as letras da música popular brasileira como ferramenta para o ensino e aprendizagem
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O subprojeto do PIBID do Curso de Letras da UFFS/Campus Realeza tem como objetivo principal identificar as causas que contribuem para o baixo nível de criticidade e o decorrente processo de alienação cultural existente na educação básica para, com base neste conhecimento, enfrentar o problema, lançando mão de metodologias diferenciadas e eficazes e, ao mesmo tempo, contribuindo para a formação docente dos licenciandos do Curso de Letras Português/Espanhol. O presente trabalho constitui-se como um relato de experiência que os bolsistas tiveram durante um dos módulos do subprojeto. Nele, abordaremos como se deu o processo de preparação teórica e metodológica, antes de entrar em sala de aula, de modo que pontuaremos uma proposta para se trabalhar com letras de canções da Música Popular Brasileira, em um processo de ensino e aprendizagem interdisciplinar que visa integrar os conhecimentos das disciplinas de Língua Portuguesa e História de uma forma diacrônica que contemple diferentes épocas da nossa história, assim como os movimentos culturais e literários, fazendo com que os alunos se tornem leitores críticos Uma vez que, ao se trabalhar a interdisciplinaridade, deixamos de lado o saber focado em apenas uma disciplina e estabelecemos conexões com várias outras, interligando os saberes e experiências vividas.TRANSCRIPT
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As letras da Msica Popular Brasileira como ferramenta para o Ensino e aprendizagem
Ivan Lucas Borghezan Faust Universidade Federal da Fronteira Sul1
Eline Souza Barbosa Universidade Federal da Fronteira Sul2
Srgio Roberto Massagli Universidade Federal da Fronteira Sul3
RESUMO: O subprojeto do PIBID do Curso de Letras da UFFS/Campus Realeza tem como objetivo
principal identificar as causas que contribuem para o baixo nvel de criticidade e o decorrente processo
de alienao cultural existente na educao bsica para, com base neste conhecimento, enfrentar o
problema, lanando mo de metodologias diferenciadas e eficazes e, ao mesmo tempo, contribuindo
para a formao docente dos licenciandos do Curso de Letras Portugus/Espanhol. O presente trabalho
constitui-se como um relato de experincia que os bolsistas tiveram durante um dos mdulos do
subprojeto. Nele, abordaremos como se deu o processo de preparao terica e metodolgica, antes de
entrar em sala de aula, de modo que pontuaremos uma proposta para se trabalhar com letras de
canes da Msica Popular Brasileira, em um processo de ensino e aprendizagem interdisciplinar que
visa integrar os conhecimentos das disciplinas de Lngua Portuguesa e Histria de uma forma
diacrnica que contemple diferentes pocas da nossa histria, assim como os movimentos culturais e
literrios, fazendo com que os alunos se tornem leitores crticos Uma vez que, ao se trabalhar a
interdisciplinaridade, deixamos de lado o saber focado em apenas uma disciplina e estabelecemos
conexes com vrias outras, interligando os saberes e experincias vividas.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino; Interdisciplinaridade; Msica Popular Brasileira.
INTRODUO O presente trabalho foi realizado dentro do Programa Institucional de Bolsa de Iniciao
Docncia - PIBID, um projeto da CAPES, o qual objetiva promover o contato do acadmico de
Licenciatura com a sua futura rea de atuao. Dessa maneira, o graduando, em processo de formao,
adquire experincia em contato com a realidade escolar, o que propicia meios para pesquisas e
propostas de novas metodologias que podem contribuir na qualidade da educao.
