esses surpreendentes partidos brasileiros

100
't, .• ~ . Maio 2002 N' 75 e www.revistapesquisa.lapesp.br -FAP-ESP- I ,. ! Estudo mostra coerência entre orientação ideológica e composição social das bancadas na Câmara dos Deputados FUTEBOL PELA LENTE DA CIÊNCIA PESQUISADOR BRASILEIRO DESCOBRE GENE DE RARA DOENÇA RENAL

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Pesquisa FAPESP - Ed. 75

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't, .• ~

. Maio 2002 N' 75 ewww.revistapesquisa.lapesp.br '

-FAP-ESP-

I,.!

Estudo mostra coerênciaentre orientaçãoideológica e composiçãosocial das bancadasna Câmara dos Deputados

FUTEBOL PELALENTE DA CIÊNCIA

PESQUISADOR BRASILEIRODESCOBRE GENE DERARA DOENÇA RENAL

Anuncie na edição especial

FAPESP 40 anosEm 23 de maio, a Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado deSão Paulo-FAPESP fará 40 anos.E tem muito a comemorar: sãoquatro décadas de apoiopermanente à produção doconhecimento no Estado de SãoPaulo, à sua pesquisa científicae tecnológica. Trata-se deinvestimento que vem gerandoinestimável riqueza material ecultural para o país e contribuindopara conferir à ciência brasileiraa maturidade e o vigor com quehoje ela se apresenta ao mundo.

Pesquisa FAPESP vai contarnuma edição especial os fatoscientíficos, tecnológicos e políticosmais marcantes desses 40 anosde vida da FAPESP e falarde planos que sintetizam umaaposta audaciosa no futuro.

Participe também dessa história de realização do futuro,anunciando na edição especial de Pesquisa FAPESP.

A edição especial será lançada na festa dos 40 anose circulará com a edição de junho da revista.

Reserva: 10/5 - Material: 15/5 - Circulação: 1/6Para anunciar, ligue: (OxxI D 3167-7770 ramal 255ou contate [email protected]

pesq--'üiSãFAPESP

Os atalhos do

MEDO

82ÍNDICE

Estudo mostra coerênciaentre orientação

ideológica dos partidosbrasileiros e composiçãosocial de suas bancadas

CARTAS 4PESQUISA FAPESP ON LINE 6EDITORIAL 7MEMÓRIA 8

• POLÍTICA CIENTÍFICAE TECNOLÓGICA 10ESTRATÉGIAS 10REUNIÃO DISCUTE P&D 14UM B~LANÇO DO PRO-CIÊNCIASEM SAO PAULO 20PATENTES DA EUROPAE DO BRASIL 22NOVA EMPRESA FORMADAPOR PESQUISADORES 25RECURSOS PARAO VERDE-AMARELO .........•.... 27

• CIÊNCIA 28LABORATÓRIO 28NOVA GERAÇÃO DçANIMAIS TRANSGENICOS 3óAVANÇOS NOS ESTUDOS DASDOENÇAS AUTO-IMUNES 38TRATAMENTO DE PULMÃO 40HABILIDADES NO FUTEBOL 42VACINA CONTRA BRUCELOSE 45AS ORQUÍDEAS E OS INSETOS 46A TERRA HÁ UM BILHÃO DE ANOS 48COMO UM BURACO NEGROABSORVE MATÉRIA 52

• TECNOLOGIA 60LINHA DE PRODUÇÃO 60TESTE PARA EQÜINOS E BOVINOS .. 70PROTEÍNA PREVINEMORTANDADE DE FRANGOS 72PRONTUÁRIOS DO INCOR 76INDÚSTRIA DE AUTOPEÇAS 79MÁQUINAS PARA USINARPEÇA DE TURBINA 80

• HUMANIDADES 82FUNDAÇÃO ROCKFELLER NA USP 89ESTÉTICA BARROCA BRASILEIRA 92

LIVROS 93LANÇAMENTOS 97ARTE FINAL 96

Capa: Hélio de AlmeidaFoto: Leopoldo Silva/AE

32Pesquisador brasileirocoordena grupo internacionalque leva à identificaçãode gene causador de uma gravedoença de rim em crianças

49América do Sul ganhaespaço no mapade Rodínia, um supercontinentede 1 bilhão de anos

56o físico Luiz Davidovich falasobre o prêmio internacionalque ganhou, das perspectivasdo desenvolvimento daFísica e do caráter lúdicodo trabalho do cientista

64A cobrança pelo uso da águados rios deve impulsionara adoção de novas tecnologiaspara tratamento e reusode água e de efluentes

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 3

Flora fanerogâmica

Primeiramente gostaria de agra-decer a carta do dr. José F. M. Valls,divulgada na edição n= 69 desta re-vista (outubro, 2001), a respeito dareportagem Entre capins e bambus, naqual o dr. Valls, um dos colaborado-res do primeiro volume da Flora deSão Paulo (Poaceae), demonstrou asua satisfação com a publicação doreferido volume como, também, fezalgumas críticas que merecem escla-recimentos por parte da coordena-ção do projeto. Concordamos que oenquadramento das espécies vegetais

nas diferentes categorias de ameaça deextinção, seguindo os princípios in-ternacionais, usadas e publicadas pelaUnião Internacional para Conserva-ção da Natureza (UICN), é muito dis-cutido entre os botânicos, principal-mente porque os critérios utilizadossão muito subjetivos, gerando diferen-tes interpretações. Afirmar que umaplanta está extinta apenas quando nãofoi encontrada há mais de 50 anosno seu hábitat, sem considerar ou-tros aspectos relevantes, como a áreade distribuição geográfica e a dinâmi-ca das populações dos táxons, cons-tituirá uma conclusão pouco consis-tente. Nesse sentido, é fundamental opapel do especialista, que, com o co-nhecimento do grupo botânico, po-derá efetuar uma análise mais crite-riosa, utilizando também as coleçõesbotânicas dos herbários.

As listagens vermelhas das espé-cies ameaçadas constituem uma fer-

4 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

[email protected]

ramenta fundamental para a proteçãodessas espécies, alertando a comuni-dade sobre a dilapidação do patrimô-nio genético que assola todo o planeta.Nesse sentido, o Projeto Flora Fane-rogâmica de São Paulo elaborou umalistagem preliminar que, como a maio-ria, é incompleta e vulnerável às mu-danças,mas que tem sido utilizadapelasautoridades jurídicas e governamen-tais, tanto na aplicação das leis con-tra os crimes ao meio ambiente comovisando à conservação da biodiversi-dade brasileira. Uma listagem maiscompleta fará parte de um projeto pos-terior, que incluirá discussões préviasentre os especialistas sobre a forma deutilização dos critérios.

A afirmação do dr. Valls de que ascoletas de Poaceae estão escassamenterepresentadas no Estado de São Pauloé em parte verdadeira, mas elas estãomuito mais bem representadas depoisdo projeto, cuja programação de ex-pedições botânicas se estendeu pormais de dois anos. Além de um pro-grama de coleta em locais pouco ex-plorados, como a Serra da Mantiqueirae a Serra da Bocaina, limítrofes comoutros Estados, houve coletas especí-ficas pela equipe, que poderia seleci~-nar melhor as áreas de coletas, con-forme as necessidades de cada grupo.

! Infelizmente alguns especialistas nãopuderam dar sua contribuição naampliação da coleção da flora.

Todas as floras concluídas ou emandamento estão sujeitas a mudançasem relativamente pouco espaço detempo; nenhuma flora é definitiva.Por isso, uma programação de coletabem elaborada é recomendável paraum trabalho mais completo. Consi-deramos que os 20 mil números deplantas coletados durante a fase ini-cial da Flora de São Paulo trouxeraminformações muito significativas paraesse trabalho, representando diferen-tes áreas do Estado.

MARIA DAS GRAÇAS LAPA WANDERLEY

Coordenadora do Projeto FloraFanerogâmica de São Paulo

São Paulo, SP

Idades do planeta

Acho excelente a revista PesquisaFAPESP e a leio com prazer. Há mesesestou para escrever aos senhores, acer-ca de uma imprecisão à página 45 donúmero 69 (outubro 2001).Ali se con-sidera que a cc••• presença de civilizaçõessuperevoluídas, como as que povoamlivros e filmes de ficção científica, di-ficilmente seriam encontráveis naGaláxia ..:: A consideração é feita pelasimilaridade das idades de nosso pla-neta (aproximadamente 4,7 bilhões deanos) e de outros, do tipo terrestre (4,9bilhões de anos), na Via-Láctea.

Bem, recordo apenas há 100 mi-lhões de anos, dinossauros não seincomodavam com os poucos repre-sentantes de mamíferos ... Ou, ainda,que há um milhão de anos éramosbaixos, peludos e nossa tecnologiapouco avançara sobre a de outrosprimatas ... Ou mais, há 500 e poucosanos "descobríamos" partes de nos-so próprio planeta, partes do tama-nho das Américas ... Ou seja, a afirma-ção é completamente descabida. Asimilaridade de idades de que trata oartigo não tem precisão acima decentenas de milhões de anos. Falarde estágio tecnológico semelhante éabsurdo. Outra abordagem: colo-quemos 5 mil anos à frente, se nãonos destruirmos, como estará nossatecnologia? Cinco mil anos é despre-zível dentro de 100 x 106. Bem, espe-ro ter esclarecido esta curiosa afirma-ção da revista, que decerto escapoude uma análise mais cuidadosa.

TEODORO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA

Instituto de Geociências da USPSão Paulo, SP (

Clonagem

No suplemento especial sobreclonagem (edição de março 2002, ar-tigo Prometeu versus Narciso: a ética ea clonagem), o dilema pode ser resu-mido nas palavras do professor Rena-to Ianine Ribeiro: "Os chineses co-nheciam a pólvora havia séculos - mas

só a usavam para fogos de artifício -quando os ocidentais passaram aempregá-Ia nas armas. Quantas ou-tras invenções não dormitam, as-sim, simplesmente porque algunsde seus potenciais ainda não foramdesenvolvidos? Só uma socieda-de ansiosa para se expandir (...) con-seguirá extrair o máximo de cadainvento (...)':

As minhas perguntas críticassão as seguintes: não poderia ser queos chineses sabiam desenvolver o po-tencial da pólvora, mas fizeram umaescolha humana? Não poderia ser queeles sabiam melhor que a nossa "cul-tura expansiva (capitalista) ociden-tal", que - nas palavras ao professor- "a chave de uma ética só pode serum respeito intenso ao outro"? Re-comendo aos leitores desta revista,por exemplo, o Tao Te Ching (o livrode virtudes) de Laotse (c. 500 a.Ci),para entender melhor a cultura e éti-ca chinesa tradicional. Não conheçoética mais profunda, avançada emenos dogmática. Para ser ético setem que começar a reduzir o pró-prio estresse, com métodos eficien-tes de relaxamento, como Laotse fez.Numa comunidade científica estres-sada, ambiciosa, agressiva e com-petitiva, nenhuma ética verdadeirapode existir. Parabéns, professor,pelo artigo!

PETER HUBRAL

Geophysical InstituteKarlsruhe University,Alemanha

Infra-estrutura

Na edição da revista Pesquisa FA-PESPno 74 (abril de 2002), na seçãoCartas, foi publicada uma mensa-gem do professor Mahir S. Husseinapontando "erro" na página 5 do

suplemento especial da revista nv 72 efazendo comentários sobre projetos In-fra da FAPESP.No citado suplementohá reportagens sobre laboratórios depesquisa do Estado de São Paulo be-neficiados pelo Programa de Infra-Estrutura - Infra (de I a V), da FA-PESP, nos últimos cinco anos. Entreesses laboratórios está o LaboratórioAberto de Física Nuclear do Departa-mento de Física Nuclear da Universi-dade de São Paulo. Fui procurado porum repórter da revista na qualidadede coordenador do Projeto Pelletron-Linac, beneficiado pelos Infra 11e IIIda FAPESP,que atualizou as instala-ções experimentais do LaboratórioAberto de Física Nuclear. Gostaria deesclarecer, em defesa da revista e deseu repórter, que as informações pu-blicadas estão corretas no contexto dareportagem. O Diretordo Laboratório Abertode Física Nuclear (LAFN)tem mandato de dois anos.O atual diretor, o profes-sor Dirceu Pereira, men-cionado na carta, foi eleitopara essa função em meadosde 2001, após a realização daentrevista do repórter. Naépoca do trabalho do repór-ter, o diretor do LaboratórioAberto era de fato o professorRoberto Ribas, que me sucedeuna função. Assim, a pequena in-correção na reportagem se deve ao

.fato de haver um coordenador doprojeto Pelletron-Linac e dos Infra 11e III, um coordenador do Laborató-rio Aberto, e até uma mudança na di-reção do laboratório entre a data daentrevista e a sua publicação. O rele-vante é que a reportagem alcançoude forma correta o objetivo de apre-sentar o que faz um laboratório de fí-sica nuclear que recebeu recursos doPrograma Infra da FAPESP. Recur-sos que modernizaram o laboratório,permitindo um avanço na pesquisa dequalidade na área. O laboratório sem-pre recebeu, e esperamos continuarárecebendo, o indispensável apoio dafundação.

ALEJANDRO SZANTO DE TOLEDO

Instituto de Físicada USP,São Paulo, SP

Medo

Preconceitosa e portanto nadacientífica a afirmação, na reportagemCircuitos do medo, que a abordagem"não deve ser do agrado de psicólo-gos e psicanalistas". Os fatos descritosno destaque, amplamente conhecidos,estão de acordo com os conhecimen-tos psicanaliticos atuais. A psicanáli-se, utilizando outros vértices obser-vacionais, há muito vem estudandocomo "estados emocionais primiti-vos" são descarregados, sem significa-ção, manifestando-se por terroresinomináveis. Os psicanalistas têm tam-bém constatado que experiências emo-cionais que possam "conter" esses ter-rores e lhe dêem significado permitemque fenômenos subjacentes possam

tornar-se disponíveispara o pensamento. Ese perguntam comoisso ocorre, tanto narelação mãe-bebêcomo no processopsicanalítico. Com-preender melhoras bases biológicas(e outras) dessesfenômenos é oanseio de todose a interdisci-plinaridade se

impõe. Parabéns aos colegasde Ribeirão Preto pelos avanços, in-cluindo o professor Graeff. A seção"Interdisciplinary Studies" do Inter-national Journal of Psychoanalysis é,entre outras, testemunha da fertiliza-ção entre psicanálise e outras áreasdo conhecimento.

ROOSEVELT M.S. CASSORLA

Faculdade de Ciências Médicasda Unicamp

Membro titular da SociedadeBrasileira de Psicanálise de São Paulo

e da InternationalPsychoanalyticalAssociation

Campinas, SP

Correção

O valor correto da cascata deraios cósmicos citado na reportagemOs raios cósmicos estão chegando, àpágina 57, edição de abril (no 74), é1015 e não 1015.

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 5

Pesql!j~aON LINE www.revistapesquisa.fapesp.br

Tudo novona Internet

A partir deste mês, Pes-quisa FAPESP ganha um sitenovo. O endereço continua omesmo, www.revistapesqui-sa.fapesp.br, mas o conteúdopassa a ser muito mais abran-gente. Com atualização maiságil, a versão on line da revistainformará o público sobre osprincipais fatos e eventos emciência e tecnologia no Brasile no mundo. Confira nestapá-gina as principais novidades.

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• Principaisnúmeros do setor

Quanto o Brasil gasta porano em pesquisa e desen-volvimento (P&D)? Qual onúmero de profissionaiscom doutorado no país? E,destes, quantos trabalhamem empresas? A nova seçãoIndicadores reúne os princi-pais números dessa área e éuma importante base de da-dos para compreender o ce-nário atual e vislumbrarpara onde caminha o setorno Brasil.

• A revista e umpouco mais

• Notíciasexclusivas

No novo site, os leitoresinternautas poderão confe-rir notícias produzidas comexclusividade para a versãoda revista Pesquisa FAPESPna Internet. Será possívelencontrar um panoramacompleto - e noticiado emprofundidade - dos maissignificativos eventos e de-cisões sobre política cientí-fica e tecnologia no Brasilaos fatos e descobertas maisrelevantes do setor.

• Eventose oportunidades

Outra novidades do site é aseção Agenda, que traz umcalendário com os princi-pais eventos de ciência e tec-nologia do país. Em outraseção, Classificados, estãoreunidas diversas ofertas deempregos e estágios em ins-titutos e empresas brasilei-ras do setor. É só ficar deolho e ver se a oportunidadecerta aparece.

6 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

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• Bibliotecadigital

Quem perdeu uma ediçãoda revista impressa não pre-cisa se preocupar. A versãoon line traz um arquivo como conteúdo completo dasedições anteriores da revis-ta. Encontrar uma determi-nada reportagem também émuito fácil. É só digitar oassunto na caixa de busca,que utiliza sofisticada pro-gramação para varrer todoo arquivo e localizar a notí-cia procurada.

Além do conteúdo completoda revista,o sitetraz informa-ções complementares à edi-ção impressa, como versõesampliadas das entrevistas.Neste mês, é possível sabermais sobre o tra-balho do físicocarioca Luiz Da-vidovich, espe-cialistaem ópticaquântica, que re-ceberá este ano oPrêmio de Físicade 2001 da Academia de Ci-ências do Terceiro Mundo .

• Com a palavra,a FAPESP

A seção FAPESP Informa,presente na primeira versãodo site, produzidas pela as-sessoria de Imprensa daFundação, traz as principaisnovidades sobre projetos,programas e bolsas para pes-quisadoresde SãoPaulo.Umaoutra seção, Ciência em Dia,reúne a cobertura diária empequenos textosdo que acon-tece de mais importante emciência e tecnologia no Bra-sil e no mundo .

AlcanceglobalCom o objetivo de ven-cer fronteiras e difundir asprincipais conquistas daciência e tecnologia bra-sileira,a versão on line darevista tem ainda versõesem inglêse espanhol, como conteúdo completo darevista.

19042002Pesql:lJ~a revistapesqulsa fapesp br português /

espafiol

HIGHLIGHTS O::: lCJrMapCurrent

Edition 72Cover-Physics

Atoms ofgoldenter thecircuitDiscoveries onnanowires

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FAPESP

CARLOS HENRIQUE OE BRITO CRUZPRESIDENTE

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADOVleE·PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIORAOILSON AVANSI OE ABREUALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE OE BRITO CRUZCARLOS VOGr

FERNANOO VASCO LEÇA DO NASCIMENTOHERMANN WEVER

JOSÉ JOBSON OE ANDRADE ARRUDAMARCOS MACA RI

NILSON DIAS VIEIRA JUNIORPAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO

RICARDO RENZQ BRENTANIVAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVOFRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTEJOAQUIM J. DE CAMARGD ENGLER

OIRETORADMINISTRATlVOJOSÉ FERNANDO PEREZ

O1RETOR CIENTiFlCO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIALANTONIO CECHELLI DE MATOS PAIVA

EDGAR OUTRA lANOHOFRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTlNHO

FRANCISCO ROMEU LANDI

JOAQYJ~ÉJF~~~:~D~R~~RWLER

luis NUNES DE OLIVEIRALUIZ HENRIQUE lOPES 00$ SANTOS

PAUlA MQNTEROROGÉRIO MENEGHINI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITORESSENIORESMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

NELDSON MARCOLlN

EDITQR DE ARTEHÉLIO DE ALMEIDA

CARlOS FlJ~~~:~STI(CIÊNCIA)CLAUDIA IZIQUE (POLlTlCAC&TI

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON UNE)

REPÓRTER ESPECIALMARCOS PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTESADILSON AUGUSTO, DI NORA H ERENO

CHEFE DE ARTETÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÃOJOSÉ ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEl BOYAYAN

COLABORADORESAFONSO CAPELA, CAROLINA JULlANO,

DOMINGOS ZAPAROLLI, FRANCISCO BICUDOLlLIANE NOGUEIRA, LuclLlA ATAS MEDEIROS,

MARCIO FERRARI, RICARDO ZORZETTO,TÃNIA MARQUES, YURI VASCONCELOS

ASSINATURASTELETARGET

TEl. (1lI303B-1434 - FAX: (11) 3036-1418e-mait: [email protected]

PUBLICIDADEEDUARDO AIOAR NEGOCIOS & MARKETlNG

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FAPESPRUA PIO XI, W 1500, CEP 05468·901

ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SPTEL. (1lI3838-4000 - FAX: (11) 3838-41B1

http://[email protected]

Osartigos assinados não refletemnecessariamente a opinião da FAPESP

E PROI810A A REPROOUÇÃO TOTAL OU PARCIALDE TEXTOS E FOTOS SEM PREVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA CI~NCIA TECNOLOGIAE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

âGOVERNO DO ESTADO DE sÃO PAULO

EDITORIAL

Ciência, política e futebol

os seismaiores partidos políticosbrasileiros,a julgar pela compo-sição de suas atuais bancadas na

Câmara dos Deputados, revelam coe-rência ideológica, programática, e con-vergência surpreendente entre orienta-ção política e perfil sócio-ocupacionalde seus representantes. Essas caracterís-ticas, que podem soar até como heresiaaos olhos de quem lê habitualmente onoticiário político nacional- e acostu-mou-se a cultivar uma imagem de frag-mentação e fragilidade para o quadropolítico-partidário brasileiro -, emer-giram de uma consistente pesquisasociológica recentemente concluída, eapresentada na reportagem de capadesta edição (a partir da página 82),elaborada por Claudia Izique. O estudoé extremamente oportuno neste ano deeleiçõesmajoritárias e de discussõesaca-loradas, mesmo furiosas, sobre as novasregras para alianças partidárias. Pesqui-sas de sociologia, ciência política ouqualquer outro campo das Humani-dades não têm que ter, é óbvio, compro-misso com as noções de atualidade eoportunidade que freqüentam neces-sariamente o exercício do jornalismo.Mas, às vezes, suas conclusões são exa-tamente isso, atuais e oportunas, paraalém de seu valor acadêmico ou cientí-fico. Nesse caso, tornam-se um acepipepara o jornalismo. Natural, portanto,que a pesquisa sobre os partidos tenhaconquistado a capa de Pesquisa FA-PESP, depois de disputá-Ia com repor-tagens de áreas mais freqüentem entealçadas a esse espaço nobre.

Por exemplo, nesta edição poderiater sido tema de capa um importanteachado científico no campo da genéti-ca: a identificação e descrição do genePKHDl que, quando sofre mutaçõesem suas duas cópias, desencadeia umasevera e rara doença hereditária (prin-cipalmente em recém-nascidos e crian-ças), a doença renal policística auto-sô-mica recessiva.O trabalho internacionalque chegou a esse resultado foi coor-denado por um pesquisador brasileiro

e teve a participação de 17 colegas dosEstados Unidos e Europa, como relataMarcos Pivetta (página 32). Ainda emCiência, vale destacar um trabalho queconseguiu situar a América do Sul nomapa da Rodínia (página 48), um su-percontinente que existiu na Terra há1 bilhão de anos, bem antes, portanto,do muito mais conhecido Gondwana,formado há 750 milhões de anos, apartir justamente dos fragmentos deRodínia. E ressaltamos, em Astrofísica,um trabalho feito no Rio Grande doSul que mostra de que modo a matériaé engolida por um buraco negro nocentro de uma galáxia. Mas dada a ra-ridade do tema nos domínios científi-cos, associada ao alto interesse que eleprovoca, ainda mais nesses tempos précopa do mundo, é também leitura al-tamente recomendável a reportagemsobre um estudo que traça o perfil dofutebol praticado hoje no Brasil, doponto de vista das exigências físicas aque são submetidos os jogadores decada posição no time.

A reportagem de abertura da seçãode Tecnologia detalha alguns projetosde pesquisa de novas tecnologias paratratamento e reuso de efluentes sanitá-rios e industriais, apoiados pela FA-PESP.Os especialistas acreditam que acobrança pelo uso das águas dos rios apartir de junho, que vai atingir, primei-ro, os moradores de 180 municípios deSão Paulo, do Rio de Janeiro e de Mi-nas Gerais, abastecidos pela bacia hi-drográfica do Paraíba do Sul, deveráimpulsionar bastante a adoção dessasnovas tecnologias, relata Yuri Vascon-celos (a partir da página 65). Para con-cluir, em Humanidades, uma reporta-gem sobre o projeto de pesquisa queresultou no livro Barroco Memória Vi-va, impele a uma bela viagem pelas ci-dades coloniais,por sua arquitetura, poroutras manifestações da estética barro-ca e, principalmente, por dentro dasigrejas que desempenharam o papel denúcleos de difusão da cultura e da artecoloniais brasileiras. Boa leitura!

PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 7

MEMÓRIA

Máquinade calcularInvenção do matemáticofrancês Blaise Pascalcompleta 360 anosNELDSON MARCOLIN

A somadora de Pascale o desenho do rosto dofilósofo: a pascalinafunciona ainda hoje

Amodernas calculadoras cabem napalma da mão de uma criança. Masquando a primeira máquina decalcular foi inventada, em 1642, há360 anos, era uma grande caixa

cheia de engrenagens apoiada em uma mesa.Fazia apenas soma e subtração, mas causouassombro. Primeiro, porque o mais próximo quehavia de uma máquina de calcular, até o século17, era o ábaco. Segundo, porque seu inventor,o francês Blaise Pascal (1623-1662), a construiumuito jovem, quando tinha entre 19 e 21 anos.O objetivo era ajudar o pai, Étienne, matemático

8 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

famoso na França. Anosdepois, Pascal tornou-se,também ele, um importantematemático, além de escritore filósofo respeitável.A pascalina (nome dadopor ele à calculadora) tevecomo antecessora o ábaco,que não era propriamenteuma máquina e sim uminstrumento criado entre 3 mil e 4 milanos atrás na Ásia, que permite cálculosrápidos feitos por meio do manuseiode contas ou sementes secas, quedeslizam sobre varetas paralelas dentrode um retângulo de madeira.Incrivelmente eficiente quando seadquire prática no seu uso, o ábacoainda é utilizado em diversas regiõesasiáticas. O problema é que qualquerdistração leva ao erro. Já a pascalina éum aparelho mecânico com seis rodasdentadas, cada uma com algarismosde O a 9. Com ela, era possível somartrês parcelas de uma vez, até o valor999.999. Há relatos de que, 20 anosantes dela, em 1623, o alemão Wilhelm

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Ábaco (ou soroban):instrumento para calcular tem entre3 mil e 4 mil anos e continua a ser

usado em alguns países daÁsia por pequenos comerciantes

Schickard teria criado uminstrumento semelhante aodo francês. Destruídoposteriormente por umincêndio, não restaramexemplar ou ilustraçãopara comprovar a história.Pascal fez sua máquinasem saber da tentativa deSchickard. Hoje ela estáexposta no museu do

Conservatoire des Arts et Metiers, emParis, e ainda funciona. Quase 30 anosdepois da pascalina, em 1671, omatemático e filósofo alemãoGottfried Leibniz aperfeiçoou acalculadora de Pascal: além de somare subtrair, a nova máquina multiplicavae dividia. A calculadora "de bolso': comcircuitos transistorizados, pesando1 quilo e custando US$ 150, apareceusó em 1970 nos Estados Unidos. Empouco tempo, sua disseminação fez opreço e o peso despencarem. Hoje épossível comprar uma calculadora pormenos de R$ 5,00 pesando apenas60 gramas (com a pilha).

Ilustração mostraPascal e sua máquina:objetivo foi facilitar otrabalho do pai

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 9

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

• Ameaça nuclearque vem do passado

ESTRATÉGIAS

THE WALL STREET JOURNAL.

seattletimes.com~ (!lN$~!\ttle.mtu~S

Jornalismo para cientistasSe há problemas, a culpa éda imprensa, que não sou-be noticiar, explicar e nemreproduzir corretamenteas informações. E, aindapor cima, distorce fatos.Tais afirmativas, comunsna boca de políticos, pare-cem se repetir com fre-qüência crescente nos Es-tados Unidos entre pes-quisadores quando o as-sunto é a imprensa espe-cializada em ciência etecnologia. Editorial darevista Nature (4 de abril)chama a atenção para asfreqüentes críticas de pes-quisadores ao "mau jor-nalismo" que acabam por"desvirtuar" o trabalhocientífico. A revista alertapara o fato de os exem-plos ruins serem exceçãoe não a regra. Além disso,os cientistas têm uma cla-ra dificuldade em lidar eentender as necessida-des da mídia. Hoje, é co-mum o jornalista procu-rar a especialização em ci-ência - mas continua sen-do raro o pesquisador quese interessa em entendercomo funciona a mídia.Um episódio recente co-locou a questão na ordem

do dia. O jornal The Seat-tle Times fez uma sériede reportagens em 2001sobre o Fred HutchinsonCancer Research Center,em Seatte. O centro teriaerrado ao informar a pa-cientes sobre os riscos deum experimento contracâncer realizado nos anos80. O jornal concluiu queos pesquisadores tinhaminteresses financeiros notrabalho e por isso leva-ram os testes adiantes, oque teria abreviado a vidados pacientes envolvidos.Os pesquisadores se de-fenderam alegando que areportagem é que estavaerrada. Pelo trabalho, osrepórteres do Seattle Timesforam indicados ao Prê-mio Pulitzer, o mais im-portante do jornalismonorte-americano (não ga-nharam). Em março, oWall Street Journal entrouna briga acusando o Seat-tle Times de ter deturpadoo trabalho científico. Obate-boca, como era de seesperar, não deu em nada.Mas cientistas e jornalis-tas deveriam aproveitar etirar algum proveito doepisódio. •

10 . MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

• Debates científicoscom crianças

O governo britânico quer ascrianças discutindo questõessociais relacionadas a temascomo alimentos geneticamen-te modificados ou aquecimen-to global nas aulas de ciências."Queremos os jovens pensan-do a ciência a partir de umaperspectiva mais abrangente",disse à revista Nature (7 demarço) Peter Finegold, daWellcome Trust, organizaçãoque financia pesquisas na In-glaterra. No entanto, a boaintenção está sendo vista comcerto descrédito por especia-listas no assunto. Para eles,faltam recursos e treinamen-to aos professores de ciência.Em 2001, o próprio WellcomeTrust relatou que a maioriadas discussões sobre temasbiomédicos ocupavam as au-las de humanas em vez dasde ciências. "Em geral, os pro-fessores de ciências não têmhabilidade, ernpatia e tempopara iniciar uma discussãocom a classe': afirma Ralph Le-vinson, da Universidade deLondres. "Já nas aulas de hu-manidades, os fatos científicosaparecem casualmente e asdiscussões fluem com maisnaturalidade." •

Norte-americanos na faixados 50 anos que não tenhamsaído do país até o início dosanos 60 correm risco de vida.Paira sobre eles a invisível, masconcreta, ameaça da radiação.É o que revela estudo preli-minar dos Centros de Con-trole e Prevenção de Doenças(CDC). A pesquisa avaliou aexposição à radiação e seusefeitos à saúde entre 1951 e1962 e concluiu que testes combombas nucleares realizadosem território americano po-dem estar relacionados a 11mil mortes e milhares de ca-sos de câncer de tireóide - de10 mil a até 200 mil, nas es-timativas mais pessimistas."Qualquer pessoa que não te-nha saído dos Estados Uni-dos desde 1951 já foi expostaa resíduos radiativos, e todosos órgãos e tecidos do corporeceberam alguma dose de ra-diação", informa o estudo. Osdados são contestados por al-guns cientistas e ainda serãoanalisados pela AcademiaNacional de Ciências dos Es-tados Unidos. Eles estão dis-poníveis no sitewww.ieer.org,do Instituto de Energia e Pes-quisa Ambiental. •

Teste nuclear em Nevada, em 1953: conseqüências nefastas

• Renascimentono deserto

o mundo árabe parece maisdisposto a investir em ciênciae tecnologia. Em março, hou-ve um encontro em Sharjah,nos Emirados Árabes Unidos,da Fundação Árabe de Ciên-cia e Tecnologia (ASTF), paradefinir prioridades em C&T.O conselho da fundação pla-neja destinar US$ 150 milhõesnos próximos cinco anos parapesquisa. A ASTF foi criadaem 2000 com a missão de fa-zer renascer a ciência na re-gião, que já teve, no passado,uma produção riquíssima.Quando a Europa estava mer-gulhada nas trevas, na IdadeMédia, os árabes desenvolve-ram a álgebra e a moderna as-tronomia, por exemplo. Hoje,a situação é inversa. Coletiva-mente, as nações árabes gas-tam apenas 0,15% do ProdutoInterno Bruto (PIB) com pes-quisa e desenvolvimento(P&D) - a média mundialé de 1,4%. Nos últimosanos, o PIB dos países doOriente Médio tem caído,e muitos deles começam ainvestir em C&T na espe-rança de voltar a crescer -desta vez, com base tam-bém em P&D e não ape-nas em petrodólares. Se-gundo editorial da revistaNature (14 de março), ossinais são promissores.Especialmente porque oscientistas árabes que-rem de fato incrementar ointercâmbio com os pes-quisadores do Ocidente esuas instituições. Obvia-mente, tal cooperação apre-senta riscos, dados os con-flitos políticos constantesno Oriente Médio. Porisso, a ASTF aposta tam-bém nas doações indivi-duais. O melhor exemplovem justamente dos ju-deus, oponentes históri-

Quadros de Maurice Ia Tour (à esq.) e de Chardin: visita virtual

cos dos árabes. O Instituto deCiência Weizmann, em Israel,recebe 17% de seu orçamentoanual (cerca de US$ 180 mi-lhões) de doações. Mais da me-tade disso vem de judeus esta-belecidos nos Estados Unidos.A ASTF terá muito a ganharse convencer árabes norte-americanos endinheirados afazer como seus rivais judeuse apoiar a pesquisa. •

• O Museu do Louvre,100% digital

O maior e mais completomuseu virtual do mundo. Éassim que o já famosíssimoMuseu do Louvre, em Paris,quer ficar ainda mais conhe-cido a partir do próximoano, quando lança uma ver-são turbinada de seu site(www.louvre.fr). Totalmenteinterativa e didática, a refor-mulada página eletrônica doLouvre vai, literalmente, co-locar on-linetodas as obras deseu inigualável acervo per-manente, 'inclusive o míticoMonalisa, de Leonardo DaVinci. Os internautas pode-rão conhecer cerca de 165mil trabalhos, que datam daAntiguidade até meados doséculo 19. Além de apreciarversões digitais de 35 mil tra-

balhos, os visitantes do sitepoderão ver reproduções de130 mil desenhos que, porserem frágeis e precisar de

condições especiais de con-servação, não são normal-mente expostos às cerca de6 milhões de pessoas que vi-sitam o museu. Essa refor-ma digital deve consumirentre 6,5 e 8 milhões de eu-

ros. O museu espera passardos atuais 6 milhões de turis-tas virtuais por ano para algoentre 10 e 15 milhões. •

• Clonagem naboca do planeta

Três empresas norte-ameri-canas - Geron, Advanced CellTechnology e Infigen - bri-gam pelo controle da patenteda clonagem de plantas e ani-mais, mas quem saiu na dian-teira da pesquisa científica foia Grã- Bretanha. A Câmara dosLordes autorizou a clonagemhumana para fins terapêuti-cos, ou seja, para obter célu-las-tronco embrionárias queserão utilizadas na busca detratamento de doenças, comomal de Alzheimer, Parkinsone lesões cardíacas. Enquantoisso, os Estados Unidos apre-sentaram às Nações Unidasuma proposta que equipara aclonagem humana terapêuti-ca à reprodutiva - aquela quevisa a gerar cópias de sereshumanos - e pede para arn-bas proibição internacional.O presidente George W. Bushapóia um projeto de lei apre-sentado no Senado para fe-char definitivamente as por-tas a esse tipo de pesquisa,mesmo com a oposição dosprincipais cientistas do país.Já na Grã-Bretanha, equipesdas universidades de Edim-burgo (Escócia), Cambridge,Sheffield e Newcastle estãose preparando para trabalharcom células-tronco embrio-nárias humanas. George Rad-da, chefe executivo do Con-selho de Pesquisa Médicabritânico, diz esperar atrairmais pesquisadores estran-geiros, seniores e jovens, as-sim como empresas de bio-tecnologia. Rússia e Brasiltambém debatem o tema. Osrussos aprovaram uma nor-ma que impõe moratória decinco anos à clonagem (nãoinclui fins terapêuticos). NQBrasil, o Senado discute aproibição para fins reprodu-tivos, com pena de até 20anos para infratores. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 11

• Mais chancespara negros

Os ministérios da Ciência eTecnologia, da Justiça, dasRelações Exteriores e da Cul-tura assinaram em março umprotocolo para tornar viável aconcessão de bolsas do Con-selho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecno-lógico (CNPq) a candidatosnegros que desejem estudarno Instituto Rio Branco. Oobjetivo é estimular o ingres-so de negros na carreira di-plomática. Também foi insta-lado o Conselho Científico eTecnológico Palmares, criadopara indicar meios de am-pliar a participação do negrono sistema de C&T do país.Uma das providências doconselho é descobrir quantossão os pesquisadores e alunosde pós-graduação negros.Embora 45% da populaçãobrasileira seja composta de ne-gros e pardos, dados do Mi-nistério da Educação mostramque apenas 2,2% dos brasilei-ros que concluem os cursosuniversitários públicos ou pri-vados pertencem a essa classi-ficação racial. •

• Brito Cruz assumereitoria da Unicamp

O presidente da FAPESP,Carlos Henrique de BritoCruz, assumiu no dia 19 deabril a reitoria da Universida-de Estadual de Campinas(Unicamp) no lugar de Her-mano Tavares. Brito teve51,77% dos 9.348 votos váli-dos, vencendo a consulta nostrês segmentos da comunida-de acadêmica: docentes, fun-cionários e estudantes. Comisso, foi eleito sem necessida-de de segundo turno e teveseu nome confirmado pelogovernador, Geraldo Alck-

12 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

A andiroba (fotos acima) e o barbatimão (abaixo>...

...são algumas das plantas armazenadas pelo banco

Proteger o conhecimentoA criaçãç do Núcleo Na-cional para Conservação,Proteção e Manejo Sus-tentável de Plantas Medi-cinais do Instituto Brasi-leiro de Meio Ambiente edos Recursos NaturaisRenováveis (Ibama) agre-ga uma estratégia que, senão é nova, também nãoé comum. O objetivo donúcleo é estimular a pes-quisa dessas plantas paraconservar, proteger e ma-nejar as espécies. Umbanco de dados vai agre-gar as informações dis-poníveis. Nesse começode trabalho, os pesquisa-dores centraram fogo emcerca de 70 espécies -todo o material estudado

será disponibilizado parapesquisadores via Inter-net. O que se está fazen-do de diferente é que asinformações estarão rela-cionadas à comunidadede onde sairão essas mes-mas informações. "É mui-to comum termos todosos dados sobre determi-nada planta e não saber-mos quais as fontes pri-márias deles, ou seja, dequal comunidade o pes-quisador colheu as pri-meiras informações", diza coordenadora SuelmaRibeiro. "Divulgar essesdados é também umamaneira de proteger e darcredibilidade ao conheci-mento adquirido:' •

mino O novo reitor assumedefendendo que o papel sin-gular da universidade é edu-car. Segundo ele, o principalimpacto da universidade navida nacional se dá por meiodos estudantes, que vão ocu-par posições nas quais exerce-rão liderança intelectual. Paragarantir essa boa educação, éimportante a atividade exce-lente de pesquisa, fundamen-tal ou aplicada, e uma intera-ção maior com diferentessetores da sociedade. "Paraisso, é imprescindível o com-promisso com a liberdadeacadêmica': diz. Aos 45 anos,nascido no Rio de Janeiro ecriado em São Paulo, Britoformou-se em engenharia ele-trônica no Instituto Tecnoló-gico da Aeronáutica (ITA) epós-graduou-se no Institutode Física da Unicamp, doqual veio a ser diretor porduas vezes. Foi pesquisadordo Instituto Ítalo Latino-Americano/CNR na Univer-sidade de Roma, Itália, e fez opós-doutorado na ATT-BellLabs, Estados Unidos. Foi no-meado presidente da FAPESPem 1996 e reconduzido aocargo em 1998 e 2000. Publi-cou mais de 60 artigos em re-vistas técnicas especializadase é um dos físicos brasilei-ros mais citados na literaturacientífica internacional. •

Brito: 51,77% dos votos

• Prêmio JovemCientista

o racionamento acabou,mas a preocupação com osistema energético brasileirocontinua. Os prêmios JovemCientista e Jovem Cientista doFuturo deste ano têm comotema Energia elétrica: gera-ção, transmissão, distribuiçãoe uso racional. As inscriçõesde ambos estão abertas até 28de junho. Os prêmios sãopromovidos pelo ConselhoNacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico(CNPq), pela Gerdau e Fun-dação Roberto Marinho. Paraconhecer o regulamento e ins-crever-se, basta acessar o sitewww.jovemcientista.cnpq.br.Os prêmios vão de R$ 2 mil aR$ 15 mil, dependendo dacategoria. A instituição queinscrever o maior número decandidatos com trabalhosganha R$ 30 mil. •

• Pesquisa FAPESPé relançada

A revista Pesquisa FAPESPfoi lançada comercialmenteno dia 27 de março. A publi-cação, que começou comoum boletim informativo emagosto de 1995 e virou revis-ta em outubro de 1999, sem-pre foi distribuída gratuita-mente para os pesquisadores

do Estado de São Paulo. Emmarço, passou aceitar assina-tura e publicidade paga, em-bora os pesquisadores pau-listas continuem a recebê-Iasem ônus. Ela também estásendo distribuída em algumasbancas de São Paulo, Campi-nas, São José do Rio Preto,Ribeirão Preto e São Carlos.O lançamento reuniu a dire-toria da FAPESP, pesquisa-dores, empresários, jornalis-tas e colaboradores para umcoquetel em meio à exposi-ção das principais capas darevista. O presidente da FA-PESP, Carlos Henrique deBrito Cruz, abriu o eventocomentando sobre a impor-tância que a revista tem nadivulgação dos projetos de pes-quisa financiados pela Fun-dação. "Hoje, é comum ler-mos nos principais meios decomunicação do país sobretrabalhos científicos finan-ciados pela FAPESP tendocomo referência a revista quepublicamos", disse. O coor-denador adjunto da DiretoriaCientífica e professor do De-partamento de Filosofia daUniversidade de São Paulo(USP), Luiz Henrique Lopesdos Santos, concorda. "O no-vo projeto da revista, um órgãode disseminação do conheci-mento científico, é harmo-nioso com a missão da FA-PESP", afirmou Santos. •

Exposição das capas da revista no lançamento comercial

Ciência na webEnvie sua sugestão de site científico para

[email protected]

meio ambiente pro Br

Autor: Eurico Zámbres

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www.meioambiente.pro.br/agua/guia/aguasubterranea.htmUm guia específico sobre águas subterrâneas,em português, com informaçõescientíficas e escritas de modo didático

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 13

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APRESENTAÇÃO-.•.••.._.Fórum

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www.ensp.fiocruz.br/projetos/esteriscoflndex.htmSite dirigido a profissionais de saúde sobre aidéia de risco, especialmente risco epidemiológico.Há textos, bibliografia e links sobre o tema.

CLAUDIA IZIQUE

~

mérica Latina e Caribe e aUnião Européia (UE) es-tão buscando formas deampliar os investimen-tos na área de ciência e

tecnologia (C&T) e redefinir políticasde cooperação para expandir a pesquisaeo desenvolvimento(P&D) entre os paí-ses membros. O grande desafio é re-duzir o gap tecnológico que aprofundaas desigualdades econômicas e sociaisregionais e compromete a competiti-vidade das nações no mercado inter-nacional. Os dois blocos de países jámantêm, historicamente, relações deparceria na forma de acordos bilaterais,que, no entanto, necessitam ser refor-muladas para que se traduzam numintercâmbio eficaz com ganhos con-

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CONFERÊNCIA DA ALCUE

Cooperação parao desenvolvimentoAmérica Latina e Caribee U E querem ampliarinvestimentos em P&D

pidamente, resultados. E a pressa sejustifica: os Estados Unidos investem,anualmente, 2,7% do seu Produto In-terno Bruto (PIE) em ciência e tecno-logia, equivalente a US$ 216 bilhões, oque explica a sua liderança mundialem pesquisa, desenvolvimento e ino-vação e em relação ao número de pa-tentes registradas de processos e pro-dutos. No Japão, o porcentual é aindamaior: supera a casa dos 3% e atinge acifra dos US$ 126 bilhões, garantindoposição de destaque no restrito grupode países inovadores. A União Euro-péia também aposta alto em ciência etecnologia: o investimento médio dos15países membros no setor foi de 2,4%do PIE em 2001, algo em torno de 150bilhões de euros ou US$ 133 bilhões.Mas esse resultado deve-se à contribui-ção de países como Alemanha, Suécia,Finlândia, Reino Unido e França, queinvestem até 4,84% do PIE em P&D.De acordo com a Eurostat (agência deestatísticas da União Européia), 2l dos

211 centros de produção de tec-nologia de países da UE sãoresponsáveis por mais da meta-

de das 10.500 patentes comaplicação em alta tecnologia

depositadas no Escritó-rio Europeu de Pa-

tentes, em 2000.O destaque éparaa Alemanha, queno período emquestão produ-

ziu 42% das pa-

14 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

eretos para toda a sociedade. O foropara esse novo diálogo sobre a coope-ração científica e tecnológica é a Alcue- Conferência Ministerial sobre Ciênciae Tecnologia da América Latina, Caribee União Européia -, instalada no Riode Janeiro, em junho de 1999,e que tevecontinuidade em Brasília, entre os dias20 e 22 de março último. Ministros erepresentantes de 47 países elabora-ram propostas para a cooperação bir-regional,e que constam na DeclaraçãodeBrasília, que serão submetidas à apro-vação dos chefes de Estados e gov,/:!r-nos, nos dias 17 e 18 de maio, na 11Ci-meira da Alcue, em Madri (veja box napágina 15).

