a ABI com saber que o futuro presidente do Brasil ‘estará atento a esse esforço de libertação, em cada dia do seu governo’. Não hesitamos, também, em aplaudir, sem reservas, esta afirmação de seu discurso: ‘Em vez de jogar pedras no passado, vamos aproveitar todas as pedras disponíveis para construir o futuro’. Estamos certos, Sr. Médici, de que chegou a hora da união dos brasileiros em torno da bandeira ‘Democracia e Desenvolvimento’que V. Exa. se mostra disposto a empunhar com mãos firmes. A Nação poderá unir-se e torno de um programa como esse, que resume os ideais da Revolução. Esta não pode significar para o povo repressão e intolerância, nem hipertrofia do Executivo e insegurança para os demais poderes. Deve constituir-se numa esperança de paz social e de respeito aos direitos fundamentais do homem, jamais num regime em que a preocupação, sem dúvida legítima, com a segurança nacional se torne tão obsessiva que acabe por negar o seu próprio objeto, anulando a segurança de cada um. Ante o primeiro pronunciamento de V. Exa., de nítida e sóbria eloqüência, a ABI invocando uma tradição de mais de 60 anos a serviço da liberdade de expressão e considerando a necessidade de retirar-se a Nação do impasse institucional, vem manifestar a sua plena confiança em que os propósitos de V. Exa. conduzam ao respeito à liberdade de imprensa, a ‘primeira das liberdades’, numa democracia e sem a qual será impossível o amplo e fecundo diálogo que V. Exa. deseja. Por outro lado, a ABI lança um apelo àqueles que vêm discordando da orientação do governo, inclusive a oposição organizada, para que manifestem o seu propósito de união nacional, de modo que o novo presidente possa liderar com sucesso um esforço realmente nacional pelo Desenvolvimento e pela Democracia, superando a lembrança do passado e encarando com plena confiança o futuro. Danton Jobim – Presidente”48.

Na verdade, o discurso de posse de Médici causara surpresa. Alçado ao cargo por

seu perfil de represente da chamada linha dura, para suceder Costa e Silva, com a missão

de radicalizar a repressão à luta armada, na seqüência da captura do embaixador

americano, com o sistema DOI-CODI funcionando a pleno vapor, as palavras e imagens

poéticas do discurso soaram estranhas49. Estranho também é pensar que na conjuntura de

48 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 21 de outubro de 1969. 49 Para o estranhamento causado pelo discurso de Médici, ver Carlos Fico. “Espionagem, repressão, propaganda e censura: os pilares da ditadura”, in Jorge Ferreira e Delgado, Lucília de Almeida Neves

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acirramento da repressão, as surpreendentes palavras do general fossem capazes de iludir

veteranos jornalistas.

Na mesma reunião em que se leu a carta de saudação a Médici e considerando o

estado de saúde de Costa e Silva,

“o conselheiro Danton Jobim apoiou moção de simpatia ao Marechal Costa e Silva, destacando o lado positivo de seu governo, que atendendo apelo da ABI, restabeleceu o direito para o exercício da profissão de jornalistas aos Srs. Antonio Callado e Leo Guanabara”. O conselheiro Hélio Silva, entretanto, manifestou-se: “achava prematuro qualquer

julgamento favorável ao governo Costa e Silva, ressalvando, porém, que não negaria seu

voto a favor de uma mensagem ao cidadão Costa e Silva, por motivo de sua doença”. Por

fim, então, aprovou-se uma mensagem, escrita por Elmano Cruz, estimando melhoras ao

presidente 50.

Em junho de 1970, num dos momentos de maior repressão e, ao mesmo tempo, de

grande popularidade do governo Médici, Danton Jobim informava na reunião do

Conselho “que havia recebido convite da Assessoria de Relações Públicas da Presidência

da República, para a ABI mandar representante a congresso a ser realizado em Brasília”.

A AERP produzia com destacado sucesso as campanhas de propaganda política, que

desempenharam um relevante papel, embora não exclusivo, na popularização do regime,

de seus princípios e valores51. Anunciou também o convite da ADESG, Associação dos

Diplomados da Escola Superior de Guerra, aos associados da ABI, para participarem do

curso sobre tema-pilar do governo Médici: Desenvolvimento e Segurança Nacional. Ao

articular aquele a este, o regime procurava legitimar-se. Não há registro nas atas se a ABI

atendeu aos convites. Tampouco constam questionamentos ou debates acerca deles52.

Ainda no quadro do recrudescimento das perseguições como reação à captura do

embaixador dos EUA, o conselheiro João Etcheverry, recentemente libertado, agradecia

“o apoio que recebeu da classe por ocasião de sua prisão”, condenava as “manifestações

terroristas” e afirmava “que não calava seu protesto contra aqueles que têm obrigação de

Delgado (orgs.). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura. Vol. 4. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. 50 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 21 de outubro de 1969. 51 Para as campanhas da AERP, ver Carlos Fico. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 1997. 52 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 30 de junho de 1970.

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combater o terrorismo”. Por fim, em seu discurso, “pediu punição para os terroristas e

terroristas oficiais”. Em outras palavras, era capaz, ao mesmo tempo, de denunciar o

“terrorismo de Estado” e legitimar suas práticas, uma vez que elas se justificavam para

combater, segundo vocabulário próprio, o terrorismo das esquerdas, exemplificado no

seqüestro53 .

Também neste contexto, “o conselho aprovou por unanimidade o voto do

conselheiro Paulo Magalhães, de pesar pelo falecimento do Secretário de Educação

Gonzaga da Gama Filho”54. Na mesma iniciativa, Magalhães propunha o mesmo em

relação ao ex-primeiro-ministro de Portugal Salazar. Entretanto, neste caso, “diversos

conselheiros declararam que se abstinham de votar, para não votarem contra, de vez que

os mortos merecem respeito”. O conselheiro Miguel Costa Filho manifestou-se,

explicando as razões de sua abstenção:

“ ‘Não combato a proposta que acaba de ser apresentada – leu de início – não só por entender que a pessoa morta, qualquer que ela seja, deve ser respeitada, como também e principalmente, por se tratar de ex-governante da Nação da qual descendemos e que formou a nação brasileira com o concurso decisivo de africanos e indígenas’. A seguir definiu em traços breves o salazarismo, do qual disse descordar frontalmente”. Por fim, “o autor da proposta em causa, declarou que em face à possibilidade de que a proposta viesse a ser aprovada por escassa maioria, com reflexos negativos para o Brasil no exterior, decidia retirá-la, pondo um ponto final na questão” 55.

Se a homenagem ao ditador português encontrou espaço para ser proposta, da

mesma forma havia lugar para se saudar o fim da ditadura, em Portugal. Em junho de

1974, “são lidos ofícios da Embaixada de Portugal, agradecendo a ‘moção de júbilo’,

aprovada pelo Conselho Administrativo da ABI, ao povo português, por motivo do

restabelecimento do Governo Democrático no país irmão”56.

