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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X AS MULHERES CRIADORAS DE SOM/MÚSICA E SUAS ATUAÇÕES NO ENCUN ENCONTRO NACIONAL DE CRIATIVIDADE SONORA Tânia Mello Neiva 1 Isabel Nogueira 2 Resumo: Nesta comunicação abordamos as atuações das mulheres no campo da criação musical/sonora no ENCUN Encontro Nacional de Criatividade Sonora ao longo de seus quatorze anos de existência. Através de análise documental bem como da nossa própria experiência dentro do campo assumindo a noção de conhecimento situado de Donna Haraway propomos uma reflexão sobre representatividade feminina nos encontros dentro de um contexto específico marcado pelas características do campo da música experimental brasileira em um momento histórico de ressurgimento global dos movimentos feministas. Palavras-chave: Mulheres criadoras musicais/sonoras, ENCUN Encontro de criatividade Sonora, feminismo, gênero. Antes de iniciarmos nossa reflexão, partindo do entendimento que os saberes são situados e que reproduzimos na nossa maneira de expressar e pensar, posições, privilégios e valores referentes ao nosso grupo social consideramos necessário estabelecer o nosso contexto de fala e reflexão. Nos apoiamos na ideia de “saberes localizados” de Donna Haraway (1995) em que a autora, dialogando com diversas outras autoras - em especial as do feminismo interseccional e do Sul Global, como Chandra Mohanty e Gloria Anzaldua -, reafirma a importância trazida por essas teóricas feministas em conhecer e reconhecer o contexto em que sua reflexão e fala estão inseridas assumindo responsabilidades por elas, se contrapondo à modelos de produção de conhecimento que se auto proclamam neutros, universais, generalistas e objetivos, caracterizados como dominantes. Em “Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial” (1995) 3 Haraway advoga em favor da objetividade, contudo estabelece que esta só é possível e verdadeira a partir do reconhecimento do contexto, e, portanto, das possibilidades e dos limites em que tal conhecimento/reflexão está sendo produzido. A moral é simples: apenas a perspectiva parcial promete visão objetiva. Esta é uma visão objetiva que abre, e não fecha, a questão da responsabilidade pela geração de todas as práticas visuais. (...) A objetividade feminista trata da localização limitada e do conhecimento localizado, não da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto. Desse modo podemos nos tornar responsáveis pelo que aprendemos a ver. (HARAWAY, 1995, p. 21) 1 Doutoranda em musicologia/etnomusicologia pela UFPB, João Pessoa, Paraíba, Brasil. 2 Professora da UFRGS. Pesquisadora CNPq. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Estudos de Gênero, Corpo e Música. UFRGS, Porto Alegre, Brasil. 3 Artigo publicado originalmente em 1988 na revista “Feminine Studies 14 (3)”. Traduzido para o português por Mariza Côrrea e publicado em 1995 na revista “Cadernos Pagu”.

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Page 1: AS MULHERES CRIADORAS DE SOM/MÚSICA E SUAS ......Palavras-chave: Mulheres criadoras musicais/sonoras, ENCUN – Encontro de criatividade Sonora, feminismo, gênero. Antes de iniciarmos

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

AS MULHERES CRIADORAS DE SOM/MÚSICA E SUAS ATUAÇÕES NO ENCUN –

ENCONTRO NACIONAL DE CRIATIVIDADE SONORA

Tânia Mello Neiva1

Isabel Nogueira2

Resumo: Nesta comunicação abordamos as atuações das mulheres no campo da criação

musical/sonora no ENCUN – Encontro Nacional de Criatividade Sonora ao longo de seus quatorze

anos de existência. Através de análise documental bem como da nossa própria experiência dentro

do campo assumindo a noção de conhecimento situado de Donna Haraway propomos uma reflexão

sobre representatividade feminina nos encontros dentro de um contexto específico marcado pelas

características do campo da música experimental brasileira em um momento histórico de

ressurgimento global dos movimentos feministas.

Palavras-chave: Mulheres criadoras musicais/sonoras, ENCUN – Encontro de criatividade Sonora,

feminismo, gênero.

Antes de iniciarmos nossa reflexão, partindo do entendimento que os saberes são situados e

que reproduzimos na nossa maneira de expressar e pensar, posições, privilégios e valores referentes

ao nosso grupo social consideramos necessário estabelecer o nosso contexto de fala e reflexão. Nos

apoiamos na ideia de “saberes localizados” de Donna Haraway (1995) em que a autora, dialogando

com diversas outras autoras - em especial as do feminismo interseccional e do Sul Global, como

Chandra Mohanty e Gloria Anzaldua -, reafirma a importância trazida por essas teóricas feministas

em conhecer e reconhecer o contexto em que sua reflexão e fala estão inseridas assumindo

responsabilidades por elas, se contrapondo à modelos de produção de conhecimento que se auto

proclamam neutros, universais, generalistas e objetivos, caracterizados como dominantes.