, A expectativa da Alcue é que essenovo modelo de parceria produza, ra-

tentes de alta tecnologia. O desempe-nho de países como Portugal e Espanha,que contabilizam, respectivamente, in-vestimento de 0,9% e 1,7% de seusPIEs em C&T, ou ainda o da Itália eGrécia, que também registram baixopadrão de gastos em pesquisa, deixaclaro que a UE convive com forte con-centração regional na produção do co-nhecimento e, conseqüentemente, comenorme disparidade de desenvolvimen-to tecnológico entre os países.

Agenda política - As desigualdades re-gionais são ainda mais gritantes quan-do se observa o desempenho dos paí-ses latino-americanos e caribenhos. Noano passado, os gastos médios em C&Tde grande parte dos países da regiãooscilou entre 0,4% e 0,6% do PIE. Comum total de investimentos inferior aUS$ 15 bilhões, a grande maioria dospaíses da América Latina e Caribe in-tegra o grupo de nações qualificadascomo tecno-excluídas, A boa notícia éque a maior parte dos governos já temclaro que ciência e tecnologia têm pa-pel estratégico no desenvolvimento eincluiu em sua agenda política planosde ampliação dos investimentos no se-tor. Mas o grande problema é a sua es-trutura de financiamento: pelo menos80% desses recursos têm origem noscofres públicos, já que a contribuiçãoprivada para pesquisa e desenvolvi-mento ainda é baixa. O Brasil, porexemplo, conseguiu elevar os gastos emC&T de 0,6% para os atuais 0,9% doPIE, nos últimos dois anos, agregando'ao orçamento do Ministério de Ciên-cia e Tecnologia (MCT) recursos dosfundos setoriais para financiar a pes-quisa científica e tecnológica em setoresestratégicos. O MCT espera que o Con-gresso Nacional aprove, ainda neste se-mestre, o projeto de Lei de Inovaçãopor meio do qual pretende estimularo empreendedorismo e estreitar rela-ções entre a universidade e o setor pri-vado. A expectativa é que, em 2010, opaís contabilize recursos da ordem de2,4% do PIE no setor, com incremen-to da participação privada.

O México enfrenta problemasmuito semelhantes: pretende atingir opatamar de 1,5% de investimentos emC&T, nos próximos dois anos, com umconjunto de medidas de incentivos fis-cais para ampliar a participação privada.

Também o Chile conta com o apoio dasempresas para ampliar os investimen-tos em C&T dos atuais 0,7% para 1,2%do PIE até 2006. "O crucial, nesse con-texto, é fazer com que o setor privadofaça um aporte, que não seja só recursospúblicos': enfatiza Eric Goles Chacc,presidente da Comissão Nacional deInvestigação Científica e Tecnológicado Chile (Conicyt) (veja entrevista napágina18).

A situação não é diferente na CostaRica, país que investe 0,5% do PIE emC&T. "Nos últimos quatro anos criamosum fundo especial com o objetivo de for-talecer as unidades de pesquisa e, ao mes-mo tempo, criar uma nova cultura nosetor empresarial", conta Fernando Gu-tierrez, vice-ministro da Ciência e 'Iec-nologia costa-riquenho. O fundo, for-mado por recursos governamentais eprivados, financia projetos das unida-des de pesquisa em função das necessi-dades das empresas. "Temos que criaruma nova cultura no setor empresarial,em sua maioria formado por pequenase médias empresas.".Nroporçãoentre investimen-

tos públicos e privados emP&D só é mais equilibra-da em Cuba. "InvestimosUS$ 120 milhões no se-

tor, ou 1,68% do PIE. No ano passado,60% foram gastos públicos e '40% fo-ram aportados pelas próprias empresas':conta América Santos Rivera, vice-rni-nistra cubana de Ciência, Tecnologia eMeio Ambiente. "Não temos dúvidasde que o futuro da investigação cientí-fica está no estreitamento das relaçõesentre a indústria, a universidade e oscentros de investigação': conclui.

Incentivos fiscais - A baixa participa-ção privada nos investimentos emP&D também preocupa os países daUnião Européia. Enquanto nos Esta-dos Unidos eles contribuem com 69%dos investimentos em P&D, na UniãoEuropéia a média da participação pri-vada é de 56%. Mas, mais uma vez,esse desempenho não é homogêneo.Em Portugal, por exemplo, a parceladas empresas no financiamento daspesquisas é da ordem de 30%. "Isso fazrepousar sobre os fundos públicos amaior parte do esforço de investigaçãoque é necessário promover", afirma

Declaraçãode Brasília

Em maio, a Cúpula de Che-fes de Estado e Governo de 47países da América Latina, Cari-be e União Européia, em Madri,deverá transformar em decisãopolítica a recomendação da Al-cue de criar um "espaço especí-fico" para a cooperação científicae tecnológica entres os dois blocoseconômicos. Essa é a essência daDeclaração de Brasília, aprovadaao final da Conferência Ministe-rial sobre Ciência e Tecnologia.A relação entre esses países temsido, historicamente, bilateral. Aintenção agora é criar um marcointer-regional de cooperação emáreas prioritárias para a atuaçãoconjunta: saúde e qualidade devida, sociedade da informação,crescimento competitivo em am-biente global, desenvolvimentosustentável e urbanização e patri-mônio cultural. A parceria tam-bém contempla questões ligadasà capacidade de inovação dos paí-ses, como educação e treinamentode recursos humanos, mobilida-de transnacional e intersetorial depesquisadores e estudantes nasáreas de pesquisa apontadas. Umgrupo de trabalho com 18 mem-bros vai detalhar, até o final doano, sugestões de medidas con-cretas para pôr em prática essadecisão.

A conferência definiu tam-bém um plano de ação que pre-coniza a mobilização de todos osrecursos necessários, nacionais eregionais, com participação dossetores público e privado bilate-rais e birregionais" para a coope-ração científica e tecnológica en-tre países. Está previsto, ainda, oapoio a redes transnacionais decentros de excelência, com o en-volvimento de instituições cien-tíficas, acadêmicas e tecnológi-cas nacionais de todos os paísesparceIros.

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 15

Acordo coma ArgentinaAo mesmo tempo em que

participa do diálogo multirregio-nal no âmbito da Alcue, o Brasilintensifica sua política de coope-raçãobilateralcom paísesda Amé-rica Latina e União Européia. OMinistério da Ciência e Tecnolo-gia fechouum amplo acordo coma Argentina por meio do qual secompromete a disponibilizar R$1,5 milhão do Programa Sul-A-mericano de Apoio às Ativida-des de Cooperação em Ciência eTecnologia (Prosul) para finan-ciar o intercâmbio e a formaçãode recursos humanos. A parceriaprevê que pesquisadores brasi-leiros e argentinos possam fazervisitasbilaterais, com períodosde15dias a seis meses de duração,e receber bolsas de doutorado epós-doutorado. O acordo de co-operação inclui também açõesconjuntas no setor de genômicacom capacitação de recursos hu-manos nas áreas de biologia mo-lecular,bioinformática e seqüen-ciamento de genes. A idéia éformar uma rede binacional degenômica e proteônica, que po-derá incluir laboratórios argen-tinos na Rede Nacional de Bio-logia Molecular Estrutural.

BrasileArgentina pretendem,ainda, submeter ao Banco Inte-ramericano de Desenvolvimento(BID) proposta de financiamen-to de projeto de cooperação emC&T no prazo de cinco anos. Osprojetos serão definidos nas pró-ximas semanas."Entendemos queessa é uma parceria estratégica,pois sem ela a Argentina não sesustenta no mundo globalizado';afirma o secretário de Ciência,Tecnologiae Inovação Produtivada Argentina, Júlio Luna.

16 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECN01ÓGICA

Armando Trigo deAbreu, presidente doInstituto de Coope-ração Científica eTecnológica Interna-cional, do Ministérioda Ciência e Tecnolo-gia de Portugal.

Na tentativa dealterar esse quadro, oConselho Europeude Barcelona, reunidonos dias 15 e 16 demarço, sugenu queos países membrosnão medissem esfor-ços para atingir, nos Cuba: 1,68% do PIB em C&Tpróximos dez anos,um patamar de investimentos emC&T de 3% do PIB, e que fossemcriadas condições - leia-se incentivosfiscais - para a expansão dos investi-mentos de empresas em P&D. "Dos3% de investimentos desejados, maisou menos dois terços deveriam ser fei-tos pelo setor privado e um terço pelosetor público, em média': explica AnaBirulés i Bertran, ministra para aCiência e Tecnologia da Espanha.Como a Espanha, até junho, ocupa apresidência da União Européia, a mi-nistra acumula o cargo de presidentedo Conselho de Pesquisa da UE, presi-dente do Conselho Industrial da UE epresidente do Conselho de Telecomu-nicações da UE (veja entrevista na pá-gina 17). •

A Declaração de Brasília, que reú-ne as propostas da Alcue, não estabele-ce metas para investimentos em C&T.o diretor-geral do Conselho Nacio-nal para a Ciência e Tecnologia doMéxico, Jaime ParadaAvila, até sugeriu queo documento estabe-lecesse patamares mí-nimos para investi-mentos no setor -entre 1% e 1,5% doPIB - nos próximosdez anos, propostaque contou com oapoio do Panamá,Equador, Chile, Cubae Colômbia, por tra-tar-se de um formade "amarrar compro-misso dos governan-tes",conforme foi jus- Portugal: mais gastos públicos

tificado. Prevaleceramno entanto os argu-mentos diplomáticose, no documento, osparticipantes da con-ferência aplaudem adecisão do ConselhoEuropeu de Barcelonae expressam "a espe-rança de que um es-forço paralelo seja en-vidado nos países daAmérica Latina e doCaribe para atribuira máxima prioridadepossível à política deC&T e aumentar sig-nificativamente os re-

cursos dedicados ao desenvolvimento,à pesquisa e à tecnologia"

Financiamento - A questão do finan-ciamento do desenvolvimento tecno-lógico, como se vê, é um problema co-mum aos dois blocos de países e umdesafio para consolidar a cooperaçãocientífica. "É necessário pensar qual omodelo de financiamento a ser adotadono plano internacional. Estamos estu-dando algumas propostas", diz Ro-naldo Sardenberg, ministro da Ciênciae Tecnologia do Brasil. O Banco Mun-dial e o Banco Interamericano de De-senvolvimento, que já têm recursospara o setor, poderiam ser parceirosnesse projeto, mas, para tanto, seria ne-cessário rever sistemasde apoio conside-rados "obsoletos". A ministra da Ciên-cia e Tecnologiada Espanha acredita quea cooperação entre países, no âmbitoda Alcue, também poderá contar como estímulo de agências como o Banco

Europeu de Investi-mentos e de recursosprovenientes de convê-nios com empresaspri-vadas. "Creio que essaé uma disposição queveremos crescer entreorganismos, bancos eentidades financeirasdedicadasao fomento';afirma. Para Ana Biru-lés, o financiamentopara C&T será um"elemento-chave" naCúpula de Chefes deEstado e Governo,em Madri.

Incentivofiscal para. ,..,alnovaçao

ções favoráveis para a expansão dosinvestimentos das empresas em P&D,de forma a ampliar mais a inovação.Ou seja, dos 3% de investimentos de-sejados, mais ou menos dois terços de-veriam ser feitos pelo setor privado eum terço pelo setor público, em média.

os seus centros de pesquisas sem per-der o posto de trabalho.

Levamos o debate sobre a mobili-dade de pesquisadores também à reu-nião da União Européia, no Conselhode Barcelona. Ficou estabelecido umplano de ação de mobilidade que in-clui a assistência social entre paísesmembros da União Européia. Mobili-dade não pode pressupor apenas postode trabalho, reconhecimento de títulos,da carreira ou do trabalho feito. Deveenvolver também questões como a as-sistência social. Ela deve ser idêntica àque o pesquisador tinha em seu paísde origem.

• No caso específico da Espanha, comoestão os investimentos em C&T?- Tivemos, em 2000, um incrementode 14,5% de investimento em P&D. Ainovação aumentou 20% e dobrou onúmero de empresas inovadoras. Masnós vínhamos de níveis ainda baixos deinvestimentos nessa área, algo como 1,7%do PIE, contando com a inovação. Sabe-mos que temos quecorrer, não só emtermos de pesquisa edesenvolvimento,mas também para co-locar um marco fis-cal favorável para osinvestimentos de em-presas, criando umentorno financeiropara que se desenvol-va o capital similla(semente) e o capitalde risco.

Entrevista:Ana Birulés i Bertran*

• Como serão recebi-das na Cúpula deChefes de Estado, emMadri, as propostasda Conferência AI-cue reunidas na De-claração de Brasília?- A Alcue temcomo objetivo in-tensificar as relaçõesentre a União Euro-péia, América Latinae o Caribe. Estamoscolocando a ciência,tecnologia e a inova-ção na agenda polí-tica dos governos. ADeclaração de Brasí-lia reúne propostasmuito importantes eé uma chave para acoesão e para novas

formas de cooperação. Acredito que areunião dos chefes de Estado e governo,em Madri, vai representar um avançode cooperação política com elementosmuito concretos, entre os quais o desen-volvimento sustentável, conhecimentoe sociedade da informação. Os temasrelacionados à Ciência, Tecnologia, Ino-vação e Conhecimento estão, cada vezmais, nos níveis mais altos da política. Ea Conferência de Barcelona tambémmostrou isso. Não se trata apenas do

• O Conselho Europeu de Barcelona reu-niu-se em 15 e 16 de março e sugeriu aospaíses membros que ampliassem os inves-timentos em Ciência, Tecnologia e Inova-ção nos próximos dez anos, até atingir oporcentual de 3% do seu Produto InternoBruto (PIB). Em que patamar estão,atualmente, os investimentos europeusnessa área?- Na Europa, os níveis de investimen-to em Pesquisa e Desenvolvimento es-tão, em média, ao redor de 1,8% do PIE.Mas há um peso muito forte dos inves-timentos públicos nas universidades ecentros de pesquisa. O peso do setor pri-vado é relativamente mais baixo. E essadefasagem não é só uma questão de pes-quisa e desenvolvimento. Também refle-te a capacidade de transformar pesquisasem produtos e serviços de tecnologia.Aposta-se pouco na inovação. Esse, aliás,foi o tema que a Espanha colocou naConferência de Barcelona. Ali, pela pri-meira vez na história, reuniram-se osministros de Pesquisa e os ministros daIndústria de todos os países da UniãoEuropéia. A avaliação foi de que era ne-cessário avançar, não só em pesquisa edesenvolvimento, mas também de ummodo que estimulasse uma maior par-ticipação do setor privado que permi-tisse transformar a UE no espaço euro-peu da Inovação, e a proposta foiratificada pela conferência.

• O tema capital derisco também foi dis-cutido na reunião deBarcelona?- Sim. Todos fica- O desafio de transformar a UEram de acordo so- no espaço europeu da inovaçãobre a necessidadede se fazer uma integração dos mer-cados de valores europeus, para esti-mular o desenvolvimento do capitalde risco. Outro tema-chave, tambémdiscutido em Barcelona - e que temosaplicado na Espanha -, é o da mobili-dade dos pesquisadores entre centroscientíficos e entre os centros científi-cos e as empresas. No ano passado in-vestimos na mobilidade entre centroscientíficos. Criamos, neste ano de2002, uma medida que autoriza oscientistas a pedirem uma licença es-pecial de até quatro anos, para colabo-rar com uma empresa ou para criar aprópria empresa, aportando patentese conhecimento como capital. Atéagora as licenças eram muito curtas eapenas para pós-doe. Agora, depois dequatro anos, eles podem voltar para

• A proposta de ampliação de 3%, por-tanto, não se refere exclusivamente aosinvestimentos públicos?- O objetivo é investir 3% do PIE,porém os Estados membros e a UniãoEuropéia devem criar marcos e condi-

'I- Ministra para a Ciência e Tecnologiada Espanha, presidente do Conselho dePesquisa da UE, presidente do ConselhoIndustrial da UE e presidente doConselho de Telecomunicações da UE

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 17

avanço, do crescimento e do bem-estarfuturo, mas da abertura de muitas ja-nelas do ponto de vista da sociedade.Por exemplo, em Brasília debateu-se aimportância das Ciências da Saúde eSociedade - que abre novas perspecti-vas para a sociedade, ou da sociedadeda informação - que permitem redu-zir o tempo e o espaço, e que possibi-litam que regiões que não têm telefo-ne fixo possam ter telefone e Internet.São temas importantes do ponto devista do avanço científico e econômi-co, com também do ponto de vista so-cial, do fortalecimento dos países e dademocracia.

• Uma das preocupações dos países daAmérica Latina e Caribe é com a questãodo financiamento para C&T. Qual a saí-da para os países em desenvolvimento?- Como é um pouco cedo para terconclusões, farei uma reflexão sobre o te-ma. No Conselho de Ministro da Indús-tria e de Pesquisa da União Européia, emGiron, que antecedeu o de Barcelona,esteve presente a presidência do BancoEuropeu de Investimentos, porque elestambém acham que deveriam focar seusrecursos na Ciência, Tecnologia e Inova-ção. Eu creio que essa é uma disposiçãoque começaremos a ver crescer entre or-ganismos, bancos e entidades financeirasdedicadas ao fomento. Hoje, o fomen-to, o desenvolvimento e a cooperaçãopassam claramente pelo reforço desseselementos que tratamos na Declaraçãode Brasília. E esse será um elemento-chave na Cúpula de Chefes de Estado eGoverno, em Madri, em maio.

• E nessa questão do financiamentotambém a iniciativa privada pode co-laborar?- Está claro que muitas das empre-sas estão investindo na inovação e empesquisa e desenvolvimento. Tambémestá claro que todos os mercados nãosão iguais. Há elementos mínimos deadaptação. Interessa, por exemplo, queo desenvolvimento de conteúdos e o de-senvolvimento de aplicações nas uni-versidade próximas de onde estão ins-taladas as empresas sejam os mais altospossíveis, já que isso pode lhes garantir

18 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

maior competitividade no mercado. Asempresas espanholas, por exemplo, vie-ram ao Brasil porque o mercado é im-portante e existe capacidade técnica ecientífica. Para a empresa, o entorno de-ve ser inovador. Convênios, a contrata-ção de pesquisa e desenvolvimento nasuniversidades ou a participação econô-mica direta no desenvolvimento do ca-pital de risco são vias que as empresasvêm utilizando para apoiar P&D.

• Mas como criar condições para am-pliar os investimentos privados?- É preciso ter um ambiente fiscal fa-vorável. E o incentivo fiscal é uma boasaída, inclusive aquele que se denomi-na mecenato, que, no passado, fezmuito pela cultura. Hoje é preciso fa-zer o mecenato científico. Às empre-sas interessa que ao redor de seu tra-balho, da sua zona de produção,existam as universidades, interessaum âmbito de informática, para queaportem dinheiro e que tenham van-tagens fiscais.

• Há leis de incentivos fiscais para C&Tna Europa?- Existe na Espanha e um pouco naHolanda e há alguns temas de mece-nato no Reino Unido. •

Brasil,•parceiro

estratégicoEntrevista:Eric Goles Chacc*

• Qual é, atualmente, o porcentual deinvestimento do Chile em C&T?- No Chile, em 1999, o aporte de re-cursos em C&T era de 0,6% do ProdutoInterno Bruto (PIE). Hoje é de 0,7%. Eo presidente, Ricardo Lagos, se compro-meteu a passar a 1,2% até 2006. E che-gar a 1,2% significa passar de US$ 500

milhões em 99 a US$ 1,3 bilhão em 2006.O crucial nesse contexto é fazer com queo setor privado e empresarial faça umaporte, que não seja só recursos públicos.Mas isso não é fácil. Boa parte do esfor-ço para chegar a 1,2% terá que ser, pelomenos nesta primeira etapa, um esfor-ço público. Épreciso incentivar a mudan-ça cultural do setor privado. Sabemos queos países desenvolvidos têm uma parti-cipação de 50% a 60% de investimen-tos privados em C&T. No Chile, temosque olhar de outro ponto de vista. Pre-cisamos fazer com que nossos jovensadquiram um espírito empreendedor queos leve a criar empresas. O venture capi-tal no Chile está apenas começando. Jáexiste um organismo estatal que estáfazendo isso e algumas outras institui-ções de capital de risco. Mas os jovensse formam e ainda procuram por traba-lho. Não se trata apenas de criar centrosde excelência, precisamos também deum bom sistema de divulgação em todoo país, de uma grande quantidade de bol-sas de doutorado e mestrado, de proje-tos individuais concursáveis de ciência,de projetos globais e de apoiar a estru-tura acadêmica das universidades. Ouseja, temos que criar um mecanismoque contenha diversas ferramentas. E esseconjunto de ações tem que caminharjunto, senão qualquer investimento é di-nheiro jogado fora.

• Qual a importância estratégica dacooperação científica e tecnológica paraos países latino-americanos?- O governo do Chile tem claro que épreciso reforçar nossa colaboração emâmbito científico e tecnológico regional.A América Latina é muito pouco res-ponsável pelo que se faz hoje em C&T nomundo. Participamos de poucas conver-sações nos diversos âmbitos e, sozinhos,nada conseguiremos. Precisamos nosunir, o que implica a necessidade decontatos bilaterais e multilaterais. Es-tamos nos associando a diversos paí-ses com objetivo de cooperação. Como Brasil, o Chile tem múltiplos acordos,em particular com o Ministério da Ciên-cia e Tecnologia (MCT), mas tambémcom a FAPESP e o Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq).

• Como está o andamento dos convê-nios com a FAPESP?

terais. Temos capacidade para ter umprograma complementar ao nosso naEuropa ou naquelas áreas que estãonum nível superior. Temos que olharpara a Europa, não numa mirada de ir-mão mais novo, mas de igual a igual.Um exemplo está na astronomia. O céuchileno, por razões naturais, é o melhordo Hemisfério Sulpara a pesquisa astro-nômica. Os Estados Unidos compreen-deram isso, por meio da NationalScience Foundation. Gostaria que issofosse compreendido do mesmo modopelos países europeus. Podemos formarmais astrônomos e ganhar força naciência pura. A parte política está cum-prida. Precisamos, no entanto, desen-

volver ferramentasespecíficas para essanova modalidade derelação. Mas tenho aimpressão de que aUnião Européia ain-da não está madurapara a idéia de quetambém para eles éimportante a coope-ração com a Améri-ca Latina.

- Os convênios com a FAPESP sãoamplos. Estamos em conversação para,de algum modo, complementar nossasiniciativasna área de genômica. No Chi-le, há seis ou sete meses, criamos umprograma neste setor, o Genoma Chile,por meio do qual estamos seqüencian-do bactérias biolixiviantes que ajudamna produção de um cobre mais limpo emais econômico. Também estamos fa-zendo genômica vegetal. Há uma sériede vírus que teremos que estudar. Outroponto importante: o Chile é um grandeexportador de frutas, de modo que essetipo de investigação é muito importan-te. Investimos na biologia e na genômi-ca para obter melhorias na produçãode frutas e alimentos e garantir maiorcompetitividade no mercado externo.Também estamos muito perto de ser omaior produtor mundial de salmão.Porém, surgiram doenças próprias denossos salmões. Já seqüenciamos o genede uma das bactérias que atacam a pro-dução. Temos conhecimento que, para-lelamente, os grupos ligados à FAPESPestão fazendo anotação de muitos orga-nismos e acumulando mais experiênciasem genômica. Além disso, esse gruposutilizam laboratórios bem equipados eaparelhados com os quais poderemosnos associar. Com o Brasil, e em parti-cular com São Paulo e a FAPESP,pode-remos ter uma aventura muito interes-sante. No caso do cobre, por exemplo, oempreendimento poderia ter a formade um consórcio do qual participariamcientistas, organismos do Estado e em-presas ligadas ao setor de cobre. Gosta-ríamos de chegar a algo muito concre-to em termos de colaboração na área debioinformática ainda neste ano.

• O ministro Ronaldo Sardenberg este-ve recentemente no Chile, junto com opresidente Fernando Henrique Cardoso.Foram assinados alguns acordos?- Foram discutidas algumas parcerias.Assinamos um memorando de enten-dimento entre Brasil e Chile, em Arica,que dá um novo sinal político de inte-gração entre os dois países. O Chile, porexemplo,vai começar a participar da Pla-taforma Lattes, do Conselho Nacionalde DesenvolvimentoCientíficoeTecnoló-gico, e adotá-Ia no nosso sistema nacio-nal. Outra coisa muito importante éque, no Chile, apesar de o número debolsas de doutorados estar crescendo,

• O Brasil é, portanto, um parceiro es-tratégico para o desenvolvimento daC&T no Chile?- Há pelo menos 25 anos mantemosacordos com o Brasil por meio do qualgrupos de cientistas e tecnólogos dosdois países têm colaborado em conjun-to. No Chile, como no Brasil, estamosinvestindo em Centros de Excelência.Játemos dez centrosque são núcleos depesquisadores numadisciplina específicaecom qualidade reco-nhecida por institui-çõescomo a NationalScience Foundation,etc. Estamos inves-tindo muito dinhei-ro para, em dez anos,convertê-los numareferência mundialem áreas como astro-nomia e astrofísica,matemáticas, biolo-gia celular, ecologia,oceanografia, biome-dicina e ciência dos-rnateriais. Cada uma Ações conjuntas para garantirdessas áreas está as- resultados nos investimentossociada a centros deformação de doutoramento. Queremoscriar uma rede de Centros de Excelên-cia onde a circulação de pesquisadoresseja fácil e necessitamos que esses cen-tros se articulem com organismos se-melhantes nos demais países da Amé-rica Latina, sobretudo com o Brasil.

formamos 100 doutores por ano. Essenúmero precisa crescer. O Brasil, porexemplo, forma algo como 3 mil dou-tores por ano. É uma barbaridade. Onosso objetivo é facilitar a mobilidadede doutores entre Brasil e Chile. Preci-samos trabalhar nessa direção.

• Como o senhor avalia as propostas daAlcue contidas na Declaração de Brasília?- Há uma intenção política clara: que-remosevamosnos relacionarcom aUniãoEuropéia. Queremos que nos reconhe-çam como um espaço importante deciência e tecnologia. Além disso, tantoo Brasil como o Chile têm relações bi-laterais muito boas com países euro-peus. O Chile tem uma relação de pri-meira linha com a França em C&T.Queremos passar a ter relações multila-

• Qual a sua expec-tativa em relação aosresultados da Confe-rência da Alcue e daspropostas da Decla-ração de Brasília?- Só vou me con-vencer do sucessodessa relação multi-

lateral entre os dois blocos quando tiver-mos ferramentas específicaspara finan-ciar ciência e tecnologia. Esse processoque está sendo promovido pela Alcuepoderia ser um pouco mais rápido.Não é bom para o mundo que tenha-mos na América Latina muitos paísesem que a noção de fazerciência e tecno-logia é ainda incipiente. Hoje, educaçãoe conhecimento é uma variável crucialpara garantir a identidade de um país.Brasil, Chile e México compreenderamisso.Quisera que também a comunida-de européia compreendesse isso. •

Presidente da Comissão Nacionalde Investigação Científica e Tecnológicado Chile (Conicyt)

PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 19

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Encerrado o convênio entrea Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal deNível Superior (Capes), aSecretaria de Estado da Edu-

cação e a FAPESP para implementaçãodo Pró-Ciências no Estado de São Pau-lo, o balanço das atividades foi positivo.Ao todo, e ao longo de seis anos, foramimplementados 123 projetos coordena-dos por professores da Universidade deSão Paulo, Universidade Federal de SãoCarlos (UFSCar), Universidade EstadualPaulista (Unesp), Pontifícia Universida-de Católica de São Paulo (PUC-SP), en-tre outras, para a capacitação de 7.942professores do ensino médio do Estadode São Paulo. "O Pró-Ciências, em SãoPaulo, deu certo': avalia Marília PontesSposito, da Faculdade de Educação daUniversidade de São Paulo (USP), co-ordenadora do programa no Estado.

O Programa de Apoio ao Aperfeiçoa-mento de Professores de Ensino Médioem Matemática e Ciências, conhecidocomo Pró-Ciências, é uma iniciativa daCapes e Secretaria Nacional de Ensinoe Tecnologia do Ministério da Educação.Tem como objetivo principal o aperfei-çoamento em serviço de professores doensino médio, nas áreas de matemática,física, química e biologia, por meio deapoio à inovação pedagógica. A estra-tégia de implantação do programa é a deestreitar a relação entre as escolas pú-blicas e as universidades para, no âmbitodas escolas públicas de 2° grau, melho-rar o domínio dos conteúdos curricu-lares, em sintonia com os avançosproduzidos nas diferentes áreas do co-nhecimento. O programa, em sua pri-meira fase, foi implantado em diversosEstados, em parceria com Fundaçõesde Amparo à Pesquisa e Secretarias Es-taduais da Educação.

20 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Os projetos tinham como ponto departida as atuais orientações que inte-gram as propostas da Lei de Diretrizese' Bases (LDB), Diretrizes CurricularesNacionais para o Ensino Médio, os Pa-râmetros Curriculares Nacionais para oEnsino Médio e A Escola de Cara Nova- Programa de Educação Continuada.

Investimentos - Entre julho de 1996 efevereiro de 2001, por meio do convêniocom a FAPESP, no caso de São Paulo, aCapes investiu R$ 9,3 milhões no progra-ma beneficiando professores do ensinomédio, então na condição de alunos,nas quatro áreas de conhecimento con-templadas pelo Pró-Ciências.

Os projetos do Pró-Ciências na áreade biologia atenderam 1.133 professo-res-alunos. Na área de física, foram 1.837;na área de química, 1.044; e os de ma-temática, os mais concorridos, tiveramum total de 3.928 professores-alunos.

O programa foi implementado pormeio de projetos apresentados por uni-versidades. Cada um dos projetos eracoordenado por um professor comtitulação mínima de doutor, respon-sável pela implementação e acompa-nhamento dos cursos. A aprovação doprojeto também dependia da compro-vação de um infra-estrutura física, ad-ministrativa e gerencial necessárias aodesenvolvimento das atividades deformação continuada dos professores-alunos. Nos diversos cursos, os alunosrecebiam aulas sobre os conceitos fun-damentais da disciplina, eram orienta-dos sobre as metodologias compatíveiscom as tendências atuais da matéria, semfalar nas práticas de laboratório.

Cada um dos cursos teve uma cargahorária de 120 horas-aula e um mínimode 30 professores-alunos por turma.Cada professor-aluno recebeu um valormáximo de R$ 450,00 para as 120 ho-

ras-aula de atividades. Os cursos foramacompanhados pela Coordenadoria deNormas Pedagógicas da Secretaria da.Educação. A Capes também criou umgrupo para o acompanhamento dos pro-gramas nos diversos Estados.

O investimento total nessas bolsas, aolongo da vigência do convênio, somouR$ 4,6 milhões. Os professores-instru-tores recebiam R$ 60,00 por hora-aulaministrada, valores que representaramum gasto total de R$ 2,4 milhões ao fi-nal dos seis anos.

O Pró-Ciências patrocinou, ainda, acompra de material permanente neces-sário ao desenvolvimento dos cursos(R$ 814 mil), autorizado no último edi-tal, e material de consumo (R$ 729 mil).O programa também foi responsávelpelo pagamento dos serviços de terceiros(R$ 393 mil), pelas despesas com trans-portes de professores para os locais on-de eram ministradas as aulas (R$ 87,2

mil) e, quando foi o caso, pelo paga-mento de diárias (R$ 187,3 mil).

"Fizemos uma avaliação positivado projeto e de sua capacidade de im-pacto no processo de capacitação deprofessores, como a inovação na cria-ção de material didático", afirma Marí-lia Sposito.

A demanda e o número de projetosapresentados em resposta aos editaiscresceu ao longo dos seis anos de dura-ção do programa. "Reconhecemos asua ampla legitimidade não só junto àsequipes de pesquisadores, mas, tam-bém, no interior da rede pública deensino no Estado de São Paulo. Comfreqüência, a FAPESP ainda recebeconsultas - e mesmo demandas - emtorno da continuidade do programa,tanto de pesquisadores como de pro-fessores, que, por via eletrônica, têmacesso ao site da instituição': revelaMarília.

Em sala de aula - Nas diversas áreas, osprojetos buscavam capacitar o professorpara uma melhor atuação junto aos seusalunos, utilizando os recursos disponí-veis em sala de aula. Um dos projetosda área de física, intitulado Demonstra-ções em Física, coordenado por FuadDaher Saad, do Instituto de Física daUniversidade de São Paulo, teve comoobjetivo orientar os alunos-professoressobre a necessidade de demonstrar al-guns experimentos em sala de aula uti-lizando poucos recursos e materiais dis-poníveis. Além de questões teóricas emetodológicas sobre o tema, procurou-se apresentar sugestões de caráter didá-tico: a persistência visual, sugeria-se,pode ser mostrada pela rápida rotaçãode um pequeno cartaz que estampa, deum lado, um cachorro e, de outro, umosso. Girando a engenhoca, as imagensse sobrepõem na nossa retina.

Outro projeto que integrou o pro-grama foi o Educação Ambiental Atra-vés da Visão Integrada da Bacia Hidro-gráfica Via Internet, coordenado porJosé Galizia Tundisi. O objetivo eraensinar o aluno a interpretar e apren-der lições a partir da bacia hidrográfi-ca da região de São Carlos e inserir essesdados num grande mapa na Internet.As aulas eram ministradas no Centrode Divulgação Científico e Cultural daUSP, em São Carlos, e os alunos-profes-sores eram estimulados a montar suas

próprias homepages, onde disponibili-zaram os dados apurados pela equipe.

O projeto Capacitação em Serviço deProfessoresde Química do Ensino Médio,apresentado pelo Instituto de Químicada USP e coordenado por Reiko Isuya-ma, buscava trazer a ciência para pertodo exercício da cidadania. Seus professo-res-alunos, além de realizar, por exem-plo, um balanço da quantidade de in-gredientes que entram na composiçãode uma determinada substância, tam-bém debatiam a questão dos interesseseconômicos por trás da fabricação defertilizantes.

Na área de matemática, um bomexemplo foi o do projeto coordenadopor Celia Maria Carolino Pires, daPUC-SP. Antes do início das aulas, foi re-alizado um levantamento junto aos pro-fessores-alunos para a indicação das ne-cessidades do grupo. Os conteúdosmais indicados - Funções e Geometria- foram então o objeto das aulas.

Um quinto exemplo que ajuda a de-monstrar o escopo do Pró-Ciências foio projeto atualização de professores darede pública de Santo André em Ecolo-gia Vegetal . O seu objetivo era facilitar acompreensão da dinâmica de ecossiste-mas, tecnologia de produção de semen-tes de espécies nativas e recuperação deáreas degradadas. Os professores-alu-nos, além de visitar locais como a Re-serva Biológica de Paranapiacaba, Reser-va Biológica e Estação Experimental deMogi e Reserva Ecológica da Iuréia,também montaram um herbário.

Segunda fase - O Pró-Ciências, quetambém teve resultados positivos nosoutros Estados, entra agora em sua se-gunda fase. "Na primeira fase, o progra-ma foi financiado com recursos da Ca-pes. Agora, os recursos são do ProjetoEscola Jovem, da Secretaria Nacional deEnsino Médio e Tecnológico, do Minis-tério da Educação. A gestão e o acom-panhamento dos projetos são feitos pe-las Secretarias Estaduais de Educação':diz Rúbia Silveira, coordenadora deProjetos Especiais da Capes. A Coorde-nado ria agora, ela explica, é responsávelapenas pela seleção e qualificação dosprojetos apresentados em respostas aeditais nacionais. "Essa estratégia, nessecaso, isenta os Estados de processos li-citatórios, o que viabiliza a implemen-tação dos diversos cursos': diz. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 21

PATENTES

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Lições de diálogo e parceria

j\ome de inovação nummercado cada vez maiscompetitivo leva países eempresas a injetar cifrasbilionárias em pesquisa e

desenvolvimento (P&D) de produtos eprocessos de ponta que têm na inteligên-cia seu ingrediente básico. Nesse mundo,movido a ciência e negócios, a aliançaacademia-empresa ganha fôlego e mus-culatura. O diálogo - sabidamente difícile cauteloso - entre os dois interlocutoresse "afina" graças ao desenho de novosarranjos institucionais e à adoção de leisrelacionadas às patentes universitárias.

É o que mostra a coordenadora doNúcleo de Estudos e Planejamento Es-tratégico do Instituto Oswaldo Cruz,Cláudia Inês Chamas, em sua tese dedoutorado Proteção e Exploração Eco-nômica da Propriedade Intelectual emUniversidades e Instituições de Pesquisa.Nesse trabalho, ela descreve e aprofun-da estratégias focalizadas na apropria-ção dos frutos de pesquisas geradas comrecursos públicos e implantadas empaíses como Estados Unidos, França,Reino Unido, Espanha e Alemanha.

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Estudo avalia estratégiasde integração entreempresas e universidadesnos EUA e Europa

Lucn.rx ATAS MEDEIROS

A intenção da autora é oferecer umpanorama que provoque reflexões einspire os atores do processo de inova-ção no Brasil, onde a parceria acade-mia-empresa ainda é tímida e apenas30% das universidades e 30% das insti-tuições de pesquisa apresentam políti-c';lsformais de proteção e comercializa-ção da propriedade intelectual.

Laços cooperativos - No trabalho,Cláudia Chamas destaca a tessitura daarticulação entre o setor acadêmico eo privado - como centros de pesquisacooperativos, joint ventures para pes-quisa e produção, consórcios de P&De incubadoras -, que tem rendido óti-mos resultados, especialmente em ni-chos da vanguarda tecnológica. Taislaços, é bom lembrar, estão na origemde companhias estreladas como AppleComputer, Cisco Systems e Intel, entreoutras que, aninhadas no Vale do Silí-cio e ao longo da Rota 128, detona-ram, a partir da década de 70, a "ex-plosão" das indústrias eletrônica, decomputação e de comunicação nosEstados Unidos.

A Europa também embarcou nessaonda cooperativa que, em campos comoo farmacêutico e biotecnológico, é qua-se uma imposição, devido aos riscos e al-tos investimentos associados à inovação.A Roche, por exemplo, gigante do setorde medicamentos sediada na Suíça,aplica entre 15% e 20% de seus recursosanuais em P&D na compra de pesquisade institutos, universidades e pequenasempresas de biotecnologia com os quaismantém convênios.

A interação academia-indústria trazevidentes vantagens para os dois par-ceiros. As universidades podem imergirna rotina das empresas, conhecer seusproblemas e obter recursos financeirosdisponíveis para a pesquisa, se for o caso.As empresas, por sua vez, têm acesso a"janelas" privilegiadas do conhecimento,a fontes de informação científica e tecno-lógica e a profissionais altamente quali-ficados das universidades.

Ponto de equilíbrio - Tal "casamento"não é, porém, unanimemente aceito pe-lo setor acadêmico. Há, entre outras ra-zões, o temor de uma transformação da

atual universidade, centrada no ensino ena pesquisa descompromissada, em umainstituição "de resultados ou de servi-ços': contaminada pela visão do lucro.

Diferenças como essa, porém, po-dem e devem ser equacionadas. "É pre-ciso que cada universidade estabeleçaseus objetivos e limites, encontre seuponto de equilíbrio e defina sua políti-ca de propriedade intelectual", defendeCláudia Chamas.

Uma das questões espinhosas naabordagem dos projetos cooperativosrefere-se à liberdade de divulgar o co-nhecimento, verdadeiro dogma entreos cientistas, versus o sigilo exigido pe-las empresas para produzir e lançarprodutos nos quais investiram pesada-mente. Para enfrentar esse dilema váriaslegislações, entre as quais a brasileira,adotam o chamado "período de graça",que beneficia diretamente os invento-res da área acadêmica, ao proporcionarum período de seis a 12 meses (depen-dendo do país) para um posterior de-pósito da patente. No espaçode tempo previsto, a aber-tura da invenção - sob aforma de artigos, te-ses, conferências, In-ternet, entre outrosmeios - não consti-tui quebra de novi-dade, um dos requi-sitos fundamentaispara o patenteamen-to. É bom lembrar, po-rém, que essa "graça" étemporária e não totalmentegarantida. Além disso, se houvernecessidade de registro em países ondetal benefício não vigora, a proteção de-sejada não ocorre.

No exterior, a evolução da parceriaacademia-empresa ganhou, nos últimosanos, contornos mais precisos e profis-sionais, passando a ser regidas por con-tratos. As legislações sobre patentes que,em muitos casos, vinham sendo discu-tidas há mais de 50 anos, sofreram mu-danças decisivas nos Estados Unidos nadécada de 80, impulsionadas especial-mente pelo desenvolvimento da biotec-nologia e da pesquisa biomédica, cujasaplicações comerciais têm atingido ci-fras astronômicas.

A edição da lei Bayh-Dole, naquelepaís, permitiu às universidades e pe-quenas empresas obterem patentes de

invenções desenvolvidascom fundos do gover-no federal. Assim, aantiga retenção detitularidade pelo go-verno ou o domí-nio público (tam-bém vigente emoutros países, comoa Alemanha) foi subs-tituída por uma visãopragmática. O foco deslo-cou-se para o mercado, tendoem mira aspectos como melhor ia daprodutividade, criação de empregos epriorização das empresas nacionais na"compra" de invenções.

Profissionais da inovação - Na esteiradessas mudanças - que envolvem tam-bém aspectos ligados às formas de dis-tribuição de royalties e à titularidadedas invenções, entre outros -, institui-ções acadêmicas, laboratórios governa-

mentais e centros de pesquisa vêmaprimorando políticas de

atuação, implementadaspor departamentos de-

nominados generica-mente Escritóriosde Propriedade In-telectual e Transfe-rência de 'Iecnolo-gia (Epitts).

Disseminadoshoje pelos EUA e por

diversos países euro-peus, tais escritórios - que

podem situar-se dentro oufora das instituições - agregam

equipes de profissionais compostas poragentes de propriedade industrial (for-mados em áreas como engenharia e fí-sica) com bons conhecimentos de leis eacordos internacionais, especialistasem marketing e pessoal de suporteadministrativo.

A maioria das institui-ções apresenta um úni-co Epitts para atendertoda a clientela, comoo escritório do Insti-tuto Nacional da Saú-de e da Pesquisa Mé-dica (Inserm) francês.Visando maior agili-dade em sua interaçãocom os pesquisadores, aUniversidade de Michigan

adotou um esquema cons-tituído por três unidades,

uma central e duas sa-télites. A Universi-dade de Wisconsin,por sua vez, estabe-leceu parceria comuma fundação para

resolver as questõesligadas à propriedade

intelectual.No Reino Unido, a

Universidade de Oxford criou,em 1988, a Isis Inovação, uma empresa

de exploração dos frutos da pesquisarealizada internamente. Além de bus-car potenciais licenciados, a Isis promo-ve a criação de empresas individuais pormeio de capital de risco ou fundos dedesenvolvimento.

Como se pode ver, são esquemas deatuação bem diversos, cujos formatosdevem ser analisados com cuidado an-tes de serem implantados. Lembrandosempre que um dos ingredientes básicospara o sucesso da receita está no fortecomprometimento dos níveis hierárqui-cos mais elevados das instituições.

Impactos - O impacto dessas mudan-ças legais e institucionais pode ser con-tabilizado especialmente aos EUA, on-de a cooperação academia-empresa estámais sedimentada. Antes de 1980, eramconcedidas naquele país cerca de 250patentes para o total de universidades.De acordo com o Escritório de Patentese Marcas dos Estados Unidos (USPTO),em 1984 foram concedidas 551 paten-tes universitárias; em 1989, 1.228; em1994,1.780; e em 1997,2.436, o que evi-dencia um crescimento constante e con-siderável. (Para efeito de comparação,lembra-se que foram depositados noInstituto Nacional de Propriedade In-

dustrial - INPI, entre 1990 e1999, 335 pedidos cujos

titulares eram universi-dades brasileiras.)