Nossa proposta a de trabalhar os problemas da leitura no ensino mdio por meio do uso da
msica popular brasileira numa perspectiva interdisciplinar, a qual articule as disciplinas de Lngua
Portuguesa, Histria e outras reas da cultura. O que vamos relatar e propor est embasado em nossa
experincia na escola, proporcionada pelo PIBID, atravs da qual pudemos perceber que a experincia
docente no se resume ministrao de aulas e que o trabalho do professor no se limita a meramente
dar a aula, mas que a prtica da docncia passa necessariamente pela preparao de projetos que faam
frente aos desafios curriculares. Um grande desafio o de romper o isolamento das disciplinas criando
uma interdisciplinaridade entre as mesmas, trazendo, com isso, um ganho na aprendizagem do aluno,
tornando-o capaz de relacionar e refletir sobre contedos oriundos de diversas reas do conhecimento,
abstendo-o do pensamento linear e compartimentado.
A escola como conhecemos hoje trabalha as disciplinas de maneira isolada, tornando-as
saberes estanques e fragmentados. Conforme Edgar Morin (2000, p. 43), a inteligncia parcelada,
compartimentada, mecanicista, disjuntiva e reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos
disjuntos, fraciona os problemas, separa o que est unido, torna unidimensional o multidimensional.
O subprojeto do PIBID do Curso de Letras da UFFS/Campus Realeza tem como objetivo
principal identificar as causas que contribuem para o baixo nvel de criticidade e o decorrente processo
de alienao cultural existente na educao bsica para, com base neste conhecimento, enfrentar o
1 Acadmico bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia, UFFS, Campus Realeza,
Subprojeto do Curso de Letras. Contato: [email protected]; 2 Acadmica bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia, UFFS, Campus Realeza,
Subprojeto do Curso de Letras. Contato: ; 3 Professor orientador/colaborador do Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia, UFFS, Campus
Realeza, Subprojeto do Curso de Letras. Contato: [email protected].
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected] -
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problema, lanando mo de metodologias diferenciadas e eficazes e, ao mesmo tempo, contribuindo
para a formao docente dos licenciandos do Curso de Letras Portugus/Espanhol da UFFS/Realeza.
Dentro do subprojeto trabalhamos a leitura de diversos tipos de textos, como o texto jornalstico, o
texto literrio, leitura de textos verbais e no-verbais e leitura de letras da msica popular brasileira.
Todos esses enfoques da leitura foram realizados na forma de mdulos tericos, desenvolvidos em
grupos de estudo sob a orientao de um professor, a partir dos quais se deu a prtica geralmente na
forma de oficinas. Como nosso trabalho se relaciona com um Mdulo de estudos, o objetivo principal
no relatar a experincia adquirida atravs das oficinas realizadas, porm como se deu o processo de
elaborao.
A IMPORTNCIA DA LETRA DE MSICA COMO DOCUMENTO PARA O EXERCCIO
DE INTERPRETAO HISTRICA
Referindo-se importncia da letra como documento histrico, Cludia Matos, em seu estudo
Acertei no milhar: samba e malandragem no tempo de Getlio (1982), afirma que traos de resistncia
de determinada cultura popular, a qual passa por alguma crise e tem que se conformar a determinadas
exigncias de uma nova ordem social, saem de nosso alcance como fatos empricos, mas no
desaparecem, permanecem como textos, em que se preservaram caractersticas prprias que nos
servem hoje como documentos importantes da vida cotidiana daquela cultura. Portanto, se no
possvel ter acesso aos acontecimentos histricos atravs de relatos oficiais, restam-nos as letras das
canes como importantes registros para o seu resgate. E, por meio desses pequenos relatos do dia-a-
dia de uma poca passada, possvel refazer elos que prendem os pequenos acontecimentos do
cotidiano aos grandes fatos histricos.
