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EDUCAR PARA A MODERNIDADE: PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS PROPAGANDAS DE CURITIBA NO INÍCIO DO SÉCULO XX* Sarasvati Yakchini Zridevi Conceição** Universidade Federal do Paraná – [email protected] RESUMO No inicio do século XX intelectuais curitibanos procuraram implantar um projeto de modernidade que envolvia todas as esferas da sociedade. Para que o projeto elaborado pela crescente burguesia urbana fosse implantado, era necessário difundir a cultura moderna à população curitibana, a fim de que essa compartilhasse dos ideais de modernidade que permeavam o momento histórico. As propagandas, veiculadas nos periódicos das duas primeiras décadas do século XX, vão se constituir num veículo eficaz de disseminação da cultura da modernidade, principalmente à população que tinha contato, direto ou indireto, com os jornais e revistas. Portanto, este artigo tem a intenção de realizar um estudo sobre os aspectos educacionais vinculado pelas propagandas dos periódicos que circulavam na capital paranaense, nos anos de 1900 a 1930. Palavras-chave: educação, modernidade, propaganda. ABSTRACT In the early twentieth century intellectuals sought curitibanos deploy a project of modernity that involved all levels of society. For the bill drafted by the growing urban bourgeoisie was implemented, it was necessary to spread the population curitibana modern culture so that it shared the ideals of modernity that permeated the historical moment. The ads, aired in the journals of the first two decades of the twentieth century will be an effective vehicle for spreading the culture of modernity, especially to people who had contact, direct or indirect, with newspapers and magazines. Therefore, this article intends to conduct a study on the educational aspects of the periodic bound by advertisements that circulated at the state capital in the years 1900 to 1930.

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EDUCAR PARA A MODERNIDADE: PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS PROPAGANDAS DE CURITIBA NO INÍCIO DO SÉCULO XX*

Sarasvati Yakchini Zridevi Conceição**Universidade Federal do Paraná – [email protected]

RESUMONo inicio do século XX intelectuais curitibanos procuraram implantar um projeto de modernidade que envolvia todas as esferas da sociedade. Para que o projeto elaborado pela crescente burguesia urbana fosse implantado, era necessário difundir a cultura moderna à população curitibana, a fim de que essa compartilhasse dos ideais de modernidade que permeavam o momento histórico. As propagandas, veiculadas nos periódicos das duas primeiras décadas do século XX, vão se constituir num veículo eficaz de disseminação da cultura da modernidade, principalmente à população que tinha contato, direto ou indireto, com os jornais e revistas. Portanto, este artigo tem a intenção de realizar um estudo sobre os aspectos educacionais vinculado pelas propagandas dos periódicos que circulavam na capital paranaense, nos anos de 1900 a 1930.

Palavras-chave: educação, modernidade, propaganda.

ABSTRACTIn the early twentieth century intellectuals sought curitibanos deploy a project of modernity that involved all levels of society. For the bill drafted by the growing urban bourgeoisie was implemented, it was necessary to spread the population curitibana modern culture so that it shared the ideals of modernity that permeated the historical moment. The ads, aired in the journals of the first two decades of the twentieth century will be an effective vehicle for spreading the culture of modernity, especially to people who had contact, direct or indirect, with newspapers and magazines. Therefore, this article intends to conduct a study on the educational aspects of the periodic bound by advertisements that circulated at the state capital in the years 1900 to 1930.

Keywords: education, modernity, advertisements.

Introdução

A cidade de Curitiba no início do século XX foi envolvida por uma dinâmica de mudanças, englobando vários níveis da sociedade, na tentativa de tornar-se mais moderna e civilizada, ao molde europeu. As idéias de progresso, crescimento e modernização que permeavam este momento histórico foram acompanhadas pela intelectualidade curitibana, que procurava implementar um projeto civilizatório em toda a sua extensão. Uma nova arquitetura é proposta, a urbanização começa a ser praticada com o intuito de suceder o velho pelo novo, e aos poucos, a população curitibana começa a conviver com símbolos da ciência e da tecnologia no seu cotidiano: luz elétrica, bondes movidos a eletricidade, automóveis e artefatos mecânicos. Na esfera social e cultural, novas práticas e hábitos vão sendo absorvidos pela população, e os tradicionais são reprimidos através de uma intensa campanha pela cura das doenças sociais. Imbuída do mito cientificista, essa intelectualidade curitibana produz

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discursos e atua em diversos campos, entre eles, os da saúde pública, da educação e do planejamento urbano, visando à superação dos problemas sociais. O principal objetivo era “produzir” indivíduos sadios, civilizados, de preferência brancos (com o impulso da imigração) e dispostos ao trabalho, regenerador dos costumes de uma sociedade marcada pelos “vícios” da escravidão e da miscigenação. Quais os discursos educativos difundidos pelas propagandas nos jornais e revistas de Curitiba nas duas décadas iniciais do século XX? Sabendo-se que as propagandas constituíram um veículo importante de divulgação, persuasão e educação e estão imersas na cultura e no social num determinado momento histórico, foram eleitas como fonte primária deste trabalho. Por meio de características próprias, como a linguagem e a imagem (iconografia), que se busca entender as representações de gênero, da ciência, do progresso, da modernidade, assim como captar os sinais de conflitos entre a teoria e a prática dos sujeitos sociais, tendo como base metodológica os procedimentos da História Social da Cultura.