Paralelamen te,expandiu-se a ca-pacidade de co-mercialização nasuniversidades nor-te-americanas: em1990, havia cerca de

200 envolvidas comprogramas de trans-

ferência de tecnologia,

PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 23

oito vezes mais do que onúmero registrado em1980.

Outro exemplodo impacto que osavançosna legislaçãocausaram no meioacadêmico norte-americanoestáno Ins-tituto de TecnologiadeMassachusetts (MIT):cerca de US$ 1bilhão vêmsendo investidos pelo setorindustrial no desenvolvimento ecomercialização de licenças e patentese de tecnologias produzidas naquelainstituição. Mais de 200 mil empregosdiretos foram criados como resultadodireto da exploração dessas licenças.

Quanto ao Reino Unido, a reduçãode barreiras legais promoveu o surgi-mento de mais de 60 escritórios de in-termediação industrial. O relaciona-mento intenso das instituiçõesbritânicascom suas congêneres norte-america-nas e a redução dos investimentos go-vernamentais dirigidos à pesquisa in-fluenciaram, segundo os estudiosos, aadoção de uma postura mais empreen-dedora no país que se tornou, na Eu-ropa, um dos mais abertos à contrata-ção empresarial de pesquisa acadêmica.

As parcerias britânicas frutificaramtambém em outros tipos de arranjos.

Em 1998, uma aliançaestratégica entre a

Mitsubishi Químicae a Faculdade Im-perial de Londresresultou em subs-tancial suporte fi-nanceiro para oCentro de Terapias

Genéticas, que atuanas áreas química,

biológica e médica. Nomesmo ano, a Unilever co-

meçou a investir cerca de 13 mi-lhões de libras para estabelecer umgrupo de pesquisa dedicado à infor-mática molecular na Universidade deCambridge.

Na França, a Agência Nacional daValorização da Pesquisa (Anvar) - quetem 24 escritórios regionais e cinco noexterior - aplicou, de 1981 a 1999, cer-ca de 3,13 bilhões de euros em mais de22 mil empresas e laboratórios, apoian-do mais de 34 mil projetos de inovaçãotecnológica.

Os resultados de projetos coopera-tivos também têm se mostrado bastan-te promissores em países como Alema-nha e Espanha. Neste último, com apromulgação da nova lei de proprieda-de intelectual em 1986, o número depatentes universitárias saltou de 27para 306, em 1994.

A serviço do avanço tecnológicoSão três os requisitos básicos

para o patenteamento de uma in-venção: novidade, atividade in-ventiva e aplicação industrial. Éconsiderada nova (isto é,não com-preendida no estado da técnica),uma invenção ou modelo de utili-dade não divulgados até a data dodepósito de pedido de patente. Alegislação também impõe a descri-ção clara e suficiente do objeto, oqual deve ser reprodutível por umtécnico no assunto. Este é um dosfundamentos do sistema de paten-tes: revelando à sociedade o con-teúdo de sua invenção, o inventortem, como recompensa, um título,transferível e temporário, conten-do uma proteção. Uma prática-

24 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

,que alia os interesses individuaisaos da coletividade, promovendoo progresso técnico e econômico.

Nos pedidos de patente na áreade biotecnologia que envolvammateriais biológicos novos, osquais não podem ser descritos demaneira suficientemente nítida ecompleta, é preciso fazer tambémum depósito do microrganismoem uma autoridade internacional-mente reconhecida.

A exploração econômica dapatente pode ocorrer por licencia-mento, cessão ou venda de direi-tos, aquisição ou criação de firmapara fazer o desenvolvimento tec-nológico da invenção, entre ou-tros meios.

Situação brasileira - Mudanças pro-fundas vêm marcando, desde a décadade 90, o panorama brasileiro na área depatentes, destacando-se especialmentea revisão do Código da PropriedadeIndustrial, que resultou na lei 9.279,de 1996. Cláudia Chamas observa, po-rém, que o país ainda "está muito atra-sado no que se refere à proteção e ex-ploração econômica da propriedadeintelectual na academia e nas pequenase médias empresas':

Os longos períodos de turbulênciavividos pela economia brasileira nosúltimos anos, não encorajaram a gera-ção de inovações. A abertura do Brasilàs importações, por sua vez, não trouxea esperada renovação tecnológica, ten-do sido escassos os investimentos dasempresas de um modo geral, em pequi-sa e desenvolvimento.

Hoje, diante de um quadro econô-mico estável em que há um descompas-so entre a crescenteprodução científicaea limitada produção tecnológica, impõe-se a estruturação e o preparo da áreaacadêmica para atuar no campo do pa-tenteamento de invenções. "Em nossapesquisa observamos instituições quetêm dificuldades em tomar decisão. Porexemplo, acumulam extensas carteirasde patentes sem promover a sua explo-ração, pagando taxas de manutençãodos pedidos, que no exterior são muitoaltas, sem conseguir retorno': relata ela.

Apenas 45% das universidades e30% das instituições de pesquisa (amaioria do Sul e Sudeste do país), queintegraram a amostra da tese, contamcom Epitts em sua estrutura. Para am-pliar esse espectro são necessárias, pri-meiramente, ações de sensibilização ede informação e depois a feitura de umplanejamento global, definindo-se me-tas, estratégias e criando-se arranjosinstitucionais que respeitem as carac-terísticas de cada região.

Apesar de todas as deficiências -que incluem ainda falta de acervo bi-bliográfico, de financiamento e de pes-soal qualificado -, Cláudia Chamas sedeclara otimista. "Nos últimos dez anosfizemos avanços fantásticos em termosde debates e legislação. O discurso e aprática governamental estão mudando.Mas é preciso ainda mais: integrar odesenvolvimento científico à inovaçãoe à indústria, gerando renda e empre-go': conclui ela. •

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Meidanis:sistemascombinados desoftwares

BIOTECNOLOGIA

A vezda ScyllaVotoranti m Venturesinveste em empresade bioinformática

Oapoio do investimentode risco está ampliandoos horizontes do merca-do de biotecnologia nopaís. Pouco mais de um

mês depois da criação da Alellyx, em-presa de pesquisa e desenvolvimento deprodutos de biotecnologia, foi anuncia-da a formação de outra empresa,a Scylla,que vai atuar na área de bioinformáti-ca. Elas têm em comum o fato de teremsido formadas por pequisadores que in-tegraram as equipes responsáveis peloseqüenciamento do genoma da Xyllelafastidiosa, Xanthomonas citrii, entreoutros projetos patrocinados pela FA-PESP.As duas empresas também con-tam com o apoio financeiro da Voto-rantim Ventures, empresa de capital derisco do Grupo Votorantim que está dis-posta a investir R$ 300 milhões em ne-gócios de alta tecnologia. A Alellyxvaireceber da Votorantim um aporte deR$ 30 milhões e os recursos destinadosà Scyllanão foram divulgados.

A Scyllaterá como foco a bioinfor-mática para o desenvolvimentoda genô-mica e proteômica. Um dos principaismercados será o das indústrias farma-cêuticas, já que a bioinformática podeser crucial para reduzir o tempo de de-senvolvimentode um novo medicamen-to, o que, atualmente, pode levar entredez e 15 anos. Com a bioinformática épossível filtrar, com eficiência, as molé-culas que de fato interessam à pesquisae que se revelem mais eficientes. Tam-

bém há perspectivas de negócios comempresasagrícolase agropecuáriase cominstituições que precisam lidar com da-dos genômicos. "Existem muitos dadosdisponibilizados pela pesquisa genômi-ca. O que falta é uma boa organização .desses dados, o que a bioinformáticapode oferecer': diz João Meidanis, doInstituto de Computação da Unicamp,um dos sócios da empresa.

Meidanis esperou três anos pelaoportunidade de montar a Scylla, emassociação com quatro alunos seus: osdoutorandos Zanoni Dias e Guilher-me Pimentel Telles,Marília Dias VieiraBraga, com título de mestrado, e Ale-xandre Corrêa Barbosa, bacharelandoem Computação. "O apoio da Voto-rantim Ventures foi um catalisador im-portante para que ela fosse criada ago-ra", reconhece Meidanis.

Produtos e negócios - O principal pro-duto da Scyllaserão softwares inovado-res e sistemas combinados de softwares.Os seus sócios pretendem também de-senvolver sistemas de apoio a seqüen-ciamento em rede e à anotação de pro-teínas de transportes. Em qualquer caso,o produto final será um banco de da-dos, com informações organizadas, altaqualidade e acessíveis aos interessados.A análise dos dados genômicos pormeio da bioinformática é um dos pas-sos estratégicos para a montagem daseqüência dos genes. O seqüenciamen-to gera um enorme volume de dados

que devem estar acessíveispor meio deferramentas específicas de pesquisa. ''Abioinformática, por exemplo, permitiua montagem de 100 mil trechos dogenoma da Xylella': lembra Meidanis.

Apesardeo grupo ter acumuladocom-petência com a participação dos diver-sos projetos genomas, a idéia é "partirdo zero",como diz Meidanis. "Não pre-tendemos nos valer dos softwares e deoutras soluções desenvolvidas nas pes-quisas genômicas ligadas a instituiçõesacadêmicas, já que eles são proprieda-de das universidades", ressalva.Para de-monstrar competitividade e ganharmercado, os sócios da Scyllapretendemlançar, nos próximos quatro meses, pe-lo menos três produtos novos. Não estádescartada a possibilidade de a empresaoferecer serviço de bioinformática paraprojetos de seqüenciamento de genoma,inclusive aqueles patrocinados pela FA-PESP, ou para empresas como a suameia-irmã, a Alellyx.

A expectativa é que a Scylla desen-volva negócios com estrutura seme-lhante aos da SWISS-PROT,um bancode dados de proteínas suíço cujo aces-so, inicialmente, era público e gratuito."Mas, por necessidade de fundos, foimantido acesso livre apenas para insti-tuições acadêmicas. As empresas inte-ressadas nesses dados têm que pagar':afirma Meidanis. "Esse pode ser ummodelo para a nossa empresa, mas pre-cisamos de um parceiro para nos apre-sentar os dados': afirma Meidanis. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 25

Edital PRODOC/FAPESB No 001/2002 - CHAMADA I

fapesb~Fundação de Amparoà Pesquisa do Estado da Bahia

SEPLANTEC

Secretaria do Planejamento, Ciência e TecnologiaFUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DA BAHIA - FAPESB

PROGRAMA DE APOIO À INSTALAÇÃO DE DOUTORESNO ESTADO DA BAHIA - PRODOC/FAPESB

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB torna públicoe convoca os interessados a apresentarem propostas para obtenção de finan-ciamento a projetos no âmbito do Programa de Apoio à Instalação de Doutoresno Estado da Bahia - PRODOC/FAPESB.

O Edital PRODOC/FAPESB 001/2002, tem como objetivo atrair e contribuir paraa fixação de doutores em Instituições Públicas e Privadas de Ensino Superior ouPesquisa sediadas no Estado da Bahia.

Este edital terá vigência a partir de 15 de abril de 2002 até a contratação dos pro-jetos aprovados.

DATAS LIMITES:

Apresentação das propostas: até 30 de maio de 2002

Divulgação dos resultados: até 15 de julho de 2002

Contratação dos projetos: até 15 de agosto de 2002

O Edital e os elementos que o integram estarão à disposição dos interessados apartir desta data, das 9:00 às 18:00h na FAPESB, nas Pró-Reitorias de Pesquisa ePós-Graduação das Universidades e na Federação das Indústrias (lEL, CIMATEC).

Av. Luiz Viana Filho S/N - Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia - CentroAdministrativo da Bahia - Tels: (Oxx71) 370-3652/370-3639/370-3644 - Fax: 370-3507.

home page: http://www.cadct.ba.gov.br

Salvador, 15 de abril de 2002

Cleilza Ferreira AndradeDiretora Geral da Fundação de Amparo àPesquisa do Estado da Bahia - FAPESB

GOVERNODA BAHIA

L

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

FUNDOS SETORIAIS

Decreto incorporamais recursos aoFundo Verde-Amarelo

Incentivo para a inovação

O governofederalampliou os re-cursos do Fundo Verde-Ama-relo de Interação Universi-

dade e Empresa (CT-Verde-Amarelo) ecriou novos instrumentos de apoio àsatividades de P&D do setor privado. Asnovas medidas foram aprovadas peloCongresso Nacional em dezembro doano passado e regulamentadas por de-creto, no último dia 11 de abril.

O CT-Verde-Amarelo é formadopor uma parcela dos recursos da Con-tribuição de Intervenção sobre Domí-nio Econômico (Cide) que incide so-bre a remessa de empresas ao exteriorpara o pagamento de royalties, servi-ços de transferência de tecnologia, entreoutros. No ano passado, o fundo apli-cou R$ 152,2 milhões em 231 proje-tos.Agora, passou a incorporar tambémvalores equivalentes à renúncia fiscalreferente ao Imposto sobre ProdutosIndustrializados (IPI), prevista na novaLeide Informática. Neste ano, esses re-cursos acrescentarão mais R$ 70 mi-lhões ao CT-Verde- Amarelo e, até '2009, somarão R$ 2 bilhões, destina-dos à subvenção de projetos empesquisa e desenvolvimento.

A ampliação do CT-Ver-de-Amarelo permitiu quefossem adotadas novasformas de incentivo àinovação empresarial,como a concessão desubvenção econômi-ca a qualquer em-presa que esteja exe-cutando Programasde Desenvolvimen-to Tecnológico eIndustrial (PDTI)ou Programas deDesenvolvimento Tec-nológico Agropecuário(PDTA). Até agora os

dois programas garantiam às empresasparticipantes isenção do Imposto deRenda (IR) e IPI para os investimen-tos em pesquisa, favorecendo, princi-palmente, as grandes empresas comimpostos a pagar.Com a política de sub-venção prevista no decreto, serão bene-ficiadas também as pequenas e médiasempresas.

O decreto autoriza ainda a reduçãodos custos das operações de financia-mento à inovação tecnológica reali-zados pela Financiadora de Estudos eProjetos (Finep), que, atualmente, tra-balha com um custo de Taxa de Juro deLongo Prazo (TJLP) mais 2%, e pas-sará a operar com a TJLP reduzida."A diferença será coberta pelo fundo",explica Carlos América Pacheco, se-cretário-executivo do MCT. A Fineptem uma carteira de R$ 1,8 bilhão emcrédito para empresas. "A expectati-va é que esse valor dobre com a equa-lização dos juros", prevê Jorge Ávila,da Finep.

A ampliação dos recursos do CT-Verde-Amarelo vai financiar, ainda,

ações de incentivo à formação deFundos de Capital de Risco. O

decreto autoriza a aplicação deverbas do fundo, por meio

da Finep, para participa-ção acionária direta nocapital da empresa,principalmente aque-las nascentes, ou pormeio de fundos derisco. "Existeuma de-manda reprimida pa-ra esse tipo de incen-tivo para a inovaçãono Brasil", afirmouMario Bernardini, re-presentante do setorindustrial no CT-Ver-de-Amarelo. •

VN!.•..•• ;~ ,.. ••• milagreque ~UM afttê.-.ddo?

Ou teve um amigo ou parente

que daria tudo pela cura ou

tratamento de algu6m? Durante

muitos séculos, diversas

doenças afligiram a

humanidade e deixaram as

pessoas sem escolha,

ocasionalmente à espera de um

milagre. Mas o progresso da

ciência, da medicina e, por

conseguinte, da Indústria

farmacêutica, conseguiu algo

muito importante: obteve, em

muitos casos, o milagre da

cura, pelo medicamento.

Assim, o que poderia ser

impossível de curar dois

séculos atrás, hoje tornou-se

corriqueiro, graças à evolução

da ciência e dos

medicamentos. E é exatamente

com esse propósito que

existimos: para tornar viável o

milagre da cura para um

número mais amplo de

doenças e para cada vez mais

pessoas. Afinal, para salvar

vidas não há preço.

achewww.ache.com.br

Trabalhamos para quea cura esteja sempre

ao seu alcance.

• CIÊNCIA

LABORATÓRIO

Amizade faz bem para memória

Idosos jogando cartas na praça: interação social favoreceria ativação de neurônios

Ter amigos não faz bemapenas à alma, mas ao cé-rebro. É o que indica umestudo feito com aves can-toras por pesquisadores daUniversidade Rockefeller,de Nova York. Eles desco-briram que pássaros viven-do em grupos grandes têmmais neurônios novos e, pro-vavelmente, uma memóriamelhor do que os solitários.Os pássaros têm cérebrospequenos e,para estocar me-mória, acredita-se que elesproduzam um contínuosuprimento de neurônios.Só que esses neurônios no-vos morrem em três ou qua-tro semanas, de modo queas aves não conseguem ar-mazenar memória de lon-go prazo. Quem conseguemanter os neurônios vivospor mais tempo tem, con-seqüentemente, uma me-mória melhor. Os cientis-

tas estudaram exemplaresadultos de Taeniapygiagut-tata, de origem australiana,conhecido no Brasil comodiamante mandarim. Elesdividiram os pássaros emtrês grupos: um sozinho,um casal e .um conjunto de45 indivíduos. Depois de40 dias, examinaram trêsregiões específicas do cére-bro dos pássaros e descobri-ram que, comparados como pássaro solitário e com ocasal, aqueles que viveramno grupo maior tinhamcerca de 30% mais neurô-nios novos numa região docérebro envolvida em pro-cessamento do som. E osmachos da espécie, respon-sáveis pelo canto, tinhamduas vezes mais neurôniosnovos em áreas da comuni-cação. No trabalho publica-do no Behaviaural BrainResearch, Fernando Notte-

bohm, coordenador da pes-quisa, considera que, talvez,os pássaros exercitem seucérebro ao tentar distinguiro canto caract~rístico doscompanheiros. Em estu-dos anteriores, já se havianotado que animais soci-ais, como os elefantes, ten-dem a ter melhor memó-ria que os solitários. Masainda não se tinha notadouma mudança na sobrevi-vência de neurônios cau-sada somente pelo núme-ro de companheiros. Háevidências de que os sereshumanos adultos tambémproduzem novos neurô-nios no cérebro. A pergun-ta agora é: será que a inte-ração social pode ajudarnossos novos neurônios apermanecer ativos? Por viadas dúvidas, vá correndopegar seu velho caderno detelefones. •

28 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

• O perigoso confortodas cobaias

Cresce o movimento em de-fesa dos animais de labora-tório e a Comissão Européia,órgão executivo da União Eu-ropéia, prepara recomenda-ções para melhorar as condi-ções das gaiolas de roedores ecoelhos. Camundongos, porexemplo, terão de ter ninhosmais parecidos com os natu-rais, enquanto os porqui-nhos-da-índia deverão ga-nhar gaiolas equipadas comlugares para se esconder,como tubos e cabanas. Só queessas melhorias todas pode-rão ter um sério efeito colate-ral para a pesquisa. Um estu-do realizado na Universidadede Oxford, Inglaterra, e pu-blicado no Annals af Neuro-lagy (vol. 51, pág. 235) indicaque o aprimoramento dascondições de vida dos ani-mais de laboratório modificaseu comportamento e fisiolo-gia, o que pode interferir di-retamente no resultado dotrabalho. "Em todos os expe-rimentos nos quais se estámedindo comportamento, énecessária uma padroniza-ção bem limitada das condi-ções': explica Emma Hockly,coordenadora do estudo. Emum teste de coordenação mo-tora, os ratos nas gaiolas maisconfortáveis se saíram muitomelhor que aqueles confina-dos nas gaiolas padrão. As-sim, a menos que se padroni-zem as condições ambientais,tais mudanças aumentarão asdificuldades para se compa-rar os resultados de diferen-tes experimentos. Se houvermuitas variáveis ambientais,será necessário testar maisanimais para garantir valorestatístico aos resultados. •

• o cerradosob ameaça

o artigo de capa da edição demarço da revista BioScience,publicação oficial do Institu-to Americano de CiênciasBiológicas, do pesquisadorbrasileiro José Maria Cardosoda Silva com a co-autoria donorte-americano Iohn M.Bates, afirma que o cerrado,que inclui hábitats de florestae savana, é o segundo maiorbioma (conjunto de ecossis-temas) da América do Sul,mas está entre os mais amea-çados do continente. Silva,também diretor para a Ama-zônia da organização não-governamental ConservationInternational, diz que, noBrasil, há poucas reservas. E,pior, elas estão mal distribuí-das pelo ecossistema, fazendocom que uma importanteparte da diversidade ambien-tal do cerrado esteja à mercêdas plantações de arroz esoja. A saída apontada é: im-plementar mais reservas, proi-bir novos projetos que pos-sam causar impacto negativosobre a flora e fauna da regiãoe desenvolver tecnologia demodo a ajudar os agricultoresa melhorar a produtividadedas terras já cultivadas, im-pedindo, assim, o avanço dasplantações. •

oleosa contendo os poluen-tes, pode ser biodegradada ouincinerada. Embora haja pro-jetos semelhantes na Europae Estados Unidos, os óleosvegetais brasileiros possuemcomposições químicas favo-ráveis, sendo a descontam i-nação realizada a tempera-turas muito próximas daambiente. A pesquisa já foiconcluída em laboratório, naUSP, e agora deverá ser testa-da em um escala piloto, afir-ma o pesquisador. •

Cerrado brasileiro coberto com plantação de soja: bioma está entre os mais ameaçados

• Óleos brasileirosque limpam o solo

taminado para poder tratá-losem contaminar o lençolfreático. Essa terra é lavadacom uma mistura biodegra-dável (microemulsão) com-posta de óleo vegetal, água etensoativo (espécie de deter-gente). "Usamos óleos vege-tais brasileiros (babaçu, cocoe dendê), para confeccionarum agente descontaminante",explica Seaoud. Após a lava-gem, o solo é separado da mi-croemulsão, lavado com águae recolocada no local de ori-gem. Numa segunda etapa, amicroemulsão é separada, re-ciclada e, o que sobra, a parte

Duas agências financiadorasde pesquisa dos Estados Uni-dos estão investindo US$ 2,22milhões em fito-recuperação- plantas que absorvem pro-dutos tóxicos do solo e daágua. No Brasil, Márcia Bra-gato, orientada por Ornar A.El Seaoud, ambos do Institu-to de Química da Universida-de de São Paulo, desenvolve-ram um esquema simples,versátil e economicamenteviável para descontaminaçãodo solo. Retira-se o solo con-

Amostra de terra poluída (à esa: e terra tratada: sem contaminação do lençol freático

• Finalmente chegoua vez dos coelhos

Pesquisadores do InstitutoNacional para Pesquisa Agro-nômica, da França, anun-ciaram em abril a primeiraclonagem bem-sucedida decoelhos a partir de célulasadultas. O objetivo é atingirgenes específicos durante oprocesso de clonagem e in-tensificar o uso desses ani-mais como modelos de doen-ças humanas por ser o coelhogeneticamente mais próximodo homem do que os camun-dongos, a cobaia padrão usa-da em pesquisa. •

PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 29

Quem viaja de avião certa-mente já experimentou umdos tipos de movimentosque mais intrigam os físicos- a turbulência, expressatambém nos furacões e ma-remotos. Com o objetivo deentender esses fenômenos edescobrir quando e onde vãoaparecer, um grupo de pes-quisadores do Instituto deFísica da Universidade deSão Paulo (USP) reprodu-ziu situações similares numplasma, uma mistura departículas atômicas eletri-camente carregadas, encon-trada no Sol, por exemplo.Os físicos descobriram queexiste simetria na turbulên-cia da borda do plasma. Nocentro do plasma, já se sa-bia, há estabilidade. Já a tur-bulência, embora altamente

• Duas estrelasabalam a física

Estudos feitos a partir do ob-servatório de raios X Chan-dra e do telescópio espacialHubble, ambos da Nasa, indi-cam falhas no Modelo Pa-drão, pelo qual a física mo-derna procura explicar comoas partículas do átomo inte-ragem entre si. As duas estre-las observadas pelos astrôno-mos - RX ]1856.5-3754 e3C58 - sugerem a existênciade algo revolucionário para afísica: uma forma inteira-mente nova de matéria. Ospesquisadores da Nasa achamque as duas estrelas podemser compostas de partículasmenores do que átomos, istoé, um tipo de matéria aindamais densa do que a quecompõe a Terra. A aposta é

30 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

principal autor do estudode 13 páginas publicado emdezembro na Physica A, as-sinado também por IberêCaldas, Maria Vitória Hellere André Ferreira, do grupode plasma da USP. O expe-rimento avaliou a variaçãode uma medida do campoelétrico, o chamado poten-cial elétrico, que é geradopor partículas carregadas epode ser positivo ou nega-tivo. O conhecimento dasvariáveis que regem esseaparente gosto em causarsurpresas pode levar a cál-culos mais respeitáveis so-bre quando a atmosferapassaria a se comportar demodo turbulento - seria oprimeiro passo para evitarque um avião entrasse nu-ma dessas regiões. •

Céu visto dajanela do avião:em busca desoluções paraviagens maistranqüilas

instável, é regida por estru-turas regulares, os vórtices,que funcionam como eixosem movimento e não dei-xam qualquer coisa aconte-cer ao redor. "A turbulência

é menos bagunçada do quealguns sistema biológicos,como o disparo de neurô-nios diante de uma luz in-tensa, por exemplo", co-menta Murilo Baptista, o

cartar a possibilidade de asduas estrelas serem de nêu-trons. Quando eles observa-ram a RX ]1856, na constelaçãode Corona Australis, desco-briram que ela tem um diâ-metro de 16 quilômetros oumenos, um tamanho muitopequeno para uma estrela denêutrons. A 3C58, da conste-lação de Cassiopéia, deve ter1 milhão de graus Celsius,um corpo muito frio parauma estrela de nêutrons. Res-tam duas possibilidades. Aprimeira, é as observações te-rem se concentrado numa re-gião anormalmente quenteda RX ]1856, o que poderiater deturpado as leituras doChandra, algo improvável. Aoutra possibilidade é a maisinstigante: o núcleo das estre-las podem ser feitos de umnovo tipo de matéria. •

que sejam quarks puros, dife-rentes dos quarks já conheci-dos como partículas do áto-mo. Ieremy Drake, do CentroHarvard-Smithsoniano paraAstrofísica de Cambrigde, dizque as estrelas parecem "ma-téria estranha de quark".

"Quarks nunca foram vistosfora de um núcleo em labora-tórios da Terra", afirma Dra-ke. Ou seja, esses quarks es-tranhos existiam antes ape-nas como teoria. Os astrôno-mos chegaram a essa conclu-são quando precisaram des-

Esforços para explicar - e evitar - a turbulência

3C58:estrela friademaispara sercompostapor nêutrons

• Bando de reflexosde flamingos

é colocar de pé o antigo pro-jeto, concebido há dez anos,que prevê uma recriação dacolisão de átomos semelhan-te à grande explosão que te-ria dado origem ao Universo.A experiência tem custosestimados em 3 bilhões de li-bras (cerca de R$ 10 bilhões).De acordo com Philip Bur-rows, da Universidade deOxford, os pesquisadores in-gleses esperam que os gover-nos dos Estados Unidos, dealguns países da Europa e daÁsia aprovem o investimen-to até 2005 para que a ex-periência ocorra até 20 l l ,De qualquer forma, já háduas empresas candidatas aconstruir o equipamento euma delas será escolhida pe-los países que participarãodo projeto. O equipamentocomprimiria partículas devários elementos químicosem um túnel de 30 quilôme-tros de extensão. •

Um zoológico da Inglaterrarecorreu a um artifício paraincentivar a procriação deseus flamingos: espelhos. Es-palhados pelo Flamingo Park,na ilha de Wight, Hampshire,os espelhos têm o objetivo decriar a ilusão de companhia.O zoológico ainda não conse-guiu fazer os flamingos rosa-dos se reproduzirem. As aveschegaram até a botar ovos,mas se revelaram pais desna-turados. "Atiravam os ovosfora dos ninhos, jogavam fu-tebol com eles, empurrando-os com os bicos, e, por fim,os esmagavam", conta a por-ta-voz do parque, LorraineAdams. Em casa, nos lagossalgados da África, o flamingopequeno (Phaeniconaias mi-nar) vive em bandos de milha-res. No Flamingo Park, porém,só há 34 exemplares - esse

Flamingo:poucosexemplarespodem ser acausa dadificuldade dereprodução

baixo número pode ser a cau-sa do insucesso. Uma campa-nha mobilizou a populaçãolocal, e o parque reuniu 50 es-pelhos para criar um "bandode imagens': Embora a revistaNature (19 de março) relateque artifício semelhante já foitentado antes sem sucesso, osautores da idéia acreditam que,desta vez, vai dar certo. •

• Um novo Big Bangem laboratório

Físicos reunidos num con-gresso em Brighton, na Ingla-terra, em abril, pediram umesforço da comunidade cien-tífica internacional para cons-truir um grande equipamen-to capaz de reproduzir o BigBang em laboratório. A idéia

Termômetro no espaço

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•. k. l ik.ld:~ ~

o satélite Terra, da Nasa, carrega um novo sensor capaz de realizar as mais detalhadas medições feitas da temperatura dasuperfície do mar. O sensor mede a energia térmica infravermelha irradiada da superfície do mar com precisão de 0,25°C.

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 31

GENÉTICA

Mutação mapeadaTrabalho internacionalcoordenado porpesquisador brasileiroindica gene causadorde uma grave doençade rim em crianças

MARCOS PIVETTA

Numartigo publicadoon-line em 15 de marçono American [ournal afHuman Genetics, umadas mais respeitadas re-

vistas da área de genética, o pesquisa-dor Luiz Fernando Onuchic, da Facul-dade de Medicina da Universidade deSão Paulo (USP), em colaboração com17 colegas dos Estados Unidos e Euro-pa, identifica e descreve, com riquezade detalhes, o gene que, quando alvode mutações em suas duas cópias, de-sencadeia uma severa e rara enfermi-dade hereditária principalmente emrecém-nascidos e crianças, a doença re-nal policística autossômica recessiva.Trata-se do gene PKHD1 (sigla em in-glês para Palycystic Kidney and Hepatu:Disease 1), um enorme e complexogene, localizado no cromossomo 6,que produz um provável conjunto deproteínas até então desconhecidas, ba-tizadas pelos autores do estudo de po-liductina. "Esse gene está implicado emtodas as formas típicas da doença", dizOnuchic, cujo nome aparece à frentedos demais pesquisadores por ter si-

32 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

do o brasileiro oprincipal respon-sável pela desco-berta do gene."Encontramos di-ferentes mutaçõesnesse gene que po-dem levar à doença:'

. Além do cientista daUSP, cujos estudos são fi-nanciados pela FAPESP,ogrupo que participou dotrabalho - na verdade, umconsórcio internacional -inclui pesquisadores dequatro universidades dos EstadosUnidos (Johns Hopkins, Yale, do Ala-bama em Birmingham e Case WesternReserve) e uma da Alemanha (Univer-sidade Técnica de Aachen). ''A identifi-cação do gene responsável por essepro-blema hereditário é um marco e abre asportas para a descoberta de uma curapara a doença': comenta Gregory Ger-mino, da Universidade Iohns Hopkins,líder do consórcio. ''Agora, podemoscomeçar a desenvolver um teste deDNA que provavelmente poderá ser

usado para identificar potenciais porta-dores (do gene mutado) ou indivíduosafetados." Neste mês, o estudo do gru-po - que já entrou nos Estados Unidoscom o pedido de patente do novo genee das proteínas que ele produz - sai naedição impressa do American [ournal afHuman Genetics.

Numa tendência dominante nosgrandes periódicos científicos, quecompetem pelos melhores trabalhosdos pesquisadores, o artigo de Onu-

doença encontrava-se numa região docromossomo 6. Foi um primeiro avan-ço, mas limitado. Afinal, essa região eraum segmento genômico bastante gran-de, que incluía um número enorme degenes, alguns conhecidos, outros não.No ano seguinte, embalados por esseprimeiro achado, o grupo chefiado porGermino na Universidade Iohns Hop-kins, onde Onuchic trabalhava na oca-sião, montou o consórcio internacionalque viria a decifrar a causa genética dadoença sete anos mais tarde.

chie e seus colegas foi publicado ele-tronicamente, de forma antecipada, pe-la revista norte-americana devido aoseu alto impacto, por trazer um achadomuito importante. E também porqueum grupo concorrente de pesquisa-dores da Clínica Mayo, Estados Uni-dos, publicara, inicialmente tambémon-line, em 4 de fevereiro, um artigodando conta igualmente da descober-ta do PKHD 1 na revista britânica Na-ture Genetics.

Um detalhe precisa ficar claro nessahistória: o grupo do qual o brasileirofaz parte submeteu seu artigo à apre-ciação do American [ournal em 10 defevereiro, antes de a Nature Geneticspublicar eletronicamente o estudo doscientistas da Clínica Mayo. Na prática,as duas equipes, que trabalharam de for-ma independente, com estratégias dis-tintas, chegaram simultaneamente aomesmo resultado. ''A comunidade cien-tífica entende as particularidades daciência competitiva e está dividindo ocrédito dessa descoberta entre os doisgrupos': afirma Onuchic.

A existência da doença renal poli-cística autossôrnica recessiva, que afetaos rins e o trato biliar, é ignorada pelamaioria das pessoas devido à sua baixaincidência na população. Conhecidaem inglês pela sigla ARPKD, a enfermi-dade acomete um em cada 20 mil nas-cidos vivos. Num país como o Brasil,onde anualmente cerca de 3 milhões debebês deixam a sala de parto com vida,isso equivale a dizer que 150 novos ca-sos da doença são esperados a cada 12meses. Em até metade das ocorrências,as crianças que nascem afetadas pelaARPKD morrem logo após o parto. Eaté 20% dos portadores dessa enfermi-dade não alcançam os 5 anos de idade,e não há nenhum tratamento específi-co que impeça ou controle o desenvol-vimento da doença.

Rins dilatados - Os rins das criançasque, ao nascer, apresentam a formasevera da doença mostram-se aumen-tados, com um peso até dez vezes maiordo que o normal e dilatações císticasnos dutos coletores, segmentos das es-truturas funcionais desse órgão. "Nu-ma criança de 2 anos de idade com adoença, acompanhada em nosso hos-pital, os rins atingiram um compri-mento de cerca de 15 centímetros, en-

quanto o normal seria em torno de 6centímetros", comenta Onuchic. Osdoentes que sobrevivem ao períodoinicial da vida têm uma evolução clí-nica variável. Entre as principais causasde piora clínica e óbito nesses pacientesfiguram hipertensão arterial severa,problemas hepáticos e progressiva per-da de função renal.

Aproximadamente metade dosatingidos perde completamente a fun-ção dos rins antes dos 10 anos de ida-de. Nesses casos, as crianças passam adepender de diálise ou de um trans-plante de rim para permanecer vivas."Como não há tratamento específicopara a doença, apenas cuidamos dascomplicações e oferecemos terapêuti-ca de suporte ao paciente, para con-trolar, na medida do possível, as ma-nifestações da doença", comenta opesquisador. No Instituto da Criança doHospital da Clínicas de São Paulo sãoacompanhados atualmente 25 casosda doença.

Aéa descoberta do PKHDl, amedicina sabia que a doen-ça era causada por defeitosem apenas um dos cercade 30 mil genes presen-

tes no genoma humano, mas não haviaconseguido precisar qual deles era acausa do problema. Outra característi-ca da enfermidade que era de domíniopúblico: a doença, como seu próprionome deixava claro, era recessiva. Paraque desenvolvesse a enfermidade, umacriança tinha de herdar as duas cópiasdefeituosas do então misterioso geneque causava a ARPKD. Quem tinhaapenas uma cópia do gene com proble-ma não desenvolvia a doença, emborapudesse transmiti-Ia a seus filhos seseu parceiro também carregasse umamutação nesse mesmo gene (veja ilus-tração na próxima página). Como sesabe, todo ser humano tem duas có-pias de cada um dos seus genes locali-zados nos cromossomos não sexuais,uma herdada do pai e outra, da mãe.Tudo isso já era conhecido pela ciênciahá tempos. Faltava, no entanto, locali-zar o tal gene alterado na doença, o quesomente aconteceu agora.

O primeiro grande avanço na buscada raiz genética da ARPKD ocorreu em1994, quando pesquisadores alemãesmostraram que o gene implicado na

Fechando o foco - O feito foi consegui-do com o auxílio de uma estratégia co-nhecida como clonagem posicional,abordagem freqüentemente utilizadapara se descobrir genes relacionados adoenças complexas, cujo defeito bio-químico primário, que ocasiona o pro-blema clínico, é desconhecido. Esse erao caso da ARPKD. Os pesquisadores daClínica Mayo, sob a coordenação dePeter Harris, usaram uma abordagemdiferente para identificar o gene da do-ença - acharam o PKHD 1 a partir deum modelo de doença renal policísticarecessiva desenvolvido espontanea-mente em ratos. Algumas das caracte-rísticas desse modelo eram semelhantesàs da doença humana.

Em que consiste a clonagem posi-cional? Primeiro, os cientistas têm dedescobrir em que região de um cromos-somo o gene causador da doença emquestão se encontra. Isso é feito com oemprego de um método chamado aná-lise de linkage e redução progressiva dointervalo de interesse. Os pesquisadorestanto identificam genes, em labo-ratório, quanto buscam em bancos dedados internacionais os que, pela suaestrutura ou função, exibam o poten-cial de abrigar mutações que possamcausar a doença.

Por fim, é preciso mostrar que mu-tações levam ao problema clínico (en-contrar mutações desse gene no DNA depacientes com a ARPKD). Portanto,com a estratégia da clonagem posicional,o cerco 'ao gene ligado a uma doençavai se fechando até que sobrem poucossuspeitos. É um processo que exige pa-ciência, concentração e que pode demo-rar anos. ,"É mais ou menos como tentardescobrir numa população predeter-minada quem é o bandido que come-teu um crime", compara Onuchic.

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 33

Herança indesejada

NM

Mutações no gene PI<HDl, localizado no cromossomo 6, causam a doença renal policísticaautossômica recessiva, que atinge um entre cada 20 mil bebês nascidos vivos

N gene normalM gene mutado

A origemOs pais, mesmo que cada um delestenha uma cópia (alelo) do gene PKH DImutado, não desenvolvem a doença,embora possam transmiti-Ia aos filhos(probabilidade de 25%).

NM

NN

No caso do PKHDl, os estudos an-teriores do consórcio indicavam que ogene mutado na doença renal policísti-ca autossômica recessiva estava numaregião do cromossomo 6 que se estendiapor 834 mil pares de base, onde, depoisde uma minuciosa análise, os cientistaschegaram a várias seqüências expressassuspeitas. Entre elas, uma que os pes-quisadores do consórcio conseguiramdemonstrar ser o tão sonhado gene as-sociado à doença, o PKHD 1.

A caracterização desse gene, enor-me e complexo, mostrou que ele se es-tendia ao longo de um segmento ge-nômico de cerca de 470 mil pares debase e que se expressava principalmen-te no rim, o órgão mais afetado pelaenfermidade. "No início desse proces-so, não sabíamos se seqüências expres-sas que fazem parte desse gene perten-ciam a um ou a dois genes", contaOnuchic.

Estudos posteriores revelaram quese tratava de um único gene. A prova deque esse gene era o relacionado à ARPKDfoi fornecida por uma evidência pro-duzida por Onuchic e seus colegas. Ospesquisadores procuraram - e encon-

34 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

A doença só semanifestaquando o filhoherda os doisalelos mutados,um do pai eoutro da mãe.

MN MM

o geneLocalizado numa região docromossomo 6, o gene PI<HDI

]

gera formas variadas da proteínapoliductina, cuja produçãoanormal está associada aodesenvolvimento da doença.

palmente bebês e crianças, o PKHD 1também pode ajudar a ciência a com-preender um pouco melhor certos me-canismos relacionados ao genoma hu-mano. Há indícios que embasam essecaráter, digamos, didático e reveladordo novo gene. O tamanho genômico(espaço ocupado no cromossomo) doPKHD 1 o torna um dos maiores geneshumanos já caracterizados, e seu trans-crito mais longo é formado a partir de67 partes (exons).

Outra peculiaridade do gene é suaformidável capacidade de gerar diferen-tes transcritos, por meio de um proces-so que os biólogos moleculares chamamde splicing alternativo. Estudos posterio-res ao trabalho de Phillip Sharp (Prê-mio Nobel de 1993), que descobriu osmecanismos básicos de splicing, mu-daram a forma de ver os genes. Até en-tão, a ciência postulava que cada genecontinha instruções para que as célulasproduzissem uma única forma de pro-teína. Um gene, de acordo com esse pre-ceito, podia processar e usar de apenasuma maneira a sua seqüência de bases,incluindo adenina (A), cito sina (C),guanina (G) e timina (T). Conseqüen-

traram - mutações potencialmente pa-togênicas no gene PKHD 1 pertencentea 21 cromossomos de pacientes com adoença renal policística autossômicarecessiva. Essas mutações, que foramlocalizadas em diferentes partes do gene,não estavam presentes em 120 cromos-somos de pessoas sadias, o chamadogmpo controle.

Dequebra, durante essecerco à origem molecu-lar daARPKD, os pesqui-sadores acabaram desco-

. brindo outro gene novo,que nunca havia sido descrito na litera-tura cientítica e não guardava nenhu-ma relação com a doença renal. Cha-mado de ML-l, esse novo gene pareceparticipar da resposta inflamatóriaalérgica da asma, um problema de saú-de bastante freqüente. O relato de suaidentificação foi publicado numa ediçãodo final do ano passado do Iournal ofImmunology. O ML-l agora é alvo de es-tudos conduzidos pelo setor de imuno-logia da Universidade Iohns Hopkins.

Além de ser o gene causador dessarara enfermidade que vitima princi-

Duto coletordilatado

Néfron----..

A conseqüênciaA doença causa uma dilatação acentuada dos dutos

coletores, que faz o rim aumentar de tamanho.

tente, o resultado desse processamentosempre tinha de ser igual, uma estávelreceita química (chamada tecnicamen-te de gene transcrito ou simplesmentetranscrito) que fornecia sempre as mes-mas informações para as células, que,obviamente, acabavam fabricando sem-pre a mesma proteína.

por meio de splicing alternativo, a maisde 1.000 formas diferentes de proteínas.A análise da estrutura da poliductinasugere que a proteína codificada pelogene PKHD 1 possa funcion~r comoum receptor (celular), mas deixa aber-ta a possibilidade de atuar como umamolécula ligante (que se une a outraproteína) ou como uma enzima as-sociada à membrana.

No caso de PKHDl, os cientistasainda não podem precisar quantas va-riantes da poliductina são produzidas

Gene peculiar - No entanto, hoje sesabe que muitos genes humanos são ca-pazes de utilizar seus exons em diferen-tes combinações. Em outras palavras, al-guns genes podem gerar diferentesprodutos de splicing, o que pode levar àformação de mais de um tipo de proteí-na, se forem traduzidos. Esse é o caso -e particularmente intenso - do gene re-lacionado à enfermidade. "Já identifi-camos mais de 20 transcritos do genePKHDl, mas o total pode ser bemmaior': comenta Onuchic. "Essa mul-tiplicidade de variantes de splicing éuma característica incomum em genesde mamíferos."

Na literatura científica, há registrode achados semelhantes para a famíliade genes das neurexinas. Em númerode três, esses genes podem dar origem,

o PROJETO

Genética Molecular da Doençade Rim Policístico AutossômicaRecessiva Humana

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORLUIZ FERNANDOONUCHIC- Faculdadede Medicina da USP

INVESTIMENTOR$ 272.389,66

oª pelos muitos transcritos codificadosS pelo gene. Sabem, contudo, que vários

transcritos, se forem traduzidos, leva-rão à síntese de duas formas de proteí-na: poliductina-M e poliductina-S.Cada forma, por sua vez, constitui umgrupo com subvariantes da proteína.Enquanto o grupo das poliductinas-Minclui as formas da proteína provavel-mente associadas à membrana plasmá-tica, o das poliductinas-S inclui as pro-teínas que podem ser secretadas.

Entre todas essas subvarian-tes da proteína, a maior - eprovavelmente a mais im-portante - é uma poliducti-na-M formada por 4.074

aminoácidos (as unidades químicas dasproteínas). Por que ela é vista com maisatenção do que as outras? Porque essaforma da poliductina é produzida peloúnico transcrito que seria alterado portodas as mutações descritas até o mo-mento. Em outros termos, os resulta-dos da pesquisa sugerem que essa pro-teína se mostre truncada ou defeituosaem todos os doentes nos quais já foramdetectadas mutações em ambas as có-pias do gene.