Corforme Sylvia Cyntro e Xico Chaves (1999, p. 17), no estudo norteador para a potica
cultural da cano popular, [...] a obra no pode ser arrancada de um contexto histrico e deixar de
ser encarada numa perspectiva diacrnica: preciso inter-relacionar verdade-homem-histria. O texto
passa a ser visto em funo de diferentes elementos que constituem um sistema de conexes mltiplas
[...]. Sendo assim, o desenvolvimento desse trabalho possibilita um planejamento sob uma
perspectiva interdisciplinar, tendo em vista que as letras da MPB ganham um status que no tinham
tido at ento, de lugar privilegiado no s na comunicao de contedos importantes para o debate
nacional, mas tambm nas experimentaes formais que realizaram, como se pode ver em Noel Rosa,
na Bossa Nova, no Tropicalismo, entre outros.
possvel argumentar em adio a tudo o que foi dito que, principalmente nas dcadas de 60 e
70, a msica popular ocupou um lugar - uma lacuna - deixada pela poesia brasileira depois da gerao
modernista de 1945, num momento em que jovens intelectuais brasileiros, como Gilberto Gil, Caetano
Veloso, e tantos outros, passaram a ver na msica, e no no livro, uma possibilidade comunicativa de
falar ao grande pblico, num perodo obscuro da poltica brasileira que foi a ditadura militar ps 1964,
superando aquela separao entre a poesia e o pblico leitor.
Seguindo pelo caminho de que a letra da MPB um importante documento histrico,
acreditamos que o material se torna til para o desenvolvimento de um planejamento que promova
uma aproximao entre disciplinas da rea de Portugus, tendo em vista o contedo esttico que a letra
possui, o que faz dela um texto passvel de uma percepo de estranhamento e anlise literria, e com
a disciplina de Histria, visando explorar a carga histrica e sociolgica que a letra traz.
Com isso, nossa preocupao foi abordar a questo da interdisciplinaridade, uma vez que o
mdulo de estudos do PIBID propunha a utilizao das letras das canes tanto na sua dimenso
esttica, isto , como objeto artstico, e tambm como documento atravs do qual possvel analisar
aspectos da vida cultural brasileira em seus aspectos polticos, social-histrico.
Num segundo momento, pesquisamos o conceito de disciplina, bem como se deu o processo
de evoluo at chegar ao conceito de interdisciplinaridade. Neste trajeto, vamos abordar a construo
dos sentidos da interdisciplinaridade e sua importncia na construo do conhecimento em sala de
aula, no mbito da educao, ampliando, assim, a interao entre professores e alunos. A
interdisciplinaridade, no anula as disciplinas, mas pede que as mesmas dialoguem entre si, buscando
novas perspectivas e inovaes no ensino.
Finalmente, selecionamos perodos histricos e os estilos musicais de cada um desses
perodos, para em seguida localizar letras de canes que fossem reveladoras das relaes entre a vida
cotidiana brasileira e os grandes eventos histricos.
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A msica , certamente, uma das artes que est mais presente no cotidiano dos indivduos,
principalmente do jovem. Trata-se de uma manifestao cultural que, quando a servio da indstria
cultural, devido a sua onipresena, impe formas de ver o mundo e dita comportamentos. Quando
liberta desse jugo, informa e situa o sujeito na sua prpria cultura e promove o intercmbio com
outras, bem como o inclui dentro de uma tradio, propiciando um dilogo entre diferentes geraes.
Assim, apresentamos uma proposta que pretende estudar questes relevantes da poesia, da histria e
da vida cultural brasileira a partir da anlise das letras da msica popular brasileira, comeando pela
consolidao do samba como expresso maior da nossa nacionalidade na Era Vargas, passando pelos
anos dourados dos anos 50 e a Bossa Nova, para finalizar a agitao cultural e poltica da dcada de
60.
ALGUMAS REFLEXES SOBRE A NECESSIDADE DE PRTICAS
INTERDISCIPLINARES Diante de tantas mudanas no mundo em plena era digital, o homem encontra diversos
desafios e precisa estar reciclando-se a cada momento para conseguir interagir com o meio em que
est inserido. O mesmo acontece na educao, pois surge a necessidade de romper com os modelos
arraigados no pensamento tradicionalista de pensar o ensino, criando aes que visem formao do
aluno como pessoa e como cidado conhecedor de seus deveres e direitos. A interdisciplinaridade
quebra com o modelo quadrado de pensar e cria uma rede de conexes onde o professor o
elemento central dessas conexes.
