o theatro municipal de são paulo - histórias surpreendentes e casos insólitos

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Material amostra - Editora Senac São Paulo - veja o melhor preço: http://goo.gl/97l5yx Aluno ou ex-aluno do Senac São Paulo tem 50% de desconto, acesse http://goo.gl/QRBrJw Um arquiteto que projeta o maior e mais sofisticado teatro da cidade em sua época, mas que recusa uma homenagem oferecida pela Câmara Municipal por seus serviços; um produtor cultural que decide impedir a destruição de milhares de livretos de programação teatral reduzidos a entulho do dia para a noite, levando-os para seu próprio apartamento; uma guerra de bolas de papel que eclode no meio de um concerto; uma passeata para exigir que o preço dos ingressos para a ópera seja reduzido; e, como se tudo isso não bastasse, a Semana de Arte Moderna, realizada em 1922. Esses são apenas alguns dos muitos eventos e pessoas cujas histórias estão ligadas ao Theatro Municipal de São Paulo, ao longo de mais de cem anos de existência. Publicado pelo Senac São Paulo, O Theatro Municipal de São Paulo: histórias surpreendentes e casos insólitos reúne vários episódios relacionados a essa prestigiosa casa de espetáculos, a maioria deles desconhecidos até mesmo de seus frequentadores mais assíduos. Narrados na forma de crônicas que remetem umas às outras, eles constroem uma história repleta de momentos curiosos, divertidos e belos, que retratam os motivos por que o teatro é objeto de respeito e apreço por parte do público e dos profissionais que nele atuam. Autor: Edison Veiga e Vitor Hugo Brandalise

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O THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULOHistórias surpreendentes e casos insólitos

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Jeane Passos Santana – CRB 8a/6189)

Veiga, EdisonO Theatro Municipal de São Paulo: histórias surpreendentes e casos

insólitos / Edison Veiga, Vitor Hugo Brandalise; [prefácio de Francisco Ornellas]. São Paulo : Editora Senac São Paulo, 2013.

Bibliografia.ISBN 978-85-396-0397-8

1. Theatro Municipal de São Paulo : História 2. Teatro : São Paulo (cidade) : História I. Brandalise, Vitor Hugo. II. Ornellas, Francisco. III. Título. 13-130s CDD-792.0981

Índice para catálogo sistemático:

1. Theatro Municipal de São Paulo : História 792.0981

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EDITORA SENAC SÃO PAULO – SÃO PAULO – 2013

Edison Veiga Vitor Hugo Brandalise

O THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULOHistórias surpreendentes e casos insólitos

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Administração Regional do Senac no Estado de São PauloPresidente do Conselho Regional: Abram SzajmanDiretor do Departamento Regional: Luiz Francisco de A. SalgadoSuperintendente Universitário e de Desenvolvimento: Luiz Carlos Dourado

Editora Senac São PauloConselho Editorial: Luiz Francisco de A. Salgado Luiz Carlos Dourado Darcio Sayad Maia Lucila Mara Sbrana Sciotti Jeane Passos Santana

Gerente/Publisher: Jeane Passos Santana ([email protected])Coordenação Editorial: Márcia Cavalheiro Rodrigues de Almeida ([email protected]) Thaís Carvalho Lisboa ([email protected])Comercial: Marcelo Nogueira da Silva ([email protected])Administrativo: Luís Américo Tousi Botelho ([email protected])

Edição de Texto: Luiz GuascoPreparação de Texto: Leandro dos Santos RodriguesRevisão de Texto: Luiza Elena Luchini (coord.), Globaltec Editora Ltda.Projeto Gráfico, Capa e Editoração Eletrônica: Antonio Carlos De AngelisFotos da Capa: Edison VeigaImpressão e Acabamento: Rettec Artes Gráficas Ltda.

Proibida a reprodução sem autorização expressa.Todos os direitos desta edição reservados àEditora Senac São PauloRua Rui Barbosa, 377 – 1o andar – Bela Vista – CEP 01326-010Caixa Postal 1120 – CEP 01032-970 – São Paulo – SPTel. (11) 2187-4450 – Fax (11) 2187-4486E-mail: [email protected] Home page: http://www.editorasenacsp.com.br

© Editora Senac São Paulo, 2013

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SUMÁRIO

Nota do editor, 9

Prefácio – Francisco Ornellas, 11

Começo, meio e fim, 15

RAMOS DE AZEVEDO: Ele disse “não, obrigado”, 17

ELEAZAR DE CARVALHO: Futebol, jovens e reinaugurações, 21

LUCIANO CERRI: Salvou a história do lixo, 25

DIOGO PACHECO: Guerra de bolotas contra o maestro pop, 29

LULA: Condenou os generais, 33

ALDEMIR MARTINS: Escadas para protestar, 37

WALTER MOCCHI: Passeata em São Paulo: a cidade exige ópera, 39

ARTURO DE ANGELIS: Fica, maestro: a colônia precisa cantar, 41

ZOLA AMARO: Com o governador a seus pés, 43

VIVIEN MAHR: À beira do viaduto, 47

YOKO ONO: Tem samba no pé, 49

TONINHO PENTEADO: “Bravo! Bravíssimo!”, 51

GREGÓRIO GRUBER: O folião proletário, 55

OSWALD DE ANDRADE: E a Semana que reinventou o Brasil, 59

CARLOS BEUTEL: Ponto de encontro, 63

FRANCISCO MATARAZZO: Motorizado, 65

RAUL CORTEZ: Adeus de 120 mil pessoas, 67

SÉRGIO MAMBERTI: Contra as gravatas, 71

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O THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO: HISTÓRIAS SURPREENDENTES E CASOS INSÓLITOS

