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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA Rua Barão de Geremoabo, nº 147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA Tel.: (71) 3283 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: [email protected] TELMA SOUZA BISPO ASSIS A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA Salvador 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA Rua Barão de Geremoabo, nº 147 - CEP: 40170-290 - Campus Universitário Ondina Salvador-BA

Tel.: (71) 3283 - 6256 – Site: http://www.ppgll.ufba.br - E-mail: [email protected]

TELMA SOUZA BISPO ASSIS

A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA

Salvador 2011

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TELMA SOUZA BISPO ASSIS

A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotte

Salvador 2011

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Sistema de Bibliotecas – UFBA

Assis, Telma Souza Bispo. A regência variável dos verbos de movimento no português popular do interior do estado

da Bahia / Telma Souza Bispo Assis. - 2011. 134 f.

Orientador: Prof. Dr. Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotte. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2011. 1. Língua portuguesa - Verbos. 2. Língua portuguesa - Regência. 3. Língua portuguesa - Português falado - Bahia. 4. Língua portuguesa - Preposições. 5. Contatos lingüísticos - Brasil. I. Ramacciotte, Dante Eustachio Lucchesi. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Título.

CDD - 469.83 CDU - 811.134.3’367.625

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TELMA SOUZA BISPO ASSIS

A REGÊNCIA VARIÁVEL DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DO ESTADO DA BAHIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Linguística.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________________ Professor Doutor Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotte – UFBA (Orientador) __________________________________________________________________________ Professora Doutora Norma da Silva Lopes - UNEB __________________________________________________________________________ Professora Doutor Alan Normam Baxter – UFBA

Salvador, 03 de agosto de 2011

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A meu amor, Cristiano Assis.

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AGRADECIMENTOS

Depois desse árduo trabalho que é a escrita de uma dissertação, agora, aproximam-se

as etapas finais. Nesse momento, se faz necessário agradecer a cada pessoa pelo carinho

dispensado a mim, o incentivo frequente nos momentos mais difíceis, e principalmente por ter

acreditado que era possível o término desse trabalho. Sozinha, certamente, eu não teria êxito.

Agradeço, primeiramente, a Deus, onipresente em todas as horas de angústias e

alegrias; e com sua infinita bondade ajudou-me a enfrentar todos os obstáculos.

Meus pais, José Cândido e Terezinha, agradecer é pouco frente ao apoio incondicional

em todos os momentos da minha vida, ambos pedindo a Deus para guiar sempre meu caminho

por águas tranquilas. Amplio os agradecimentos aos demais familiares irmãos, tias(os),

primos(as), cunhadas(os), e aos meus queridos sogros, Lourival e Virgínia, que sempre

estiveram preocupados com a minha felicidade e entenderam a minha ausência nas reuniões

familiares.

Agradeço imensamente a meu companheiro de longas datas, Cristiano Assis, primeira

pessoa que disse “você consegue, eu acredito!”. Acreditou em mim quando nem eu mesma

acreditava.

Às minhas amigas eternas, Elisângela Mendes, Gilce Almeida, Lanuza Lima, Luanda

Figueiredo, Vívian Antonino, Viviane Deus, o meu muito obrigada, sem vocês eu não

conseguiria. Vocês cederam seus lares para uma maior concentração para a produção textual e

revisaram constantemente meus fragmentos de textos. Estendo meus agradecimentos às

minhas colegas do Projeto Vertentes: Camila, Manuele, Shirley e Renata sempre

colaboradoras nos momentos necessários.

A meu orientador, Dante Lucchesi, pelo encaminhamento para os estudos

sociolingüísticos que tanto detenho interesse e pela compreensão neste longo percurso.

Às colegas do Colégio Estadual Manoel de Jesus, Italva Suzart e Sumaya Sá, meus

sinceros agradecimentos pela imensa compreensão nesse momento tão difícil e também por

fazerem parte desta história.

E por fim, agradeço a todos os demais que me estenderam a mão e concederam uma

palavra amiga, o meu muito obrigada.

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A regência, como tudo na língua, a pronuncia, a acentuação, a significação, etc., não é imutável. Cada época tem sua regência, de acordo com o sentimento do povo, o qual varia, conforme as condições novas da vida (Antenor Nascentes, 1944, p. 49).

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RESUMO

O presente trabalho é parte integrante do Projeto Vertentes do Português Popular do Estado

da Bahia (http://www.vertentes.ufba.br) e se integra no campo de pesquisa sobre a realidade sociolinguística atual do português que busca identificar as resultantes do contato entre línguas na formação linguística do Brasil. Este trabalho apresenta uma análise empírica da regência variável dos verbos de movimento no português popular do interior da Bahia, descrevendo sistematicamente as escolhas linguísticas dos falantes, as quais são representadas pela variação das preposições a (vou à cidade), para (vou para a cidade), em (vou na cidade), até (eu fui até a feira). O estudo foi realizado dentro dos pressupostos da sociolinguística variacionista. Foram analisadas amostras de fala vernácula que reúnem 48 entrevistas realizadas com falantes de pouca ou nenhuma escolaridade, nos municípios de Poções e Santo Antônio de Jesus, integrantes do Banco de Dados do Projeto Vertentes, estratificadas socialmente com relação ao sexo e à faixa etária, e considerando ainda as seguintes variáveis sociais: escolarização e estada fora da comunidade. Em cada um dos municípios, foram realizadas 24 entrevistas, 12 com moradores da sua cidade sede e 12 da zona rural. O confronto entre o comportamento linguístico da sede do município e da sua zona rural parte da hipótese de que os falantes da sede teriam um comportamento linguístico mais próximo do padrão urbano culto, devido ao crescente processo de difusão linguística a partir das grandes cidades brasileiras, que afetaria primeiramente os falantes dos centros urbanos do interior antes de alcançar a zona rural. Assim, a pesquisa tem por objeto os condicionamentos linguísticos e sociais da variação na regência dos verbos de movimento no português popular do interior do Estado da Bahia. A análise parte do princípio de que a regência variável dos verbos de movimento não acontece de forma aleatória, o que possibilita identificar a influência dos fatores linguísticos e sociais que condicionam e regulam a escolha do falante quanto ao uso da preposição, constituindo um quadro claramente distinto do que preconiza a gramática tradicional: o uso da preposição a, ou mesmo para, em detrimento da preposição em.

Palavras-chave: Regência verbal. Preposição. Português Popular. Contato entre línguas.

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ABSTRACT

The presente work is part of the project Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia (http://www.vertentes.ufba.br) and it integrates the research field about nowadays Portuguese’s sociolinguistics reality which intends to indentify the results of contact between languages in the linguistic composition of Brazilian Portuguese. This work presents an empirical analyze of variable regency of movement verbs in popular Portuguese from the countryside of Bahia, describing systematically of speaker’s linguistic choices, which are represented for preposition’s variation a (vou à cidade), para (vou para a cidade), em (vou na cidade), até (eu fui até a feira). The study was realized within the assumptions of Variational Sociolinguistics. Samples of vernacular Portuguese that make up 48 interviews made with speakers with little or any scholarity in the municipalities of Santo Antonio de Jesus e Poções, were analyzed. The interviews integrate the database of Vertentes Project, socially stratified in relation of gender and age, and considering yet the following social variables: scholarity and stay outside the community. 24 interviews was realized in each municipalities, 12 with residents of host city and 12 of countryside. The confrontation between the linguistic behavior of the host city and your countryside comes from the hypotheses that speakers of the host city have a linguistic behavior closer by urban cult standard, because the increasing process of linguistic diffusion from the Brazilian big cities that first affects the speakers of urban centers of the interior before achieves the contryside. So the research aims the linguistic and social conditionings of variation in the regency of movement verbs in popular Portuguese from the countryside of Bahia State. The analyze comes from the foundation that the variable regency of the movement verbs doesn’t happen randomly, which enables indentify the influence the linguistic and social factors that conditions and regulates the choice about the use of preposition, making a clearly separate frame of that traditional grammar recommends: the use of a preposition, or para, over em preposition.

Key words: Verbal Regency. Preposition. Sociolinguistics. Popular Portuguese. Contact between languages.

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LISTA DE GRÁFICOS E MAPAS

Gráfico 01 Distribuição das preposições para e em no português popular do

interior do estado da Bahia ......................................................................

110

Gráfico 02 Influência da faixa etária no uso da preposição para no português

popular do interior do estado da Bahia ....................................................

117

Gráfico 03 Curva sugestiva de mudança na norma urbana culta (fala dos homens)

(RIBEIRO, 1996) ....................................................................................

117

Mapa 01 Mapa da localização de Santo Antônio de Jesus .................................... 78

Mapa 02 Mapa da localização de Poções ............................................................... 82

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Variáveis associadas ao espaço (N locativo) (WIEDEMER, 2008) ........ 45

Quadro 02 Outras variáveis linguísticas controladas por Wiedemer, 2008 .............. 49

Quadro 03 Transmissão / nativização com base em diversos modelos de L2 ........... 73

Quadro 04 Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Santo Antônio

de Jesus ....................................................................................................

94

Quadro 05 Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Santo Antônio

de Jesus ....................................................................................................

94

Quadro 06 Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Poções ........... 94

Quadro 07 Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Poções ............... 95

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 Ocorrências do verbo ir com sentido diretivo no CLF (BAGNO, 2002) 49

Tabela 02 Demografia histórica do Brasil (MUSSA, 1991) .................................... 59

Tabela 03 Crescimento da população integrada no empreendimento colonial e

diminuição dos contingentes aborígenes autônomos (RIBEIRO, 2006

[1995] ......................................................................................................

60

Tabela 04 População escrava brasileira comparada à população global por região

– 1819 e 1872 ..........................................................................................

62

Tabela 05 Percentagem da população urbana brasileira – 1900 a 1980 ................... 69

Tabela 06 Indicadores demográficos de Santo Antônio de Jesus/BA ...................... 81

Tabela 07 Frequência de uso das preposições selecionadas pelo verbo de

movimento no português popular do estado da Bahia ............................

107

Tabela 08 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português popular do interior do estado da Bahia, segundo

o verbo de movimento .............................................................................

112

Tabela 09 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português popular do interior do estado da Bahia, segundo

a variável material interveniente entre o verbo e o complemento ...........

113

Tabela 10 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a

natureza do deslocamento .......................................................................

115

Tabela 11 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a

variável faixa etária do falante ................................................................

116

Tabela 12 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo o sexo

do falante .................................................................................................

119

Tabela 13 Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a

comunidade de fala ..................................................................................

121

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALiB Atlas Linguístico do Brasil

Apl. Aplicação

BA Bahia

Cat. Catalão

CD-ROM Compact disc

CENSO Projeto Subsídios Sociolinguísticos do Projeto Censo à Educação

cf. Confira

CLF Corpus de língua falada

CV Consoante, vogal

D2 Diálogo entre dois informantes

DET Determinante

DID Diálogo entre informante e documentador

DOC. Documentador

f. folha

Freq. Frequência

GT Gramática Tradicional

HV Helvécia

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INF. Informante

Inq. Inquérito

INQ. Inquiridor

L2 Segunda língua

LA Língua alvo

LGA Língua geral Amazônica

LGP Língua geral paulista

LOC Locativo

MD mini disco

Mov. Movimento

N Nome

Nº oc. Número de ocorrência

NURC Norma Urbana Culta

P.R. Peso Relativo

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PB Português Brasileiro

PCB Português culto brasileiro

PE Português europeu

PEUL Programa de Estudos sobre o Uso da Língua

POR Poções (zona rural)

POS Poções (sede)

PPB Português Popular Brasileiro

Prep. Preposição

REC Recife

RIO Rio de Janeiro

RJ Rio de Janeiro

SAJ Santo Antônio de Jesus

s/d Sem data

SAR Santo Antonio de Jesus (zona rural)

SAS Santo Antônio de Jesus (sede)

SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

sem prep. Sem preposição

SN Sintagma nominal

SN’s Sintagmas nominais

SPrep Sintagma preposicional

TOPA programa Todos pela Alfabetização

UNEB Universidade do Estado da Bahia

V. Mov. Verbo de movimento

VALPB Variação Linguística no Estado da Paraíba

VARBRUL Variable Rules (Regras variáveis)

VARSUL Variação linguística urbana da Região Sul

vs. versus

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................

18

2 A VARIAÇÃO NA REGÊNCIA DOS VERBOS DE MOVIMENTO DO

LATIM ÀS VARIEDADES ATUAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA NO

BRASIL .............................................................................................................

21

2.1 REGÊNCIA VERBAL: CARACTERIZAÇÃO DO FENÔMENO .................. 21

2.2 A VARIAÇÃO NO EMPREGO DE PREPOSIÇÕES JUNTO AOS VERBOS

DE MOVIMENTO: PANORAMA HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL NO

PORTUGUÊS DO BRASIL .............................................................................

24

2.2.1 O emprego de preposições junto a verbos de movimento na formação das

línguas românicas .............................................................................................

25

2.2.2 A prescrição gramatical e o uso real nas variedades do português

brasileiro ...........................................................................................................

31

2.3 AS CONSTRUÇÕES LOCATIVAS DOS VERBOS DE MOVIMENTO:

ADJUNTOS OU ARGUMENTOS? .................................................................

35

2.4 ANÁLISES SOCIOLINGUÍSTICAS DA VARIAÇÃO NA REGÊNCIA

DOS VERBOS DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS DO BRASIL ............

41

2.4.1 Os condicionamentos estruturais da variação no emprego das

preposições junto aos verbos de movimento no português do Brasil ..........

43

2.4.2 A variação na regência dos verbos de movimento no português afro-

brasileiro e nos crioulos de base lexical portuguesa ......................................

49

2.5 CONCLUSÃO ...................................................................................................

53

3 PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DA BAHIA ............................. 56

3.1 BREVE HISTÓRICO DO PORTUGUÊS POPULAR: UMA RESULTANTE

MULTIVETORIAL ...........................................................................................

56

3.1.1 A demografia histórica da população brasileira ........................................... 58

3.1.2 A mobilidade dos africanos ou afrodescendentes e suas consequências na

conformação do português brasileiro .............................................................

60

3.1.3 O multilinguismo .............................................................................................. 63

3.1.4 A escolarização no Brasil ................................................................................. 66

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3.1.5 A urbanização e a industrialização ................................................................. 68

3.2 HIPÓTESES FORMADORAS DO PORTUGUÊS POPULAR ....................... 71

3.3 AS COMUNIDADES DE FALA E A DINAMICIDADE DE DOIS

MUNICÍPIOS DO INTERIOR DA BAHIA .....................................................