Para entendermos a interdisciplinaridade, temos que partir do princpio e entender a
instaurao disciplina como uma categoria organizada dentro das diversas reas do conhecimento.
A organizao disciplinar foi instituda no sculo XIX, notadamente com a formao
das universidades modernas; desenvolveu-se, depois, no sculo XX, com o impulso
dado pesquisa cientfica; isto significa que as disciplinas tm uma histria:
nascimento, institucionalizao, evoluo, esgotamento, etc; essa histria est
inscrita na da Universidade, que, por sua vez, est inscrita na histria da sociedade
(MORIN, 2002, p. 105).
A disciplina pode ser vista como organizadora e delimitadora, uma vez que seleciona e ordena
a apresentao do conhecimento, utilizando-se de procedimentos didticos para o ensino e avaliao
da aprendizagem do aluno. Fazenda diz que a indefinio sobre interdisciplinaridade origina-se ainda
dos equvocos sobre o conceito de disciplina (1999, p. 66).
Esta forma equivocada de pensar a disciplina do ensino formal traz dificuldades na
aprendizagem do aluno, alm de no estimular o desenvolvimento crtico e o raciocnio lgico. Os
alunos, expostos a esse tipo de ensino, sentem bastante dificuldade em estabelecer conexes entre os
fatos e conceitos, isto , de pensar sobre o que est sendo estudado. Morin afirma que o parcelamento
e a compartimentao dos saberes impedem apreender o que est tecido junto (2000, p. 45).
A interdisciplinaridade no dilui as disciplinas, ao contrrio, mantm sua
individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreenso das mltiplas
causas ou fatores que intervm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens
necessrias para a constituio de conhecimentos, comunicao e negociao de
significados e registro sistemtico dos resultados (BRASIL, 1999, p. 89).
Logo, para que acontea a interdisciplinaridade, no preciso eliminar as disciplinas, mas sim
torn-las comunicativas entre si, estabelecendo processos histricos e culturais, visto que, estes esto
em constante mutao, tornando-se necessria a atualizao quando se refere s prticas do processo
de ensino e aprendizagem.
Podemos, atravs da experincia nas escolas, perceber que o ideal seria a reorganizao
curricular em reas de conhecimento, tendo como objetivo facilitar o desenvolvimento dos contedos,
numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualizao. Portanto, a proposta da
interdisciplinaridade estabelecer ligaes de complementaridade, convergncia, interconexes e
passagens entre os conhecimentos. Nesta perspectiva, podemos relacionar o ensino de histria e lngua
portuguesa, fazendo relaes com as letras da msica popular brasileira, explorando o dilogo entre as
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letras do Samba - Era Vargas, Bossa Nova - JK, Chico Buarque - Ditadura, com isso criamos
estratgias de aprendizagem que capacitem a fazer relaes entre uma msica e um perodo da histria
brasileira, alm de trabalharmos a leitura crtica das letras da MPB.
Para realar a importncia da interdisciplinaridade, Japiassu afirma que A
interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de
interao real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa (1976, p.74). Podemos
propor, com essa temtica, uma nova forma de se trabalhar em sala de aula trazendo abordagens em
diferentes disciplinas, utilizando a troca dos saberes e experincias, consequentemente acabando com
o pensamento fragmentado, limitado a uma especifica disciplina.
O professor que se apropria deste conceito de interdisciplinaridade, torna-se o educador
idealizado, no sendo aquele que conhece bem apenas a sua matria, mas sim o que tem uma boa
compreenso entre as vrias disciplinas. No aquele detentor de um conhecimento especifico dentro
de uma especificidade. O professor idealizado seria aquele que conhece como os seus alunos
constroem seus conhecimentos; desenvolvem suas capacidades mentais. Seria aquele que, como
afirma Geraldi (2010), na prtica sabe estimular esse processo de ensino e aprendizagem que torna a
aula um acontecimento.