SILENE ZEPTER: Nua, 73

MAURICIO DE SOUSA: “Minha imaginação voava”, 75

ARNALDO BAPTISTA: Em todas as cadeiras, 79

ZUZA HOMEM DE MELLO: Um disco raro, 81

TIAGO ARARIPE: O drácula, o branco e os porcos, 85

IRACITY CARDOSO: Nas pontas das sapatilhas, os primeiros passos, 89

ALBERTO RENAULT: São Paulo Fashion Week no Municipal, 93

WALTER MENEZES: Sonhou, 97

ARTHUR MOREIRA LIMA: Emprestou o nome ao povo, 101

RENÉ THIOLLIER: O empresário dos modernistas, 105

AFONSO ARINOS: A elite e os “pretos de verdade” no Municipal, 107

SÉRGIO REIS: Violeiros e índios, 111

FABIO MECHETTI: Avô, filho e neto, 115

TAVINHO PAES: Peru de fora dá palpite, 119

DARIO BUENO: O divulgador do centenário, 123

ALFREDO MESQUITA: E o início do teatro moderno, 127

NIZA DE CASTRO TANK: Lágrimas de crocodilo e dueto com um gato, 131

PELÉ: No Municipal, não existe a palavra “não”, 135

ISABELLA INFANTINE: Foi preciso ficar amiga do segurança, 139

THEREZINHA BORGES: O fim do glamour, 141

ALEX PERISCINOTO: E as vitrines da loja da frente, 143

EDISON MARINHO: Guarda do Municipal se apaixonou – pela música, 147

CONRADO SORGENICHT: O clã dos vidros, 149

ANTONIO CANDIDO: E o manifesto proibido, 153

JACY GUARANY: Respeito à música, 157

ARMANDO BELARDI: Traduziu O guarani – e o apresentou para

o mundo todo, 159

OTACÍLIO JOSÉ RODRIGUES: Táxi no Municipal, 163

JOSÉ ERMÍRIO DE MORAES FILHO: Vaquinhas, 167

MOISÉS MIGUEL: Colecionador, 169

BENIAMINO GIGLI: Parou a missa, 173

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GEORGES HENRY: No Municipal, rumba cubana, 177

PAULO LUÍS FERREIRA: O fotógrafo de postais, 181

CRISTIANO MASCARO: Mudança de vida, 183

MIRIAM TUCCI PASTORINO: O tour da restauração, 187

ALCINO DA SILVA: Um sonho: assistir à ópera, 189

RICARDO PERES: O pianista voador, 191

EDUARDO MORAES DANTAS: Ele queria reformar o Municipal, 193

TOMMASO FERRARA: Um empreiteiro italiano, 195

PELÁGGIO LOBO: Dentro do teatro em obras, 197

EUGENIA ZERBINI: De mãe para filha, 199

FERNANDO FIGUEIREDO: A posse, 201

VITÃO: Um performer das antigas, 203

JORGE FERREIRA SILVA: “Tudo o que sei, aprendi ali”, 205

ARLINDO DE SOUZA: Assombrações, 209

FERNANDO MEIRELLES: De vanguardista picareta a caça-fantasmas, 213

NAZARETH PRADO: A causadora da Semana de 22, 215

BOB WILSON: Doze horas, 217

TOMIE OHTAKE: Teatro é o Municipal, 219

IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO: O cheiro do teatro, 221

MÁRIO CHAMIE: De Mário para Mário, 223

MÁRIO DE ANDRADE: “Acabemos com essa falsificação ridícula”, 227

MAGDALENA TAGLIAFERRO: A professora, 231

AMILTON GODOY: A primeira vez, 233

EVA WILMA: E os porteiros amigos, 235

SALVADOR CORVINO: Ciumento, 239

CLAUDIO ROSSI: Amigo do prefeito, 243

BESSÃO: E o concurso da pichação, 249

HEITOR CARVALHO JORGE: Na Wikipédia, o Theatro Municipal, 251

DOMIZIANO ROSSI: Delicados desenhos do arquiteto “terrível”, 255

JÚLIO MEDAGLIA: Do violino da empregada aos palcos, 257

SANDRO BORELLI: Estreias, 261

SUMÁRIO

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O THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO: HISTÓRIAS SURPREENDENTES E CASOS INSÓLITOS

CLAUDIO WILLER: A arte transgressora invadiu o templo da erudição, 265

IVALD GRANATO: O anjo louco da poesia, 269

ALCÂNTARA MACHADO: Defende o povo operário e a música brasileira, 271

MANOEL CARLOS: Para entrar de graça, batia palmas, 275

MARIA ADELAIDE AMARAL: E o caderno da memória, 277

ANGELA DE BUARQUE BORGES: Os músicos tinham fome, 283

EMÍLIO KALIL: Municipal é do povo, 287

MARCOS ARBAITMAN: Entre Kalil e Calil, 291

CARLOS AUGUSTO CALIL: O secretário do centenário, 293

JORGE AMERICANO: O memorialista das antigas, testemunha da

inauguração, 297

HILÁRIO TÁCITO: E Madame Pommery, no Bar do Municipal, 301

ANITA MALFATTI: Teatro cheio até as torrinhas, 305

ISADORA DUNCAN: Amiga de Anita, 309

MARIA PRESTES MAIA: Por trás da política, 313

TIAZINHA: Bailarina clássica, 317

SÉRGIO CASOY: Órfão do Municipal, 321

LIVIO TRAGTENBERG: Regente do caos, 323

GILBERTO TINETTI: O pianista solitário, 325

VICTOR BRECHERET: Mais de 9 mil quilômetros de distância, 327

ANTONIO PRADO: Sacode a poeira, 331

ROSA CORVINO: Em casa, 335

Referências bibliográficas, 341

Índice onomástico, 349

Pessoas entrevistadas, 359

Algumas palavras finais, 363

Sobre os autores, 365

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NOTA DO EDITOR

Inaugurado em 1911, o Theatro Municipal de São Paulo foi projetado

pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo para receber, sobretudo, espe-

táculos de ópera, e seu desenho foi inspirado nas linhas de um dos mais

célebres teatros do mundo, o Ópera de Paris.

