a memÓria como construÇÃo da fÉ: cultura política e imprensa evangélica na igreja assembleia...

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Pretende-se analisar de que forma a memória foi utilizada ao longo da história da Igreja Assembleia de Deus, como construção e legitimação da fé dos fiéis. Para tanto, discutiremos os meios encontrados para que esta memória fosse coletiva, seletiva e permeada por subjetividade dos sujeitos que a vivenciaram, elencando como duas vertentes principais, a política e a imprensa ao longo do período do governo dos militares no Brasil.

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  • REVISTA HISTORIAR

    Elba Fernandes Marques Mota

    Doutoranda em Histria pela Universidade Federal do

    Estado do Rio de Janeiro UNIRIO. Bolsista CAPES

    Curso de Histria da Universidade Estadual Vale do Acara

    UVA

    A MEMRIA COMO CONSTRUO DA F:

    Cultura Poltica e Imprensa Evanglica na Igreja Assembleia

    De Deus.

    Resumo

    Pretende-se analisar de que forma a memria foi utilizada ao longo da histria da Igreja Assembleia de Deus, como construo e legitimao da f dos fiis. Para tanto, discutiremos os meios encontrados para que esta memria fosse coletiva, seletiva e permeada por subjetividade dos sujeitos que a vivenciaram, elencando como duas vertentes principais, a poltica e a imprensa ao longo do perodo do governo dos militares no Brasil.

    Palavras-Chave: Assembleia de Deus, Ditadura Civil Militar, Memria, Poltica, Imprensa.

    Abstract

    We intend to analyze how the memory was used throughout the history of the Assembly of God Ghurch, as construction and legitimation of the faith of the faithful. To do so, we discuss the means found for this collective memory was selective and permeated by subjectivity of the experienced, listing as two strands, politics and the press over the period of the military government in Brazil.

    Keywords: Assembly of God, Civil Military Dictatorship, Memory, Politics, Press.

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    J havamos pensado nisso No percebemos que somos apenas um eco. Maurice Halbwachs. Memria Coletiva.

    1. Introduo:

    Na atualidade, a Assembleia de Deus enquanto instituio religiosa possui uma

    historicidade prpria, com nmeros contundentes e representao poltica com forte poder de

    atuao e arregimentao de votos. Segundo os nmeros referentes ao censo de 2010, divulgados

    pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), 22,2% da populao brasileira se declara

    evanglica, e destes, 13,3% denominaram-se pentecostais, sendo 12.314.410 milhes

    representantes da Assembleia de Deus. Esta quantidade expressiva de fiis representa um

    crescimento de 48% em 10 anos. Em 2000, o nmero de assembleianos era de 8,4 milhes. Uma

    dcada depois, houve um acrscimo de 3,9 milhes de novos membros.

    Estes nmeros, alm de demonstrarem a visibilidade que a Assembleia de Deus possui no

    Brasil em razo da quantidade de membros que agrega, tambm demonstra a necessidade de

    compreend-la enquanto objeto de estudo bastante profcuo na problematizao de nossa histria

    recente. Tendo em vista que a mesma possui uma historicidade particular, e, ainda, pelo fato da

    Igreja ter vivenciado praticamente todo o sculo XX em nosso pas em 2011, seus membros

    comemoraram o seu centenrio de fundao, ocorrido em Belm do Par, em 1911.

    De que forma a maior Igreja protestante brasileira conseguiu alcanar esta situao? Quais as

    estratgias construdas? nosso objetivo ao longo deste artigo pontuar por quais mecanismos a

    memria da Igreja Assembleia de Deus se construiu, e de que forma colaborou para a forte atuao

    poltica presente por parte de alguns de seus membros nos ltimos pleitos eleitorais. Este interesse

    tem incio no comeo da dcada de 1960, e se desenvolveu ao longo dos prximos anos, com a

    consequente participao significativa de fiis assembleianos na Constituinte em 19861.

    Em anlise preliminar, notamos que o interesse em uma representao poltica surge nos

    principais peridicos produzidos pela instituio religiosa no perodo, o Jornal Mensageiro da Paz e

    a revista evanglica A Seara, ambos editados pela Casa Publicadora da Assembleia de Deus (CPAD)

    sua editora, que vem a ser maior da Amrica Latina dentre as religiosas.

    Utilizaremos artigos destas duas publicaes a fim de analisar a memria construda pela

    Assembleia de Deus, considerando o contexto histrico por que passava o pas, uma ditadura

    1 O episdio refere-se eleio no pleito de 1986, de 32 deputados federais evanglicos, que constituram a

    bancada evanglica, momento legitimador da entrada dos pentecostais no cenrio poltico nacional. Com a

    eleio de 13 representantes da Assembleia de Deus. Estudado extensivamente pelo socilogo ingls Paul Freston

    em sua tese de doutorado. Ver: FRESTON, Paul. Protestantes e poltica no Brasil: da Constituinte ao

    Impeachment. 1993. Tese (Doutorado em Cincias Sociais) Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais.

    Universidade Estadual de Campinas, So Paulo, SP, 1993.

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    militar, e o consequente perodo de redemocratizao especificamente, entre 1960 a 1990. nosso

    intuito apresentar o porqu de considerarmos a memria desta instituio religiosa enquanto

    coletiva e seletiva, no mesmo sentido de compreender de que forma o interesse em um

    envolvimento poltico por parte de alguns membros construiu a subjetividade a ser seguida pela

    maioria.

    2. Histria e Memria na Assembleia de Deus: A memria assembleiana se construiu por meio de um relato triunfalista e personificado

    nos grandes lderes, pois foi por meio destes que se propagou a expanso assembleiana, assim como

    a valorizao em ser crente da Assembleia de Deus. Para os fiis, fonte de orgulho e diferenciao

    por no compartilhar dos deslizes morais do resto do mundo.