Em “Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da

perspectiva parcial” (1995)3 Haraway advoga em favor da objetividade, contudo estabelece que esta

só é possível e verdadeira a partir do reconhecimento do contexto, e, portanto, das possibilidades e

dos limites em que tal conhecimento/reflexão está sendo produzido.

A moral é simples: apenas a perspectiva parcial promete visão objetiva. Esta é uma visão

objetiva que abre, e não fecha, a questão da responsabilidade pela geração de todas as

práticas visuais. (...) A objetividade feminista trata da localização limitada e do

conhecimento localizado, não da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto. Desse

modo podemos nos tornar responsáveis pelo que aprendemos a ver. (HARAWAY, 1995, p.

21) 1 Doutoranda em musicologia/etnomusicologia pela UFPB, João Pessoa, Paraíba, Brasil. 2 Professora da UFRGS. Pesquisadora CNPq. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Estudos de Gênero, Corpo e

Música. UFRGS, Porto Alegre, Brasil. 3 Artigo publicado originalmente em 1988 na revista “Feminine Studies 14 (3)”. Traduzido para o português por Mariza

Côrrea e publicado em 1995 na revista “Cadernos Pagu”.

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Concordando com Donna Haraway procuramos assumir responsabilidade por nossas falas

entendendo que a reflexão que fazemos é contextual e conjetural. Somos duas mulheres brancas e

não brancas (dependendo do contexto), com formação acadêmica em música (graduação e pós-

graduação e uma de nós é docente universitária), do sul e sudeste do país. Somos feministas e

procuramos entender os processos que subjugam e oprimem muitas mulheres em diversos campos

da música e na sociedade de maneira geral com o intuito declarado de contribuir no combate a esses

processos. Sabemos, no entanto, que nós também ocupamos lugares privilegiados no contexto

brasileiro e que nossa percepção das opressões, nossas reflexões e nossa atuação tem limites que

procuramos identificar e superar na medida do que é possível.

O ENCUN - Encontro Nacional de Criatividade Sonora é um encontro itinerante de música

contemporânea4 brasileira que ocorre anualmente desde 2003. Até o ano de 2015 sua sigla

significava “Encontro Nacional de Compositores Universitários”. A primeira vez que foi utilizado o

atual nome “Encontro Nacional de Criatividade Sonora” foi na edição de 2016, em Porto Alegre.

Surgiu pela iniciativa de alguns alunos de composição da UNICAMP, tendo como figura central o

compositor e atual professor universitário Valério Fiel da Costa (UFPB). A partir do diagnóstico de

que os cursos de composição musical no país (na maioria universitários), não priorizavam a prática

compositiva através da experimentação e escuta da própria obra, os alunos de composição da

Unicamp se reuniram em 2002 para promoverem as peças que estavam sendo compostas no

momento. Além de participarem de ensaios junto aos intérpretes e poderem “experimentar” adaptar,

rearranjar, reescrever suas obras por causa da prática estabelecida, esses mesmos compositores5

criaram um fórum de discussão sobre as práticas compositivas e de aprendizado de composição no

Brasil, questionando os princípios que regiam ambas as práticas.

Em texto publicado no repositório “Overmundo” em 2007, o compositor Valério Fiel da

Costa explica tanto as causas para a criação do evento como os objetivos em uma espécie de

desabafo em que expõe a inércia e a falta de experimentação dos cursos de composição

4 Utilizamos o termo “contemporâneo” sem pretender fazer referência a estéticas ou técnicas composicionais

específicas. Como o ENCUN não está estética ou metodologicamente alinhado a nenhuma corrente particular da criação

musical, pelo menos não declaradamente, optamos por adotar o termo “contemporâneo” para designar a música que está

sendo feita no Brasil na atualidade. Percebemos que mesmo não estando declaradamente alinhado com um tipo

específico de música, ao longo dos anos o encontro foi se caracterizando como um espaço que ajudou a delimitar e

estruturar o campo da música experimental no país, como veremos no texto. 5 Aqui, utilizamos o substantivo “compositores” em sua flexão universal (masculina), porque os compositores que se

envolveram diretamente no projeto inicial do ENCUN eram todos homens. Cabe ressaltar que também mantivemos as

citações da maneira como estão no original, as quais, em muitos casos, utilizam o masculino universal como plural.

