as surpreendentes narrativas radiofônicas de walter benjamin para crianças

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  • 7/25/2019 As Surpreendentes Narrativas Radiofnicas de Walter Benjamin Para Crianas

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    As surpreendentes narrativas radiofnicas de Walter Benjamin para crianas

    The wondrous radio broadcast narrations for children made by Walter Benjamin

    Andra Almeida de Moura Estevo1

    Resenha:

    A Hora Das Crianas: narrativas radiofnicas de Walter Benjamin.

    Walter, BENJAMIN. Rio de Janeiro: Ed. Nau, 2015.

    Traduo: Aldo Medeiros

    Resumo:

    A Hora das Crianas: narrativas radiofnicas de Walter Benjamin a traduo daedio alem que rene os 29 textos base para os programas radiofnicos elaborados por Walter

    Benjamin para o pblico jovem, entre os anos de 1929 e 1932, na Alemanha. Esses programasso resultado do esforo de pesquisa sobre a linguagem do rdio e da materializao das ideias

    educacionais e narrativas de Benjamin para o pblico jovem.

    Palavras-chave: narrativa; radio; criana, educao

    Abstract:Enlightenment for Children: radio broadcasted narrations by Walter Benjaminis the

    translated version of the german edition which contains twenty-nine essays written by the

    mentioned author. These essays were used as guidelines for the radio series he created andproduced for young audiences between the years of 1929 and 1932 in Germany. The series cameto be a result of his research of the radio language and medium. It is also the realization of the

    educational ideas and narrative forms Benjamin had designed especially for young audiences.

    Keywords: narrative; radio broadcast; children; education

    A Hora das Crianas uma preciosidade editorial que poderia no existir. Essa

    incrvel produo de Walter Benjamin para o rdio percorreu um caminho tortuoso e um acaso

    feliz a sobrevivncia dos textos originais dessas narrativas. Com a morte de Walter Benjamin e

    o af nazista de destruir a produo intelectual que divergia das diretrizes oficiais, o arquivo que

    continha esses originais foi confiscado. Mas a situao confusa do fim da Segunda Guerra

    Mundial fez com que os originais fossem parar na Rssia. Mesmo tendo retornado para a

    1Mestre em Comunicao e Cultura pela ECO/UFRJ, docente da Universidade Estcio de S- RJ.

    Email: [email protected]

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    Alemanha em 1960, esses textos radiofnicos s ganharam visibilidade a partir da publicao

    dos originais desses programas dirigidos s crianas, em janeiro de 1985.

    A produo radiofnica na Alemanha se dava sob um regime de intensa vigilncia. O

    contedo a ser apresentado no devia ter qualquer referncia poltica. O formato no podia

    fugir do que as autoridades entendiam ser, na poca, a vocao cultural e pedaggica do rdio,

    como explica Wolfgang Hagen (2006, p.9). Benjamin elaborou e participou de cinco tipos

    diferentes de programas: leituras de textos literrios de sua autoria; resenhas de livros; palestras

    acadmicas; conversaes e os programas para crianas. As quatro primeiras categorias de

    programas eram tradicionais e contavam com a participao habitual de escritores, intelectuais e

    professores universitrios. A inovao e a excelncia da produo radiofnica benjaminiana se

    dar em A Hora das Crianas.

    A louvvel iniciativa editorial dessas narrativas radiofnicas partiu de Rita Ribes Pereira,

    Professora da Faculdade de Educao da UERJ e Coordenadora do grupo de pesquisa Infncia e

    Cultura Contempornea e de Aldo Medeiros, responsvel pela traduo competente e saborosa.