Quando o general Geisel assumiu a presidência, justamente ele que anunciava a

abertura política, as expectativas da ABI foram bem mais modestas, se comparadas às

expressas na posse do general Médici:

“Aprovada moção apresentada pelo conselheiro Antônio Carbone: 1-Manifestar, em nome dos profissionais de imprensa que integram esse Conselho, sua

53 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 18 de novembro de 1969. 54 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 28 de julho de 1970. 55 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 28 de julho de 1970. 56 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 25 de junho de 1974.

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expectativa favorável de que o novo governo consiga dar pleno senso às intenções claramente manifestadas no primeiro pronunciamento presidencial com relação aos campos econômicos, social e político. 2-Externar sua esperança de que no decorrer do novo Governo venham a ser atendidos os anseios de normalização institucional do país, através da construção de um modelo político, consentâneo com as nossas tradições cristã e democrática. 3- manifestar a esperança de que em breve possa esta Casa vir a congratular-se com a nova administração por ter feito cessar as restrições que ainda pesam sobre a liberdade de imprensa e os obstáculos que se antepõem ao acesso às fontes de informação” 57.

Outro elemento central da propaganda do governo, assumido pela ABI, diz

respeito às comemorações do Sesquicentenário da Independência do Brasil, em 1972,

festa que incorporava o patriotismo do regime, identificando nação e governo, e

simbolizava a glória do milagre econômico: passados 150 anos da independência política,

os militares faziam, então, a independência econômica. Tempos de Brasil Grande, o país

do futuro era também o país do presente. A comemoração do 1822 comemorava, na

verdade, o presente, o próprio regime, os militares e a independência econômica, seu

grande mérito. Uma confraternização a reunir todos, num projeto supostamente de

interesse nacional ao qual não era possível oposição.

A ABI integrou-se à festa. Em abril, compunha uma comissão para “os festejos do

Sesquicentenário da Independência do Brasil”58:

“O Conselho Administrativo participou condignamente das comemorações do Sesquicentenário de nossa Independência, tendo realizado, por proposta dos Conselheiros Fernando Segismundo e Miguel Costa Filho, um Ciclo de Conferências, ao qual foi dado o seguinte título: ‘A Imprensa no Movimento da Independência’. Iniciado no dia 18 de agosto, encerrou-se no dia 6 de outubro último, de acordo com o seguinte temário: A liberdade de imprensa, pelo Senador Danton Jobim, ex-Presidente da ABI; A revolução e a contra-revolução, Prof. José Honório Rodrigues; A Imprensa no processo da Independência, Prof. Pedro Calmon; A Imprensa do Extremo Norte no processo da Independência, Prof. Artur César Ferreira Reis: João Soares Lisboa, sua vida e sua obra, Prof. Fernando Segismundo; Jornais da Corte (1808-1823), Miguel Costa Filho; Quatorze anos de luta pela Independência (Hipólito da Costa e o Correio Brasiliense), Prof. Barbosa Lima Sobrinho”59.

57 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 26 de março de 1974. 58 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 27 de abril de 1972; ver também a Ata de 25 de julho de 1972, o “Relatório da Diretoria: 150 anos da Independência do Brasil”. 59 Boletim do Conselho Administrativo da ABI, n° 1, novembro de 1972. Barbosa Lima Sobrinho fora presidente da ABI em 1926-1927 e 1930-1931; depois, entre 1978-1984.

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Entretanto, ao mesmo tempo em que participava da festa do regime, a ABI usou-a

para falar de liberdade de imprensa, recuperando outros períodos da História nos quais os

jornalistas atuaram sob censura. Assim, recorria também ao passado para aludir ao

presente.

Por sua vez, a ABI era homenageada pelo governo:

“A Comissão Executiva Central do Sesquicentenário, presidida pelo General do Exército Antonio Jorge Correa, outorgou à ABI, como também aos sócios que participaram das comemorações realizadas pela Casa dos Jornalistas um diploma ‘pela sua inestimável colaboração às comemorações do Sesquicentenário da Independência do Brasil”60.

A ABI incorporou o discurso de emancipação econômica, essencial ao projeto de

união nacional. Esta incorporação, que não impediu sua atuação a favor de jornalistas

atingidos pelo regime, não apareceu exclusivamente nas festas do Sesquicentenário. Em

1973, por exemplo, declarava a moção de apoio à Petrobras, aprovada por unanimidade

com o seguinte argumento:

“ ‘A emancipação econômica do Brasil tem um dos seus esteios na atuação bem sucedida das empresas estatais, responsáveis por setores-chave da economia nacional. (...) ... a Assembléia Geral da ABI dirige ao General Ernesto Geisel e, por seu intermédio, a todos os servidores da Petrobras – auxiliares, técnicos, trabalhadores – esta mensagem de solidariedade para que continuem, sem desfalecimento, no seu trabalho em prol do Brasil’ ”61.

Neste mesmo sentido, era possível atuar contra a censura prévia sem hostilizar o

governo que a promovia. Em maio de 1973, Adonias Filho, na apresentação do Relatório

da Comissão da Liberdade de Imprensa afirmava que “a comissão designada para

examinar as condições em que vem sendo exercida a censura policial prévia, não assumiu

e nem sugere hostilidade às autoridades governamentais” 62. Até por que dele partcipava

o presidente da ABI. Adonias Filho foi diretor da Biblioteca Nacional por dez anos, de

1961 a 1971. Em 1967, tornara-se membro do Conselho Federal de Cultura e, seu diretor

entre 1977 a 1990. Dirigiu ainda o Instituto do Livro e a Agência Nacional do Ministério

60 Boletim do Conselho Administrativo da ABI, n° 1, novembro de 1972. 61 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 26 de abril de 1973. 62 Ata da Reunião extraordinária do Conselho Administrativo da ABI de 22 de maio de 1973.

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da Justiça. “Com o advento da revolução de 1964,” afirma Edmar Morel, “Adonias Filho,

pela sua cultura e respeitabilidade, tinha livre trânsito nos altos escalões do governo” 63.

Na verdade, era através das relações como o governo que os problemas seriam

resolvidos: “Esclarece [Fernando Segismundo] que a Diretoria está cuidando de

estabelecer melhor relacionamento com as altas autoridades do país, para o correto

atendimento de assuntos relevantes para a classe dos Jornalistas, como liberdade de

imprensa, o funcionamento da Comissão de Defesa da Pessoa Humana etc.” 64.

Outra questão a se observar nas atas são as manifestações a favor da anistia, que,

desde muito cedo, aparecem. Sempre associadas às idéias de conciliação, união de todos

os brasileiros e pacificação, o modelo constantemente evocado é o de Duque de Caxias,

patrono do exército, o Pacificador.