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universitários ao mesmo tempo que se posiciona sobre como, para ele(s), o curso de composição

deveria ser:

A apatia do curso de composição da UNICAMP permitiu que os estudantes pudessem pôr

mãos à obra e criar, entre 2002 e 2004, um dos momentos mais fecundos da história da

criação musical universitária dos últimos anos. Com concertos mensais, cerca de 100 obras

foram estreadas, diversos grupos de compositores foram criados, muitos indivíduos

formaram-se a partir dessa experiência. (...) Logo sentiu-se a necessidade de compartilhá-la

com compositores de outros cursos universitários. O objetivo era tornar tal esforço um

precedente para que outros buscassem repensar a sua própria relação com a academia e para

que a produção artístico-acadêmica brasileira pudesse circular fora do âmbito universitário.

(COSTA, 2007)6

O ENCUN surge, portanto, com o intuito manifesto de sanar uma lacuna dos cursos, dos

festivais e das práticas da composição musical no país (tendo como referência prevalecente os

cursos universitários e os conservatórios). Tem como principal objetivo a democratização7 do fazer

e do receber musical, entendendo que as práticas correntes oficiais (acadêmicas e conservatoriais)

não possibilitam vivências livres e efetivas, sendo amarradas à modelos preexistentes tanto de

composição e de organização social da/na música, da relação entre compositor/a – intérprete, como

da relação música - escritura musical entre tantos outros, como é possível perceber no discurso Del

Nunzio & Iwao (2009) em torno do evento:

Os concertos não tinham nenhuma restrição de caráter técnico, estético ou estilístico: os

compositores apenas deveriam garantir que suas obras fossem executadas. Um

desdobramento dessa necessidade foi que muitos compositores tiveram que tocar obras

próprias ou de colegas, ampliando seu campo de atuação para incluir a interpretação e a

improvisação musical, aproximando composição de execução; outro, que muitos passaram

a criar obras eletrônicas, que não dependiam de intérpretes para serem apresentadas.

(IWAO & NUNZIO, 2009, p. 6)

Participaram desse processo os compositores Valério Fiel da Costa, Henrique Iwao, Mário

Del Nunzio, Alexandre Fenerich, Alfredo Votta, Bernardo Barros, Dantas Rampim, Gregory Slivar,

Guilherme Rebecchi, Lucas Araújo e Rodrigo Felício. Uma característica importante do evento é a

sua autonomia e independência em relação a instituições consagradas da música no país. Apesar de

ter sido realizado muitas vezes dentro de universidades (em particular, as públicas), essa parceria

não é institucionalizada e nem envolve financiamento (DEL NUNZIO, 2017, p 69).

O ENCUN tem sido organizado e produzido por essas pessoas, mantendo-se, até certo ponto,

vinculado à academia. Inclusive, o antigo nome “Encontro Nacional de Compositores

Universitários” enfatizava essa relação. A supressão do termo “universitários” indica, ao mesmo

6 Disponível em: http://www.overmundo.com.br/overblog/o-grupo-de-compositores-da-unicamp-e-o-encun 7 Termo utilizado pelo principal idealizador e mentor do encontro, Valério Fiel da Costa.

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tempo, uma vontade de não vinculação à academia e, uma realidade de incorporação de práticas e

pessoas de fora da academia, que foram se fortalecendo desde o ano de 2012 (DEL NUNZIO, 2017,

p. 69). Assim, com a supressão do termo “universitários” o evento se torna mais aberto e

convidativo a pessoas que não estão na academia ou não tem formação conservatorial/acadêmica

em música. Da mesma forma a supressão do termo “compositores” também é significativa, pois

como já abordado em texto sobre o ENCUN publicado na revista Linda (fev de 2017), escrito por

cinco pessoas (Tânia Neiva, Isabel Nogueira, Camila Durães Zerbinatti, Valério Fiel da Costa e

Luciano Zanatta), a flexão universal masculina exclui simbólica e objetivamente vários grupos

sociais, como as mulheres8, os criadores e as criadoras de música que não se identificam com o

termo “compositor/compositora” por sua tradicional associação a um tipo muito específico de

produção sonora/musical9

A importância do ENCUN para o cenário da música experimental brasileira foi sendo

construída ao longo dos seus quatorze anos de existência ininterruptos. Mesmo não assumindo um

viés estético, metodológico ou estilístico específico, o evento tornou-se um espaço aberto para

práticas e iniciativas pouco representadas nos espaços oficiais, como a academia, os grandes

festivais e concursos como Bienal de Música Contemporânea, Festival Música Nova, Festival de

Campos do Jordão e alguns outros. Ao assumir a não-curadoria estética (COSTA, 2017; IWAO &

DEL NUNZIO, 2009), o ENCUN abre as portas para práticas musicais não convencionais, sendo

um espaço convidativo para o experimentalismo de modo geral. Essa visão também está presente na