"No entanto, ainda não sabemos sea doença decorre apenas da redução,abaixo de níveis críticos, da quantidadeda proteína mais longa normal, ou se aperda de um balanceamento funcionalentre as diferentes formas da proteína,decorrente de mutações, também par-ticipa da gênese do problema", comen-ta Onuchic. Segundo o pesquisador, aestrutura das maiores proteínas produ-zidas pelas neurexinas é similar à dapoliductina -M.

Um dos desafios imediatos dospesquisadores é estabelecer possíveiscorrelações entre os vários tipos de mu-tação encontrados no gene e a natu-reza e a severidade das manifestaçõesclínicas da ARPKD. Outro desafio,cuja elucidação deverá ser progressivae demorada, é entender o papel dessanova proteína em indivíduos sadiose como sua alteração leva à ARPKD."Esperamos ser capazes um dia demanipular as vias de sinalização rela-

.cio nadas a essa proteína, de forma acontornar essa desordem genética", al-meja Gregory Germino, da Universi-dade Iohns Hopkins, ao expressar odesejo comum da equipe. •

PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 35

• CIÊNCIA

BIOLOGIA

Cobaias sobencomendaEquipe da Unifesp consolidaa produção pioneira decamundongos transgênicosobtidos pela técnica damicroinjeção pronuclear

Toda manhã, uma pesqui-sadora abre a porta de umlaboratório da UniversidadeFederal de São Paulo (Uni-fesp), sempre trancado, e

altera a ordem de cerca de 30 gaiolas decamundongos (Mus musculus) brancos,pretos e cinza. Assim, somente a equipeda casa pode localizar, pelos códigos decada gaiola, os primeiros camundongostransgênicos - alterados geneticamen-te -, ali produzidos por uma técnicainédita no Brasil. Espera-se que a téc-nica, já empregada mundialmente noestudo de doenças, como mal de Alz-heimer, diabetes, hipertensão e câncer,entre outras, possa ser aplicada em ani-mais de grande porte para a produçãode vacinas e medicamentos.

João Bosco Pesquero, coordenadordo laboratório de animais transgênicosdo Centro de Desenvolvimento de Mo-delos Experimentais para Medicina eBiologia (Cedeme) da Unifesp, adotoua rotina da troca depois do nascimento deVítor, em 24 de dezembro do ano pas-sado. Vítor não é o primeiro camun-dongo geneticamente alterado made inBrazil- um grupo da Universidade de-São Paulo (USP) obteve os primeirosem julho do ano passado -, mas repre-senta o domínio de mais uma técnica: amicroinjeção pronuclear.

36 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Por esse método, o óvulo fecunda-do é coletado poucas horas depois dacópula. Antes que os pronúcleos - nú-cleos celulares do espermatozóide e doóvulo - se fundam, injeta-se num delesuma solução com cópias de genes exó-genos - de indivíduos da mesma espé-cie ou de outras. Em seguida o embriãoé transferido para o útero de uma :'mãede aluguel".

Essa técnica, a mais adotada no mun-do para adição de genes, permite obteranimais que expressam o gene exógenoem todas as células, inclusive as germi-nativas (óvulo ou espermatozóide), oque garante que os seus descendentesterão a mudança genética. Já os trans-gênicos da USP vêm da manipulaçãode células-tronco de embriões, quemantêm a capacidade de se diferenciarem qualquer tecido. Esses animais, quetêm algumas células com alteração ge-nética e outras com genoma integral,são chamados quiméricos. O importan-te é que as células germinativas tenham amudança, pois só assim os animais pas-sarão o gene exógeno para a prole eserão considerados transgênicos.

Além da maior eficiência na geraçãode transgênicos por adição, outra van-tagem da microinjeção é poder ser usa-da noutras espécies de laboratório - ra-tos, coelhos, gatos, cães -, enquanto a

manipulação de células-tronco se limi-ta a camundongos. Entretanto, ambosos métodos não permitem controlar onúmero de cópias do gene exógeno queserão incorporadas pelo genoma nem aregião dos cromossomos em que se en-caixarão - assim, sempre há o risco de queas seqüências intrusas bloqueiem genesessenciais ou até mesmo causem a morte.

Diferenças à parte, bichos transgê-nicos são considerados essenciais paraestudar o desenvolvimento de doençase a ação de genes de função ignorada.Aliás, as células do coração de Vítor ede seus primeiros descendentes já pro-duzem uma proteína, o receptor debradicinina B-2, em quantidade supe-rior ao normal. Essa molécula se liga àbradicinina, peptídeo liberado pelas cé-lulas durante o processo inflamatório eque promove a dilatação dos vasos.

Produção em série - Assim o Brasil co-meça a superar um atraso de 20 anos, jáque a valorização do tema é recente poraqui. Pesquero, que passou quatro anostrabalhando no desenvolvimento deanimais transgênicos durante seu pós-doutorado - na Universidade de Hei-delberg e no Instituto Max-Delbrückpara Medicina Molecular em Berlim,ambos na Alemanha -, só conseguiuiniciar a pesquisa na Unifesp em 1997.

Para obter Vítor, a equipe precisouinocular 500 embriões, transferidos parao útero de 13 fêmeas. Depois, os resul-tados melhoraram: com mais 180 em-briões, o laboratório produziu tambémduas fêmeas geneticamente modificadas,nascidas no final de fevereiro. Pesqueropreviu que em maio, quando o labora-tório funcionaria a plena capacidade,200 embriões seriam inoculados por dia.Esse trabalho deve gerar de dois a quatrocamundongos transgênicos, já que a efi-ciência do método fica entre 1% e 2%.A produção mensal, estimada em 40 a 80animais, poderia até suprir outras insti-tuições. "Vamos nos tornar uma fábricade transgênicos", diz Pesquero.

Hipertensão - De imediato, a produçãodeve economizar tempo e dinheiro. Atual-mente, importar um bicho geneticamen-te modificado demora de seis meses aum ano, dependendo da linhagem soli-citada, e exige paciência para enfrentar aburocracia e a alfândega. Normalmen-te, um casal de camundongos transgêni-cos custa cerca de US$ 2.000, mas o preçopode até quintuplicar, segundo a im-portância do animal. Na Unifesp, cal-cula-se que um casal saia por cerca deUS$ 1.000.

Dois grupos de pesquisa já se inte-ressaram pelos camundongos da Uni-

fesp. Jorge Luiz Pesquero, irmão deJoão Bosco, coordena um deles, no Ins-tituto de Ciências Biológicas da Uni-versidade Federal de Minas Gerais(UFMG). Em parceria com a Unifesp,Jorge pretende estudar o papel da enzi-ma tonina na origem e na manutençãoda hipertensão arterial. Já se sabe que atonina participa de uma reação quetransforma o angiotensinogênio emangiotensina Il, uma substância queproduz vasoconstrição (diminui o cali-bre dos vasos sangüíneos).

As duas equipes, que desde 1997tentavam obter camundongos que pro-duzissem tonina em maior quantidadeem vários tecidos, só tiveram sucesso emfevereiro deste ano. Os dois camundon-gos fêmeas nascidos na Unifesp têm có-

o PROJETO

Implantação de Laboratóriospara Produção e Manutençãode Animais Transgênicos

MODALIDADEEquipamentos multiusuários

COORDENADORJOÃO Bosco PESQUERO - Unifesp

INVESTIMENTOR$ 177.209,72 e US$ 166.389,44

Depois de Vítor, o laboratóriofez duas fêmeas e passou afuncionar a plena capacidade

pias do gene que produz a to nina nos as-trócitos, células do sistema nervoso comabundância de angiotensinogênio. Porcausa da alteração genética, essas célu-las passaram a produzir a enzima emquantidade acima do normal. Com osanimais dessa linhagem, Jorge pretendeinvestigar não só a hipertensão, mastambém a capacidade de memória e deaprendizagem - há evidências de maiorquantidade de tonina em áreas do cére-bro ligadas a essas funções.

Biofábricas - Outra equipe, da Embra-pa de Brasília e da Universidade Estadualde Campinas (Unicamp), quer partirdos camundongos para a criação de bio-fábricas - animais que produzam mo-léculas biológicas. Transgênicos de grandeporte (bovinos e caprinos) produziriamno próprio leite proteínas de interessenutricional ou farmacológico. Antes,porém, de inserir nesses animais os ge-nes que codificam as moléculas preten-didas, é preciso fazer testes nos camun-dongos, que têm ciclo reprodutivo bemcurto: a gestação dura cerca de 20 dias,enquanto a de um boi demora nove me-ses. "Essa rapidez permite analisar a in-corporação dos genes em poucos mesese, se necessário, redirecionar as pesqui-sas", diz Elibio Rech, coordenador doprograma de transgênicos da Embrapa.

Nos próximos meses, em colabora-ção com a Unifesp, o grupo da Embrapatentará obter camundongos transgênicosque expressem o gene scFv (single chainfragment variable). Esse gene produzum anticorpo contra o câncer de mama,que poderia ser usado em exames de di-agnóstico e até para uma vacina contrao tumor. Pesquero não quer ficar só noscamundongos. Seu plano é empregar amicroinjeção pronuclear para obter ra-tos (Rattus norvergicus), animais maio-res, com 18 a 25 centímetros de com-primento. Além de facilitar o trabalho -a manipulação dos pequenos camun-dongos, que não chegam a ter 10 centí-metros de comprimento, tem de ser fei-ta com lupa - os ratos são importantesporque grande parte do que se sabe dofuncionamento do organismo humanobaseia-se em pesquisas feitas neles. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 37

• CIÊNCIA

variadas situações ou provenientes depatologias, levantaram evidências deque o human interferon stimulated genese comporta de uma maneira em pacien-tes de lúpus que receberam tratamentocom drogas imunossupressoras e deoutra em doentes não tratados.

Em pessoas não medicadas, a ex-pressão do gene é mais alta. É como se

GENÔMICA

Na raizdolúpusGenes recém-descobertos ajudama explicar as doenças auto-imunes,que atacam o próprio organismo

Nofinal do ano passado,quando lia a edição de

. setembro da Immunity,o biólogo molecular Ge-raldo Passos [unior, pes-

quisador da Universidade de São Paulo(USP), em Ribeirão Preto, quase caiu dacadeira. Num artigo publicado nessarevista, pesquisadores da Universidadede Colorado, Estados Unidos, davamconta de que a expressão alterada numgene de camundongo, o Ifi202, aumen-tavao risco de os animais desenvolveremo lúpus sistêmico, doença auto-imunecrônica que provoca lesões na pele e ór-gãos internos. Não foi exatamente anotícia da descoberta do papel dessegene - importante, sem dúvida - quecausou surpresa em Passos.Mas, sim, acoincidência de que ele e seus colegasda USP haviam acabado de obter da-dos interessantes ligando um gene hu-mano ao lúpus.

Estudando linfócitos de pacientescom lúpus eritematoso sistêmico,os pes-quisadores de Ribeirão Preto consegui-ram identificar a expressão alterada dohuman interferon stimulated gene, justa-mente o equivalente humano do Ifi202de camundongos que a equipe norte-americana havia identificado estudan-do a doença nos animais. Com a ajudada técnica de chips de DNA ou micro-arrays (literalmente microarranjos), quepermite analisar simultaneamente opadrão de expressão (uso) de milharesde genes de células submetidas às mais

38 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

ele fosse mais intensamente utilizadopelas células do sistema imune dos pa-cientes. Em indivíduos tratados, sua ex-pressão é mais baixa. É como se a tera-pia neutralizasse temporariamente aação do gene.

As comparações foram feitas comRNA mensageiro (molécula da maqui-naria genética que dirige a síntese de

ram uma diferença de expressão da or-dem de 50 vezes, para mais ou para me-nos entre o décimo quinto e o décimosexto dia de gestação", explica Passos.

Uma terceira linha de pesquisa pro-cura apontar genes que são ativados oureprimidos em linfócitos humanos ex-postos à radiação ionizante, um proces-so que freqüentemente provoca lesões equebras no DNA humano, o que au-menta a incidência de, por exemplo,linfomas (tumor maligno que acometeos gânglios linfáticos) e outros tipos decâncer em populações expostas a fontesde contaminação radioativa. Compreen-der as alterações no padrão de expres-são gênica de linfócitos expostos a radia-ção é, portanto, um passo importantepara entender a origem de certas formasde câncer. Esse subprojeto do temáticoé coordenado por Elza Tiemi Sakamo-to- Haja, que trabalhou com VÍtimas dacontaminação por césio-137, ocorridaem Goiânia em 1987, num episódio queentrou para a história como o mais graveacidente com fontes radioativas do Brasil.

Em linhas gerais, o trabalho da equi-pe da bióloga consiste em cultivar emlaboratório diferentes tipos de tecidoshumanos - células normais e células ge-neticamente modificadas, mais sensíveisaos efeitos da radiação - que serão sub-metidos a distintas doses de radiaçãogama, emitidas a partir uma fonte decobalto-60. Durante o processo de con-taminação radioativa, com o auxílio datécnica de microarrays, o padrão de ex-pressão de uma série de genes -ligados,por exemplo, ao reparo do DNA, aocontrole do ciclo reprodutivo e à mortecelular - será analisado em amostras dasdiversas linhagens celulares em estudo.

Em estudos piloto Elza realizou ex-perimentos com a metodologia de ma-croarrays, na qual os genes analisadossão depositados numa membrana denáilon em vez de numa lâmina de vi-dro, como ocorre nos microarrays, fazen-do uma triagem de genes expressos di-ferencialmente durante a irradiação delinfócitos em cultura in vitro. "Estamosmuito preocupados com os efeitos cu-mulativos da exposição contínua depessoas, sobretudo de profissionais dasaúde, a baixas dosagens de radiação",comenta a pesquisadora. ''Acreditamosque nosso trabalho pode ter impactonão só no campo da radiobiologia,mas também na oncologia." •

proteínas nas células) obtido a partirdos linfócitos do sangue de três pacien-tes tratados e três não-tratados do Hos-pital das Clínicas de Ribeirão Preto. "Essesdados ainda são preliminares", comentaPassos. ''Ainda estamos no início dosestudos:'

Não foi apenas o comportamentodo equivalente humano do lfi202 quechamou a atenção dos pesquisadores. Osexperimentos realizados no laboratóriode microarrays da Faculdade de Medi-cina de Ribeirão Preto indicaram quecerca de 60 outros genes parecem se ex-pressar de forma mais acentuada du-rante a fase aguda, mais severa, do lú-pus. Alguns desses genes são conhecidose estão envolvidos em processos comoa apoptose (a morte programada e na-tural das células) e a compatibilidadeimunológica (genes do complexo HLA).Outros são completamente novos, defunção ainda desconhecida.

O fato de 60 genes se mostrarem su-perexpressos não quer dizer, de formaalguma, que todos eles devem estar im-plicados na origem da enfermidade."Esses dados precisam ser refinados",diz o reumatologista Eduardo Donadi,também da Faculdade de Medicina deRibeirão Preto, responsável pelo sub-

projeto do temático que estuda a ex-pressão de genes em doenças auto-munes.Recebem essa denominação as enfer-midades, geralmente crônicas, que sãodesencadeadas por problemas no sistemade defesa celular, que, em vez de atacarelementos externos ao organismo, passaa combater os seus próprios tecidos sa-dios. Além do lúpus, a equipe de Donadiestuda a expressão de genes em mais duasdoenças auto-imumes, a artrite reuma-tóide e o diabetes melito tipo 1.

Maturação imunológica - Em torno dePassos, trabalha um grupo de pesquisa-dores que tenta mapear, em camundon-gos, genes expressos pelo timo, órgãovital no desenvolvimento do sistemaimunológico, situado sobre o coração.Produzidos na medula óssea, os linfóci-tos, um tipo de célula de defesa, migrampara o timo, onde se reprogramam e sediferenciam em dois tipos de células T,CD4 ou CD8, cuja atuação é funda-mental na defesa do organismo. Paradescobrir genes ligados a esse processode diferenciação, Passos estuda a ex-pressão de 6 mil genes no timo de fetosde camundongos, num momento cru-cial da formação do sistema imunológi-co: entre o décimo quinto e o décimosexto dia de gestação.

Com softwares que analisam os re-sultados dos experimentos com.os chipsde DNA e também com macroarrays(uma tecnologia um pouco mais antigae dez vezes menos precisa do que os mi-croarrays), os pesquisadores consegui-ram identificar 152 genes (24 com fun-ções conhecidas e 128 cujas funçõesainda têm de ser atribuídas) cujo pa-drão de expressão se modificou de for-ma radical nesse intervalo de tempo.''Agrupamos os genes que apresenta-

o PROJETO

Projeto Transcriptoma: Análiseda Expressão Gênica em LargaEscala Usando DNA-Arrays

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORGERALDO ALEIXO DA SILVA

PASSOS JÚNIOR - USP

INVESTIMENTOR$ 358.461,98 e US$ 386.773,00

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 39

• CIÊNCIA

MEDICINA

o retorno do salo nitrato de prata é reabilitadono tratamento do derrame pleuralpara reduzir o desconfortode pacientes terminais

onitrato de prata, salcorrosivo com poderantisséptico, ressurge embaixas concentraçõescomo alternativa ao tal-

co para tratar o derrame pleural -complicação comum no estágio avan-çado de alguns cânceres, principal-mente os de pulmão e de mama, e que,só nos Estados Unidos, afeta 250 milpessoas a cada ano. Esse distúrbio, quese caracteriza pelo acúmulo de líquidona cavidade pleural - o espaço deli-mitado pelas pleuras, membranas querevestem os pulmões e a parede inter-na do tórax -, diminui a capacidaderespiratória e a oxigenação do sangue,além de provocar muito desconfortono paciente.

O responsável pelo resgate da apli-cação do nitrato de prata é o pneumo-logista Francisco Vargas Suso, da Facul-dade de Medicina da Universidade deSão Paulo (FMUSP). Nos últimos seteanos, ele coordenou experimentos comcoelhos e ratos que demonstraram aeficácia e a segurança do composto. Es-tudos que sua equipe fez recentementecom um grupo de 45 pessoas confir-maram os resultados.

Além de proporcionar uma tera-pia tão eficiente quanto o talco, o im-portante é que o nitrato de prata po-derá ser usado numa solução deapenas 0,5% - enquanto as soluçõesusadas antes eram de 1% até 10%, ouseja, até 20 vezes mais concentradas.

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quilograma. Todos foram sacrificados28 dias depois. Análises macroscópi-cas e microscópicas mostraram que onitrato foi mais eficiente, levando àformação de um tecido fibroso maisdenso que o talco. Só houve uma rea-ção, considerada insignificante: o ni-trato causou inflamação em grau umpouco mais elevado.

Para verificar se os benefícios e asconseqüências indesejadas eram du-radouros, dois grupos de 70 coelhoscada um foram tratados com as duassubstâncias e avaliou-se a evolução daterapia por um ano. Novamente, oni-trato foi melhor que o talco. Em mé-dia, o nível de pleurodese foi maior nogrupo que recebeu nitrato e o tecidofibroso se distribuiu mais homoge-neamente pela cavidade pleural. A in-flamação provocada pelo nitrato foimaior no primeiro mês, mas dimi-nuiu para taxas semelhantes às causa-das pelo talco.

Se o acompanhamento de um núme-ro maior de pacientes confirmar essesdados, o composto voltará a ser umaopção primordial para tratar o derra-me pleural e reduzir o desconfortode pacientes terminais.

Sem terapia, o paciente morre porinsuficiência respiratória. Quando acomplicação é reincidente (o derramese refaz), o procedimento mais co-mum é a pleurodese, que consiste emintroduzir na cavidade uma substân-cia que desencadeia a formação de umtecido fibroso de colágeno. Injetadano espaço entre as pleuras, a substân-cia as faz aderir uma à outra.

Busca contínua - Durante décadas,um dos compostos usados nesse pro-cedimento foi justamente o nitrato deprata, aplicado na primeira pleurodesede que se tem notícia, em 1901.

Contudo, como houve estudos su-gerindo que o nitrato de prata causariamuita dor, inflamação aguda e interna-ção prolongada, nos anos 80 esse com-posto deixou de ser usado e os médi-cos passaram a aplicar o antibióticotetraciclina para produzir a pleurode-se. Com a retirada da forma injetáveldesse antibiótico do mercado em mea-dos daquela década, passou-se a usarapenas talco - silicato de magnésio hi-dratado -, adotado desde 1931 e atual-mente aplicado em 90% dos casos dereincidência de derrame pleural.

Embora o talco seja um produtobarato e eficaz, continua a busca porum outro agente. Algumas pesquisascom pacientes submetidos ao trata-mento de derrame pleural com o tal-co indicam que ele está associado aosurgimento de síndrome do descon-forto respiratório agudo (SDRA),complicação que torna a respiraçãodifícil, devido ao fechamento dos al-véolos, e mata em mais de 50% doscasos. Estudos relatam a ocorrênciade SDRA em até 9% dos pacientes tra-tados. Alguns experimentos sugeremainda que, depois da aplicação, o talcose espalha rapidamente pelo corpo ese acumula em vários órgãos.

A partir dessas constatações, Var-gas Suso e seus colaboradores decidi-ram procurar um composto mais efi-ciente e com menos efeitos colaterais.Em vez de voltar a atenção para subs-tâncias caras, como a droga anticân-

cer bleomicina, ou para outras emfase de teste, como as interleucinas -proteínas produzidas por células dedefesa do organismo -, eles optarampor analisar produtos já aplicados napleurodese e escolheram o nitrato deprata, por vários motivos: "Procurá-vamos um produto barato, que pu-desse ser usado em qualquer país domundo. Além disso, o nitrato já exis-tia e é de fácil manipulação".

Em meados da década de90, uma parceira formadaentre o Instituto do Cora-ção (Incor), a Pneumolo-gia da FMUSP e a FAPESP

permitiu a criação do primeiro labora-tório de pleura do país, ligado ao Setorde Doenças Respiratórias do instituto.Ali o grupo começou a pesquisar aeficácia do nitrato de prata aplicadoem coelhos e ratos - experimentosque já renderam dez artigos, oito pu-blicados na revista Chest, uma das maisimportantes do mundo em pneumo-logia clínica.

Um dos primeiros trabalhos, publi-cado em 1995,comparou a ação de duasconcentrações diferentes de uma solu-ção de nitrato de prata (0,25% e 0,50%)à ação da tetraciclina. Verificou-se quea solução a 0,50% teve ação muito pró-xima à do antibiótico, e sem causarefeitos colaterais. •

Restava verificar se nessa diluiçãoo nitrato era tão eficaz quanto uma so-lução salina de talco. Dez coelhos fo-ram submetidos à pleurodese com 2 mi-lilitros do nitrato a 0,5%. Outros dezpassaram pelo mesmo procedimento,com 2 mililitros de uma solução de tal-co, na dosagem de 400 miligramas por

o PROJETO

Avaliação Temporal da MatrizExtracelular na PleurodeseExperimental

MODALIDADELinha regular de auxílioà pesquisa

COORDENADORFRANCISCOVARGAS Suso - Faculdadede Medicina da USP

INVESTIMENTOR$ 96.072,23

Resultados - Os resultados mais pro-missores apareceram em pesquisasrecentes com pacientes de derramepleural. A maior delas, com pacientesdos hospitais das Clínicas da USP ePérola Byington, mais o Instituto doCâncer de São Paulo, foi publicadaem 2000 na revista Chest. Incluiu 49procedimentos de pleurodese em 45voluntários. Parte deles foi submetidaaleatoriamente ao procedimento comtalco. O restante foi tratado com 20mililitros de nitrato de prata a 0,5%.O nitrato mostrou-se eficiente em96% dos casos; e o talco, em 84%. Emnenhum dos grupos foram constata-dos efeitos colaterais, e o período deinternação foi quase o mesmo: 3,7dias (nitrato) e 3,4 dias (talco).

"Os resultados são muito anima-dores", afirma Vargas Suso, mas lem-bra que ainda são poucos os casosanalisados em seres humanos e que aeficácia do nitrato precisa ser maiscomprovada. Ainda assim, ele des-ponta como alternativa, pelo menosenquanto não forem produzidos tal-cos efetivamente seguros, que tenhampartículas de tamanho padronizado efiquem retidas na pleura: "Se foremmuito pequenas, as partículas entramnos orifícios da pleura e disseminam-se pelo organismo, exercendo efeitosdeletérios". •

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• CIÊNCIA

MEDICINA ESPORTIVA

Boieiros sob medidaEstudo mostra quem corremais e quem tem mais resistênciae arranque num time de futebol

MARCOS PrVETTA

Ciência e futebol é uma ta-belinha raramente esbo-çada no Brasil. A acade-mia não costuma elegeros gramados como obje-

to de estudo e o mundo dos boieirostampouco tem o hábito de, digamos, darbola para o que os pesquisadores dizemsobre o esporte mais popular do plane-ta. Numa situação privilegiada nos doiscampos, tanto na ciência quanto no fu-tebol, Turíbio Leite de Barros, diretordo Centro de Medicina da AtividadeFísica e do Esporte da Universidade Fe-deral de São Paulo (Cemafe/Unifesp) efisiologista da equipe do São Paulo Fu-tebol Clube há 15 anos, produziu umestudo que traça o perfil do futebol pra-ticado hoje no Brasil do ponto de vistadas exigências físicas a que os jogadoresde cada posição do time são submetidosnuma partida. O trabalho foi apresen-tado em março passado na ConferênciaInternacional de Futebol e MedicinaDesportiva, realizada em Los Angeles,sob promoção da Federação Internacio-nal de Futebol (Fifa).

Para fazer o estudo, o pesquisadorda Unifesp filmou e analisou os movi-mentos de cerca de 100 atletas profissio-nais do São Paulo em partidas oficiaisrealizadas nos últimos seis anos e aindacomparou os resultados de testes físicosaplicados em mil jogadores que passa-ram pela equipe de 1986 até hoje. Aprincipal conclusão: não há apenas ummodelo de desempenho atlético, quesirva para descrever as ações em cam-po de um típico - e hipotético - joga-dor de futebol, mas sim vários mode-

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los, com características bem distintasconforme a posição em que o esportis-ta atua. A especificidade crescente dastarefas executadas em cada função ofutebol moderno - atacante, meio-de-campo com funções ofensivas (ou sim-plesmente meio-campista), volante(meio-campista com ações mais defen-sivas), lateral (que cobre um dos ladosdo campo), zagueiro (defensor) e golei-ro - requer jogadores com qualidades, ·cas nitidamente diferentes.

É muito raro que um atleta reúna osprincipais requisitos de uma posiçãoque não seja originalmente a sua. "Ofutebol de hoje requer cada vez mais jo-gadores especialistas e não polivalen-tes'; diz Barros. "Pelé foi bastante versá-til, mas isso não é norma atualmentenem entre os craques." Como o brasi-leiro não tem um biotipo padrão - hágente com os mais variados atributosfísicos, fruto da intensa mistura de ra-ças -, o país é, na visão do fisiologista,um celeiro de especialistas para todas asposições. "Os europeus têm biotiposmais definidos e não contam com essafacilidade", comenta.

Especialidades - Portanto, não se podedizer, a priori, em que posição do fute-bol se concentram os melhores atletas."Antes de dizer quem é o melhor, é pre-ciso se perguntar o seguinte: melhorpara quê?", pondera Barros. Se fossemselecionados para provas de atletismo apartir dos movimentos que fazem emcampo, provavelmente cada posiçãoforneceria participantes para competi-ções bastante distintas. "Para disputar

uma corrida de 5 il metros, os me-lhores seri os laterais e os jogadoresdo meio-de-campo com funções ofen-sivas, que percorrem, em média, asmaiores distâncias numa partida e têmboa resistência", afirma o pesquisadorda Unifesp. "Já os atacantes são jogado-res mais talhados para provas rápidas ede explosão, como uma corrida de 50metros. Isso porque os jogadores dessaposição são os que mais dão piquescurtos:' Seguindo essa linha, os escolhi-dos para uma disputa de salto em altu-ra deveriam ser o goleiro, os zagueiros eos volantes, que se saem melhor quandoo assunto é impulsão vertical.

O trabalho confirma algumas im-pressões intuitivas dos que acompa-nham o futebol, como a de que os ata-cantes jogam mais parados do que osdemais companheiros da equipe. E arelevância do estudo está, fundamen-talmente, em jogar luz sobre aspectoscomo esse e quantificá-los. Se é quasesenso comum que os atacantes se mo-vimentam numa pequena faixa de ter-reno, quem saberia precisar quantocorre a menos um centroavante do queum meio-campista? Segundo esse estu-do, os atacantes são os que em geralpercorrem as menores distâncias emcampo, em média 8,2 quilômetros nos90 minutos de uma partida.

É um percurso considerável, mas18% menor do que o trilhado pelosmeio-campistas, os grandes fundistasda equipe, que percorrem, em média,9,9 quilômetros numa partida. Nessequesito, os laterais, cuja função ganhouimportância e corresponde hoje a uma

quanto os vídeos revelam que eles sãogeralmente jogadores com performan-ce acentuada em quase todos os quesi-tos - no mínimo, acima da média. Sãoos mais ágeis, os de melhor capacidaderespiratória (15% acima da média dotime) e os que percorrem a maior dis-tância no gramado com a bola no pé:230 metros (contra 148 do meia, o se-gundo colocado nesse quesito). Só naimpulsão vertical ficam abaixo da mé-dia da equipe. Não é à toa, portanto,que um excelente especialista nessa po-sição, como o lateral Roberto Carlos,seja atualmente quase tão valorizadoquanto os jogadores de meio-de-cam-po e ataque, onde costumavam ficar asestrelas do time.

ampla faixa do gramado, se saem quasetão bem quanto seus colegas do meio-de-campo. Percorrem, em média, 9,7quilômetros numa partida, contra 9,5do volante e 8,8 do zagueiro. A médiado time inteiro, levando em conta o de-sempenho de jogadores de todas as po-sições (menos, é claro, o goleiro), deu9,3 quilômetros por 90 minutos de bolarolando. É interessante notar que os ata-cantes e os zagueiros, cuja principal fun-ção é anular um ao outro, cobrem distân-cias menores do que o resto da equipe.

Se não podem ser fundistas, os ata-cantes têm, em compensação, vocaçãopara velocistas. Quando o assunto sãopiques (corridas curtas em máxima ve-locidade), os reis da arrancada, como aque celebrizou Ronaldo, são justamen-te os jogadores do ataque. Um cen-troavante chega a dar 50 piques numjogo, mais da metade deles de nomáximo 15 metros. A função emque um jogador é menos solici-tado a realizar esse tipo de mo-vimento é a de zagueiro, quedá, em média, 35 piques nu-ma partida. Os defensores,aliás, tendem a ser os joga-dores de maior potênciamuscular e os que maisandam para trás numjogo (mais de meioquilômetro). Quaisseriam as qualidadesdas outras posições?

Os testes físi-cos e filmagensdas equipes do

São Paulo mostram que, correndo, aimpulsão vertical do goleiro é imbatí-vel: seus pulos em movimento são 19%mais altos do que a média dos saltosexecutados pelos seus colegas que jo-gam na linha (veja ilustração na próxi-ma página). Parado, quem vai mais altosão os volantes e os zagueiros. O padrãode impulsão vertical dessas duas posi-ções é 16% maior do que a média detodo o grupo.

O desempenho dos laterais é umcaso à parte. Tanto os testes físicos

Roberto Carlos:laterais são ágeis echeios de fôlego

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o ponto forte de cada posição

Fonte: Turibio Leite de BarroslUnifesp

Goleiro

Em movimento, suaimpulsão verticalé imbativel:salta 19% a maisdo que seuscompanheiros da linha

Lateral

É o jogador mais ágil -'--""'IrLdo time e com amelhor capacidaderespiratória<15%acimada média).Corre quase tantoquanto o meia ~.,:-:-~-~~s:::~~~

Para chegar aos resultadossobre os movimentos exe-cutados num jogo pelosatletas do São Paulo, Barrosteve a colaboração de Wel-

lington Valquer, auxiliar de preparaçãofísica do clube e que faz mestrado naUnifesp. Valquer usou uma metodolo-gia desenvolvida na Austrália, a técnicade Withers. Munido com uma câmerade vídeo, o auxiliar escolhia um joga-dor para ser analisado numa partida -podia ser um atleta com passagem pelaseleção, como o atacante França ou omeia Kaká, ou um menos conhecido -e se postava na beira do campo, comolhos apenas para o escolhido. "Esque-cia o jogo e me concentrava em nãoperder um movimento do jogador':conta Valquer.

Terminada a filmagem, começava aparte mais mecânica do trabalho. Eranecessário ver toda a fita e anotar, um aum, os movimentos do jogador: quan-to o atleta andou para frente e para trás,quanto trotou (movimento interme-diário entre o andar e ocorrer) para afrente, para trás e com a bola no pé;qual a distância percorrida em desloca-mentos laterais; quantos piques foramdados em campo e qual a distância per-corrida em cada um deles. Por fim, deposse de todas essas informações bru-tas fornecidas pelo teipe, o auxiliar de

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Zagueiro

O mais potente doponto de vista muscular.Jogador-caranguejo,anda para trás maisde meio quilômetronuma partida

Volante

Parado, sua impulsãovertical só é igualadapela do zagueiro:seu salto é 16% maiordo que o da média do grupo

Rei das arrancadas,chega a dar 50 piques5~~~~~num jogo, maisda metade delesde no máximo 15 metros

Meia

Como um fundistada bola, percorreem médiaquase 10quilômetrosnuma partida,um quarto deuma maratona

preparação físicachegavaà distância to-tal coberta pelo atleta na partida. "Cos-tumava demorar até oito horas para vere anotar a filmagem de um jogador",diz Valquer. "Mas, desde 1999, quandodesenvolvemos um software que permi-te fazer isso em tempo real, tudo ficoumais fácil:'

Confrontando as exigências maiscomuns de cada posição com o desem-penho dos atletas nos testes físicos -uma bateria de exames que medem aresistência, a potência máxima, o li-miar anaeróbico (ponto fisiológico apartir do qual os músculos começam autilizar mais oxigênio do que o corpo écapaz de transportar), a capacidade res-piratória máxima, as impulsões verticale horizontal, a velocidade e a agilida-de -, os pesquisadores da Unifesp po-dem avaliar bem se um jogador tem ounão preparo e características físicas pa-ra jogar numa posição.

Os estudos do fisiologista permitemtraçar um paralelo entre o futebol pra-ticado hoje no Brasil e o tipo de jogoque predominava no passado. Há algu-mas décadas, na época de Pelé e com-panhia' uma partida transcorria numritmo mais lento e cadenciado. Segun-do Barros, a impressão de que os anti-gos esportistas tinham mais terreno li-vre em campo para executar as jogadasfaz sentido. Afinal, os jogadores de ou-

trora eram menos atletas do que os doséculo 21. ''Alguns estudos mostramque a distância percorrida por um jo-gador de futebol numa partida aumen-tou de 20% a 30% nos últimos 30 anos':diz Barros. O resultado prático dessaaceleração da busca pelo gol é que, ago-ra, os craques contam com menos es-paço livre (e tempo) para dominar abola e fazer uma jogada genial.

O trabalho de Barros também pos-sibilita comparar o desempenho físicode atletas brasileiros e europeus. Estu-dos feitos no Velho Mundo mostramque os jogadores de lá percorrem de 10a 14 quilômetros numa partida, en-quanto os brasileiros oscilam entre 7 e11 (com a média de 9,2 no caso dosatletas do São Paulo). "Mas não se podeesquecer que lá muitos jogos ocorremem baixas temperaturas, ao passo queaqui o clima é mais quente, o que natu-ralmente joga para baixo a distânciapercorrida numa partida': diz Barros.O consumo máximo de oxigênio doseuropeus, um parâmetro importanteda eficiência cardiorrespiratória de umatleta, também é cerca de 10% maiorque o do jogador brasileiro. ''Alguns jo-gadores nossos passaram até fome nainfância. Isso pode comprometer o seudesenvolvimento físico. Esse problemapraticamente não ocorre Europa': com-pleta o fisiologista. •

• CIÊNCIA

FARMACOLOGIA

Rebanho protegidoPesquisador mineiro faz vacina deDNA mais eficaz contra a brucelose,doença contagiosa que ataca bovinos

Háum avanço no com-bate à brucelose bovi-na: Sérgio Costa Oli-veira, do Instituto deCiências Biológicas da

Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), desenvolveu uma vacina deDNA (ácido desoxirribonucléico, por-tador do código genético) composta deum ou mais genes da bactéria causado-ra da doença, associados a um compo-nente viral - o chamado adjuvante ge-nético, que potencializa os efeitos davacina e pode também ser uma alterna-tiva em terapia genética em humanos.A descoberta rendeu artigos no [ournalofVirologye Human Gene Therapy.

Causada pela bactéria Brucella abor-tus, a brucelose bovina provoca abortoem vacas a partir do quinto mês de ges-tação, comprometem a fertilidade e re-duz a produção de leite em até 25%. NoBrasil, cerca de 8,5 milhões de bovinos(5% do rebanho) estão contaminadose estima-se o prejuízo anual em US$100 milhões.

Quando transmitida ao ser hu-mano, pelo contato com animais in-fectados ou o consumo de leite e de-rivados contaminados, a doença semanifesta por uma febre intermiten-te, que, se não tratada - com antibióti-cos -, pode levar a inflamações nosossos, coração e outros órgãos.Não existe vacina para usohumano.

A vacina mais usadano Brasil contra a doen-ça é a B19, produzidacom microrganismosvivos. Embora tenha70% de eficácia, há li-mitações. Só deve seraplicada em fêmeas de

3 a 8 meses e pode confundir o diag-nóstico: no exame sorológico que de-tecta anticorpos contra a bactéria, é di-fícil saber se ela está no animal porqueele foi vacinado ou porque está doente.Já a vacina gênica, segundo Oliveira,poderia ser aplicada em qualquer ida-de, tanto em machos como em fêmeas- por ser uma doença ligada à reprodu-ção, os machos podem contaminar-secom as fêmeas e infectar todo o reba-nho. A eficiência, constatada em umano de testes em 150 camundongos, foide quase 70%.

Oliveira aponta outras vantagens:"A produção em larga escala é maisbarata, a manutenção do controle dequalidade é mais fácil e não há necessi-dade de refrigeração para armazenar avacina, que permanece estável em tem-peratura ambiente': Desvantagens? Háo risco potencial de uma vacina de

DNA integrar-se ao genoma dacélula, animal ou humana, egerar uma mutação que ativegenes causadores de câncerou iniba genes supressores de

tumor, por exemplo. O pesquisador daUFMG descarta essa possibilidade,citando estudos realizados no Labora-tório Merck, dos Estados Unidos, se-gundo os quais a freqüência de muta-ção celular normal é maior do que aocasionalmente induzida por vacina-ção com DNA.

Proteína mensageira - Em seu pós-doutorado em imunologia celular emolecular, na Universidade de Wiscon-sin, Estados Unidos, Oliveira já traba-lhava em vacinas contra a brucelose.Fundamentado no princípio de que aimunização gênica é similar a uma in-fecção viral, na qual o VÍrus precisaatingir o núcleo da célula, decidiu in-corporar um componente de VÍrus.

No tegumento do VÍrus da herpes,uma doença que também afeta bovi-nos, ele descobriu a proteína VP22, queé fundamental no tráfego de moléculas

entre as células e se desloca com de-senvoltura para o núcleo da célulado hospedeiro. Assim, sua funçãode adjuvante genético, integradoao gene alvo da vacina, é transpor-tar o antígeno - o gene que produzanticorpos contra a brucelose - para

diferentes células. O adjuvante mul-tiplica as reações: aumenta a resposta

do anticorpo para a proteína codificadapelo gene de interesse da vacina e au-menta a resposta celular mediada pelos

linfócitos T, um tipo de células dosistema imunológico.

Oliveira teve de sair do labora-tório e buscar recursos em agências

de fomento à pesquisa, além de parce-ria com empresas privadas, para viabi-lizar o próximo passo dessa pesquisa:fazer testes em pelo menos 50 bovinos,durante um ano. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 45

• CIÊNCIA

Única forma de diferenciarorquídeas minúsculasde regiões montanhosasé o inseto polinizador, específicopara cada odor das flores

BOTÂNICA AOrqUídeaS com que traba-lha o biólogo Eduardo Bor-ba pouco têm a ver com asgrandes e perfumadas flo-res comuns no Brasil e

universalmente admiradas: as flores dasespécies que estudou raramente ultra-passam 2 centímetros de comprimentoe cheiram a queijo estragado, peixe po-dre e até mesmo a fezes de cachorro.

Mas foi com elas, no doutoramentopela Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), que, orientado por João Se-mir, Borba descobriu algo importantepara a classificação de plantas, em espe-cial as de regiões montanhosas: espéciesdistintas mas morfologicamente idên-ticas só foram diferenciadas pelo inse-to polinizador, atraído justamente pelocheiro das flores - e há insetos especí-ficos para cada cheiro.

Borba anunciou em março de2000, na revista Lindleyana, a consta-tação de que os polinizadores se guiampelos odores, não pela forma das plan-tas. O achado também lhe serviu para

o cheiroda espécie

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descobrir uma espécie de orquídea,a Pleurothallis fabiobarrosii - nomeem homenagem ao pesquisadorFábio de Barros - e uma subespé-cie, Pleurothallis ochreata subsp.cylindrifolia. Mais tarde, em julhode 2001, seu estudo sobre processosde polinização foi a capa do AnnalsofBotany.

"Isso é mesmo orquídea?" É apergunta que Borba mais ouve quan-do mostra seu objeto de estudo. Noentanto, com tímidas flores amare-las e púrpuras, e folhas compridas ecilíndricas, as orquídeas polinizadaspor moscas correspondem a cercade 15% do total de 20 mil espéciescatalogadas e a quase todas as milespécies de um gênero sempre dei-xado de lado pelos pesquisadores, oPleurothallis.

"O desinteresse se deve ao tipode polinização, que muitos consi-deram primitivo, ou ao puro pre-conceito, uma vez que essas plantasnão têm odor ou aparência agradá-veis", comenta Borba, contratado emmaio do ano passado pela Universida-de Estadual de Feira de Santana (Uefs),no Estado da Bahia. De fato, os odoresincomuns exalados pelas Pleurothallisatraem insetos de famílias distintas:moscas da família Phoridae, por exem-plo, só polinizam flores com cheiro dequeijo estragado, enquanto as da famí-lia Chloropidae apreciam espécies comcheiro de peixe podre.

Sentado e imóvel - A pesquisa con-centrou-se em cinco espécies de Pleu-rothallis miiófilas (polinizadas pormoscas) encontradas em campos ru-pestres (de pedras) de Minas Gerais,Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.Borba fez um plano ambicioso - estu-dar reprodução, biologia floral, varia-bilidades genética, química e morfoló-gica e constância dos polinizadores - epassou em campo o equivalente a 660horas de conforto escasso: ficava o diainteiro sentado, praticamente imóvel,a observar o ir e vir das moscas nasorquideazinhas.

"Os insetos são inofensivos e per-mitem a observação a olho nu, a ape-nas 1 metro de distância", conta. A ob-servação no próprio hábitat lhe deuuma amostragem razoável da variaçãodentro das 24 populações das 16 loca-

Pleurothallis teres: adaptada à escassez de água

lidades de campo rupestre que ele per-correu: "Como a morfologia dessasplantas é muito similar, quando o ma-terial é analisado vivo, in situ, é mais fá-cil perceber as pequenas diferençasentre as espécies, ao contrário do ma-terial seco disponível nos herbários"

Diversidade - A família das orquidáceasé uma das mais numerosas do grupodas angiospermas, as plantas com flo-res e sementes: foram catalogados cer-ca de 850 gêneros e 35 mil espécies. NoBrasil estão 10% dessas espécies, emgrande parte endêmicas - nativas e ex-clusivas daqui. O tamanho varia desdeas minúsculas Pleurothallis até varie-dades com flores de 30 centímetros.Desenvolvem-se em hábitats distintos:

o PROJETO

Estudos Biossistemáticosem Espécies de OrchidaceaeMiiófilas Brasileiras

MOOALIDADEAuxílio a projeto de pesquisa

COORDENADORJOÃO SEMIR - Institutode Biologia da Unicamp

INVESTIMENTOR$ 18.832,80 e US$ 12.000

terra, alagados (plantas paludíco-Ias), rochas (rupícolas) e troncos deárvores (epífitas). O campo rupes-tre é um ecossistema que fica acimade 800 metros, típico da cadeia doEspinhaço. Caracteriza-se por vege-tações subarbustiva e herbácea emsolos arenoso-pedregosos ou arbus-tiva e herbácea em afloramentos ro-chosos. Devido à descontinuidadedas formações montarrhosas, muitasespécies rupestres se distribuem empopulações isoladas. Acredita-se queisso explique a acentuada diversidadevegetal e o elevado grau de endemis-mo desse hábitat. Dado que o ambi-ente onde vivem, sobre as rochas,não retém umidade, as Pleurothallisconseguiram adaptar-se acumulandoreservas de água nos espessos caulese folhas.

