as os jovens e participacoo civica politica

7
PARTICIPAÇÃO EQUILIBRADA DAS MULHERES E DOS HOMENS NOS PROCESSOS DE TOMADA DE DECISÃO POLÍTICA E ECONÓMICA As/os jovens e a participação cívica e política Ana Sofia Fernandes Co-fundadora e ex-Presidente da Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens Começo por expressar o meu agradecimento pela oportunidade de participar nesta conferência promovida pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa alusiva à problemática da participação equilibrada das mulheres e dos homens nos processos de tomada de decisão política e económica e, muito particularmente, no âmbito do sessão dedicada aos jovens e participação cívica e política. Tive também a oportunidade de participar, em representação da AFEM – Associação de Mulheres da Europa Meridional - na conferência promovida pelo Conselho da Europa, em Setembro de 2003, sobre participação das jovens mulheres na vida política pelo que conheço e aprecio o papel que vem desempenhando neste domínio e estou-lhe particularmente grata pelo seu contributo para o aperfeiçoamento doutrinário designadamente para a introdução de conceitos, como o conceito de paridade, que indubitavelmente veio rasgar novas e mais articuladas perspectivas a este debate. A reflexão que hoje venho partilhar convosco decorre da minha experiência enquanto jovem, mulher e voluntária que iniciou o seu percurso no âmbito do associativismo juvenil e depois na área da igualdade de género tendo contribuído para a criação de uma organização que pretende contribuir para o mainstreaming de género no associativismo juvenil e cujo percurso possibilitou o desenvolvimento de competências transferíveis para outras esferas da minha intervenção, nomeadamente profissional. Os fundamentos de uma sociedade democrática contemporânea, como todas/os reconhecemos, devem ser assentes em três princípios: igualdade, representação e participação. A recomendação do Comité de Ministros No. R (97) 3 sobre participação juvenil e o futuro da sociedade civil enfatiza “o papel crucial da participação da 1/7

Upload: jose-matuta

Post on 15-Nov-2015

8 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Participação de jovens na vida política e pública

TRANSCRIPT

  • PARTICIPAO EQUILIBRADA DAS MULHERES E DOS HOMENS NOS PROCESSOSDE TOMADA DE DECISO POLTICA E ECONMICA

    As/os jovens e a par t i c ipao c v ica e po l t i ca

    A n a S o f i a Fe r na n de sC o- f u n da do r a e ex -P r e s i d e n t e d a R ed e P o r tu g u e sa d e Jo ve n s p a r a a

    I g u a l d ad e d e Op o r t u n i d ad es e n t r e M u l h e re s e H om en s

    Comeo por expressar o meu agradecimento pela oportunidade de participar nesta

    conferncia promovida pelo Comit de Ministros do Conselho da Europa alusiva

    problemtica da participao equilibrada das mulheres e dos homens nos processos

    de tomada de deciso poltica e econmica e, muito particularmente, no mbito do

    sesso dedicada aos jovens e participao cvica e poltica.

    Tive tambm a oportunidade de participar, em representao da AFEM Associao

    de Mulheres da Europa Meridional - na conferncia promovida pelo Conselho da

    Europa, em Setembro de 2003, sobre participao das jovens mulheres na vida

    poltica pelo que conheo e aprecio o papel que vem desempenhando neste domnio e

    estou-lhe particularmente grata pelo seu contributo para o aperfeioamento

    doutrinrio designadamente para a introduo de conceitos, como o conceito de

    paridade, que indubitavelmente veio rasgar novas e mais articuladas perspectivas a

    este debate.

    A reflexo que hoje venho partilhar convosco decorre da minha experincia enquanto

    jovem, mulher e voluntria que iniciou o seu percurso no mbito do associativismo

    juvenil e depois na rea da igualdade de gnero tendo contribudo para a criao de

    uma organizao que pretende contribuir para o mainstreaming de gnero

    no associativismo juvenil e cujo percurso possibilitou o desenvolvimento de

    competncias transferveis para outras esferas da minha interveno, nomeadamente

    profissional.

    Os fundamentos de uma sociedade democrtica contempornea, como todas/os

    reconhecemos, devem ser assentes em trs princpios: igualdade, representao

    e participao.