8 A questão da língua usar o masculino como universal já foi amplamente abordada e debatida entre as feministas e as

teóricas e os teóricos de gênero como sendo mais um fator de dominação masculina. As principais teóricas que abordam

a questão da linguagem se encontram na terceira onda feminista e se associam ao pós-estruturalismo. São elas, por

exemplo, Joan Scott, Elizabeth Grozs e Judith Buttler. Resumidamente o “universal” pressupõe que todos os grupos

estão incluídos e inseridos reduzindo todas as marcações e diferenças a um modelo único, o qual é escolhido/construído

através de relações de poder. Assim, àquilo que é “a” referência para a constituição do “universal” é em relação ao

grupo de maior poder, qual seja, o homem branco, heterossexual, ocidental. Todos os outros grupos se tornam invisíveis

dentro da categoria universal. O “universal” produz e reproduz essencializações e naturalizações de valores e relações

desiguais de poder que são histórica e socialmente construídos. Com isso, adotar um termo como “compositores”

pretendendo ser amplo e universal é, a nosso ver, um equívoco. O termo exclui simbolicamente e, muitas vezes, na

prática também, as mulheres. 9 A filósofa Lydia Goehr em Being True to the Work (1989), propõe que a ideia de “obra” musical está intrinsecamente

ligada a uma produção musical ocidental erudita que tem início a partir da segunda metade do século XVIII. A noção de

“obra”, “composição”, “performance”, “improvisação” e tantas outras ainda são marcadas hoje por postulados e práticas

desse período, em que a figura do compositor (raramente da compositora) passa a determinar tanto o que é uma “obra”

(dentro de um contexto de escritura musical), como a valorá-la. (GOEHR, 1989) Se em pleno início de século XXI

esses valores associados ao termo “composição-compositor-compositora” ainda são referência para o pensamento sobre

música e para a prática musical ocidental, ao excluir o termo do nome do evento, os/as organizadores/as do ENCUN

assumem a possibilidade de outras referências de práticas e valores, não tão vinculadas à música ocidental de tradição

europeia, a qual, sabemos, foi e é bastante eficaz na invisibilização e silenciamento das mulheres. Como já citado a

extração do termo “compositores” do nome do evento só ocorreu em 2016, embora a discussão tenha se iniciado em

2015.

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fala de Camila Durães Zerbinatti (2016) sobre a importância do evento na perspectiva de crítica à

produção acadêmica corrente:

O ENCUN surgiu no ambiente universitário, é ligado a ele, mas, na direção apontada pela

quebra de paradigmas nos campos do conhecimento, das artes e dos movimentos e

ativismos sociais que observamos nas últimas décadas, belamente se abriu e se abre para

além dos “altos muros” da academia (cujas origens, no ocidente, estão mesmo em lugares

propositalmente isolados, auto-centrados, auto-referenciados e caracterizados por altos e

intransponíveis muros – simbólica e fisicamente falando – os mosteiros e os conventos!).

Este é um grande mérito do ENCUN, e com certeza um dos muitos passos dados em

direção ao questionamento e à quebra de tantas hierarquizações e normatizações dos

mundos da música (e da música feita, pensada e vivida na academia). (ZERBINATTI,

2017)10

Ainda, é importante ressaltar a proposta de descentralização da produção

compositiva/musical, através do caráter itinerante. Em seus quatorze anos de existência o evento já

conseguiu ser realizado nas cinco regiões do Brasil, mesmo que a maior incidência tenha sido

primeiro na região Sudeste com seis edições (duas em Campinas, duas em São Paulo, uma em Belo

Horizonte e uma no Rio de Janeiro), seguido da região Sul (uma em Londrina, uma em Curitiba e

duas em Porto Alegre), a realização de um evento como este em todas as regiões do país, ao longo

de 14 anos de existência, não é algo comum. Quando comparado, por exemplo, com a ANPPOM –

Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, também de caráter itinerante11 e que

em suas vinte e seis edições ao longo de vinte e oito anos ainda não contemplou a região norte do

país12, a ocorrência do ENCUN em todas as regiões do Brasil torna-se ainda mais importante e

simbólica de uma prática que se pretende mais democrática e representativa (pensando não só em

relação à práticas musicais/sonoras, mas também à contextos sociopolíticos internos do país, em

que há desigualdade econômica, de status e privilégio entre as regiões) (MEDEIROS, 2004).

Com relação à representatividade feminina nos encontros e, especificamente, nas categorias

que envolvem criação sonora/musical o evento ainda demonstra estar muito longe da paridade ou

equidade, embora avanços venham ocorrendo ano a ano, de forma tímida.