A primeira referência à anistia data de 29 de abril de 1969. A proposta, de autoria

do “consócio” Pedro Coutinho Filho “e outros”, aprovada por unanimidade, a ser

apreciada clamava ao

“apelo à pacificação dos brasileiros, como essencial ao desenvolvimento do país. ‘A História de nossa Pátria, diz a proposta, mostra que o caminho para a pacificação é a anistia. Dela usou largamente o Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro’. Assim, propõe a Assembléia exprima a convicção de que a anistia é a fórmula de união dos brasileiros para maior grandeza do Brasil”65.

Integrando-se ao projeto de desenvolvimento do governo, propunha-se, no ano

seguinte:

“depois de se reportar às questões que dizem respeito diretamente com o futuro e a prosperidade do povo brasileiro, lembrando o exemplo de Duque de Caxias, como o Pacificador, o jornalista Paulo Magalhães se reporta a pronunciamentos feitos pelo Presidente Médici sobre a necessidade de se complementar a independência política conquistada em 1822 e em nome da ABI, dirige apelo ao chefe do Governo, no sentido de pacificar a família brasileira, através da anistia. Defendendo a sua proposição, diz que a apresentação daquela moção foi feita dentro das tradições de nossa Casa, de nossa própria vida de cidadãos, da própria vida do Brasil. Acrescenta que a anistia é um bem para a Nação Brasileira e é realmente um motivo a mais para que o Governo se sinta mais forte. Em aparte, o Conselheiro Raul Floriano diz que seria melhor que essa proposição não tivesse necessidade de ter sido feita, que não nos encontrássemos fora da lei e que era por

63 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 186. 64 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 25 de junho de 1974. 65 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 29 de abril de 1969.

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se sentir assim, por um sentimento de direito e de legalidade que aplaudia a proposição que acabava de ser encaminhada por Paulo de Magalhães”66. Outra proposta de anistia aprovada por unanimidade, em 1971, incorporando os

valores e referências do projeto de desenvolvimento do regime:

“Pacificação. Propondo a anistia ampla e irrestrita. Anistia: ‘união de todos para as grandes tarefas do desenvolvimento econômico-social’. Conclui reiterando apelo às autoridades da República para que façam da anistia o instrumento de pacificação que todos esperam.” 67.

No ano seguinte, em abril de 1972, no contexto das comemorações do

Sesquicentenário, Edmar Morel encaminhou a proposta de anistia, identificada a

esquecimento, confraternização e patriotismo e ao projeto da ditadura que os anos-

Médici tão bem encarnavam. Vale a citação, embora longa:

“Foi aprovada por prolongadas salvas de palmas a moção Pró-Anistia de autoria do confrade Edmar Morel, cujo teor, é o seguinte: ‘A Assembléia-Geral Ordinária da Associação Brasileira de Imprensa, neste ano do Sesquicentenário, comunga do júbilo patriótico do povo e do Governo brasileiro pelo transcurso de um século e meio de vida independente e se integra no conjunto da nacionalidade empenhada em complementar a Independência política pela Emancipação econômica, em processo de ser alcançada. Como assinalou Excelentíssimo Senhor Presidente da República, a soberania da Nação não se outorga, não se recebe de presente, antes se conquista, se preserva e se amplia. Eis por que os ensinamentos de Tiradentes e de José Bonifácio hão de ser lembrados e reverenciados no ano do Sesquicentenário como o melhor roteiro para que o Brasil seja uma nação livre, próspera e feliz. “A Imprensa tem procurado cumprir o seu dever contribuindo para que o Brasil alcance a sua vocação de fraternidade e de paz, ainda que, por vezes, com sérios entraves, pelo tolhimento da liberdade de informar e de critica. Que cada órgão e cada homem de imprensa se capacitem da grandeza desta missão e saibam trazer a sua colaboração ao grande debate de doutrinas e de idéias essenciais à formação do consenso majoritário fundamental à vida democrática. “A Assembléia Geral da ABI, como em oportunidades anteriores, acredita que a vocação de fraternidade e de paz do Brasil será tão mais prontamente alcançada quanto mais rapidamente se eliminarem as barreiras que dividem os brasileiros. Hoje, neste ano do Sesquicentenário, como em outras épocas memoráveis de nossa História, a anistia – o esquecimento e a confraternização – é o remédio que cabe aplicar com altruísmo e discernimento, para que o Brasil venha a ser,

66 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 28 de abril de 1970. 67 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 29 de abril de 1971.

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efetivamente, a comunidade de todos”. “Terminada a aprovação desta magnífica moção,...” 68.

Nos anos de maior repressão e popularidade da ditadura, o governo Médici, a

promessa de uma nação livre, próspera e feliz, vivida com entusiasmo pela instituição

que, ao mesmo tempo, não deixava de defender a liberdade de expressão. A magnífica

moção embebida em princípios da ditadura, aprovada pelo aplauso unânime dos que se

acreditavam na trincheira da liberdade. O Brasil rumo a alcançar a sua vocação de

fraternidade e paz, que, na época, rimava com ausência de vozes dissonantes, a paz da

intolerância, a paz dos cemitérios, tal qual a conquistada por Duque de Caxias.

Marco Morel, jornalista e historioador, neto de Edmar Morel, tendo “vivido como

adolescente e jovem alguns desses episódios” na ABI, acredita, entretanto, que a

evocação da imagem do patrono do exército teria sido mais

“um recurso de retórica repetido na época, uma maneira de chamar às falas os militares, de reivindicar anistia sem parecer subversivo e incorrer no risco de repressão. (...)Creio que não significava, necessariamente, adesão à figura de Caxias e aos militares que governavam, mas sim uma instrumentalização de sua figura histórica, uma tentativa de reinvenção de memória, um mal arranjado Cavalo de Tróia”69. Envolta nestas referências, aprovou-se mais uma proposta, em 1973, evocando,

não apenas o patrono do exército, mas também Ruy Barbosa:

“Aprovado louvor a Ruy Barbosa, proposto por João Antônio Mesplé”, lembrado em seu combate pela anistia no passado. “Pelos jornais, na tribuna parlamentar, perante os tribunais, sucedem-se apelos à fraternidade, à harmonia, ao entendimento nacional. A anistia é o remédio que ele [Ruy Barbosa] não se cansou de apontar, como indicado para devolver ao País a tranqüilidade necessária. É preciso retroceder ao Duque de Caxias para encontrar em nossa história, exemplo tão expressivo de apego à anistia política” 70.

A ABI fazendo das palavras do regime as suas. Eliminadas e controladas as

oposições, o regime legitimado socialmente, cuja popularidade podia ser ouviada nos

estádios lotados clamando o nome do general, a anistia selaria a tranqüilidade da nação,

68 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 27 de abril de 1972. 69 Email enviado por Marco Morel à DR, em 11 de julho de 2007. 70 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 26 de abril de 1973.