Educar para a modernidade em Curitiba

Curityba...Curityba: a cidade dos meus nervos; a cidade imperial dos poentes, embaciados e scismarentos: a cidade-mãe dos meus primeiros sonhos;a aldeia da minha infância, a cidade de minha juventude, a capital de minha velhice; aquella que, outrora, velha e tristonha, solemne e atrazada, com as suas ruas, silenciosas e monótonas, se desfazia, em ruínas, embelleza-se, dia a dia, para o noivado olympico do sol.Curityba: a noiva deliciosa que, na madrugada das minhas emoções, voluptuosamente abriu me de par em par, a cathedral do meu deslumbramento, para a missa profana dos meus sentidos, acena-me de longe, despertando a fogueira da minha fantasia há muito estanecida- pobre fantasia minha, mareada de tantos e tão grandes desenganos, - para os festins da Belleza e da Arte. 1

Esta crônica de 1928, impressa no periódico curitibano Ilustração Paranaense, revela importantes elementos referentes às inúmeras mudanças que a capital paranaense vinha sofrendo nas duas primeiras décadas do século XX. Nos jornais e revistas, sendo em crônicas e propagandas, a cidade de Curitiba é exaltada naquilo que tinha, ou acreditava ter de moderno, de urbano, de progresso. Exaltam-se as fábricas, as indústrias, a energia elétrica, a urbanização. O desejo de melhorias técnicas, de mecanização da produção, dos transportes, da comunicação, do comportamento, do embelezamento, fazia parte de uma difusão cultural de um gênero de vida urbano e moderno. O desejo de modernidade expressado pelo cronista, Nestor Erichisen, esbarrava na tentativa de livrar-se o mais breve possível de um passado recente, impregnado de estagnação, pacatez, tristeza e atraso. Seu sonho estava sendo concretizado e a sua cidade-mãe parecia sair da penumbra e ir de encontro ao seu destino, o brilho do sol, ou seja, a modernidade.

A Curitiba de sua infância e juventude assistia a um processo de mudanças, de estilo e de costumes, que emergiram da Europa, a outras regiões do mundo, e que tem seu grande símbolo na chamada Belle Èpoque2. Mesmo sendo elevada à condição de capital da Província do Paraná em 1854, Curitiba “permaneceu modesta e acanhada por muito tempo”.3 Somente quando os imigrantes começaram a chegar com mais intensidade, por volta de 1870, é que a cidade começa a apresentar sinais de “desenvolvimento”.

De acordo com Berberi4, o imigrante europeu passou a ser visto como um elemento impulsionador do desenvolvimento da região, pois era portador das tradições e culturas mais adiantadas e civilizadas. Além disso, foram encarregados de promover o branqueamento da sociedade curitibana. Porém, o considerável crescimento do contingente estrangeiro, e a constante reimigração começam a preocupar os governantes devido à estrutura provinciana da capital que já ia excedendo os limites naturais.

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Na última década do século XIX, a população da cidade tinha dobrado e já eram visíveis as dificuldades de sobrevivência e de moradia numa economia precária, eminentemente agrícola, marcada pela carestia e o desemprego. Muitas pessoas vão sendo obrigadas a viver de trabalhos informais e do crime. As condições higiênicas da urbe são precárias e hospedam as moléstias epidêmicas que tem como principal alvo à população pobre e miserável. Se por um lado, o imigrante era visto como um elemento de europeização, trazendo os costumes e hábitos civilizados para a sociedade curitibana, por outro, foi associado a acontecimentos e práticas desagradáveis que perturbaram a pacata população local. Além disso, era considerado responsável por boa parcela das doenças que assolavam a Curitiba, que antes de sua chegada, eram desconhecidas.

O projeto médico sanitarista atuaria incansavelmente na educação da população para adquirir hábitos mais higiênicos e também para regular os comportamentos que pudessem ser prejudiciais a sociedade, como a prostituição, o alcoolismo, o casamento entre doentes que geraria uma prole também doente. Era preciso conter a transmissão dos germes, ou como nos informa a propaganda do medicamento Pautauberg5: fechar a porta para a infecção, para o germe.

que afetava qualquer individuo independente do gênero, ou da classe social. Para o autor, o elo de interdependência percebido pelas elites está menos no micróbio (o germe), mas na sua transmissibilidade. Assim, a transmissão de uma doença tem analogias com os efeitos externos do comportamento individual em sociedade.6

Foi com a Proclamação da República, em 1889, que os interesses da elite curitibana, partidária em sua grande maioria dos ideais modernos e civilizados, puderam ser colocados em prática. O projeto de modernidade abraçado pelos intelectuais7 curitibanos supunha implementar a modernização, o progresso, a multiplicação de riquezas. No começo do século XX, a cidade vai acompanhar, mesmo que não rapidamente, o ritmo dos acontecimentos das outras cidades do país, como o Rio de Janeiro, onde ocorre grande aumento populacional, alteração da paisagem e do ritmo de vida, decorrente das intensas reformas urbanas e do convívio com novas tecnologias. Propagandas destacavam o imaginário das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e as capitais cosmopolitas européias de Paris e Londres.