Pela estrutura global da sociedade, mas seu exerccio profissional tambm fora
propulsora de transformaes, talvez possamos apontar para a inverso de flecha na
relao do professor e alunos com a herana cultural como o ponto de flexo nesta
construo identitria. Esta inverso vem sendo indiciada por noes como a de
professor reflexivo, pelas noes de professor pesquisador, pela defesa da pesquisa
ao como forma de estar na sala de todo professor, pelas parcerias construdas nas
investigaes participantes, etc (GERALDI, 2010, p. 93).
Geraldi, prope que se invertermos a flecha entre aluno e professor, cria-se um novo olhar
onde o aluno tambm detentor de conhecimento e muda o conceito estigmatizado de que o professor
o nico a ensinar o portador do conhecimento, passamos a olhar o professor como a do sujeito
capaz de considerar o seu vivido, de olhar para o aluno como um sujeito que tambm j tem um
vivido, para transformar o vivido em perguntas (GERALDI, 2010, 96).
Podemos trabalhar a interdisciplinaridade como conceito polissmico, pois a atitude
interdisciplinar depende da histria vivida, do horizonte de perspectiva das possibilidades de olhar por
diferentes ngulos de uma mesma questo.
Ns, futuros professores, devemos ser sujeitos ativos diante das mudanas na educao.
Devemos sempre estar ligados com as inovaes do mundo e traz-las para dentro da escola, sem
perder o foco da reflexo, crtica e pensamento. A educao precisa inovar e evoluir, uma aula baseada
apenas em quadro-negro e giz pode j no atender mais s necessidades dos alunos e est ultrapassada
da realidade em que vivemos.
Com isso, nossa proposta de trabalhar a interdisciplinaridade procurou atender s
necessidades de aprendizagem dos alunos, que a de refazer (grifo nosso) as conexes perdidas entre
os fenmenos no processo de fragmentao da disciplinarizao do conhecimento, pois entendemos
que na vida essas conexes existiam. Portanto, queremos afirmar a importncia de pensar a
interdisciplinaridade na escola, antes mesmo da prtica em sala de aula propondo uma atividade que
demande trocas de conhecimento entre mais de uma disciplina, buscando sempre a melhora da
educao e contribuindo para uma reflexo mais profunda sobre a responsabilidade na formao de
cidados mais crticos e conscientes.
DILOGOS INTERDISCIPLINARES POR MEIO DAS LETRAS DA MSICA POPULAR
BRASILEIRA Entre as inmeras formas musicais e estilos, a cano popular aquela que mais identifica um
povo, um movimento, uma cultura, uma classe social; certamente a que mais embala e acompanha as
diferentes experincias humanas. E essa relao entre msica, sujeito e poca que propusemos para
trabalhar em sala de aula, sob uma perspectiva interdisciplinar.
Para tanto, refletimos acerca das possibilidades de uso das letras da Msica Popular Brasileira
como instrumento didtico visando a prtica interdisciplinar de ensino, especificamente no segmento
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do ensino mdio. Nossa intenso foi a de produzir uma srie de reflexes que auxiliassem o professor
a vislumbrar a realizao de prticas pedaggicas que integrariam diferentes reas de saberes com
vistas formao integral do aluno, uma vez que, evitaria a fragmentao do processo de construo
do conhecimento.
Para tanto, utilizamos as letras da cano popular como objeto de estudo e/ou como fontes que
possam articular reas to diversas como a histria, a poltica, os estudos sobre gneros, a poesia, entre
outras possibilidades. Esta reflexo ganha relevncia j que, a partir de 2012, passa a vigorar
integralmente a Lei Federal n. 11.769/08, que define, em seu pargrafo sexto, que a msica dever ser
contedo obrigatrio mas no exclusivo, do componente curricular um ganho qualitativo para a
comunidade escolar que, entre tantas outras coisas, ampliar ainda mais as possibilidades de realizao
de trabalhos sobre/com a cano popular brasileira em abordagens interdisciplinares.