    Destaca-se tambm a importncia dos escritos para os membros assembleianos. Esta nfase

    leitura por parte da A. D algo positivo. Atravs da leitura da Bblia, suas Escolas Dominicais2

    tornaram-se ao longo dos anos verdadeiros centros de alfabetizao para pessoas humildes como

    lavadeiras, empregadas domsticas, mecnicos, trabalhadores rurais, dentre outros. Pessoas simples

    que encontraram no espao assembleiano uma sada de seu cotidiano sofrido e simples.

    A Assembleia de Deus uma Igreja que hoje possui grande visibilidade, fala-se muito da

    denominao pentecostal, mas o qu a Assembleia fala de si mesma? Como ela se v e se

    compreende? nosso intuito assinalar o discurso oficial da Igreja Assembleia de Deus, produzido

    por sua casa publicadora (CPAD) onde se propagam as principais doutrinas e costumes a serem

    seguidos por seus membros, e consequentemente, determina a construo de sua memria.

    Entendemos assim, a concepo de discurso conforme a de Michael Foucault, (1996, p.10)

    para quem O discurso no simplesmente aquilo que traduz lutas ou os sistemas de dominao,

    mas aquilo por que, pelo que se luta o poder do qual nos queremos apoderar.

    No sentido de poder apreendido, que como percebemos utilizado pela forma como este

    transformado em discurso e apropriado por estes fiis, de que forma eles o absolveram,

    posicionamento que demonstra a importncia do conceito de apropriao formulado por Roger

    Chartier:

    No ponto de articulao entre o mundo do sujeito coloca-se necessariamente uma teoria da leitura capaz de compreender a apropriao dos discursos, isto , a maneira como estes afetam o leitor e o conduzem a uma nova norma de compreenso de si prprio e do mundo (...) da ao reconhecimento das prticas

    2 Encontros que ocorrem nos dias de culto aos domingos, em os fiis so divididos em grupos por crianas,

    mulheres e homens para estudarem e discutirem a Bblia. Para tanto, h a revista da Escola Dominical, editada

    tambm pela CPAD.

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    de apropriao cultural como formas diferenciadas de interpretao3.

    Cada leitor assembleiano apropriou-se de uma forma diferenciada do discurso ao qual teve

    acesso, iniciando assim, uma nova forma de ver o mundo, uma nova memria a ser construda ou

    mesmo legitimando um ritual j conhecido:

    O ritual define a qualificao que devem possuir os indivduos que falam (e que, no jogo de um dilogo, da interrogao, da recitao, devem ocupar determinada posio e formular determinado tipo de enunciados); define os gestos, os comportamentos, as circunstncias, e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso, fixa, enfim, a eficcia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem os limites de seu valor de coero (...). Os discursos religiosos no podem ser dissociados dessa prtica de um ritual que determina para os sujeitos que falam, ao mesmo tempo, propriedades singulares e papis preestabelecidos4.

    Por propriedades singulares e papis pr-estabelecidos, em nosso caso, entendemos a

    postura a ser seguida por um fiel assembleiano. Cada um destes deve incorporar os gestos e o

    comportamento esperado de sua funo. E, principalmente, legitimar um discurso e uma doutrina

    no sentido de convencimento e controle dos demais grupos.

    Dentro deste contexto, entendemos a memria construda na Igreja Assembleia de Deus

    dentro de um trip metodolgico, por esta ser coletiva, enquadrada, e seletiva. No sentido de

    preserv-la para que no haja o silncio e o esquecimento. Mas ao mesmo tempo a manipulando e

    demonstrando que no h nada de natural no processo de sua construo, nos possibilitando

    redimensionar o olhar lanado para seu passado.

    Nesta acepo, quando falamos em memria coletiva, em relao a uma instituio religiosa

    com as caractersticas da Assembleia de Deus, estamos nos baseando na concepo formulada por

    Maurice Halbwachs, em sua obra pstuma A memria coletiva, em que o mesmo faz afirmaes

    tais qual esta:

    muito comum atribuirmos a ns mesmos, como se apenas em ns se originassem, as ideias, reflexes, sentimentos e emoes que nos foram inspiradas pelo nosso grupo. Estamos em tal harmonia com os que nos circundam, que vibramos em unssono e j no sabemos onde est o ponto de partida das vibraes, se em ns ou nos outros. Quantas vezes expressamos, com uma convico que parece muito pessoal, reflexes tiradas de um jornal, de um livro ou de uma conversa! Elas correspondem to bem nossa maneira de ver, que nos surpreenderamos ao descobrir quem seu autor e constatar que no so nossas5.

    3 CHARTIER, Roger. A Histria Cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: DIFEL: Rio de Janeiro:

    Bertrand Brasil, 1990.p.25. 4 FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. (Trad.) Laura Sampaio. So Paulo: Edies Loyola, 1996.p.39. 5 HALBWACHS, Maurice. A memria coletiva. (trad.) Beatriz Sidou. So Paulo: Centauro. 2006.p.64.

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    Entendemos assim, que ao fazer parte de um grupo, seja este um partido poltico, uma

    comunidade de bairro, e, especialmente, uma instituio religiosa, a memria construda pelo

    indivduo a vivenciada em sua maioria pela coletividade da qual faz parte. Em vivncias de grupos

    religiosos, isto se torna ainda mais expressivo, pelo trabalho conjunto de construir memrias

    direcionadas que partem de um trabalho de convencimento do que o individual ir apreender do

    coletivo. Em virtude que De qualquer maneira, medida que cedemos sem resistncia a uma

    sugesto externa, acreditamos pensar e sentir livremente 6.

    E neste jogo de memrias disputadas, inegvel o poder que estas detm em um mundo

    que vive o presente intensamente como o nosso, posto que La memoria puede ser considerada

    crucial para la cohesin social y cultural de una sociedad. Cualquier tipo de identidad depende de

    ella. Una sociedade sin memoria es un anatema7.