10 Em texto escrito por Tânia Neiva, Isabel Nogueira, Camila Durães Zerbinatti, Valério Fiel da Costa e Luciano

Zanatta, publicado em 2017 na revista eletrônica Linda. Disponível em: http://linda.nmelindo.com/2017/02/sobre-o-

encun-texto-a-dez-maos-e-cinco-cabecas/

11 É importante frisar que a ANPPOM é um dos eventos mais importantes e consagrados de divulgação e promoção dos

estudos acadêmicos em música (com ênfase na pós-graduação) no país. Poderíamos arriscar dizer que se estabelece

como uma das instituições dominantes do campo da música acadêmica, de forma que a comparação com o ENCUN se

limita ao fato de ambos serem eventos nacionais itinerantes. 12 A primeira edição da Anppom que será realizada na região norte do país, em Manaus, A.M, está prevista para o ano

de 2018.

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Por ser itinerante, e, portanto, organizado e realizado por diferentes grupos e pessoas a cada

ano, o formato do ENCUN também é razoavelmente flexível, mantendo algumas atividades mais ou

menos fixas. Através de análise dos programas de onze das quatorze edições13 identificamos

algumas constantes, como os concertos/apresentações do ENCUN. Outras atividades também se

mantém em praticamente todas as edições, como o espaço reservado para “cursos”, “mini-cursos” e

“oficinas”, para “mesas redondas” e/ou “debates”, “comunicação/ões” ou “sessão/ões abertas”,

“intervenção/ões”, “instalação/ões sonora/s” e outros. Apresentamos um esquema de diagrama com

as principais atividades do ENCUN, separadas em quatro campos guarda-chuva - “Práticas

Sonoras/Musicais”, “Práticas Pedagógicas”, “Práticas Acadêmicas” e “Sessão Aberta”. Estes

campos são os mesmos que aparecem nos próprios programas do Encun. Utilizamos esse esquema

para identificar a representatividade e participação feminina e masculina.

13 Não conseguimos os programas completos dos anos de 2008, realizado em Salvador, de 2009, realizado em Belo

Horizonte e de 2011, realizado em Porto Alegre. Estamos em contato com os organizadores dessas edições para darmos

continuidade à tabulação de dados.

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Fonte: Programas de cada ENCUN realizado disponibilizados na internet e/ou de acervo pessoal.

Nota: Dados coletados pela pesquisadora Tânia Mello Neiva

Cada uma das atividades guarda-chuva apresenta especificidades variadas, também com

relação à gênero. No escopo deste texto nos concentramos nas “Práticas Sonoras/ Musicais” que

subdividimos em mais quatro categorias de atividade, quais sejam: “Composição”, “Composição -

performance” e “Instalação sonora/ Intervenção” e “Performers.14

Para a presente comunicação apresentamos uma tabela com as porcentagens da participação

masculina e feminina nas categorias que remetem às práticas tradicionalmente associadas à “criação

musical”, que são a soma das categorias: composição, composição/performance e instalação

sonora. Mostramos em números absolutos a quantidade total de participantes nas edições do

14 Atribuímos o termo “Composição/ compositor/compositora” para o autor ou a autora da obra que não participa de sua

execução. O termo conjugado “composição - performance” (e seus derivados) refere-se à pessoas que atuam como

compositoras da obra que elas próprias interpretam ou executam. “Instalação Sonora - Intervenção” é atribuído à

práticas que se referem à arte sonora, paisagem sonora e/ou instalação sonora. O termo “performers” atribuímos às

pessoas que participam da execução da música sem terem participado de sua idealização anterior à performance

propriamente dito. Entendemos que os e as intérpretes, os e as performers também exercem atividade criativa dentro de

uma visão de “música” como ato performático. Nesse sentido, é na performance que a música se materializa e pode vir

a ser. Assim, mesmo que uma música tenha sido “composta” (idealizada) por uma pessoa é no ato performático que ela,

de fato, ocorre. Essa é uma discussão que não é consensual no mundo da música. Em “Music and/as performance”

(2001) de Nicholas Cook, traduzido e publicado para o português em 2006 sob o título: “Entre o processo e o produto:

música e/enquanto performance”, por Fausto Borém, Cook sugere que a ideia de composição musical desvinculada da

prática e da performance é historicamente construída e que, embora hoje essa seja uma visão pouco problematizada, ela

não pode ser atribuída a qualquer prática musical e de qualquer período histórico ou localidade geográfica. Cook, neste

artigo, propõe que a música não pode ser entendida unicamente como “texto” ou “script”, mas que ela é sua

performance, relegando aos performers a sua efetivação. Essa discussão também perpassa a problematização dos termos

