as palavras

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As palavras- Jean Paul Sartre As palavras, obra publicada em 1964, é a única narrativa autobiográfica de Jean-Paul Sartre. A história cobre a sua infância dos 4 aos 11 anos e encontra-se dividida em duas partes: « Ler » e « Escrever ». Numa retrospectiva do passado Sartre explica o ambiente em que nasceu e cresceu, por vezes em tom acusatório. Relata o seu contacto com os livros desde tenra idade e dá-nos a conhecer as suas dúvidas existências, que já se manifestavam desde os seus sete anos. Além disso dá a conhecer as suas motivações para a escrita bem como as etapas que percorreu como escritor. Excerto: “Comecei a minha vida como hei-de acabá-la, sem dúvida: no meio dos livros. No escritório de meu avô havia-os por toda a parte; era proibido espaná-los, excepto uma vez por ano, antes do reinício das aulas em Outubro. Ainda eu não sabia ler e já reverenciava essas pedras erigidas: em pé ou inclinadas, apertadas como tijolos nas prateleiras da biblioteca ou nobremente espacejadas em áleas de menires, eu sentia que a prosperidade da nossa família dependia delas.(…) Anne-Marie fez-me sentar à sua frente, na minha cadeirinha; inclinou-se, baixou as pálpebras, adormeceu. Daquele rosto de estátua saiu uma voz de gesso. Perdi a cabeça: quem estava a contar?, o quê?, e a quem? Minha mãe ausentara-se: nenhum sorriso, nenhum sinal de conivência, eu estava no exílio. Além disso, não reconhecia a sua linguagem. Onde arranjava ela aquela segurança? Ao cabo de um instante, compreendi: era o livro que falava. Dele saíam frases que me causavam medo; eram verdadeiras centopeias, formigavam de sílabas e letras, estiravam os ditongos, faziam vibrar as consoantes duplas: cantantes, nasais, entrecortadas de pausas e suspiros, ricas em palavras desconhecidas, encantavam-se por si próprias e por seus meandros, sem se preocuparem comigo; às vezes desapareciam antes que eu pudesse compreendê-las; outras vezes, já eu compreendera e elas continuavam a rolar nobremente para o seu fim sem me perdoarem uma vírgula. (…) (…) Começava a descobrir-me. Eu não era quase nada, quando muito uma actividade sem conteúdo, mas não era preciso mais. Escapava à comédia: ainda não trabalhava, mas já não brincava; o mentiroso encontra a sua verdade na elaboração das suas mentiras. Nasci da escrita: antes dela, havia apenas um jogo de espelhos; desde o meu primeiro romance, soube que uma criança se introduzira no palácio dos espelhos. Escrevendo, eu existia, e se dizia eu, isso significava: eu que escrevo. (…)”

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Page 1: As palavras

As palavras- Jean Paul Sartre

As palavras, obra publicada em 1964, é a única narrativa autobiográfica de Jean-Paul Sartre. A história cobre a sua infância dos 4 aos 11 anos e encontra-se dividida em duas partes: « Ler » e « Escrever ». Numa retrospectiva do passado Sartre explica o ambiente em que nasceu e cresceu, por vezes em tom acusatório. Relata o seu contacto com os livros desde tenra idade e dá-nos a conhecer as suas dúvidas existências, que já se manifestavam desde os seus sete anos. Além disso dá a conhecer as suas motivações para a escrita bem como as etapas que percorreu como escritor.Excerto:

“Comecei a minha vida como hei-de acabá-la, sem dúvida: no meio dos livros. No escritório de meu avô havia-os por toda a parte; era proibido espaná-los, excepto uma vez por ano, antes do reinício das aulas em Outubro. Ainda eu não sabia ler e já reverenciava essas pedras erigidas: em pé ou inclinadas, apertadas como tijolos nas prateleiras da biblioteca ou nobremente espacejadas em áleas de menires, eu sentia que a prosperidade da nossa família dependia delas.(…)Anne-Marie fez-me sentar à sua frente, na minha cadeirinha; inclinou-se, baixou as pálpebras, adormeceu. Daquele rosto de estátua saiu uma voz de gesso. Perdi a cabeça: quem estava a contar?, o quê?, e a quem? Minha mãe ausentara-se: nenhum sorriso, nenhum sinal de conivência, eu estava no exílio. Além disso, não reconhecia a sua linguagem. Onde arranjava ela aquela segurança? Ao cabo de um instante, compreendi: era o livro que falava. Dele saíam frases que me causavam medo; eram verdadeiras centopeias, formigavam de sílabas e letras, estiravam os ditongos, faziam vibrar as consoantes duplas: cantantes, nasais, entrecortadas de pausas e suspiros, ricas em palavras desconhecidas, encantavam-se por si próprias e por seus meandros, sem se preocuparem comigo; às vezes desapareciam antes que eu pudesse compreendê-las; outras vezes, já eu compreendera e elas continuavam a rolar nobremente para o seu fim sem me perdoarem uma vírgula. (…)(…) Começava a descobrir-me. Eu não era quase nada, quando muito uma actividade sem conteúdo, mas não era preciso mais. Escapava à comédia: ainda não trabalhava, mas já não brincava; o mentiroso encontra a sua verdade na elaboração das suas mentiras. Nasci da escrita: antes dela, havia apenas um jogo de espelhos; desde o meu primeiro romance, soube que uma criança se introduzira no palácio dos espelhos. Escrevendo, eu existia, e se dizia eu, isso significava: eu que escrevo. (…)”

Eu gostaria de saber o significado do que Sartre diz em As Palavras, livro onde ele relata sua infância: "Eu não podia admitir que a gente recebesse o ser de fora, que ele se conservasse por inércia, nem que os movimentos da alma fossem os efeitos de movimentos anteriores (...) Diziam-me amiúde: o passado nos impele; mas eu estava convencido de que o futuro me puxava"

(Sobre o Trecho Acima Sartre quis mostrar-nos que tudo o que acontece ao ser humano não pode vir de fora nem ficar na inércia, isto é,parado.Para ele o movimento humano partia de seu interior.Tudo acontece por nossa vontade e é uma roda viva e não inerte,nossos pensamentos e ações têm um foco intrínseco ,ligado a algo maior que se encontra em nosso interior,por isso somos capazes de crescer.)