    A identidade de ser crente da Assembleia de Deus est atrelada com a memria que esta

    instituio construiu. Parte-se geralmente do pressuposto de pessoas simples que iniciaram uma

    Igreja em Belm, capital do Estado do Par, e conseguiram alcanar uma expanso at ento nunca

    vista no pas. O discurso de sua fundao e consequente crescimento marcado pelo triunfalismo,

    colocando-se sucessivamente no papel de vtima e de grande vitoriosa por tudo que alcanou:

    Nenhuma organizao religiosa foi to combativa, to mal compreendida e recebida com tantas reservas, suspeitas e malquerenas, quanto foi o movimento pentecostal. Porm, tambm certo que nenhum outro movimento cresceu tanto em igual perodo, nem se projetou com tanta rapidez, como as Assembleias de Deus, apesar de as mesmas no contarem com recursos financeiros, nem possurem destacados valores intelectuais8.

    Neste sentido, entendemos que para Emlio Conde, jornalista e assembleiano, figura

    principal da implantao do jornalismo na Assembleia de Deus, a memria da instituio foi

    construda em um discurso de vitimizao, em que o individual e o coletivo, tm um poder de

    atuao conjunto. Assim, trazemos esta assertiva de Halbwachs, com o intuito de pontuar que:

    Contudo, se a memria coletiva tira sua fora e sua durao por ter como base um conjunto de pessoas, so os indivduos que se lembram, enquanto integrantes do grupo. (...) De bom grado, diramos que cada memria individual um ponto de vista sobre a memria coletiva, que esse mesmo lugar muda segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relaes que mantenho com outros ambientes9.

    Neste constante redesenhar, as mudanas permeiam a memria de um grupo, especialmente

    religioso, sendo os fiis, responsveis pela atuao do individual influenciando no coletivo, e desta

    6 Idem, p.65. 7 HUYSEN, Andreas. Resistencia a la Memoria: los usos y abusos del olvido pblico. In: XXVII Congresso

    Brasileiro de Cincias da Comunicao. Intercom - Porto Alegre, 31 de Agosto de 2004.p.1. 8 CONDE, Emlio. Histria das Assembleias de Deus no Brasil - 2. Ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2000. 9 HALBWACHS, Op. Cit.p.69.

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    forma, perpetuando a lembrana que ficar desta ao.

    Do ponto de vista terico, entendemos a utilizao da memria enquanto ferramenta

    metodolgica atravs dos pressupostos de Elizabeth Jelin para quem:

    Las propias nociones de tempo y del espacio son construcciones sociales. Si bien todo processo de construcin de memorias se inscribe en uma representacin del tiempo y del espacio, estas representaciones y, en consecuencia, la propria nocin de qu es presente son culturalmente variables e historicamente construdas. Y esto incluye, por supuesto, las proprias categoras de anlisis utilizadas por investigadores y analistas del tema10.

    No que se refere Assembleia de Deus, entendemos a sua memria atrelada com um excesso

    de passado, em que a repetio ritualizada leva a um esquecimento seletivo, instrumentalizado e

    manipulado, constituindo assim, sua construo social.

    Desta forma, usamos a memria, enquanto construo social, na concepo formulada pelo

    historiador Michel Pollack, pontuando que entendemos o enquadramento da memria, da seguinte

    forma:

    A memria, essa operao coletiva dos acontecimentos e das interpretaes do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes: partidos, igrejas, (...) etc. A referncia ao passado serve para manter a coeso dos grupos e das instituies que compe uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas tambm as oposies irredutveis. Manter a coeso interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum. (...). Isso significa fornecer um quadro de referncias e de pontos de referncias11.

    E nesta construo de referncias constantes, entendemos a subjetividade destes fiis como

    fator principal para a identidade e a memria da Assembleia de Deus.

    2. A Igreja e os Militares O nosso recorte temporal situa-se na segunda metade do sculo XX, especificamente as

    dcadas de 1960 a 1990. A escolha justifica-se por ser o perodo de transio de uma ditadura civil-

    militar12 para uma democracia no pas (1964-1985). Momento que refletiu na estrutura da Igreja,

    por tratar-se de outra conjuntura poltica, econmica e social. Sendo interessante observar o

    10 JELIN, Elizabeth. Los Trabajos de la memria. Coleccin Memorias de la represin, Siglo XXI editores,

    Argentina.2002.p.23. 11 POLLACK. Michel. Memria, esquecimento e silncio IN: Estudos Histricos, n. 3, RJ, 1989. p.9. 12 Daniel Aro Reis, em um artigo publicado no jornal O Globo, em 31 de maro de 2012, intitulado A ditadura

    civil-militar, defende que o perodo de supresso de regime democrtico, deva assim ser chamado para a

    compreenso da histria recente do pas e da ditadura em particular. Posto que seja intil esconder e ignorar a

    participao de diversos segmentos da populao brasileira, a exemplo, a realizao das marchas para a famlia.

    Por concordarmos com o historiador e reconhecermos a necessidade da realizao de novos estudos, a

    compreendemos desta forma, em nossa anlise.

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    comportamento e a conduo poltica pelos pentecostais na poca da ditadura e depois do seu fim.

    No mesmo sentido que esta a ocasio em que a Assembleia de Deus amplia, numericamente, o

    seu nmero de fiis e templos, alcanando j na dcada de 1980, completados 70 anos de atuao

    no pas, 5.600.000 membros, distribudos em 36.000 igrejas13. Eles conseguem um aumento

    significativo em fiis, perguntamos: Qual a razo disto?

    Alm do ano de 1961, caracterizar o seu cinquentenrio, motivo pelo qual, a Igreja se

    reestruturou, em alguns aspectos, dentre os quais, a fundao de sua editora, a Casa Publicadora da

    Assembleia de Deus (CPAD), e a produo dos seus principais peridicos, ficando a cargo da

    editora, tambm, a distribuio a nvel nacional destes. Suspeitamos ainda, que este perodo seja o

    incio de interesse para a orientao poltico-partidria de seus membros.

    A pesquisa finaliza em 1990. Em relao Assembleia de Deus, entendemos este ano como

    o fechamento do ciclo da maior parte opositora participao dos membros na poltica.