    Mas o interesse do livro no se restringe queles envolvidos com o tema educao. Vivaz

    pensador da cultura, Walter Benjamin percorre tanto temas consagrados - Literatura, Teatro,

    Arquitetura, Histria -, quanto assuntos que explicam sobre as transformaes sociais,

    lingusticas ou urbanas tais como comrcio popular, histria dos brinquedos, personagens e

    particularidades do modo de falar berlinense. Tudo, sempre, a partir de uma perspectiva muito

    particular e inusitada. Entretanto, fazer referncia aos temas insuficiente para dar ideia do tipo

    de narrativa que se desenrola diante dos nossos olhos e, porque no confess-lo, tambm dos

    nossos ouvidos, j que impossvel no se deixar embalar num certo delrio auditivo diante dos

    ricos mosaicos de detalhes e surpresas, imaginando a voz dele. H referncias nas memrias deamigos e admiradores de Benjamin sobre sua bela voz, suas palestras extasiantes, seu jeito de

    falar que lembrava um apostador de jogo de pquer(HAGEN, 2006, p.9). Infelizmente, no h

    registros sonoros desses programas infantis nem da variedade de outras participaes de Walter

    Benjamin nas duas rdios onde trabalhou.

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    Transitar do auditivo ao visual e vice-versa pelos canais da imaginao o que acontece

    quando estamos sob a batuta do maestro Benjamin. E ele faz isso com a sagacidade de quem

    tenta entender essa nova forma de comunicao, a especificidade do meio rdio, sua esttica

    prpria. Alm de se interrogar, ele ousa. Na narrativa sobre Theodor Hosemann, ao apresent-lo

    como pintor e ilustrador, Benjamin se adianta e pergunta: No uma ideia meio estranha falar

    de um pintor num programa de radio? E segue entrelaando histrias de infncia, sua e dos

    personagens que compem a paisagem da sua multifacetada e convidativa associao de ideias.

    Vale comentar sobre como ele tenta se tornar prximo do jovem ouvinte de todas as

    idades e, ao mesmo tempo, apresentar os elementos a partir dos quais tece a narrativa. A ateno

    a condio dessa ligao fluida que se estabelece e se interrompe com a leveza do ar, ou como

    ato de sabotagem (BENJAMIN apud HAGEN, p. 12). Em duas narrativas diferentes, Benjamin

    explicita o modo como vai apresentar o que pretende, preparando o ouvinte para o tipo de

    urdidura que vir, comprometendo, assim, a audincia com o processo. Em Um menino nas ruas

    de Berlin,ele compara o tipo de narrativa que vai fazer, com o trabalho de marchetaria: Pois

    bem, hoje eu quero apresentar a vocs estas imagens e cenas, mas no gravadas em madeira e,

    sim, servindo-me das palavras. Em O terremoto de Lisboa a comparao com o trabalhometiculoso do farmacutico: ele pesa as substncias e os pozinhos grama por grama [...] at

    chegar dose certa para fazer o medicamento. [...] Os meus pesos so os minutos, e eu preciso

    medir exatamente o quanto disso e o quanto daquilo vou usar para chegar mistura certa. A

    destruio de Herculano e Pompeia, O desastre ferrovirio da Ponte do Rio TayeA enchente do

    rio Mississipi em 1927, so outras narrativassobre catstrofes. O que entra em destaque no so

    os detalhes espetaculares. O que sobressai a importncia do tecer narrativo, mescla de

    digresses sobre conjuntura social, dados histricos e testemunhos de tragdias vividas.

    Embora chegue a considerar o trabalho no rdio como um ganha-po que o afasta do

    trabalho intelectual srio, como aparece em algumas cartas dirigidas Scholem (SHOLEM,

    1989), os textos dos programas evidenciam os temas, o rigor e o estilo da produo intelectual

    benjaminiana. Esto presentes nessas narrativas: aspectos da histria europeia, suas

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    preocupaes com questes relativas modernidade, a importncia da experincia e da narrativa.

    Benjamin aproxima o pblico infantil da produo literria, artstica, cientfica. E se esmera em

    faz-lo seguindo os parmetros do que julga fundamental em uma narrativa: que as histrias

    transmitidas de pessoa a pessoa sejam a fonte; que a dimenso utilitria de conselho esteja

    presente; que a experincia seja a essncia; e que o engenho dela seja evitar explicaes. Isso

    porque segundo Benjamin, aquele que entra em contato com a narrativa livre para interpretar a

    histria como quiser, e com isso o episdio narrado atinge uma amplitude que no existe na

    informao. (BENJAMIN, 1996, p.203)