“compositor/compositora/composição” e “obra” abordadas também em nota de rodapé neste artigo citando como

referência a filósofa da música Lydia Goehr. Em artigo ainda não publicado mas aprovado para o Congresso da

ANPPOM de 2017 e cedido para nós, Valério Fiel da Costa também traz a discussão sobre a música como ato

performático: “Tais considerações respeito do modo como se dá a produção de morfologias sonoras, tendo como mote

a ideia de disparadores, representa um esforço no sentido de entender a obra musical não como um dado a priori e nem

apenas como um vir a ser, mas como efeito global do modo como determinados estímulos são absorvidos ou usados

durante o ato performático. (...) Tal mudança de foco pretende dar relevo ao papel do performer enquanto sujeito de

decisão que escolhe proceder desta ou daquela maneira, produzindo tais morfologias segundo critérios específicos.”

(COSTA, 2017). Ainda, consideramos importante citar a colaboração da musicista e pesquisadora Camila Durães

Zerbinatti para a incorporação dessa discussão no presente texto. Além de apontar a importância dessa discussão

Zerbinatti atualizou o tema a partir do texto da musicista Jana Gularte (2017) sobre os processos e mecanismos de

apropriação de um discurso e de uma suposta prática feminista para a manutenção e reprodução de modelos capitalistas,

patriarcais, elitistas, racistas, classistas e outros que garantem lugares de poder e privilégio. Gularte, em “A quem serve

seu feminismo” problematiza a visão de que o ou a intérprete de música não trabalha com criação, no contexto do

“Sonora Ciclo Internacional de Compositoras”, demonstrando como o lugar da “criação” está intimamente ligado a

posições de poder e denunciando oportunismos a partir de um discurso feminista. Embora compartilhemos dessa visão a

respeito do e da intérprete, do e da performer como atividades de criação, elaboramos toda a análise presente no artigo a

partir dos programas de onze edições do ENCUN nos quais a distinção entre as categorias “compositor/a” e

“intérprete/performer” está presente. Assim, no escopo deste artigo, analisamos a atuação das mulheres no ENCUN

considerando essa dicotomia entre “criadores/as e performers”. Entendemos que essa é uma abordagem inicial do

evento e que para abordagens futuras buscaremos incorporar a atuação dos e das intérpretes enquanto práticas de

criação em música/som.

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ENCUN, a quantidade de homens e mulheres nas áreas de “práticas musicais - criação

sonora/musical” e a porcentagem de mulheres e homens em “práticas musicais - criação

sonora/musical” em relação ao total de participantes em cada edição do evento. Em seguida

apresentamos um gráfico com os mesmos dados, facilitando a visualização de uma possível

“evolução” no tempo.

Tabela 2 - segmentação por sexo nas categorias de criação sonora/musical do ENCUM em relação à totalidade de

participantes

Fonte: Programas de cada ENCUN realizado disponibilizados na internet e/ou de acervo pessoal.

Nota: Dados coletados pela pesquisadora Tânia Mello Neiva

Gráfico 1 - Segmentação de criadores sonoros/musicais por gênero em relação ao total de participantes.

Fonte: Programas de cada ENCUN realizado disponibilizados na internet e/ou de acervo pessoal.

Nota: Dados coletados pela pesquisadora Tânia Mello Neiva

Através da tabela e do gráfico fica evidente a desigualdade representativa entre homens e

mulheres nos campos associados à criação sonora/musical no Encun. Dos onze programas aos quais

tivemos acesso participaram 425 pessoas no total, sendo 372 homens de práticas tradicionalmente

associadas à criação (composição, composição-performance e instalação sonora), representando

aproximadamente 87,5% e apenas 53 mulheres vinculadas à práticas tradicionalmente associadas à

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criação de música/sons, representando aproximadamente 12, 5%. Apesar desses números serem

inaceitáveis eles não são característicos de uma situação isolada. Significa dizer que o Encun não é

um espaço que se destaca de maneira negativa em relação à paridade representativa entre

“criadores” e “criadoras” sonoras/musicais. Alguns nichos que envolvem “criação” em música

apresentam números ainda piores, como por exemplo a Bienal de Música Contemporânea

Brasileira15 que em suas vinte e uma edições (de 1975 à 2015) contou com um total de 439

compositores e compositoras. Dessas 439 pessoas, 402 eram homens, representando

aproximadamente 91,5% e apenas 37 eram mulheres, representando aproximadamente 8,4%.