    Alcanando tambm o fortalecimento da mesa diretora da Conveno Geral da Assembleia de

    Deus no Brasil-CGADB, uma vez que no ano de 1989 houve a maior ciso da histria da Igreja,

    com o desligamento do ministrio Madureira, ficando os lderes sem oposio direta dentro do

    espao de poder da Igreja14; E, em pesquisa preliminar, notamos ao longo deste ano, notas de apoio

    presena partidria e mudana na linha editorial dos seus principais peridicos. Constitui nosso

    interesse, perceber os motivos e o contexto desta alterao.

    No caso de nosso campo de estudo, o evanglico, as mudanas porque passava o pas,

    com a supresso de um regime democrtico, favorece o desenvolvimento das Assembleias de Deus

    em alguns aspectos mais incisivos, como demonstrado por Baptista:

    A conquista do poder pelos militares foi festejada pela Assembleia de Deus como manifestao da providncia de Deus, para evitar que o Brasil casse nas garras do comunismo, comparado a um monstro que subjugava 900 milhes de pessoas no mundo15.

    O fato da Assembleia de Deus posicionar-se publicamente contra o comunismo e a favor

    dos governos militares contribuiu para que o Ministro da Educao, Jarbas Passarinho, concedesse

    subsdio do Estado para construo de seu instituto teolgico em Belm, no Estado do Par. Alis,

    sobre essa aproximao entre as duas instituies (Assembleia de Deus e Ministrio da Educao),

    somente no perodo de 1970 a 1974, foram US$ 28.035.00 de doaes por parte do Estado,

    13 Mensageiro da Paz, 1980, p.6. 14 Fato comprovado pelo pastor presidente da Assembleia de Deus, Wellington Bezerra ter assumido o cargo em

    1981, e ainda hoje est frente da Conveno geral, vencendo vinte eleies ininterruptas desde ento, a ltima

    ocorrida este ano. 15 CHESNUT, Apud BAPTISTA, Saulo. Pentecostais e neopentecostais na poltica brasileira: um estudo sobre

    cultura poltica, Estado e atores coletivos religiosos no Brasil. So Paulo: Annablume; So Bernardo do Campo:

    Instituto Metodista Izabela Hendrix, 2009.p.117.

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    conforme atas administrativas da Igreja, do mesmo perodo16. Sendo o seu Seminrio Teolgico,

    na capital paraense, considerado de utilidade pblica, obtendo assim, iseno de impostos.

    Grosso modo, a postura anticomunista e de aproximao ao regime militar caracterizou a

    maioria das Igrejas evanglicas no Brasil daquele perodo, bem como os setores conservadores da

    Igreja Catlica. Porm, h de se ressaltar que as Comunidades Eclesiais de Base, do lado catlico,

    e a resistncia de pastores, presbteros e missionrios protestantes, do outro, demonstra que o

    comportamento de religiosos diante da ditadura civil-militar no Brasil no foi homogneo. De fato,

    entre evanglicos o que preponderou foi uma postura conservadora e anticomunista, conforme

    descrio de Santos:

    As Igrejas evanglicas passaram a receber um tipo de pregao conversador e fundamentalista, oriundo das altas lideranas que apoiavam o regime. O ambiente eclesistico reproduziu o que a sociedade vivia sob smbolos e discursos religiosos. Os evanglicos tornaram-se mais intolerantes com relao s diferenas, contradizendo sua herana de tolerncia. Ser evanglico era possuir uma tica pessoal exemplar, estar preocupado com o comportamento e com a transmisso da experincia religiosa para os perdidos 17.

    Desse modo, os principais peridicos da Assembleia de Deus que forneceram ampla

    cobertura sobre o comunismo, caracterizaram-no como algo malfico e que poderia destruir a

    sociedade brasileira18. Com esta postura, a Igreja se aproximou cada vez mais do sistema partidrio

    de apoio aos militares e se declarou defensora da moral e dos bons costumes, recebendo assim,

    mais benefcios, como ressalta Saulo Baptista:

    Com o trabalho do deputado estadual Antnio Teixeira e do federal Gabriel Hermes Filho, o Seminrio Teolgico da Assembleia de Deus, em Belm, foi considerado de utilidade pblica, obtendo, assim, iseno de impostos. (...) Em 1982, foi a vez da Superintendncia para o desenvolvimento da Amaznia (Sudam) ajudar o Abrigo de idosos Etelvina Bloise, com a quantia de US$ 2, 913,00, a pedido do ento senador Jarbas Passarinho. Em 1985, durante quatro meses, o pastor Firmino Gouveia participou de um curso na Escola Superior de Guerra, juntamente com outros lderes nacionais de denominaes evanglicas brasileiras19.

    Assim, acreditamos inicialmente, que o regime de ditadura civil-militar colaborou para

    o crescimento deste segmento religioso, observando os dados do Censo referente s dcadas do

    regime, em 1970, os evanglicos totalizavam 4.833.106, ou 5,2% da populao brasileira. Em 1991,

    somavam 13.175.094, ou seja, 9,0% de habitantes do pas. O aumento vertiginoso das Assembleias

    de Deus perpassa por esta conjuntura, influenciando, tambm, as mudanas significativas em sua

    16 BAPTISTA, Saulo. 2009. 17 SANTOS, L. A.; SENRA, Alvaro de Oliveira. O AI-5, as Igrejas Crists e a sociedade civil. In: Oswaldo Munteal

    Filho, Adriano de Freixo, Jacqueline Ventapane Freitas. (Org.). Tempo negro, temperatura sufocante - Estado e

    Sociedade no Brasil do AI-5. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.p.159. 18 A SEARA, 1989. 19 BAPTISTA, Saulo. Op. Cit.