A preocupação com as pessoas fracas e convalescentes era partilhada por médicos, sanitaristas, propagandas farmacêuticas e pessoas comuns que temiam a invasão e a transmissão dos “micróbios” responsáveis pelas doenças em organismos pré-dispostos. O triunfo da teoria microbiana acarreta numa série de investimentos do movimento sanitarista junto ao poder publico para impedir hábitos e práticas que pudessem prejudicar a própria vida das pessoas e ameaçassem a vida de outros, que não compartilhavam dos mesmos hábitos e/ou práticas. Segundo Hochman, o encontro dos seres humanos com o micróbio se apresentou como um fenômeno fundamente social. Ele utiliza o conceito de interdependência social para explicar a preocupação dos ricos com os menos afortunados e doentes e a decisão de agir para combater esse estado. Essa atitude não derivava apenas de uma concepção ética e social da elite, mas da percepção de que a ameaça da doença os tornara solidários e que elas haviam perdido a imunidade social, diante do problema

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As três propagandas destacam o modelo que a sociedade curitibana gostaria de seguir. Navios franceses traziam não apenas a moda/mobiliário e as roupas, mas também as notícias sobre as peças e livros mais em voga, as escolas predominantes, o comportamento, o lazer, as estéticas, tudo que era consumível e que poderia despertar na população a sensação de se estar vivendo como ou na própria França. A propaganda da Livraria Moderna11, por exemplo, destaca a informação aos seus clientes: “[...] Importação direta os principais centros europeus. Recebe novidades por todos os vapores [...]”, demonstra que os melhores produtos são aqueles que vêm da matriz européia. Mas é o empréstimo lingüístico, o recurso mais utilizado por elas para demonstrar “um desejo de ser estrangeiro”.12 Os termos em francês estão presentes nos nomes das lojas de moda Ao Louvre, que destaca que seus artigos vêm do Rio de janeiro, e do armarinho Au Petit Paris, bem como, também dentro dos textos publicitários, como mostra o anúncio da Alfaiataria Paranaense. Termos em inglês, também são utilizados pelas propagandas em decorrência da influência da Inglaterra e dos Estados Unidos, embora em menor proporção. O anúncio do “Cinema Smart” destaca: “As mais modernas obras da cinematographia tem passado pela tela do ‘Smart’, o que faz com que seu elegante salão de exibições seja freqüentado continuadamente por uma assistência elegante e numerosa”.13

As descobertas e os avanços tecnológicos, as idéias de progresso, de crescimento e de modernização dominam o contexto histórico das primeiras décadas do século XX e são compartilhadas pela intelectualidade de Curitiba que aos poucos, vai modificando a paisagem e a cultura da cidade. Nas devidas proporções, o curitibano, principalmente das classes mais abastadas, passa a conviver no seu cotidiano com as novidades técnicas, como: telefones, cinematógrafos, gramofones, telégrafos, câmaras fotográficas e automóveis,

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largamente difundidos pelas propagandas, e a presenciar os efeitos do transporte ferroviário, da iluminação elétrica, do calçamento das ruas, da construção de novas fachadas e aos novos tipos de lazer.14

Ao mesmo tempo em que as possibilidades abrem-se para o homem, “ao viver numa era de maravilhas”, ele perde seu referencial com a tradição, pois a modernidade, configura-se numa experiência que ameaça destruir as práticas, os conceitos e o modo de vida com que se estava acostumado. Nicolau Sevcenko descreve esta característica:

As mudanças irão afetar a ordem e as hierarquias sociais até as noções de tempo e espaço das pessoas, seus modos de perceber os objetos ao redor, de reagir aos estímulos luminosos, à maneira de organizar suas afeições e de sentir a proximidade de outros seres humanos. De fato em nenhum período anterior, tantas pessoas foram envolvidas de modo tão completo e tão rápido num processo dramático de transformações de seus hábitos cotidianos, suas convicções e seus modos de percepção.15

Marshall Berman identifica a modernidade às sensações que são compartilhadas por homens e mulheres de todo o mundo, seja em Curitiba, Rio de Janeiro ou em Paris. Para ele, “Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”.16

O adjetivo ‘moderno’está presente na maioria das propagandas das duas primeiras décadas do século, representando as qualidades em si ou qualificando um comportamento ou um objeto, fazendo com que o consumidor se identifique com “os novos tempos”, como na propaganda abaixo:

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O conceito de moderno, qualquer que seja a situação em que apareça, sempre carrega consigo a noção de consciência do presente em distinção aos períodos antecedentes, distinção essa que pode ser de notável desenvolvimento como de ruptura radical com o passado. O moderno de nossa época se difere de outros momentos modernos: ao lado das mudanças no âmbito político, social, cultural que focalizam o presente, separando-o do passado, as conquistas tecnológicas abrem uma perspectiva de avanços contínuos que projetam a todo o momento a figura do futuro. Portanto, o que vale mais, segundo a propaganda é um brinquedo moderno, independente de ser melhor ou pior que os brinquedos tradicionais

É na gestão do Presidente do Estado, Carlos Cavalcanti (1912-1916), e principalmente dos Prefeitos João Antonio Xavier e Cândido de Abreu, que os projetos de reurbanização da cidade podem ser implantados, consolidando assim, o imaginário de modernização.

A figura do engenheiro torna-se importante neste período, pois era ele quem possuía o conhecimento produzido pela nova sociedade sob o impulso do modelo industrial. Em 1900, a capital já contava com pelo menos 11 engenheiros. Quanto mais a sociedade aceitava os valores cientificistas, mais espaço e ação os profissionais da engenharia iam obtendo.18

Ainda na gestão desse Prefeito, criou-se uma “Comissão de Melhoramentos da Capital”, que ficaria encarregada da realização das reformas que se fizessem necessárias, tais

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como: desapropriação para o embelezamento da cidade e o alargamento de praças, retificação dos rios, construção de bueiros e galerias de águas pluviais, calçamento e arborização de ruas e praças, construção de dois mercados, do Paço Municipal e da Praça do Cemitério Municipal. Reurbanizar nesse momento significa também higienizar, ou seja, “limpar a cidade e expulsar para longe do espaço, que se pretendia unificado, toda uma forma de existência miserável e fétida que se amontoava como o lixo nos velhos casarões”.19

Era necessário afastar do espaço refinado, a população pobre e suja, e com elas, as epidemias constantes na capital, que vitimavam não só a população miserável, mas também, os “homens bons” que freqüentavam, por exemplo, a loja “chic de Paris” e o “cinema Smart”. Foi preciso que a administração pública voltasse seus cuidados à questão da salubridade.