    A recomendao do Comit de Ministros No. R (97) 3 sobre participao juvenil e o

    futuro da sociedade civil enfatiza o papel crucial da participao da

    1/7

  • PARTICIPAO EQUILIBRADA DAS MULHERES E DOS HOMENS NOS PROCESSOSDE TOMADA DE DECISO POLTICA E ECONMICA

    juventude no desenvolvimento da sociedade () enquanto recurso para a

    constante renovao da sociedade democrtica.

    Quando se fala em participao da juventude, importante conhecer os espaos de

    participao que existem e perceber como funcionam. No contexto da democracia

    representativa referimo-nos tradicionalmente aos partidos polticos, no contexto da

    democracia participativa, e no mbito da juventude, referimo-nos tradicionalmente

    s associaes juvenis e aos mecanismos existentes em termos de dilogo civil aos

    mais variados nveis. Comearei por estas ltimas.

    As associaes juvenis regem a sua actividade atravs da educao no formal. Por

    educao no formal entende-se todas as actividades que ocorrem fora das

    instituies educativas formais. Ao participarem em associaes juvenis, as/os jovens

    desenvolvem competncias, que so relevantes em diferentes contextos, e tm a

    oportunidade de imediatamente as levarem prtica.

    Tratam-se de competncias como relacionamento interpessoal e comunicao,

    liderana, planeamento, trabalho de equipa, consciencializao intercultural, gesto,

    resoluo de conflitos, competncias lingusticas, fomento de debate, entre outras.

    Acresce que esta participao potencia ainda o desenvolvimento de qualidades como

    compromisso, envolvimento, responsabilidade, solidariedade, conscincia

    democrtica, motivao, participao, iniciativa, respeito pelos/as outros/as,

    tolerncia e auto-estima.

    So competncias e qualidades transferveis para outras esferas nomeadamente

    profissionais, e tambm para o mbito da participao poltica em termos mais

    tradicionais: a consubstancializada nos partidos polticos.

    As Associaes Juvenis constituem, assim, (de per si) um modelo de Democracia

    Participativa, promotor da participao e da conscincia social dos/as jovens. So

    espaos de aprendizagem no formal e de cidadania, veculos de solidariedade e

    responsabilidades comuns, onde as/os jovens constroem parte importante da

    identidade do seu Ser Poltico. No so desconhecidos os casos de jovens que tendo

    2/7

  • PARTICIPAO EQUILIBRADA DAS MULHERES E DOS HOMENS NOS PROCESSOSDE TOMADA DE DECISO POLTICA E ECONMICA

    sido dirigentes de associaes juvenis enveredaram posteriormente por carreiras

    polticas, ao nvel local ou nacional.

    No entanto verifica-se um dfice cada vez maior de participao poltica e cvica a

    que no sero alheios factores, entre os/as jovens, como as preocupaes

    relacionadas com o emprego, factor que, alis, foi identificado recentemente como a

    principal preocupao entre as/os jovens portuguesas/es num inqurito1 que

    demonstrava, tambm, que 86,4% das/os jovens no estavam envolvidas/os em

    quaisquer formas de participao cvica ou poltica.

    Estamos a falar, portanto, de modalidades de participao na vida social com custos

    pessoais agravados pois se o voluntariado foi no passado essencialmente suportado

    por pessoas que no tinham uma actividade profissional fora de casa - o que no

    retira de modo algum o mrito - hoje muitas voluntrias (e voluntrios) dividem o

    seu tempo entre uma actividade estudantil ou profissional, as tarefas familiares e o

    voluntariado.

    Decorre do anteriormente referido factores acrescidos de diferenciao para

    raparigas e rapazes. Se as associaes juvenis pretendem constituir-se enquanto

    laboratrios de aprendizagem democrtica e cidadania activa, por que razo se

    verifica tambm ali um dfice de participao das jovens nas posies

    de tomada de deciso? Porque se verifica uma diferenciao em termos

    de sexo no envolvimento poltico posterior?

    Desde logo, e semelhana do que ocorre noutras esferas de interveno, porque do

    carcter sistmico da discriminao das mulheres decorreu, e continua a

    decorrer, a incorporao, no comportamento colectivo e individual, de automatismos

    cuja consciencializao difcil (podendo mesmo produzir algum desconforto) e que

    constituem obstculos a uma anlise lcida da realidade.