A elevada diferenciação genéticadas populações rupestres - em con-traponto à sua menor diferenciaçãomorfológica - foi encontrada princi-

palmente nas serras do Grão-Mogol edo Cabral, regiões de grande endemis-mo no norte de Minas, além de outrasserras da cadeia do Espinhaço. Essasconstatações já prenunciavam a desco-berta de espécies.

A Pleurothallis fabiobarrosii foi en-contrada primeiro na Grão-Mogol,juntamente com populações de P. och-reata. A princípio, pela semelhança dasflores, parecia tratar-se de um híbridode P. ochreata com P. johannensis. Aanálise genética dissipou a dúvida e de-finiu a nova espécie. Já a subespécie P.ochreata subsp. cylindrifolia - encon-trada também em Grão- Mogol - foiidentifica da por meio de pequenas di-ferenças nas folhas, já que as flores sãoidênticas. A nova subespécie tem fo-lhas mais finas e mais cilíndricas que aP. ochreata comum, que só ocorre noNordeste, e também se diferencia nacomposição química de alcalóides.

Borba somou ao trabalho de cam-po três anos de análises de laboratório,em colaboração com pesquisadores daUnicamp e do Royal Botanic Gardensinglês. Os resultados vieram inusitada-mente: à medida que ganhavam o pon-to final, os capítulos da tese eram pu-blicados em periódicos internacionais,como American [ournal of Botany, An-nals of Botany, Lindleyana e Biochemi-cal, Systematics and Ecology. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 47

Laurentia(América do Norte)

F~ lAiiIlIs~ildaptado de Dalziel, Mosher e Gahagan, 2000

- Terra Mãe, em russo -, um dos~ercontinentes nos quais a crosta sedividia há cerca de 1 bilhão de anos,período anterior ao de Gondwana - osupercontinente mais conhecido, for-mado há 750 milhões de anos a partirda fragmentação de Rodínia. Para che-gar a esses resultados, os pesquisado-res do Instituto de Astronomia, Geofí-sica e Ciências Atmosféricas (IAG)usaram a técnica do paleomagnetis-mo, que se baseia no fato de que umarocha, ao resfriar-se, cria uma marcaque mostra a direção do campo mag-nético terrestre naquele momento eassim permite localizar sua posiçãoem relação aos pólos.

Laurentia • O trabalho, desenvolvidoem projeto iniciado em 1998, foi apre-sentado em outubro de 2001 num con-

Quebra-cabeça completadoBlocos ao sul atualizam o primeiromapa de Rodínia (à direita),que se limitava à porção norte.

No mapa maior, osblocos rosa fazem parte,atualmente, do Brasil.Os círculos representamos pólos magnéticoscorrespondentes aosprincipais blocos de Rodínia:os amarelos são os pólosda Laurentia; os azuis,da Antártica e Austrália;e o vermelho, do Kalaharie do Congo-São Francisco. Fonte: Science, vol. 252, 1991

'I:1

gresso em Perth, Austrália, e num sim-pósio internacional sobre Rodínia eGondwana reunido em Osaka, Japão.As descobertas completam e corrigemo primeiro mapa de Rodínia, mostradoem 1991 pelo geólogo norte-americanoPaul Hoffman, hoje na Universidade deHarvard, Estados Unidos. Fundamenta-do em estudos feitos basicamente noHemisfério Norte, o desenho de Hoff-man mostrava um supercontinentecujo centro era um grande bloco cha-mado Laurentia - a atual América doNorte. Em torno, aglutinavam-se osque formariam Antártica, Austrália, Si-béria, índia, Kalahari (leste da África),sul da China, Congo-São Francisco (par-te da África e do Nordeste brasileiro) eContinente Báltico (norte da Europa).

O grupo brasileiro, que já atuava naárea desde o início dos anos 70, decidiuentão oferecer uma visão sul-americanade Rodínia, acrescentando peças aoquebra-cabeça de Hoffman. Coordena-do por Igor Ivory Gil Pacca, o grupo doIAG voltou seu foco para as rochas doscrátons, que formaram o sul de Rodínia.Crátons são os blocos rochosos maisantigos da litosfera - camada externado planeta, que é formada pela crosta epelo manto superior, e tem cerca de 100quilômetros de espessura.

O grupo coletou material em MatoGrosso, Rondônia, Ceará, Bahia e Paraná.Pegou amostras também na Argentina,Uruguai, Paraguai e Bolívia e, do outrolado do Atlântico, no Gabão, na Nigériae em Camarões. Foram coletadas rochasdos três tipos: as sedimentares (areni-tos, carbonatos e siltitos), as magmáti-cas (basaltos, granitos, gabros e ande-sitos) e as metamórficas (anfibolitos,granulitos, migmatitos e gnaisses).

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 49

À medida que termi-nava as análises desse ma-terial, o grupo agregavapeças à proposta original.Inicialmente, mostrou quea região central de Goiás,o Rio de Ia Plata (queabrangia o sul do Brasil), aÁfrica Ocidental e outrosblocos menores tambémparticiparam da formaçãoe fragmentação do super-continente.

O resultado é que a ima-gem idealizada por Hoff-man mudou significativa-mente: a Amazônia, porexemplo, saiu do lado oes-te e passou para leste. Se-gundo Pacca, Hoffman in-cluiu a Amazônia no mapade 1991 com base em evi-dências estruturais e seme-lhanças geológicas, mascom pouquíssimas infor-mações paleomagnéticas,indispensáveis para a re-constituição da Terra anti-ga. "Era quase uma suposi-ção, uma possibilidade",comenta. Um dos méritosda equipe da USP foi jus-tamente reunir dados abun-dantes da posição do blocoamazônico em Rodínia."Hoje, não restam mais dú-vidas", assegura.

A história extraída dasrochas reforça as hipótesessobre a aparência que tinha a Terra há1 bilhão de anos - um quinto de sua ida-de. Acredita-se que na época de Rodíniao planeta era uma imensa bola de gelo,resultante, provavelmente, de interfe-rências astronômicas e alterações de ór-bita: o gelo aumentava a reflexão da luz,o que diminuía a absorção de energia.Veio, em seguida, o reverso da medalha:a intensa atividade vulcânica daqueleperíodo emitia uma quantidade enor-me de gases, que acabaram por originarum gigantesco efeito estufa.

O gelo começou a derreter e, emcerca de 10 mil anos - período geológi-co extremamente curto -, a temperatu-ra da Terra passou de 50°C (graus Cel-sius) negativos para 50°C positivos. Asconseqüências sobre a vida, ainda inci-piente, foram imediatas. "Esses eventos

de Pangea que nasceram osatuais oceanos e continen-tes, há aproximadamente100 milhões de anos.

E a dança não pára: es-tima-se que atualmente osblocos se movam 3 centí-metros ao ano, em média.O grupo do IAG apontaalgumas tendências: nospróximos milhões de anos,devem surgir rachadurasna América do Norte, naÁsia e entre a África e aPenínsula Arábica. Brasil e .África se encontrarão denovo, desta vez do outrolado - oeste brasileirocom leste africano.

Tanto as descobertasquanto as conjecturas seapóiam na Teoria da Deri-va Continental, apresen-tada em 1912 pelo cientis-ta alemão Alfred Wegener(1880-1930), mas só con-solidada nos anos 60. Pelateoria, a litosfera é forma-da por partes deformáveischamadas placas tectôni-caso As placas se movemao longo da superfície, sequebram e se juntam,tudo sob o impulso docalor de dentro da Terra.

Rochas marcadas - À me-dida que se recua no tem-po, contudo, cresce a incer-

teza sobre a movimentação efetiva dasplacas, de modo que não se pode dizerque o mapa de Rodínia, mesmo acres-cido pelas contribuições brasileiras,seja definitivo. "Além de persistir algu-ma dúvida sobre quais blocos realmen-te fizeram parte de Rodínia, há diver-gências sobre a posição correta deles eonde exatamente se encaixariam", afir-ma Manoel Souza D'Agrella, do grupodo IAG. Num artigo publicado em mar-ço em Geology, uma das revistas maisimportantes da área, Ebbe Hartz e TrondTorsvik, da Universidade de Oslo, Noru-ega, mostram evidências de que o conti-nente báltico estaria, na verdade, numaposição invertida em relação ao que setem hoje - o norte seria o sul e vice-ver-sa. "Essa verificação teria implicaçõespara a Amazônia, que normalmente

Cachoeira em Vila Bela CMT>: rochas confirmaram as conclusões

50 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

de estresse favoreceram o surgimentodos seres pluricelulares", diz RicardoTrindade, pesquisador da equipe do IAG."Antes, o que havia na Terra eram as cia-nobactérias, seres muito simples e capa-zes de sobreviver em condições adversas:'

Rodínia em pedaços - Foi justamentenessa época de mudanças climáticas in-tensas, há cerca de 750 milhões de anos,que Rodínia começou a se fragmentar ea dança dos blocos passou a formar ou-tro supercontinente: Gondwana. Eleaglutinava as atuais América do Sul,África, Antártica, Austrália e Índia. Osblocos que formariam o Brasil começa-ram a se aproximar do desenho de hojequando surgiu o último dos grandescontinentes: Pangea, há cerca de 300milhões de anos. Foi da fragmentação

I(

o trabalho de campo exige paciên-cia e certa dose de adrenalina para aaventura. Da última vez em que estive-ram em Rondônia, em julho de 2001, ogrupo teve de invadir áreas controladaspor madeireiras e o carro da universidadefoi confundido com a fiscalização. "Nãofoi nada agradável': conta Pacca: "Quaselevamos uns tiros':

Em campo, os pesquisadores pene-tram as rochas com uma furadeira es-pecial e extraem os cilindros. Imediata-mente, uma bússola determina a direçãodo campo magnético no momento e opesquisador anota na própria amostra.No laboratório, as amostras passampor fornos que aumentam e diminuemalternadamente a temperatura, para eli-minar interferências magnéticas recen-tes. É preciso deixar só o registro anti-go, que é avaliado numa sala blindada-"o lugar de campo magnético menosintenso que existe em São Paulo", se-gundo Márcia.

aparece colada ao continente bálticonas reconstruções de Rodínia", dizHoffman, o autor do primeiro mapa.Segundo ele, um estudo, a sair na Earthand Planetary Science Letters, mostraque a Austrália pode não ter estado aonorte do México, um dos integrantesdo bloco chamado de Laurentia, 1 bi-lhão de anos atrás.

Há divergências, mas num ponto ospesquisadores concordam: seria impos-sível recuperar essa história tão remotasem o paleomagnetismo, ferramenta queo IAG e os outros grupos adotam pararelatar a deriva continental. A técnicaapóia-se no fato de que, seja há 1 bilhãoou há 100 milhões de anos, o resfria-mento de uma rocha sempre registranela a direção do campo magnético ter-restre. "O paleomagnetismo determinaa latitude em que o bloco de rocha seencontrava e a posição dele em relaçãoao eixo da Terra", afirma a geofísicaMárcia Ernesto, que divide com Pacca acoordenação da equipe da USP.

No final dos anos 90, já com as pri-meiras amostras à mão, o grupo do IAGconstatou que a posição do pólo arqui-vada nas rochas não correspondia à atu-al: numa era vertical, noutra horizontal,outras eram posições diagonais diver-sas. A hipótese de que o campo magné-tico terrestre tenha se alterado ao lon-go do tempo foi logo descartada: "Ospólos magnéticos terrestres sempre es-tiveram muito próximos dos pólos geo-gráficos", enfatiza Pacca. "E o eixo mag-nético terrestre funciona como umgrande ímã de barras, próximo ao eixode rotação:' Portanto, o que explica adiscrepância na orientação magnéti-ca das rochas é que os continentesestiveram mesmo andando.

Rotas continentais - Depois sefez a análise de rochas de idadesdiferentes, coletadas no mesmolugar. A série histórica permiti-ria definir as direções de póloregistradas. Um exemplo hipo-tético: há 800 milhões de anos, adireção era horizontal, aos 600 ªmilhões fez uma curva à esquerda, g

aos 300 milhões à direita e assim ~por diante. A memória das rochas W

arquiva as rotas. Ao se juntar essesrastros e ordená-los numa linha de sen-tidos, surge a curva de deriva polar apa-rente - que mostra claramente os cami-

o PROJETO

Parcerias - O grupo recebeu o reforçodo Centro de Pesquisas Geocronológi-cas do Instituto de Geociências (IG),também da USP. É ali que se fazem asanálises químicas e de elementos radio-ativos, que atestam a idade das rochas."Como a margem de erro é mínima,podemos estabelecer hipóteses cada vezmais coerentes sobre a formação deRodínia", diz Wilson Teixeira, diretor doInstituto de Geociências (IG) da USP,que integra o grupo. Foi o IG, aliás, quesediou um encontro internacional sobreRodínia, em agosto do ano passado.

O grupo do IAG, hoje umas das refe-rências internacionais e provavelmente oúnico a trabalhar com paleomagnetismono Brasil, atua em colaboração tambémcom grupos da Universidade EstadualPaulista (Unesp) em Rio Claro e as uni-versidades federais da Bahia, do Pará e

do Rio Grande do Norte, que facili-tam a coleta e interpretação dos re-

sultados. Há ainda parcerias comespecialistas das universidades deBerkeley (Estados Unidos), Tri-este e Pádua (Itália), Suécia,Toulouse (França) e Buenos Ai-

res (Argentina). O habitual espí-rito de colaboração entre cientistasé reforçado pelo fato de ninguémsaber onde pode estar a rocha fal-tante no quebra-cabeça que cadagrupo procura montar. •

Participação das UnidadesCratônicas da América do Sulna Evolução de Supercontinentes,Desde o Mesoproterozóico

MODALIDADEProjeto temático

COOROENAOORIGOR IVORY GIL PACCA - IAG/USP

INVESTIMENTOR$ 292.409,52

PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 51

nhos dos continentes. Foi o que aconte-ceu com os arenitos colhidos em duascachoeiras de Mato Grosso - uma emSalto do Céu, perto de Cuiabá, outra emVila Bela da Santíssima Trindade, anti-ga capital do Estado, próxima à Bolívia-, que deram segurança sobre onde es-tavam os blocos que formariam a Amé-rica do Sul.

Traçadas as rotas de movimento daAmérica do Sul e da África, os pesquisa-dores puseram a primeira sobre a segllll-da e vice-versa, e viram exatamente ondee quando esses continentes se aproxi-mara ou se afastaram.

História refeita: blocos de rocharegistram a localização

do pólo magnético da Terra

Nosúltimos anos, telescó-pios terrestres e espaciaisconfirmaram a existênciade buracos negros, obje-tos dotados de atração

gravitacional tão intensa que nenhumamaf~~ia escapa deles, nem mesmo a luz.Os mecanismos pelos quais absorvemtudo o que passa perto tornaram-semenos misteriosos com um trabalhoconcluído em abril no Instituto de Físi-ca da Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS).

"Estamos testemunhando um bu-raco negro do centro de uma galáxiadevorar matéria ao seu redor", come-mora a coordenadora do estudo, Thai-sa Storchi-Bergmann, ao terminar oartigo em que relata os resultados. Aequipe de Thaisa reconstituiu o que sepassa no centro de NGC 1097, uma ga-láxia espiral a 60 milhões de anos-luzda Terra (um ano-luz equivale a cercade 9,5 trilhões de quilômetros). E con-firmou: existe lá um buraco negro su-permassivo - de massa equivalente apelo menos um milhão de sóis -, for-mado provavelmente pelo colapso denuvens de gás ou de aglomerados commilhões de estrelas.

Foco nos efeitos - Já que um buraconegro não pode ser detectado' direta-mente, mas só por seus efeitos sobreobjetos próximos, o grupo gaúcho cen-trou o foco na luz emitida pelo disco deacreção - nuvem achatada em forma deum espesso anel, feita de plasma (umamistura de pró tons e elétrons) e hidro-gênio, que gira ao redor do poderoso as-pirador de matéria. A partir das infor-mações colhidas, a equipe teve uma visãoclara dos processos de nascimento, evo-lução e morte do disco de gás, que ocu-pa uma área equivalente ao dobro daórbita da Terra em torno do Sol, comum diâmetro próximo a 300 milhõesde quilômetros. Cálculos preliminaresindicam que a cada segundo o buraconegro traga cerca de 100 quatrilhões detoneladas de gás do disco - ou duasTerras por dia.

Ao que tudo indica, o disco de gássurgiu quando uma estrela chegou mui-

Fome implacável: no centro da NGC1097, um buraco negro absorve por diaa massa equivalente a duas Terras

to perto do buraco negro e foi captura-da por ele. Em seguida, a estrela se des-manchou por ação da força de maré doburaco negro: essa força age com in-tensidade diferente em partes distintasde um corpo - o Sol, por exemplo,atrai mais o lado mais próximo da Ter-ra do que o mais distante e por isso oplaneta se alonga na direção do astro.Desmanchada a estrela, restou a nu-vem de gás, que formou um disco aoredor do buraco negro.

Centro quente - Estima-se que essefenômeno ocorra numa galáxia a cada10 mil anos. "Tive sorte com a NGC1097", reconhece Thaisa, que em 1991,quando começou a investigar a emissãode luz do núcleo dessa galáxia, encon-trou o quadro típico de uma captura deestrela relativamente recente. Ela obser-vou a emissão da região externa do dis-co formado a partir da estrela capturadana linha H -alfa - a linha de emissão deenergia mais intensa do átomo de hi-drogênio - e constatou que o gás girava a10 mil quilômetros por segundo (km/s).Então, concluiu: essa velocidade do gássó poderia ocorrer num disco em tornode um buraco negro que tivesse a mas-sa de um milhão de sóis.

Nascia assim a hipótese que seriaconfirmada nos dez anos seguintes.Thaisa demonstrou que ocorre umaquecimento das regiões centrais dodisco, que começam a emitir radiaçãode alta energia - como raios X -, numprocesso que dura pelo menos algunsséculos. A parte interna do disco é maisquente que as periféricas, por causa dafricção entre as partículas atômicas: atemperatura interna pode chegar a mi-lhões de graus Celsius (oC), enquantona periferia, de onde saem as emissõesde luz na linha H-alfa, é de cerca de1O.000°C.

O interior do disco se expande de-vido à alta temperatura e cria uma es-trutura toroidal (em forma de rosca)em volta do horizonte de eventos - su-perfície imaginária que define a fron-teira além da qual nem a luz escapa. Es-sa estrutura emite fótons que, ao baternas partes externas do disco, excitamo hidrogênio e produzem a emissão dotipo H-alfa, seguida desde 1991. "O fu-turo da matéria do disco é espiralar atéultrapassar o horizonte de eventos ecair no buraco negro", revela Thaisa. A

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 53

matéria do disco - formada basica-mente de prótons e elétrons na parteinterna e átomos de hidrogênio na ex-terna - se divide ao chegar a esse limi-te: metade é engolida pelo buraco negroe metade expelida da parte interna emforma de jatos, cuja emissão é observa-da em ondas de rádio. Assim, o disco sedesfaz lentamente até desaparecer, nummomento estimado para daqui a 1 milanos, no mínimo. "É a primeira vez quepresenciamos a captura de matéria numaregião central de uma galáxia de ma-neira bem clara", diz Thaisa.

Mas não é o fim da história. À me-dida que o buraco negro se alimenta demais e mais matéria, amplia-se o hori-zonte de eventos - cujo raio medehoje, aproximadamente, 3 milhões dequilômetros, ou dois centésimos dadistância entre a Terra e o Sol. Nesseespaço há uma massa equivalente a ummilhão de sóis, que Thaisa havia calcu-lado em 1997. Capturando estrelas in-dividuais, o buraco negro poderia atémesmo dobrar de tamanho, mas mui-to lentamente - somente daqui a 1 bi-lhão de anos.

Essaarqueologia cósmica -descrita por Thaisa num ar-tigo recentemente submeti-do ao Astrophysical [ournal,no qual já publicou traba-

lhos em 1993, 1995 e 1997 - é um avan-ço em relação ao que se descobriu em1998 na galáxia M87, situada a uma dis-tância equivalente ao nosso planeta. Na-quele ano, o telescópio espacial Hubble,que orbita a Terra a 600 quilômetros dedistância em busca de novidades dosconfins do Universo, registrou imagensde um disco de gás girando em tornodo núcleo da M87.

Embora a velocidade em que o dis-co da M87 se movia fosse alta, era sóum décimo das registradas na NGC1097. E a distância do disco até o centro dagaláxia era um milhão de vezes o raiodo disco de acreção. Portanto, o discode gás da M87 não era o disco de acre-ção, mas uma estrutura bem mais ex-terna. Como o raio desse disco é muitogrande - cerca de 500 trilhões de quilô-metros, um milhão de vezes maior queo da NGC 1097 -, Thaisa descarta apresença de um buraco negro central.Então, o que seria o disco? Um aglome-rado estelar massivo, por exemplo.

54 . MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

É exatamente a definição do pro-cesso de emissão de luz do disco da NGC1097, aparentemente muito mais inte-ressante cientificamente do que o veri-ficado na M87, a razão de contenta-mento da equipe. Thaisa trabalhou comMichael Eracleous, da Universidade daPensilvânia, Estados Unidos, na coletade dados provenientes de três fontes: otelescópio, de 4 metros, do Observató-rio Interamericano de Cerro Tololo; oEso New Technology Telescope (NTT),de 3,6 metros, ambos no Chile; e o te-lescópio de 8 metros do ObservatórioKeck 11, no Havaí. Já na análise dos re-sultados, ela contou com o mestrandoFausto Kuhn Berenguer Barbosa e obolsista de iniciação científica RodrigoNemmen da Silva.

Juntos, converteram o comprimen-to de onda da luz (ou radiação) em ve-locidade do gás e construíram um grá-fico que mostrou uma linha de doispicos - um para a velocidade máximade aproximação da luz em relação àTerra e outro para a máxima de afasta-mento. Tecnicamente, é o perfil de picoduplo da linha de emissão H-alfa, tam-bém chamado de assinatura cinemáticado disco - uma prova clara da existên-cia do disco de acreção e das transfor-mações por que passa. "Acredita-se quepossa existir um disco de acreção tam-bém na M87, embora ainda sem uma. . ~." .assmatura cmemauca, comenta a pes-quisadora. "O Hubble registrou outrosperfis em H-alfa semelhantes, nenhumcom uma estrutura de duplo pico tão

. clara como na NGC 1097:'

Lanterna - Thaisa consegue ver a emis-são de H-alfa que chega da parte maisexterna e fria do disco. "Possivelmente,nem todas as galáxias tenham essa par-te mais externa, como poderia ser ocaso da M87", observa Thaisa. Ao lon-go dos anos, ela percebeu que a emis-são migrou para regiões que giram avelocidades cada vez maiores - como odisco apresenta um movimento keple-riano (como os planetas), as regiõesmais internas e próximas do buraconegro central movem-se numa veloci-dade mais alta que a das bordas. Odeslocamento do foco de emissão deluz ocorre porque a parte interna per-de energia e esfria, de modo que a ra-diação já não é tão intensa e atinge dis-tâncias cada vez menores.

O processo é semelhante ao que ocor-re com a luz emitida por uma lanternaa pilha que ilumina uma área ao redore se enfraquece com o tempo. Quandoas pilhas estão com carga total, a luz émais intensa e ilumina uma área relati-vamente grande em torno da lanterna.À medida que a carga enfraquece, a luzperde alcance e ilumina as regiões maispróximas.

Em 1991, a luz emitida pelas partesmais externas do disco tinha a veloci-dade de 3 mil km/s - só um centésimoda velocidade da luz, mas que permiti-ria a uma partícula ir de Porto Alegre aSalvador em apenas um segundo. Já noinício deste ano, como a fonte de fótonsfoi ficando mais fraca e atingiu meno-res distâncias no disco, foi possível re-gistrar a luz que vinha de partes maisinternas, com velocidade de 6 mil km/s.Estima-se que na borda interna dodisco emissor de H -alfa a velocidadedas partículas chegue a 15 mil km/s,enquanto à beira do buraco negro aspartículas girem a 300 mil km/s, a velo-cidade da luz.

"O fato de encontrarmos velocida-des tão altas é um sinal da presença deuma estrutura supermassiva no centroda galáxia", diz a pesquisadora. As velo-cidades máximas registradas para osdiscos de gás em rotação no centro degaláxias sem buracos negros são de,apenas 250 a 300 km/s. Velocidades derotação da ordem das detectadas, demilhares de quilômetros por segundo,segundo ela, só podem ser produzidaspela interação com milhões ou bilhõesde massas solares concentradas numlugar muito pequeno - ou seja, um bu-raco negro supermassivo.

Um reforço a essa conclusão é aconversão de matéria em energia pormeio da absorção por um buraco ne-gro, que tem uma eficiência muitomaior do que as reações nucleares nasestrelas: 10% da massa engolida é con-vertida em energia, ao passo que nasreações nucleares o limite é de 0,7%."Essa conversão pode explicar a grandeemissão de energia dos núcleos de ga-láxias ativas, como NGC 1097 e M87",afirma Thaisa.

Com um milhão de massas solares,o buraco negro da NGC 1097 impressi-ona, mas não é dos maiores já encon-trados. No final de março, os físicos quetrabalham com o telescópio de raios XChandra relataram a descoberta de umaestrutura bem mais massiva: um buraconegro com cerca de 10 bilhões de massassolares no centro dos quasares - galáxiasem formação - mais distantes já encon-trados, a 13 bilhões de anos-luz da Terra.

Via Láctea - Este ano, a equipe daUFRGS pretende obter dados sobre aemissão de raios X e ultravioleta daNGC 1097, por meio de observaçõescom o Chandra e o Hubble, e lançar luzsobre o que acontece no centro das cen-tenas de galáxias já identificadas. "Acre-dita-se que os buracos negros tenham seformado junto com as próprias galáxias,uma vez que a massa estimada para osburacos negros a partir das observaçõesdo Hubble é proporcional aos bojos - aregião esférica central - das galáxias emque se encontram': diz Thaisa. Traba-lhos feitos com o Hubble indicam a

presença de buracos negros na maioriadas galáxias elípticas e espirais.

Mesmo no centro da Via Láctea, a30 mil anos-luz da Terra, supõe-se queexista uma estrutura supermassiva - daordem de 3 milhões de massas solares.Por enquanto, sua existência só podeser deduzida a partir do movimento deestrelas próximas ao núcleo ou de emis-sões intensas de raios X, como a regis-trada recentemente pelo Chandra: adescarga de radiação variou em horas,algo raríssimo, e provavelmente resul-tou do engolimento de matéria gasosaou estelar por um buraco negro.

Ainda não há indícios de que nocentro de nossa galáxia exista um discode acreção, testemunha do poder dosburacos negros, ainda que à custa daprópria existência. "Talvez não exista lámatéria suficiente sendo engolida peloburaco negro para formar um disco': co-gita Thaisa. Mas o quadro pode mudar.Se uma estrela for capturada, poderáocorrer algo parecido com o que se as-siste hoje numa galáxia tão distantecomoaNGC1~7. •

PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 55

• CIÊNCIA

ENTREVISTA

o prazer de fazer ciência

• Qual a razão do prêmio?- O prêmio foi dado por um conjun-to de trabalhos sobre a teoria do laser epor propostas de experimentos na áreade fundamentos da mecânica quânticaque venho desenvolvendo há 17 anos.

cias FAPESP (a publicação que deu ori-gem a Pesquisa FAPESP), em setembrode 1999, comenta também nesta entre-vista as tendências de desenvolvimentoe os desafios que a Física enfrenta hoje.Fala sobre as possibilidades fantásticasde suas aplicações práticas. Aborda osavanços e as dificuldades da Física noBrasil, posiciona-se criticamente sobrea política científica brasileira e produz,por fim, uma frase altamente elucidativasobre o prazer que está envolvido como fazer pesquisa científica: "A ciência, pa-ra quem está envolvido com ela, é antesde mais nada uma atividade lúdica"

Professor da Pontíficia Universida-de Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) de 1977 a 1994 e do Instituto deFísica da Universidade Federal do Riode Janeiro (UFRJ) desde então, douto-rado pela Universidade de Rochester,no Estado de Nova York, e com um pós-doutoramento no Instituto Federal deTecnologia (ETH), em Zurique, Suiça,centrado no mesmo trabalho sobre adinâmica de decaimento de um átomoque iniciara no doutoramento, Davido-vich é casado com a psicóloga SolangeCantanhede e tem dois filhos e duas en-teadas ("mas é como se fossem quatro fi-lhos, na verdade': diz ele). Os filhos sãoum engenheiro e um advogado, as fi-lhas, uma psicóloga e uma modelo (Isa-bel Ibsen). A seguir, os principais tre-chos da entrevista do premiado físico(uma versão completa encontra-se nosite www.revistapesquisa.fapesp.br):

De olhos abertos para o futuro da Física,pesquisador premiado diz que a necessáriaresponsabilidade social do cientista nãoobscurece o caráter lúdico da prática científica

• Em uma revisão recente de sua área,óptica quântica, o senhor apresenta al-gumas coisas interessantes sobre a rela-ção entre o mundo físico macroscópico eo mundo da física quântica, microscópi-co. Poderia nos falar sobre isso?- Essa é uma das linhas de pesquisaque tem ocupado nosso tempo nos últi-mos anos. A idéia é a seguinte: no mun-do microscópico existem os fenômenosquânticos, difíceis de alcançar comnossa intuição. Um deles é o da interfe-rência, percebido quando, por exem-plo, fazemos uma experiência ... aliás, éuma experiência clássica realizada noséculo 19, a experiência de (Thomas)Young, um físico inglês que mostrouque, quando se passa a luz por um an-teparo que tem duas fendas próximas,produz-se, num outro anteparo, umafigura com franjas claras e escuras. Emoutras palavras, luz mais luz - porque aluz está passando por duas fendas -pode resultar em sombra. Essa figura échamada figura de interferência, um fe-nômeno tipicamente ondulatório quepodemos observar num tanque deágua, quando se produzem ondas comdois pinos oscilantes, próximos um dooutro. Essas ondas interferem entre si.

MARILUCE MOURA

Ofísi~o Luiz Davidovich,canoca, 55 anos, rece-beu via fax e "com sur-presa", em março pas-sado, a notícia de que

ganhara o Prêmio de Física de 2001 daAcademia de Ciências do TerceiroMundo. Antes dele, só dois outros bra-sileiros o haviam conquistado: CesarLattes e [ayme Tiomno. Natural queDavidovich sinta-se "honrado em estarnessa companhia". Em termos mate-riais, a honraria consiste numa placacomemorativa e em US$ 10 mil que se-rão entregues em solenidade especial,durante a VIII Conferência Geral daAcademia, em Nova Délhi, no mês deoutubro.

A razão da premiação é o conjuntodos trabalhos desenvolvidos por Davi-dovich em óptica quântica, que repre-senta, segundo seus pares, importantecontribuição para o desenvolvimento daFísica. Nesta entrevista concedida a Pes-quisa FAPESP, o brasileiro fala dessestrabalhos, em particular de suas propo-sições teóricas sobre transição de fenô-menos do mundo quântico para omundo clássico, que envolvem concei-tos tão sofisticados e complicados paraum leigo quanto o da superposição dedois estados de uma partícula, o da in-terferência, e até o do teletransporteque, para ouvidos menos acostumados,beira as fantasias da ficção científica.

Mas Davidovich, retomando idéiasque apresentou num artigo para Notí-

56 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP,

Há regiões em que a crista de uma dasondas soma-se à da onda produzidapelo outro, há um reforço na amplitu-de da onda. Em outras regiões, a crista I

de uma se superpõe ao vale da outra, enesse caso as ondas se cancelam. Numtanque de água dá para ver que ficauma raia plana nesses pontos onde asamplitudes se cancelam. Esse fenôme-no também se vê com ondas de luz.Acontece que no século 20 aprendeu-seque a luz é constituída de corpúsculos,e daí, conciliar esse comportamentoondulatório com a composição cor-puscular tornou-se um grande desafiopara os físicos.

• Numa visão clássica não havia comoentender a superposição dos dois dados.- Sim, porque a gente espera que ocorpúsculo passe por uma fenda oupor outra. E, nesse caso, ele jamais vaiproduzir uma figura de interferência,

característica de uma onda, que passapelas duas fendas ao mesmo tempo. Aconciliação desse caráter complemen-tar da luz foi feita pela mecânica quân-tica. Por meio da mecânica quânticasabemos que, quando fazemos uma ex-periência com a luz, podemos fazer, defato, experiências complementares. Porexemplo, podemos nos perguntar "porque fenda passou o corpúsculo?" Se co-locarmos aparelhos por trás das fendasdescobriremos que passou por uma oupor outra. Mas, ao fazermos isso, elimi-namos a figura de interferência. Não épossível descobrir por qual fenda pas-sou o corpúsculo e, ao mesmo tempo,conservar a figura de interferência. En-tão apareceu no século 20 o conceito decomplementar idade, que coloca emevidência aspectos complementaresda natureza. A luz pode se comportarcomo onda ou corpúsculo dependen-do da experiência que se faça. O arran-

jo experimental passou a ser uma parteimportante do fenômeno observado, eessa foi realmente uma revolução con-ceitual na física, na década de 1920.

• Estamos falando de uma época logoapós Einstein.- Isso. São as contribuições de MaxBom, Niels Bohr e outros, que permi-tiram entender a mecânica quântica eos novos conceitos que ela represen-tava muito bem. No entanto, quandoolhamos o mundo macroscópico ànossa volta, não vemos uma pessoanuma superposição de dois estados lo-calizados.

• Passando por uma porta e...- ... pela outra, ao mesmo tempo. Ouuma superposição de estados em queela está simultaneamente localizadanuma porta e noutra contígua. E pormuito tempo as pessoas fizeram a per-gunta de como podemos explicar isso,como explicamos a transição do mun-do quântico para o mundo clássico. Defato, Einstein, em 1954, escreveu umacarta para Bom, dizendo que achavaestranho o fato de que o mundo clássi-co aparentemente proibia a existênciada maioria dos estados permitidos pelafísica quântica, que são essas superpo-sições. A questão que ele colocou erafundamental. "Por que essa seleção deestados no mundo clássico?" Houvevárias explicações ao longo dos últi-mos anos, e uma que se afirmou é quenecessariamente os corpos rnacroscó-picos estão interagindo com o resto douniverso. Essa interação destrói a pos-sibilidade de realizar experimentos deinterferência que demonstrem a super-posição.

• Isso significa que a possibilidade de su-perposição existe mesmo no mundo ma-croscópico, apenas não é observável.- Exatamente. Essa questão foi colo-cada de forma extremamente dramáticapelo físico Erwin Schrõdinger que, numartigo em 1935, formulou o famoso pa-radoxo do gato. Ele dizia o seguinte: secolocarmos um gato numa jaula her-meticamente fechada junto com umátomo que pode decair, podemos su-por que esse átomo, ao decair, faz fun-cionar um mecanismo, um motorzi-nho, que quebra uma garrafa quecontém cianureto e que mata o gato.

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 57

se refere a aprisionamento de átomoscom cargas, e atualmente não existe ne-nhum grupo no Brasil que faça isso.Outro desdobramento é a idéia de me-dir estados quânticos de moléculas,num trabalho em colaboração com oprofessor Nicim Zagury, de nosso gru-po. De novo, queremos conseguir umacaracterização completa de um estadoquântico vibracional de uma molécula.Nessa linha do limite clássico-quânticoé mais ou menos isso que foi feito.

• E vocês conseguiram confirmar isso ob-servando apenas a luz na freqüência demicroondas.- Sim. Mas a pergunta que surgiu de-pois é: "Como medir isso?': E a idéia foimandar um segundo átomo, sensível aesse estado do campo, para dentro dacavidade. Seria análogo a, no caso dogato de Schrõdinger, mandar um rati-nho que passa pela cavidade, é sensívelao estado do gato e assinala que há umasuperposição dos dois estados que dáorigem a interferência. E mais ainda: seeu atrasar um pouco o envio do rati-nho, dou tempo para a superposiçãoquântica se transformar numa alterna-tiva clássica, como o gato morto ouvivo. Ou seja, mandando um átomo emdiferentes tempos, posso seguir o pro-cesso pelo qual a superposição quânti-ca se transforma numa alternativa clás-sica. Sugerimos a medida com umsegundo átomo em 1993, num artigocom o pessoal da École Normale. Em1996, publicamos um artigo mais deta-lhado sobre a proposta da experiência,que foi feita por eles e publicada naPhysical Review Letters. Meu trabalhofoi a elaboração teórica.

• E depois?- Começamos a pensar como medircompletamente o estado do campo nacavidade. Para uma partícula clássica, oestado é dado por sua posição e veloci-dade e isso a caracteriza completamen-te. Para sistemas quânticos, a situaçãoé mais complicada, mas é possível. Enossa proposta foi implementada naÉcole Normale em julho de 2001 pelogrupo coordenado por Serge Haroche.Agora eles tiveram novos resultados eos estão enviando para publicação.

• Esse é o desdobramento mais recentedas propostas teóricas...- São dois desdobramentos. O outrofoi publicado no ano passado na Physi-cal Newsletters. É um trabalho do nossogrupo, com a participação de dois es-tudantes, André Carvalho e Pérola Mil-man, e um pós-doe, Ruynet Matos Fi-lho, que propõe uma maneira deproteger estados dessa interação com oresto do universo. A idéia é que elespossam guardar o caráter quântico pormais tempo, ou seja, impedir que esseestado se transforme numa alternativaclássica ou desapareça. Nossa proposta

• E as experiências de teletransportei- Publicamos um trabalho propondoum experimento que lembra até ficçãocientífica, para produzir teletransportedo estado de um átomo para outro áto-mo. Essa idéia de teletransporte tinhasido proposta inicialmente em junhode 1993 por um grupo de pesquisa-dores que incluía Charles Bennett, daIBM. Eles mostraram que era possível,em princípio, fazer uma espécie de faxquântico, transferindo informação deum sistema para outro.

ENTREVISTA

Por outro lado, se o átomo não decai, ogato fica vivo. Ora, o átomo está numdeterminado instante numa superposi-ção de dois estados, exatamente como apartícula que passa pelas fendas na ex-periência de Young. Então esse átomoseria descrito como a superposição deestados do átomo que decaiu e do áto-mo que não decaiu. Claro que, se espe-rarmos muito tempo, a componenteque representa o átomo decaído vai fi-car muito mais importante que a outra,mas num instante intermediário estãoas duas componentes... Esse átomoestá numa superposição. O estado dogato depende do estado do átomo. En-tão, se o átomo está numa superposi-ção, o gato também deveria estar nu-ma superposição. Morto e não morto.Schrõdinger diz: "Não vemos isso".Como explicar essa questão? Hoje sa-bemos que um gato não pode ser isola-do, nem um átomo. O sistema áto-mo-gato não pode ser isolado do restodo universo. A interação com o resto douniverso rapidamente destrói esse ca-ráter de superposição.

• Nesse universo, qual seu foco de pes-quisa?- Anos atrás, propusemos uma expe-riência em colaboração com físicos daÉcole Normale Supérieure, em Paris,para testar a idéia de que o mundoquântico se transforma num mundo'clássico rapidamente. O experimentofoi feito em Paris, em 1996, e confir-mou a teoria. Produz-se, numa cavida-de formada por dois espelhos paralelos- que não chega a ser uma caixa porqueé aberta, e que consegue armazenar fó-tons, por um tempo muito longo - umcampo eletromagnético, bastante pró-ximo de um campo clássico, como sefosse uma luz clássica, só que na regiãode microondas. Em seguida, passa-seum átomo pela cavidade, e através deuma manipulação do átomo, conse-gue-se colocar esse campo numa su-perposição de dois estados, que corres-ponde a dois campos clássicos quediferem na fase. Podemos dizer que sãodois campos que dá para diferenciarclassicamente.

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• Mas, em termos reais, transfere-se issoa partir de que impulso?- Você precisa ter um par de partícu-las, que é compartilhado pela pessoaque quer transferir a informação e pelaque vai recebê-Ia. Esse par tem umapropriedade especial, de fato já foi con-siderada como a propriedade mais es-tranha da física quântica: as duas partí-culas estão num estado que se chamaestado emaranhado, o que significa quesuas propriedades estão correlaciona-das de uma maneira muito mais fortedo que qualquer teoria clássica poderiaprever. É uma correlação quântica. Aose medir uma das partículas, isso deter-mina o resultado da medida sobre aoutra partícula. E esse sistema dessasduas partículas em estado emaranha-do, uma com uma pessoa e a outra comuma segunda pessoa, é o que podería-mos chamar de máquina de teletrans-porte. Se essa pessoa, chame-se Alice,quer enviar a informação para a outra,Bob, ela faz sua partícula, cujo estadoela quer informar a Bob, interagir coma outra partícula do par que está comela. Em seguida, ela faz medidas sobreessas duas partículas e informa o resul-tado das duas medidas que faz a Bob. Esó com o resultado dessas duas medi-das Bob pode reconstituir o estado ori-

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ginal da partícula de Alice. Oartigo que publicamos foi oprimeiro com uma propostade realização experimentaldesse teletransporte, que atéhoje não foi implementada. Éuma experiência difícil.

• Publicamos no NotíciasFAPESP em setembro de 1999,um artigo seu, com o títuloprovocativo "Está a Física es-gotada?'; em que o senhor co-mentava as perspectivas daFísica Voltando a ele: conti-nuamos sem uma teoria quepermita entender o espectro de massas ede cargas das partículas elementares?- Sim, e esse é um grande desafio parao século 21. Seria bom encontrar umateoria unificadora, que permitisse ex-trair os valores das massas e das cargas.Essa é uma questão que possivelmenteestá ligada a outra, a da unificação dagravitaçãó com a física quântica.

• Quais são suas expectativas atuaisquanto às aplicações práticas da Física?- Quando olhamos o desenvolvimen-to da ciência e da tecnologia nos anos20, observamos que a física quânticacomeçou com um grupo de jovens en-tusiasmados, na faixa dos vinte e pou-cos anos (Schrõdinger e Max Borneram mais velhinhos), cuja única preo-cupação era entender a natureza. Ja-mais imaginariam que as descobertasproduziriam uma revolução conceitualna maneira de entender a natureza.Muito menos que mudariam o coti-diano das pessoas, com a invenção dotransistor, que viabilizou a informática.A física quântica resultou no laser, quetrouxe também uma revolução na me-dicina e nas comunicações - e até naestética. A ciência é desenvolvida porpessoas que trabalham movidas pelaemoção de aprofundar seu conheci-mento da natureza, e hoje sabemos queessa emoção e esse interesse servem àsociedade.

• E qual é a situação da Física no Brasil?- Nos últimos 30 anos, ela passou porum desenvolvimento extraordinário.Na origem, era muito teórica, até pelafalta de oportunidade de compra deequipamentos. Depois, outras áreasavançaram, como a física da matéria

condensada, e apareceram grupos ex-perimentais extremamente competen-tes. Nas regiões onde a física foi apoia-da de forma contínua, houve umaramificação tecnológica das pesquisasrealizadas nas universidades. É o casodo pólo de alta tecnologia de São Car-los e de Campinas, possíveis graças aoapoio dado à ciência no estado de SãoPaulo. Agora, devíamos olhar isso tam-bém com espírito crítico, não ficar sóno oba-oba e perguntar o que pode serfeito para melhorar a física brasileira.

• Onde estão os buracos?- Um problema sério é a necessidadede federalização da física no Brasil. Oque foi feito no estado de São Paulo éum exemplo para o resto do país. En-quanto ele não for seguido, vai haveruma discrepância muito grande entreo que é feito em São Paulo e o que éfeito no resto do país. Isso não é sau-dável para a física brasileira e, em par-ticular, para a física paulista, porquereduz as oportunidades de trabalhopara os estudantes formados e as inte-rações possíveis.

• Isso implica a necessidade de um apoiopermanente no âmbito estadual.- Também. As fundações estaduaisdevem ser incentivadas. A Faperj teveum desenvolvimento importante nosúltimos anos, isso deve ser reconheci-do. Por outro lado, há estados que nãotêm fundações de amparo e não vãofazê-Ias de um dia para o outro. Denada adianta o governo federal ficar in-sistindo com os governadores, porquenão é do interesse político deles privile-giar essa área científica. Portanto, esseapoio à pesquisa é uma obrigação tam-

bém do governo federal, que tem me-canismos para fazer isso. Há programasque estão sendo propostos, como osfundos setoriais, que funcionam, mas épreciso contar com recursos para a pes-quisa espontânea. Sem isso não há odesenvolvimento criativo, porque asidéias novas freqüentem ente saem dopesquisador isolado.