76

3.3.1 Cenários da cidade de Santo Antônio de Jesus – Bahia ................................ 78

3.3.2 Cenários da cidade de Poções – Bahia ............................................................

82

4 TEORIAS E MÉTODOS ................................................................................. 85

4.1 TEORIA SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA .................................... 85

4.1.1 A Mudança linguística ..................................................................................... 89

4.2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS ........................................................... 93

4.2.1 Constituição da amostra de fala ...................................................................... 93

4.2.1.1 A estrutura da amostra: as variáveis sociais ....................................................... 95

4.2.2 Caracterização das entrevistas ........................................................................ 97

4.2.2.1 Digitalização e Transcrição das entrevistas ....................................................... 98

4.2.3 A base de dados ................................................................................................ 100

4.2.3.1 Caracterização da variável dependente .............................................................. 101

4.2.3.2 Ocorrências descartadas ..................................................................................... 102

4.2.4 Suporte quantitativo ........................................................................................

104

5 ANÁLISES DOS DADOS ................................................................................ 106

5.1 RESULTADO GERAL DA VARIÁVEL DEPENDENTE ............................... 107

5.1.1 A regência dos verbos de movimento em algumas variedades do

português brasileiro .........................................................................................

107

5.2 AS VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS ................................................................... 110

5.2.1 A variável verbo de movimento ........................................................................ 111

5.2.2 A variável material interveniente entre o verbo e o complemento locativo .... 112

5.2.3 A variável natureza do deslocamento .............................................................. 114

5.3 AS VARIÁVEIS SOCIAIS ................................................................................ 115

5.3.1 A variável faixa etária ...................................................................................... 116

5.3.2. A variável sexo do falante ................................................................................ 118

5.3.3 A variável comunidade de fala .........................................................................

120

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................

122

REFERÊNCIAS ...............................................................................................

125

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18

1 INTRODUÇÃO

As observações empíricas feitas pelos pesquisadores acerca do português popular do

Brasil (PPB) têm contribuído para o entendimento do português brasileiro (PB) como um

todo. Os pesquisadores detêm-se na análise de uma gama variada de fenômenos linguísticos

sobre diferentes visões teóricas, todos comprometidos com a ampliação do conhecimento da

realidade sociolinguística e sócio-histórica do português brasileiro. São muitas as frentes de

trabalho que buscam um mapeamento do comportamento linguístico do falante brasileiro, a

exemplo dos projetos de pesquisas desenvolvidos nas universidades federais, estaduais e

particulares.

Assim como em qualquer língua humana, a variação apresenta-se como característica

intrínseca à estrutura do português brasileiro. Nesse sentido, o uso da preposição associada

aos verbos de movimento seria um dos pontos da estrutura dessa língua que exibe um

processo de variação: existem várias possibilidades de se dizer o que se diz com a frase Maria

foi à praia, sobretudo, na variedade do português popular rural, em que essas possibilidades

são mais amplas. Desta forma, o falante pode dizer: (i) Maria foi à praia; (ii) Maria foi na

praia; (iii) Maria foi pra/pa praia, (iv) Maria foi até a praia. Assim sendo, observa-se que a

variação está localizada no uso alternado das preposições a, em, para e até (e suas contrações)

quando associadas aos complementos locativos dos verbos de movimento. Este é o assunto de

que trata esta dissertação: a variação na regência dos verbos de movimento (a exemplo dos

verbos ir, chegar, levar, sair, voltar, vir), com a discussão dos fatores linguísticos e sociais

que interferem na escolha da preposição por parte dos falantes.

Os estudos variacionistas acerca desse tema no PB costumam ter como referência a

análise de Mollica (1998[1986]), pioneira na abordagem desse fenômeno. Com base no

axioma da Sociolinguística de que a variação não ocorre aleatoriamente, e sim condicionada

por fatores linguísticos e extralinguísticos, a análise aqui proposta buscará identificar os

contextos favorecedores ao uso das preposições associadas aos verbos de movimento, de tal

maneira que os dados estatísticos indicarão as probabilidades de ocorrência de uma

determinada preposição.

O primeiro capítulo, intitulado A variação na regência dos verbos de movimento: do

latim às variedades atuais da língua portuguesa no Brasil, apresenta uma revisão

bibliográfica acerca da variação preposicional da regência dos verbos de movimento.

Inicialmente, discutimos a caracterização do fenômeno a partir da perspectiva da tradição

normativa. Em seguida, a reflexão detém-se nas preposições que regem os complementos dos

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19

verbos de movimento, a partir de um percurso histórico que se estende do latim ao panorama

atual do português brasileiro. Ao discutir a regência dos verbos de movimento, fez-se

necessário trazer à tona a diferenciação entre adjuntos e argumentos na tentativa de esclarecer

que esses verbos, tradicionalmente classificados como intransitivos, nos contextos

apresentados, comportam-se como verbos transitivos, que precisam ser complementados por

um argumento locativo. E, por fim, a partir dos estudos sociolinguísticos de Mollica

(1998[1986]), Ribeiro (1996), Vallo (2003), Assis (2006), centramos a discussão na

realização do fenômeno no português brasileiro, na tentativa de reunir elementos para uma

posterior comparação com os dados obtidos nesta pesquisa.

No segundo capítulo, intitulado Português Popular do Interior da Bahia, faz-se uma

apresentação do cenário histórico de formação do português brasileiro, relacionando as etnias

do passado à atual população miscigenada do território brasileiro, assim como será mostrado

o efeito do contato entre línguas ao longo da história do Brasil. A variedade popular do

Português Brasileiro (PB) diferencia-se das demais variedades, por ter sofrido a influência de

diversos vetores, dentre eles, vale destacar a demografia histórica da população brasileira, a

mobilidade dos africanos ou afrodescendentes e suas consequências na conformação do

português brasileiro, o multilinguismo, a escolarização no Brasil, a urbanização e a

industrialização (cf. MATTOS E SILVA, 2008, p. 394; LUCCHESI, 2001, p. 101). A análise

refinada de todos esses vetores, seguramente, certifica a visão de uma polarização

sociolinguística das normas linguísticas no Brasil proposta por Lucchesi (2001).

Considerando a pluralidade de normas existente no Brasil, também serão abordadas neste

capítulo as hipóteses de formação deste português popular, dedicando uma maior explicação

ao processo de transmissão linguística irregular, que melhor compreende a dinâmica do

contato entre línguas no processo histórico da formação linguística do Brasil. Em seguida,

designa-se o campo de observação dessa variação, apresentando as comunidades de fala dos

municípios de Santo Antônio de Jesus e Poções, ambas localizadas no interior da Bahia.

No terceiro capítulo, intitulado Teorias e Métodos, apresentam-se os pressupostos da

Teoria da Variação, liderada pelo linguista William Labov (2008[1972]), que compreende a

variação linguística como algo sistematizável e, para isso, procura delimitar os

condicionamentos reguladores dessa variação, observando os aspectos linguísticos e

extralinguísticos (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968]). Em seguida, na seção dos

Pressupostos Metodológicos, descrevem-se os caminhos percorridos para o bom

desenvolvimento da pesquisa, sendo subdividida em: A constituição da amostra de fala; A

caracterização das entrevistas; A base de dados e O suporte quantitativo.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS … Souza... · Palavras-chave: Regência verbal. Preposição. Português Popular. Contato entre línguas. ABSTRACT The presente

20

Por fim, o quarto capítulo, intitulado Análises dos dados, destina-se à apresentação dos

resultados da análise variacionista do uso de preposições junto aos verbos de movimento,

tendo como base empírica os 48 inquéritos do corpus do português popular do interior do

Estado que integram o Acervo do Projeto Vertentes do Português Popular do Estado da

Bahia, ao qual esta pesquisa está vinculada. Primeiramente, faz-se uma demonstração geral da

variável dependente, apresentando a frequência de uso das preposições nos contextos

analisados, relacionando, sempre que possível, aos resultados obtidos em análises de outras

variedades do PB. Posteriormente, refina-se a verificação subdividindo a análise de acordo as

variáveis em linguísticas e sociais, e assim saber o encaixamento linguístico e social que

dimensiona a variação do fenômeno.

Nas Considerações finais, apresentamos uma síntese do trabalho e dos resultados

obtidos, enfatizando os aspectos de maior relevância. Em decorrência disto, tem-se uma

expectativa de ampliar o conhecimento do uso concreto da língua no Brasil e no Estado da

Bahia, em particular, com os desdobramentos esperados da aplicação desse conhecimento,

particularmente nas práticas de ensino de língua portuguesa.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS … Souza... · Palavras-chave: Regência verbal. Preposição. Português Popular. Contato entre línguas. ABSTRACT The presente

21

2 A VARIAÇÃO NA REGÊNCIA DOS VERBOS DE MOVIMENTO DO LATIM ÀS

VARIEDADES ATUAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL

O estudo da variação preposicional da regência dos verbos de movimento requer uma

discussão prévia de outras questões correlatas ao tema, como os processos ligados à

predicação e à complementação verbal. Nesse sentido, é necessário revisitar alguns conceitos

amplamente divulgados pela gramática tradicional, mas que se revelam, quase sempre,

imprecisos e equivocados, quais sejam: a regência verbal, a transitividade verbal e a natureza

argumental do complemento do verbo de movimento. Além disso, faz-se uma exposição

breve da noção de valência verbal a fim de subsidiar a discussão acerca da natureza do

elemento locativo.

Neste primeiro capítulo, dividiu-se a revisão da literatura em quatro partes. A primeira

é dedicada à caracterização do fenômeno em estudo, a regência verbal, além disso, apresenta

considerações críticas a uma visão da tradição gramatical dos verbos de movimento. A

segunda seção remete-se à uma análise mais detalhada das preposições que encabeçam os

complementos locativos dos verbos de movimento, evidenciando as subseções da tensão entre

a prescrição e o uso das preposições nos complementos locativos, além da abordagem

histórica. Em seguida, será discutida a questão de as construções locativas relacionadas aos

verbos de movimento serem ou não adjuntos adverbiais. Na última seção, será abordada a

perspectiva sociolinguística da questão.

2.1 REGÊNCIA VERBAL: CARACTERIZAÇÃO DO FENÔMENO

Entende-se por regência a relação de dependência que as palavras mantêm entre si na

frase. A palavra dependente denomina-se regida, e o termo a que ela se subordina, regente.

Quando o termo regente é um verbo, a relação que se estabelece entre ele e seu complemento

chama-se regência verbal (CUNHA; CINTRA, 1985; FARACO; MOURA, 1998;

ALMEIDA, 1999).

Consoante Cunha e Cintra (1985, p. 505), as relações de regência podem ser indicadas:

i) pela ordem por que se dispõem os termos na oração; ii) pelas preposições, cuja função é

justamente a de ligar palavras estabelecendo entre elas um nexo de dependência; iii) pelas

conjunções subordinativas, quando se trata de um período composto. Essas relações são

exemplificadas, respectivamente, abaixo:

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(01) a. O homem cortou a mulher.

b. A mulher cortou o homem.

(02) a. Casa de Maria.

b. Maria vai à feira.

(03) Eu quero que você saia da minha vida.

Em (01) está claro que a função sintática dos termos o homem e a mulher é

determinada por sua posição na frase. Embora o português admita o deslocamento do sujeito e

do objeto em algumas situações, esses termos têm posições regulares. Em (01a) o homem é o

sujeito da oração e a mulher aparece como o objeto direto; em (01b), por sua vez, há uma

inversão dessas funções em decorrência da troca de posições entre esses dois constituintes.

Nos exemplos (02) e (03), a relação de dependência é estabelecida, respectivamente, pela

preposição e pela conjunção, nas quais já está implícita a ideia de subordinação.

Interessa, aqui, a relação indicada no item “ii” e exemplificada em (02b), tendo em

vista que esse será o contexto a ser analisado e interpretado: quando a preposição estiver

ligada ao verbo de movimento, encabeçando o complemento circunstancial na forma de

sintagma preposicionado:

(04) Vou à praia

V. Mov + SPrep (locativo)

Nesses casos, é possível também haver um elemento interveniente entre o verbo e o

sintagma preposicional, como se apresenta no exemplo a seguir:

(05) Vou sempre à praia

V. Mov + (elemento interveniente) + SPrep (locativo)

Considerando a questão da regência verbal, verifica-se certa incoerência no tratamento

desse fenômeno na tradição gramatical. O assunto costuma ser apresentado mais ao final dos

compêndios gramaticais, em forma de listas, sem uma discussão prévia sobre o fato

linguístico, refletindo com isso a pouca importância normalmente dada a este estudo. Rocha

Lima (2002, p. 417), por exemplo, anuncia a regência de alguns verbos prescrevendo a

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indicação de uso da tradição gramatical, que, em muitos casos, não reflete a realidade

cotidiana dos falantes.

Embora seja esse o procedimento comum na maioria das gramáticas normativas e, por

conseguinte, nos livros didáticos, é preciso ressalvar que não se deve fazer generalizações. Na

gramática pedagógica de Cegalla (1999, p. 437), por exemplo, ainda que o autor também se

restrinja a uma listagem de verbos na apresentação do fenômeno, regência verbal, refere-se à

existência de formas variadas no uso na “língua culta” e na “língua coloquial”. Abaixo,

reproduzem-se alguns dos exemplos listados pelo autor:

(06) Chegamos a (e não em) São Paulo pela manhã. (“língua culta”)

(07) Chegamos em São Paulo no dia seguinte. (“língua coloquial”)

É importante refletir que não há na redação do texto uma clareza terminológica quanto

ao conceito “língua culta”, tendo em vista que esse termo aparece frequentemente como

sinônimo de “língua padrão” nas gramáticas, nos manuais didáticos e, por extensão, no

discurso da escola.

A esse respeito, Lucchesi (2002, p. 65), traçando a diferença entre norma padrão e

norma culta, esclarece que “a primeira reuniria as formas contidas e prescritas pelas

gramáticas normativas, enquanto a segunda conteria as formas efetivamente depreendidas da

fala dos segmentos plenamente escolarizados (...)”. Assim, a partir da análise dos exemplos

(06) e (07), pressupõe-se que Cegalla (1999) esteja falando de norma padrão e não de norma

culta, pois há prescrição de formas, recomendando o uso de uma preposição e não de outra.

Caminhando nessa direção, a prática pedagógica dos educadores com relação ao fato

lingüístico em análise contribui para a assimilação e manutenção da ideologia do “certo” e do

“errado”, tendo em vista que a exposição desse assunto, quase sempre, é colocada para o final

do período escolar, transmitido muito rapidamente, sem reflexão do uso de determinado nexo

preposicional, nem da especificidade do verbo. Vale dizer que em algumas situações, dada a

precariedade que envolve o ensino da língua portuguesa no Brasil, o educando apenas tem

conhecimento do fato linguístico a partir da correção gramatical, quer seja oral – através da

fala cotidiana em sala de aula – quer seja por escrito – através das redações escolares.