    Deste carcter sistmico da discriminao decorre ainda

    uma partilha desigual dos recursos, quer dos recursos materiais - j de si escassos

    - quer do prprio recurso tempo;

    1 Instituto Portugus da Juventude (2005). Estudo sobre os hbitos e comportamentos da juventude portuguesa.

    3/7

  • PARTICIPAO EQUILIBRADA DAS MULHERES E DOS HOMENS NOS PROCESSOSDE TOMADA DE DECISO POLTICA E ECONMICA

    a dificuldade na definio dum registo adequado a uma linguagem de

    comunicao eficaz nesta rea qual acresce o problema formal da inexistncia

    do gnero neutro na lngua portuguesa;

    o receio de conotaes feministas por parte de muitas raparigas... ;

    o quase total alheamento dos rapazes das questes que respeitam defesa dos

    direitos humanos das mulheres e promoo da paridade de gnero.

    , assim, possvel identificar um conjunto de barreiras (frequentemente invisveis ou

    escamoteadas porque no reconhecidas enquanto tal) que dificultam a participao

    das jovens mulheres nos processos de tomada de deciso. Estas barreiras so

    potenciadas pela formulao de projectos e actividades dirigidos aos "jovens", como

    se a juventude - e a humanidade em geral - no fosse composta por mulheres e

    homens, e como se as diferenas, necessidades e assimetrias destes dois grupos no

    devessem ser tidas em conta. Falar em juventude, de forma abstracta

    invocar um falso neutro que na prtica veicula junto de uns e de outras

    um currculo oculto (que no explcito mas captado e interiorizado) e

    cujo modelo masculino e que condiciona (negativamente) a

    participao das raparigas.

    A existncia deste falso neutro, que reproduz mecanismos discriminatrios que

    funcionam na sociedade como um todo, acaba por diminuir o potencial de

    laboratrio de cidadania das associaes juvenis; mais concretamente, a fraca

    representao das jovens mulheres nos rgos dirigentes das associaes impede-as

    de desenvolver uma das competncias fundamentais da educao no formal, a

    liderana.

    Faltam estudos, no entanto, relativamente participao das jovens nos processos de

    tomada de deciso nas associaes juvenis, a observao , portanto, emprica.

    Quando nos situamos em contextos de democracia representativa, o panorama

    similar. Nesta esfera j comeam a abundar os estudos. O que continua a faltar a

    implementao de polticas , no entanto

    4/7

  • PARTICIPAO EQUILIBRADA DAS MULHERES E DOS HOMENS NOS PROCESSOSDE TOMADA DE DECISO POLTICA E ECONMICA

    Mais uma vez, o carcter sistmico da discriminao das mulheres produz

    consequncias que impedem a sua participao acrescida nesta esfera,

    nomeadamente:

    cultura organizacional e de interveno assente nas necessidades, interesses e

    expectativas masculinas de que decorrem

    processos de recrutamento e seleco nas estruturas partidrias que

    bloqueiam a renovao dos dirigentes, quadros e candidatos partidrios

    contribuindo para a existncia de uma espcie de carrossel em que os

    mesmos substituem os mesmos eternizando-se portanto nos postos de

    deciso;

    horrios de funcionamento frequentemente incompatveis com as

    necessidades de conciliao da vida poltica, profissional, pessoal e

    familiar;

    qualidades julgadas como necessrias participao pblica e poltica em

    geral, percepcionadas como masculinas, com consequncias ao nvel da no

    legitimao - ainda que informal - ou legitimao da participao das

    mulheres a reas e sectores especficos, nomeadamente as decorrentes da

    denominada maternidade social.

    Em sntese, que traos comuns dificultam a participao? A estrutura

    organizacional enformada pelo falso neutro e pelo currculo oculto e as

    resistncias prprias das instituies mudana, nas quais a coberto da

    pretenso de igualdade, o modelo masculino converteu-se em paradigma

    universal, supostamente neutro, escamoteando as questes

    discriminadoras de gnero.

    Como fazer face a esta situao no sentido de promover processos de participao

    cvica e poltica verdadeiramente inclusivos e que potenciem uma cidadania activa

    e participativa?

    Atravs dos "culos do gnero", isto , ultrapassando a noo de sexo e integrando

    verdadeiramente a varivel de gnero na nossa estrutura de raciocnio, em todas as

    polticas, processos, actividades, estruturas organizacionais; promovendo uma

    5/7

  • PARTICIPAO EQUILIBRADA DAS MULHERES E DOS HOMENS NOS PROCESSOSDE TOMADA DE DECISO POLTICA E ECONMICA

    revoluo na forma de percepcionar o mundo, deixando-nos espantar pela descoberta

    da diferena e pela riqueza que a mesma proporciona para umas e para outros. Afinal

    somos ou no democrticos? Afinal os Estados a que pertencemos ratificaram ou no

    inmeros instrumentos de poltica, nomeadamente ao nvel do Conselho da Europa?