“Modernizar”, “civilizar”, construir o “progresso”, “higienizar”, implicava, além da reestruturação urbana da cidade, instalar água encanada e adotar medidas preventivas, como vacinas e o combate aos hábitos anti-higiênicos. Propagandas sabonetes, pasta e escova de dente e desinfetantes invadem as páginas dos jornais, vendendo assim, hábitos mais saudáveis. Nestas, encontram-se também inúmeras propagandas de remédios que se propunham a curar qualquer tipo de moléstia e enfermidade.

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Na propaganda “Gonodion” as descobertas técnicas que surpreenderam a humanidade no final do séc. XIX e início do séc. XX são utilizadas numa analogia para demonstrar a novidade e a eficácia de um remédio para gonorréia. Remédio este, que se coloca como sendo mais sensacional do que o invento de todos os artefatos mecânicos da época. Gerez21 dividiu os medicamentos em dois grupos: os medicamentos populares e os “medicamentos éticos”. Os populares estão disponíveis à população sem necessidade de receita médica, podendo o individuo escolher e tomar como uma forma de automedicação. Assim, como o Gonodion, muitos destes medicamentos estavam dispostos como prateleiras nas páginas dos jornais. Os medicamentos “éticos” são aqueles adquiridos com receitas médicas ou recomendados por médicos e que tem “eficácia” mais garantida. Esses remédios eram divulgados em menor escala em propagandas nos jornais, mas, como eram destinados à classe médica, tinham seus anúncios geralmente publicados nas revistas especializadas de medicina.

Crentes no poder regenerador da Ciência e no inexorável avanço da civilização sobre a barbárie, os médicos, reivindicaram a responsabilidade pela reorganização da sociedade, esquadrinhando todos seus espaços, inventariando os problemas e propondo soluções orientadas pelos princípios higienistas [...] Entre os problemas detectados, a mortalidade infantil e o 'descaso' com a criação dos filhos foram apontados como os mais urgentes a serem atacados pela orientação higienista, pois sendo a população uma das principais riquezas da nação, a família foi investida de uma nova função política: produzir bons cidadãos saudáveis e produtivos.22 Mas o ponto de partida foi, sem dúvida o discurso de Miguel Pereira afirmando que o Brasil era um imenso hospital em 1916 a expedição médico científica do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), chefiada por Belisário Penna e Arthur Neiva ao interior do Brasil que revelava um país com uma população desconhecida, atrasada, doente, improdutiva e abandonada, e sem nenhuma identificação com a pátria. A partir dela ganha destaque a tese da

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importância da educação e da saúde, e não só do branqueamento, para o resgate de um Brasil condenado ao atraso.23 A publicação em 1916 do relato Viagem científica pelo Norte da Bahia, Sudoeste de Pernambuco, sul do Piauí e de norte a sul de Goiás dos médicos, representou um impulso para o movimento sanitarista que mobilizaria grande parte dos intelectuais brasileiros e resultaria na criação da Liga Pró-Saneamento do Brasil em 1918 e do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) em 1920, sendo extremamente rápida a adesão dos Estados à política do DNSP. O relatório teve uma repercussão muito grande pelo Brasil e a idéia de salvação nacional tomou conta de diversos discursos, inclusive o publicitário: “Este não é um mão operário”24, propaganda veiculada na Gazeta do Povo, nos revela a preocupação com a saúde e a produtividade dos trabalhadores.

Médicos e higienistas, junto com os engenheiros, são os detentores dos saberes específicos que vão de encontro ao novo quadro urbano moderno. Mais intensamente, essas ações são voltadas às casas e atividades das camadas mais pobres. Ações são tomadas para de limpar os lugares que irradiam doenças nas habitações e instalações imundas, insalubres, miseráveis, bem como nos hábitos pouco asseados. Além dos casarões de residência coletiva, hotéis, pensões e bares de baixa categoria são expulsos do centro da cidade, casas de jogos de azar e “pensões de mulheres” são fechadas e os espaços de sociabilidade reprimidos.

Essa intensa campanha pela cura das “doenças sociais” teve como símbolo máximo de atuação, a cidade. Tudo que nela era visto como atraso ao progresso e à civilização era identificado como doença e devia ser combatido. Além dos médicos e engenheiros, os educadores, a justiça, a polícia e a imprensa, ajudaram a combater os focos de doenças, vícios e rebeldias, que atrasavam o progresso da urbe curitibana.25

Na propaganda das Aveia Quaker26, a preocupação com a higiene e a conservação do produto, vem estampada com a mensagem da modernidade de sua embalagem. O segurador especial de metal na tampa proclama as qualidades do produto que é acondicionado sob pressão, evitando a contaminação e a deterioração do alimento. Todo este cuidado

O trabalho não podia ser realizado por dois motivos: a preguiça e a doença. A preguiça neste período era associada à sociedade rural obstáculo ao progresso, e os grupos urbanos e cosmopolitas não podiam vê-la de outra maneira, já que o tempo é encarado como um fator de produção e acumulação de riquezas. É possível realizar inclusive, uma associação da imagem veiculada pela propaganda à personagem Jeca Tatu, criada por Monteiro Lobato: rural, indolente e com aversão ao trabalho. Segundo Sevcenko (1992), há uma oposição entre a cidade industriosa e o campo ocioso, um desmembramento em sociedades antagônicas e desentronizadas. A questão é: que o sertão começava logo ali, depois da principal avenida. Além disso, na sociedade capitalista um indivíduo só pode ser considerado cidadão se dignifica seu tempo com o trabalho produtivo. Tomando a neo-necatorina o homem recuperado, poderia colaborar para o bom funcionamento do corpo social, tornando-se útil à sociedade.