Ao longo de pouco mais de cem anos de existência, seu palco foi ocu-

pado por grandes companhias de ópera e de dança, tanto nacionais como

internacionais, além de abrigar espetáculos de música orquestral, música de

câmara, canto lírico e de grandes solistas da música erudita. A casa, porém,

também abriu espaço a manifestações da vanguarda artística e, em diferen-

tes ocasiões, a expressões da sociedade civil em busca de novos rumos para

a política do país.

Publicado pelo Senac São Paulo, O Theatro Municipal de São Paulo: his-

tórias surpreendentes e casos insólitos narra diversos episódios ligados à his-

tória dessa instituição, criando um rico painel em que se cruzam opiniões

de atores, músicos, artistas e intelectuais que ali atuaram, por meio do qual

o leitor pode apreciar a importância que essa instituição cultural adquiriu

desde sua fundação e que se mantém até hoje.

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PREFÁCIO

Eu era um pirralho nos primeiros anos da década de 1960 quando es-

tive pela primeira vez no Theatro Municipal de São Paulo. Fui levado por

meus pais. O programa de todo mês era sagrado: pelo Trem de Aço,1 vindo

do Rio de Janeiro com escala em Mogi das Cruzes, chegávamos à Estação

Roosevelt. Dali, em uma lotação Lincoln, íamos até a praça do Patriarca,

para uma parada na Casa São Nicolau, o paraíso dos brinquedos que nos

fazia sonhar.

Em seguida à travessia do Viaduto do Chá, com parada obrigatória nas

exposições de fotos ou na maquete de ferromodelismo, sempre disponíveis

na passagem subterrânea da Xavier de Toledo, alcançávamos a Barão de

Itapetininga. A estação seguinte era a Casa Los Angeles, para comprar uma

ou outra roupa antes de ir almoçar na Leiteria Americana.

Seguia-se um café espresso na Confeitaria Fasano, em tempo para ir à

sessão vespertina de um cinema ou teatro. Ao final, o elevador do Mappin

rumo ao Salão de Chá. Dali, pouco me lembro – a ansiedade infantil com

os brinquedos presenteados deixava passar ao largo os violinistas a per-

mear as mesas em parelha com o pianista de casaca. De novo, o Lincoln

Limousine até a Estação Roosevelt, para uma viagem de horas à casa de

sempre. Viagem de sono e de sonhos.

Esse roteiro me levou pela primeira vez ao Theatro Municipal de São

Paulo. Menino, arregalei os olhos com tantos espelhos, corrimãos dourados,

1 Trem de Aço era o apelido do trem Santa Cruz, que fazia o trajeto Rio-São Paulo.

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corredores aveludados e portas enceradas. No palco, alegres evoluções de

coloridas fantasias. Coisa com jeito de Tatiana Belinky e Júlio Gouveia.

Até que...

Nos primeiros anos da década de 1970, repórter iniciante, incumbiram-

-me de cobrir o Baile de Gala do Carnaval de São Paulo. Onde? No Theatro

Municipal. Trabalho simples: deveria enviar à redação, por telefone, um

único parágrafo para justificar a foto que sairia na edição seguinte. As

mulheres vinham fantasiadas ou trajadas para soirée; as máscaras tinham

lantejoulas. Os homens estavam de smoking ou summer; as orquestras pro-

curavam animar paulistas circulando em desalinho pela plateia, de onde

foram removidas as poltronas.

Não entendi muito bem o que se pretendia com aquilo. Mas me deu um

nó no coração ver o que estava guardado na memória da infância ser redu-

zido a um espetáculo de desrespeito ao patrimônio público.

Edison Veiga e Vitor Hugo Brandalise, dois dos mais brilhantes jornalis-

tas da nova geração, com os quais tenho o privilégio de compartilhar minha

trajetória, resgatam com este livro a melhor história do Theatro Municipal

de São Paulo.

A cada fase de desrespeito, como aquela vivida no Baile de Gala do

Carnaval há quarenta anos, costuma suceder um período de glória, como o

testemunhado há cinquenta anos. E, em todas as recuperações, há sempre

espaço para livros – enaltecendo a obra e esquecendo os autores.

Aqui, não: Edison e Vitor Hugo buscaram os responsáveis pela vida dada

ao totem da engenharia. O que seria o Theatro Municipal de São Paulo sem

as dezenas de protagonistas garimpados entre tantos outros nesses mais

de cem anos – os mesmos que fizeram viver cada detalhe imaginado por

Ramos de Azevedo, Claudio e Domiziano Rossi! Além desses protagonistas,

foram citadas outras centenas de personagens.

Por certo, a restauração agora concluída e o brilho devolvido ao Theatro

Municipal de São Paulo não serão os últimos. Outros terão de vir para

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assegurar a perenização daquilo que foi classificado pelos autores, de forma

emblemática, como o maior e mais significativo monumento paulistano.