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    estrutura interna e sua insero no espao da poltica brasileira:

    A visibilidade numrica e a presena mais evidente na paisagem das cidades, a utilizao de meios de comunicao como televiso e rdio, o potencial de votos nas eleies, a presena de polticos evanglicos nas instncias do poder poltico, a fora institucional das denominaes e a ampliao de seus patrimnios tudo isso produziu posies outrora no adotadas por partes dos evanglicos20.

    3. A Imprensa assembleiana: peridicos como instrumentos de doutrina

    Utilizaremos como suporte inicial o texto da historiadora Tnia de Luca21, uma das muitas

    autoras a se interessar por esta temtica. Do ponto de vista metodolgico, a autora considera a

    dcada de 1970, como inaugural na utilizao, em maior nmero, de peridicos por parte dos

    historiadores. Entendemos tambm que, ao utilizar jornais e revistas, em uma pesquisa, como

    fonte principal, temos em perspectiva que historicizar a fonte requer ter em conta, portanto, as

    condies tcnicas de produo vigentes e a averiguao, dentre tudo que se dispunha, do que foi

    escolhido e por que 22. relevante ressaltar que se compreende o jornalismo como parte de um

    processo de construo social da realidade no um espelho dela. Em que as escolhas e distores

    se fazem presente em seus peridicos.

    Percebemos que o contedo em si no pode ser dissociado do lugar ocupado pela

    publicao na Histria da Imprensa, e, particularmente, da Histria da Leitura, visto que as relaes

    que o peridico manteve ou no com o mercado; a publicidade, o pblico a que visava atingir, o

    objetivo proposto direciona a sua editorao. E, sobretudo, em se tratando de imprensa evanglica,

    possu um objetivo direcionado e controlador. Nuances que se apresentam da seguinte forma:

    Os crentes no devem desprezar a leitura. No seria conveniente uma crena baseada na ignorncia, no obscurantismo, no fanatismo. IMPORTA CRER! Interessa, porm, que a crena seja lcida, consciente. A convico no ilumina o conhecimento, ao contrrio, aproveita-o. recomendvel, todavia, que a leitura seja orientada e selecionada 23. (Grifo do autor)

    Dentro deste contexto, na histria da Assembleia de Deus, a leitura sempre esteve

    presente. Seja nos primeiros anos, com a distribuio dos panfletos nas ruas, pelos primeiros

    membros e, posteriormente, com a escola dominical, inicialmente com a leitura da Bblia. No incio

    da dcada de 1920 as primeiras lies vinham como suplemento do jornal Boa Semente, que circulou

    em Belm, no estado do Par. O suplemento era denominado Estudos Dominicais, escritos pelo

    missionrio Samuel Nystrom, pastor sueco de vasta cultura bblica e secular, e que produziu lies

    20 SANTOS, Op. Cit. 2008, p.180. 21 LUCA, Tnia R. Histria dos, nos e por meio dos Peridicos. In: PINKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes

    Histricas. So Paulo: Contexto, 2005. 22 Idem, p.132. 23 SANTOS, Paulo dos. Leitura e Literatura Evanglica. In: A Seara. 1/1/1963. p.4.

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    da Escola Dominical em forma de esboos, feitas para trs meses.

    Em 1930, na primeira conveno geral das Assembleias de Deus realizada em Natal (RN)

    deu-se a fuso do jornal Boa Semente com outro similar que era publicado pela Igreja do Rio de

    Janeiro, O Som Alegre, originando o Mensageiro da Paz. Nessa ocasio (1930) foi lanada no Rio de

    Janeiro a revista Lies Bblicas para as Escolas Dominicais24.

    Nas suas primeiras edies a revista Lies Bblicas era trimestral e depois passou a ser

    semestral. As razes disso no eram apenas os parcos recursos financeiros, mas, principalmente, a

    morosidade e a escassez de transporte de cargas, que naquele tempo era todo martimo e somente

    costeiro, ao longo do litoral. A revista levava muito tempo para alcanar os pontos distantes do

    pas. Com a melhora dos transportes ela passou a ser trimestral e hoje a tiragem de revistas da

    Escola Dominical passou para mais de 2,2 milhes trimestrais. 25.

    Neste contexto, em 1940, o presidente Getlio Vargas determinou, atravs de um decreto,

    que todos os jornais fossem registrados no Departamento de Imprensa e Propaganda (D.I.P.),

    rgo que regulava a imprensa. O decreto estabelecia tambm que somente entidades com

    personalidade jurdica poderiam possuir jornais. A fim de que pudesse continuar a publicar o

    Mensageiro da Paz e as Lies Bblicas, a Igreja direcionou de uma forma mais organizada, sua produo

    editorial, com a fundao da Casa Publicadora da Assembleia de Deus (CPAD). Este interesse, no

    seu incio, atrela-se, especialmente, ao carter evangelizador que a produo escrita alcanaria em

    todo o pas. Posto que o pensamento da Igreja fosse o seguinte:

    Um bom livro que aparece entre ns deve ter a devida cobertura. Nem todos conseguem frequentar cursos regulares, nem todos podem assistir a escola bblica. O livro, no entanto, atravs da viagem, em casa, nas filas, no bonde, no nibus, numa estrada, enquanto aguardada a vez na barbearia, quando se espera o trem, o livro vai transmitindo cultura e doutrina26.

    Estes so os aspectos norteadores da preocupao editorial da Assembleia de Deus no pas.