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proporciona ao consumidor maior saúde através da qualidade do alimento, numa época em há denúncias de diversos alimentos contaminados por manipulação não adequada e que as moléstias estão sendo combatidas para evitar a transmissão e a mortalidade, principalmente a infantil, que em Curitiba, chega a números alarmantes, segundo os boletins de estatística demográfica apresentados anualmente no Jornal O Dia. A grande maioria das mortes ocorre devido a doenças do sistema gastrointestinal. É neste contexto, que a mulher é eleita como uma aliada da campanha sanitarista, investida da responsabilidade de criar os futuros cidadãos, fortes e sadios. Mesmo investidas deste novo status de criadoras dos cidadãos da Pátria, elas eram também culpabenizadas por todas as doenças que acarretavam os filhos que, segundo o discurso médico, muitas eram teimosas, ignorantes, preferindo utilizarem-se de práticas de cura duvidosas, em vez de aceitar os conselhos médicos e as lições de puericultura. 27

O desejo dos intelectuais curitibanos de erigir uma “cidade ideal” baseada nos princípios dos valores modernos estava em pleno andamento. As novas invenções científicas que iam surgindo na cidade e tomando conta dos lares, das fábricas, das lojas, das ruas e dos anúncios de jornais e revistas, só aumentavam a sensação de se estar vivendo numa “era de maravilhas”.

A era das maravilhas: o culto às maquinas

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Vivemos numa era de maravilhas! Como é maravilhosa a era em que vivemos! Fotographias pelo radio. Machinas que pensam. Luzes que penetram o nevoeiro. Gás fabricado de água. Machinas de vender para substituírem os caixeiros. Buzinas que se podem ouvir a 75 quilômetros de distância.Faróis com um alcance de 400 quilômetros. Comboios sem machinistas ou condutores, e canhões de cinco milhões de voltios, construídos para despedaçar átomos! Locomotivas que puxam comboios com um comprimento de três quilômetros. Iluminação de ruas accionada por machinismos de relógios. Machinas fotographicas que registram o curso das descargas etectricas. Pas automáticas que levantam pesos de 24 toneladas. Lâmpadas electricas de 50.000 vatios e invisíveis aparelhos cinematographicos para apanhar o gatuno! Machinas para registrar a natureza de accidentes, para revestir cabos telephonicos, para datilografar notícias telegraphicas, para administrar anestésicos, para tomar apontamentos por telephone, para obras de cimento, pontear meias! Aparelhos suceptíveis de registrar medidas infinitessimaes, de anunciar terremotos, gelar fogo, distinguir os mais deliciosos matizes, graduar algodão operar todo uma rêde de sinais veiculares, exercer pressão tão enormes que permitem fabricar diamantes, e ver as ondas sonoras. É realmente uma nova era!28

Este texto publicitário pertencente à propaganda da Impressora Paranaense, veiculado

em maio de 1929 e foi escolhido por demonstrar um aspecto importante da modernidade que chegou à cidade de Curitiba: as descobertas técnicas, que entram para o cotidiano e contribuíram para a alteração radical do modo de vida das pessoas, que viveram no final do século XIX e início do século XX. A propaganda descreve com fascinação os novos artefatos mecânicos, pois, após milênios de civilização, o homem tinha em seu poder engenhos inacreditáveis: fios que transmitem instantaneamente mensagens de um canto do mundo a outro, lâmpadas sem gás nem pavio, carros que andam sem precisarem ser puxados por cavalos, aparelhos para conversar com pessoas a longa distância, máquinas capazes de gravar e reproduzir sons, aparelhos que tiram retratos perfeitos em pouco tempo, telas mágicas que exibem imagens em movimento de pessoas, animais, paisagens, máquinas industriais capazes de realizar com muito mais perfeição e rapidez qualquer atividade realizável e não realizável pelo homem. A própria Impressora Paranaense se coloca como uma das invenções responsável pela ‘maravilhosa era’ em que se vive, nas duas primeiras décadas do século XX. Esses novos artefatos representam a idéia de progresso e da crença na ciência que invadem o mundo inteiro e se tornam símbolo e garantia de um mundo melhor. É a magia de um novo tempo que se traduz nas surpresas que a técnica vai revelando pouco a pouco. O responsável por esse clima entusiástico é o progresso que, patrocinado pela deusa Ciência, avança em direção à “felicidade” e à transformação da humanidade29.

A vitória do industrialismo, da mecanização do processo produtivo no mundo burguês, promoveu a introdução das máquinas no tempo e no espaço do dia-a-dia. Elas foram pouco a pouco conquistando a curiosidade e o encantamento dos homens e transformaram-se em espetáculo, magia e sedução. A sedução e aceitação que os artefatos exerceram aos moradores das cidades, especialmente Curitiba, foram largamente influenciadas pelas crônicas, propagandas e anúncios, veiculados pelos inúmeros periódicos, que retratavam as maravilhas dos maquinários modernos e a necessidade de seu consumo. Todas as transformações ensaiadas para a capital eram conduzidas por uma elite econômica progressiva ligada à exploração do mate e da madeira, na criação de pequenas indústrias e no fornecimento de serviços.