Olhando para o gráfico podemos perceber uma linha ascendente na participação feminina,

tendo início no ano de 2014, sendo que nesse mesmo período há uma pequena diminuição da

participação masculina, diminuindo também (mesmo que minimamente) o abismo entre a

participação feminina e masculina nesses campos. Talvez isso não tenha sido por acaso. Para

algumas autoras como Marlise Matos (2010), à partir dos anos 2000, institui-se uma “quarta onda

feminista”, que seria representada pelos movimentos do Sul-Global (tanto intelectualmente como

politicamente). Essa quarta onda seria responsável pelo “ressurgimento” do movimento feminista

em âmbito global, marcado muito fortemente pela utilização da internet tanto como meio formador

como de divulgação, possibilitando novamente (após um período de “calmaria” da década de 1980)

a ocupação das ruas por grandes massas, por exemplo, com a Marcha das Vadias e a Marcha das

Mulheres Negras (MATOS, 2010, p. 87). Apesar desse movimento da quarta onda ter iniciado, para

Matos, no início dos anos 2000, no Brasil, é a partir da segunda década do século XXI que

começará a se popularizar mais enfaticamente sendo chamada, inclusive de “primavera feminista”

(GALETTI, 2016, p. 15-18; BELLO, 2015).

15 A comparação com a Bienal é somente em relação às práticas de criação musical/sonora. A Bienal de Música

Contemporânea Brasileira é um evento financiado pelo governo federal através da FUNARTE desde 1975 e é um dos

espaços mais consagrados no campo da música erudita brasileira sendo também responsável pelos processos de

consagração desse nicho, dentro de uma concepção de campo de Pierre Bourdieu em que nas áreas artísticas e

intelectuais o funcionamento (produção - reprodução, distribuição - consumo e consagração do produto) ocorre de

forma cíclica. Assim, ao mesmo tempo que a Bienal é responsável por consagrar o campo em que está inserida e é

dominante, por ser dominante no processo de consagrar o campo, ela se auto-consagra, mantendo uma situação cíclica

de poucas possibilidades de rompimento do esquema. Não é possível comparar o Encun e a Bienal quando pensamos

em suas posições (dominante ou dominado) dentro do campo da música no Brasil, inclusive, porque, mesmo que

existam possíveis aproximações entre os dois eventos, cada um deles é representante de um subcampo diferente,

havendo hierarquia entre eles. O ENCUN, nesse caso, por ser um evento “alternativo”, criado, produzido e mantido sem

apoio direto institucional e tendo um caráter muito mais aberto (rompendo com algumas regras e valores de beleza,

qualidade e método hegemônicas na música, através, por exemplo da não-curadoria) se configura como uma iniciativa

experimental e/ou alternativa ocupando, necessariamente, um lugar social (campo) marginal em relação a outras

práticas musicais. Assim, esclarecemos que a comparação entre os eventos é pensada somente no quesito

representatividade feminina no campo criativo em música (seja ela tradicional, acadêmica, conservatorial ou

experimental). Nos referimos ao conceito de campo de Pierre Bourdieu elaborado nos livros: A produção da crença -

Contribuição para uma economia dos bens simbólicos (2004) e, A economia das trocas simbólicas (2004).

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O Encun nasce do descontentamento com relação às práticas pedagógicas e composicionais

no campo da criação musical no Brasil, tendo como maiores referências a academia e o

conservatório. Nasce com um discurso e uma prática democratizantes do fazer e do fruir musical e

se estabelece no cenário brasileiro como um espaço alternativo, mais aberto à experimentação,

vinculando-se, através da não-curadoria, à práticas ditas experimentais na música. Contudo, a pouca

representatividade de mulheres, negros e negras, gerações diversas, sexualidades múltiplas, gêneros

múltiplos e outros16 evidenciam o caráter sistêmico das opressões, que passam despercebidas,

durante anos, dentro de um grupo majoritariamente masculino, de classe média, universitário.

Através do Encun (que dentro de um contexto vinculado mais ou menos aos campos marginais da

cultura acadêmica/conservatorial - como o da música experimental - representa rupturas à sistemas

normativos do fazer e fruir musical tradicional), é possível perceber a importância de se conhecer o

contexto a partir do qual falamos e que analisamos, como destaca Haraway (1995) e Mohanty

(1984). Significa entender que os/as participantes do Encun, assim como nós duas, autoras desse

texto, fazemos parte de uma elite cultural no Brasil que nos impede, ou pelo menos dificulta,

enxergar os nossos próprios privilégios.

Dito isso, podemos perceber o tímido aumento da participação feminina nas áreas

associadas à criação musical do ENCUN como um movimento importante tanto como consequência

de um momento atual em que o feminismo ressurge no Brasil em âmbitos que afetam atividades

como o ENCUN, como um movimento que pode contribuir para aumento de uma “consciência” de

classe, raça e gênero para as pessoas que fazem parte do campo no qual o ENCUN se insere,

possibilitando intervenções positivas para a maior igualdade e equidade, ao menos, entre homens e

mulheres no evento e entre a relação de “criação x interpretação”.