• E as sombras da ciência?- Sempre existiu, entre grupos da po-pulação, um sentimento, digamos, an-ticiência, que ressalta os malefícios daciência à humanidade. Por exemplo: asexplosões de Hiroshima e Nagasaki, osperigos nucleares, a contaminação ra-dioativa e agora os efeitos da guerrabiológica. O sentimento anticiência en-volve uma grande confusão entre ativi-dade científica e controle democráticoda utilização da ciência. Evidentementea utilização da ciência não é assunto sódos cientistas, deve ser objeto de umaampla discussão na sociedade. Paraisso, ela tem que estar informada, e nes-se ponto a divulgação científica tem pa-pel importantíssimo.

• Sua relação com a ciência é apaixo-nada?- Certamente. A ciência, para quemestá envolvido com ela, é antes de maisnada uma atividade lúdica. E não serábom o cientista que não experimenteesse caráter na pesquisa. Devíamos lem-brar todo dia, ao ir para a universida-de, do seguinte: "Faço pesquisa numpaís que é um dos campeões mundiaisda desigualdade social. Tenho esse pri-vilégio e essa responsabilidade': Então,acho muito importante, antes de maisnada, que a gente trabalhe direito: •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 59

• TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

Schubert, que há quase 30anos voa em planadores efoi por dez vezes campeãobrasileiro na classe livre devôo, diz que o P-I é extre-mamente dócil e tem exce-lente performance para a suacategoria. "A idéia de cons-truí-lo surgiu porque noBrasil há uma carência deplanadores biplace", contaSchubert, que trabalha naEleb, subsidiária da Em-braer. O projetista descreveo P-I como um planadormoderno, com formas aero-dinâmicas mais convenien-tes, porque é feito totalmen-te de fibra de vidro, ummaterial fácil de ser molda-

como a principal variedadede algodão cultivada contémgossipol, o caroço de algodãotem sido usado tradicional-

do. O vôo em um planadoré feito aproveitando apenasas movimentações do ar.Por isso, para que levantevôo, precisa ser rebocado porum avião até por cerca de1.000 metros da pista, quan-do é liberado para ficar ho-ras no ar. Schubert contaque, quando resolveu levaradiante o projeto de cons-truir o planador, tambémassumiu o compromisso deobter a certificação aero-náutica, já requerida ao Ins-tituto de Fomento Industrial(IFI). "O fato de o planadorjá estar voando é apenas oprimeiro passo de todos osque temos de dar para ho-

mente na alimentação de bo-vinos, por se tratar de umamatéria-prima de custo ex-tremamente baixo no mundo

Planador com concepção nacionalmologar o P-l. Agora vamosconstruir um segundo pro-tótipo para conseguir essacertificação, o que deve ocor-rer dentro de dois a trêsanos", conta. Quando todo oprocesso estiver finalizado,Schubert vai procurar finan-ciamento para colocar o P-Ino mercado, para concorrercom os planadores importa-dos, que custam em torno deUS$ 45 mil. "Se puder bara-tear o planador será umavantagem para os praticantesbrasileiros", diz o projetista.Por isso, entre seus planosestá vender o P-I em formade kits, com assistência téc-nica para montagem. •

inteiro e não provocar distúr-bios no sistema digestivo des-ses animais. Essa matéria-pri-ma barata e abundante - sãoproduzidos 30 milhões de to-neladas de grãos de algodãono mundo por ano - foi esco-lhida pela Comissão Européiapara servir como objeto de es-tudos entre parceiros do Mer-cosul e da Europa. No Brasil, oconvite para participar dessapesquisa foi para o professorPaulo José do Amaral Sobral,da Faculdade de Zootecnia eEngenharia de Alimentos daUniversidade de São Paulo,câmpus de Pirassununga. So-

Um planador de dois luga-res para a instrução básica eavançada de pilotos, proje-tado pelo engenheiro aero-náutico brasileiro EkkehardSchubert, já foi testado eaprovado como aeronavesegura. A iniciativa de cons-truir o P-I surgiu há seisanos, quando o projetista deaviões conseguiu reunir 66pessoas, que se dispuserama arcar com os custos daconstrução do protótipo etambém participar do de-senvolvimento do projeto.Desde então, já foram inves-tidos mais de US$ 80 mil noP-I e dedicados muitos finsde semana à sua construção.

• Polímeros naturaispara a agricultura

Uma pequena amêndoa, en-contrada dentro do caroço doalgodão, é a matéria-prima uti-lizada por pesquisadores bra-sileiros, franceses, argentinose holandeses para produzir po-límeros naturais destinados àelaboração de biomateriaispara agricultura. Nos EstadosUnidos, essas amêndoas, deuma variedade sem gossipol(uma substância tóxica), sãovendidas para ser misturadasa receitas culinárias devido aoseu alto valor protéico. Mas,

60 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

bral conta que seu trabalhoinicial refere-se à extração,separação e preparação dasproteínas para a produçãodo filme polimérico. As ou-tras equipes trabalham com ofilme e outros tipos de mate-riais que estão em desenvol-vimento. •

• Fundição de titâniopor plasma

o titânio tornou-se o metalpreferido na confecção de im-plantes dentários devido à suaexcelente biocompatibilidadee resistência à corrosão na ca-vidade bucal e, mais recente-mente, está sendo aplicado empróteses. A grande limitaçãodo seu emprego, em restaura-ções e em próteses sobre im-plantes, era o processo de fun-dição, devido à sua elevadatemperatura de fusão, baixadensidade e reatividade quí-mica com gases e substânciaspresentes no revestimento.Com o desenvolvimento deequipamentos que empregamo processo de fundição porplasma-skull (casca), tornou-se possível aplicar o titânio naprótese dentária. Como o pre-ço desses equipamentos im-portados restringia o uso dessaliga no Brasil, a EDG Equipa-mentos, com sede em São Car-los, desenvolveu uma máquinatotalmente nacional para fun-dir titânio, que recebeu o nomede Discovery Plasma. Paratestá-Ia convidou o professorAntonio Carlos Guastaldi, doGrupo de Biomateriais do Ins-tituto de Química de Arara-quara, da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp). "Elesqueriam saber se o equipamen-to era adequado para aplicaçãoodontológica" conta o profes-sor. "As amostras foram sub-metidas a análise química econstatou-se que, antes e apósas fundições, não houve conta-minação do titânio, e as con-

centrações de gases presentesna estrutura metalúrgica es-tão de acordo com as normaspara aplicação de biomate-riais', revela o professor Guas-taldi. O gás utilizado nesse pro-cesso é o argônio superpuro,que apresenta a propriedadequímica de ser inerte, ou seja,não reage com nenhum ele-mento químico da liga metá-lica ou do revestimento em es-tudo. Todo esse trabalho énecessário porque, como aporcelana vai ser aplicada so-bre a peça protética, não podehaver contaminação, fator pre-judicial à aderência entre osmateriais. •

• Ostras livresda hepatite A

As ostras são ricas em proteí-nas, cálcio e sais minerais, mas,como normalmente são inge-ridas cruas, cultivá-Ias requerum rigoroso controle de qua-lidade para que não causemdanos à saúde quando con-sumidas. Uma das doençasmais sérias causadas pela in-gestão de frutos do mar crusou levemente cozidos é a in-fecção pélo vírus da hepatiteA (HAV), que pode provocarfebre e perda de apetite. Paraidentificar a contaminaçãopelo HAV em ostras, o Labo-

Em SantaCatarina, uma

nova metodologiapara detectar

vírus dahepatite A em

ostras

ratório de Virologia Aplicadada Universidade Federal deSanta Catarina (UFSC) apri-morou uma metodologia quepermite a análise de concentra-dos da carne desse molusco apartir da Técnica de Amplifi-cação Gênica (RT-PCR). Essatécnica é tão sensível que de-tecta até vírus não adaptadosao cultivo in vitro. As pesquisasque resultaram no desenvol-vimento da metodologia come-çaram em 1998 e envolvemdiferentes técnicas de cultivodo vírus em laboratório. •

• Instituto do Milêniopara autopeças

Um centro de pesquisa volta-do para o setor de autopeçasorganizado em rede, via In-ternet, que vai reunir 350 pes-quisadores de 16 instituiçõesde ensino de sete Estados bra-sileiros. Esse é o perfil do Insti-tuto Fábrica do Milênio, inau-gurado no mês passado emSanta Bárbara do Oeste, naunidade da Romi, empresaparceira no fornecimento deequipamentos para os labo-ratórios da rede. O objetivoprincipal do instituto é pro-mover o desenvolvimentotecnológico das indústrias demanufatura no país, estimu-lando a capacitação para omercado externo. Estarão emfoco as médias e pequenas em-presas de autopeças que su-prem as necessidades das gran-des montadoras mundiaisinstaladas no país. Além de re-solver problemas produtivosdas empresas e repassar tecno-logia, os laboratórios e pesqui-sadores envolvidos na rede vãotambém desenvolver métodosgerenciais mais adequados ecompetitivos para as empre-sas atendidas pelo InstitutoFábrica do Milênio, que pos-sui um orçamento previsto deR$ 4 milhões para os próxi-mos três anos. • I

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lPESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 61

Empresa cria teclado virtualAdeus teclados tradicionais.Pesquisadores da empresa dealta tecnologia israelenseVKB criaram um teclado vir-tual a partir da projeção defeixes de laser de diodo emsuperfícies planas. Com otamanho de um teclado co-mum e letras no formatopadrão, o invento da VKBfoi desenvolvido para serusado com computadoresportáteis, do tipo palm, eoutros equipamentos mó-veis, como telefones celula-res e laptops. Um sensor óp-tico infravermelho, movidoa baterias similares às de te-lefones celulares, é usadopara detectar os movimen-tos da mão sobre o teclado."Ele foi projetado para de-tectar qualquer velocidadede digitação', explica Ami-chai Turm, co-fundador daempresa e responsável pelodesenvolvimento tecnológicodo produto. Como o inven-to ainda está sendo patentea-do, os pesquisadores da VKB,com sede em Jerusalém, nãoexplicam como funcionaesse mecanismo de detecçãodos movimentos. Eles ga-

Sensor infravermelho detecta movimentos das mãos

rantem, no entanto, que olaser de diodo, que operaem modo contínuo, nãocausa nenhum prejuízo àvisão dos usuários. SegundoKlony Lieberman, vice-pre-sidente de pesquisa e desen-volvimento da empresa, o

aparelho poderá ser usadono futuro em ambientes es-téreis, como salas cirúrgicasde hospitais. A expectativada empresa é que os primei-ros teclados virtuais sejamcolocados à venda até o fi-nal deste ano. •

tina, proteína constituinte dapena de frango, é transforma-da pela ação de uma enzima(protease). Essa enzima é pro-duzida por células da levedu-ra Pichia pastoris transformadacom um gene do fungo Asper-gillus fumigatus. A função delaé quebrar quimicamente aqueratina em produto solú-vel, que será depois digeridopelo sistema digestivo dosanimais. Com isso as penasdeixam de ser inadequadaspara ração animal, embora

contenham vários nutrientes,como potássio, cálcio, enxofree cobre. O processo está emfase inicial de patenteamen-to pelo Centro de Desenvol-vimento de Tecnologia daUnB. Atualmente, a pesquisaé objeto da tese de doutora-do de Eliane Noronha, alunado programa de pós-gradua-ção em Biologia Molecular daUnB. O projeto recebeu re-cursos diretos da Fundação deApoio à Pesquisa do DistritoFederal (FAPDF). •

• Satélites revelammanchas de óleo

Imagens de satélites canaden-ses, europeus e informações doSistema Integrado de Vigilân-cia da Amazônia (Sivam) serãoutilizadas para detectar vaza-mentos de petróleo na costabrasileira. O sistema de moni-toramento, concebido pelaCoordenação de Programasde Pós-graduação de Enge-nharia (Coppe) da Universi-dade Federal do Rio de Janei-ro, vai operar com base nainterpretação de imagens or-bitais do mar, geradas pelossatélites, que serão analisadasem conjunto com informaçõesdo mapeamento de instalaçõesde exploração e produção depetróleo e gás (plataformas edutos), do controle do tráfegomarítimo de petróleo e deriva-dos e de técnicas de simulaçãode movimentação de manchasde óleo no mar. Quando fordetectado um derramamen-to de óleo, os órgãos de defesado meio ambiente serão aler-tados para adotar as medidasde controle. O sistema estarátotalmente implementado emseis meses, segundo o profes-sor Luiz Landau, coordenadordo projeto. "O foco inicial domonitoramento é a bacia deCampos, onde se concentramais de 80% da produção dopetróleo nacional. Mas temosa intenção de monitorar todacosta que tiver atividade petro-lífera", diz Landau. Os R$ 9,2milhões necessários para oprojeto serão divididos entreAgência Nacional do Petróleo(ANP), Instituto Brasileiro deMeio Ambiente e Recursos Na-turais Renováveis (Ibama) eMarinha. A ANP já assinoucontrato no valor de R$ 6,8milhões com a Coppe para de-senvolver o sistema, que estána fase pré-operacional. •

• Penas de galinhaadicionadas à ração

As penas de frango, um sub-produto das avícolas, podemser incorporadas como maté-ria-prima na produção de ra-ção. O primeiro passo para essenobre uso foi dado pelos pes-quisadores do Laboratório deEnzimologia da Universidadede Brasília (UnB), coordena-dos pelo professor Carlos Ro-berto Felix.Eles desenvolveramum processo em que a quera-

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• Murumuru disputamercado nos EUA

o fruto do murumuru (As-trocaryum murumuru), quedurante 50 anos do século pas-sado foi utilizado como gor-dura para produção de mar-garina, agora vai ser usadocomo matéria-prima para afabricação de sabonetes. Oalvo principal é o mercadonorte-americano. À frente dafábrica Tawya Comércio deProdutos do Vale do [uruáestá o físico Fábio FernandesDias, que saiu da Universida-de Estadual de Campinas(Unicamp), em 1992, paratrabalhar no Acre com uma or-ganização não-governamental(ONG) de pesquisa indígena.Até 1995, estudou vários pro-dutos amazônicos com po-tencial comercial e teve intensocontato com o murumuru,palmeira cujo fruto é despreza-do pelos índios porque é duro epouco interessa à alimentação.Quando o contrato terminou,Fábio Dias decidiu investir noaproveitamento comercial dococo da palmeira. Para isso,bancou praticamente sozinhotodos os investimentos empesquisa e na instalação da fá-brica em Cruzeiro do Sul (AC),a primeira a produzir gordurae sabonete de murumuru.Agora depende apenas do al-vará da Agência Nacional deVigilância Sanitária (Anvisa),que espera conseguir no iníciodo segundo semestre, para ainauguração oficial da fábri-

Óleo do cocoda palmeira

murumurué a base decosméticos

ca, que produz atualmente250 mil sabonetes por ano,mas tem capacidade insta-1ada para chegar a 500 mil,e 2 toneladas de gordura,com previsão de 10 tone-ladas em dois anos. O pri-meiro contrato de forneci-mento exclusivo de gordura innatura foi assinado com a em-presa paulista ChemyunionQuímica, que a utiliza comocomponente de produtos cos-méticos. A mesma gordura é abase do sabonete, batizado deTawya, mesmo nome da loca-lidade onde a pesquisa foi feita.Segundo Fábio Dias, "o sabo-nete já foi testado nos Esta-dos Unidos, onde teve exce-lente aceitação': O preço médiopara o mercado norte-america-no está estimado em US$ 3.•

• Carvão mineral écombustível para cal

Um novo tipo de cal, batizadade Aglotec, utiliza o carvãomineral como combustível.No processo de obtenção doproduto, desenvolvido pelaFundação de Ciência e Tec-nologia do Rio Grande do Sul(Cientec), é usado o calcáriodolomítico, que vai para oforno a uma temperatura de900 graus, quando ocorre oprocesso de calcinação. A ar-

gamassa Aglotec é uma mis-tura das cinzas com o calcá-rio, mas, além disso, existeuma série de reações quími-cas que ocorrem durante oprocesso de geração que con-ferem características particu-lares ao produto final, segun-do o coordenador do projeto,o engenheiro mecânico Rod-nei Gomes Pacheco. O pro-duto pode ser empregado emrebocos, assentamentos de ti-jolos e pisos. •

• Consultoria paraprodução limpa

O Núcleo de Tecnologias Lim-pas, uma empresa incubadana Universidade Federal dePernambuco (UFPE), tem co-mo objetivo prestar assesso-ria aos setores produtivos. Onúcleo iniciou suas atividadesem setembro de 2001, quan-do começou a preparar a pri-meira turma de 20 consulto-res ambientais, mas só foiformalizado em março. Nesseperíodo, foram escolhidasdez empresas, das áreas de tu-rismo, indústria e agroindús-tria, para serem analisadasdentro da ótica do desenvol-vimento sustentável. O núcleoé uma parceria entre a uni-versidade, o Banco do Nordes-te e o Conselho EmpresarialBrasileiro para o Desenvolvi-mento Sustentável e integra aRede Brasileira de ProduçãoMais Limpa, apoiada peloPrograma das Nações Unidaspara o Meio Ambiente. •

PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 63

TECNOLOGIA

A purificaçãodas águas

ENGENHARIAS

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Fantasma da escassez ronda o mundo

os consumidores. Segundo Ierson Kel-man, diretor-presidente da AgênciaNacional de Águas (ANA), esse é o pri-meiro passo para a implementação dacobrança pelo uso da água em todo opaís. No início, a receita anual com anova tarifa está estimada em R$ 14 mi-lhões, quantia que será usada na recu-peração ambiental da bacia e na amplia-ção do tratamento do esgoto.A;.0brança tem os seguintes

critérios: quem despejarágua de volta no rio emcondição pior da que foicaptada pagará R$ 0,02

para cada metro cúbico (mil litros)coletado, enquanto quem devolver aágua tratada terá um custo quase trêsvezes menor: R$ 0,008 por metro cú-bico. Cálculos da ANA indicam quehaverá um acréscimo de R$ 1,00 nascontas se as companhias repassaremintegralmente o custo para os usuários.Para fugir desse custo adicional no ba-lanço financeiro, as empresas deverãoprocurar alternativas para eliminar to-dos os tipos de resíduos, orgânicos ounão, da água dos seus efluentes. Atual-mente, utilizam-se sistemas de filtragem,controle biológico em lagos e digesto-res e tratamento químico. São sistemasconfiáveis, mas nesse setor ainda háespaço para tecnologias mais avança-das e eficientes.

Relatório divulgado pela Orga-nização das Nações Unidas (ONU),no final de 2001, alerta que, em bre-ve, a humanidade enfrentará sériosproblemas relacionados à escassez equalidade das águas. Segundo o do-cumento, até 2025, 3 bilhões de ha-bitantes deverão viver em países afe-tados pelo estresse hídrico, com ofertade água per capita inferior a 1.000metros cúbicos por ano, quantidademínima para atender às necessidadesde uma pessoa. "E, em 2050, 4,2 bi-lhões de humanos, mais de 45% dototal mundial, viverão em países quenão podem assegurar a cota diárianecessária para satisfazer às necessi-dades básicas': aponta o estudo.

Oxidando os poluentes - Uma dessasnovas tecnologias é o sistema eletroquí-mico fotoassistido, também conhecidopor fotoeletroquímico, objeto de estu-do nos últimos dez anos do professorRodnei Bertazzoli, coordenador do La-boratório de Engenharia Eletroquímicada Universidade Estadual de Campinas(Unicamp). O tratamento fotoeletro-químico é feito por um reator modularcomposto por dois eletrodos - placasmetálicas de titânio revestidas de óxi-dos condutores de metais nobres -,sendo que um deles permanece sob in-cidência da radiação ultravioleta (UV)."O princípio do sistema é muito sim-ples': explica Bertazzoli, coordenadordo projeto Tratamento de Efluentes De-rivados da Indústria de Papel e CeluloseAtravés de Fotocatálise Assistida por Ele-trólise. "Ele remove compostos orgâni-cos e inorgânicos por meio de processosonde o único reagente é o elétron." Aocircular no reator, qualquer poluenteorgânico passa na superfície dos eletro-dos e sofre oxidação, transformando-se, ao final do processo, em dióxido decarbono e água. Os organismos patogê-nicos, então presentes nos efluentes, fi-cam inativados e os compostos inorgâ-nicos, basicamente metais pesados,ficam depositados no eletrodo.

De acordo com Bertazzoli, depoisde submetidas a esse tratamento, aságuas residuárias estarão prontas para

Nem o Brasil está livre da ame-aça da falta de água, apesar de pos-suir uma das maiores reservas hí-dricas mundiais. O país armazena12% de toda a água doce do plane-ta e divide com Uruguai, Paraguai eArgentina o maior reservatório na-tural de água subterrânea da Terra,o aqüífero Guarani, com 1,2 milhãode quilômetros quadrados. "Nãoimporta ostentar abundância, oimportante é saber usar com inteli-gência", afirma Aldo Rebouças, pes-quisador do Instituto de EstudosAvançados da USP e autor do livroÁguas Doces no Brasil, um completoestudo sobre a problemática hídri-ca nacional.

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ser reutilizadas dentro da própria em-presa ou jogadas de volta ao rio, obe-decendo aos padrões estabelecidospela resolução 20/86 do Conselho Na-cional do Meio Ambiente (Conama).Essa resolução, utilizada pela Companhiade Tecnologia de Saneamento Ambien-tal (Cetesb) para controle da poluiçãodos mananciais em São Paulo, estabeleceparâmetros físico-químicos e microbio-lógicos (oxigênio dissolvido, demandabioquímica de oxigênio, pH, coliformesfecais, nitrogênio, etc.) para efluentes do-mésticos e industriais. O limite de con-centração de cada um deles varia con-forme a classificação do curso de água- quanto mais limpo for o rio, maior éa exigência quanto ao grau de purezados efluentes a serem lançados.

''A grande vantagem do sistema fo-toeletroquímico é que ele não gera sub-produtos - os tratamentos biológicosconvencionais produzem uma grandequantidade de lodo, o que é um sério pro-blema ambiental", diz o pesquisador.Além disso, o sistema é capaz de remo-ver cor e odor do poluente, característicasque, na maioria das vezes, não são tra-tadas nos processos tradicionais. Atéagora, o sistema já se mostrou viável notratamento de efluentes de indústriastêxteis, de papel e celulose e de choru-me de lixo (líquido negro e com forteodor contendo altas concentrações decompostos orgânicos e inorgânicos) de

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De acordo com o pesquisador,embora a oferta de água no paísseja abundante, ela é mal distribuída,com 70% das reservas localizadas naregião da Amazônia, que tem apenas7% da população brasileira. "Não vaifaltar água no Brasil, mas sim nastorneiras das casas': diz ele. Para re-verter essa situação, diz o cientista, épreciso reduzir o desperdício, que, se-gundo seus cálculos, chega a 40% daágua consumida no país. "Tambémdevem ser ampliadas as técnicasque possibilitem o reuso da água",diz Rebouças. "Estudos apontamque cerca de 80% da água poderiaestar sendo reutilizada para finsnão potáveis': conclui.

n- aterros sanitários. Tambémforam iniciados testes comresíduos hospitalares. To-das essas aplicações já resul-taram na solicitação de 14patentes.

Bertazzoli explica que ocusto de implantação do pro-cesso é um pouco mais altodo que o dos sistemas bioló-gicos, mas as despesas ope-racionais são baixas e envol-vem apenas o pagamento daenergia elétrica, porque oprocesso é automatizado. Opreço médio de um reatoreletroquímico é de US$ 600por metro quadrado de áreade eletrodo. "Uma empresade porte médio, com vazãode 70 metros cúbicos porhora, teria que fazer um in-vestimento de US$ 120 milnuma estação fotoeletroquí-mica com 200 metros qua-drados de eletrodos': calculaBertazzoli. A tecnologia tes-tada por meio de um protó-tipo ainda não está disponí-vel comercialmente, o que sódeve ocorrer em dois anos. Opesquisador é consultor daempresa Tech Filter, que pos-sui um projeto no Programade Inovação Tecnológica emPequenas Empresas (PIPE),da FAPESP.O objetivo é mon-tar um protótipo de reatorem grande escala nos próxi-mos meses.

Desinfeção por UV - Outralinha de pesquisa relaciona-da ao tratamento de efluen-tes é a desinfecção de esgotossecundários (que já passarampor um tratamento prévio)com radiação ultravioleta. Es-tudos iniciados em 1977 peloprofessor José Roberto Cam-pos e atualmente coordena-dos pelo professor Luiz Antô-nio Daniel, ambos da Escolade Engenheira de São Carlos(EESC) da Universidade deSão Paulo (USP), demons-traram que esse processo éaltamente eficaz na inativa-ção de microrganismos pa-

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Rio Paraíba do Sul em Sapucaia (RJ): preservação sem esgoto

togênicos (vírus e bactérias) eapresentou vantagens quan-do comparado a outras téc-nicas que usam desinfetantesquímicos, como o cloro. "Poratuar no meio físico, a radia-ção UV não adiciona produ-tos ao esgoto, enquanto ocloro gera subprodutos orga-noclorados indesejados (tri-halometanos, haloaldeídos,halocetonas, etc.), que, segun-do a literatura médica, po-dem provocar doenças comoO câncer", explica o pesqui-sador da USP, que receberecursos da FAPESP paradesenvolver o projeto Inati-vação de MicroorganismosPatogênicos por Fotólise:Apli-cação de Radiação Ultravio-leta em Efluentes Secundáriosde Esgoto Sanitário. Segundoo estudioso, a contaminaçãoacontece em cadeia. Quandoum esgoto desinfetado comcloro é jogado de volta aorio, os subprodutos organo-clorados podem contaminaro manancial e o cloro resi-dual poderá ser prejudicial àcultura irrigada. Quem cap-tar a água para beber tam-bém corre risco.

Uma estação de trata-mento de esgotos da Com-panhia de Saneamento Bási-co do Estado de São Paulo(Sabesp) na cidade de Lins,aparelhada com o fotorreatorimportado da marca Aquio-nics, cedido pela empresa bra-sileira Germetec, já empregaessa nova técnica de formaexperimental e com bons re-sultados. "Os efluentes trata-dos na estação são utilizadospara irrigar uma plantaçãode milho no terreno ao lado,de propriedade da Sabesp",conta Luiz Daniel. Essa pes-quisa está sendo desenvolvi-da com a participação da Es-cola Superior de AgriculturaLuiz de Queiroz (Esalq), Es-cola de Saúde Pública e EESC,todas da USP, além da Sa-besp, e constitui um dos te-mas da rede nacional de pes-

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 67

que não necessitam deoxigênio para sobrevi-ver - para tratamentode esgoto. A equipetem contado com re-cursos do Prosab, ge-rido pela Financiadorade Estudos e Projetos(Finep), para desen-volver seus estudos. Oaperfeiçoamento dossistemas anaeróbiostem sido um dos obje-tivos do Prosab.

Esse processo em-prega microrganismosanaeróbios que trans-formam compostos or-gânicos complexos emprodutos mais simples,como metano, gás car-

bônico e gás sulfídrico. Para o enge-nheiro químico Marcelo Zaiat, coorde-nador do projeto Estudo da Dinâmicade Adesão de Biomassa Anaeróbia emSuportes e Aplicação em Reatores paraTratamento de Águas Residuárias, fi-nanciado pela FAPESP,o tratamentoanaeróbio apresenta uma série de van-tagens sobre o sistema aeróbio, o maisusado atualmente. "Ele não precisa seraerado ou agitado e por isso requermenos energia e usa menos equipa-mentos': explica Zaiat. Mas a grandevantagem é outra: como os microrga-nismos anaeróbios crescem muito me-nos do que os aeróbios - quando a bac-téria precisa de oxigênio -, a geração delodo ao final do tratamento equivale aapenas 10a 20% da quantidade produ-zida nos processos aeróbios.

Apesar dessas, digamos, virtudes, osprocessos anaeróbios ainda não são su-ficientemente confiáveis e eficientes, oque os obriga a passar por um pós-tra-tamento. "Nossas pesquisas buscam exa-tamente aperfeiçoar os sistemas anaeró-bios aumentando sua eficiência':afirmaZaiat. O tipo de material empregado évital para a eficiência do reator, pois,quanto maior for a aderência e o tempode permanência dos microrganismosdentro do equipamento, melhor será oresultado do tratamento.

O município de Piracicaba, no in-terior do Estado, foi um dos pioneirosno país na utilização de um reator anae-róbio para tratamento de esgotos. Aprefeitura construiu nos anos 90, com

-Programas terãofinanciamento

quis a no âmbito doPrograma de Pesquisaem Saneamento Básico(Prosab). Esse progra-ma tem por objetivode-senvolver e aperfeiçoartecnologiasnas áreasdeáguas residuárias,águasde abastecimento e re-síduos sólidos que se-jam de fácil aplicabili-dade, baixo custo deimplantação, operaçãoe manutenção. O histó-rico de resultados obti-dos nos mais de 30anosde pesquisas sobre de-sinfecçãocom radiaçãoultravioleta realizadasem São Carlos contri- Patente: reator eletroquímicobuiu para a aceitação econfiança no processo usado em Lins,que está sendo comparado com a uni-dade de laboratório montada em SãoCarlos com recursos da FAPESP.

Daniel explica que a inativação dosorganismos patogênicos acontece no ní-vel cromossômico. "A radiação modifi-ca o DNA da bactéria, criando um fo-toproduto que impede sua duplicação",explica.A grosso modo, o reator é comoum tubo com lâmpadas de vapor demercúrio, que emitem radiação uv. Du-rante o tratamento, as águas residuáriasentram nesse tubo e são irradiadas por5 a 30 segundos.

A limitação dessa tecnologia é que asolução aquosa não pode conter muitamatéria dissolvidaou em suspensão.Essefator impede que os raios ultravioletaatinjam os microrganismos. Por essemotivo, os efluentesprecisam passar porum pré-tratamento. ''Acredito que essatecnologia tem potencialidade para serusada em grande escala",diz o pesqui-sador da USP. "Ela já comprovou suaviabilidade técnica e mostrou ter custocompetitivo. Há mercado interno e ex-terno e seria interessante a participaçãode empresas nacionais no desenvolvi-mento de equipamentos para uso emesgoto sanitário porque os únicos queexistem são importados:'

Aposta nos anaeróbios - A Escola deEngenharia de São Carlos também abri-ga um grupo de pesquisadores que estu-da os processos anaeróbios - utilizandomicrorganismos (bactérias e arqueas)

Financiar projetos científi-cos e novas tecnologias desti-nados a aperfeiçoar os diver-sos usos da água, inclusive notratamento de águas residuá-rias. Esse é o objetivo do Fun- Ido Setorial de Recursos Hídri-cos (CT-Hidro), criado há I

dois anos pelo Ministério daCiência e Tecnologia (MCT) eregulamentado em julho de

II 2001. Em dezembro último,foram selecionados os 123

II projetos que receberão apoiodo fundo setorial neste ano.Desse total, 27 relacionam-seao tratamento de esgotos sani-tários e efluentes industriais.O site da Finep (www.finep.-gov.br) traz a relação comple-ta das propostas seleciona das.Os interessados devem desen-volver projetos numa das oitoplataformas tecnológicas apro-vadas pelo comitê gestor dofundo: racionalização do usoda água urbana, reuso, racio-nalização da irrigação, contro- I

I ' le das poluições da indústriaalimentícia, desenvolvimentode produtos e equipamentos,qualidade, dessalinização eágua subterrânea.

Segundo Irene Altafim, daFinep, órgão integrante do co-mitê gestor do fundo, os recur-sos do CT-Hidro são oriundosde um porcentual (4%) da com-pensação financeira atualmen- Ite recolhida pelas empresas ge-radoras de energia elétrica e I

equivalema 6% do valorda pro-dução de geração de energiaelétrica no país. Para o biênio200212003, estima-se que essaverba alcance R$ 107 milhões.A intenção do CT-Hidro é des-tinar 30% desse montante paraprojetos que beneficiem as re-giões Norte, Nordeste e Cen- Itro-Oeste.- - - . -

68 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

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base num projeto holandês, uma estaçãode tratamento com um reator anaeró-bio de manta de lodo. Projetada paraatender aproximadamente 90 mil pes-soas, ela trabalha em conjunto com umsistema aeróbio e tem apresentado bonsresultados. Segundo Zaiat, a tendênciapara o futuro é o uso combinado dos sis-temas anaeróbio e aeróbio. O própriocâmpus da USP de São Carlos ganharáem breve uma estação de tratamentocomposta por sistemas combinados. Comela, será possível maximizar as vantagens .dos dois processos e livrar o efluente de .sua carga poluente, deixando-o com as

características necessárias para ser lan-çado, ou mesmo reutilizado.

Reuso da água - O reuso da água parafins não potáveis já é uma realidade emtrês estações de tratamento de esgotoda Sabesp na Grande São Paulo, porum custo inferior à tarifa normal. Jun-tas, as estações do ABC, Barueri e Par-que Novo Mundo produzem i80 me-tros cúbicos por hora de água semfiltragem e doração. É um tipo de águaque pode ser usado na geração de ener-gia, limpeza pública, refrigeração deequipamentos, lavagem de carros, com-

OS PROJETOS

Tratamento de EfluentesOerivados da Indústria dePapel e Celulose Atravésde Fotocatálise Assistidapor Eletrólise

MODALIDADEProjeto regularde auxílio à pesquisa

COORDENADORRODNEI BERTAZZOLl-Faculdade de EngenhariaMecânica da Unicamp

INVESTIMENTOR$ 71.819,14e US$ 56.200,96

lnativação deM icroorganismosPatogênicos por Fotólise:Aplicação de RadiaçãoUltravioleta emEfluentes Secundáriosde Esgoto Sanitário

MODALIDADELinha regularde auxílio à pesquisa

COORDENADORLUIZ ANTÔNIO DANIEL -Escola de Engenhariade São Carlos da USP

INVESTIMENTOR$ 54.500,00

Estudo da ~inâmicada Adesão de BiomassaAnaeróbia em Suportese Aplicação em Reatorespara Tratamentode Águas Residuárias

Confluência dos rios Tietê eTamanduateí em São Paulo: poluiçãopor efluentes não tratados

bate a incêndio e diversos processos in-dustriais. Desde maio do ano passado, aSabesp fornece para a prefeitura de SãoCaetano do Sul água recidada para irri-gação de áreas verdes, lavagem de ruas,desobstrução de rede de esgotos e deáguas pluviais da cidade. Em janeiro des-te ano, mais dois municípios, Barueri eCarapicuíba, passaram a receber águade reuso da empresa.

Segundo especialistas em recursoshídricos, todas essas iniciati-vas vêm ao encontro da pro-posta do Programa das Na-ções Unidas para o MeioAmbiente e da OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS) defortalecer o reuso planejadode água para fins potáveis enão potáveis. O objetivo es-tratégico é proteger a saúdepública, garantir a manuten- _ção da integridade dos ecos-sistemas e o uso sustentado daágua. Dessa forma, as novastecnologias de tratamento deefluentes - fotoeletroquími-ca, desinfecção por radiaçãoultravioleta e sistemas anae-róbios - atendem perfeita-mente a esses requisitos. •

MODALIDADELinha regularde auxílio à pesquisa

COORDENADORMARCELOZAIAT - Escolade Engenharia deSão Carlos da USP

INVESTIMENTOR$ 41.362,01e US$ 3.880,56

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 69

• TECNOLOGIA

MEDICINA VETERINÁRIA

Umbom cavalo de cor-rida pode valer até R$ 2milhões. Entre os bovi-nos, um grande repro-dutor chega a custar tão

caro que empresas especializadas em in-seminação artificial formam consórciospara adquiri-los e dividir os ganhos re-sultantes dos negócios. Porém, por maisexcelente que seja sua qualidade, um ani-mal de raça não terá valor comercialnenhum se não contar com um registrogenealógico - um atestado de pedigree.Hoje assiste-se nos países desenvolvidosa um expressivo crescimento da adoçãode teste do ácido desoxirribonucléico(DNA) para comprovar a origem de es-pécimes valiosos. No Brasil, esse tipo deteste também ganha espaço nas asso-ciações de criadores de cavalos e de boisde raça, impulsionado pela empresa

Cavalos valiosos: as associações de criadores exigem o conhecimento até da quinta geração do animal

Animais de fi-notratoLinkGen é aprimeiraempresa naAmérica Latinaa fazer testede DNA paracavalos e bois

70 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

LinkGen, de São Paulo, apoiada peloPrograma de Inovação Tecnológica emPequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.

A LinkGen tornou-se o primeiro la-boratório a realizar testes de genotipa-gem por DNA para animais na Américado Sul. Segundo a biomédica CynthiaBydlowski, diretora da empresa e coor-denadora do projeto, o índice de preci-são dos novos exames para testes de vín-culo genético atinge no mínimo 99,91 %,enquanto nos de tipagem sanguínea -que examinam vários tipos de proteí-nas no sangue (semelhante a sistemascomo o ABO e outros, no ser humano)-, quando realizados sob condiçõesideais, é de 96,50%. A maior confiançasobre a origem do animal propor-cionada pelo teste de DNA ganhaimportância em um cenário em que aprática da inseminação artificial, o

Bovinos: teste de DNA contribui para o melhoramento genético

aumento do comercio de sêmen e atransferência de embriões tornam tê-nues os limites das porteiras.

As vantagens da utilização da tec-nologia de DNA sobre a de tipagem san-guínea não se limitam à obtenção deresultados mais precisos. "Utilizamos opêlo do animal, mais especificamente obulbo capilar, como fonte de DNA, ummaterial mais fácil de armazenar que osangue. Depois da análise genética, obulbo pode ser guardadopor até três anos': explica obioquímico Jaime Leyton,outro diretor da LinkGen.

A LinkGen submete oDNA extraído da amostra àreação em cadeia da polime-rase (PCR), procedimentoque amplifica determinadasregiões preestabelecidas doDNA. São' estudadas pelomenos 12 dessas regiões -também chamadas de mar-cadores -, analisadas indi-vidualmente. "A utilizaçãode 12 marcadores é o padrãodos laboratórios mais de-senvolvidos e assegura aqualidade dos resultados':explica Cynthia.

No início de suas atividades, em1998, a LinkGen não operava com sis-temas automatizados. "Com os recur-sos do PIPE, adquirimos, em 2000, umseqüenciador de DNA, automatizandoo sistema': conta Cynthia. Com o equi-pamento, a capacidade do laboratório,que antes se limitava à análise de, nomáximo, cinco animais a cada três dias,cresceu para 48 testes completos a cada24 horas. "Um enorme benefício da au-tomação é a possibilidade de processa-mento durante 24 horas, sem super-visão humana" observa ela. Em 1999, aempresa atendia a uma média de seisencomendas mensais. "Hoje, recebe-mos cerca de 60 amostras a cada mês':revela Leyton.

Foco no cavalo - O segmento de cria-ção de cavalos é, atualmente, o filão denegócios mais atraente para a empresa."Mais de 90% dos testes que realiza-mos em nosso laboratório destinam-seà identificação de eqüídeos", comentaLeyton. Um dos primeiros clientes daLinkGen foi a Associação Brasileira deCriadores de Cavalo Quarto de Milha

(ABQM), que forneceu amostras aindano período de desenvolvimento tecno-lógico. "Nossa congênere norte-ameri-cana, a American Quarter Horse Asso-ciation, já exige exames de DNA para oregistro': afirma Iarbas Leonel Bertolli,superintendente do stud book (cartóriosde registros de animais existentes emcada entidade de criadores) da ABQM.O registro de eqüídeos em geral é bas-tante rigoroso - para obtê-lo, é preciso

conhecer a árvore genealógica dos ani-mais pelo menos até a quinta geração.

"Entre as associações sul-america-nas de criadores, a ABQM foi a pioneirano emprego da técnica de DNA", orgu-lha-se Bertolli. "Trata-se de uma ten-dência inexorável, já bem delineada nomercado internacional': comenta Antô-nio Carlos Motta, coordenador de eqüi-deocultura do Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento. "Os ganhosde precisão são consideráveis", afirma

o PROJETO

Aplicação de Técnicas Molecularesem Agropecuária: Aprimoramentodo Registro Genealógico deBovinos e Eqüinos

MODALIDADEPrograma Inovação Tecnológica emPequenas Empresas (PIPE)

COORDENADORACVNTHIA RACHID BVDLOWSKI - LinkGen

INVESTIM E NTOR$ 20.000,00 e US$ 118.565,00

Ricardo Soares Cohen, gerente de pro-jeto da Coordenação de Bovideoculturado Departamento de Fomento e Fisca-lização da Produção Animal, do mes-mo ministério.

Mercado em expansão - A única bar-reira para uma maior adoção do testede DNA é o preço ainda um pouco sal-gado para o paladar dos criadores bra-sileiros - custam em torno de R$ 140,

w enquanto a tipagem san--c guínea sai por volta de R$

35. A evolução do mercadoexterno, porém, pode ex-pandir o novo procedi-mento. "Nosso plantel é umdos maiores do mundo e,nos anos 90, deixamos deser exclusivamente impor-tadores e começamos a ex-portar", diz Motta.

Na área de bovídeos,conta Cohen, do Ministé-rio da Agricultura, o gover-no federal pretende divul-gar as vantagens da análisede DNA junto às associaçõesde criadores. Segundo ele,as técnicas da biologia mo-lecular contribuem para a

assimilação das fêmeas em projetos demelhoramento genético. "Até poucotempo atrás, só os reprodutores eramconsiderados valiosos para imprimir ap-tidões às suas progênies': diz.

A LinkGen registrou receita de R$100 mil em 2001 e projeta um cresci-mento de 100% para este ano. Ela estáconquistando espaço também no mer-cado internacional. ''A Asociación Ru-ral del Paraguay, uma confederação decriadores de diversas espécies animais,é um importante cliente nosso", dizLeyton. A LinkGen mantém estreita co-laboração com a Faculdade de Medi-cina Veterinária da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp), em Araçatuba.Assim, foi lá onde o seqüenciador com-prado com o projeto do PIPE ficou ins-talado inicialmente, durante oito meses."Fizemos um acordo em que eles po-deriam usar o seqüenciador em projetosde pesquisa enquanto treinavam doistécnicos para a LinkGen", conta Ley-tono Assim se fechou um círculo acadê-mico e empresarial que trouxe novosbenefícios para a criação de cavalos ede bovinos no país. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 71

características genéticas do frango hoje,um pintinho que nasce, em média, com45 gramas, em 42 ou 45 dias, no máxi-mo, estará pesando 2,5 quilos. Como oBrasil é um país em que as condições cli-máticas não são severas, durante a faseinicial do sistema de criação de frangonão são muitos os problemas enfrenta-dos. Quando a temperatura esfria mui-to, como ocorre normalmente no Sul, oscriadores utilizam aquecedores paramanter as aves aquecidas. Já o calor aca-ba causando mais problemas e perdas.

A primavera e o outono são aponta-das por Macari como as estações emque se registra a maior taxa de mortali-dade de frangos de corte no país. A bai-xa incidência pluviométrica, aliada aosdias muito quentes e noites frias, causaum choque térmico nas aves, principal-mente se já estiverem com mais de 30dias, na etapa final de crescimento. Du-rante o verão, apesar do calor, as chuvascontribuem para manter o ar maisúmido e, como nesse período o céusempre tem mais nuvens, a incidênciade raios solares sobre a terra também émenor. "O projeto teve como ponto departida o estudo dos mecanismos fisio-lógicos e moleculares, para ver se podí-amos melhorar a tolerância do frangoao calor': diz o professor. "A nossa pre-missa, baseada em estudos principal-mente celulares, é que, quando se es-tressa uma célula, ela produz mais aproteína hsp 70 para se proteger de con-dições de estresse', explica.

Todas as proteínas presentes nas cé-lulas têm uma estrutura tridimensio-nal, mas em situações de estresse elaspodem perder a configuração original.O papel da hsp 70 é evitar que as outrasproteínas presentes nas células percamessa configuração. Ela está presente emtodas as células, mas se expressa maisem tecidos de maior sensibilidade ao es-tresse, como o cérebro e o coração. Porisso, a escolha para estudar a expressãodessa proteína recaiu sobre esses teci-dos, além do fígado e do pulmão.

Osetor avícola brasileiroinvestiu pesado em infra-estrutura, modernizaçãoe novas técnicas de ma-nejo, nos últimos anos,

para aumentar o volume produzido edar conta da demanda interna e exter-na. O acerto dessas medidas pode sercomprovado pelo fato de que, no anopassado, o frango ficou com o segundolugar em importância na pauta de ex-portação agropecuária, atrás apenas decommodities como a soja (grão, farelo eóleo) e à frente de produtos tradicio-nais como o café. O grande volume co-mercializado é o principal fator de lucrodo setor, que deve, portanto, ter perdasmínimas para não causar impactos ne-gativos ao processo. Nesse sentido, oscriadores precisam contornar um dosproblemas que ainda os atormentam: amortandade de frangos em decorrênciado estresse térmico, que atinge 1 milhãode cabeças por mês, de uma produçãoestimada em 300 milhões no mesmoperíodo.