No que se refere à ação normatizadora da escola, Oliveira e Silva (2004[1996])

observou que a influência da escolarização pode ser evidente mesmo em fenômenos que não

são objeto do ensino escolar. Isto ocorre porque os professores, ainda que assistematicamente,

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fazem interferências incisivas na fala dos educandos; além disso, o contato recorrente com

materiais escritos na norma culta, inevitavelmente, acaba por conduzir os alunos ao uso mais

próximo do padrão. Quanto ao uso da variação preposicional dos complementos dos verbos

de movimento, assunto que consta da programação escolar, a autora constata a influência do

vetor escolaridade, mostrando que, quanto maior for o tempo de exposição do indivíduo ao

ensino formal, maior será o uso da forma padrão, no caso, a preposição a. Oliveira e Silva

(2004[1996]) esclarece que a apreensão dessa preposição se dá tardiamente, uma vez que o

fenômeno não é tão precocemente enfatizado na escola.

2.2 A VARIAÇÃO NO EMPREGO DE PREPOSIÇÕES JUNTO AOS VERBOS DE

MOVIMENTO: PANORAMA HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL NO PORTUGUÊS

DO BRASIL

Considerando que esta investigação está centrada no uso variável da preposição, é

conveniente dedicar-se um pouco ao estudo desses elementos relacionais, observando,

sobretudo, o conflito instaurado entre o uso normativo e aquele efetivamente realizado pelo

falante. Ao se estudar a regência de um verbo, o que se espera saber é se há obrigatoriedade

no uso da preposição e, confirmando-se essa exigência, verificar se o falante emprega a

preposição recomendada pela tradição. No caso dos verbos de movimento, que constituem o

interesse deste trabalho, nota-se, no uso corrente, expressiva variação quanto ao emprego das

preposições que regem os locativos. Isso quer dizer que, num verbo como vir, para o qual a

gramática orienta, exclusivamente, o uso de a, o falante ora emprega a preposição para ora

em.

Desde que as preposições passaram a ser elementos essenciais para estabelecer

relações de subordinação entre os elementos de uma oração, seu emprego, ao longo dos

séculos, vem se modificando. De acordo com Câmara Jr. (1976, p. 177), como muitas das

preposições latinas se perderam, resultou daí uma “redistribuição de emprego de algumas” e,

consequentemente, uma grande expansão e variação dos significados originais de algumas

delas, o que provocou, algumas vezes, situações de superposição (uma preposição invadindo

parcial ou totalmente o espaço de significação de outra).

A fim de fornecer uma melhor fundamentação ao assunto examinado, apresenta-se, a

seguir, uma breve incursão histórica sobre o uso das preposições, cujo foco é o tratamento

daquelas que regem os locativos.

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2.2.1 O emprego de preposições junto a verbos de movimento na formação das línguas

românicas

Assim como diversos fenômenos em variação na língua portuguesa, os usos

alternantes da preposição com os verbos de movimento não é privativo do português atual. De

acordo com registros de vários autores, já no latim era notória essa variação. Nesse sentido,

investigar o percurso histórico desse e de outros fatos da língua tem constituído interesse de

vários estudiosos, considerando, como afirma Poggio (2002, p. 23), que tais estudos

“contribuem para fortalecer a idéia de que a heterogeneidade das línguas e o contato entre

realidades diversas são fatores essenciais para inferir-se a dinâmica da mudança lingüística”.

Ainda justificando a necessidade de se apresentarem algumas considerações

diacrônicas sobre o uso das preposições na língua portuguesa, menciona-se o que diz Svorou

(1993 apud POGGIO, 2002, p. 62): “torna[-se] necessário investigar a história das formas

gramaticais não só para explicar a sua variação, mas também porque essa história reflete

aspectos mais profundos da interação social e aspectos da construção cognitiva dos seres

humanos”.

No latim, como se sabe, havia um sistema de casos que marcava, através das flexões, a

relação entre os vocábulos na sentença. Entretanto, conforme referido em Poggio (2002, p.

79), essas relações também eram, algumas vezes, expressas “apenas pela diferença na

quantidade vocálica da vogal final do vocábulo”, além de se empregarem, com menor

intensidade, “os elementos de relação chamados preposição”.

As preposições, no latim, subordinavam alguns complementos ao verbo, mas seu uso

era sentido como redundante, uma vez que esses elementos relacionais apareciam juntamente

com os casos morfológicos para garantir certa clareza e ênfase. A esse respeito, é bom

relembrar o que diz Câmara Jr. (1976):

O nome complemento vinha no caso acusativo ou ablativo, já indicadores da subordinação ao verbo, mas a partícula adverbial que se lhe antepunha, e por isso se chamava ‘preposição’ na terminologia gramatical, insistia no elo subordinativo e delimitava melhor as condições da dependência (CÂMARA JR., 1976, p.175, grifo nosso).

Na passagem para as línguas românicas, a redução da marcação flexional gerou um

desequilíbrio no sistema latino. O enfraquecimento do valor significativo dos casos na

caracterização das relações de subordinação entre os elementos tornou o uso das preposições

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uma necessidade absoluta para a clareza da frase. Nesse sentido, conforme lembra Câmara Jr.

(1976), tais elementos passaram a ser um traço característico das línguas românicas.

Consolida-se, assim, nessas línguas, o estabelecimento de uma nova classe gramatical: a das

preposições.

Câmara Jr. (1976) afirma que houve um empobrecimento da quantidade de

preposições latinas na passagem ao português, tendo muitas delas se perdido ao assumirem a

função de prefixos. Segundo o autor, esse fato é resultante “de uma redistribuição de emprego

de algumas partículas favorecidas, que se substituíram a outras num processo de simplificação

e economia”. (CÂMARA JR., 1976, p. 177). De acordo com Said Ali (1964), das partículas

que foram aproveitadas no português como preposição, algumas não sofreram alterações na

forma: ante, contra, de, per, ao passo que outras sofreram algum tipo de transformação: ad >

a; post > pós; in > em. Em alguns casos, os usos atuais permaneceram iguais aos do latim e,

em outros, houve uma extensão do sentido. Nas palavras de Said Ali (1964, p. 203-4): “Cada

preposição teve originalmente um sentido delimitado; mas a associação de idéias tornou

possível o alargamento do domínio semântico de algumas a ponto de invadirem umas o

domínio das outras e se confundirem por vêzes as partículas na aplicação prática”.

Segundo Câmara Jr. (1976), o sistema de preposições do português funciona em dois

planos: um mais concreto – localização no espaço e no tempo – e outro “com conceituações,

metaforicamente deduzidas, de estado, origem, posse, finalidade, meio, causa, objetivo e

assim por diante” (CÂMARA JR., 1976, p. 177). São de interesse deste trabalho, como já

assinalado, as construções locativas, de modo que serão apresentadas, a partir de agora,

algumas informações bastante sucintas sobre a retrospectiva histórica dos itens preposicionais

que encabeçam esse tipo de estrutura: ad > a, in > em e per ad > para.

De acordo com Said Ali (1964), o sentido de direção ou movimento para algum

ponto, característico da preposição a no português atual, é o mesmo que tinha a partícula ad

no latim. Além disso, outras noções, decorrentes desse sentido original também eram

verificadas para ad, conforme destaca o autor:

Com o sentido de lugar onde, isto é, denotando, não a direção em que se encaminha o movimento, e sim o ponto terminal, já se usava ad no latim vulgar e ocorrem, até, alguns exemplos dêste gênero em Varro e Tito Lívio. O emprêgo em francês de à com os nomes de cidades filia-se a esta prática antiga. Em português não podemos dizer senão com a preposição a: ir com a

trouxa às costas, trazer o colar ao pescoço, estar alguém à cabeceira, à

mesa, etc. Com outra qualquer partícula se alteraria aqui o conceito da situação (SAID ALI, 1964, p. 211).

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Consoante Ernout e Meillet (1951 apud POGGIO, 2002, p.189), a preposição latina in

significa em, sobre, com a ideia de espaço e de tempo, considerando as coisas em movimento

para um fim. Poggio (2002), citando L. Rubio (1983), menciona que há diferença entre o uso

de in com acusativo e ad. No primeiro caso, a ideia é de “no interior de” e, no segundo,

“diante de”, “perto de” (cf. 08):

(08) reducemque faciet liberum in patriam ad patrem

(‘e o fará voltar livre à sua pátria diante de seu pai’)

Poggio (2002) relata que, de acordo L. Rubio (1983), a diferença não reside na ideia

de que in seguido de acusativo indique movimento e com ablativo, repouso, mas no conceito

de ‘permanência’ e ‘deslocamento’. Assim, usava-se in com acusativo quando a ideia era de

permanência, com ou sem movimento, e in com ablativo denota deslocamento, igualmente

com ou sem movimento.

No português, a preposição em já era registrada desde o século XII e algumas vezes

alternava-se com in. De acordo com Said Ali (1964), essa preposição indica ‘interioridade’,

com ideia de tempo e lugar. Segundo Poggio (2002), no português arcaico, pode indicar

‘espaço’, ‘tempo’, além de apresentar alguns sentidos figurados, como ‘meio’, ‘causa’, ‘fim’,

mas mesmo, nesses casos, em apresenta os traços ‘localização estática’ e ‘interioridade’.

Poggio (2002, p. 155) salienta que “há certa transferência no campo semântico da

preposição in ao domínio de ad”. A autora menciona ainda que: “Apesar da aparente clareza

de usos e significados expressos por essas duas preposições, convém lembrar que a

preocupação dos gramáticos latinos em distinguir os empregos desses elementos demonstra

que elas se confundiam em seu uso” (POGGIO, 2002, p. 155).

Rocha Lima (s/d, p.223), citado por Bagno (2000, p. 251), traçando o percurso

histórico das preposições a e em (ad e in) com idéia de direção, no português, refere-se ao

sincretismo que as caracterizava já no latim, visto que ambas indicavam, no latim literário,

tanto a idéia de repouso como a de movimento. Conforme relembra Bagno (2000, p. 251),

havia, entre elas, porém, “sutis diferenças de significação que, todavia, não eram rigidamente

respeitadas pelos escritores, apesar (como sempre) da insistência dos gramáticos”. Percebe-se,

assim, que a acirrada tensão entre a prescrição normativa e a língua efetivamente usada era

evidente mesmo no latim literário. No chamado latim vulgar, o sincretismo das partículas ad e

in era levado ao extremo, de modo que a oscilação – e a consequente confusão –, entre a idéia

de repouso como a de movimento era ainda mais comum (ROCHA LIMA s/d, p. 224 apud

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BAGNO, 2000, p. 251), conforme se verifica nos exemplos (09) e (10), reproduzidos de

Rocha Lima (s/d, p. 224 apud BAGNO, 2000, p. 251)1:

(09) In urbe(m) ire

(10) Ad urbe(m) ire

Segundo informação de Rocha Lima, o amortecimento do -m do acusativo igualava

urbem a urbe, favorecendo a não distinção entre o repouso e o movimento. Ainda de acordo

com Bagno (2000), a especialização de ad para movimento e in para repouso só começou a

acontecer nas línguas românicas com o processo de normativização, à medida que foram se

tornando línguas literárias. O autor chama a atenção, contudo, para o fato de que o

sincretismo no uso de tais preposições não se desfez em todas as línguas neo-latinas, citando o

caso do francês, em que até hoje não se faz essa divisão (movimento e/ou repouso), de modo

que as preposições à e en apresentam os dois sentidos e podem alternar-se com o mesmo

verbo (com o mesmo significado). Esse fato também ocorre com o catalão antigo. O referido

autor lembra, porém, que há no francês uma especialização no uso dessas preposições apenas

no que concerne ao tipo de complemento: utiliza-se a preposição a para nome de cidade,

preposição em para nome feminino de país e/ou nomes de países masculinos iniciado por

vogal ou h mudo, e au para países iniciados por consoante, como se vê nos exemplos (11),

(12), (13), citados de Bagno (2000, p. 251):

(11) Je vais à Paris

(12) Je vais en Italie

(13) Je vais au Brésil

No catalão antigo, as preposições a e en coincidem com dois sentidos locativos;

servem para expressar a idéia de situação e de direção, como nos exemplos abaixo,

reproduzidos de Moll (1991, p. 222):

1 Ensaio de Rocha Lima (s\d) citado por Bagno(2000) intitula-se “Sobre o sincretismo de a e em no exprimir direção”.

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(14) a. Anàrem a la muntanya.

b. Anàrem en la muntanya.

(15) a. Estàvem a la muntanya.

b. Estàvem en la muntanya.

Vale ressaltar que na linguagem moderna, o catalão oriental e balearic, dialeto do

catalão, têm demonstrado preferências por determinadas construções: preposição a para nome

próprio e preferência de uso da preposição en diante de pronomes demonstrativos aquest,

aqueix, aquell. Esse comportamento assemelha-se ao da língua francesa, referido acima, mas,

de forma geral, é indicado o uso da preposição a quando o contexto indica direção inicial e

progressiva de um movimento de uma ação.

(16) Anem a Roma. (Cat. oriental e balearic)

(17) Vaig en aquella casa. (Cat. oriental e balearic)

(18) Venien a casa. (Cat.)

No tocante à língua espanhola, Alvar e Pottier (1993, p. 289) informam que, em

algumas ocasiões, a preposição a pode ser trocada pela preposição para, ainda que com

algumas diferenças no uso, havendo inclusive algumas vezes confusão no emprego dessas

preposições, como exemplificado em (19) e (20):

(19) Voy para Itália

(20) Voy a Itália

Moll (1991, p. 222) informa que as preposições a e en do uso catalão se diferenciam

do uso de Castela, que utiliza normalmente a preposição a para indicar direção e en na

concepção de situação.

Rocha Lima (apud BAGNO, 2000, p. 251) discorre que o português antigo também

conheceu o uso das preposições ad e in com verbos de sentido diretivo, como se observa nos

exemplos de (21) a (24), retirados da obra Clarimundo de João de Barros e citados por Bagno

(2000, p. 251):

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(21) “... era vindo nesta terra”

(22) “... depois que Carfel, e Arquilo foram na pousada com todalas cousas...”

(23) “... levarão-no todos aquelles Senhores à pousada.”

(24) “ O Emperador mandou a hum Cavalleiro que fizesse levar o corpo de Forbotão

à igreja de Santa Sophia”.

De acordo com Rocha Lima (apud BAGNO, 2000, p. 251), a partir do século XVI a

preposição a sofre um processo de especialização no português, passando a ser empregada

junto a verbos de movimento. Entretanto, lembra o autor, que a língua transplantada para as

terras recém descobertas é a linguagem oral “eivada de arcaísmos e flutuante sob muitos

aspectos”, dentre os quais, certamente, destacam-se as construções com verbo de movimento

+ em. É essa a construção que, nas palavras do autor, “viceja no território africano de Angola,

assim como no solo asiático de Goa [...], além de se ter enraizado na linguagem popular do

Brasil” (p.252).