Definitivamente, Edison Veiga e Vitor Hugo Brandalise prestam inesti-

mável serviço à história do nosso Theatro e à memória da gente paulistana.

Trabalho de pesquisa histórica aliado à técnica jornalística. Passamos a ser –

mais do que leitores – credores desse resgate.

francisco ornellasJornalista, sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo

PREFÁCIO

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COMEÇO, MEIO E FIM

Este é um livro sobre um teatro e sua gente. Sua origem, seu enredo, sua

finalidade. No centro do palco, o Municipal de São Paulo. Ao seu redor, uma

centena de personagens. Gente orgulhosa que deixou sua marca no primeiro

século do teatro da cidade. Gente orgulhosa que também leva sua marca.

Cada um dos personagens aqui retratados tem um papel na história do

Municipal – ajudou a erguê-lo, apresentou-se em seu palco, chocou sua pla-

teia, batalhou em seus bastidores, nasceu e renasceu dentro dele. Construiu

os cem primeiros anos de sua história. Transformou-o na mais notável casa

de cultura de São Paulo. São trajetórias que se conectam – o Theatro às pes-

soas, as pessoas ao Theatro. Por isso, são histórias também contadas assim:

ligadas umas às outras. No fim da narrativa de um personagem, começa

sempre a de outro. São trajetórias unidas por meio de pontos em comum.

Muitas vezes, de forma surpreendente.

Em que a história de uma mulher nua no palco do Municipal estaria

ligada à do mais famoso quadrinista brasileiro? Qual é a ligação entre um

vereador eleito em um distante 1911 e um dramaturgo que começou a tra-

balhar mais de meio século mais tarde?

São eles próprios que vão contar.22Terminando com quem nele come-

çou. Começando com quem o concluiu.

2 Nesta obra há três tipos de citações: introduzidas com travessão, quando se tratar da fala do persona-

gem-título do capítulo; entre aspas, quando for depoimento de outra pessoas sobre o personagem-

-título; e em itálico, quando se tratar de anotação ou trecho de livro escrito pelo próprio persona-

gem-título.

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RAMOS DE AZEVEDOEle disse “não, obrigado”

Estava tudo planejado: o ilustre arquiteto Francisco de Paula Ramos de

Azevedo, autor do projeto do novíssimo Theatro Municipal de São Paulo,

teria um busto de bronze, em tamanho natural, no foyer da casa de espe-

táculos. Justa homenagem da capital paulista ao criador do que seria seu

maior e mais significativo monumento.

A exatos dez meses da inauguração do teatro, já orgulhosa do futuro

símbolo, a Câmara Municipal propôs o tributo – um reconhecimento “pelo

trabalho, pela mais alta competência, pela imaculada honorabilidade” do

arquiteto, como defendeu o vereador Augusto Carlos da Silva Telles, autor

da proposta, em sessão da Câmara em 12 de novembro de 1910.

Os jornais publicaram: Ramos de Azevedo seria imortalizado no salão

nobre do novo teatro. Na Câmara, ninguém se opôs. Era certo – o projeto

de lei no 60, de 1910, seria aprovado com facilidade. E o doutor Ramos

de Azevedo, por causar “grande desvanecimento para a cidade”, receberia

homenagem justamente no coração de sua obra maior. Na base do busto,

palavras de reverência:

Ramos de Azevedo. Homenagem da Municipalidade de São Paulo ao arquiteto deste Theatro.

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O THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO: HISTÓRIAS SURPREENDENTES E CASOS INSÓLITOS

Mas, uma semana depois da proposta, o inesperado entrou em cena:

Ramos de Azevedo negou-se. Dispensou a homenagem. Recusou um busto

seu no foyer do Municipal. Jamais chegaria a ver, nos dezoito anos que lhe

restavam, uma estátua sua ali.

Em 19 de novembro de 1910, o vereador Silva Telles explicou na Câmara

a razão da negativa. Ramos de Azevedo lhe enviara uma carta – fazia-o

“com delicadeza verdadeiramente elevada”, que também revelava “um espí-

rito eminentemente elevado”. Negara a homenagem em nome da lealdade.

– Seria a mais honrosa consagração aos meus esforços. Entretanto, há

algumas considerações ditadas por deveres de lealdade que não devo ca-

lar. A edificação foi executada em harmoniosa colaboração com os meus

devotados companheiros, senhores arquitetos Claudio e Domiziano Rossi,

comigo signatários do contrato das obras.

Todo o trabalho foi conjunto. Ramos de Azevedo, homem de notório

saber, contratado sem concorrência pelo prefeito Antonio Prado, chefiava

e supervisionava o projeto e a obra. Mas a empreitada era grande demais

para um só homem. Ao cenarista Claudio Rossi, couberam o primeiro es-

boço do que seria o edifício e a compra na Europa de todos os equipamen-

tos internos. Domiziano Rossi (eles não eram parentes, apesar do mesmo

sobrenome) transformou o que era um belo desenho em centenas de pro-

jetos de cada detalhe do teatro.

Apontado como um profissional que “admirava e proclamava os méri-

tos das obras daqueles em quem reconhecia talentos, devoção profissional

e probidade” – nas palavras do amigo jornalista e advogado Pelágio Lobo –,

Ramos não poderia aceitar sozinho a homenagem. Não era de sua índole

ignorar o trabalho de colaboradores.