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coesa, fraterna, harmônica, conciliada no presente, assumindo sua vocação, eliminando

as barreiras que dividem, esquecendo e confraternizando, comungando do júbilo

patriótico do povo e do governo brasileiro, empenhada em complementar a

Independência política pela emancipação econômica, em processo de ser alcançada. A

comunidade de todos! Afinal, Nunca fomos tão felizes, dizia o slogan da AERP.

Por fim, na última referência à anistia, no período estudado, apelando à

conciliação, o conselheiro José Talarico referi-se à anistia como ato religioso: “dia 25

último, ao iniciar-se o Ano Santo, S.S. Paulo VI considera o ano da conciliação,

conclamando que, no período que irá até o Natal de 1975, as nações de todo o mundo

concretizem a anistia aos presos políticos para maior significação desse evento

católico”71.

****

O desempenho da ABI na defesa da liberdade de imprensa e de jornalistas

atingidos pelo regime parece não ter sido uma unanimidade nas discussões das reuniões

da instituição. Em junho de 1966, o conselheiro Raul Floriano “fazia restrições à

Diretoria da ABI quanto à ação da entidade em defesa da liberdade de imprensa e de

jornalistas atingidos por medidas restritivas ao desempenho da profissão”. Elmano Cruz,

então presidente do Conselho, rebateu as acusações: “jamais a Diretoria da ABI ou a

Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e do Livro se omitiram no que toca a sua

atuação em defesa dos jornalistas presos ou ameaçados”. Em seguida, instaurou-se

acirrado debate contra a posição de Raul Floriano e em defesa do empenho da Comissão

de Defesa da Liberdade de Imprensa e do Livro, presidida pelo presidente do Conselho

Administrativo, Elmano Cruz, na luta a favor da liberdade de imprensa e de jornalistas

presos. “O Conselheiro Raul Floriano voltou a falar citando alguns exemplos de

jornalistas cerceados que, no seu entender, não tiveram a devida defesa por parte da

ABI”, dizendo, mais adiante que “ ‘sofremos um pouco de descrédito’ em face das

omissões por ele citadas”. Foi marcada, então, uma reunião extraordinária do Conselho

Administrativo para o dia 7 de julho de 1966 para discutir especificamente as denúncias

de Raul Floriano72.

71 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 27 de dezembro de 1974. 72 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 28 de junho de 1966.

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Nesta reunião de julho, Raul Floriano chamava atenção para a parcialidade com a

qual a ata da reunião anterior havia sido escrita, com a omissão de suas réplicas no debate

que se seguiu às suas denúncias. Explicava, então, que sua moção encaminhada na

reunião anterior e que motivara o debate, “foi inspirada pelas cassações de credenciais

[de jornalistas] ocorridas em maio e junho últimos [1966], quase todas divulgadas pela

imprensa, mas nenhuma verberada por essas entidades [ABI, Comissão de Defesa e

Conselho Administrativo]”. Raul Floriano protestou ainda contra a omissão na ata da

reunião anterior, da

“explicação feita pelo Presidente Danton Jobim, que disse não ser de seu feitio trazer para a publicidade os fatos ocorridos na administração de seu jornal ‘Última Hora’, mas que, citado esse nominalmente pelo Conselheiro Raul Floriano, se sentia no dever de confirmar que a Presidência da República afastou o repórter credenciado João B. Serra, alegando ter ele assinado em março último um manifesto com mais de mil assinaturas de solidariedade aos intelectuais presos por ocasião da Conferência Interamericana”73.

Por fim, o Conselho, “tomando conhecimento de novas cassações de credenciais

de representantes de jornais” resolveu tomar providências junto aos setores da

administração pública. Em agosto de 1966, Raul Floriano, voltou a criticar a ação da

Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e do Livro74.

O mesmo Raul Floriano propunha ao Conselho, em janeiro de 1967, constar em

ata

“um voto de louvor aos Srs. Roberto Marinho, João Dantas, Helio Batista, Adolfo Bloch, Hélio Fernandes, Tenório Cavalcanti e Enio Silveira que, em seus jornais, revistas e editora tomaram conhecimento da situação precária em que ficaram colocados redatores e escritores seus que caíram no desagrado do Governo passado e os mantiveram em suas funções, amparando-os, não os privando do que auferiam com seu trabalho. Essas atitudes não devem cair no olvido e merecem ser aplaudidas por sua nobreza e desassombro. Por isso, requeiro que, além do voto de louvor, a ‘O Globo’, ‘O Diário de Notícias’, ‘Correio da Manhã’,

73 Ata da Reunião extraordinária do Conselho Administrativo da ABI de 7 de julho de 1966. Em relação às denúncias de parcialidade e omissões na redação da ata de Raul Floriano, é curioso o ato falho que o relator comete: “O presidente Elmano Cruz declarou que mandaria cortar da Ata os reparos, digo, constar da Ata os reparos”. 74 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 23 de agosto de 1966. Ainda sobre possíveis omissões da ABI em relação à defesa de jornalistas perseguidos, em maio de 1969, “O Conselheiro José Maria Neves observou que não tinham razão os que acusaram a ABI de omissa no caso de medidas oficiais tomadas contra jornalistas, mas que esta crítica deveria ser dirigida ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Guanabara e à Federação dos Jornalistas Profissionais, que de fato se têm omitido ante tais ocorrências”. Reunião extraordinária de 12 de maio de 1969.

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‘Manchete’, ‘Tribuna da Imprensa’, ‘Luta Democrática’e ‘Editora Civilização Brasileira’, acima referidos os seus diretores, que seja comunicado um ofício a cada um. (...). Esta proposta foi aprovada por unanimidade”75.

Entre as empresas e empresários estão periódicos e jornalistas identificados com o

regime e contrários a ele. Uns e outros teriam amparado jornalistas atingidos pela

repressão, merecendo, portanto, a saudação. Com este critério, homenageavam-se

também veículos que respaldavam o governo e seus princípios, entre eles, o cerceamento

à liberdade de expressão.

Alguns meses depois, em maio, o conselheiro Ivo Arruda propôs “que o Conselho

se congratule com o jornalista Roberto Marinho por haver recebido o título de Cidadão

Honorário de Belo Horizonte”. Assim, o responsável pela rede de meios de comunicação

mais importante do país, que desempenhou um papel destacado de apoio aos militares no

momento do golpe e na implantação da ditadura, era, uma vez mais, merecedor dos

aplausos da ABI76.

****

Em abril de 1971, através do projeto de lei do deputado Bilac Pinto, do qual se

originou a lei no 4.319, foi criado o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana,

“que se destina a assegurar a plenitude de tais direitos através do funcionamento de um

órgão específico, capaz não só de promover inquéritos sobre possíveis violações, como

de garantir a divulgação do conteúdo de cada um desses direitos e de contribuir para o

seu aperfeiçoamento” 77. A ABI participou do Conselho.