A propaganda dos pneus Goodyear30, utiliza-se da crença no progresso e da ciência, através da tecnologia moderna, para apresentar seu produto que “procura sempre o novo, o necessário, o adeantado”. Ela procura demonstrar que o progresso estava visível nos avanços da tecnologia, e que a necessidade de ser moderno, perpassava pelo consumo do produto. As ilustrações (pneus, águias, aeroplano) reforçam a idéia de que a empresa fabricante do pneu

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estava presente, com sucesso, na construção de transportes aéreos e terrestres e, por sua excelência, poderia fornecer ao consumidor, o melhor produto. O balão dirigível, ilustrado na propaganda, foi inventado pelo brasileiro Santos-Dumont, que, financiado por seu pai, enveredou por pesquisas aeronáuticas em Paris. Combinando um balão com um motor a gasolina, provido de hélice e leme, sobrevoou pela primeira vez os céus da capital francesa em 1901. O relógio de pulso foi um de seus inventos imediatamente adotados em toda parte. Projetado por ele e encomendado a Casa Cartier, o modelo tornou-se a moda e foi copiado pelo mundo inteiro.

Porém, o fascínio e a magia que as máquinas exerceram sobre as pessoas, no período da belle époque, causaram mal-estar com o final da Grande Guerra. No contexto cultural do século XIX, os produtos bélicos foram convertidos em espetáculos de massa nas exposições universais, mas com a concretização da guerra e as conseqüências catastróficas do seu término, principalmente, relacionadas às perdas humanas e materiais, a utilização das máquinas para fins político-militares causava mal-estar, ao mesmo tempo, em que terá papel fundamental no processo de industrialização. O grande espetáculo no século XX vai encontrar seu palco na guerra, o progresso vai se identificar com a exibição de novos engenhos mecânicos: máquinas voadoras de guerrear, armas sofisticadas, mídias eletrônicas, enfim, “sofisticam-se os veículos dessa diversão mórbida”.31

A propaganda da Padaria ‘Alfredo A. Mülller’ de 1912 revela a idéia de espetáculo que as máquinas causavam, incitando a curiosidade e a admiração do publico:

“Attenção

Mas o seu maior invento foi demonstrado em 1906, o avião 14-Bis, revolucionando os meios de transportes. O anuncio vai se utiliza da imagem de Santos-Dumon através de seu invento para dar credibilidade ao seu produto.

O moderno é colocado pela propaganda como sinônimo de novidade. A demonstração da perecidade dos produtos modernos vão afirmar a necessidade de serem constantemente substituídos por novos, ou por novos modelos: é o fetiche do novo, na esfera cotidiana, que se resume no desejo de distanciamento do passado recente, do antiquado. As pessoas são estimuladas a trocar sempre pelo produto mais recente no mercado.

Uma infinidade de outros anúncios publicitários invade os periódicos, colocando a venda inúmeras máquinas. Elas aparecem colocadas em evidencia não somente como produto, mas como algo que transcende ao caráter de simples mercadorias: ganham conotação de espetáculo, tornando-se dignas de admiração e respeito. Tal efeito era, muitas vezes, provocado não apenas pelo texto publicitário, mas pela disposição gráfica dos elementos e pelas ilustrações, onde se destacavam as máquinas.

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O proprietário deste bem montado estabelecimento, attendendo o bom acolhimento que tem recebido de sua numerosa freguezia, tem a honra de communicar ao respeitável público desta capital, que acaba de montar a sua padaria, com machinismos modernos, movidos inteiramente a vapor, -única no gênero- havendo no estabelecimento, onde é manipulado este producto, duas janellas envidraçadas, onde o público poderá apreciar o movimento das máquinas. Outrosim, aos Sabbados, a manipulação é feita das 12 ás 3 horas da tarde, podendo nestas horas ser apreciado este novo systema, ora introduzido nesta capital.Rua Assunguy, 65 e 67. Esquina da Rua Barão de Antonina”.32

Esse anúncio nos fala indiretamente de uma sociedade em que diversos aspectos de seu viver estão convivendo ou querendo conviver com as máquinas e as evoluções técnicas, está aprendendo a reconhecê-las como valores e necessidades. O homem desaparece aos olhos dos leitores, resta à máquina, as maravilhas de suas operações. No começo do século XX, as máquinas movidas a vapor são as novidades em termos de técnica, mas no imaginário popular, a grande magia ficaria em torno da energia elétrica.

RCA Radiola 33:Quem não ficará satisfeito com uma radiola 33? – Não tem bateria de espécie alguma.Somente ligada a tomada de luz. Alcance, nitidez e volume. General Electric. 33

A instalação da luz elétrica em Curitiba foi à exibição do progresso que sofria a cidade, encantando os moradores e recriando novos hábitos culturais. A energia elétrica foi efetivamente implantada entre 1900 e 1910 e com ela vieram muitos avanços na área industrial e de serviços, dentre eles, os bondes elétricos. Aos poucos a cidade se vê inundada de maquinarias que funcionam com eletricidade, e que são cultuados e difundidos pela imprensa periódica, como a Radiola 33. No entanto, o gradual progresso que se implantava na capital, e nas demais capitais do Brasil, convivia com a persistência de antigas relações de economia, de trabalho e de hábitos tradicionais enraizados na sociedade brasileira. O novo e o antigo, o tradicional e o moderno conviviam simultaneamente neste início de século. A preocupação estética com a aparência da capital, por exemplo, aumentava com a instalação da luz, que revelava a cidade nos seus detalhes.