– Como aceitar a situação de destaque a que me conduziria a manifes-

tação proposta? A sua expressão, que é a de justiça, não corresponderia ao

sentimento que anima o meu amigo [Silva Telles] e os dignos colegas que o

acompanham. Não desdenhando a honra que me é oferecida, só me seria

grato aceitá-la ao lado dos meus companheiros.

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RAMOS DE AzEVEDO

Assim, ressaltando o “elevado caráter” de Ramos de Azevedo – a quem o

vereador Silva Telles dedicava “amizade verdadeiramente fraternal desde a

infância” –, a Câmara recuou, e em seguida propôs novo projeto – que, ago-

ra, sim, incluía o nome de Claudio e Domiziano Rossi nos dizeres da placa.

Homenagem da Municipalidade de São Paulo ao arquiteto deste Theatro e aos seus colaboradores –

Claudio e Domiziano Rossi.

A reação de Ramos à tentativa de homenageá-lo revela um homem

reservado e, como ressaltavam amigos e colaboradores, com a virtude de

reconhecer qualidades alheias: “Afivelava ao rosto máscara de austeridade

concentrada e grave, que lhe deu sempre certo ar de indiferença. Debaixo

dessa máscara impassível, a sua alma, boa, pura, vibrava com as vibra-

ções dos outros”, descreveu o engenheiro Alexandre D’Alessandro, aluno

de Ramos. “Sabia estimular os méritos dos recomendados, fazendo deles

companheiros, sócios, confidentes”, definiu Pelágio Lobo, que continua:

“Companheiros e amigos passavam a ser os mais veementes pregoeiros das

suas virtudes e os mais devotados dos seus colaboradores”.

O projeto do busto em homenagem ao trio de construtores voltou à

Câmara, mas ficou no papel. Novas polêmicas surgiram – qual espetácu-

lo inauguraria o teatro, quem teria acesso aos convites vendidos, para que

conceder novos custos ao valor da obra –, e a discussão sobre a homenagem

deixou de existir. Ao final da obra, uma pequena inscrição foi gravada na fa-

chada do teatro, citando Ramos de Azevedo e, sem distinguir um de outro,

“Claudius Domitianusque Rossius” como arquitetos do teatro. O busto que

celebraria o trabalho conjunto não passou de projeto de lei.

Para tão eminente homem, não deve ter feito diferença: Ramos de

Azevedo logo foi convidado a fazer parte da comissão de inauguração do

Municipal e, ainda em 1910, sua equipe emendou outro projeto, do Palácio

das Indústrias, no Parque Dom Pedro II. Na noite de abertura do Municipal,

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O THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO: HISTÓRIAS SURPREENDENTES E CASOS INSÓLITOS

12 de setembro de 1911, assistiu à apresentação dos artistas que ajudara a

escolher – Titta Ruffo e sua companhia –, de um dos camarotes do primeiro

andar, ao lado de notáveis como o banqueiro Numa de Oliveira, o acadêmi-

co Alfredo Pujol e o empresário Ernesto de Castro. Nessa data, o arquiteto

tinha 59 anos.

A ideia de homenagear Ramos de Azevedo no Municipal só voltou a

aparecer em 1928, quando ele não poderia mais opinar: em 8 de dezembro

daquele ano, seis meses depois de sua morte, um busto do arquiteto foi fi-

nalmente inaugurado no Municipal. No ano do centenário da obra, a repre-

sentação de seu semblante continuava lá, solenemente disposta no quinto

andar do teatro, ao lado de seis outros notáveis. Claudio e Domiziano Rossi

não estão entre eles – sem que o patrão pudesse defendê-los, os outros dois

responsáveis pelo projeto do Municipal acabaram ficando de fora.

Mesmo sem nunca ter visto o tributo, Ramos não pode ser acusado de

tê-lo negado por desdém. Um detalhe pessoal demonstra o valor que o ar-

quiteto atribuía à obra do teatro. Em 1904, ele construiu um prédio anexo à

sua casa, na rua Pirapitingui, no bairro paulistano da Liberdade. Abrigaria

ali seu escritório e, para decorá-lo, encomendou um vitral no qual retrata a

musa da Arquitetura. Jogada aos pés da musa, ao lado de um esquadro, está

uma prancheta – nela, um esboço indisfarçável: o Municipal.

Entre as tantas obras que construiu em São Paulo, foi a do Theatro

Municipal que Ramos de Azevedo levou para dentro de casa. Não o jul-

gava apenas como mais um projeto, como uma obra comum. O teatro era

especial.

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ELEAZAR DE CARVALHOFutebol, jovens e reinaugurações

– Atuar no Municipal é como vestir a camisa da seleção brasileira e ga-

nhar de goleada. Não importa qual foi o jogo ou o espetáculo, o que im-

porta é a seleção.

Grande divulgador da obra de Villa-Lobos na Europa e nos Estados

Unidos, o maestro Eleazar de Carvalho era um apaixonado pelo teatro. E

por futebol. Em 1975, aos 63 anos, foi no Municipal que ele regeu a apresen-

tação de Santos Football Music, peça de vanguarda composta por Gilberto

Mendes, talvez a única obra sinfônica do mundo que homenageia um time.

Santos Football Music foi composta em homenagem à grande equipe

santista de Pelé, Coutinho, Pepe e companhia. Mendes nem é dos maiores

fãs do esporte, mas inspirou-se quando descia a serra e ouviu a narração de

uma partida no rádio de seu carro. No espetáculo, o público é comandado

pelo maestro e se comporta como torcida em estádio. A voz de um locutor

esportivo, gravada e narrando jogadas inesquecíveis, alterna-se com a mú-

sica e a vibração da “torcida”.