Para tentar reverter esse quadro,Marcos Macari, professor da Faculdadede Ciências Agrárias e Veterinárias daUniversidade Estadual Paulista (Unesp)de Iaboticabal e pró-reitor de pesquisada universidade, estimulou em embriõese em frangos recém-nascidos a produ-ção de uma proteína de choque térmi-co (a hsp 70, heat shock protein), tam-bém chamada de proteína de estresse,para que, quando as aves atingissem aidade adulta, estivessem protegidas dasbruscas variações de temperatura. Osresultados obtidos, já repassados para oscriadores durante congressos do setor,indicam que a ativação precoce desse me-canismo molecular possibilita melhoradaptação dos animais ao calor duran-te o processo de crescimento. "Nossosestudos mostram ser possível estressara ave, tanto em temperatura alta comobaixa, de forma que ela expresse maisessa proteína': explica Macari, coorde-nador do projeto temático Papel daProteína de Choque Térmico no Desenvol-vimento da Termotolerância em Frangosde Corte, financiado pela FAPESP.

Para a indústriado frango é mais fáciltrabalhar comembriões na incubadora

Estudioso e especialista em avicul-tura, Macari ressalta que um mito queenvolve a criação de frangos precisa serdefinitivamente eliminado. "É necessá-rio desmistificar que a carne de frangotem hormônio, isso é uma inverdade,difundida não só por leigos, mas atépor médicos", alega. Macari explica queo crescimento rápido das aves deve-seao melhoramento genético, motivadopela pressão de seleção. Esse melhora-mento alia duas situações: a expressãogênica para crescimento e a voracidade,que é a capacidade de comer muito.

Tolerância térmica - Nos experimentosrealizados dentro do projeto temático,tanto os ovos quanto os animais recém-nascidos foram colocados em tempera-tura normal de incubação, a 37,S graus,e também a 36,S e a 38,S graus. "Nocaso do embrião, para nossa surpresa,os animais que foram incubados emtemperaturas menores mostraram-se,quando adultos, mais tolerantes a altastemperaturas e tiveram maior desen-volvimento. Esperávamos o contrário,porque dados da literatura mostramque se um pintinho for exposto até cin-co dias depois do nascimento a um ca-lor intenso, e suportar esse calor, eleconsegue ser mais tolerante a tempera-turas ambientais elevadas na. idadeadulta", conta Macari.

Nos experimentos feitos logo apóso nascimento das aves, a temperaturamais alta mostrou-se mais eficaz naresposta de adaptação do organismo.Macari, no entanto, alega que, tecnica-mente, esse procedimento é mais com-plicado, porque os galpões teriam de sermantidos fechados durante duas a trêssemanas, com temperaturas elevadas. Doponto de vista da indústria, é mais fáciltrabalhar com embriões, porque é maissimples aumentar ou diminuir a tempe-ratura de uma incubadora industrial -que incuba cerca de 1 milhão de ovos -do que fazer isso com 1 milhão de fran-gos ou pintinhos. "Esse é o motivo peloqual as pesquisas hoje na área avícolaestão focadas, em grande parte, na ma-nipulação de embrião:'

"Propusemos o projeto porque ofrango quando nasce é como uma crian-ça, muito sensível ao frio, e quando cres-ce é muito sensível ao calor. E a veloci-dade de crescimento das aves é muitoacelerada", diz o professor. Devido às

Mudança alimentar - Na avaliação deMacari, a avicultura hoje tem um ex-pressivo papel social no Brasil, pelo fatode ser uma proteína acessível à popula-ção de baixa renda. O quilo do frangointeiro custa para o consumidor finalem torno de R$ 1,50. Segundo o pro-fessor, o frango brasileiro é barato em

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 73

II,I

função do grande volume produ-zido e do baixo custo da mão-de-obra. Sem contar que o país é umgrande produtor de milho e soja,base da alimentação das aves."Isso faz com que o frango brasi-leiro seja o mais saboroso domundo. O da Grã-Bretanha temgosto de peixe, porque lá agrega-se farinha de peixe à ração': comen-ta o professor.

O preço competitivo resultouem um aumento substancial nademanda na última década. Os13,6 quilos consumidos em 1990por habitante chegaram a 30,8quilos no ano passado. Esse cres-cimento de consumo veio acom-panhado de mudanças nos hábi-tos alimentares dos brasileiros,que passaram a comprar o frangoem partes, de preferência semi-prontas. O pé e a cabeça, que até pou-cos anos atrás faziam parte do pacote"frango inteiro" e não raro tinhamcomo destino a lata de lixo, ganharamnovos mercados. A China é o principalcomprador dos pés de frango brasileiro,que têm alto valor agregado depois dedesossados. A pele, processada, trans-forma-se em pulseiras de relógio e ou-tros produtos.

Aplicação imediata - O projeto temáti-co, iniciado há quatro anos, já resultouem três dissertações de mestrado e trêsde doutorado e tem encerramento pre-visto para março do ano que vem. O

Os Estados Unidos dominam omercado mundial de carne de fran-go, mas, a cada ano que passa, o Bra-sil tem ficado com uma fatia maiordesse disputado comércio. Em 2000,os EUA ficaram com 48% desse mer-cado, e o Brasil com 17%, segundodados do Departamento de Agricul-tura dos Estados Unidos (USDA).No ano passado, a participação norte-americana manteve-se estável, 48%,enquanto a brasileira atingiu 21 %.Esse crescimento resultou da con-quista de novos mercados na Europa,em função da doença da vaca louca e

grupo envolvido no estudo trabalhoucom 12 enfoques durante os experi-mentos, como estresse embrionário epós-eclosão, variações hormonais pré epós-eclosão, efeitos desses processos hor-monais aliados ao crescimento da ave,entre outros. Todos os resultados já fo-ram redigidos e estão sendo publicadosem revistas nacionais e internacionais.Segundo Macari, a ciência avícola nãoespera sair a publicação em uma revis-ta para comunicar as inovações tecno-lógicas. "O que eu produzo, comunicoem congressos, e a aplicação no campoocorre logo em seguida", diz. Por essemotivo, ele não tem como avaliar se os

da febre aftosa, e também da amplia-ção dos embarques para a Rússia,motivada por uma política de expor-tações mais agressiva, capitaneadapelas empresas Sadia e Perdigão.

Cerca de 80% da produção bra-sileira de frangos, hoje em torno de600 mil toneladas mensais (perto de300 milhões de cabeças), tem comodestino o mercado interno. O restan-te vai para o Oriente Médio, a Europae o Japão. No ano passado, o país em-barcou 1,266 milhão de toneladas decarne de frango in natura e industria-lizada, o que representa crescimento

Quando nasce, o frango é muito sensível ao frio, e na idade adulta sofre com o calõr

Disputa acirrada pelo mercado mundial

resultados de sua pesquisa já estão sen-do aplicados por alguma indústria.

"O manejo do sistema de produçãoé muito particularizado de empresapara empresa, não existe um padrãoúnico no país para criação. Uma em-presa pode deter segredos que não co-munica porque o sistema é muito com-petitivo", explica. "Se eu fizer manejo deembrião que represente ganho de pesopara o recém-nascido, no final do pro-cesso terei lucro." E exemplifica comnúmeros: cada 10 gramas a mais emum pintinho representará 100 gramasno final do sistema de produção. Parauma avícola que produza 1 milhão de

de 38% sobre o volume do ano ante-rior. A receita proporcionada atingiuUS$ 1,292 bilhão, 60,3% superior à de2000. Neste ano, segundo o secretá-rio executivo da Associação Brasilei-ra dos Produtores de Pintos de Corte(Apinco), José Carlos Godoy, o Brasiltem mantido seus mercados e am-pliado as vendas. Os dados disponibi-lizados pela Secretaria de ComércioExterior (Secex) mostram que no mêsde fevereiro os embarques de carnede frango atingiram 108.743 tone-ladas, volume 20% superior ao domesmo mês do ano anterior.

74 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

tão é feita uma reação histoquí-mica (estudo químico de célulase tecidos) para identificar e anali-sar qual área está reagindo melhor.

Macari defende que o conhe-cimento da fisiologia, bioquímicae imunologia da ave é fundamen-tal para evitar o aparecimento dedoenças e, conseqüentemente, oprejuízo. "Dessa forma, 70% dosproblemas que aparecerem serãosolucionados a tempo." O profes-sor credita uma parte do sucessoda avicultura nacional ao níveltécnico e entendimento dos pro-fissionais que trabalham no setor."Eles são muito bons", defende."Isso se deve à formação que elestiveram nas universidades brasi-leiras e também à inserção dasempresas privadas no treinamen-to desse pessoal."

Na avaliação de Macari, uma dasmaneiras de fazer esse conhecimentocientífico chegar aos interessados sãoos livros. Por isso, como diretor de pu-blicações da Fundação Apinco de Ciên-cia e Tecnologia (Facta), entidade vin-culada à Associação Brasileira dosProdutores de Pintos de Corte (Apin-co), dedica-se, em alguns casos, a com-pilar alentadas obras sobre o tema,mesmo que para isso precise trabalharcom textos de 57 especialistas brasilei-ros, como ocorreu no processo de edi-ção do livro Doença das Aves, lançadoem 2000. Para Macari, essa obra pre-encheu uma lacuna de 50 anos, por-que o último livro brasileiro sobre oassunto havia sido lançado em 1950pelo professor José Reis, pesquisadordo Instituto Osvaldo Cruz, InstitutoBiológico e decano da divulgação cien-tífica no Brasil.

No final do mês passado, Macarilançou a 2" edição do livro FisiologiaAviária Aplicada a Frango de Corte.Tanto nos livros quanto no trabalhode pesquisa, Macari alia ao conheci-mento científico a preocupação emencontrar alternativas que favoreçamo sistema de criação de frangos. O re-sultado do seu projeto temático comembriões e frangos recém-nascidos éprova de que conseguiu encontrar umasolução simples para reduzir a morta-lidade por estresse térmico nas avesem fase de crescimento sem onerar osistema produtivo. •

o controle do estresse térmico pode evitar a morte de 1 milhão de frangos por mês

frangos por mês, esseganho de peso doembrião significa um lucro líquidosubstancial.

Noprojeto, Macari conta

também com parceirosinternacionais que cola-boram nos estudos, co-mo Eddy Decuypere, da

Universidade Católica de Leuven, naBélgica,e Frank Edens, da UniversidadeEstadual da Carolina do Norte. Decuy-pere, que trabalha no projeto desde oinício, desenvolveuma parte da pesqui-sa na Bélgica e vem pelo menos umavez por ano ao Brasil. Edens juntou-seà equipe quando o trabalho já estavaemandamento. No Brasil, a pesquisa temainda a colaboração do professor JesusFerro, também da Unesp de Iabotica-bal, do professor Luís Lehmann Couti-nho, da Escola Superior de AgriculturaLuizde Queiroz (Esalq) da Universida-de de São Paulo (USP), de Piracicaba; ede Elizabete Gonzales, da Faculdade deMedicina Veterinária e Zootecnia daUnesp de Botucatu.

Eles utilizaram três linhagens defrango na pesquisa: Cobb 500, norte-americana e a mais usada comercial-mente, Ross, de origem britânica, e apescoço pelado, que tem maior tole-rância ao calor devido às característicasgenéticas. O sistema de incubação tra-balhou com 120 a mil ovos e com mil a1.200frangos em cada um dos 12expe-rimentos realizados no projeto.

Nova metodologia - Para que o estudopossa ser considerado encerrado, se-gundo o coordenador, duas pendênciasprecisam ser resolvidas. Uma é a formade quantificar a proteína. O métodoutilizado até aqui é o Western Blot, masa equipe está desenvolvendo uma novametodologia baseada na técnica Elisa."É uma técnica muito mais simples, rá-pida e permite trabalhar com volumesmaiores", alega Macari. "E tambémqueremos saber como o cérebro da avese comporta numa situação de estresse.Principalmente como as áreas hipotalâ-micas, que são os sistemas de controlede temperatura das aves, reagem:' Parafazer essa verificação utiliza-se a técni-ca de hibridização in situ, em que a aveé estressada, o cérebro é retirado ime-diatamente, congelado, cortado, e en-

o PROJETO

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 75

Papel da Proteína de ChoqueTérmico no Desenvolvimentoda Termotolerância emFrangos de Corte

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORMARCOS MACARI - Faculdadede Ciências Agrárias e Veterináriasda Universidade Estadual Paulista(U nesp) - Jaboticabal

INVESTIMENTOR$ 205.387,51 e US$ 126.826,33

• TECNOLOGIA

INFORMÁTICA

O Instituto do Coração(InCor), em São Paulo,entrou de cabeça na erada informática. Os tradi-cionais prontuários mé-

dicos, um amontoado de laudos, docu-mentos e imagens de exames, agora sãocoisa do passado. Desde agosto de 2000,os pacientes internados no hospital pas-saram a dispor de um inédito prontuá-rio eletrônico, uma eficiente plataformaintegrada de dados que contém todo ohistórico médico do paciente. Dentro deum ano, todas as 230 mil pessoas quepassam em consulta no instituto tambémserão registradas no prontuário eletrô-nico. Em função do sucesso do sistema-hoje pelo menos 20 mil pacientes dainstituição já contam com prontuárioseletrônicos -, está em desenvolvimen-to uma versão simplificada do prontuá-rio, que estará em breve à disposição,sem custo nenhum, de qualquer hospitalbrasileiro que se mostre interessado.

O prontuário é um software que per-mite captar e armazenar dados de tex-to, como a ficha do paciente, documen-tos e resultados de exames laboratoriais,assim como chapas de radiografia e ima-

76 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Saúde aumtoque dos dedos

Incor põe à disposiçãode qualquer hospital do paísversão simplificada de softwareque armazena informaçõese imagens médicas de pacientes

gens de exames complexos, como cine-angiocardiografia (também conhecidocomo cateterismo, ou a verificação dadinâmica do sangue no coração), tomo-grafia computadorizada, ressonânciamagnética, ecocardiografia e ultra-sono-grafia. E mais: até sinais vitais de pes-soas internadas na instituição, como osregistros da respiração, da pressão arte-rial, do eletrocardiograma e do consumode oxigênio, podem ser vistos no sistemaeletrônico em tempo real, permitindo omonitoramento do paciente a distância.

O sistema, único no Brasil e compoucos similares no mundo, é resulta-do de um projeto temático financiadopela FAPESP. Iniciado em 1998, o pro-jeto deverá ser finalizado em agostodeste ano. Ele envolve também o Insti-tuto de Radiologia (Inrad), que, juntocom o InCor e mais quatro institutos,faz parte do Hospital das Clínicas (HC)da Faculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo (USP).

O pioneirismo do sistema do InCorpode ser percebido no artigo "Welcomedo the (almost) digital hospital" [Bem-vindo ao hospital (quase) digital], pu-blicado na edição de março da revista

Spectrum, do Institute of Electrical andElectronics Engineers, que congrega 377mil engenheiros de 150 países. Nele, aautora, Giselle Weiss, afirma que o Geor-ges Pompidou European Hospital, deParis, concebido para ser um modelode medicina do século 21, ainda não estácom seu prontuário eletrônico comple-to - eles ainda não conseguiram integrarimagens e sinais ao sistema. A reporta-gem noticia ainda o esforço de grandescompanhias americanas, como a Orade(maior empresa mundial de banco de da-dos) e a HealthSouth Corp (maior pro-vedora de serviços de saúde dos EstadosUnidos), para construir um completosistema digital para hospital, que só de-verá ficar pronto no próximo ano.

Segundo o engenheiro eletrônico Sér-gio Shiguemi Furuie, diretor da unidadede Pesquisa e Desenvolvimento do Ser-viço de Informática do InCor e coorde-nador do temático, o novo prontuáriotraz grandes vantagens para médicos epacientes. "Com ele, o clínico acessa ra-pidamente na tela de seu computadortodas as informações médicas (laudos,dados laboratoriais e imagens) sobre opaciente': explica. Antes, era preciso pedir

o prontuário tradicional com pelo me-nos um dia de antecedência. "Se entreosexamesconstasseo de hemodinâmica,o médico deveriadirigir-sea um setor es-pecíficopara consultar as imagens': afir-ma. Outra vantagem do novo sistema éa possibilidade de vários especialistasvisualizarem a ficha do paciente aomesmo tempo e em lugares distintos,dinamizando o atendimento.

Referência cardiovascular - Os 10 milpacientes internados todos os anos noInCor também saem ganhando, porqueo prontuário eletrônicoelimina o riscodeperda ou extravio de informações. Alémdisso, ao ter todas suas informações in-tegradas num mesmo lugar, o pacienteé atendido com maior agilidade e pron-tidão. O InCor dispõe de 503 leitos e sãomais de 1,5 milhão de procedimentos(exameslaboratoriais, anamneses, radio-grafias, etc.) e 3.700 cirurgias realizadospor ano.Ainstituição é o principal centrode referência de tratamento de doençascardiovasculares do país.

A criação e implantação do sistemarecebeu a aprovação do corpo clínicodo InCor. "O prontuário eletrônico fa-

cilitou muito a vida dos médicos", afir-ma Eulólio Martinez, diretor dó Serviçode Hemodinâmica do hospital. "A qua-lidade das imagens, assim como a velo-cidade de recuperação e a capacidade dearmazenamento do sistema são exce-lentes:' A opinião é compartilhada porAlfredo José Mansur, diretor do ambu-latório geral do hospital. "O registrodocumental em papel tornou-se cadavez mais complicado", conta. "O novosistema adotado pelo InCor é fruto deuma evolução natural. Ele atende às ne-cessidades dos pacientes e facilita ope-racionalmente a prática médica", afir-ma Mansur.

O serviço será ainda mais eficientedentro de alguns meses, quando os mé-dicos estarão habilitados a consultar osprontuários de seus pacientes de forado InCor - do consultório ou de casa -e poderão receber resultados de exameslaboratoriais menos complexos, quenão envolvam imagens, por meio detelefones celulares com a tecnologiaWap (Wireless Application Protocol). "Jádesenvolvemos essas conexões e agoraestamos testando os protocolos de se-gurança': diz Furuie, que tem como

No InCor, as imagens captadaspelo tomógrafo são arquivadas,de forma automática,no prontuário do paciente

subcoordenador o professor GiovanniGuido Cerri, diretor do Inrad.

Além disso, também se encontraem fase de testes a utilização de dispo-sitivos móveis do tipo PDA (PersonalDevice Assistance) e redes sem fio paraacesso total ao prontuário, incluindosinais e imagens. "Atualmente, estamosutilizando duas tecnologias, uma ba-seada no protocolo Ethernet, com co-bertura limitada às dependências dohospital, e outra utilizando a nova ge-ração de telefonia celular (CDMA2,5G), com cobertura na área metropo-litana de São Paulo, explica o engenhei-ro eletrônico Marco Antônio Gutierrez,diretor da unidade de Suporte do Ser-viço de Informática do InCor e um dospesquisadores do temático.

Uma das principais inovações donovo prontuário do InCor quandocomparado aos modelos existentes emoutros hospitais é a capacidade de ar-mazenamento de imagens tridimensio-

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 77

nais e dinâmicas, como as ge-radas pelos exames de hemo-dinâmica. Esse exame é umprocedimento para avaliaçãodo grau de obstrução nas coro-nárias e essencial para pacien-tes que vão submeter-se à ci-rurgia para implantação depontes de safena. "Realizamosem torno de 10 mil exames dehemodinâmica por ano. E todoseles estão integrados ao pron-tuário do paciente'; informa Fu-ruie. Como cada um ocupa umespaço de 300 megabytes, foipreciso criar no sistema umacapacidade de armazenamentoautomatizado de mais de 3 milgigabytes (ou 3 terabytes) sópara as imagens. Elas perma-necem on-line por seis meses edepois disso são guardadas pordois anos em fitas de alta ve-locidade. "A visualização des-ses exames continua automá-tica, mas o acesso demora umpouco mais, cerca de três mi-nutos'; afirma Gutierrez.

A montagem da rede exi-giu a criação de uma sofistica-da infra-estrutura computa-cional, que foi construída apartir de 1995 com o apoio deoutras instituições, como a Fi-nanciadora de Estudos e Pro-jetos (Finep) e a FundaçãoZerbini, envolvendo toda aequipe de Informática e vários alunosde pós-graduação. O sistema operacio-nal nos principais servidores é Linux etoda consulta é baseada em tecnologiaInternet (web). Os servidores de bancosde imagens médicas para arquivamentodos exames dispõem de 700 gigabyteson-line em disco e mais 3,5 terabytes emjuke-box, uma espécie de arquivo inte-grado à rede. "Com essa infra-estrutura,temos capacidade de transmitir de ma-neira eficiente exames como os de he-modinâmica com até 30 quadros porsegundo", afirma Gutierrez.

O arquivamento de imagens noprontuário eletrônico só foi possível coma adoção de um padrão internacionalpara transmissão e armazenamento deimagens médicas chamado Dicom (Di-gital Imaging and Communications inMedicine ou Comunicação e Imagea-mento Digital em Medicina). A escolha

desse padrão permite que equipamen-tos sofisticados como tomógrafos pos-sam ser conectados diretamente à redepara transmissão automática dos exa-mes. Aparelhos mais antigos que nãoeram dotados dessa tecnologia recebe-ram uma interface para converter asimagens no formato padrão.

o PROJETO

Do tomógrafo para a mesa do médico: imagens do cérebro

O prontuário ganhou re-cursos para torná-lo seguro,inviolável e confiável. O acessoao sistema só é permitido pormeio de uma senha fornecidaa profissionais cadastrados."Desenvolvemos um complexosistema baseado em perfis deusuários", explica Gutierrez.Um auxiliar de escritório, porexemplo, tem um perfil "j\' e .terá acesso restrito a determi-nados dados do prontuário.Profissionais de saúde podemver outras informações, en-quanto os médicos terão aces-so global ao prontuário. "To-das as transações envolvendoo prontuário eletrônico ficamregistradas na memória do sis-tema, de forma ser possível sa-ber quem acessou o prontuário,quando e por quanto tempo';explica Furuie. Quanto à con-fiabilidade, várias seções dosistema foram colocadas emredundância (repetidas), comequipamentos funcionandoem paralelo para evitar a des-continuidade do sistema casoocorra alguma falha. Para ga-rantir a inviolabilidade das in-formações, o prontuário ele-trônico não permite que dadosjá inseridos no sistema sejamapagados ou modificados. "Sehouve qualquer tipo de erro,

a alteração deve ser feita por meio deuma retificação", explica Sérgio Furuie.

Além da criação e implantação doprontuário eletrônico, o temático da FA-PESP também prevê o desenvolvimentode um sistema que possibilite integrartodas as informações de um mesmo pa-ciente arquivadas em diferentes unidadesdo HC. É bom lembrar que o hospital écomposto por seis grandes institutos etrês hospitais auxiliares. A idéia é criaruma ampla rede onde as informaçõesmédicas sobre os pacientes trafeguem li-vremente. "Por meio de uma interfacecomum, queremos fazer uma integraçãoentre as diferentes bases de dados, res-peitando as especificidades de cada sis-tema", diz Furuie. O primeiro protótipodesse modelo de integração de dados es-tá sendo montado para permitir a trocade informações entre os prontuários doInCor e do Instituto de Radiologia. •

Cineangiocardiografia: coronárias e a dinâmica do sangue!

Ambiente Distribuído paraa Transmissão, Arquivamento,Processamento e Visualizaçãode Imagens Médicas

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORSÉRGIO SHIGUEMI FURUIE - InCor

INVESTIMENTOR$ 754.614,00 e US$ 65.000,00

78 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

• TECNOLOGIA

ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

o poder de compraÉ cada vez maior a influênciadas montadoras sobre osfornecedores de auto peças

Fábrica da Volkswagen em São Carlos: proximidade facilitou o estudo

NoS últimos dezanos, 12 plantasindustriais para

a produção de veículosautomotores foram cons-truídas e estão em opera-ção no Brasil. Esse fato,aliado às mudanças estru-turais dos fabricantes emtodo o mundo, gerou no-vos comportamentos en-tre as montadoras e seusfornecedores de autope-ças.Hoje, a influência dasmontadoras é maior emais decisiva, especial-mente sobre aqueles decapitalnacional, de menorporte e com menor capa-cidade tecnológica. E isso ocorre mes-mo com o incremento de novos pro-cessos de produção, que priorizam aterceirizaçãoe uma maior integração en-tre montadoras e seus fornecedores.

A principal característica dessesno-vos modelos de produção é a reduçãodo número de fornecedores diretos.Fatoque, a princípio, poderia representar umaumento do poder de barganha dos for-necedores de autopeças. Mas isso nãoocorre."São as montadoras que lideramas relações comerciais neste mercado':diz Alceu Gomes AlvesFilho, professordo Departamento de Engenharia deProdução da Universidade Federal deSãoCarlos (UFSCar). Ele coordena umgrupo de estudo interdisciplinar com oobjetivo de analisar a organização daprodução da indústria automobilísticainstalada no país.

Estratégia mundial - Os principais fo-cos da equipe são entender como evo-luem as relações entre as montadoras e

seus fornecedores e como essas empre-sas organizam a produção. É um traba-lho exploratório, mas que apresenta al-guns resultados gerais concretos, comoa maior influência das montadoras so-bre seus fornecedores, motivada portrês fatores levantados pela equipe. Oprimeiro está relacionado a uma carac-terística do mercado. As empresas deautopeças dependem das compras das

o PROJETO

Consórcio Modular e seus Impactosna Cadeia de Suprimentos daFábrica de Motores VW-São Carlos

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORALCEU GOMES ALVES FILHO -Departamento de Engenhariade Produção da UFSCar

INVESTIMENTOR$ 94.520,00

montadoras. Em 1999,apenas 19%do faturamen-to do setor de autopeçasveio do mercado de repo-sição, por exemplo. O se-gundo fator está relacio-nado à regulamentação domercado. A abertura eco-nômica e o Regime Auto-motivo, introduzidos nosanos 90 no Brasil, possi-bilitaram a importação depeças pelas montadoras.Ascompras internacionaisdo setor saltaram de US$708,2 milhões em 1989para US$ 3,64 milhõesem 1999 e um númeromaior de fornecedores in-

ternacionais instalou-se no Brasil pas-sando a seguir seus clientes principais.O terceiro fator está relacionado à pró-pria estratégia de produção das monta-doras, que em grande medida determi-na tanto o ritmo quanto a qualidade e atecnologia de seus fornecedores.

Para realizar suas análises, a equipeda UFSCar estudou todo o mercadobrasileiro, mas aproveitou-se da proxi-midade física para acompanhar deperto a relação entre a Fábrica de Mo-tores da Volkswagen instalada em 1996na cidade de São Carlos e dez de seusfornecedores de peças. Pôde observar,por exemplo, que a influência da mon-tadora está relacionada não apenas aospreços como também ao desenvolvi-mento tecnológico e ao processo pro-dutivo. "Mesmo os grandes fornecedo-res, que teoricamente relacionam-secom as montadoras de igual para igual,possuem suas estratégias comerciaisbastante atreladas às das montadoras",diz Alves Filho. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 79

• TECNOLOGIA

Detalhe do anel deproteção da turbinaque foi usinado nas

oficinas da Wotan

ENGENHARIA METALÚRGICA

Alto desempenhoEmpresas gaúchas produzemmáquinas de usinagempara indústria americana

TÂNIA MARQUES

para a produção dessas peças caiu de 67horas para apenas 20 horas, sem perdade qualidade. Os centros de usinagemforam vendidos para a GKN AerospaceChemtronics, de San Diego, no Estadoda Califórnia, que fornece a turbinapara a Rolls- Royce. O valor do negócio:US$ 2,5 milhões.

"Concorremos com empresas defornecedores de máquinas dos EstadosUnidos, Alemanha e Japão': diz NelsonBatista, diretor da Wotan. Com 2,8 me-tros de diâmetro, o anel de proteção da

Desde janeiro último, oBoeing 777, um dos jatosmais modernos da avia-ção comercial, embutetecnologia desenvolvida

no Brasil. Naquele mês, a Wotan, fabri-cante de máquinas operatrizes comsede em Gravataí (RS), embarcou paraos Estados Unidos dois centros de usi-nagem de alto desempenho concebidospara reduzir o tempo de fabricação doanel de proteção da turbina da aerona-ve. Com esse equipamento, o período

80 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

turbina impede que os componentes,por um problema mecânico qualquer,soltem-se e se desloquem, explica ele. Omotor de um avião gira a 10 mil rota-ções por minuto (rpm) e, a essa veloci-dade, se houver um problema e umapeça escapar, ela pode ir de encontro aocorpo do avião como um tiro.

Os centros de usinagem fornecidospela Wotan são únicos em sua catego-ria. Com oito eixos de movimento - opadrão da indústria é de no máximocinco -, têm capacidade para usinar 2,5

Equipamento ganhou software de controle mais eficiente

metros por minuto, a partir demúltiplos ângulos. E são enor-mes: têm 6 metros de largurapor 3,5 metros de altura, o queexigiu seis contêineres para oembarque. Mas é na inteligênciaque reside o seu diferencial. "Ocoração do sistema é o softwarede controle", comenta Batista."É ele que produz o processo:'O programa foi adaptado às ne-cessidades da Wotan pela SKA,de São Leopoldo (RS).

Mercado internacional - A his-tória do envolvimento da Wotancom o Brasil é singular. Funda-da em Leipzig, Alemanha, em1882, estabeleceu-se aqui em1975, tornando-se, três anos de-pois, a primeira fabricante demáquinas computadorizadas daAmérica Latina. A subsidiáriabrasileira acabou conquistandoum nível de sucesso nos negó-cios que superou o da matriz eé, hoje, a única unidade produ-tiva da companhia, em todo omundo. Em 1999, a Wotan tornou-seempresa de capital norte-americano, eseus escritórios centrais foram transfe-ridos para a cidade de Indianápolis, noEstado de Indiana. "Nossa base instala-da no país é de 1.400 máquinas", dizBatista. Nos Estados Unidos, o númeroé de aproximadamente 1.300, e na Ale-manha, de 800. No Brasil, a Wotan for-nece para a Embraer, montadoras deveículos automotores, Petrobras e parao setor siderúrgico.

Batista, que não revela o faturamen-to da Wotan, afirma que as exportaçõesrespondem por 30% da receita. "Nossameta é aumentar essa participação parapelo menos 40% até o fim deste ano",anuncia. Segundo ele, o fornecimentopara a GKN Aerospace Chemtronicsestá abrindo portas no mercado, parti-cularmente nos Estados Unidos. "Rece-bemos mais de 15 pedidos de cotação,inclusive da Marinha e do setor aeroes-pacial norte-americanos."

O projeto envolveu mais de 20 en-genheiros e técnicos, por cerca de dezmeses. A subsidiária brasileira da Wo-tan emprega 250 pessoas, das quais 230atuam em áreas técnicas ou de produ-ção. Boa parte dos profissionais que sededicaram ao equipamento fornecido

para a GKN acompanhou o desenvol-vimento do software, trabalhando coma SKA, que distribui ferramentas-pa-drão de Computer Assisted Design (CAD,projeto assistido por computador) eComputer Assisted Manufacturing (CAM,manufatura assistida por computador)e desenvolve aplicações de engenhariade projeto e manufatura com base ne-las. "Sem um bom software, não tería-mos como oferecer um ganho de pro-dutividade tão grande no processo, quefoi, ao lado do preço ofertado, o fatordeterminante para vencermos a con-corrência", afirma Batista.

Projetos personalizados - Altamenteespecializada, a SKA está acostumada adesenvolver programas em colaboraçãocom os clientes. "Dificilmente um pro-jeto se parece com outro, e ter doisiguais é quase impossível': diz SiegfriedKoelln, diretor da empresa, fundada porele em 1989. O trabalho para a Wotanutilizou a plataforma EdgeCAM, da bri-tânica Pathtrace, um dos líderes mun-diais no segmento de manufatura assis-tida por computador.

A maior dificuldade foi desenvolverum sistema de programação que, alémde dar conta de um número de variáveis

z

~ muito grande, acelerasse os mo-vimentos das máquinas para ga-rantir uma redução de mais de60% no tempo de usinagem,esclarece Koelln. O aumento dasvariáveis deve-se ao fato de oscentros de usinagem da Wotanterem oito eixos, o que significaque podem girar a partir de oi-to posições básicas para traba-lhar múltiplas faces do anel deproteção da turbina do Boeing.O resultado foi tão bom que aWotan agora planeja implantarum programa de treinamento eacompanhamento de projetosna área de CAM, com uma sériede cursos ministrados pela SKA.

Entre os clientes da softwa-re house estão, por exemplo, aMarcopolo, fabricante de car-rocerias para ônibus; a Siemens,gigante alemã com atuação nossegmentos de telecomunicações,energia, automação industrial eequipamentos médicos; e a Ara-cruz Celulose, para a qual a SKAdesenvolveu um programa es-

pecial para a digitalização do acervo dedocumentos técnicos.

A SKA registrou faturamento de R$6,5 milhões em 2001. A empresa, quenasceu como empreendimento de umhomem só, hoje tem 43 empregados,dos quais 22 se concentram na área téc-nica, fornecendo, além de desenvolvi-mento de projetos especiais, serviços deconsultoria, especificação, implantaçãoe treinamento. Koelln é membro da co-missão de implantação do Pólo de In-formática de São Leopoldo, vinculadoao Centro de Ciências Exatas e Tecno-lógicas da Universidade do Vale do Riodos Sinos (Unitec/Unisinos), que se tor-nou realidade em 1999. A SKA, que pordois anos operou no Parque Tecnológi-co da Unitec/Unisinos, transferiu-se pa-ra a sede própria em 2001.

O Pólo de São Leopoldo, que tam-bém tem uma incubadora de empreen-dimentos de base de tecnológica, estácriando um centro de excelência em en-genharia de software, o ESICenter Unisi-nos, para qualificar profissionais da áreade desenvolvimento de programas. Ainiciativa é uma aliança entre a Unisi-nos e o Instituto Europeu de Software(ESI), de Bilbao, na Espanha. Certa-mente, novos vôos estão a caminho. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 81

HUMANIDADES I CAPA

SOC I O LOG IA- PO LÍTI CA

o perfilpartidáriobrasileiroPesquisa revela que quadropartidário é consistentecom a composiçãosócio-ocupacional dasbancadas parlamentares

CLAUDIA IZIQUE

posição Social, analisou as ocupações eprofissões dos parlamentares das ban-cadas dos seis maiores partidos comrepresentação na Câmara dos Deputa-dos: PFL, PSDB, PMDB, PPB, PT e oPDT. "Para evitar perda de tempo comum debate não essencial para o estudo",justifica Martins Rodrigues, os parti-dos foram agrupados de acordo com asua orientação ideológica a partir decritérios comumente utilizados porgrande parte dos pesquisadores e pelamídia: PFL e PPB, à direita; PSDB ePMDB, no centro; e PT e PDT, à esquer-da. "Esperávamos encontrar, como defato aconteceu, proporção significativa-mente diferente de grupos ocupacionaisno interior das bancadas partidárias",afirma. Os dados revelaram que os par-tidos de direita tendem a recrutar seusrepresentantes nas camadas de rendamais alta, entre empresários e altos fun-

cionanos da administração pública;nos partidos de esquerda prevalecem osassalariados de classe média e professo-res, e os partidos de centro, apesar demais heterogêneos, são formados, prin-cipalmente, por profissionais liberais,executivos e diretores de empresa.

Engana-se quem pensa que o

quadro político-partidáriono Brasil é fragmentado efrágil, sem consistência ideo-lógica ou programática. Ao

contrário: ele tem contornos nítidos econgruentes com a sua representaçãoparlamentar. Uma radiografia da com-posição sócio-ocupacional dos mem-bros da atuallegislatura na Câmara dosDeputados (1999-2003), realizada porLeôncio Martins Rodrigues, com o apoioda FAPESP, demonstrou que os partidossão fortes, estruturados e bem enraiza-dos na sociedade. Prova disso é que naseleições de outubro de 1998 a origem eo status sócio-econômico do candidatotiveram peso na escolha da legenda.

A pesquisa, cujos resultados serãopublicados pela Editora da Universida-de de São Paulo (Edusp), em junho,com o título Partidos, Ideologia e Com-

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Sociologia política dos partidos - Mar-tins Rodrigues, que é professor do De-partamento de Ciência Política daUniversidade Estadual de Campinas(Unicamp), já tinha observado a con-sistência ideológica das bancadas naCâmara dos Deputados, em 1987, quan-do realizou uma análise sócio-políticados partidos e deputados que, na épo-ca, integraram a Assembléia NacionalConstituinte. Os resultados deste es-tudo estão publicados em Quem ÉQuem na Constituinte. Na pesquisa so-bre a atuallegislatura, a grande novi-

dade está na metodologia da coleta dedados. "No meu primeiro estudo, ospróprios parlamentares indicavam suasprofissões ou ocupações. Agora, ogrande trabalho de pesquisa foi locali-zar as ocupações e profissões dos depu-tados': ele conta.

As informações sobre os parlamen-tares dos partidos selecionados foramretiradas da publicação Deputados Bra-sileiros 1999-2003 - Repertório Biográ-fico, editado pela própria Câmara dosDeputados; do Dicionário de PolíticaBrasileira, da Fundação Getúlio Vargas;e de uma análise cuidadosa de 401 de-clarações de bens que os então candi-datos apresentaram aos Tribunais Re-gionaisEleitorais de seus Estados. "Essasinformações de patrimônio são públi-cas e acessíveis a quaisquer interessa-dos': ele ressalva. As ocupações/profis-sões foram, a partir daí, classificadas

pela carreira do parlamentar. "Fiz umaespécie de modelo para padronizar acoleta de dados. Há uma matriz de clas-sificação que me permitiu observar acongruência entre as informações dasvárias fontes. O principal critério foi aúltima profissão declarada antes de ocandidato entrar para a política, desdeque ele tivesse tido um exercício efeti-vo."Essepadrão de classificaçãopermi-tiu' por exemplo, identificar os parla-mentares recrutados na administraçãopública federal e estadual e os professo-res, duas categorias que geralmente nãoaparecem nas pesquisas e que, como eleconstatou, têm papel preponderante nacomposição das bancadas da Câmara.Essa metodologia de pesquisa provouser estratégica para a tarefa a que ele sepropunha. "Mais do que ciência políti-ca, eu queria fazer uma sociologia polí-tica dos partidos brasileiros:'

Pesquisa analisa os seismaiores partidos na Câmarados Deputados: PFL, PSDB, PMDB,PPB, PT e PDT

A análise sócio-ocupacio-nal das bancadas revelou operfil dos seismaiores partidospolíticos brasileiros. No PPB eno PFL, os empresários cons-tituem a categoria predomi-nante (68% e 61%, respecti-vamente). No PFL também éforte a presença de parlamen-tares recrutados na alta buro-cracia federal e estadual. Asduas legendas têm seus inte-grantes nas faixas patrimo-niais mais altas.

O perfil sócio-econômicodo PMDB é menos nítido. Afração de empresários é pre-dominante, mas não majori-tária, e a proporção de profis-sionais liberais, de deputadosque exerciam profissões inte-lectuais e de professores tam-bém é elevada. Por outro lado,a proporção de peemedebistasna faixa de alto patrimônio(16%), apesar de ocupar o ter-ceiro lugar entre os partidosanalisados, está muito distantedo PFL (29%) e PPB (22%)."Essa distribuição de forçasentre categorias sócio-ocupa-

cionais sugere, em comparação comoutros partidos, uma organização commais dificuldades para a definição deinteresses, manutenção da coesão ideo-lógica, da disciplina interna e com maisconflitos entre suas facções",avaliaMar-tins Rodrigues.

A composição social dominante noPSDB é formada pela intelectualidadede renda alta e setores empresariaispreponderantemente urbanos que,apesar de minoritários, têm papel im-portante na composição da bancada naCâmara dos Deputados. "Asparcelas daintelligentsia que, nesses últimos anos,ascenderam política,econômica e social-mente estão unidas a uma fração de clas-ses empresariais ilustradas", explica.Mas a facção intelectual é predominantee parece dar o tom ao partido, ressalva.

A intelectualidade também é a cate-goria sócio-ocupacional predominante

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 83

no PT. Nesse caso, ela aparececom uma fração importante,apesar de minoritária, das classespopulares, aqui definida comosendo formada por trabalhado-res, empregados não manuais elavradores. Praticamente nãohá empresário no conjunto dabancada do partido. "A compo-sição dominante estaria integra-da pela intelligentsia e por seto-res das classes trabalhadorasque ascenderam por intermédiodos sindicatos - geralmente dosmetalúrgicos - e empregadosnão manuais - geralmente ban-cários': afirma Martins Rodri-gues. A análise dessas categoriassociais, do ponto de vista dopatrimônio, sugere que a intel-ligentsia petista, diferentementeda tucana, tem origem nas ca-madas mais baixas e nas classesmédias relativamente cultas."Trata-se, portanto, de gruposcom marcada incongruência destatus antes da ascensão para aclasse política, o que explicariaa preferência por um partidode esquerda e a aliança com se-tores das classes trabalhadorasem ascensão': ele analisa.

A bancada do PDT é for-mada por poucos empresários.Nenhum de seus parlamentaresfoi recrutado nas classes trabalhadoras eum número inexpressivo é de ex-fun-cionários do setor público. A composi-ção social dominante é formada por umgrupo de profissionais liberais seguidode um pequeno grupo de empresáriosurbanos.

Um jogodelicadoPara Martins Rodrigues,as coligações não sãoaleatórias. Na maioriadas vezes são feitas entrepartidos com algumaafinidade ideológica

Principais profissões/ocupações agregadas por partido

Ocupações/profissões Direita Centro Esquerda Cámara dos

PFL PPB PMDB PSDB PDT PT Deputados

Empresários 68,4 60,9 46,9 38A 20 3A 43,5

Prof. liberais 18,3 22,9 28,9 31,3 52 25A 27,1

Setor público 15,0 23,8 22,9 19,3 12 3A 17,5

Magistério 6J 9,6 15,6 16,2 20 33,9 15,8

Total 60 105 83 99 25 59 513

Distribuição Interpartidária do Patrimônio

Baixo Médio-baixo Médio-alto AltoPartido N° patrimônio patrimônio patrimônio patrimônio

(. de R$ 200 mil) (de R$ 200 a R$ 500 mil) (de R$ 500 a R$ 2 milhões) (mais de R$ 2 milhões)

PT 51 80A 19,6

POT 22 40,9 31,8 9,1

PMOB 62 19,3 24,2 16,1

PSOB 84 20,2 30,9 35,7 13,1

PFL 70 12,8 24,3 34,3 28,6

PPB 51 9,8 23,5 45,1 21,6

Outros 61 31,1 31,1 23,0 14,8

Fonte: Declaração de Imposto de Renda- TREs

Lula, do PT, e Brizola, do PDT:aliança à esquerda

84 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

A avaliação dos níveis de escolari-dade dos parlamentares reforça a ca-racterização dos seis partidos. Pelo me-nos 82% dos deputados têm cursosuperior, dado que, na avaliação deMartins Rodrigues, indica que as pes-soas de baixa escolaridade têm poucas

chances de chegar à Câmara dos Depu-tados. Do total das bancadas analisadas,apenas 4% não completou o segundograu. "Os partidos mais à esquerda,comparativamente, têm mais parla-mentares com mestrado e/ou doutora-do completo do que os partidos de di-

A coligação entre o PSDBe o PFL elegeu, por doismandatos, o presidenteFernando Henrique Cardosoe seu vice, Marco Maciel

Distribuição dos blocos ideológicos nas regiõese na Câmara dos Deputados (todas as legendas)

Região TotalBlocos Centro- na Câmara

Norte Nordeste Sudeste Sul Oeste dos Deputados

Direita 41,S 41,1 33,S 31,2 31,7 36,1

Centro 41,S 41 40,2 41,S 53,7 42,1

Esquerda 17 17,9 26,3 27,3 14,6 21,8

100 100 100 100

Instrução por partido (%)

Instrução PPB PFL PMOB PSOB POT PT

10 grau incompleto a20 grau incompleto

1,7 2,9 2,4 2,0

10 5,7

Superior incompleto 3,3 5,7

68,3 79Superior completo

Mestrado ou

doutorado completos 6,7 4,8

Sem informação 10 1,9

reita', ele diz. O PT tem a maior por-centagem de deputados com pós-gra-duação e, contraditoriamente, o quetem a maior proporção de parlamenta-res com mais baixa escolaridade. ''A dis-crepância na formação dos parlamen-tares petistas pode ser explicada pela

o PPB de PauloMaluf "tentoupassar por cima dasvelhas elites"

4,0 8,5

6 5,1 4,0 3,4

patrimônio elevado, é o segundo parti-do, depois do PT, em porcentagem deparlamentares sem curso superior. Éinteressante registrar que, em todos osseis partidos, a proporção de deputadosformados em Direito é muito maior doque a dos que possuem outros diplo-mas de nível superior.