[...] aos poucos Curitiba prepara seu ninho de luz . Anuncia-se que três ruas, Liberdade, Riachuelo e José Bonifácio vão resplandecer com a possante irradiação de lâmpadas elétricas, semelhantes as que enluaram a Rua Quinze. Evidentemente é mais uma conquista que obtém a prospera capital paranaense[...] No tocante à iluminação pública, Curitiba foi rigorosamente infeliz: a primeira a gás, era sofrível, depois a elétrica mais viva e civilizada[...]Reforçada a iluminação daquelas três ruas , teremos alterado bastante o aspecto da Curitiba noturna. Pena é que a Rua da Liberdade,onde por hipótese está a cabeça do Paraná, pois lá se ergue o Palácio Presidencial, apresente tantos claros e uns muros hor-ríveis, que zombam à farta das Posturas Municipais. Ali os grandes focos devem ser colocados com arte e jeito, de sorte que fiquem à luz os bons prédios e na penumbra os pardões, os ranchos de tábua, as mazelas, enfim [...] E, assim devagar, devemos substituir as pequenas lâmpadas, banhando toda a cidade em profusa claridade. Curitiba deve ir, aos poucos, preparando o manto de luz para agasalhar a Noite – esse misterioso pássaro de espessa plumagem negra saramilhada de estrelas. 34

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Propagandas ofereciam para passeio a noite com a luz elétrica na capital e para as atividades do dia-a-dia a comodidade dos automóveis e das motocicletas, que aos poucos vão substituindo a tração animal. O automóvel quebrava o silêncio da cidade que irrompendo as ruas, entre grandes explosões, anunciava o começo de uma nova era de maravilhas. Ele tornou-se o maior símbolo dos novos tempos, desejado pelos “homens da elite”, que ostentavam carros de diversas marcas: Fiat, Ford, Daimler, Brasier, Buick, e Olsmobile. Logo surgiram leis regulamentando o uso dos automóveis nas principais capitais, principalmente relacionadas à velocidade e a inspeção dos veículos. No entanto, poucas pessoas no inicio do século XX sabiam dirigir a invenção. Os chauffeurs que apareciam, tinham sempre a garantia de um emprego bem remunerado e recebiam um tratamento honroso. A motocicleta também começava a ganhar espaço entre os meios de transporte, representando um modo de vida mais esportivo e livre. Mais cara e sofisticada que a bicicleta fazia a alegria dos homens de espíritos mais aventureiros. As propagandas de automóveis e motocicletas demonstram as concepções de gênero que o período reproduz. Sempre dirigidos aos homens, as propagandas de automóveis reforçam as representações sociais dos papéis e qualidades masculinas. Como seres fortes, inteligentes, aventureiros, acostumados aos desafios do espaço público, os homens eram assimilados as máquinas potentes, reforçando sua masculinidade e seu poder. As mulheres consideradas seres mais frágeis e delicados, desfrutam das câmeras fotográficas que as permitem registrarem a vida dos filhos e da família nos momentos dentro do lar e em pequenos passeios no espaço público, acompanhadas de outras pessoas, como demonstra, pelo texto e pela imagem, a propaganda da Camara photografica Pathé-Baby:35

A era da técnica ligada ao lazer ainda traz em suas vitrines, fonógrafos e discos de todas as espécies, difundidos pelas propagandas da “Casa das Novidades” 36. O fonógrafo e o disco difundem-se a partir dos últimos anos do séc. XIX e tomam conta das propagandas dos jornais e revistas. O cinema inicia seu desenvolvimento enquanto indústria já nos primeiros anos do XX e, desde então, vincula-se ao lazer e não ao objeto artístico. Curitiba até 1930 tinha cinco anunciados pelas propagandas: O Eden, Smart Cynema, Cinema Smart, Cinema Mignhon e Coliseu. Todos oferecendo divertimento e filmes variados “escolhidos a capricho”.37

Na urbes que se reformulava, o “progresso” estava visível nos avanços da tecnologia. O telégrafo já havia sido largamente difundido, mas a telefonia só se tornaria realidade no final de 1880, quando se instalou em Curitiba uma linha ligando a estação ferroviária ao

Alegres acontecimentos dos dias felizes, as crenças brincando, José jogando foot-ball ou tênis, Mariasinha mergulhando, o pic-nic da família com os amigos, enfim, de tudo aquillo que nos proporcionou horas alegres é um prazer recordar e agora se pode obter com a magia da cinematographia reduzida a seus mais simples termos pela câmara Pathé-baby [...]

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Palácio do Governo. Logo, o telefone tornou-se de uso comum, a começar pelas repartições públicas e pelo quartel, atingindo as residências particulares da elite curitibana.

O surgimento do telefone contribuiu para a mudança da noção de espaço-tempo, pois possibilitava a comunicação a longa distância sem a necessidade de deslocamentos, seja para fazer visitas ou enviar e receber cartas. Com o uso do aparelho era possível conectar o global e o local de forma impensável em sociedades anteriores. Devido a esses fatores, o telefone era o meio de comunicação mais difundido e admirado pela população, como o anúncio da Companhia Sulamericana de Eletricidade:38

Considerações finais:

Através da análise das propagandas curitibanas no início do século XX, foi possível perceber e identificar aspectos culturais importantes transmitidos por elas à população da capital paranaense. O desejo da crescente burguesia de inserir Curitiba no mundo da modernidade não era tarefa fácil, pois a estrutura agrária era predominante na economia, não só na capital, mas na maioria das cidades e estados brasileiros. As transformações que vão ocorrendo em todas as esferas da sociedade curitibana propunham a construção de um ambiente adequado a um moderno estilo de vida. A Urbanização da cidade, o processo de higienização e cura das doenças sociais, significava derrubar um padrão de vida na cidade há muito estabelecido, o antigo. Os ‘velhos’ hábitos e costumes tradicionais ditavam a organização social e cultural de grande parcela dos habitantes da capital paranaense, mesmo em meio às mudanças que ela vinha sofrendo.