Eleazar caprichou na regência. Sem se desconcentrar da batuta, ele ca-

beceava a bola para os bastidores ao fim da peça. Inesquecível para amantes

da cultura e do esporte.

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A ligação do maestro com o Municipal, entretanto, já era antiga. Ele

começou a atuar ali nos anos 1940, regendo um ciclo de Beethoven. E o

fato de, como maestro, ter reinaugurado o local após duas de suas grandes

reformas – em 1955 e em 1988 – enchia-o de orgulho, talvez até mais do

que ter estado à frente de importantíssimas orquestras do mundo, como as

filarmônicas de Viena e de Berlim.

– Já sou o reinaugurador tradicional deste teatro.

Em 1955, foi com a ópera Lo Schiavo, de Carlos Gomes, que foi muito

aplaudida, com elenco internacional e casa cheia. No mesmo ano, o maes-

tro participou do movimento Juventudes Musicais, que por uma semana

reuniu no Municipal mais de 100 mil moços e moças – com uma progra-

mação de concertos feitos e explicados para os estudantes. Cinco anos mais

tarde, o evento se repetiu.

– Foi quando eu trouxe para cá representantes da música internacional

contemporânea. Entre eles, o italiano Luciano Berio, o grego Xenakis, o

belga Henri Pousseur. Não era a primeira vez que se apresentava música

contemporânea no Brasil, mas naquela ocasião a coisa foi mais organizada.

Um dos concertos provocou uma reação curiosa na plateia. Xenakis

tinha duas orquestras ao seu dispor e um placar eletrônico, no qual se

apertava um número de um a dez. Os músicos, então, tocavam a peça cor-

respondente ao número. Um grupo de quatro rapazes da plateia decidiu se

manifestar:

– Houve uma reação curiosa, mas até esperada. Entre comentários e

manifestações, eles se levantaram e, em protesto, começaram a cantar

uma canção que na época estava em moda, que se chamava qualquer coisa

como Chiquita Bacana. Era como se, de repente, cantassem num concerto

Mamãe, eu quero mamar.

Eleazar mandou parar o espetáculo e convidou-os ao palco. Deixou-os

cantar, e, em seguida, retomou a apresentação.

Na reabertura de 1988, o maestro regeu Trompetes voluntários, do inglês

Purcell. Depois, Tchaikovsky, Beethoven... Na plateia, repleta de figurões,

estavam o prefeito Jânio Quadros e o presidente José Sarney.

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ELEAzAR DE CARVALHO

Retornar à velha casa, para Eleazar, sempre tinha sabor especial. Como

regente, pisou aquele palco mais de duzentas vezes durante a carreira – ele

morreu em 1996. Mas seus trabalhos não se limitaram ao palco. Em 1974

e 1975, acompanhou o dia a dia do Municipal, ocupando ali o posto de

diretor. Ele resumia o período com um pensamento cheio de sabedoria,

uma lição aos seus sucessores: “Geralmente, não existem problemas para

quem dirige, mas, sim, soluções. Quem se preocupa com os problemas não

dirige nada”.

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LUCIANO CERRISalvou a história do lixo

Da amarga falência, uma grande oportunidade. A empresa em que

Luciano Cerri trabalhava fechou, e o produtor cultural foi parar na rua. E

agora, rapaz? Ficou sem emprego, caiu do cavalo – vai desistir? Mas Cerri

viu no problema um desafio – e até mais do que isso. Ele encontrou ali uma

nova missão de vida.

Em 1973, a Publicidade Ribeiro, empresa que imprimia os programas

do Municipal desde 1914, declarou falência. Foi fechada. Por semanas, cai-

xas e caixas dos livretos que indicavam os espetáculos do teatro ao longo

de sessenta anos ficaram largadas no prédio vazio. Já eram tratadas como

entulho. Dezenas de caixas de papelão, com milhares de programas, acaba-

riam no lixo.

Luciano Cerri pediu e conseguiu.

– Os proprietários não sabiam o que fazer com todos aqueles papéis.

Corri e guardei-os comigo. Não sabia exatamente o que fazer com eles, mas

não pude admitir que parte da história da cidade fosse jogada fora.

Cerri levou algum tempo para perceber o que tinha em mãos. Dezenas

de revistas, centenas de programas e quase 7 mil fotografias – era claro

que tinha de virar livro. Eis a missão que o produtor, amante de óperas e

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orquestras, que tinha o inesperado título de “comendador”, arranjou quan-

do salvou da lata do lixo a história do Municipal. Iria “imortalizar” aquilo

tudo em livro.

– Será uma verdadeira ata da vida teatral de São Paulo. São documentos

que contam toda a história do teatro. Desde o primeiro programa. Década a

década, o livro vai mostrar um lado fértil da sociedade paulistana. Resgatará

a memória cultural e artística da cidade.

Cerri criou o título Palco e plateia da sociedade paulistana, catalogou

programas e fotos e, segundo afirmou, consultou museólogos, arquitetos,

historiadores. Queria escrever o mais completo livro já publicado sobre o

Municipal. Sempre falou do projeto com esperança – mesmo quando co-

meçou a se deparar com a falta de patrocínio.

1986: o Theatro Municipal comemora 75 anos. E Cerri anuncia que o

livro sairá até o fim do ano.

1988: termina a reforma no teatro: “Agora vai” – é a época ideal para

lançar o livro.

1991: octogésimo aniversário da casa. E lá foi Cerri mostrar novamente

o projeto para a imprensa. Mas nada de conseguir patrocínio.