Entretanto, antes mesmo de terminar o ano, em dezembro, a ABI iniciava uma

discussão interna que se estendeu nos anos seguintes: devia ou não se retirar do Conselho

de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, “tendo em vista a recente lei denominada Rui

Santos que, dentre outras medidas, torna sigilosas as reuniões do mencionado

organismo”. Danton Jobim afirmava, então, que a ABI fora contra a decisão pelo sigilo e

no senado federal condenou o projeto. No MDB, comunicou seu ponto de vista contrário

à retirada da representação da ABI do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa

Humana. Danton Jobim se diz informado de que nem o MDB nem a OAB se retirariam

75 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 31 de janeiro de 1967. 76 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 30 de maio de 1967. 77 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 29 de abril de 1971

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do organismo. Propunha, então, que a ABI se mantivesse no posto, o que não implicava

estar de acordo com o sigilo: “não deve abrir mão de um posto que lhe foi conferido por

lei e que pode servir , como tem servido, a denúncias de abusos contra a liberdade de

imprensa e as pessoas dos jornalistas”. Defendia “que não se cale mais uma voz de

protesto diante de quaisquer arbitrariedades que se cometam contra jornais e jornalistas,

motivo por que é contrário à retirada da ABI do Conselho de Defesa dos Direitos da

Pessoa Humana”. A posição de Danton Jobim venceu a do conselheiro Fernando

Segismundo, pela retirada, devido ao sigilo, por 18 a 14 no Conselho Administrativo78.

Em setembro de 1972, o conselheiro Antônio Carbone referia-se ao caso do

Estado de São Paulo, incomodado pela censura e pela polícia. Leu o telegrama que o

diretor do jornal, Ruy Mesquita, enviara ao ministro da Justiça Alfredo Buzaid:

“Parece incrível que os que decretam hoje o ostracismo forçado dos próprios companheiros de Revolução, que ocuparam ontem os cargos em que se encontram hoje, não cogitem de 5 minutos do julgamento da História. O Senhor, Sr. Ministro, deixará de sê-lo um dia. Todos os que estão hoje no poder dele baixarão um dia e, então, Sr. Ministro, como aconteceu na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, ou na Rússia de Stalin, o Brasil ficará reduzido à verdadeira história deste período em que a Revolução de 1964 abandonou os rumos traçados pelo seu maior líder, o Marechal Castelo Branco, para enveredar pelos rumos de um caudilhismo militar, que já está fora de moda inclusive nas repúblicas hispano-americanas”79.

O tom agressivo e mesmo as comparações entre o nazismo, o fascismo e o

stalinismo com a ordem vigente são surpreendentes. Mas Castelo Branco era diferente,

encarnava os ideais da revolução que se perderam. Assim, o golpe se justificara, nada

tinha a ver com o que veio depois. Ao saudar o maior líder, saudava-se o seu maior feito:

o golpe. Aqui, a interpretação que via um fosso entre a linha branda e a linha dura, sem

compreender que uma e outra se complementavam, e que a combinação desta tensão

78 Ata da Reunião extraordinária do Conselho Administrativo da ABI de 17 de dezembro de 1971. Embora a ABI tenha mantido sua representação no Conselho de Defesa da Pessoa Humana, a discussão sobre a posição apareceram nos anos seguintes. Cf. Ata da reunião ordinária de 27 de abril de 1972, por exemplo. Cf. também a ata de 25 de setembro de 1973, com destaque para o conselheiro Hélio Silva em defesa da retirada da ABI no Conselho, enquanto fosse mantido o sigilo. O presidente da ABI, então, Adonias Filho, manteve a posição de seu antecessor, Danton Jobim. 79 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 26 de setembro de 1972.

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pôde ser resolvida por muito tempo e, na verdade, permitia, entre outros fatores, a própria

longevidade do regime80.

****

O conselheiro Carbone denunciava em maio de 1973, “o ex-conselheiro Acioli

Lins [que] se encontra em Brasília procurando entender-se com senadores e Deputados,

aos quais declara que na ABI alguns associados exercem atividades subversivas”81. Um

mês antes, o sócio João Antônio Mesplé revelara que ele e outros colegas haviam sido

delatados por Acioly Lins82.

Quando houve o golpe de Estado no Chile, o conselheiro José Gomes Talarico

mobilizou-se no sentido de ajudar jornalistas exilados no país e os que se encontravam

em situação provisória na Argentina, tentando asilo para partir. “Não desejamos aqui

entrar em apreciações políticas sobre as situações vigentes no Chile ou na Argentina. Não

nos cabe e não desejamos ter esse procedimento. Respeitamos a soberania de cada país”,

afirmou, ao mesmo tempo em que atuava junto às famílias, a advogados, tentando acionar

o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana 83.

Em fins de 1974, “o Conselheiro José Talarico, ao comunicar o regresso ao País

do Dr. Darcy Ribeiro, a fim de se submeter a uma operação de urgência, solicitou, com

apoio do Conselho, que seja enviada mensagem de agradecimento ao Sr. Presidente da

República e por ter proporcionado o regresso à Pátria, em tais condições, daquele

cientista brasileiro”84. Assim, expressava satisfação com a volta um exilado político e

prestava reverência ao governo, que a permitia, o mesmo governo que o expulsara.

Devia-se agradecimento a ele. 80 Cf. Sebastião Velasco e Cruz e C. E. Martins. “De Castello a Figueiredo: uma incursão na pré-história da abertura”, in B. Sorj e M. H. Almeida (orgs.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo, Brasiliense, 1983. 81 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 22 de maio de 1973. 82 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 26 de abril de 1973. Em matéria sobre a eleição para renovação de um terço do Conselho administrativo da ABI, a ser realizada no dia 27 de abril de 1973, o Jornal do Brasil avaliava que a chapa de oposição, que disputava com o senador Danton Jobim a presidência, tinha poucas chances de vencer, pois estava encabeçada por Antônio Acioly Lins, sobre quem pesava “o fato de ter enviado, no ano passado, uma carta a autoridades policiais, denunciando como ‘subversivos’ diversos membros da ABI, o que ocasionou, em dezembro, a prisão de alguns de seus diretores”. Na chapa de Acioly, estavam ainda Henrique Pongeti, Raimundo Magalhães Júnior, Cristóvão Breiner, José Calheiros Bonfim, Alves Pinheiro, Martins Capistrano, Canor Simões Coelho, Jorge Freitas Batista, Reinaldo Santos, Arnaldo Niskier, Mário Magalhães, Max do Rego Monteiro, Raul Lino Goulart, Paulo de Barros Vieira e Raul Floriano. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 26 de abril de 1973, 83 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 27 de novembro de 1973. 84 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 27 de dezembro de 1974.