Na urbe que se modernizava, o novo e o antigo conviviam simultaneamente: bondes e carros circulam pelas ruas onde trafegam cavalos e carroças; a luz elétrica denunciava partes da cidade sem infra-estrutura alguma; salões chics de danças e cinemas repartiam o público com as casas de azar e de prazer, onde mulheres de família não podiam entrar; mesmo os novos artefatos musicais, como o gramofone e os discos, não conseguiam atingir parte da população, que tocava e dançava o fandango, ritmo tido como uma cultura musical inferior,

O anúncio recorre às facilidades que a nova máquina oferece ao consumidor que, sem sair do conforto do seu lar ou de seu ambiente de trabalho, pode resolver todos os assuntos sem precisar ocupar muito o seu tempo. Além disso, o texto publicitário procura demonstrar a necessidade de se ter o produto na cidade que se fazia moderna e progressiva. Possuir um telefone era sinônimo de status social, conforto, comodidade, credibilidade e lazer. Porém, nem todos os habitantes da capital paranaense podiam usufruir da tecnologia e das novidades que as propagandas dos jornais e revistas anunciavam. Muitas mulheres e homens da classe trabalhadora sem ter condições financeiras, viviam a margem do projeto civilizador, principalmente, à medida que suas casas eram condenadas e retiradas do centro da cidade, vivendo às margens de uma Curitiba que se desejava ser moderna, mais que ainda enfrentava problemas sérios de epidemias, lixo, água suja, falta de sistema de esgotos, etc.

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diversas vezes proibido. São ações que podemos caracterizar como resistência a nova ordem que se desejava instituir. O grande desejo modernizador estava muito mais presente nos discursos e anseios dos intelectuais, do que no cotidiano da população, que tinham hábitos e praticas que não condiziam com os anseios e o projeto dos médicos e sanitaristas colocados em prática. É possível perceber através das propagandas e dos artigos dos jornais e revistas os conflitos e os embates que as mudanças no início do século trouxeram a tona, principalmente, porque geralmente foram impostas de cima para baixo, mas também foram aos poucos sendo absorvidas e reaproriadas pela população que também aproveitou das novas descobertas técnicas e cientificas no período.

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SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira Republica. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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______________. Orfeu extático na metrópole: São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

1Notas

*Este artigo tem como referência a monografia de Especialização em História na UFPR, intitulada “Modernidade e Cultura: um olhar sobre a Curitiba do inicio do século XX através das propagandas”.**Mestranda do Curso de Pós –Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, Linha de Pesquisa em História e Historiografia da Educão. NESTOR ERICHSEN. Curityba. Ilustração Paranaense. Curitiba, 29/01/1928.2 A Belle Èpoque é considerada como um período de tendências específicas de longa duração. Um fenômeno inédito que assinalou uma fase única na história cultural brasileira, uma época preocupada em identificar-se com os valores europeus ligados principalmente na idéia de civilização, de progresso e de modernidade. NEEDELL, Jeffrey D. Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 19-20.3 BONI, 1985, p.11.4 BERBERI, 1996, p.17.5 GAZETA DO POVO, 03 de abr de 1930.6 HOCHMAN, 2006, p.69.7 Segundo FILHO, os intelectuais eram provenientes da classe média urbana; profissionais liberais, funcionários públicos, filhos de comerciantes e até membros da oligarquia agrária. Eram em geral, poetas, escritores, jornalistas, advogados, médicos e engenheiros que haviam freqüentado as boas universidades do país. CUNHA FILHO, Valter Fernandes da. Cidade e Sociedade : a gênese do urbanismo moderno em Curitiba (1889 – 1940), Curitiba, 1998, p. 77. Dissertação (Mestrado em História). Setor de Ciências Humanas Letras e Artes. Universidade Federal do Paraná.8 GAZETA DO POVO, 12 de Jan de 1929.9 COMMÉRCIO DO PARANÁ, 08 ago de 1912.10 REVISTA DO POVO, 30 mar de 1918.11 ALMANACH DO PARANÁ, 13 de dez de 1923.12 SEVCENKO, 1985, p. 3613 REVISTA MODERNA, julho 1916.14 SEGA, 1996, p. 42.15 SEVCENCO, 1998, p.7.16 BERMAN, 1986, p.15.17 ILUSTRAÇÃO PARANAENSE, 1902 de ago de 1927.18 CUNHA FILHO, 1998, p. 88-90.19 BONI, 1985, p. 48.20 REVISTA MODERNA, 18 de jan. de 1916.21GEREZ, 1993, p.25-26.22 MARTINS, 2008, p. 22323 BERTUCCI; BARBOSA, 2008, p. 1-2.24 GAZETA DO POVO, 12 junho 1929.25 CUNHA FILHO, 1998, p. 5226 GAZETA DO POVO, 8 de abril de 1927.27 MARTINS, 2008, p. 14028 ILUSTRAÇÃO PARANAENSE. Curitiba, maio de 1929.29 ENCICLOPEDIA NOSSO SECULO 1910/1930, 1980, p. 55.30 GAZETA DO POVO, 19 de fevereiro 1929.31 HARDMAN, 1988, p. 63.32 COMMRECIO DO PR, abril 1912.33 ILUSTRAÇÃO PARANAENSE, maio de 1929 .34 DIÁRIO DA TARDE. Crônica Séptimo. Curitiba, p.2, 5 jan 1910 .35 ILUSTRAÇÃO PARANAENSE, 17 de nov. 1929.36 A NOTÍCIA, 20 de nov de 1906.37 Propaganda do Cinema Minhon: O OLHO DA RUA, 1908.38 ALMANAQUE DA GAZETA DO POVO, julho de 1923.