O produtor idealizou o livro cronologicamente, sendo os principais

acontecimentos divididos por década, sempre a partir dos programas que

salvara. Nos anos 1910, falaria da inauguração; em 1920, da Semana de

Arte Moderna de 1922; 1930, dos bailes de carnaval no teatro; 1940, do

Municipal em tempos de guerra... era uma boa ideia.

Mas o livro de Cerri nunca saiu. Não enquanto viveu. Em 1998, aquele

homem que cultivava a tradição morreu sem ver a obra publicada. Deixou

o projeto pronto – no ano do centenário, foi lançado pelos familiares que

herdaram o material; dessa vez, finalmente com patrocínio. Quem levou a

cabo o projeto de Cerri foi a jornalista e pesquisadora Márcia Camargos.

Se havia algo nessa história toda, porém, que amenizava a frustração do

produtor – e isso ele repetia sempre à família –, era a chance de participar

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LUCIANO CERRI

da criação do Museu do Theatro Municipal, inaugurado em 1983 nos bai-

xos do Viaduto do Chá.

O comendador dizia que, no momento em que o livro finalmente fosse

publicado, as dezenas e dezenas de caixas que salvou reforçariam o acervo

do museu, criado por decreto em 1968, mas que demorara quinze anos

para sair do papel.

Programas que estampam gravuras criadas por Di Cavalcanti, Tarsila do

Amaral, Candido Portinari, Anita Malfatti, Clóvis Graciano, Lasar Segall;

fotografias dos primeiros sessenta anos do Theatro Municipal – tudo isso

está a salvo, guardado e catalogado. Por seus próprios méritos. Certamente,

a missão foi cumprida.

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DIOGO PACHECOGuerra de bolotas contra o maestro pop

Música contemporânea no Municipal. E, para piorar, de improviso.

Diogo Pacheco, maestro de espetáculos alternativos, acenava com uma nota

qualquer e a orquestra entrava com o que desse na telha. Os puristas, claro,

remexiam quadris nas cadeiras do teatro – pés inquietos, mãos nervosas

amassando os programas do concerto. O maestro deu um dó maior. E o

pianista – não! – começou a tocar Mozart.

“Não toquem no meu Mozart!”, bradou, irada, uma espectadora tradi-

cionalista. Ela segurava entre as mãos o que fora um programa do concerto –

transformado em uma grande bolota de papel.

A sala de espetáculos do teatro virou campo de batalha. Uma saraivada

de bolotas cruzou a plateia, atingindo em cheio maestro e músicos. Contra-

-ataque: rompendo qualquer protocolo, jovens espectadores saltaram das

cadeiras e invadiram o palco. Lá de cima, veio uma chuva de bolotas na

“velharada”, nos “caretões”. E a orquestra seguiu firme: sonata de Mozart

sem trégua!

– Foi o espetáculo mais fantástico do Municipal. Os jovens gostavam

muito e aplaudiam. Já os tradicionais não gostavam. Foi uma guerra de

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bolotas interessantíssima. Fui muito vaiado, mas acho que fiz muita coisa

importante.

O concerto Ouviver a Música, de Willy Corrêa de Oliveira, em 1965, foi

apenas um entre tantos espetáculos não ortodoxos que o maestro Diogo

Pacheco – tão popular que era “mais conhecido pela frente do que pelas

costas”, coisa rara em sua classe – promoveu no Municipal. E apenas mais

um que acabou em vaias.

Diogo Pacheco preza a divulgação da música. Do jeito que for. De 1971

a 1972, como diretor artístico da Secretaria da Cultura, tinha liberdade to-

tal para criar: fez com que um tenor descesse de balão entre mocinhas as-

sanhadas em Il Matrimonio Segreto (Domenico Cimarosa), levou o Coral

Lírico para o fosso da orquestra em L’Elisir D’Amore (Gaetano Donizetti)

e transportou o enredo de I Pagliacci (Ruggero Leoncavallo), que original-

mente se passa na Calábria, para a nada pacata marginal do Tietê. Os habi-

tués novamente espernearam. Vaiaram-no como nunca, exigiram sua saída

da secretaria.

Para quem prezava a tradição, não deveria mesmo ser fácil aceitar as

promoções de Diogo Pacheco. Em 1964, o maestro de 39 anos quis trazer

uma cantora de MPB para interpretar Villa-Lobos. Elizeth Cardoso, “A di-

vina”, foi convocada para cantar no Municipal. Justo ela, que nunca havia

cantado música erudita, entoaria as Bachianas Brasileiras no 5. Isso rendeu

uma polêmica enorme – e também uma inesquecível união entre erudito

e popular, algo raramente visto pelo público paulistano. Pacheco relembra:

– Pouca gente sabia que essa peça é baseada em um texto de Manuel

Bandeira, sobre passarinhos. E ninguém nunca entendeu. Porque cantor

erudito está mais preocupado com a voz do que com o texto que canta. Mas

uma cantora popular teria a capacidade de transmitir o texto. Naquela épo-

ca, a Elizeth Cardoso era a maior cantora de música popular. Eu a convidei,

e já no primeiro ensaio soltou a voz.

“Irerê meu passarinho do sertão do Cariri. E ele é meu companheiro...”

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DIOGO PACHECO

– Foi a coisa mais bonita que fiz na minha vida. O Flávio [Rangel, di-

retor] fez uma coisa incrível e linda: ele fez a Elizeth entrar toda de branco

com uma rosa vermelha na mão. Ela avançou e me entregou a rosa. Regi

com a rosa na mão em vez da batuta. Foi muito bonito.