Quanto à preposição para, sua origem não é bem esclarecida no português. Poggio

(2002) faz uma resenha de vários estudos e suas hipóteses sobre a origem dessa preposição: a)

Para Geraldo da Cunha (1991), o item teria se originado do latim per ad, através da variante

pêra. Para esse autor, somente no século XVII, a forma para teria se tornado mais usual; b)

Segundo José Pedro Machado (1977), para provém de pora (por +a) e não se tem

documentação antes do século XVI; c) De acordo com Câmara Jr. (1976), para provém da

aglutinação de per e ad, e seu uso, inicialmente, denotava ‘percurso em direção definida’; d)

Para Said Ali (1964), para e pera eram usuais no português arcaico e no português do século

XVI e início do XVII e esta última seria proveniente de per ad ou de pro ad.

A preposição para é empregada com o sentido de ‘destinação’, ‘lugar para onde’ e no

português atual é usado em co-ocorrência com a. De acordo com Said Ali (1964, p. 216), “a

diferença [é] tão difícil de perceber que os casos de regência fixa, em que certos verbos e

adjetivos se construem [sic] uns sempre com a e outros sempre com para, não se explicam

senão pelo capricho do uso.” O autor também assinala a existência de variação entre a e para,

em contextos em que a norma orientaria o uso da primeira.

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Analisando construções locativas em anúncios e cartas de redatores/ leitores de jornais

paulistas do século XIX, Berlinck; Guedes (2003) verificou a variação entre as preposições a,

para e em com os verbos de movimento, tendo observado o uso predominante da primeira.

Para a autora, o processo de desuso da preposição a já estava em curso no português desde o

século XIX. A constatação dessa variação é também feita em Pontes (1992), que observa,

contudo, que, nos últimos anos do século XX, o uso de a é minoritário em função do aumento

generalizado das outras variantes: em, nos contextos em que se referem a ‘localização’, e

para, nos casos de ‘direção’.

Essa revisão da linha histórica percorrida do latim até as línguas românicas

contemporâneas revela que a variação das preposições que acompanham os verbos de

movimento sempre esteve presente nessas línguas, não sendo exclusividade do português

brasileiro.

2.2.2 A prescrição gramatical e o uso real nas variedades do português brasileiro

Ainda hoje, algumas das gramáticas do português apresentam o mesmo rigor

normativo das primeiras gramáticas da língua, a saber Grammatica da Lingoagem Portuguesa

(1536), de Fernão de Oliveira, e Grammatica da língua portuguesa (1540), de João de Barros,

evidenciando que pouca coisa mudou no que se refere à prescrição normativa do uso da

língua. Escritas no período renascentista, quando, segundo Fávero (1996, p. 21), “a gramática

deixa de ser necessariamente a latina e incide sobre as línguas vernáculas”, essas obras

revestem-se de um caráter pedagógico a fim de atender à política de expansão territorial

portuguesa no que diz respeito à imposição da língua aos povos colonizados (KRISTEVA,

1974 apud FÁVERO, 1996).

De acordo com Leite de Vasconcelos (1929, p. 865 apud FÁVERO, 1996, p. 23),

nesse período, eram evidentes “[a] preocupação com a semelhança entre a gramática

portuguesa e a latina, devido ao prestígio do latim como língua de expressão culta [...], [o]

autoritarismo gramatical [...] [e o] sentimento de superioridade patriótica da língua portuguesa

face às demais”. Nos dias atuais, ainda constitui preocupação das gramáticas, livros didáticos

e outros manuais a exposição das regras do “falar e escrever bem”, de modo que tudo o que se

afasta da prescrição não é legítimo na língua. Naturalmente, é por esse olhar que o uso das

preposições que regem os locativos é apresentado aos estudantes.

Grande parte das gramáticas e livros de referência para o ensino da língua mostra que

os locativos relacionados aos verbos de movimento ir, chegar, vir, voltar e sair têm em sua

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composição uma preposição e um sintagma nominal locativo [SPrep <prep+SN>]. Esses

estudos tradicionais prescrevem o uso da preposição a para encabeçar o SPrep locativo,

mencionando, também, o uso da preposição para quando há a intenção de permanência mais

duradoura no local do destino. O uso de em, por sua vez, é rechaçado categoricamente,

conforme se vê registrado no trecho abaixo:

Não devemos usar a preposição em com verbos de movimento, porquanto em indica lugar onde: “ir ao colégio” – e não “ir no colégio” – “chegar a um lugar”, e não “chegar em”: chegamos ao Rio, cheguei à casa dele, cheguei tarde a casa, o avião chegou ao campo (ALMEIDA, 1999, p. 337).

Quanto ao uso da forma padrão a, sabe-se, contudo, que muitos estudos sobre o PB

têm assinalado o desuso dessa preposição nessa variedade da língua, até mesmo na

modalidade escrita, em favor das alternativas com para e em (cf. exemplos 25 e 26)2.

(25) “o programa pode começar com um simples cinema... um teatro... vai-se a uma

boate ( ) não... faz-se algum tipo de programa qualquer... ou então vai pra um

bar...” (RIO – D2 158: 905-908).

(26) “eu fico encantada de ir a uma casa... de flores ou num... mercado (REC – DID

156: 455)

Os exemplos acima fazem parte do corpus do projeto NURC (Rio de Janeiro e Recife,

respectivamente) e são, portanto, amostras de fala de indivíduos cultos. Em ambos os

contextos, os locativos indicam a noção de não permanência, para a qual a GT orientaria,

exclusivamente, o uso da preposição a. O que se vê, portanto, é que essa descrição

desatualizada nem mesmo está de acordo com a fala dos indivíduos plenamente escolarizados

da sociedade.

À revelia das prescrições gramaticais, os falantes das comunidades de fala popular do

interior do Estado da Bahia fazem uso de uma gama maior de formas preposicionais em SPrep

locativos junto aos verbos de movimento já citados, como: a, para, em, até e ausência de

preposição. É possível perceber tal variação nos exemplos a seguir, retirados do corpus

estudado:

2 Exemplos extraídos de BAGNO (2002, p. 143-4).

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Preposição a:

(27) Domingo de páscoa, aí já é... domingo de páscoa já é dia de alegria, né? Pra quem

gosta de ir a... a baile, forró. (POR-inq2)

(28) Eu sô, sô, qué vim a festa dele ni dezembro, cê pode vim que cê zôa aqui mais

nós.(POR-inq8)

Preposição para:

(29) E ela... ela saía, ia pa rua, (POR-inq3)

(30) Quando eu cheguei pra aqui, ainda tinha muita professora por aqui. (SAR-inq11)

(31) ...eu num achei quem me levasse pa fêra não. (SAR-inq10)

(32) Dali da casa de... de... de Nega, nós viemo pra... pra casa de mãe, de novo, aí

construimo essa lá. (POR-inq12)

(33) Na época, papai num dêxava eu saí pra festa não, só ia era aqui, quando ele

dêxava, que ele tava lá, se era ni reza na bêra do rio (POR-inq11)

Preposição em:

(34) Eu acharia que se colocasse uma fêra aqui ni Morrinhos, era bom, poque aí agora

a gente num precisava ‘tá dano essa viagem pra ir ni Poções comprá nada. (POR-

inq5)

(35) Agora um lugá que num era cercado, sabe como é? Cê entrava aqui, saía na bêra

do rio, sa... chegava na bêra do rio, passava aqui, sai... ia saí lá ni...

INTERRUP, né? (POR-inq12)

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(36) Se eu dissé, eu num vô levá ele no médico hoje né... fora de caso de febre, né?

Teve febre, é necessário.(SAR-inq2)

(37) Que os pobre tem hora que [escusa] de vim em minha casa e os rico num

[escusa], Graça, meu pai, Graça meu pai. (POR-inq8)

(38) Comade Júli assim falava assim “Ô, ô [Aldina]”, porque ela saía muito ni festa

mais nós, ni reza. (POR-inq12)

Preposição até:

(39) A ôtra, que o marido morreu em São Paulo, o marido dexô um carrinho pra ela,

vendeu, tornô compra ôtro. Ela já veio aqui duas veze com esse carro. Na ININT.

ININT vez veio de São Paulo, foi até Salvadô no carro. Só tem uma lá que

mais... que é mais carma. [Eni]... uma magrinha. Essa tá mais...(POR-inq6)

(40) Já, e tamém teve uma... eu já ouvi falá na torre de Babel, inclusive teve até um

filme eu já assisti esse filme que o homem construiu essa torre, que queria chegá

até o céu e vai, (SAR-inq3)

(41) Eu levo eles até ali, né, sete e meia, aí... aí tem um... um... um carro que pega ali,

ININT solta lá na escola. (SAR-inq2)

Ausência de preposição

(42) Eu vô Ø lá assim, um dia assim [no]... em dois ano, três ano que eu vô lá. Num é

negoço assim todo dia não. (POR-inq2)

(43) eu vô chegá Ø aqui umas onze doze horas, quando é, vamo supô, uma cinco

hora da manhã eu tenho que saí pa trabalhá, aí a pessoa num guenta.

(44) Que... que lugá tem aqui procê... “ah, vô levá meu filho Ø aqui pra vê o quê?”

Nada, num tem nada, num tem um parquezinho, prefeitura num faz nada

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(45) É, por que o transporte come tudo, né? Tinha... vamo dizê, se tivé duas mil

laranja, pá pegá um carro pá vim Ø aqui pegá. (SAR-inq8)

(46) A senhora saiu Ø aqui, botô no seu carro, saiu aqui, se a senhora chegô aí

adiante a [fiscalização] pegô, aí eles toma e quêma, é o que eles fala, né?(SAR-

inq5)

Em se tratando de exemplos retirados de amostra de fala real do português popular do

interior, em que não houve uma orientação específica para produções de construções

preposicionadas no contexto de análise (Verbo Mov.+ SPrep locativo), observa-se que,

embora todas as preposições tenham ocorrido, não foi possível observar uma combinação

perfeita de todos os verbos com todas as preposições em estudo. A preposição padrão a, por

exemplo, não ocorreu com todos os verbos, além de ter tido baixíssima frequência. Esse fato,

em particular, pode estar relacionado à especificidade do corpus, cuja constituição tem em sua

base falantes analfabetos e semi-analfabetos. Observou-se também que a preposição até não é

frequente, e as ocorrências dos contextos da ausência de preposição categoricamente só

ocorreram com partículas locativas – advérbios de lugar.

2.3 AS CONSTRUÇÕES LOCATIVAS DOS VERBOS DE MOVIMENTO: ADJUNTOS

OU ARGUMENTOS?

A descrição apresentada pelos compêndios gramaticais referidos na seção 1.1

(ALMEIDA, 1999; BECHARA, 1999; CUNHA; CINTRA, 1985; ROCHA LIMA, 2002) não

possibilita a elaboração de um conceito nítido acerca do que sejam os verbos de movimento.

Algumas vezes, a terminologia é utilizada, mas a menção a esses verbos é feita de maneira

dispersa. O verbo de movimento costuma ser citado ao se discutirem os seguintes tópicos

gramaticais:

i. No estudo das preposições, sobretudo quando esses nexos indicam o sentido

diretivo, como, por exemplo, as preposições a e para, as quais apresentam uma

sutil diferença de sentido com relação ao tempo de permanência em determinado

local;

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ii. No estudo da transitividade verbal, costuma-se atribuir aos verbos de movimento a

categoria de intransitivo, caracterizando o termo locativo subsequente ao verbo de

movimento como adjunto adverbial ou complemento circunstancial;

iii. Ao se discutir a regência verbal, quando acontece, esporadicamente, a ocorrência

de um verbo de movimento, é mencionada a forma padrão do uso da preposição;

iv. Na discussão acerca dos adjuntos adverbiais, questiona-se a natureza acessória e

argumental dos termos que acompanham os verbos de movimento.

A questão que se apresenta aqui não é a de reivindicar um espaço específico para o

tratamento dos verbos de movimento na GT, mas a de que é necessário repensar o conceito de

transitividade verbal a fim de se fazer uma categorização mais coerente dos verbos na língua

portuguesa.

A questão da complementação verbal no português não tem sido muito bem definida

nas gramáticas tradicionais, as quais têm, frequentemente, se baseado em conceitos semânticos

e formais, mas de maneira bastante superficial. Dessa forma, verifica-se uma série de

discordâncias e imprecisões sobre o assunto. Uma dessas questões diz respeito à discussão que

se trava em torno da natureza das construções locativas, que, em alguns casos, é vista com um

caráter meramente acessório e, em outros, como argumento verbal.

Dentro de uma terminologia tradicional, seria o caso de verificar se tais construções

estariam inseridas entre os termos que se costumam classificar como “integrantes” ou entre os

“acessórios”. O primeiro grupo refere-se aos termos que aparecem na oração completando o

sentido de um outro termo. O segundo, por sua vez, aplica-se aos “acréscimos acidentais”,

que, segundo Almeida (1999, p. 430), tem efeito simplesmente informativo. Os termos

integrantes são, comumente, classificados como: complemento nominal, complemento verbal,

agente da passiva; e os termos acessórios são classificados como: adjuntos adnominais,

adjuntos adverbiais e aposto.

Ao analisar a natureza da obrigatoriedade de alguns termos, as gramáticas tradicionais

voltam-se para o estudo da transitividade verbal, e, como enfatizado, misturam, sem

aprofundamento, conceitos semânticos e formais. Por essa perspectiva, consideram-se verbos

intransitivos aqueles que dispensam complementos porque “[...] expressam uma idéia

completa” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 505). Está aí subjacente uma visão puramente

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semântica no sentido de que se baseia na ideia da ‘incompletude’ do verbo. As formas verbais

transitivas são referidas como aquelas em que “o processo verbal não está integralmente

contido nelas, mas se transmite a outros elementos” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 132), estes

chamados de objeto. Esses conceitos, porém, nem mesmo dentro da visão tradicional são

vistos com tranquilidade.

O verbo de movimento chegar, por exemplo, é classificado, por Faraco e Moura

(1998), como intransitivo no sentido de atingir data ou local; essa mesma ideia também está

presente em Cegalla (1999)3 ao relatar que este verbo na “língua culta” não admite

complemento ligado a ele, entretanto, podem aparecer termos acessórios, chamados de

adjuntos adverbiais. O verbo ir também é classificado de intransitivo, ao qual se podem ligar

adjuntos adverbiais de lugar preposicionados. Nesse sentido, questiona-se: os termos

subsequentes aos verbos de movimento são adjuntos ou argumentos?

Almeida (1999, p. 432), conhecido por sua visão tradicionalista, afirma que “O verbo

ir, por exemplo, não é verbo transitivo; portanto, na frase ‘Fui a Belo Horizonte’, o

complemento ‘a Belo Horizonte’ não é objeto indireto, mas adjunto adverbial.” É essa a visão

presente na maioria das gramáticas tradicionais e pedagógicas.