No que tange importncia da utilizao de letras de msicas como documentos para o
exerccio de anlises sociolgicas, retomamos Claudia Matos, em seu estudo Acertei no milhar: samba
e malandragem no tempo de Getlio (1982), no qual aponta que traos de resistncia de determinada
cultura popular, a qual passa por alguma crise e tem que se conformar a determinadas exigncias de
uma nova ordem social, saem de nosso alcance como fatos empricos que so, porm permanecem os
textos, oriundos da expresso cultural, em que se preservaram caractersticas prprias que nos servem
como documento importante da vida cotidiana dessa cultura. Portanto, se no possvel ter acesso
direto aos acontecimentos histricos, principalmente, aqueles que falam sobre a vida cotidiana,
restam-nos as letras das canes como importante documento para o seu resgate. E, atravs desses
pequenos relatos do cotidiano, possvel refazer importantes elos que prendem os pequenos
acontecimentos do cotidiano aos grandes fatos histricos.
Para tanto, comeamos apresentando o contexto histrico, poltico e social, do perodo que vai
da chamada velha repblica at a Revoluo de 1930 e o subsequente que ficou conhecido como Era
Vargas. Esse largo perodo coincide com o surgimento do Samba nas periferias de morros do Rio de
Janeiro, sua afirmao atravs da indstria fonogrfica e a sua consolidao, j no perodo do Estado
Novo, como manifestao maior da nossa nacionalidade. Nesse processo, demos nfase figura do
malandro como smbolo de resistncia s transformaes por que passavam as relaes entre o capital
e o trabalho sob a poltica de modernizao da sociedade brasileira, promovida pelo Governo de
Getlio Vargas.
Apresentamos o malandro como est representado na letra da cano Leno no Pescoo de
Autoria de Wilson Batista, trata-se de um samba cuja letra exalta o malandro tpico dos subrbios
cariocas do incio do sculo XX, valente, desafiador e orgulhoso de sua condio de vadio, como
podemos ver (BATISTA, 1933):
Meu chapu do lado
Tamanco arrastando
Leno no pescoo
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser to vadio
Sei que eles falam
Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miser
Eu sou vadio
Porque tive inclinao
Eu me lembro, era criana
Tirava samba-cano
Comigo no
Eu quero ver quem tem razo.
Com essa letra, colocamos a seguinte questo: por que preferir ser um vadio em vez de
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trabalhador? Para entendermos o motivo pelo qual surgiu a malandragem, precisamos lembrar do
momento da abolio da escravido em 1888. Nesse perodo, o trabalho era visto como uma atividade
voltada para os escravos e mesmo depois da abolio essa viso continuou se mantendo, pois no
existiam leis trabalhistas para fazer do trabalho uma atividade recompensadora.
Nos anos de 1920, pouco mais de trinta anos depois da abolio, andava no miser aquele
que trabalhava e ser um malandro com seu jeito esperto e escrevendo samba era uma alternativa
melhor. Dessa maneira, o malandro foi tomando espao nas letras de muitos sambas e essas msicas
faziam, segundo Matos (1982, p.13), uso de uma linguagem de caracteres especficos, ou seja,
apresentavam as caractersticas do modo de falar e tambm do prprio malandro.
Mas a presena do malandro na msica popular, a qual teve nos anos 30 bastante prestigio, foi
perdendo espao quando Getlio Vargas, no momento do Estado Novo, instaurou a Consolidao das
Leis Trabalhistas no Brasil, aumentando sua popularidade e o prestigio do trabalho. Vargas criou o
DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), o qual fiscalizou as gravaes musicais brasileiras. O
DIP serviu de censura contra as canes cujas letras exaltavam a malandragem e, por outro lado,
incentivava, com uso de moeda e favores, as gravaes que glorificavam o trabalho como sendo uma
atividade honrada. Um exemplo dessa censura est no famoso samba de Ataulfo Alves e Wilson
Batista "O Bonde So Janurio", de 1940, o qual a letra diz:
Quem trabalha
quem tem razo
Eu digo
E no tenho medo
De errar
O Bon de So Janurio
Leva mais um operrio
Sou eu
Que vou trabalhar
Antigamente
Eu no tinha juzo
Mas hoje
Eu penso melhor
No futuro
Graas a Deus
Sou feliz
Vivo muito bem
A boemia
No d camisa
A ningum
Passe bem!