Exuberante e polêmico, Diogo Pacheco cultivou uma legião de amigos e

admiradores ao longo da carreira, mas também diversos inimigos. Audácias

como Elizeth Cardoso no Municipal, acredita o maestro, trouxeram-lhe até

problemas políticos.

– Chegaram a dizer que, por causa desse atrevimento de ter levado o

povo ao Municipal, eu estava registrado no DOI-CODI [órgão de repressão

dos anos de chumbo] como subversivo. Mas o que me interessava era di-

vulgar Villa-Lobos. Se depois desse concerto, apenas uma pessoa que nunca

tinha ido ao Municipal voltasse ao teatro, a parada estava ganha.

Desde que estreou na regência da Orquestra Sinfônica Municipal, na

década de 1960, Diogo Pacheco calcula ter regido mais de mil concertos

– grande parte no Theatro Municipal – e também levou suas inovadoras

apresentações a estádios, praças e até a boates de todo o país.

Um dos regentes mais conhecidos de sua época, Diogo Pacheco virou

sinônimo de maestro, especialmente por causa de programas na Rádio

Eldorado, na rede Globo e na TV Cultura. Durante boa parte da carreira,

foi visto como grande entertainer, espécie de regente pop que gostava de

conversar com o público e explicar o que havia apresentado. E também se

dedicou a ensinar.

– Me orgulho de ter lecionado no Senai da rua do Manifesto, no bairro

do Ipiranga. Eu formei um coral com estudantes e operários metalúrgicos.

Repito: um coral de estudantes e metalúrgicos!

Anos mais tarde, veio-lhe a curiosidade. Será que haveria um metalúrgi-

co mais, digamos, “conhecido”, entre seus alunos daquela época?

– Até fiz uma pesquisa para ver se estava entre os meus cantores. Mas ele

não poderia cantar com aquela voz.

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LULACondenou os generais

Em 1983, a caminho do fim da ditadura militar, o Municipal de São

Paulo foi transformado em tribunal. No banco dos réus, o regime vigente.

Faixas e cartazes nas galerias indicavam em maiúsculas a direção do clamor

popular: “Sou contra! Hora do Povo!”. Do palco do teatro, ressoavam pala-

vras fortes – abuso, injustiça, tortura e morte.

O Municipal foi o lugar escolhido para um julgamento simbólico da

Lei de Segurança Nacional, decreto militar de 1969 que impedia o direito à

oposição no Brasil. Quatorze anos depois da publicação da lei, em evento

batizado de Tribunal Tiradentes, 2 mil pessoas lotaram o Municipal para

protestar.

Entre as seis testemunhas que prestariam depoimento – torturados, pre-

sos políticos, trabalhadores –, ninguém foi mais aplaudido que um homem

barbudo, de calça jeans e camisa listrada azul e branca, que subiu correndo

da plateia ao palco do teatro. Microfone em punho, tentou falar. Foi inter-

rompido pelos gritos da multidão.

“Lula! Lula! Lula!”

Aos poucos, a plateia silenciou. Muito calmo, Luiz Inácio Lula da Silva,

representante dos trabalhadores urbanos do país naquele tribunal, explicou

por que acreditava que a lei deveria ser “condenada” pelo simbólico júri.

– Antes da Lei da Segurança Nacional, eu era torneiro mecânico na

Villares e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do

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Campo. Depois, perdi as duas condições. Aconteceu não apenas comigo,

mas com muitos outros companheiros.

Sob o pretexto de proteger o Estado contra “inimigos internos e exter-

nos”, a Lei de Segurança exterminava liberdades individuais. Trabalhadores

foram presos e condenados pela Justiça por participar de manifestações,

mesmo em tempos de abertura política. A sociedade não suportava mais

aquilo. Lula conta:

– Fizemos greves e trabalhadores conheceram o dissabor da Lei de

Segurança Nacional. E o que é absurdo em tudo isso é que os conflitos que

existem neste país, sejam na área urbana ou rural, nunca levaram um gran-

de empresário, um grande latifundiário do norte do país, a ser enquadrado

na Lei de Segurança. Os trabalhadores é que foram enquadrados.

Foi o mais aplaudido de uma noite em que o Theatro Municipal foi

cenário de histórias tristes. Diante de relatos de tortura com choque elé-

trico, desaparecimento e assassinato de estudantes, o senador Teotônio

Vilela, que presidia o tribunal, não precisou nem bater martelo. “A Lei de

Segurança Nacional está condenada. Agora, vamos executar nossa tarefa de

cidadãos, vamos tirá-la do nosso ambiente e jogá-la no lixo. Vamos julgar

com a LSN aqueles que nos oprimem. Pela paz e pela justiça.” Também foi

aplaudidíssimo.

O Tribunal Tiradentes fez parte de um movimento nacional organi-

zado em São Paulo pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São

Paulo. Subiram ao palco do Municipal: Márcio Thomaz Bastos (promotor

de acusação), Luiz Eduardo Greenhalgh (que lutava para libertar perse-

guidos políticos, mas aceitou o “ingrato papel” de advogado de defesa da

LSN) e Goffredo da Silva Telles Junior, como jurado. Outro integrante do

júri foi Hélio Bicudo, advogado e jurista, defensor dos direitos humanos.

“Queríamos algo que empolgasse o povo. E o Tribunal Tiradentes, uma

homenagem ao primeiro mártir da liberdade do país, conseguiu encher o

teatro. Franqueamos a casa para falar do que estava afligindo a população”,

contou Bicudo.

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