Por uma perspectiva menos presa ao tradicionalismo gramatical, Rocha Lima (2002,

p.252) faz uso de uma terminologia diferenciada, chamando de complemento circunstancial

os termos que complementam os verbos de movimento, com sentido diretivo, como o verbo

ir. Para o autor, o complemento circunstancial é “tão indispensável à construção do verbo

quanto, em outros casos, os demais complementos verbais”. Desse modo, para Rocha Lima

(2002), no exemplo (47), o termo “a Roma” tem natureza argumental e não acessória. Bechara

(1999), com esse mesmo entendimento, insere tais complementos entre os que denominou de

complemento relativo.

(47) Irei a Roma.

Nesse sentido, pode-se assumir a visão de que os verbos de movimento possuem

comportamento semelhante aos verbos transitivos, vinculando-se necessariamente aos seus

complementos. Não seria possível, pois, expressar uma idéia completa se não fosse a presença

do complemento locativo, como se pode conferir nos exemplos de (48) a (49):

3 O autor também faz referência aos verbos ir e vir, os quais se comportam semelhantemente ao verbo chegar.

Exemplifica-se através dos exemplos: “Fomos a Belém. Fui à feira. (...) Vieram à cidade fazer compras” (CEGALLA, 1999, p. 437).

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(48) “... só eu... só num fui a São Paulo e Rio...”

(49) “Não, a mais véia vai pra creche esse ano” (POR-inq3)

De acordo com os exemplos acima, os paradigmas do verbo ir de movimento (vai e

fui) efetivamente não formam uma “expressão semântica” sem o amparo do complemento

locativo. A presença deste se faz absolutamente necessária e não somente acessória. E a

omissão do complemento locativo só é possível se o seu conteúdo estiver subtendido,

podendo ser recuperado pelo receptor pragmaticamente na situação concreta de interação

verbal. Daí, Nascentes (1944, p. 27) declarar que “tratando-se de verbos intransitivos de

movimento, o complemento de direção não pode ser considerado elemento meramente

accessorio”.

Compartilhando dessa ideia, Rocha Lima (2002, p. 340) esclarece que “o

complemento forma com o verbo uma expressão semântica, de tal sorte que a sua supressão

torna o predicado incompreensível, por omisso ou incompleto”. E conclui: “sendo o verbo

uma palavra regente por excelência, cumpre proceder sempre à verificação da natureza dos

complementos por ele exigidos”.

Com base numa ótica mais científica sobre os fatos da língua, Perini (2004) critica a

postura tradicional eminentemente semântica de classificação e apresenta uma nova proposta

de análise da transitividade verbal. Para o autor, é preciso ir além da simples noção de

‘exigência’ e ‘recusa’ de um complemento. Nesse sentido, ele acrescenta a idéia de ‘aceitação

livre’. Dentre as funções relevantes para o estabelecimento da transitividade, Perini (2004),

destaca aquelas que são exigidas ou recusadas por algum verbo, desprezando as que são

livremente aceitas por todos os verbos, já que “não caracteriza os verbos com que coocorre”

(PERINI, 2004, p. 164). Dessa forma, são quatro as funções relevantes: objeto direto,

complemento do predicado (corresponde ao predicativo do sujeito), predicativo (corresponde

ao predicativo do objeto) e adjunto circunstancial. Neste último, o autor inclui “os casos

tradicionais de ‘objeto indireto’ mais muitos outros casos” (PERINI, 2004, p. 166). Infere-se

daí que o adjunto circunstancial tem, para ele, natureza obrigatória assim como o objeto

indireto.

Vale ressaltar que uma abordagem mais estrutural, a gramática gerativa considera

esses complementos locativos como constituintes adjungidos, dispostos na estrutura

sintagmática na mesma posição dos adjuntos adverbiais. Desta forma, ancorada na perspectiva

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tradicionalista, considera os complementos locativos como adjuntos adverbiais e não como

argumentos.

Lucchesi (2004) assinala que o discurso da GT é fundamentado no princípio da

autoridade e não considera a realidade linguística dos falantes, de modo que muitos dos

conceitos por ela veiculados são desatualizados e contraditórios. A exemplo disso, o autor

menciona o fato de o verbo ir de movimento, assim como chegar e voltar, efetivamente

precisar de complemento, justificando que ninguém pode dizer “Maria vai”, já que Maria vai

a algum lugar. Então esse verbo selecionaria um complemento, mas, segundo a tradição

gramatical, conforme já enfatizado, tem-se aí um verbo intransitivo, uma vez que o termo a

ele ligado indica lugar, e, tradicionalmente, as palavras que indicam lugar na língua são os

advérbios, chamados de termos acessórios.

Como se viu até agora, os estudos linguísticos contemporâneos têm contribuído para

complementar o vácuo da visão tradicional acerca do assunto. Existem alguns que se voltam

para discussões puramente sintáticas, como é o caso de Perini (2004), e outros que tratam os

verbos com base em explicações sintático-semânticas (MIRA MATEUS, 2003; NEVES,

2000), considerando que a semântica pode dar conta de muitas das relações estabelecidas

entre o verbo e os demais componentes oracionais. Nessa perspectiva, tem-se recorrido à

noção de valência verbal.

De acordo com a gramática de valências, o verbo é visto como centro da frase, nas

palavras de Mira Mateus et al. (2003, p. 183), é ele um predicador por excelência,

responsável, portanto, pela seleção de seus argumentos. Com relação à quantidade de

argumentos, Mateus et al. (2003, p. 185) assinalam que existem verbos com zero argumento,

com um argumento, dois argumentos e três argumentos, conforme se verifica,

respectivamente, nos exemplos a seguir, reproduzidos das autoras.

(50) Hoje amanheceu às 5h43m.

(51) [A Maria] gritou, porque teve um pesadelo.

(52) [O Boavista] venceu [o campeonato] em 2001.

(53) [O Pedro] emprestou [os apontamentos de Física] [ao João]

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A gramática de valências dá conta das relações de dependência existentes entre o

verbo e os demais constituintes da oração. A respeito dessa rede de relações, vale a pena ler o

que diz Neves (2002, p. 105):

O verbo tem, pois, a propriedade de reger actantes. Ele é comparável a um átomo, exercendo atração sobre um determinado número de actantes, mantidos sob sua dependência. O número de actantes que um verbo pode reger constitui o que Tesnière chama de valência do verbo. A valência consiste no conjunto de relações que se estabelecem entre o verbo e seus actantes, ou argumentos obrigatórios, ou constituintes indispensáveis.

Interessam a este trabalho especificamente os argumentos que preenchem as posições

disponíveis para os verbos de movimento. Esses argumentos mantêm relações semânticas

com o predicador, nomeadas de papéis temáticos4. Mira Mateus et al. (2003, p. 187)

apresentam uma lista mínima de papéis temáticos importantes para descrever a estrutura

argumental dos verbos na língua portuguesa, a saber: Agente, Fonte, Experienciador,

Locativo, Alvo e Tema5. De acordo com as autoras, o predicador pode selecionar argumentos

externo e interno. O argumento externo selecionado pelo predicador equivale ao sujeito da

oração, que pode receber o papel temático de agente, fonte, tema, experienciador. O

argumento interno pode receber os papéis temáticos de locativo, alvo, tema6.

A descrição da estrutura argumental dos verbos de movimento possibilita a observação

mais detalhada da quantidade e da natureza de argumentos que cada verbo exige. Valendo-se

do estudo da grade temática, que, segundo Mioto et al. (2005, p. 126), é o número de

argumentos selecionados pelo predicador, serão estabelecidos os argumentos dos verbos de

movimento mais recorrentes no corpus, a saber: ir, chegar, levar, sair, vir.

(54) O garoto foi ao cinema.

SN - agente IR SPrep - LOC

4 Papel temático é o tipo de relação semântica que associa cada argumento à palavra predicativa que o seleciona

(MATEUS et al., 2003). 5 Em nota, Mira Mateus et al. (2003, p. 187-188) esclarecem que: “A lista de papéis temáticos varia em extensão

de autor para autor (...). Os nomes atribuídos a cada papel temático também variam. Assim: (a) Origem e, em parte, Causador, é uma designação alternativa para Fonte; (b) Meta, Benefactivo, Beneficiário ou Destinatário são designações também propostas para Alvo; (c) Paciente e Objecto são designações alternativas para Tema (...).”

6 Seguem as definições dos papeis temáticos envolvidos nesta análise de Mira Mateus et al. (2003, p. 188-189): Agente é o papel temático do argumento que designa a entidade controladora, tipicamente humana, de uma dada situação. Locativo é o papel temático do argumento que exprime a localização espacial de uma dada entidade. Tema é o papel temático do argumento que designa a entidade que muda de lugar, de posse ou de estado, em frase que descrevem situações dinâmicas (...). O argumento com esse papel pode designar uma entidade criada pela actividade expressa pelo verbo (...) ou afetada por tal atividade (...).

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(55) O garoto chegou ao cinema.

SN - tema CHEGAR SPrep - LOC

(56) O garoto levou a menina ao parque.

SN - agente LEVAR SN- tema SPrep - LOC

(57) O garoto saiu na rua.

SN - agente SAIR SPrep - LOC

(58) O garoto veio para casa.

SN - agente VIR SPrep - LOC

Verifica-se nos exemplos acima que os verbos ir, chegar, sair, vir podem ser

classificados, quanto à seleção dos argumentos, como biargumentais, isto é, são selecionados

dois argumentos: o primeiro é o argumento externo, nesses exemplos, o sujeito - agente; e o

segundo, o argumento interno, que expressa o papel temático de locativo. Diferentemente, o

verbo levar apresenta em sua predicação três argumentos selecionados: o primeiro, o sujeito-

agente; o segundo, o tema; o terceiro, o locativo. Percebe-se, na contramão do que diz a

gramática tradicional, que os locativos que acompanham os verbos acima são indispensáveis

para a compreensão da sentença, conformando sua natureza argumental e refutando a

possibilidade de classificação como adjunto, nesses contextos.

2.4 ANÁLISES SOCIOLINGUÍSTICAS DA VARIAÇÃO NA REGÊNCIA DOS VERBOS

DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Desde a primeira metade do século XX, os estudiosos que se ocupavam da tarefa de

descrever a realidade linguística do PB já observavam o uso corrente da regência dos verbos

de movimento construída com a preposição em. Amadeu Amaral (1920, p. 28), por exemplo,

ao tratar de aspectos da sintaxe do dialeto “caipira” de São Paulo, assinala no tópico

Circunstância de lugar que “o lugar para onde é indicado com auxílio da preposição em: ‘Eu

fui im casa’, ‘Ia na cidade’, ‘Chego na janela’, ‘Vortô no sítio’”.

Marroquim (1996[1931], p. 160-161), em A língua do Nordeste, também relatou a

existência dessa construção com a preposição não padrão, cujo uso “é geral no nordeste, em

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todas as classes. Em todo o Brasil, creio.” O autor consubstancia essa afirmação com

exemplos extraídos de algumas obras literárias; alguns dos quais são aqui reproduzidos:

(59) Eu quando quero ir na cidade baixa... (No Tempo de Lampião, p. 89).

(60) Vem aqui no quarto. Antônio Alcântara Machado – Brás, bexiga e Barra Funda,

p. 125).

(61) Estas histórias chegavam na cozinha, onde ninguém duvidava. (José Lins do

Rego – Menino de Engenho, p. 172).

Nascentes (1953, p. 171), na descrição do dialeto carioca, também atestou a

construção da regência dos verbos de movimento com a preposição em, não só em todo país

(como se referiu Marroquim), mas também em todas as classes sociais, concluindo que “o

fenômeno é tão brasileiro que o emprego de a (por parte dos que têm medo de passar por

faltoso) dá um tom lusitano à frase”. Além disso, menciona a necessidade do estudo em torno

do assunto desde o latim, clássico e vulgar.

Teyssier (2001) também reconhece o emprego da preposição em junto aos verbos de

movimento no Brasil como um fenômeno que não é exclusivo da fala popular, classificando

“brasileirismo pertencente à língua normal”, aduzindo os exemplos “já chegou no Brasil (ao

Brasil), vou na cidade (à cidade)”, em oposição à categoria dos “brasileirismos pertencentes a

registros sentidos como vulgares”.

Não obstante a pertinência dessas assertivas, deve-se levar em conta que elas não se

baseiam em observações empíricas controladas, que devem estar na base do conhecimento

científico. Essa lacuna tem sido preenchida nos últimos anos pelas análises sociolinguísticas.

Os estudos variacionistas acerca da regência dos verbos de movimento costumam ter

como referência a análise de Mollica (1998[1986])7, que se concentra na variação da regência

do verbo ir na amostra do Projeto CENSO. Revisitar esse estudo se faz necessário, uma vez

que é a partir dele que outros estudiosos se interessaram pelo assunto e adotaram suas

hipóteses e grupos de fatores, testando sua validade em outros corpora, encontrando-se na

literatura diversas investigações de orientação sociolinguística sobre o tema (ASSIS, 2006;

RIBEIRO, 1991, 1996, 2000, 2008; VALLO, 2003, 2004; WIEDEMER, 2008), bem como

7 Pioneira na abordagem deste fenômeno. (MOLLICA, M. Cecília de M. A regência variável no verbo ir de

movimento. Projeto Subsídios Sociolingüísticos do Projeto Censo à Educação, VII; relatório final apresentado ao FINEP. RJ, UFRJ/PEUL, 1986, mimeo.).

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análises gerativistas (FARIAS, 2006; OLIVEIRA, 2002) e funcionalistas (BERLINCK;

GUEDES, 2003).

Considerando que a linha teórica aqui adotada é a da Sociolinguística Variacionista,

interessa, particularmente, a esta seção apresentar algumas importantes considerações sobre os

trabalhos que seguem esse mesmo pressuposto. É importante, antes de proceder à exposição,

identificar esses estudos, esclarecendo, desde já, que, à exceção de Assis (2006), todos os

demais investigam apenas a regência variável do verbo ir de movimento. A investigação feita

por Mollica (1998[1986]) analisa o fenômeno em amostras de fala do português popular

falado no Rio de Janeiro. Complementando essa investigação, Ribeiro (1996) analisa dados do

português culto, a partir de amostras do Projeto de Estudo da Norma Urbana Culta do Rio de

Janeiro (NURC/RJ). Vallo (2003, 2004) observa o comportamento linguístico dos falantes

com escolaridade média e superior, mudando apenas o corpus, que neste caso é o do projeto

Variação Linguística no Estado da Paraíba (VALPB). Com dados do Projeto Variação

linguística urbana da Região Sul (VARSUL), Wiedemer (2008) analisa amostras de fala

popular de Florianópolis, Blumenau e Chapecó. Assis (2006), por sua vez, volta-se para o

estudo do português afro-brasileiro, analisando o comportamento linguístico de indivíduos de

duas comunidades do interior da Bahia – Helvécia e Cinzento. Nesse trabalho, a autora amplia

o número de verbos de movimento, incluindo, para além do já citado ir, chegar, voltar, vir e

sair.