    A disseminao de sua doutrina, fortalecendo a religiosidade do fiel. E, a possibilidade da

    alfabetizao de milhares de leitores. Dentro desta postura de diferenciao, e com a preocupao

    em doutrinar aos membros, a leitura era direcionada para que houvesse uma ampliao em seu

    24 A Escola Bblica Dominical surgiu no Brasil em 1855, em Petrpolis (RJ). O jovem casal de missionrios

    escoceses, Robert e Sarah Kalley, chegaram ao Brasil naquele ano e logo instalaram uma escola para ensinar a

    Bblia para as crianas e jovens daquela regio. A primeira aula foi realizada no domingo, 19 de agosto de 1855,

    constando inicialmente com cinco crianas, posteriormente, no Rio de Janeiro, estas reunies deram incio Igreja

    Evanglica Congregacional, no pas. No dia 3 de novembro de 1783 celebrada a data de fundao da Escola

    Dominical, ela nasce na Inglaterra, sendo seu iniciador, o jornalista Robert Raikes. Hoje, a Escola Dominical conta

    com mais de 60 milhes de alunos matriculados, em mais de 500 mil igrejas protestantes no mundo. Disponvel

    em: Acesso em 10/12/2013. 25 LEMOS. Ruth Doris. A minscula semente de mostarda que se transformou numa grande rvore: A histria da Escola Dominical. Disponvel em:. Acesso

    em 10/12/2013. 26 SANTOS, Paulo dos. Leitura e Literatura Evanglica. In: A Seara. 1/1/1963.

    http://www.cpad.com.br/escoladominical/historia.phphttp://www.cpad.com.br/escoladominical/historia.php

  • 67 A Memria como Construo da F.

    Revista Historiar, Vol. 05, N. 09, Ano 2013.2. p. 57-74

    nmero, mas especialmente, para os que faziam parte, no migrassem para outras denominaes

    religiosas. Esta ateno com a escrita, a leitura e sua circulao, se inserem no contexto da poca,

    posto que ao longo das dcadas de 1960 e 1970, era perceptvel, o acrscimo em produo literria

    no pas. Razo pela qual, da necessidade de uma produo especificamente evanglica:

    Nunca em todas as pocas, se escreveu tanto como nos dias atuais. Literatura de todos os tipos invade o mercado! Mais de 90% da literatura distribuda em todo o mundo prejudicial vida espiritual, e qui, moral! (...) Como no podemos ir pessoalmente, podemos ir por meio da literatura (palavra impressa). Podemos ir por meio de rdio, etc. A palavra Impressa um dos grandes meios de evangelizar. Devemos fazer todo o possvel, para conseguir fazer circular a mensagem escrita e assim estaremos cooperando com a Igreja na evangelizao do mundo27.

    Sendo assim, como se caracterizava esta produo editorial evanglica? So poucos os

    estudos que se preocupam com esta temtica, dos existentes, so em grande parte, da rea de

    comunicao social. Como exemplo, h o estudo de Ephraim Beda, em que o autor elenca as

    principais caractersticas da produo editorial das Igrejas evanglicas, classificando-as em trs:

    didtico, em linguagem acessvel a todos os leitores; polmico, destinados a refutar os peridicos

    catlicos; e de evangelizao, a fim de arregimentar novos fiis28.

    O didatismo se justifica a fim de que a leitura fosse de fcil compreenso para os fiis, em

    sua maioria pessoas que estavam tendo o seu primeiro contato com a leitura. A sua caracterstica

    de refutao aos peridicos catlicos, alude, em especial, s primeiras dcadas de fundao do

    pentecostalismo no pas. Posteriormente, a contestao viria a quem se apresentasse como ameaa

    Igreja, os comunistas, as feministas, as religies afros brasileiras e o espiritismo. Quanto

    evangelizao, notamos esta mais direcionada para a manuteno dos fiis que congregavam na

    Assembleia de Deus.

    E dentro desta estrutura, pensamos ser necessrio pontuar, metodologicamente, o poder

    que o uso dos peridicos possu para a imprensa. Principalmente sobre a construo de opinies,

    se esta for de carter religioso, como o caso da Casa Publicadora da Assembleia de Deus, que

    hoje a maior editora evanglica da Amrica Latina29, sobrevivendo a perodos de crise e falncia

    de empreendimentos de outras denominaes.

    27 APOLONIO, Jos. O valor da palavra escrita. In: Mensageiro da Paz, 01/02/1963. 28 BEDA, Ephraim. Editorao Evanglica no Brasil: troncos, expoentes e modelos (Doutorado em Histria)

    Programa de Ps-Graduao em comunicao social. Universidade de So Paulo, 1993. 29 Antes, eram vendidos 60 mil livros por ano, atualmente, so mais de 700 mil obras que atendem diversos

    segmentos da Igreja. Destacam-se as teolgicas, comentrios e dicionrios. Para atender aos pases de fala

    hispnica e aos latinos morando nos EUA, a CPAD fundou, em 1997, a Editorial Patmos, seu brao editorial internacional com sede na Flrida. Ela possui ainda, sedes na frica, Japo e Europa. Informao presente em

    CPAD . Acesso em: 10/12/2013.

    http://www.editorialpatmos.com/

  • Elba Fernandes Marques Mota 68

    Revista Historiar, Vol. 05, N. 09, Ano 2013.2. p. 57-74

    Desta forma, analisamos a revista evanglica A Seara, por esta nos permitir acesso ao

    contexto histrico da poca no pas. Especialmente, ao pensamento evanglico assembleiano, uma

    vez que esta publicao possua em sua linha editorial, uma preocupao com a leitura por parte

    dos membros, e destaca a contribuio da Igreja como disseminadora desta prtica no Brasil.

    Assim como pontuava o cotidiano poltico do Brasil e do mundo na poca. Notamos, em

    pesquisa preliminar, fortes crticas ao comunismo, defesa da censura e discordncias pblicas

    quanto aos protestantes no cenrio poltico brasileiro. A Seara encontra-se disponvel na Biblioteca

    Nacional, a anlise segue nosso recorte temporal, analisaremos os anos entre 1960 a 1990, tendo

    em vista que A Seara no mais publicada pelas Casas Publicadoras da Assembleia de Deus

    (CPAD). Sendo extinta ao fim da dcada de 1990.