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Em outubro de 1973, de acordo com decisão do Conselho Administrativo, o seu

presidente, desembargador Elmano Cruz, se dirigia ao presidente Médici:

“Excelentíssimo Senhor presidente: O Conselho Administrativo da ABI, ..., vem submeter ao alto conhecimento de Vossa Excelência o assunto que se faz desordenadamente, sem que haja uniformidade de critérios ou de orientação ética na sua aplicação. As coisas mais estranhas ocorrem com o Serviço de Censura que, talvez porque venha sendo exercido por pessoas não capacitadas para tão alto mister, longe de atingir sua alta finalidade, desfigura e distorce o retrato que do governo de Vossa Excelência faz o povo brasileiro em geral e a imprensa em particular. Vossa Excelência deve sentir certamente a grande popularidade de que desfruta o seu governo em todas as camadas sociais e a ação ineficaz e inoperante de servidores encarregados da censura não deve e não pode destruir este ‘status’ ”. 85 Na mensagem, a percepção comum também nas esquerdas de que a censura

encontrava-se em mãos incompetentes86. Para Elmano Cruz, provavelmente, o general

não estava a par da situação, era preciso alertá-lo. A censura em si tinha uma alta

finalidade. A grande popularidade do governo, em todas as camadas sociais, observada

pelo desembargador, não deve e não pode ser destruída por uma censura mal executada

por funcionários ineficazes, inoperantes.

Nestes termos, encaminhou-se ao presidente o relatório da “Comissão de alto

nível”, chefiada pelo ex-ministro de Estado e do Supremo Tribunal Federal, Cândido

Motta Filho, da Academia Brasileira de Letras. Faziam parte da Comissão ainda o

também acadêmico Barbosa Lima Sobrinho,

“além de outros jornalistas militantes – para o fim de verificar os excessos no exercício da censura e levá-los ao conhecimento do Governo, de forma a permitir uma revisão dos métodos a serem adotados”. (...). “Ousa o Conselho Administrativo da ABI esperar do espírito democrático do Governo a corrigenda dos métodos atualmente adotados e, por isso, encarece a Vossa Excelência, por seu intermédio, se digne, uma vez lido o relatório anexo, determinar ao Exm° Sr. Ministro da Justiça a revisão e unificação dos critérios da censura à imprensa, se e quando for necessária, com o que certamente se

85 Boletim do Conselho Administrativo da ABI, n. 6, outubro de 1973. 86 O equívoco desta percepção foi trabalhada em Maria Aparecida de Aquino. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978). O exercício cotidiano da dominação e da resistência. O Estado de S. Paulo e Movimento. Bauru, EDSC, 1999. Anne Marie Smith. Um acordo forçado. O consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro, EdFGV, 2000 Carlos Fico. “Espionagem, repressão, propaganda e censura: os pilares da ditadura”, in Jorge Ferreira e Delgado, Lucília de Almeida Neves Delgado (orgs.). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura. Vol. 4. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003 Beatriz Kushnir. Cães de guarda. Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo, Boitempo, 2004.

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engrandecerá o Governo da República Federativa do Brasil chefiado por Vossa Excelência. “Queira Vossa Excelência receber nesta oportunidade os meus votos de próspera e feliz administração futura” 87.

IV - Celso Kelly, presidente e interventor

Na primeira ata em que aparece como presidente, em 27 de agosto de 1964, Celso

Kelly relatou que o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony o procurara solicitando que

depusesse, na qualidade de presidente da ABI, como testemunha no inquérito ao qual

estava submetido. Com o apoio da Diretoria, segundo afirmou, recusara a solicitação, por

“não haver o precedente de o presidente da ABI interferir em processos como

testemunha”; alegava ainda “as relações oficiais que devem ser mantidas em alto estilo

para efeito de as reivindicações da ABI lograrem êxito”88. Contra tal posição se

levantaram os conselheiros Ivo Arruda e Etcheverry, propondo que o Conselho

manifestasse a Cony “toda sorte de assistência durante o processo”. A proposta foi

aprovada por unanimidade, apesar da posição de Kelly e da diretoria 89.

Já na ata seguinte, da reunião de 24 de setembro, o presidente do Conselho e da

Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa, Elmano Cruz, congratulava-se com o

jurista Nelson Hungria, do Supremo Tribunal Federal, pela concessão de habeas corpus a

Cony ao ser processado segundo a Lei de segurança nacional. Entretanto, não há menção

se a ABI, na figura de Celso Kelly ou mesmo de outro representante depôs no inquérito.

Na ata de 19 de outubro de 1965, em que há o registro da aprovação por

unanimidade da proposta dirigida ao congresso nacional em defesa da legislação de

imprensa em vigor, no sentido da preservação da liberdade de imprensa, “fundamental na

vigência do regime democrático no Brasil”, pode-se ler também a discussão a respeito da

intervenção do Ministério do Trabalho no Sindicato dos Jornalistas, tendo à frente o

próprio presidente da ABI, Celso Kelly:

“O conselheiro Belfort de Oliveira refere-se ao que ocorreu no Sindicato dos Jornalistas Profissionais, por ocasião de sua entrega aos interventores designados pelo Ministro do Trabalho, lamentando a maneira deselegante e humilhante para a Diretoria afastada com que procederam, tendo no decorrer de sua oração aludido à

87 Boletim do Conselho Administrativo da ABI, n. 6, outubro de 1973. 88 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo de 27 de agosto de 1964. 89 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 27 de agosto de 1964.

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renúncia do Conselheiro Celso Kelly que, convidado, havia aceitado a sua designação como um dos interventores. Assim, solicita que o Conselho aprove o protesto, que faz, por tais acontecimentos. O Conselheiro João Antonio Mesplé, com a palavra, faz considerações sobre o caso da intervenção do Ministério do Trabalho no Sindicato dos Jornalistas Profissionais, manifestando-se contra o protesto apresentado, por entender que a Associação Brasileira de Imprensa nada tem a ver com as questões internas de suas congêneres, devendo, assim, conservar-se eqüidistante dos acontecimentos ocorridos naquele Sindicato, narrados pelo Conselheiro Belfort de Oliveira. Refere-se ao seu caso na Federação dos Jornalistas, declarando que dele não fez ciente a Associação Brasileira de Imprensa, de acordo com o seu ponto de vista. Encerrada a discussão, é o protesto submetido à votação, sendo rejeitado. O Conselheiro Raul Floriano absteve-se de votar, pelo motivo que expôs. O Conselheiro Celso Kelly, com a palavra, declara de início que não havia dado ciência do caso de sua renúncia como um dos intervencionistas, digo, dos indicados pelo senhor Ministro do Trabalho para ser interventor no Sindicato dos Jornalistas Profissionais, por entender que a Associação Brasileira de Imprensa nada tinha a ver com o fato, pois a sua indicação recaiu no jornalista e não no presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Entretanto, como o Conselheiro Belfort de Oliveira ao lançar o seu protesto sobre as ocorrências verificadas naquele sindicato por ocasião de sua entrega aos interventores designados, houvesse feito referência ao caso de sua renúncia, resolve explicar os motivos da mesma, fazendo um relato dos fatos que culminaram com o seu voluntário afastamento” 90. Assim, Celso Kelly, presidente eleito por seus confrades, em 1964, não

considerava pertinente depor a favor de um colega atingido pelas leis de exceção, sendo,

porém, pertinente desempenhar o papel de interventor do governo no Sindicato dos

Jornalistas. Como se viu, pouco antes de terminar o mandato, em fevereiro de 1966,

Kelly renunciou para assumir cargo no governo, a direção do Departamento Nacional de

Ensino, do Ministério da Educação.