2.4.1 Os condicionamentos estruturais da variação no emprego das preposições junto aos

verbos de movimento no português do Brasil

Mollica (1998[1986]) discorre, inicialmente, sobre a descrição tradicional da regência

do verbo ir de movimento, fazendo, também, menção às observações de alguns gramáticos

sobre o uso da preposição em pelos escritores modernistas, como alternativa ao emprego de

a/para. A autora aponta três formas possíveis de se empregar a regência do verbo ir de

movimento na fala carioca, do corpus CENSO, exemplificadas8 nas seguintes construções:

(62) Eu tenho o maior desejo de ir a Bahia! (Ir + a)

(63) Eu ia aqui pro sítio do meu tio. (Ir + para)

8 Exemplos apresentados em Mollica (1998[1986], p. 151).

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(64) Meu pai que ia no açougue. (Ir + em)

A revisão será feita a partir das variáveis linguísticas expostas por Mollica

(1998[1986]), e, à medida que forem descritas, será revisado o seu comportamento em outros

estudos de corpora diferentes.

Considerando a natureza morfo-semântica dos nomes locativos, Mollica (1998[1986])

estabeleceu como variáveis linguísticas: configuração do espaço, grau de definitude e tempo

de permanência no locativo.

Sobre a primeira variável, a autora diz que:

Essa variável leva em conta os traços semânticos do nome locativo, núcleo do Sprep. Distinguimos os locativos em [+fechado] e [-fechado]. Aqueles de traço [+fechado] definem-se como: lugar cercado, com uma entrada

definida, com ou sem teto. Assim, locativos como “cinema”, “clube”, “Maracanã”, “Tivoli Parque”, “casa”, classificam-se como [+fechado]. Por outro lado, os locativos que não preencherem tais quesitos foram agrupados com o traço [-fechado], como por exemplo, “praia”, “cidade”, “Paraíba”, “esquina”; acham-se no segundo grupo também os locativos que exprimem por exemplo lugar indefinido e/ou abstrato e os considerados de difícil classificação tais como “porta”, “médico”, “esquina” (MOLLICA, p. 155-156).

Para fundamentar a escolha dessa variável, a autora parte da ideia de que a preposição

em, acompanhando o verbo ir, “conota o sentido de ‘estar dentro’, sendo mais provável com

locativos de traço [+fechado]: recinto cujo espaço seja mais demarcado” (MOLLICA, 1998

[1986], p. 156). É importante atentar para os casos metonímicos na definição de tal traço,

conforme salienta Ribeiro (1991, p. 18). O autor atribui o rótulo [+ fechado] aos locativos

empregados metonimicamente pelo falante, definindo três circunstâncias: 1) tomar o evento,

ou a atividade, pelo local da sua realização (cf. exemplo 65); 2) o profissional, ou o seu nome,

pelo local de trabalho ou atuação (cf. exemplo 66); e 3) o dono, ou morador, pela casa ou local

de moradia (cf. exemplo 67).

(65) Aí eu ia pru baili...

(66) ... já fui au médicu...

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45

(67) Eu fui na minha mãe depois da Copa...

Os estudos de Ribeiro (1996) e Vallo (2003) seguem as mesmas orientações de Mollica

(1998[1986]) quanto à utilização dessa variável. Utilizando-se dos fatores binários [+fechado]

e [-fechado] dessa variável, buscaram verificar se o contexto da configuração espacial que

envolve os complementos locativos interfere na seleção da preposição (a / para / em / até /

apagamento) com que o falante inicia os sintagmas preposicionais dos verbos de movimento.

De forma geral, confirmou-se a hipótese nos estudos de Mollica (1998[1986]), Ribeiro

(1996), Vallo (2003), Assis (2006), os quais observaram que os locativos, quando

caracterizados pelo traço [+fechado], revelariam maior propensão ao emprego da construção

não-padrão com a preposição em (espaço mais demarcado, caracterizado por sua

interioridade); em contrapartida, quando o locativo fosse caracterizado pelo traço [-fechado],

haveria uma maior probabilidade das preposições a e para, consideradas padrão.

Diferentemente, Wiedemer (2008) infere que o espaço locativo requer um estudo mais

bem detalhado a fim de que se descubram as especificidades reveladoras em torno do objeto

locativo, e, por conseguinte, a associação deste a uma determinada preposição. O autor

analisou o espaço locativo, núcleo do sintagma preposicionado dos verbos de movimento, a

partir das variáveis linguísticas abaixo:

Configuração do espaço lugar/objeto, instituição, instituição personificada, lugar/evento, espaço geográfico

Demarcação [+fechado], [-fechado] Definitude [+definido], [-definido] Destino [+direção], [-direção]

Quadro 01 – Variáveis associadas ao espaço (N locativo) (WIEDEMER, 2008)

Conforme representado no Quadro 01, o grupo de fatores [+fechado] e [-fechado]

relacionado à configuração do espaço, definido por Mollica (1998[1986]), Vallo (2003),

Ribeiro (1996), Assis (2006), assume outra nomenclatura na investigação de Wiedemer:

demarcação do espaço.

Na definição da segunda variável – grau de definitude do nome locativo –, Mollica

(1998[1986], p. 158) trabalha “com traços de natureza formal, qual seja, presença/ausência de

determinante de N, e com traços de natureza semântica, definido/não definido.” A autora

define três graus de análise a partir da relação entre esses traços, a saber:

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a) Maior grau de definitude: “recebem dois traços positivos; têm nomes precedidos

por DET e os determinantes são artigos definidos, indicando serem os referentes

conhecidos por falante ou ouvinte, ou de conhecimento partilhado por ambos:

[+determinante]/[+definido]”;

b) Grau de definitude média: “recebem um tratamento positivo e outro negativo.

Assim, temos, de um lado, (...) nomes precedidos por DET, sendo o DET um artigo

indefinido ou um pronome indefinido: [+determinante]/[-definido]”;

“Os nomes não precedidos por DET mas cujo referente é conhecido. Esses são os

casos de nomes de cidades, países, estados, bairros ou o caso específico da palavra

“casa”, quando referindo-se à do locutor: [-determinante]/[+definido]”;

c) Menor grau de definitude: “(...) recebem dois traços negativos, quer dizer, os nomes

não são precedidos por DET; os locativos são vagos, desconhecidos do falante e/ou

ouvinte: [-determinante]/[-definido]”;

Assis (2006) estruturou essa variável de uma outra maneira, com base nos traços [+/-

específico] e [+/-definido]. O primeiro traço distinguiria os locativos de referência genérica,

com traço [-específico], cf. exemplo 68, dos locativos que têm um referente específico, cf.

exemplos 69 e 70.9 Os locativos com o traço semântico [+específico] seriam, por sua vez,

distribuídos entre aqueles já conhecidos pelo ouvinte, com traço [+definido] (cf. exemplo 69),

e aqueles introduzidos pelo falante pela primeira vez no discurso, com o traço [-definido] (cf.

exemplo 70).

(68) Às vezes acontece, né? Eu mesmo já fui no médico umas duas vez. (genérico [-

específico])

(69) Ele sempe ia na casa de Salviano... (definido [+específico, +definido])

(70) Ia numas festinha... (indefinido [+específico, -definido])

9 Exemplos extraídos do corpus do português Afro-brasileiro utilizado por Assis (2006).

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Wiedemer (2008) também analisou o fenômeno em destaque utilizando-se

parcialmente da variável grau de definitude do N locativo (MOLLICA, 1998[1986]); reduziu,

entretanto, o número de fatores a dois: [+definido] e [-definido], assimilando apenas o critério

semântico-discursivo. Por sua vez, as investigações feitas por Vallo (2003) e Ribeiro (1996)

caminham na mesma perspectiva de análise adotada por Mollica (1998[1986]), entendendo a

variável como composta, ao conjugar os traços definidos e determinados.

No artigo A interferência das variáveis semânticas, Gryner e Omena (2004, p. 94)

enfatizam que “vários rótulos estão associados à noção de indeterminação do SN, embora

nem sempre os autores os identifiquem explicitamente com essa categoria semântica.”

Mollica (1998[1986], p. 162) evidencia “a existência de reforço e complementariedade

entre as variáveis Configuração de Espaço e Grau de Definitude, pois tanto um como outro

grupo de fatores apontam o caminho de interpretar em como variante marcada semântico-

discursiva e pragmaticamente”.

Já no controle da terceira variável – o tempo de permanência no SN locativo –, a

autora objetivou testar a validade do traço [+permanência] que a GT outorga à preposição

para. Ressalta-se que nos estudos de Mollica (1998[1986]) e Vallo (2003) não ocorreu a

presença da preposição em associada ao traço [+permanência], de modo que a oposição foi

feita somente entre as preposições a e para.

É preciso atentar para o fato de que, no controle dessa variável, o pesquisador depara-

se com a dificuldade de mensurar o grau de demora no destino, de modo que não há muita

segurança na atribuição do traço à permanência no local de destino. Wiedemer (2008, p.59)

questiona os parâmetros dessa variável, por seu caráter subjetivo, argumentando que o fato de

a coleta dos dados ser feita a partir de entrevistas já gravadas, e desta forma não se ter a

certeza da intenção do falante, dificulta determinar a ideia de permanência ou não em

determinado espaço locativo.

Observou-se, neste estudo, a existência de pistas na sentença que poderiam indicar o

grau de permanência no SN locativo, como por exemplo, a menção ao tempo, referindo-se,

nesse caso, a quantidade de anos, meses, horas de permanência no complemento locativo. No

exemplo em (78), verifica-se a menção ao tempo de demora no destino de dois meses, assim,

a ocorrência vincula-se ao traço [+permanência]:

(71) O de São Paulo vai fazê acho que dois mês que foi pa São Paulo.” (POR-inq2)

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Por conseguinte, as expressões do tipo “todo domingo...” e “já fui um bocado de

vezes...” podem ser categorizadas como mais próximas do traço [-permanente], uma vez que

indicam iteração do deslocamento ao espaço locativo.

Ainda considerando o estatuto de demora no destino da preposição para, é válido

ressaltar que Bagno (2002, p. 143) atesta em seu estudo ocorrências com a preposição para,

cuja carga semântica aponta para o traço de [-permanência], demonstrando a complexidade

dessa variável e contrariando as recomendações da GT. Barbalho (2003) também atestou

ocorrência com essa construção, exemplificada em (72).

(72) (D) Quase todos os dias, depois do almoço, vou pro campinho e só volto para ver

a Malhação (BARBALHO, 2003, p. 60).

O resultado do trabalho de Bagno (2002) acerca dessa variável encontra-se

discriminado abaixo, através da tabela do autor:

Tabela 01 – Ocorrências do verbo ir com sentido diretivo no CLF

TIPO PREPOSIÇÃO TRAÇO SEMÂNTICO

QTD %

+ PADRÃO A [-PERMANÊNCIA] 24 57,1

PARA [+PERMANÊNCIA] 15 42,9

SUBTOTAL 39 35,4

- PADRÃO A [+PERMANÊNCIA] 4 5,6

PARA [-PERMANÊNCIA] 44 38,9

EM [-PERMANÊNCIA] 23 20,3

EM [+PERMANÊNCIA] 0 0

SUBTOTAL 71 64,5

TOTAL 110 100,0

Fonte: (BAGNO, 2002, p. 143)

Se, por um lado, a tabela acima está em desacordo com a GT, por outro ratifica os

estudos de Mollica (1998[1986]), no que tange a ausência de ocorrências com a preposição em

associada ao traço [+permanência].

Os estudos de Vallo (2003, 2004) acrescentaram a variável narratividade do discurso,

estratificada em dois fatores: [+narrativo] e [-narrativo]. Esta variável também foi adotada por

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Wiedemer (2008), a fim de constatar a hipótese de que o falante, ao relatar sua experiência

pessoal, aplica mais a forma não-padrão em do que as formas a e para.

Wiedemer (2008) amplia o repertório das variáveis linguísticas, levando também em

consideração os fatores abaixo, além das variáveis associadas ao espaço, já citadas:

Associadas ao sujeito

Pessoa do discurso P1 (eu, nós), P2, P3 e a gente Forma do SN pronome, SN pleno,

(In)determinação [+determinado], [-determinado] Agentividade perfectivo, imperfectivo

Associadas ao verbo

Tempo-modo pres., pret. perf., pret. imperf. e outros

Aspecto/freq. semelfactivo e iterativo

Aspecto/perfectividade perfectivo, imperfectivo

Discursivas

Finalidade [+finalidade] para, [+finalidade], [-finalidade]

Narratividade [+narrativa], [-narrativa] Quadro 02 – Outras variáveis linguísticas controladas por Wiedemer, 2008.

Barbalho (2003) analisa os verbos ir e chegar de movimento fazendo uso de um

Corpus que privilegia tanto a escrita quanto a oralidade, pois se trata de enunciados coletados

de entrevista aos alunos e pesquisados por eles em programa de televisão. Também vinculada

à teoria variacionista, a autora busca observar os condicionamentos que favorecem o

julgamento dos alunos do Ensino Médio sobre a percepção das regências do verbo ir e chegar

de movimento construídas com as preposições a, em e para, e avaliá-las como “a mais

correta”, “a mais fácil de entender”, “a mais freqüente na fala dos outros” e “a mais freqüente

em sua fala”, uma vez que “a opinião dos sujeitos para a construção de um saber voltado à

realidade linguística dos falantes” é muito importante.

2.4.2 A variação na regência dos verbos de movimento no português afro-brasileiro e nos

crioulos de base lexical portuguesa

Assis (2006), com o trabalho intitulado A Regência variável dos verbos de movimento

no Português Afro-Brasileiro, destaca que a variante padrão, construída com a preposição a,

praticamente não é usada nessa variedade do português do Brasil. Esse comportamento

assemelha-se aos dados do crioulo caboverdiano, que, segundo Gomes (1997), apresenta

complementos introduzidos pelas preposições em ou para. Ainda com relação a esse estudo, a

autora apresenta um número maior de verbos de movimento com sentido diretivo,

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evidenciando contextos específicos de determinada preposição: a preposição em é quase

categoricamente selecionada pelo o verbo de movimento chegar, com nível de frequência de

96%; a preposição para evidencia uma maior propensão de ser selecionada pelos verbos

voltar e levar, com nível de frequência de 62% e 71%, respectivamente; enquanto os verbos

de movimento ir e vir apresentam comportamento mais ou menos simétrico, e quase que

indiferente à seleção de uma preposição.

Além disso, a respeito do estudo de Assis (2006), vale dizer que foi verificado

ocorrências de ausência da preposição no encabeçamento dos complementos locativos,

certamente pela especificidade do corpus, comunidades marcadas etnicamente, seguem

abaixo exemplificadas as ocorrências em (73), (74) e (75):

(73) Hoje só tem convessa fiada. Você foi Ø um forrozinho, ora... com pôco, turma tá

discutino. HV-inq12

(74) Saiu. Com oito dia, eu retornei Ø o hospital... HV-inq04

(75) A primêra vei qu'eu fui Ø o médico, quando eu senti essa operação. HV-inq04

Sobre a perda das preposições dos complementos locativos, Annette Endruschat

(2004) revela que a renúncia desses nexos, nesse contexto locativo, nos crioulos deve-se ao

fato de que essas línguas não aceitam estruturas redundantes, uma vez que a relação semântica

pode ser deduzida pelo contexto. Seguem abaixo exemplos do apagamento da preposição em

alguns crioulos, segundo a autora.