Ao se colocar como alternativa a modelos normativos na música o ENCUN se abre para o

diálogo e a possibilidade de incorporação de outras categorias não normativas, como as mulheres

criadoras de som/música, por exemplo. Mesmo que seja ainda de forma tímida a participação

feminina nos campos de criatividade no ENCUN vem aumentando e a desigualdade representativa

16 No presente artigo não abordamos uma análise interseccional, por não termos dados tabulados suficientes sobre os e

as participantes do encun em relação à raça e cor, à geração, à sexualidade e identidade de gênero, à deficiência e

outros. Contudo, afirmamos a falta de representatividade dessas tantas marcações de forma intuitiva através da nossa

percepção construída pela participação direta nos eventos. Sendo participantes do ENCUN, somos parte dessa

comunidade e conhecemos pessoalmente grande parte dos e das participantes também. Assim, mesmo que não

tenhamos esses dados tabulados, e estejamos trabalhando com “nomes de mulheres” e “nomes de homens” presentes

nos programas dos eventos e o cruzamento desses dados com depoimentos e com o nosso próprio conhecimento

construído na prática vivida, arriscamos dizer que há falta de representatividade dessas categorias elencadas: mulheres,

negros e negras, diversidade de gerações, diversidade de identidade de gênero, diversidade de sexualidades, pessoas

com deficiência e outros.

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entre homens e mulheres vem diminuindo. Esperamos que além de alcançarmos paridade

representativa entre homens e mulheres no evento, possamos aproveitar melhor o ímpeto não

normativo do ENCUN e assumir nossa responsabilidade em desconstruir verdades tão arraigadas

em nossa cultura musical universitária/acadêmica, por exemplo, em relação à autoria da obra. Que

consigamos enxergar melhor o contexto em que estamos inseridos e inseridas para combater

possíveis opressões e silenciamentos que nós mesmos e mesmas reproduzimos atentando para

grupos excluídos desse contexto, entendendo que a não representação de algum grupo específico é

ao mesmo tempo sintoma e consequência que se transformam em motivo para que sigamos

estudando, refletindo e buscando melhorar do ponto de vista da equidade entre gêneros, raças,

classes e outros o nosso entorno.

Referências

BELLO, Louise. Uma Primavera Sem Fim. No portal ThinkOlga disponível em:

http://thinkolga.com/2015/12/18/uma-primavera-sem-fim/

BOURDIEU, Pierre. A Produção da Crença – Contribuição Para Uma Economia Dos Bens

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COOK, Nicholas. Entre o Processo e o Produto: música e/enquanto performance. Trad. BORÉM,

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DEL NUNZIO, Mário. Práticas Colaborativas em Música Emperimental no Brasil entre 2000 e

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GALETTI, Camila, C. C. H. Corpo e Feminismo: a Marcha das Vadias de Campinas/SP.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Sociologia da Universidade de

Brasília/UnB. Brasília, 2016.

GOEHR, Lydia. Being True to the Work, in The Journal of Aesthetics and Art Criticism, Vol. 47,

No. 1, 1989, pp. 55-67. The American Society for Aesthetics. Disponível em:

http://www.jstor.org/stable/431993. Acessado em: 29/01/2015.

HARAWAY, Donna. Saberes Localizados: A Questão Da Ciência Para O Feminismo E O

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IWAO, Henrique e NUNZIO, Mário del (organizadores), Ibrasotope, Revista de música

experimental, São Paulo, 2009. 71p

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MEDEIROS, Marcelo. A Geografia dos Ricos no Brasil. IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada. Governo Federal. 2004.

MOHANTY, Chandra Talpade, Under Western Eyes: Feminist Scholarship and Colonial

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NEIVA, Tânia et al. Sobre o ENCUN – texto a dez mãos e cinco cabeças. Publicado na revista

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encun-texto-a-dez-maos-e-cinco-cabecas/

Women creating sound / music and their activities in the ENCUN - National Meeting of Sound

Creativity

Abstract: In this communication we approach the activities of women in the field of musical /

sound creation in the ENCUN - National Meeting of Sound Creativity throughout its fourteen years

of existence. Through documentary analysis as well as our own experience within the field,

considering the notion of situated knowledge of Donna Haraway, we propose a reflection on female

representativeness in the meetings. The analysis takes into consideration a specific context marked

by the characteristics of the field of Brazilian experimental music at a historical moment of

resurgence of feminist movements.

Keywords: Women music/sound creators, ENCUN – Sound Creativity Meeting, feminism, gender.