Pelos versos Quem trabalha que tem razo/ Eu digo e no tenho medo de errar/ O bonde
So Janurio/ Leva mais um operrio/ Sou eu que vou trabalhar (...)" podemos ver que esse samba
um exemplo tpico do que ficou chamado como a Regenerao do malandro, ou seja, do
reconhecimento que a vadiagem no mais se adequava aos tempos de um governo cujo a ideologia
apoiava-se no trabalhismo.
Aps estudarmos esse contexto que se encerra com o fim do regime totalitrio de Getlio,
passamos adiante para abordarmos o perodo dos Anos Dourados, em que tem incio o governo de
Juscelino Kubitschek (1956 a 1961), o qual executou seu ambicioso Programa de Metas simbolizado
pelo slogan "50 anos em 5" que procurava modernizar amplamente o pas em poucos anos o que
levaria alguns decnios. Um grande acontecimento, nesse perodo, foi a transferncia da capital da
Repblica, do Rio de Janeiro para Braslia, uma cidade com traos modernos revelando uma nova
realidade no pas. Essa nova realidade se refletia na instalao de indstrias e no alto desenvolvimento
econmico que resultou no surgimento de uma nova classe social, uma classe mdia alta com maior
poder aquisitivo, morando em prdios de apartamentos em bairros como Ipanema e Copacabana e com
filhos na universidade.
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Em decorrncia desse momento de euforia e crescimento dos Anos Dourados, esta nova
classe social buscou criar um novo tipo de msica, mais sofisticada que os boleros e sambas-canes
que dominaram o cenrio at ento. Esse novo gnero foi denominado de Bossa Nova com o objetivo
de se diferenciar daquele samba mais tradicional, caracterizado por ser um gnero puramente nacional,
o qual no tinha influncias culturais estrangeiras. O propsito deste novo estilo musical, segundo
Naves, era de defender uma postura internacionalista e moderna na msica popular, em contraposio
aos idelogos do 'nacional-popular' (2000, p.35). Msicas como, Desafinado, Chega de Saudade e
Samba de uma nota s exemplificam bem esse perodo por evidenciarem como caracteriza o
movimento da Bossa Nova e qual o seu lema nesse contexto.
Ao avanar para o perodo da Ditadura Militar (1964-1988), comeando pelo momento da
crise poltica que se arrastava desde a renncia de Jnio Quadros em 1961, num momento em que o
mundo vivia o auge da Guerra Fria entre os EUA e URSS, at a ecloso do Golpe em 1964, quando
tropas militares ocuparam partidos polticos, sindicatos e a UNE. Com o objetivo de trabalhar as
msicas de protesto, faz-se necessrio analisar o contexto dos anos de chumbo, perodo mais crtico do
regime, quando os militares garantiam para si plenos poderes com os decretos de Atos Institucionais,
como o AI5. De forma geral, pode-se abordar os movimentos musicais que surgiram nesse contexto,
como a alienao e assimilao pela Jovem Guarda, ou o movimento de recusa expresso nas canes
de protesto, ou ainda o movimento Tropicalista, em que o ideal antropofgico ressurge unindo traos
da cultura nacional com a internacional.
Como exemplo, a Msica Apesar de voc, do compositor Chico Buarque se encaixa bem como
msica de protesto:
Hoje voc quem manda
Falou, t falado
No tem discusso
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro cho, viu
Voc que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escurido
Voc que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdo
Apesar de voc
Amanh h de ser
Outro dia
Eu pergunto a voc
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
gua nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Voc que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Voc vai pagar e dobrado
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Cada lgrima rolada
Nesse meu penar [...]