(76) bai skol. (Papiamento)

‘go to school’ (Boretzky 1983, 197)

(77) E dos nogritanan ku tabata bai misa di marduga. (Papiamento)

‘os dois negros que iam à missa pela manhã’ (Maurer 1988, 366)

(78) Gosi no bai kasa. (Krioulo da Guiné Bissau)

‘agora vamos a/para casa’ (Do Couto 1996, 268)

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(79) E tchiga kasa. (cabuverdiano)

‘Ele chegou em casa.’

(80) E ba barberu. (cabuverdiano)

‘Ele foi ao barbeiro.’

(81) Yo Tana sidad. (korlay)

Estou indo à cidade. (Do Couto 1996, 274)

(82) Fila Maria a ku Luzia bai matu buska lenya. (papiá kristang de Malaca)

As filhas Maria e Luzia vão ao mato para buscar lenha. (Do Couto 1996, 280)

O uso dos verbos de movimento com complementos não preposicionados também

caracateriza os crioulos portugueses do Golfo da Guiné: o santomonse, ou forro; o angolar; o

principense, ou lunguié (lit. ‘língua da ilha’). Os dois primeiros são falados da Ilha de São

Tomé; o último, na Ilha do Príncipe. Essas duas ilhas formam a República de São Tomé e

Príncipe, que tem o português como língua oficial, mas a grande maioria da sua população

tem uma dessas três línguas crioulas como língua materna. Entretanto, os adjuntos adverbiais

de lugar vêm encabeçados por uma preposição locativa, derivada da preposição portuguesa

em, nas forma ni ou na, como se pode ver nos exemplos abaixo:

(83) Ami tlaba ni losa dexi anu. (santomense)

‘eu trabalhei na roça por dez anos’

(84) Ê be ni karu. (santomense)

‘ele veio no carro’

(85) Ladran sata na jinela. (principense)

‘o ladrão pulou pela janela’

Como se pode ver, introduzindo um adjunto adverbial de lugar essa preposição

locativa ni/na tem, nas línguas crioulas, uma ampla gama funcional, recobrindo os

significados que no português são cobertos pelas preposições a, para, em, de, sobre e por. Por

outro lado, ocorre, em santomense, uma exceção com o verbo dêssê, que tem vários

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significados e subcategoriza complementos regidos pela preposição ni, como se pode ver nos

exemplos abaixo:

(86) Inen dêsê ni kabalu.

‘eles desmontaram dos cavalos’

(87) Ola n dêsê ni son di Plinxipi, (...)

‘quando eu puser os pés no chão da Ilha do príncipe’

(88) Ê dêsê ba poson.

‘ele desceu para a cidade’

Nesse último exemplo, ocorre uma construção denominada serialização verbal, na qual

o verbo ba ‘ir’ funciona como a preposição para.

Outra variedade da língua portuguesa reestruturada pelo contato que se encontra na

Ilha de São Tomé é o português dos tongas. Os chamados tongas são descendentes de

trabalhadores forçados que foram levados do continente africano para trabalhar nas grandes

fazendas de café e cacau da Ilha de São Tomé entre o final do século XIX e início do XX. Em

sua grande maioria, eram falantes de línguas banto que tiveram de aprender o português

precariamente, reproduzindo em grande proporção os contextos históricos da crioulização.

Entretanto, as melhorias nas condições sociais dos tongas no decorrer do século XX sustaram

um potencial processo de pidginização/crioulização do português nesse grupo. De qualquer

forma, as alterações produzidas pelo contato são notáveis. Isso torna particularmente

interessante o paralelo que se pode fazer com o português afro-brasileiro.10

Entre os falantes mais idosos dos tongas, a preposição ni desempenha as funções de

em, para e de:

(89) Não, ami nuca vai ni Angola não.

‘não, eu nunca fui a Angola não’

10 As informações sobre a forma dos complementos locativos e adjuntos adverbiais de lugar nos crioulos do

Golfo da Guiné e no português dos tongas foram fornecidas pelo professor Alan Baxter, da Universidade de Macau, através do orientador desta dissertação, Dante Lucchesi.

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(90) Quem é que té pai que saiu n’Angola moreu aqui.

‘quem tinha um pai que saiu de Angola morreu aqui’

Desse modo, uma única preposição introduz todos os complementos dos verbos de

movimento no português dos tongas. Esses paralelos entre o português afro-brasileiro e os

crioulos de base lexical portuguesa da África, e, particularmente, uma variedade parcialmente

reestruturada pelo contato entre línguas, o português dos tongas, são muito reveladores de

como o contato do português com as línguas africanas, ao longo de mais de três séculos na

história do Brasil, afetou a regência dos verbos movimento nas variedades populares do

português brasileiro, como se buscará demonstrar na conclusão deste capítulo.

2.5. CONCLUSÃO

Os estudos históricos revelam que há uma oscilação no emprego das preposições que

estabelecem a ligação entre os verbos de movimento e os seus complementos que remonta ao

período da língua latina. Esse fato poderia sugerir que a variação nesse mecanismo da

gramática seria puramente estrutural, ocorrendo independentemente dos fatores sociais

externos. Contudo, essa visão de uma história da estrutura linguística autônoma em relação

aos contextos históricos e sociais em que a língua se desenvolve não se sustenta mais no

quadro atual de desenvolvimento da pesquisa sociolinguística.

Além do mais, há um primeiro fato decisivo que aponta para uma divisão clara entre

as variedades portuguesa e brasileira da língua de Camões. No Brasil, as preposições para e

em avançaram sobremaneira sobre o espaço da preposição a, enquanto que, em Portugal,

mantém-se um amplo predomínio da preposição a. Esse é o único motivo para que a tradição

gramatical, inclusive no Brasil, defina a preposição a como a forma canônica a ser

empregada. Também é sintomático que a mais veemente condenação dos gramáticos recaia

sobre o uso a preposição em junto a verbos de movimento. O caráter ideológico desse

preconceito linguístico revela-se quando se constata que o emprego dessa preposição é muito

mais frequente entre a população de baixa renda e de baixa escolaridade.

Portanto, esses fatos levantam questões instigantes. Em primeiro lugar, por que a

preposição a entrou em franco declínio no Brasil, ao tempo em que seu uso só se tem

intensificado em Portugal? Um traço geral dos processos maciços de contato entre línguas é a

perda de partículas gramaticais de significado mais geral e abstrato e com pouca substância

fonética. Esse é exatamente o caso da preposição a. Em face das preposições para e em, que

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estão claramente ligadas aos sentidos de finalidade e interioridade, a preposição a exibe uma

carga semântica mais difusa. Por outro lado é mais frágil em termos fonéticos, sendo

constituída apenas por um fonema vocálico átono. Por tudo isso, seria o candidato mais forte a

perecer no processo em que o português se fixou no Brasil, sendo adquirido precariamente

como segunda língua por escravos africanos e índios aculturados e tendo esse modelo

defectivo de segunda língua se convertido na língua materna de índio e afro-descendentes,

segmentos que compõem a grande maioria da população do país e cujos padrões de fala

constituem o que Lucchesi (2001, 2002 e 2006, entre outros) chamou de norma popular, em

oposição ao conceito de norma culta, que caracteriza os padrões de comportamento

linguístico da elite brasileira.

Os fatos que se afiguram até então, no que tange ao emprego de preposições junto aos

verbos de movimentos, ajustam-se perfeitamente à essa interpretação histórica. O uso da

preposição a entrou em declínio no Brasil em função do amplo contato entre línguas

verificado ao longo da história sociolinguística do Brasil. A hipótese de uma deriva secular

apontando para essa direção não se sustenta em face do fortalecimento dessa preposição em

Portugal, até em contextos que para os brasileiros seria quase agramatical de tão estranho,

como no seguinte exemplo:

(91) Não ligue aos erros de português e atente só ao conteúdo. (PE)

(92) Não ligue para os erros de português e atente só para o conteúdo. (PB)

Por outro lado, a preposição a só é usada com uma frequência significativa nas

camadas mais elevadas da população brasileira, pois o padrão de fala desses segmentos só

teria sido afetado historicamente pelo contato entre línguas de maneira indireta. A relação

empírica entre a queda da preposição a e o contato entre línguas é atestada pelo fato de seu

uso ser praticamente nulo na fala das comunidades rurais afro-brasileiras isoladas, a variedade

do português do Brasil mais afetada historicamente pelo contato entre línguas (LUCCHESI;

BAXTER; RIBEIRO, 2009).11

Avançando nessa perspectiva, o analista que não está totalmente bloqueado por uma

visão imanentista da história a língua não deixa de se deparar com fatos cada vez mais

reveladores. A manutenção em amplo uso da preposição em na norma popular brasileira está

11 Essa questão histórica é tratada no próximo capítulo desta dissertação.

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ligada ao seu fortalecimento fonético, através da variante ni, também presente em crioulos

portugueses da África, além de variedades do português claramente afetadas pelo contato

linguístico como a fala dos tongas em São Tomé (cf. supra). Essa variante fônica apresenta

um padrão silábico CV, mais consistente em termos fonéticos, garantindo a sua conservação

em situações de contato maciço e radical. Porém, o fato mais decisivo para estabelecer um

notável paralelo histórico é a possibilidade de complementos locativos se ligarem aos verbos

de movimento sem um nexo prepositivo, que se observa, tanto nas línguas crioulas, quanto

nas variedades populares do português no Brasil, particularmente naquela variedade que foi

historicamente mais afetada pelo contato entre línguas: o português afro-brasileiro.

Na análise de dados que está no centro deste trabalho, buscaremos comprovar essas

hipóteses que relacionam diretamente o quadro atual de variação observado nas variedades

populares do português brasileiro às situações de contato entre línguas amplo e maciço que

marcam a história entre línguas no Brasil, como se buscará na análise apresentada no próximo

capítulo desta dissertação.

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3 O PORTUGUÊS POPULAR DO INTERIOR DA BAHIA

A vasta área territorial do Brasil, sem dúvida, dificulta o mapeamento do

comportamento linguístico dos falantes em todo o espaço brasileiro. Uma descrição geral

aproximada só pode ser alcançada com a realização de estudos mais setorizados – micro-

análises – que tendem a preencher lacunas e/ou esclarecer algumas questões ainda sem

resposta no âmbito linguístico. Partindo desse entendimento, este capítulo detém-se no estudo

do português popular12 do interior da Bahia, a fim de fornecer dados para uma melhor

compreensão da realidade linguística do Brasil como um todo.

Para isso, fez-se necessária uma breve exposição do panorama histórico de formação

do português brasileiro, remontando às etnias do antigo cenário colonial, bem como

evidenciando a questão do contato entre línguas e, por fim, apresentando as hipóteses de

formação do português falado no Brasil. Em seguida, serão discutidos os processos relevantes

para análise da dinâmica do interior da Bahia: as redes sociais, a expansão do povoamento, as

transformações decorrentes da industrialização e, por consequência, a urbanização.

Por último, terão ênfase as comunidades de fala dos municípios de Santo Antônio de

Jesus e Poções, ambas localizadas no interior da Bahia.

3.1 BREVE HISTÓRICO DO PORTUGUÊS POPULAR: UMA RESULTANTE

MULTIVETORIAL

O Português Popular Brasileiro (PPB) caracteriza-se por uma resultante que recebeu a

influência de diversos vetores. Essa peculiaridade da realidade linguística está

consubstanciada, sobretudo, por uma realidade complexa que se faz presente desde o período

colonial, momento em que houve, principalmente, o convívio pluriétnico e linguístico entre

europeus, indígenas e africanos até os dias presentes, em que se observam os múltiplos

vetores interagindo na engrenagem da língua. Esses vetores, sejam eles de ordem sócio-

histórica, cultural, econômica, política ou relacionados à mobilidade populacional,

certamente, não agem isoladamente sobre a resultante PB. O que se observa é a reunião de

todos esses vetores, agindo com intensidade variada.

O vetor sócio-histórico da formação do português popular brasileiro atuou em

múltiplos cenários ao longo da história, desde o período colonial até os dias atuais. Vale dizer

12 O termo “popular” é tomado, aqui, como sinônimo de “substandard” ou “não-padrão”, em oposição às

expressões “culto”, “padrão” ou “standard”.

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que a participação de povos com etnias, culturas e línguas bem diferentes, sobremaneira,

contribuíram na modelagem desses cenários no vasto território brasileiro.

O Brasil e os brasileiros, sua gestação como povo (...) Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos (RIBEIRO, 2006 [1995], p. 17).

A constituição do povo brasileiro assim como da sua língua resulta de uma

confluência de fatores. A língua portuguesa nasce da mistura de diversos povos e de

diferentes línguas. Esse será o contexto da formação da variedade de língua do português

popular, que possui historicamente uma formação distinta da variedade culta; contudo, com o

passar do tempo e das transformações socioeconômicas, tais distinções foram sendo

equilibradas.

Para Mattos e Silva (2008, p. 394), quatro fatores destacam-se na compreensão da

constituição linguístico-social do PB, a saber: “o multilingüismo característico do Brasil

colonial e pós-colonial, a demografia histórica, a escolarização ou a sua ausência, a

mobilidade dos africanos ou afrodescendentes e suas conseqüências na conformação do

português brasileiro”. Lucchesi (2001, p. 101) destaca ainda a influência de outras forças, a

industrialização e a urbanização, que provocaram “profundas modificações no panorama

sócio-econômico e demográfico do país”.

As questões que dizem respeito à origem do PPB têm suscitado recorrentes discussões,

de modo que será disponibilizada uma subseção (3.2) para o debate.

O caráter dinâmico do PPB perdura até os dias de hoje. Justifica-se tal afirmação com

base na ideia de que a mutabilidade é inerente a qualquer língua viva e, assim, novos

contextos sociais impõem-se periodicamente aos seus utentes.

(...) o percurso para a reconstrução do passado do português brasileiro

popular não será o mesmo utilizável para a reconstrução do passado do português brasileiro culto, que se esteia numa tradição escrita. O português

popular brasileiro fez-se e faz-se, ainda, não tanto quanto antes, é claro, na oralidade (MATTOS E SILVA, 2002, p. 455, grifos do original).

Os vetores que interagem na dinâmica das sociedades serão discutidos no decorrer do

texto e será avaliada a sua pertinência na resultante do português popular do interior da Bahia.