No mesmo dia em que houve a discussão sobre o fato de o presidente da ABI ser

interventor do governo no sindicato dos jornalistas intervenção, o Conselheiro Fernando

Segismundo propunha um “voto de simpatia ao confrade” Pompeu de Souza, que acabara

de ter seu contrato na Universidade de Brasília rescindido. O jornalista fora o responsável

pela criação e direção da Escola de Jornalismo da UnB até então. Ao fazer a proposta,

referiu-se à “crise universitária”, “em cujo mérito o orador não deseja entrar”91. Aprovou-

se, então, a proposta com as abstenções dos Conselheiros Raul Floriano e Celso Kelly.

90 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 19 de outubro de 1965. 91 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 19 de outubro de 1965.

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Floriano alega como justificativa de sua posição o mesmo comportamento quanto à

questão do sindicato. Celso Kelly

“declara que, integrando o quadro dos membros do Conselho Federal de Educação, não lhe fica bem tratar da matéria num foro estranho, sugerindo que se aguardasse o retorno dos conselheiros enviados a Brasília para informarem ao Ministério da Educação sobre os acontecimentos e que à vista dos seus informes melhor se poderia manifestar a Associação Brasileira de Imprensa”92.

Não por ironia, em seguida a este debate, ainda o conselheiro Segismundo propôs

um voto de congratulações ao XIX Congresso Brasileiro de Esperanto, que se realizava

no então estado da Guanabara, língua cujo ideal é “harmonizar povos e nações por meio

de uma língua comum”. Aqui houve unanimidade na aprovação da proposta.

Na reunião de 18 de janeiro do ano seguinte, 1966, o presidente Celso Kelly leu a

carta de renúncia de Belfort de Oliveira – o mesmo que discutira no conselho a

intervenção no sindicato - ao mandato de conselheiro. A assembléia aceitou a renúncia e

repudiou por unanimidade os “termos desprimorosos” e “desaforados” do documento,

não transcrito em ata.

Já na reunião seguinte, em fevereiro, era Celso Kelly que renunciava à presidência

ao ser “convocado para dirigir um setor do Ministério da Educação”. Na ata, as palavras

da carta de renúncia:

“Faço votos por que Deus nos esclareça em todas as nossas deliberações e de que se assegure a todo e qualquer sócio liberdade de opinião e de crítica, tal como não nos cansamos de preconizar plena liberdade de imprensa. Seja chegado o momento de a ABI se dinamizar ao máximo, quer na parte de estudos, quer na recreativa, quer na assistencial”93. Desta forma, Kelly deixava a presidência da ABI para entrar no governo.

A trincheira inexpugnável

Em 1985, Edmar Morel lançou o livro A trincheira da liberdade: a história da

ABI. Esta história é contada a partir de seus presidentes e mandatos, desde a sua criação.

92 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 19 de outubro de 1965. 93 Ata da Reunião ordinária do Conselho Administrativo da ABI de 10 de fevereiro de 1966.

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Em 1979, Morel recebera o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos,

concedido pelo Sindicato de Jornalistas Profissionais de São Paulo. Em todo o período da

ditadura, fora conselheiro da instituição, participando também da Comissão de Defesa da

Liberdade da Imprensa e do Livro.

“meu objetivo”, dizia, “é mostrar às novas gerações de jornalistas o trabalho da ABI em prol das Liberdades Públicas, trabalho que tem custado sacrifícios de toda ordem e que o terror pensa destruir, com bombas incendiárias. A ABI está de pé com sua bandeira desfraldada, desafiando as ditaduras que infelicitaram o Brasil” 94.

Hélio Silva, outro conselheiro igualmente atuante nos tempos dos governos

militares, escreveu o prefácio “A História dos que escrevem a História”:

“Trincheira da liberdade [a ABI] mantida a todo o preço através da história; resistindo a tudo e a todos nos períodos negros em que a liberdade esteve eclipsada pela força, a ABI figura na vanguarda de todas as campanhas dignas, ontem e hoje, quando primeiro se ergueu contra a violência, a tortura, o desrespeito aos direitos humanos. “A ela justaram-se outras forças nobres, a Igreja, a OAB, os verdadeiros democratas. “Esta é a história dos que escrevem a história, no relato dos acontecimentos, no desfile dos jornalistas ilustres que se sucedem na presidência da ABI” 95.

A Gerardo Mello Mourão coube a “Introdução”. Fala de ditadores e do papel que

os jornalistas vêm desempenhando na história do Brasil, enfrentando as perseguições. “A

trincheira da liberdade, a longa luta em defesa da liberdade de pensar e opinar da qual a

ABI é um símbolo de resistência, conciliação e negociação política”. Na lista de

ditadores, Artur Bernardes, Floriano Peixoto, Vargas, Dutra, Castelo Branco, Médici 96.

Na orelha do livro, José Nilo Tavares estende os enfrentamentos dos jornalistas ao

povo, referindo-se à “... capacidade de resistência e luta do nosso povo, em busca de dias

mais livres e tempos mais belos” 97. Da mesma forma, Edmar Morel atribuía ao povo, no

último ano de ditadura, o amor à liberdade: “Pela corajosa atuação da ABI, na sua luta

94 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 15. 95 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 18. 96 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 19. 97 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, orelha do livro.

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contra a prepotência que não respeita os Direitos Humanos, o povo brasileiro entregou à

ABI o Estandarte da Liberdade”98.

Fernando Segismundo, em ABI sempre, refere-se ao "destino democrático" da

Instituição, que funciona como "agente catalisador da democracia", como "o lugar certo

para o exercício da cidadania", o "bastião da legalidade", a "Casa da Liberdade e dos

Direitos Humanos", "escoteira na defesa do estado de Direito": "seu papel no

restabelecimento e na manutenção do regime democrático só pode merecer a deferência,

o incentivo e a melhor expectativa da categoria profissional e do povo". 99

****

As ditaduras, os regimes autoritários não se sustentam exclusivamente por meio

da repressão. São produtos da própria sociedade e, portanto, não lhe são estranhos.