    Em formato tpico de revista jornalstica, com 32 pginas, sua fundao data de 1956, sendo

    seu primeiro exemplar, j em verso colorida. A revista era trimestral. A Seara possua como

    objetivo principal a informao sobre as principais notcias do Brasil e do mundo. Com nfase

    especial para os assuntos da comunidade evanglica, dentre os quais, as celebraes de cultos

    comemorativos, inaugurao de novos templos, batismos de novos crentes. Alm de trazer

    novidades, em comparao aos demais peridicos, como a entrevista com os lderes e a seo,

    Ultima pgina, destinada a se posicionar sobre um tema da atualidade no constituindo este em

    assunto cristo.

    significativo, no entanto, no que se refere ao editorial da revista, a preocupao com

    temticas mais gerais, que aconteciam no pas. Eles pensavam ser necessrio esclarecer aos fiis o

    posicionamento adequado a se tomar. Um bom exemplo, em relao ao nosso perodo estudado,

    com relao postura da censura brasileira e em como em sua concepo, ela no estava sendo

    atuante suficiente na preservao da moral e bons costumes dos brasileiros e em como isto afetava

    a cultura brasileira:

    Alamos aqui mais uma vez nossa voz para protestar contra a inrcia e inpcia da censura brasileira, cuja gradativa permissividade tem contribudo para a degenerao moral deste pas. (...) Podemos ajudar o Presidente Jos Sarney a moralizar este pas. O Evangelho no s restaura a vida espiritual do homem, mas tambm reestrutura o seu comportamento moral. O Brasil precisa conscientizar-se disto. Juzes, censores, jovens que procuram auto afirmar-se atravs de um comportamento indecoroso, exploradores da indstria pornogrfica, mercadores da prostituio. Lutamos contra a liberdade da censura brasileira, que tem permitido a televiso ser usada como veculo do adultrio, da violncia e da pornografia. Lutemos contra o dilvio de revistas erticas em todas as bancas de jornais do pas, e contra as propagandas publicitrias condimentadas de apelos sexuais. Reprovamos a atitude dos que pretendem afundar este pas na podrido da imoralidade No esqueamos que somos guardies da moral e dos bons costumes deste pas 30.

    30 KESSLER, Namuel. Preservemos a moral e os bons costumes. In: A Seara, 1986, p.32.

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    Revista Historiar, Vol. 05, N. 09, Ano 2013.2. p. 57-74

    Este relato elucida o direcionamento do discurso da revista que se completava ao

    pensamento assembleiano, pautado em um discurso moralizante e, particularmente, vigilante da

    sociedade brasileira como um todo. interessante ponderar o contexto em que este artigo foi

    escrito. No ano posterior ao fim da ditadura militar, em que os assembleianos mostraram-se

    simpticos ao regime e um ano aps de seu final, demonstraram contrariedade com a liberdade

    vista no cotidiano brasileiro.

    perceptvel a semelhana com a postura dos deputados evanglicos hoje na cmara. Em

    que a bancada evanglica se intitula como guardi dos bons costumes, vetando qualquer postura

    mais liberal por parte do governo brasileiro. Ao analisar as edies da revista, notamos como a

    partir da dcada de 1970, o discurso se aproxima da temtica da poltica, sai a prtica ecumnica

    como inimigo a ser evitado e se apresenta o comunismo, h a preocupao com as mudanas na

    sociedade. E, nomeadamente, o debate sobre a participao dos pastores no pleito eleitoral.

    Dentro do exposto, a revista A Seara nos permitiu um aprofundamento do pensamento da

    Igreja em nvel nacional, e com seu noticirio pensado da mesma forma. Em que o discurso

    construdo, permitia ao leitor acesso a uma viso ampliada das informaes do Brasil e do mundo,

    mas com a leitura direcionada, sobre que posicionamento tomar, que grupo ser contrrio, dentro

    dos caminhos propostos por uma Igreja.

    Nossa outra fonte o jornal Mensageiro da Paz. Em sua primeira edio, em 1930, o editorial

    de O Mensageiro da Paz afirmava ter por objetivo levar a viso do evangelismo e a divulgao da

    doutrina pentecostal por intermdio da imprensa 31. A descrio vai alm e estabelece por si

    prpria o paralelo com a imprensa tradicional: Embora siga os mesmos padres do jornalismo

    secular, a redao da CPAD apresenta estilo prprio, desenhado por um manual de redao que

    segue a linguagem do meio cristo evanglico 32.

    Esta postura editorial se torna clara pelos editores do Mensageiro da Paz advertir que apesar

    de entenderem a postura de grande parte dos jornalistas enquanto destoante, eles observaram que

    apesar de tudo isto, a imprensa ainda o meio de comunicao por excelncia para moldar o

    pensamento das massas. Para o mundo poltico a pgina impressa de grande valia na guerra

    ideolgica que est sendo travada 33. Assertiva que assinala a mudana no discurso, ao longo da

    dcada de 1980.

    As matrias no peridico se dividiam entre no assinadas e assinadas por jornalistas e

    pastores, e percorrem um amplo espectro de gneros textuais.

    Ainda, no que se refere sua linha editorial, notamos uma mudana significativa ao longo da

    31 Mensageiro da Paz, 1930, Op.cit. 32 Disponvel em CPAD: . Acesso em:

    11/12/2013. 33 Mensageiro da Paz, 1980, p.6.

  • Elba Fernandes Marques Mota 70

    Revista Historiar, Vol. 05, N. 09, Ano 2013.2. p. 57-74

    dcada de 1980. Em que se percebe, na primeira pgina, uma ateno melhor com o noticirio

    internacional, com destaque para a crise iraniana, juntamente com notcias da Assembleia de Deus

    pelo pas. E, principalmente, a partir deste perodo, surge a preocupao com a poltica nas pginas

    do Mensageiro da Paz.