    Deixamos aqui algumas propostas de interveno, que no sendo novas (e no

    esgotando de todo as possibilidades de interveno neste domnio) so contudo

    escassamente praticadas:

    fomento da aprendizagem dos papis pblicos e polticos por parte das raparigas;

    fomento dos modelos femininos que possam servir s jovens como referncias ou

    pontos de contacto combatendo a invisibilidade das mulheres enquanto

    elementos activos nos processos de tomada de deciso;

    fomento de redes de apoio e cooperao para as jovens uma vez que estas tm

    sua disposio, na esfera da participao cvica e poltica, redes menos numerosas

    e mais limitadas do que os rapazes;

    internalizao da perspectiva de gnero nas estruturas organizacionais e

    actividades das associaes juvenis, abrangendo campos que uma auditoria de

    gnero poderia facilmente identificar: projecto educativo; organizao dos

    espaos e actividades; formao dos/as animadores/as e dirigentes; contedos;

    relao pedaggica; materiais de apoio; organizao das actividades; jogos

    utilizados etc.

    Um exemplo de iniciativa que consubstanciou algumas destas linhas de interveno

    o projecto"Mobilizar as jovens mulheres para a Igualdade na Europa", promovido em

    1999 pelo Lobby Europeu das Mulheres2. O projecto tinha como objectivo incentivar

    a integrao da perspectiva das jovens mulheres nas polticas europeias e nacionais

    atravs da participao acrescida das jovens nas aces organizadas e nos processos

    de tomada de deciso.

    2 Fundado em 1990 e com sede em Bruxelas, o Lobby Europeu de Mulheres a maior ONG comunitria de

    direitos das mulheres e a principal interlocutora das Instituies Comunitrias neste domnio. Est presente emtodos os 25 Estados Membros integrando actualmente mais de 4000 ONGDM organizadas em CoordenaesEuropeias e em Coordenaes Nacionais. Detm estatuto consultivo junto do ECOSOC/ONU e do Conselho daEuropa e constitui uma das cinco principais famlias de ONG comunitrias que integram o Grupo de Contacto daSociedade Civil.

    6/7

  • PARTICIPAO EQUILIBRADA DAS MULHERES E DOS HOMENS NOS PROCESSOSDE TOMADA DE DECISO POLTICA E ECONMICA

    Deste projecto nasceu uma rede europeia apoiada por redes nacionais. Uma destas

    redes foi justamente a Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de

    Oportunidades entre Mulheres e Homens, organizao da qual fui co-fundadora e

    dirigente. A REDE teve a particularidade de, sendo mista -, isto composta por

    rapazes e raparigas -, utilizar as mais valias das associaes juvenis em termos de

    educao no formal com uma forte perspectiva de gnero.

    Em suma e para concluir esta breve dissertao sobre a participao cvica e polticas

    das/os jovens, constatamos que os compromissos polticos foram assumidos e que os

    instrumentos j existem - sejam eles de aco positiva (medidas temporrias

    especiais, tal como so designadas pela Conveno CEDAW no seu Art. 43), de

    mainstreaming de gnero ou de auditoria de gnero. Falta apenas a vontade poltica

    para os por em prtica. Particularmente no campo do associativismo juvenil, pelo

    potencial de aprendizagem, inovao, criatividade e receptividade s novas ideias

    dos/as jovens, vale a pena a aposta.

    Lisboa, 17 de Junho de 2005

    3 CEDAW - Artigo 4.

    1 - A adopo pelos Estados Partes de medidas temporrias especiais visando acelerar a instaurao de umaigualdade de facto entre os homens e as mulheres no considerada como um acto de discriminao, tal comodefinido na presente Conveno, mas no deve por nenhuma forma ter como consequncia a manuteno denormas desiguais ou distintas; estas medidas devem ser postas de parte quando os objectivos em matria deigualdade de oportunidades e de tratamento tiverem sido atingidos.

    2 - A adopo pelos Estados Partes de medidas especiais, incluindo as medidas previstas na presente Convenoque visem proteger a maternidade, no considerada como um acto discriminatrio.

    7/7