    Ao levarmos em considerao seus ensaios A Obra de Arte na Era da Sua

    Reprodutibilidade Tcnica e O Narrador, a apreciao da experincia radiofnica ganha

    particular interesse. Esses dois textos dos anos 1935/1936 so publicaes posteriores a sua

    atuao no rdio. No primeiro deles, Benjamin apresentasua teoria esttica, cuja perspectiva ,

    seno otimista, pelo menos esperanosa sobre as potencialidades das tcnicas de reproduo da

    arte e da cultura para a autonomia das classes populares. Esse olhar no estar presente no ensaio

    O narrador, em que ele identifica a prtica jornalstica e a fragmentao da experincia nas

    sociedades urbanas modernas como impeditivo da experincia coletiva compartilhada. JeanneGagnebin (2011) no v nem paradoxo, nem apenas nostalgia nesses dois ensaios referidos. Ela

    v esforo de verificao das possibilidades da narrativa diante da experincia da modernidade.

    Essa hiptese lana luz sobre seu engajamento e suas intenes de Benjamin nesses programas

    radiofnicos especialmente preparados para as crianas. Tanto no rdio quanto nos livros, ele

    critica, na educao burguesa, o apartar as crianas das questes centrais da vida e da cultura,

    projetando caractersticas e interesses que, por um lado, os adultos imaginam ser os das crianas

    e, por outro, submetem as crianas a esse processo forado de infantilizao. Essas questes

    esto presentes nos Livros infantis antigos e esquecidos, Histria cultural dos brinquedos,

    Brinquedo e Brincadeira, dentre outros.

    Quando Benjamin apresenta narrativas sobre ciganos, bandoleiros ou bruxas, ele o faz a

    partir de dados e fatos histricos, traos culturais, dinmicas sociais e autores que esclarecem

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    sobre formas de excluso, modos de exerccio do poder, dinmicas sociais que problematizam

    estigmas e fascnios sociais. Esse procedimento gera questes, desperta a curiosidade. Ao

    proceder dessa maneira, Benjamin escova a histria a contrapelo, diante do seu pblico jovem.

    Surpreende o fato dele no ter publicado reflexes sobre sua experincia no rdio. Mas a

    eloquncia dos programas radiofnicos minimizam o mistrio em torno desse silncio. E de todo

    esse rico caleidoscpio de imagens, cenas, personagens, prazeres, mistrios e curiosidades

    fascinantes, h uma narrativa-fragmento que reflete e ilumina o brilho de todas as outras. Em

    Berlim Demonaca, ao nos conduzir na sua investigao sobre a motivao que leva a T. A.

    Hoffman, autor de sua predileo na infncia, a produzir uma literatura repleta de fantasmagoria,

    extravagncia e fantasia, Benjamin nos revela o seu pra qu? das narrativas radiofnicas para

    jovens. Tal como Hoffman, Walter Benjamin nos ensina a arte do fisionomista: o dom de

    contemplar em qualquer fenmeno seja uma pessoa, uma ao, um acontecimento aquele

    aspecto inesperado que na vida cotidiana nos passa inteiramente despercebido.

    Referncias:

    BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas: Magia, Arte e Tcnica. So Paulo: Ed. Brasiliense, 1996.

    GAGNEBIN, Jeanne Marie. Histria e Narrao em Walter Benjamin. Coleo Estudos v. 142. So

    Paulo: Ed. Perspectiva, 2011.

    HAGEN, Wolfgang. On the minute Benjamins silent work for the German Radio. , 2006.

    Disponvel em: http://www.whagen.de/vortraege/2006/20061201Benjamin/OnTheMinute.pdf

    PEREIRA, Rita Ribes. A Hora das Crianas: narrativas radiofnicas de Walter Benjamin. In: JOBIM E

    SOUZA, Solange e KRAMER, Sonia (org.). Poltica, Cidade, Educao: itinerrios de Walter

    Benjamin. Rio de Janeiro: PUC Editora/ Contraponto, 2009.

    SCHOLEM, Gershom. Walter Benjamin: a histria de uma amizade. Coleo Debates v. 220. So

    Paulo: Ed. Perspectiva, 1989.