7,2 8,1 13,6

Renda e status - Os partidos tambémsão diferentes quando se leva em contao patrimônio declarado de seus parla-mentares. Martins Rodrigues analisoua declaração de bens de 401 dos 503 de-putados. "Não se trata de uma amostra,já que seis unidades da Federação fica-ram excluídas", adverte. Os dados, noentanto, sugerem tendências. Mais dametade dos 401 deputados está na faixade médio-baixo (de R$ 200 mil a me-nos de R$ 500 mil) e baixo patrimônio(menos de R$ 200 mil). Na faixa de altopatrimônio foram enquadrados 16%do total dos parlamentares. Tambémnesta análise ele observa que, conformese vai da direita para a esquerda do es-pectro ideológico, a porcentagem dedeputados nas faixas de valor patrimo-nial mais elevado tende a decrescer nointerior das bancadas. O PFL e PPB,que têm bancadas expressivas de em-presários, têm mais deputados nas fai-xas superiores de patrimônio.

Os partidos com menos empresários,observa, têm proporção mais baixa deparlamentares com patrimônio eleva-do, como o PMDB e o PSDB. E os par-tidos com insignificante representaçãoempresarial reúnem deputados com pa-trimônios mais baixos. "Sob esse enfo-que, e de modo caricatural, PFL e PPBseriam a 'classe alta' dos partidos; PMDB

71,2 71,7

9,6 11,1 12,0 13,6

3,6 2,0 4,0 5,1

o PMDB, de UlyssesGuimarães: um partidode centro, hoje detamanho médio

forte presença, por um lado, de profes-sores em sua bancada e, por outro lado,pelo número de trabalhadores manuaisqualificados e trabalhadores com baixaescolaridade", explica.

O PPB, que reúne a maior propor-ção de empresários e de deputados com

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 85

o PT avança no campo da esquerda,em detrimento do PDT; crescimentodo PSDB é forte e constante

e PSDB, a 'classe média'; e o PDT e o PT,a 'classe baixa' :' Ele ressalva, porém, que oPDT, sob o prisma patrimonial, está maispróximo do PSDB e PMDB do que doPT, o que sugere uma conceituação doPDT como centro-esquerda.

Martins Rodrigues também obser-vou que o montante do patrimônio dosdeputados tende a crescer com o tempode casa: 41% dos parlamentares combaixo patrimônio estavam na primeiralegislatura federal. No outro extremo,31% dos que tinham quatro ou mais le-gislaturas estavam na faixa de alto patri-mônio. "Há muitas indicações, emboranão oferecidas por esta pesquisa, deque a própria atividade política, mes-mo quando exercida segundo todos oscânones da respeitabilidade e decência,possibilita não apenas aumento do po-der, da influência e do status, mas tam-bém da renda e do patrimônio': ressalva.

Lutas políticas - O conjunto dos dadosanalisados mostra que os seis partidosnão são iguais entre si, não apenasquanto à ideologia, mas também quan-to aos segmentos sociais neles represen-tados. "Essa face sociológica permite di-

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zer que os conflitos partidários e as lutaspolíticas na Câmara dos Deputadostêm coeficiente elevado de correspon-dência com as composições sociais dospartidos."

artins Rodrigues, aolongo de todo o tra-balho, dialoga comautores brasileiros ebrasilianistas, ques-

tionando avaliações pessimistas queafirmam, por exemplo, que o sistemapartidário brasileiro é marcado pela in-disciplina, infidelidade partidária e porcoligações descabidas. Apóia-se empesquisas recentes para afirmar que ascoligações, por exemplo, não são alea-tórias. "Na maioria das vezes se fazementre partidos com alguma afinidadeideológica: partidos de direita entre si;partidos de direta com partidos de cen-tro-esquerda; partidos de esquerda en-tre si e partidos de esquerda com parti-dos de centro-esquerda:'

Na pesquisa, Martins Rodrigues,que é professor-titular aposentado deCiência Política da Universidade de SãoPaulo, foi mais longe: analisou a com-

posição socioeconômica das bancadasde todos os 18 partidos com represen-tação na Câmara dos Deputados, doponto de vista das regiões e Estadosque elas representam. "Há muitas dife-renças quanto aos níveis de moderni-zação das regiões do país e quanto àsconfigurações políticas regionais': jus-tifica. O pressuposto era de que, nas áreascom níveis mais baixos de moderniza-ção e desenvolvimento, as camadas altasrepresentam a parcela majoritária daclasse política. Mas a relação entre grausde modernização e composição da clas-se política local revelou-se mais com-plexa. Ele constatou, por exemplo, queo grupo empresarial tem mais peso noSul do que no Sudeste, embora essa re-gião seja mais desenvolvida e moderni-zada. "O fator determinante é a forçada cada partido na região e nos Esta-dos': afirma. E explica: se um segmen-to ocupacional é expressivo num parti-do, e o partido é forte na região, essesegmento ocupacional tenderá tam-bém a ser bastante representativo nabancada da região ou do Estado.

No Norte Novo, como ele qualificaa região formada pelos Estados do Acre,

No bloco da direita, o PFLparece estar vencendo oembate com o PPB

Roraima, Amapá, Rondônia e Tocantins,os empresários representam a metadeda bancada, seguidos de grupos forma-dos por ex-funcionários públicos. NoNorte Antigo, Amazonas e Pará, preva-lecem os empresários.

No Nordeste, apesar de matizes re-gionais, os empresários também cons-tituem o grupo de maior peso e é essaa região que tem participação mais ele-vada dessa categoria de ocupação naCâmara dos Deputados. No conjuntodas bancadas, não há nenhum deputa-do recrutado nas classes trabalhadoras.

Na região Sudeste, a bancada commaior proporção de empresários é a deMinas Gerais. Na representação mineiratambém chama a atenção o número dedeputados federais que foram diretoresde bancos estatais e o fato de a bancadanão contar com nenhum representantedas classes trabalhadoras. A bancada pau-lista é formada por 40% de empresáriose possui a maior proporção de deputa-dos professores. O Rio de Janeiro reúneo maior número de representantesegressos do setor público. No EspíritoSanto, as frações majoritárias são asdos empresários e profissionais liberais.

Nos Estados do Sul é baixa a pro-porção de parlamentares egressos dosetor público, e a bancada com maiorrepresentação de empresários { a doParaná. Em Santa Catarina, é expressi-vo o número de deputados que exer-ciam, antes do mandato, profissões li-

! berais tradicionais e, no Rio Grande doSul, o destaque é para o número de ex-professores. E no Centro-Oeste, quasea metade dos deputados são ou foramempresários.

O exame das diferenças regionaisnas composições socioeconômicas dasbancadas mostra um quadro complexoque, como ele diz, "não é diretamentededutível dos níveis de desenvolvimen-to econômico e da modernização 10-cais." Mas os níveis de desenvolvimentoeconômico e de modernização podemcontribuir, preservada a prudência,para a compreensão do desempenhodos partidos e blocos ideológicos nasdiferentes regiões. Os partidos mais àdireita tendem a obter melhores resul-tados nas regiões menos desenvolvidas,no caso o Norte e o Nordeste. E os par-tidos de centro e de esquerda tendem aconseguir melhores resultados nas re-

giões mais modernizadas, especialmen-te no Sudeste. "O aspecto que mais cha-ma a atenção, quando se focaliza a for-ça regional de cada partido, medidapela proporção de cadeiras obtidas emcada área, é a preponderância absolutado PFL no Norte e Nordeste. Dessas re-giões vieram 44% dos parlamentarespefelistas'; observa Martins Rodrigues.No Sudeste, o desequilíbrio na forçados partidos não é tão forte: PPB,PMDB, PSDB e PT têm, nas suas ban-cadas na Câmara dos Deputados, maisde 40% das cadeiras ocupadas por re-presentantes dessa região.

Metodologias - Martins Rodrigues ava-lia a dimensão da influência regional dospartidos políticos utilizando diferentesmetodologias, de forma a eliminar vie-ses de análises decorrentes do tamanhodas circunscrições e das diferenças naproporção dos deputados por região.Confirma a posição preponderante doPFL no Norte e Nordeste; do PSDB noSudeste e do PMDB no Sul, seguido deperto pelo PPB e PT. No Centro-Oeste,os melhores resultados ficaram com oPMDB e o PSDB.

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 87 J

Performance eleitoral - Martins Ro-drigues vai ainda mais longe: avaliacomparativamente o desempenho das !

seis legendas ao longo das três últimaseleições e dessa análise destaca aspectossignificativos. O PSDB e o PT foram osdois partidos que tiveram crescimentomais forte e constante. Também foiconstante, ainda que menor, o cresci-mento das bancadas do PFL na Câma-ra. Os dados registraram um pequenodeclínio do PPB e um forte e constantedeclínio do PMDB e PDT. "Vê-se que,coincidentemente, houve crescimentode cada uma das legendas de uma dastendências ideológicas - direita, centroe esquerda -, ou seja, do PFL, PSDB ePT. Os outros partidos desses mesmoscampos ideológicos perderam espaçoparlamentar': observa.

Os resultados sugerem que, na con-solidação do sistema partidário brasilei-ro, cada um dos três campos ideológicosameaça ser ocupado por um só partido.

88 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

o número de partidos na Câmarados Deputados deve cair, apesarda persistência dos pequenos

No bloco da direita, o PFL parece estarvencendo o embate com o PPB. "Am-bos são partidos formados majoritaria-mente por empresários. Mas o PPB dePaulo Maluf, em São Paulo, formadopor uma nova elite de empresários, ten-tou passar por cima das velhas elitescom tradição na atuação política e aca-

o PROJETO

bou por não ter uma implantação fortenas elites tradicionais': analisa. No blo-co da esquerda, ponto para o PT. "Opartido nasceu com uma base sindicalforte e hoje é uma espécie de democra-cia cristã da esquerda. Os militantesegressos dos pequenos partidos de es-querda também ajudam o PT a crescer.Já o PDT não teve base sindical. Hoje,há um processo de massificação e for-talecimento dos sindicatos e o PT foi ocanal de representação dessa categoria."

Na conclusão deste capítulo, arris-ca um prognóstico: consolidação doPMDB como partido de tamanho mé-dio; continuação do declínio do PDT;consolidação da supremacia do PFL nocampo da direita; ligeiro declínio doPPB; crescimento do PSDB; avanço doPT no campo da esquerda, em detri-mento do PDT.Acredita ainda na redu-ção do número de partidos efetivos naCâmara dos Deputados, apesar da per-sistência dos pequenos partidos. •

A Composição Social da Liderançade Seis Partidos Brasileiros

MODALIDADELinha regular de auxílioà pesquisa

COORDENADORLEÔNCIO MARTINS RODRIGUES -Centro de Ciências Humanase Sociais - Unicamp

INVESTIMENTOR$ 32.807,00

• HUMANIDADES

HISTÓRIA

A inusitada porçãoamericana da USpEstudo relata aimportância daFundação Rockefellerna canso Iidaçãodo modelo acadêmicobrasileiro

Háuma parte da históriada fundação da Uni-versidade de São Paulo(USP) e da consolida-ção do modelo acadê-

mico vigente no Brasil que até hojenão é conhecida pela maioria das pes-soas nem tampouco contemplada pelaliteratura oficial. Os livros clássicoscontam que a USP foi criada em 1934por decisão do então governador doEstado de São Paulo, Armando de Sal-les Oliveira, e teve como mentor inte-lectual Júlio Mesquita Filho, símboloda elite paulistana daquela época. Auniversidade congregou escolas já exis-tentes, como a Faculdade de Direito(criada em 1827), a Escola Politécnica(de 1891) e a Faculdade de Medicina(de 1912). A novidade era a criação daFaculdade de Filosofia, Ciências e Le-tras, que contava com ilustres e reno-mados profissionais trazidos da Fran-ça, Itália e Alemanha para dar aulas nanova instituição.

A atuação desses estrangeiros liga-dos às ciências humanas, sobretudo osfranceses, ficou marcada como funda-mental para a consolidação da pesquisaacadêmica brasileira. O que se ignora,é que, muito antes dos europeus, osnorte-americanos da Fundação Ro-ckefeller já haviam se associado à Fa-

John Rockfeller com sua mulher,Martha: riqueza vista como concessãodivina que deveria ser retribuída

culdade de Medicina de São Paulopara desenvolver ali uma escola, cujomodelo se tornaria referência mundiale se disseminaria para todas as outrasescolas do país. "A história diz apenasque a universidade foi criada baseadaem modelos franceses, que são real-mente os que regem as humanidades.Mas nas ciências biomédicas essa his-tória é diferente", explica a professoraMaria Gabriela Marinho, autora do li-vro Norte-americanos no Brasil - UmaHistória da Fundação Rockefeller naUniversidade de São Paulo (1934-1952)."Havia outro grupo importantedentro da universidade, diretamenteassociado à filantropia científica e quedeu outro sentido à ciência, que atéentão era vista como um ornamentoda elite brasileira."

Força poderosa - O livro de Maria Ga-briela é resultado de sua tese de douto-rado, defendida em 1999,na Faculdadede Filosofia, Letras e Ciências Huma-nas da USP. A FAPESPapoiou a publi-cação do estudo com financiamentode R$ 3,5 mil. A professora já estudoua atuação da Fundação Rockefeller noBrasil em sua tese de mestrado, de-fendida na Universidade Estadual deCampinas (Unicamp). "Na primeiraparte estudei a chegada da fundação

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 89

no Brasil e o início de sua atuação naFaculdade de Medicina", diz ela. "Nodoutorado, me concentrei em analisarcomo a atuação da Rockefel1erinfluen-ciou a formação da USP."

A professora explica que o papelda Rockefeller no Brasil não pode serignorado, pois foi uma força podero-sa que acelerou o desenvolvimento devárias áreas já contempladas com ini-ciativas locais, que se implementavamem ritmo muito lento. A entrada dosinvestimentos da fundação norte-americana deu ritmo a essas iniciati-vas e disseminou entre as elites do-minantes da época uma concepçãodiferente da ciência, como uma forçasocial incorporada às práticas públi-cas. ''A atuação da fundação é umavertente pouco estudada e extrema-mente importante do processo de ins-titucionalização da ciência no Brasil",diz a professora.

Filantropia - Para entender a dimen-são da participação dos norte-america-nos na formação do modelo acadê-mico brasileiro é preciso entender ofuncionamento da filantropia científi-ca promovida pela família Rockefeller.Proporcionalmente, a família pode serconsiderada a mais rica que já existiuno mundo até hoje. A fortuna que osRockefeller acumularam é superior àde BillGates, hoje em dia. Os negóciosda família eram ligados ao petróleo eàs minas de carvão, em um momentode afirmação do petróleo como com-bustível em todo o mundo.

A fundação existe oficialmente des-de 1913, mas suas primeiras ações fi-lantrópicas datam de 30 anos antesdisso. O magnata Iohn Rockefeller erabatista e, dentro de sua lógica protes-tante, entendia a riqueza como umaconcessão divina que ele deveria retri-buir sendo caridoso. No início do sé-culo 19,as ações do magnata ainda nãoassumiam grandes proporções. À me-dida que sua fortuna foi crescendo, asdoações cresceram proporcionalmen-te. Perto do final do século, Rockefellerconvocou um ministro da Igreja Batis-ta para tornar o seu empreendimentofilantrópico empresarial.

A primeira grande ação da já insti-tucionalizada Fundação Rockefellerfoi destinar recursos para a criação daUniversidade de Chicago. Durante 30

90 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

fronteira para a doença e se não hou-vesse uma ação em todo o continente,as enfermidades poderiam sempre vol-tar. Começaram a ser organizadas, en-tão, comissões que saíam em missõespelo mundo para identificar institui-ções que passariam a ser apoiadas porrecursos da fundação para montar gru-pos de pesquisa que atuassem dentrode áreas que elesjulgassem prioritárias.

Uma dessas comissões chegou aoBrasil em 1915. "Em São Paulo, osamericanos se depararam com umserviço sanitário modelo", explica Ma-ria Gabriela. "Em razão das doençasque começaram a aparecer nas lavou-ras e nos portos, as elites paulistas jáestavam se mobilizando para reorga-nizar o serviço sanitário do Estado." Acomissão da Rockefeller encontrouuma base muito favorável na capitalpaulista, que vinha ao encontro desuas perspectivas de criar escolas quepudessem virar referência mundial.

anos, a fundação manteve o financia-mento da universidade. Nesse perío-do, os Rockefeller ainda financiaramvárias ações isoladas, como pesquisasmédicas e um grande programa decombate a um surto de amarelão nosul dos Estados Unidos. Essa campa-nha foi um sucesso e contribuiu paraassociar o nome da fundação às ques-tões da saúde pública. O pensamentoque marcou a atuação da Rockefellernessa área era o de que doença e po-breza estavam intimamente relacio-nadas, embora se acreditasse que adoença era a causa da pobreza e não ocontrário. A fundação defendia quepara se ter uma sociedade prósperaera preciso combater a enfermidade.

Ação continental - Até 1913, as açõesda fundação ficaram restritas aos Esta-dos Unidos, mas, a partir da década de10, os especialistas que combatiam asendemias perceberam que não havia

A pesquisadora explica que haviano Brasil, naquele momento, três es-colas médicas: a de Salvador, criada em1808, logo depois que a Corte portu-'guesa se transferiu para o país; a doRio de Janeiro, fundada em 1812,quando a família real se mudou paralá; e a de São Paulo, fundada um anoantes da chegada da comissão. Asduas primeiras seguiam influênciasfrancesas, cuja tradição era clínica -trabalhavam, sobretudo, com os sin-tomas. Os investimentos em pesqui-sas e exames pré-clínicos eram partede uma tradição desenvolvida muitomais rapidamente nos Estados Uni-dos e característica da Alemanha. As-sim, a escola de São Paulo, que estavainiciando suas atividades, era a únicaalternativa para desenvolver esse tra-balho voltado para a prevenção.

Os acordos da fundação com a Fa-culdade de Medicina começaram nessemomento. No início, os investimentos

Faculdadede SaúdePública, emSão Paulo:apoionorte-americano

foram dirigidos para a criação de umdepartamento de higiene, que depois setransformou em instituto e, mais tarde,na Faculdade de Saúde Pública. Todo ocomplexo de prédios situados na Ave-nida Doutor Arnaldo, em São Paulo,inclusive o Hospital das Clínicas, foiconstruído com recursos da fundação.

o PROJETO

Norte-americanos no Brasil -Uma História da FundaçãoRockefeller na Universidadede São Paulo (1934-1952)

MODALIDADEAuxílio-publicação

PESQUISADORAMARÍUA GABRIELA S. M. C. MARINHO

INVESTIMENTOR$ 3.513,00

Paralelamente, dentro da própriaescola começaram as negociações parareformular a estrutura acadêmica. Ocurrículo também foi modificado, asdisciplinas pré-clínicas ganharam maisênfase. O número de alunos foi restrin-gido a 50 por ingresso e os professorestiveram, obrigatoriamente, de se dedi-car em tempo integral às disciplinas,tornando-se pesquisadores. Essas ino-vações faziam parte das condições quea fundação impunha em contraparti-da aos seus investimentos. Os recursosinvestidos na Faculdade de Medicinachegaram, na época, a US$ 1 milhão."Além desse dinheiro, eles destinarammais US$ 4 milhões só para o combateda febre amarela': revela a pesquisadoraMaria Gabriela.

Franceses - Quando a Universidadede São Paulo foi criada, em 1934, amissão da Fundação Rockefeller já es-tava no fim. "Mas o modelo norte-americano permaneceu forte dentro damedicina e depois terminou por se dis-seminar para outras áreas", afirma."Enquanto os franceses produziamacadêmica e filosoficamente, existiaminterlocutores dos norte-americanosque atuavam no conselho universitá-rio, movimentando a máquina da uni-versidade e modelando efetivamente asua estrutura. Boa parte da política deimplantação e consolidação da USP écontrolada por essas pessoas."

A presença francesa na consolida-ção da USP, segundo o estudo da pro-fessora, é muito mais marcada comoum evento. "Três anos depois da chega-da deles à Faculdade de Filosofia, a ins-tituição entrou em crise. A moda pas-sou e vários dos nomes que foramtrazidos para a fundação da escola fo-ram embora': explica Maria Gabriela.

"Só com o pós-guerra, a partir de1945, a presença norte-americana pas-sou a ser reconhecida. A lógica que vaiser dominante a partir dos anos 50 e 60- e que permanece até hoje - é exata-mente a trazida por eles", diz. "Aquelaidéia do 'saber desinteressado' acaba e abusca passa a ser pela excelência cientí-fica, que vai estar associada a ganhos deprodutividade e a uma outra racionali-dade, por sua vez, associada diretamen-te ao pragmatismo da sociedade norte-americana", conclui Maria GabrielaMarinho. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 91

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• HUMANIDADES

ARTE

A festavisual dobarrocoLivro reúneestudos, comfartas imagens,sobre as raízes daestética colonial

Umprojeto de 14anos - envolven-do viagens, cursos,pesquisa de campo,documentação fo-

tográfica e ciclos de palestras dosprincipais especialistas brasilei-ros em barroco - está por trás dolivro Barroco Memória Viva, orga-nizado por Percival Tirapeli, profes-sor do Instituto de Artes da Universi-dade Estadual Paulista (Unesp). Nocentro do livro estão as igrejas, que de-sempenharam o papel de núcleos dedifusão da cultura e da arte coloniaisbrasileiras.

''A organização dos capítulos sugereum dia festivo religioso, com todas aspossibilidades e uso dos sentidos queenvolvem a estética barroca", diz Tira-peli. Assim, os primeiros dos 18 artigosapresentam e discutem as cidades co-loniais e sua arquitetura; em seguida,os textos mergulham no interior dostemplos, para depois examinar outrasformas de expressão, como a música e aliteratura, e também as implicaçõesmais amplas da estética barroca, refleti-das na política e na teologia. O temarendeu o livro e um CD-ROM, amboscom apoio da FAPESP.

92 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

Um tratamento tão íntimo doassunto foi possível graças ao projetoBarroco Memória Viva, sob responsabi-lidade de Tirapeli desde que ele mesmoo criou em fins dos anos 80. A idéia es-sencial do projeto é promover viagensculturais a cidades que abrigam monu-mentos históricos, para estudá-los inloco. As viagens do Barrroco MemóriaViva, que em 1990 foi oficializadocomocurso de extensão universitária e em1994 tornou-se projeto permanente dareitoria da Unesp, são precedidas deum ciclo de palestras realizado em São .Paulo. Participam das viagens professo-res, alunos e funcionários da Unesp epesquisadores de outras universida-des, que preenchem cerca de 40 va-gas, a cada ano mais disputadas.

Os textos do livro Arte Sacra Co-lonial se originam das palestras doprojeto. Tirapeli começou a procu-rar patrocínio para publicá-Ias emlivro há quatro anos. Os textos fo-ram revistos e reestruturados, numtrabalho de atualização e adequa-

ção ao formato impresso. Entreos autores estão nomes comoJoão Adolfo Hansen, BeneditoLima de Toledo,Wolfgang Pfeif-fer e Régis Duprat, além do pró-prio Tirapeli. A idéia de publica-

ção encontrou boa receptividadenas inscrições para as leis de incentivo(como as leis Mendonça e Rouanet),mas nem tanto por parte de potenciaispatrocinadores. Finalmente a própriaeditora da Unesp se interessou em ban-car o projeto. A Imprensa Oficial encar-regou-se da impressão e do papel.

Senhor Morto,do século 18,em Sorocaba,São Paulo: fimda idéia erradade um barroco"caipira"

Século dobradu- Ao analisar a organi-zação preliminar do acervo de textos, ospareceristas da editora da Unesp suge-riram que o enfoque do livro fosse di-recionado para as manifestações barro-cas no Estado de São Paulo. "O própriotítulo é amplo e não delimita", observaTirapeli, destacando o caráter abrangen-te do livro. "Mas se trata essencialmen-te de arte sacra colonial paulista', afirmao pesquisador.

Esse aspecto específico, mas não li-mitador, da obra é uma de suas caracte-rísticas mais interessantes. Como o bar-roco foi a estética dos séculos 17e 18 ("oséculo do barroco no Brasil tem 200anos", brinca Tirapeli), coincide com operíodo em que o Estado de São Paulo

~--,

desempenhava papeleconômico, social epolítico secundário emrelação às regiões mais im-portantes do país (Estados doNordeste e Minas Gerais). A rela-tiva pobreza das manifestações ar-tísticas coloniais paulistas criou um es-tigma. Como Tirapeli observa, "São Paulotem vasta bibliografia de sua arte colo-nial- o que faltava era essa apresentaçãocom o status de arte barroca ou rococócomo as do Nordeste e Minas Gerais':

Entre outros objetivos, o livro preten-de, segundo seu organizador, desfazerequívocos que levaram alguns estudiososa subestimar a produção artística pau-lista com rótulos como "barroco caipi-ra" Se, de fato, não há nas cidades colo-niais paulistas igrejas suntuosas como asmineiras ou baianas, no Estado se desen-volveram alguns veios genuínos da pro-dução escultórica e pictórica colonial.Tirapeli chama atenção para o nome deJoão Gonçalo Fernandes - "portuguêsque fugiu para o Brasil por causa de umcrime'le se radicou em São Vicente, nolitoral paulista -, autor das três primei-ras imagens de barro cozido produzidasno país, ~,or volta de 1560. Além disso,o professor destaca as pinturas de tetosde igrejas paulistas, "muito pouco co-nhecidas". Algumas das mais belas ilus-trações presentes no livro de Tirapeli

são fotos desses tetos, de igrejas deMogi das Cruzes, Itu e São Roque, en-tre outras.

Ainda sobre o barroco paulista, Ti-rapeli observa a importância que asconstruções coloniais do Estado, comtoda sua sobriedade e aparente modés-tia, desempenha no estudo da arquite-tura jesuítica brasileira empreendidopor Lúcio Costa, cujo centenário denascimento está sendo comemoradoatualmente. A pesquisa do arquiteto eurbanista é uma das obras-chave notrabalho de recuperação e organizaçãodo legado barroco que foi empreendi-do por artistas e intelectuais dos maisvariados meios, entre os anos 20 e 40do século 20.

Ostracismo - Foi exatamente em 1924,com a excursão dos modernistas de SãoPaulo às cidades históricas de Minas(tema de um dos capítulos do livro),que \arte barroca brasileira saiu de um

Espírito Santo,século 17, emAraçariguana,São Paulo:um barrocointernacional,mas com saborlocal

o

!

ostracismo de maisde cem anos, durante

os quais representou oexemplo máximo de mau

gosto. No período de pre-dominância do neoclassicismo

na arquitetura, que opunha pu-reza geométrica e cromática ao rebus-camento de formas do barroco, fachadasentalhadas de algumas igrejas chega-ram a ser cobertas de branco e telhadosforam cercados com platibandas, comoa "cobrir vergonhas': nas palavras deTirapeli.

Tendo Mário de Andrade à frente,iniciou-se na terceira década do séculopassado um amplo e profundo movi-mento de reconstrução do passado ar-tístico brasileiro, ironicamente sob ins-piração do futurismo e da procura deuma expressão genuína nacional. Esti-mulados por essa inquietação, pensa-dores fundamentais da cultura brasileira,como Manuel Bandeira, Gilberto Freyree Lúcio Costa, arregaçaram as mangaspara tirar do esquecimento (e da imi-nência de extinção) a arte produzida noBrasil colônia. Momento fundamentaldessa movimentação intelectual foi afundação, em 1937, do Instituto do Pa-trimônio Histórico e Artístico Nacio-nal (Iphan), pelo ministro Gustavo Ca-panema. O projeto do Iphan, "umaverdadeira universidade", segundo Ti-

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 93

rapeli, foi encomendado por Capane-ma a Mário de Andrade.

Rei ausente - A arte colonial assumiu,então, uma proeminência quase natu-ral 1).0 panorama histórico, na medidaem que muitos estudiosos consideramo barroco a tradução estética da almabrasileira, pelo que tem de opulento e ,intenso. O período de vigência do bar-roco coincide no Brasil com a ausênciado rei, que exerce a função de chefe deigreja. O padre era não só a autoridademoral, mas também um funcionáriopúblico, diz Tirapeli. É uma época am-bígua, em que as fronteiras do religiosoe do secular, do público e do privadosão bastante flexíveis.

Tirapeli acredita que a principal he-rança desse tempo é a tolerância do bra-sileiro, seja a que permite conviver comas diferenças, seja a que faz vista grossaà corrupção. "Nasceu daí um espíritode busca, mas que sabe que nunca vaiachar o fim': diz o professor. "Ele dá atodos a liberdade de completar as re-gras, adaptá-Ias e floreá-Ias."

O fato de ter se enraizado tão pro-fundamente na cultura brasileira nãosignifica que o barroco local tenha gera-

94 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

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Isso decorre da fartura, no Brasil, decertos materiais de talha, como madeirae ouro, e da escassez de outros, como omármore. A oposição entre o interior eo exterior dos templos corresponde auma das principais características dobarroco, o jogo de contrastes, presente,por exemplo, no claro-escuro das pin-turas que decoram as igrejas.

Detalhe do azulejo que decora o claustro da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, em Salvador

do características próprias. "Ele já nas-ce sendo o primeiro estilo internacional,como palavra de ordem no Concílio deTrento (1545)': diz Tirapeli, mencio-nando o vínculo fundamental entre osurgimento do barroco e as diretrizes daContra-Reforma, a reação violenta efe-tivada pela Igreja Católica ao movimen-to protestante liderado por MartinhoLutero. ''A estética é a mesma, mostradacom maior ou menor esplendor': acres-centa o professor.

Tirapeli admite, no entanto, queexiste um traço distintivo no barrocobrasileiro: "A simplicidade externa dasconstruções em contraste com a com-plexidade dos ornamentos internos".

o PROJETO

Turismo - Com a autoridade de quemconhece de perto o objeto de seu estu-do, Tirapeli, que aos 14 anos já cuidavade um pequeno museu no seminário emque estudava no interior de São Paulo,faz uma avaliação positiva dos atuaisesforços de preservação do patrimôniohistórico brasileiro. O professor - autortambém dos livros As Mais Belas Igrejasdo Brasil e Patrimônio da Humanidadedo Brasil, e que prepara agora para aeditora da Unesp um volume sobre to-das as igrejas coloniais paulistas - per-cebe o surgimento de "um sentido dehistória" na população, criando pres-sões sobre o poder público para que sepreservem os monumentos históricos.Além disso, acrescenta, "todos estãovendo que o turismo é um grande ne-gócio': afirma o pesquisador. •

Barroco Memória Viva

MODALIDADEAuxílio publicação

PESQUISADORPERCIVAL TiRAPELI - Instítuto deArtes da Unesp

INVESTIMENTOR$ 6.000,00

RESENHA

Revisitando Canudos, cem anos depoisNova edição de Os Sertões ajuda a percorrer o universo euclidiano

REGINA ZILBERMAN Euchdes da Cunha

Em 2002, comemora-seo centenário de Os Ser-tões, livro com que Eu-

clides da Cunha estreou naliteratura brasileira, redigidoapós ter acompanhado os úl-timos combates travados nasproximidades de Belo Monte,cenário da guerra. A obra,que trata da "Campanha deCanudos", conforme o sub-título, constituiu, desde o lançamento, notável sucessoeditorial, de modo que Euclides pôde acompanharem vida (que terminou tragicamente em 1909, assas-sinado pelo amante de sua mulher) o lançamento demais duas edições e deixar anotado um volume queseria a base da impressão subseqüente.

Da importância de Os Sertões fala o impactoprovocado pela obra desde seu aparecimento, ma-téria de discussão sob vários ângulos, desde o geo-lógico e antropológico até o político e estético, mo-tivados por posições de admiração, de um lado, econtestação, de outro. Se, de uma parte, algumas desuas teses, com o tempo, mostraram-se insustentá-veis, de outra, a grandiosidade de sua visão determi-nou o aparecimento de adeptos dentro e fora denosso país, de que é exemplo A Guerra do Fim doMundo, de Mario Vargas Llosa.

Os Sertões não constituiu nem o único, nem oprimeiro texto a tratar do genocídio resultante dochoque entre o Exército nacional, paladino do idealrepublicano na época recentemente implantado - aRepública nascera em 1889, e os embates no interior daBahia eclodiram em 1896 -, e os liderados de AntônioConselheiro. Euclides da Cunha foi precedido por simesmo, pois, em 1897, enviou, desde as trincheirasda guerra, reportagens, publicadas na imprensa, nar-rando os eventos do dia. No mesmo ano, contudo,crônicas de Machado de Assis, Olavo Bilac e AfonsoArinos manifestavam os posicionamentos - diver-gentes entre si - de seus autores, caracterizando omodo controverso com que o conflito revelava-se àopinião pública.

Talvez, porém, nenhum desses textos, incluindo-seo curioso romance de Afonso Arinos, Os Jagunços, de1898, favorável aos revoltosos, despertasse a atenção e o

---_ ..•.•..leop<)ldoM.B." •••c<i

936 páginasI R$ 64,00=

Os Sertões interesse do leitor, não fosse oEuclides da Cunha trabalho minucioso, polêmico

e emocionante de Euclides daCunha. Obra que não se en-quadra nos gêneros literáriosconhecidos, constitui desdeseu aparecimento referênciaobrigatória e indispensável atodos os que desejam enten-der o Brasil do passado e dopresente, nação de confrontosentre poderosos e humildes,proprietários e despossuídos,

donos da verdade e crentes.Se a passagem do tempo não deixa de reafirmar a

importância de uma obra como Os Sertões, na mesmaproporção crescem os problemas de relacionamentocom o texto escrito.

Os Sertões não constitui livro de fácil leitura. Es-truturado em três partes - A Terra, O Homem, A Luta-, impõe ao leitor, desde o começo, descrições minu-ciosas e plenas de observações técnicas sobre o espaçoonde se estabeleceu a colônia de Canudos, espaçoeste viséeralmente oposto à noção de natureza exu-berante e fértillegada pela tradição romântica: a ter-ra, árida e seca, repele o visitante, não se entrega à ci-vilização, não promete nada. Na mesma medida, otexto de Euclides apresenta-se retorcido como o ce-nário, a travessia é árdua, e o resultado, não necessa-riamente bem-sucedido. O fascínio da prosa do es-critor não advém de sua maleabilidade, mas dosdesafios que se colocam a cada passo.

Ao exame da local, segue-se o estudo sobre o serhumano, gerado, de uma parte, pela história da ocu-pação desse teritório, de outra, pelo tipo de misci-genação étnica que ali se estabeleceu, dada a separaçãoentre esse universo e o Brasil do litoral, aclimatado àcivilização e voltado ao progresso. Euclides, impreg-nado pelas teorias raciais do oitocentos, expressapreconceitos hoje inadmissíveis, expostos, contudo,de modo apaixonado, dado o empenho em oferecerexplicações para as contradições sociais que sua gera-ção, formada no Positivismo, não conseguia en-tender. O paradigma antropológico parece-lhe,contudo, bastante útil, pois, calcado nele, Euclidesinterpreta o aparecimento de figuras como AntônioConselheiro, segundo ele uma excrescência justifi-cada pelas condições particulares daquela região.

Edição, prefácio,cronologia e índicesde Leopoldo M.Bernucci

Imprensa Oficial,Arquivo do Estado deSão Paulo e AteliêEditorial

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 95

.RESENHA

A parte mais substancial do livro é dedicada ànarrativa da luta, historiando as razões que leva-ram ao conflito armado, com ênfase nas quatro expe-dições que tentaram, até que conseguiram, subme-ter os indomados adeptos do Conselheiro. Euclidesdetém-se especialmente nas duas últimas expedi-ções, destacando tanto o trágico destino de Morei-ra César e seus comandados quanto o melancólicoêxito dos vencedores, que encontram, entre os últi-mos defensores da cidadela, ve-lhos e crianças.

Se o aparato científico domi-na o texto inicial, a emoção nutrea parte final. Euclides entrega-seà admiração e elogio dos vencidos,gente que, primeiramente subes-timada pelo escritor, foi capaz deconquistar o respeito desse, quepassa a destacar a bravura e pers-picácia dos militantes da causaconselheirista. O trabalho estilísti-co não fenece, mas a subjetivida-de do autor emerge, contradizen-do o partidarismo do começo eas teorias de base. Muito da gran-deza de Os Sertões advém daí, car-regando o leitor consigo,que, cadavez mais com a passagem do tem-po, torna-se simpatizante da cau-sa popular ali exposta.

A grandiosidade do projeto e os requintes da lin-guagem caminham juntos, responsabilizando-se pe-las dificuldadesda travessiade Os Sertões,minirnizada,porém, pelo tratamento do tema e a originalidade daperspectiva. Não bastasse aquele problema, a leiturade Os Sertões pode ser prejudicada se não for escolhi-da, pelo leitor, uma edição adequada.

O problema nasceu com a própria obra, que Eu-clides aprontou em 1901e levou à. Editora Laemmert,com o fito de publicá-Ia. Conseguiu que seu projetofosse aceito, desde que arcasse com parte dos custos;mas não conseguiu que o livro lançado aparecessesem erros. Procurou corrigi-los, mas, dado o sucessode vendas, viu-se obrigado a acelerar a publicação dasegunda edição. Mesmo a terceira edição sofreu alte-rações, que o autor consignou, mas que não viu se-rem inseridas ao texto, dada a morte prematura.

Edições subseqüentes procuraram sanar o proble-ma, calcadas no volume corrigido deixado por Eucli-des, cuja cópia se encontra na Academia Brasileira deLetras. Walnice Galvão, baseada nesse material e nasversões anteriores, produziu exemplar edição crítica,em que fixa o texto conforme a vontade do autor, co-tejando-o às impressões anteriores.

A edição, sob a responsabilidade de LeopoldoM. Bernucci, agora lançada pela Imprensa Oficial,Arquivo do Estado de São Paulo e Ateliê Editorial,depara-se e soluciona problemas similares. O orga-nizador procura, primeiramente, resolver questões

" Bernucciintroduz algumas

inovaçõespara além

dos adendos quecostumam

acompanhara obra de Euclides

da Cunha"

96 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

textuais, baseando seu trabalho no "exemplar ano-tado da terceira edição, corrigido por Euclides daCunha". Logo, também este brasilianista, atuandopresentemente na Universidade do Texas, em Aus-tin, nos Estados Unidos, busca respeitar a vontadedo escritor, elegendo como fonte não as edições emcirculação, mas a que resultou da operosidade doautor, perfeccionista da primeira à última linha, eaté o fim de seus dias, de Os Sertões.

Bernucci, contudo, não dese-ja produzir uma versão acadê-mica do livro de Euclides. Pelocontrário, declara ser seu objeti-vo propor uma "edição prática e[...] auto-suficiente", razão pelaqual introduz algumas inova-ções, para além dos adendosque costumam acompanhar OsSertões. Assim, se, por uma par-te, não deixa de elaborar um es-tudo introdutório, interpretan-do a obra euclidiana, e inseriruma cronologia da vida do es-critor, acrescenta grande núme-ro de notas de rodapé, explicandopalavras de difícil entendimen-to, oferecendo dados históricose opinando. Além disso, anexa,além do índice remissivo, usualem obras dessa natureza, um

índice onomástico bastante completo, explicitandoquem são as pessoas citadas por Euclides, ao longode Os Sertões.

A ousadia de Bernucci situa-se na proposta deentretítulos no interior de cada capítulo, visando co-laborar com o acompanhamento da obra. Como sesabe, a primeira edição de Os Sertões não apresenta-va, no começo de cada seção, o conteúdo de cada ca-pítulo, na qualidade de sumário da leitura por vir.Leopoldo Bernucci inova: sem deixar de reproduziresses sumários, com pequenas alterações, introduzentretítulos que esclarecem o conteúdo dos frag-mentos encabeçados por eles.O organizador respon-sabiliza-se pela novidade, atribuindo-a ao objetivogeral da produção do livro, o de ajudar o leitor a per-correr o universo grandioso inaugurado por Euclidesda Cunha.

O resultado é uma publicação de excelente nível,endereçada não apenas aos estudiosos e conhecedo-res da obra de Euclides da Cunha, mas aos iniciantes,que poderão dispor de um guia confiável e generosopara se adentrarem no mundo original dos comba-tentes em Canudos.

REGINA ZILBERMAN, doutora em Letras, é professora deTeoria da Literatura no Programa de Pós-Graduaçãoem Letras da PUC-RS.

LIVROS

A República Mundialdas LetrasEditora Estação LiberdadePascale Casanova440 páginas / R$ 39,00

A pesquisadora e crítica literáriafrancesa Pascale Casanovaanalisa a literatura sob o prismadas desigualdades. Ou seja: comosão as relações entre dominadose dominantes e como se dá

a quebra da hierarquias literárias? Para ela, os reaiscriadores do progresso das letras são os autoresconsiderados "marginais" (Kafka, Ioyce, Becket,Faulkner e o nosso Mário de Andrade, em Macunaíma,entre outros), pelo seu caráter subversivo. Pascaleescolheu uma bela gama de escritores para mostrarcomo se dá a luta contra todos os imobilismos literários.

Panorama do Rio VermelhoNankin EditorialIná Camargo Costa175 páginas / R$ 24,90

Crítica Marxista2001 - volume 13Entre os artigos desta nova ediçãoda revista editada por ArmandoBoito e Caio Navarro de Toledo,uma análise de um texto inéditode Lukács, o Chvostimus undDialetik, de 1925, de que NicolasTertulian revela o desprezodo filósofo pelo marxismo vulgar.Adriano Codato e Renato

Perissinotto descrevem as "obras históricas de Marx",para mostrar de que forma ele propõe uma concepçãode Estado que leva em conta a dinâmica internado sistema. Atilio Borón questiona se o marxismo aindatem algo a oferecer à filosofia política diante dasinúmeras revisões pelas quais essa ideologiavem passando desde o chamado "fim das utopias".

Educação e Sociedade2001 - número 77Cedes

O número de dezembro da revistaquadrimestral do Centro de Estudosda Educação e Sociedade (Cedes)traz os seguintes artigos:O Cosmopolitismo de Cócoras,de José Luiz Fiori; ReestruturaçãoProdutiva no Brasil: Um Balanço

Crítico da Produção Bibliográfica, de Paio Sérgio Tumolo;Casemiro dos Reis Filho e a Educação Brasileira,de Dermeval Saviani; A Descentralização como Eixodas Reformas do Ensino: Uma Discussão da Literatura,de Angela Maria Martins; A Produção do Conhecimentosobre a Política Educacional no Brasil, de Ianete Maria Linsde Azevedo e Márcia Angela Aguiar, entre outros.

Ciência e Educação2001 - volume 7

Entre os textos desta publicação,que traz em seu último número umtotal de nove artigos, uma discussãosobre como fazer para conseguiruma visão não deformada do trabalhocientífico, com dicas paraos docentes. No mesmo sentido,um texto de Leonor de Cudmani

avalia as influências das discussões contemporâneassobre o grau de verdade do conhecimentocientífico. Em Modelos Mentais e Metáforasna Resolução de Problemas Patemáticos Verbais,o tema é a problemática do ensino da matemática.

CIÊ~CIA &Em 'CAÇÃO

Este estudo foi originalmente umatese de livre docência, apresentadano Departamente de Teoria Literáriada FFLCH/USP. São ensaios semordem cronológica e também, comodiz a autora, cuja bibliografia nãoimplicou sair de São Paulo, que,

na contramão da história oficial, revela o desenvolvimentodo teatro norte-americano dos anos 50 e 60 comosendo uma dramaturgia essecialmente política.Uma visão inusitada e pouco conhecida desse teatro.

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PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2002 • 97

Educação para a Ciência:Curso para Treinamentoem Centros e Museusde CiênciaSilverio Crestana, Ernst Hamburger,Dima M. Silva, Sérgio MascarenhasLivraria da Física678 páginas / R$ 50,00

O livro é uma súmula de todos osprogramas de divulgação científica

em museus de ciência. São 81 artigos escritos por 131especialistas nacionais e estrangeiros que participaramde um workshop da Estação Ciência, em junho de 2000.Cada um deles discute pontos importantes que foramdesenvolvidos por esses programas, analisando conceitoscomo educação não-formal, divulgação científica,museus interativos, a relação entre ciência e artee os usos da Internet para aprendizagem, entre outros.

LAERTE

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st;M NeC6CS:SU~J)E" DeEX~éJO FtStCO

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98 • MAIO DE 2002 • PESQUISA FAPESP

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