Legitimam-se em expressivos segmentos sociais. Ou, ainda, se sustentam na zona

cinzenta, o espaço entre apoio e rejeição, o lugar no qual é possível atuar nos dois

sentidos.

Para compreendê-la, Pierre Laborie formulou o conceito de penser-double: "o lugar preponderante tomado pela ambivalência é um traço majoritário das atitudes dos franceses sob Vichy. (...). As alternativas simples entre pétainisme e gaullisme, resistência e vichysme, ou resistência e colaboracionismo fornecem apenas imagens redutoras da experiência dos contemporâneos (...). Sem procurar diminuir a importância do julgamento moral na apreciação dos comportamentos, .... a idéia de ambivalência é de uma outra natureza. Ela abre outras portas para o historiador e alarga suas possibilidades de análise. Ela permite não mais pensar apenas as contradições em termos antagônicos - resistentes ou pétainistes, gaullistes ou attentistes... - mas de ultrapassá-los, interrogando-se sobre o que procuravam dizer, para além das pseudo-evidências do sentido aparente. (...). Os franceses, na maioria, não foram primeiramente vichystes depois resistentes, pétainistes depois gaullistes, mas eles puderam ser, simultaneamente, durante um tempo mais ou menos longo, e segundo o caso, um pouco os dois ao mesmo tempo. Em uma recente entrevista, Simone Veil lembrava as dificuldades para dominar agora a complexidade do período, e indicava, a propósito dos franceses, ‘alguns se comportaram bem, outros mal, muitos os dois ao mesmo tempo. [...] isto não era tão simples como se apresenta hoje’ "100.

98 Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985, p. 209. 99 Fernando Segismundo. ABI sempre. Rio de Janeiro, Unigraf, 1998, pp. 59, 135, 60, 141, 138, respectivamente. 100 Pierre Laborie. Les Français des années troubles. De la guerre d' Espagne à la Liberation. Paris, Seuil, 2003, pp. 31-32.

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Pensado para compreender os franceses sob Vichy, acredito que o conceito pode

contribuir muito na reflexão de outras experiências históricas. Ele rompe com os campos

bem definidos – as trincheiras.

As referências e os valores autoritários da ditadura civil-militar não eram

estranhos à sociedade. A memória coletiva segundo a qual a resistência foi a tônica

daqueles anos, que a sociedade repudiara os princípios e as práticas da ditadura é uma

construção a posteriori, a absolver apoios, compromissos, omissões, duplicidades da

zona cinzenta. A memória coletiva que permitiu Ulysses Guimarães, em discurso na

promulgação da constituição de 1988, exclamar: “Temos ódio e nojo à ditadura. Ódio e

nojo!” 101.

Inspirada em Laborie, diria que a ABI não foi, primeiro, defensora dos militares e,

depois, resistente à ditadura, como o foi Ulysses Guimarães. A recuperação das

discussões e embates, cujo eixo foi a liberdade de expressão e de jornalistas, até o

desencadeamento do projeto de abertura política Geisel-Golbery, indica que esteve bem

mais próxima do penser-double do que da trincheira inexpugnável. Não era coesa,

abarcava embates que desapareceram na memória. Mas, sobretudo, era ambivalente,

capaz de ser a favor e contra os governos militares ao mesmo tempo.

Assim, se a ABI denunciava as prisões de jornalistas, perseguidos por suas idéias,

atuava para que fossem libertados, mantinha relações com os governos militares, os

celebrava em homenagens, banquetes etc., e identificava-se com valores e princípios que

os definiam. Durante a ditadura e depois do seu fim, muitos que estiveram no campo da

resitência democrática argumentaram que esta duplicidade fora um recurso encontrado

para combater o regime por dentro. Esta posição, entretanto, não pode ser entendida

exclusivamente pela impossibilidade de se fazer de outra maneira sob uma ditadura ou

para evitar o isolamento da Instituição, visando a uma atuação concreta.

A história da ABI nestes anos é a história da defesa da liberdade de expressão e

também a história destas relações cinzentas com a ditadura. Esta ambivalência estrutura a

Instituição nestes dez anos e não se explica, exclusivamente nem sobretudo, em função

de uma disputa entre grupos, facções ou tendências. Trata-se de uma realidade dentro dos

101 Citado por Gustavo Alves Alonso Ferreira. “Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga”. Wilson Simonal e os limites de uma memória tropical. Dissertação de mestrado apresentada ao PPGH-UFF, 2007.

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grupos, facções ou tendências; de uma realidade que define individualmente muitos dos

membros da ABI, que dá o tom às suas atuações.

Em Herbert Moses, cuja longa gestão é sempre lembrada como "época de fastígio

e glória da ABI" – e, como disse, o fato de durar 33 anos não parece ter sido um

problema -, pode-se encontrar a personificação do duplo, que caracterizou a atuação de

grupos, tendências e indivíduos: "De dia freqüentava Getúlio Vargas e os ministros de

Estado; à noite soltava confrades detidos pela polícia política de Filinto Müller"102. Sem

contradições. Ou saltando sobre elas. Esta ambivalência ocorreu no Estado Novo, está

presente na memória destes anos (1937-1945) e permanece depois. Danton Jobim, na

última ditadura, encarnava a ambivalência, recebendo Costa e Silva para comemorar os

sessenta anos da ABI, o mesmo Danton Jobim, jornalista, presidente da Instituição e

senador do MDB, defensor da liberdade de expressão, das liberdades civis. Apesar das

críticas e oposições que a presença do general suscitou, esta duplicidade não lhe era

exclusiva. Ao contrário, definiu as variadas tendências em disputa na ABI.

Recuperar esta história, desconstruir a memória unipolar, sem ambivalências, é

romper com as versões entrincheiradas, muradas em campos bem definidos. É superar as

confortáveis dicotomias, os fáceis maniqueísmos. É refletir por que a lenda se tornou

realidade. É explicar sua capacidade mobilizadora e impulsionadora da ação política

concreta. É, enfim, compreender culturas políticas que explicam os vinte e um anos de

ditadura, a lenta transição de onze anos, sempre sob o controle dos militares e/ou dos

antigos políticos da ARENA. É desvendar a construção da memória que excluiu os civis

do golpe e da ditadura, que persiste e insiste em desconhecer a história, fechando, assim,

os caminhos para a compreensão do presente.

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102 Fernando Segismundo. ABI sempre. Rio de Janeiro, Unigraf, 1998, p. 139. O cap. 19, " A serviço da pátria", é dedicado a Herbert Moses, saudado como grande impulsionador da ABI. Em Edmar Morel, igualmente, um capítulo é dedicado a Moses, cap. III, "Herbert Moses, o consolidador". Cf. Edmar Morel. A trincheira da liberdade. A história da ABI. Rio de Janeiro, Record, 1985.

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