    Podemos inferir, atravs de nossa pesquisa, que o processo de apresentao e convencimento

    dos fiis para participarem do pleito eleitoral se expandiu nas folhas do seu principal peridico. Em

    virtude de, apesar dos candidatos se fazerem presente nos plpitos, atravs do jornal, veio a

    legitimao do apoio com o discurso de orientao de que era chegado o momento do voto

    evanglico fazer a diferena no pas.

    possvel perceber, tambm, a diviso dos fiis quanto a este envolvimento. Na seo Palavra

    do Leitor de fevereiro de 1990, h duas crticas quanto ausncia de notcias quanto s eleies

    presidenciais:

    Acho que o nosso jornal deveria abordar temas com mais ousadia, apresentando matrias jornalsticas mais arrojadas e atuais. O trabalho editorial tem de ser limitado s notcias internas, o que, na grande maioria dos leitores, creio, no desperta o menor interesse. No tivemos, por exemplo, artigos enfocando as eleies presidenciais com clareza, visando informar melhor os leitores. Temas do dia a dia, por outro lado, no devem ser ignorados, pois um grande nmero de crentes gostariam de ter o posicionamento cristo diante dos fatos ocorridos34.

    E outras com um teor ainda mais crtico:

    Tornar o Mensageiro da Paz um jornal participativo, que reflita a realidade de hoje, deve constituir-se meta da Diviso de Jornalismo, segundo minha modesta opinio. Acredito que no basta, apenas, teorizar sobre temas bblicos, pois o mundo atual necessita de respostas urgentes, contextualizadas, que no sejam unicamente meros paliativos (...) Caso contrrio, o nosso jornal tornar-se apenas mais um boletim informativo, com notcias que interessam mais aos personagens que as compem do que ao pblico em geral35.

    Com direito a retaliao por parte de outros leitores, com uma postura mais enraizada ao

    tradicionalismo:

    Para mim suas sugestes foram mais do que desagradveis. Eles exigem que o Mensageiro da Paz passe a publicar matrias jornalsticas arrojadas. Isso, alm das crticas dirigidas Diviso de Jornalismo por no ter enfocado mais diretamente as eleies presidenciais (...) Em minha opinio o MENSAGEIRO DA PAZ deveria se ater publicao de matrias teolgicas e de artigos de orientao e edificao espiritual36.

    Esta revolta dos dois primeiros leitores se justifica em razo do jornal ter feito uma forte

    campanha, ao longo do ano de 1990, a favor do candidato Fernando Collor de Mello, e,

    principalmente, dos deputados que deveriam ser eleitos pela comunidade evanglica. Aps o

    34 MARTINS, Godofredo Viana. Palavra do Leitor Mensageiro da Paz, 1990. 35 BARBOSA, Matias Pereira, Palavra do Leitor, Mensageiro da Paz, 1990. 36 FERREIRA, Issack. Palavra do Leitor, Mensageiro da Paz, 1990. Grifo do autor.

  • 71 A Memria como Construo da F.

    Revista Historiar, Vol. 05, N. 09, Ano 2013.2. p. 57-74

    resultado das eleies, o editorial do peridico limitou-se a publicar o nome dos vencedores sem

    uma cobertura do pleito eleitoral propriamente dito. Debates como este, marcam a seo Palavra

    do leitor, em que houve a defesa da participao poltica dos evanglicos e o desejo de um melhor

    esclarecimento quanto ao por que da necessidade desta.

    Nas pginas do Mensageiro da Paz, com a editorao estabelecida no sentido de orientao

    dos leitores, deparamos com debates que pontuavam a necessidade de uma participao partidria

    dos evanglicos acentuada por assertivas tais qual esta:

    A poltica estraga o pastor, torna-o negligente e faltoso. O pastor poltico deixa a tribuna da Igreja, os crentes bocejando a esper-lo e assoma a tribuna popular, lana mo do microfone, para falar do adversrio, atacando-o acremente, depreciando os adeptos de outros partidos, usando uma linguagem ofensiva37.

    Aqui notamos a crtica participao de pastores no pleito eleitoral. No entanto, havia

    espao para apoio aos pastores polticos com manifestaes tais como:

    Como pode a Igreja defender seu interesse sem ter no Estado um senador, um deputado, um vereador ou outro qualquer representante em momento de perigo sua liberdade?38

    A presso, por parte dos leitores, surtiu efeito, uma vez que a partir de 1980, houve uma

    mudana na linha editorial do jornal. Acusado de manter-se isento do debate sobre temas do

    cotidiano, o MP passou a discutir assuntos do Brasil e do mundo. Principalmente, no sentido de

    tornar pblica sua contrariedade sobre temas acerca de opes sexuais distintas, aborto, novos

    tcnicas da medicina, o comunismo, o espiritismo, religies afro brasileiras, e, especialmente, a

    poltica, tornando-se pblica o apoio participao eleitoral dos evanglicos.

    Resultante do contexto de determinaes de sua Conveno Geral, o tema da poltica tornou-

    se pblico na Igreja. Coube ao Mensageiro da Paz homogeneizar esta nova diretriz, que estava sendo

    transmitida nos templos, orientada aos fiis para quem votar e os candidatos que representariam

    um risco moral e ordem do pas.

    37 Mensageiro da Paz, 1961, p.2. 38 Idem, p.3.

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    Revista Historiar, Vol. 05, N. 09, Ano 2013.2. p. 57-74

    Consideraes Finais:

    Foi nosso objetivo, analisar como a memria e a subjetividade inserem-se dentro do contexto

    histrico da Assembleia de Deus. Para tanto, demonstramos como esta foi utilizada no sentido de

    seletividade, esquecimento e disputas da memria.

    Este trip metodolgico nos fez perceber a importncia que a imprensa assembleiana possui

    e suas vrias formas de atuao ao longo de sua histria. Especialmente, em nosso perodo de

    estudo de 1960 a 1990, importante pontuar o apoio ao golpe da ditadura militar e sua consequente

    permanncia nesta adeso ao contrrio da Igreja Catlica, por exemplo. O meio que os

    assembleianos encontraram para manter este apoio se deu atravs de seus impressos e consequente

    expanso destes por todo o pas.

  • 73 A Memria como Construo da F.

    Revista Historiar, Vol. 05, N. 09, Ano 2013.2. p. 57-74

    FONTES

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    MARTINS, Godofredo Viana. Palavra do Leitor. In: Mensageiro da Paz, 1990.

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