Dentro da disciplina de Histria o professor pode trabalhar com os elementos extratextuais que
informam que a letra apresenta uma crtica ditadura e de modo mais direto ao presidente da poca, o
general Mdici, tendo passado despercebida pela censura. Por outro lado, esse samba tambm pode
remeter a uma msica de paixo inocente expressa pelo eu lrico quando afirma que Apesar de voc,/
amanh h de ser,/ outro dia. Afinal, no est explcito a quem se enderea a sua mensagem. A
ambiguidade sabidamente uma marca do texto literrio que recusa a sua vinculao a um referente
unvoco e libera o potencial de significao de um texto, que infinito, uma vez que so infinitos os
leitores e infinitas as leituras (podendo ser analisado juntamente com o professor de Portugus). Como
afirma Barthes:
[...] a leitura , de direito, infinita, tirando a trava do sentido, pondo a leitura em roda
livre (o que a sua vocao estrutural), o leitor tomado por uma interveno
dialtica: finalmente, ele no decodifica, ele sobrecodifica, no decifra, produz,
amontoa linguagens, deixa-se infinita e incansavelmente atravessar por elas: ele
essa travessia (BARTHES, 1988, p. 51).
Talvez esteja a a razo de a msica ter passado pela censura e atingir um pblico amplo que
interpretou a cano por um vis romntico. Caberia ao professor de Lngua Portuguesa trabalhar
junto com os alunos um movimento duplo de referencializao e desreferencializao atravs de
exerccios de livre identificao do leitor com o outro que est no texto.
Com isso no queremos negar explicao da letra pelo seu contexto o seu direito, mas
apenas mostrar que muitas vezes a ambiguidade se impe como marca do literrio. Ficaria a
explicao histrica nesse caso como um suplemento quela interpretao individual que valoriza a
subjetividade do leitor e sua relao pessoal com o texto. No se trata, portanto, de subtrair uma
interpretao outra, mas de som-las em proveito do enriquecimento tanto do leitor como do texto.
CONSIDERAES FINAIS
No percurso deste trabalho buscamos apresentar uma perspectiva de ensino interdisciplinar
que valorizasse o dilogo entre os professores na busca de uma metodologia que possa romper com o
isolamento entre disciplinas e saberes e possibilite ao aluno correlacionar conhecimentos como
afirmam Edgar Morin (2000) e Hilton Japiassu (1976).
O PIBID, como projeto de iniciao docncia, de grande valia para quem tem como
objetivo ser um educador, pois prope a melhoria na qualidade da formao desses futuros
professores, dando-lhe subsdios em suas experincias de modo que saiam da graduao preparados
para a sala de aula.
De acordo com Libneo (1994, p. 222), o planejamento uma atividade de reflexo acerca de
nossas opes e aes. E o trabalho docente uma atividade intencional, planejada conscientemente
visando atingir objetivos de aprendizagem. Por isso precisa ser estruturado e ordenado (p. 96).
Portanto, o planejamento uma parte importante para as diferentes atividades na escola, pois requerem
o ato de se pensar sob a articulao dos contedos que sero trabalhados dentro de um plano de
ensino. O PIBID constituiu-se como oportunidade de alm de aplicar e promover momentos para
planejar o trabalho que ser desenvolvido posteriormente. Tendo em vista que o projeto e seus
mdulos nos proporcionaram a fazer essa reflexo que ultrapassa as fronteiras de uma nica disciplina
e instiga a escolha de ser professor.
REFERNCIAS
BRASIL (1999). Diretrizes curriculares nacionais para o ensino mdio. Parmetros curriculares
nacional Ensino Mdio, Vol. 1. Braslia: Ministrio da Educao, Secretaria da Educao Mdia e
Tecnolgica.
BARTHES, Roland. "Da leitura". In: O rumor da lngua. So Paulo: Brasiliense, 1988.
CYNTRO, S. H; CHAVES, X. Da paulicia centopia: as vanguardas e a MPB. Rio de Janeiro:
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