Ao se investigarem os múltiplos cenários linguístico e populacional do Brasil, depara-

se com um vasto território ocupado por povos de origem distinta. É consenso na literatura a

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identificação das três principais matrizes étnicas que formaram o português popular brasileiro:

a indígena, a européia e a africana. Essas matrizes serão mais bem analisadas à medida que

for discutida a inter-relação das matrizes com os vetores abaixo.

3.1.1 A demografia histórica da população brasileira

“As demografias históricas são sempre aproximativas e não dão quadros exatos, como

pretendem os censos da atualidade” (MATTOS E SILVA, 2004, p. 125). Assim, os estudos

estatísticos da população são mais um subsídio para uma maior compreensão sobre o

movimento (chegada/dizimação/integração) populacional no decorrer dos séculos no Brasil.

Tais resultados, além disso, podem fornecer indícios históricos sobre a realidade linguística,

bem como elucidar a sua heterogeneidade dialetal. Contudo, para que as interpretações sejam

mais seguras recomenda-se conjugar esse vetor a outros que também interagem nessa relação

(multilinguismo, escolaridade, mobilidade, urbanização e industrialização). Assim, a análise

deve ser feita do conjunto como um todo, ressaltando-se que é somente através das constantes

pesquisas e agudez do pesquisador que se começa a apontar caminhos para um maior

conhecimento do PB na sua visão mais ampla.

O interesse por informações confiáveis a esse respeito é perseguido já há algum

tempo. Mattos e Silva (2004, p. 36) fez um agrupamento resumitivo de pesquisas realizadas

por Gabriel Soares de Souza, Luis dos Santos Vilhena, Joaquim Veríssimo Serrão e João José

Reis, e informa que os dois primeiros apresentaram informações impressionistas, enquanto

que os outros dois utilizaram métodos mais científico para a pesquisa. Lucchesi (2009, p. 60-

61) também mostra quadros da população brasileira a partir do censo realizado por Padre

Anchieta em 1583 e de informações apresentadas em Serafim da Silva Neto (1963 [1951]),

Azevedo (1975) e Chiavenato (l980). Mattos e Silva (2004) assinala que a análise numérica

não diz tudo, mas acende luzes, as quais podem ser de grande valia para os estudos

linguísticos, sobretudo para perseguir as pistas da formação do português do interior da Bahia.

Mussa (1991), citado por Mattos e Silva (2004, p. 35), sistematizou um quadro da

diacronia populacional do Brasil do século XVI ao XIX, o qual desencadeia uma série de

esclarecimentos sobre a formação do país, tanto do ponto de vista linguístico, étnico e social.

A demografia histórica da população brasileira encontra-se aqui representada pelo

quadro elaborado por Mussa (1991):

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Tabela 02 – Demografia histórica do Brasil Etnias 1538-1600 1601-1700 1701-1800 1801-1850 1851-1890

Africanos 20% 30% 20% 12% 2% Negros brasileiros - 20% 21% 19% 13% Mulatos - 10% 19% 34% 42% Brancos brasileiros - 5% 10% 17% 24% Europeus 30% 25% 22% 14% 17% Índios integrados 50% 10% 8% 4% 2%

Fonte: Mussa (1991, p. 163 apud MATTOS E SILVA, 2004, p. 35).

A partir da análise do quadro demográfico supracitado podem-se fazer algumas

inferências sobre a realidade linguística. Por exemplo, a língua portuguesa não foi a primeira

a ser falada no Brasil, uma vez que predominava, no país, quando chegaram os portugueses,

uma população majoritariamente indígena. De acordo com o autor, os índios integrados

correspondiam a 50% da população no século XVI, o qual teve seu contingente reduzido

drasticamente movido pela dizimação intencional e/ou enfermidades. A etnia africana

juntamente com os afrodescendentes (negros brasileiros e mulatos) perfazem os percentuais

de 20%, 60%, 60%, 65%, 57%, respectivamente, nos séculos XVI, XVII, XVIII, primeira

metade do século XIX e a segunda metade do século XIX, de acordo com o quadro de Mussa

(1991). Esse fato demonstra a superioridade numérica categórica dessa população frente ao

contingente branco. Menciona-se, ainda, de acordo com esse autor, o aumento do contingente

de europeus no século XIX; se comparada a primeira com a segunda metade desse mesmo

século, apura-se o crescimento em 3 pontos percentuais (14%-17%), cuja procedência pode

ser atribuída à imigração – impulsionada pelas políticas de branqueamento e de povoamento

do Sul e do Sudeste.

Realmente, os índices estatísticos da demografia brasileira quando associados às

fontes históricas apontam para essa entrada populacional no fim do século XIX, a dos

imigrantes, cuja política visava: “modernizar a economia, branquear a população e garantir as

fronteiras em disputa”, consoante Lúcio Kreutz (2000, p. 352).

Vale dizer que na Tabela 02 apresentada, os dados estão mais centrados na população

nativa fixada na sociedade colonial e, justamente por serem contabilizados só os “integrados”,

não expressa toda a população. Por sua vez, a Tabela 03, a seguir, apresentada por Ribeiro

(2006[1995]), existe a referência aos índios isolados.

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Tabela 03 – Crescimento da população integrada no empreendimento colonial e diminuição dos contingentes aborígines autônomos 1500 1600 1700 1800

“Brancos” do Brasil - 50 000 150 000 2 000 000

Escravos - 30 000 150 000 1 500 000 Índios “integrados” - 120 000 200 000 500 000 Índios isolados 5 000 000 4 000 000 2 000 000 1 000 000

TOTAIS 5 000 000 4 200 000 2 500 000 5 000 000 Fonte: Ribeiro (2006[1995], p. 137).

Os valores absolutos sobre os índios, presentes na Tabela 03, ampliam o conhecimento

acerca dessa matriz, uma vez que também é relatada a referência quantitativa dos “índios

isolados”, que não estavam incorporados ao empreendimento colonial13. Nesse quadro,

também se observa outra diferença em relação à Tabela 02, especialmente, no que tange à

dizimação da população indígena: em um, houve uma redução drástica precocemente (50%,

10%, 8%, 2%); e, no outro, uma redução mais tardia, ao mesmo tempo em que se percebe

uma inclusão dos índios isolados à colônia. Ainda com relação ao quadro abaixo, supõe-se

que os “brancos” do Brasil, terminologia utilizada por Ribeiro (2006[1995]), refletiria o

processo de miscigenação entre as matrizes.

Por fim, observando os dois quadros percebe-se que Mussa (1991) faz uma análise

mais pormenorizada da demografia do que Ribeiro (2006[1995]); contudo, ambas ainda não

são ideais. É preciso lembrar que tais dados não podem ser tomados como absolutamente

verdadeiros; existe, na verdade, uma tentativa de aproximação da realidade decorrida.

3.1.2 A mobilidade dos africanos e afrodescendentes e suas consequências na

conformação do português brasileiro

O segundo fator apontado por Mattos e Silva (2008) como influenciador na

formatação do português brasileiro refere-se à mobilidade dos africanos e afrodescendentes.

De acordo com a literatura, sabe-se que os africanos foram trazidos à força (tráfico

externo e interno) para o Brasil, a partir do século XVI, como mercadorias. Com o objetivo de

servir ao trabalho escravo, atendendo a diferentes propósitos econômicos – cultivo da cana-

de-açúcar, exploração do ouro, cultivo do café, entre outros –, foram levados para regiões

13 A ausência de dados no século XV no quadro de Mussa (1991) decorre do fato de que nesse momento não

existia sistema colonial efetivo (apenas feitorias). O processo de exploração da colônia só começou a partir da década de 30 do século XVI, com as capitanias hereditárias.

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distintas (Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais). Viana Filho (2008

[1946], p. 33) argumenta que o tráfico fez-se “ora em direção à Guiné, ora a Angola, ora à

Costa da Mina, influenciado por causas econômicas e políticas, tanto internas como externas,

intimamente ligado ao desenvolvimento do país”.

Nesse período escravagista, foram estabelecidos ciclos de entrada da população negra.

Petter (2006, p.124) define tais ciclos por séculos e local de origem:

a) no século XVI, o ciclo da Guiné, trazendo escravos sudaneses, originários

da África situada ao norte do Equador; b) no século XVII, o ciclo do Congo e de Angola, que trouxe para o Brasil

os negros bantos; c) no século XVIII, o ciclo da costa da Mina, que trouxe novamente os

sudaneses. A partir de meados do século XVIII, esse ciclo se desdobra para dar origem a um ciclo propriamente “baiano”: o ciclo da baía do Benin;

d) no século XIX, chegam escravos de todas as regiões, com predominância de negros provenientes de Angola ou de Moçambique14.

Sobre a chegada dos negros, Luís Henrique Dias Tavares (2001, p.52) argumenta que

“não é possível estabelecer uma data precisa, mas é aceitável uma estimativa que a localize

não muito antes de 1549 e nem muito depois de 1550”. Sobre o número de negros trazidos

para o Brasil, ainda não se pode ter certeza da quantidade, faltam documentos que atestem tais

valores. Existe estimativa de números alarmantes, outros estimam a média de 3.500.000 a

3.600.000 e Boris Fausto estima 4.000.000 (1550-1855).

Mattos e Silva (2004, p.129-130), citando Kátia Mattoso (1990 [1979]), estabelece o

percurso geográfico dos escravos, seus senhores e familiares no território brasileiro.

Nos séculos XVI e XVII, se concentravam nas lavouras da cana-de-açúcar nas capitanias litorâneas de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Nos séculos XVII e XVIII, transitou grande parte para as áreas de mineração de ouro e de diamantes, nos interiores paulistas, no centro e centro-oeste do Brasil. Do século XVIII para XIX, diminuindo a mineração referida, em boa parte voltam para o litoral do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde ocorre novo impulso açucareiro. No século XIX, concentram-se no Vale do rio Paraíba do Sul, em áreas paulistas, do Rio e de Minas Gerais, locais em que se explorou o novo ouro, o café. Acompanhando seus senhores, seguem para a Amazônia, para a exploração de especiarias. Desde o século XVI, se dispersam os escravos e também os indígenas pelas imensas regiões pastoris interioranas, deslocando-se, a partir do século XVII, aos interiores

14 Esta quarta e última fase (1831-1856) é denominada por Luis Viana Filho (2008[1946]) como a fase da

ilegalidade, em que se continuou a venda de escravos africanos originados da costa ocidental da África.

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nordestinos. Já no século XIX, deslocam-se segmentos da população para as charqueadas do Sul do Brasil.

Descobrir o itinerário dessas populações mais profundamente pode ser bastante

revelador, uma vez que nesses movimentos de avanço e recuo do espaço brasileiro foi-se

criando uma estrutura administrativa mínima para ocupação do interior do Brasil. Assim, nas

palavras de Mattoso, “desde o século XVI, se dispersam os escravos e também os indígenas

pelas imensas regiões pastoris interioranas, deslocando-se, a partir do século XVII, aos

interiores nordestinos.”

Desta forma, nota-se que a população escrava não ficou restrita aos grandes centros

econômicos. De acordo com a Tabela 04 abaixo, verifica-se a mobilidade dessa população por

todo o território nacional. Uma vez que as comunidades interagiam entre si, adquiriam

características diversas, que foram integradas à língua portuguesa, formatando a variedade

popular do português.

Tabela 04 – População escrava brasileira comparada à população global por região – 1819 e 1872

Fonte: Skidmore (1976, p. 57 apud MATTOSO, 1991[1979], p. 65).

Alguns autores salientam a estratégia de mistura étnicas dos escravos. A esse respeito

Mattoso (1991[1979], p. 22) observa que essa política colonial visava “impedir a

concentração de negros de uma mesma origem numa só capitania”. Entretanto, Rodrigues

(2006, p. 152) declara que “isso pode ter ocorrido pontualmente, mas não de maneira

sistemática a ponto de inibir o estabelecimento de línguas francas africanas ou a simples

sobrevivência por várias gerações de determinadas línguas”.

Os dados demográficos adicionados ao trânsito da população escrava configuraram a

atual face dicotômica do português brasileiro. No entendimento de Mattos e Silva os negros e

Regiões População total População escrava Porcentagem da população escrava

1819 1872 1819 1872 1819 1872 Norte 143 251 332 847 39 040 28 437 27,3 8,5 Nordeste 1 112 703 3 082 701 367 520 289 962 33,0 9,4 Leste 1 807 638 4 735 427 508 351 925 141 28,1 19,5 Sul 433 976 1 558 691 125 283 249 947 28,9 16,0 Centro-oeste 100 564 220 812 40 980 17 319 40,7 7,8 TOTAL 3 598 132 9 930 478 1 081 174 1 510 806 30,0 15,0

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afrodescendentes, caracterizados por essa constante movimentação, foram os principais

difusores e formatadores do português popular brasileiro.

3.1.3 O multilinguismo

O multilinguismo caracteriza-se fortemente pelo intenso contato linguístico, uma vez

que no período colonial eram mais de 1.000 línguas indígenas (atualmente reduzidas a mais

ou menos 180) entrecruzando-se, inicialmente, com o português europeu, e depois com as

línguas de origem africana. Assentam-se aí as bases do que se constitui o português popular

do Brasil. De acordo com os dados estatísticos supracitados, a população nativa era

hegemônica durante o século XVI, com 50% dos índios integrados. Nesse sentido, em 1536, o

influxo de falantes do português europeu, advindo para a colonização do território, manteve

frequente os contatos linguísticos com os falantes indígenas, originando duas novas línguas de

contato, que prevaleceram como instrumento de comunicação durante muito tempo, as

línguas gerais.

Segundo Mattos e Silva (2001, p. 286), as línguas gerais objetivavam servir como

“instrumento de intercomunicação necessário ao empreendimento colonizador, mas,

sobretudo, catequético, principalmente o dos padres da Companhia de Jesus”. Lôbo, Machado

Filho; Mattos e Silva (2006, p. 614) assinalam que, de acordo com Rodrigues (1996, p. 06), a

expressão língua geral é uma forma lexicalizada, um termo técnico, a ser empregado

exclusivamente para línguas que se formaram em “condições especiais de contato entre

europeus e indígenas.”

De acordo com Mattos e Silva (2004, p. 79), fundamentada em John Manuel Monteiro

(1995), pode-se até conjecturar que o que na documentação colonial se designa por “usar a

língua geral”, “falar a língua geral”, “saber a língua geral” refira-se a um português

simplificado, com interferências de língua indígenas e também de línguas africanas. Esse

português simplificado é designado pela autora de português geral brasileiro, “antecedente

histórico do chamado português popular brasileiro” (MATTOS E SILVA, 2004, p. 82).

De acordo com Lucchesi (2009, p. 43), o termo língua geral recobre uma diversidade

de situações linguísticas:

(i) a koiné empregada na comunicação entre as tribos de línguas do tronco tupi da costa brasileira;

(ii) a sua versão como língua franca usada no intercurso dos colonizadores portugueses e indígenas;

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(iii) a versão nativizada predominante nos núcleos populacionais mestiços que se estabeleceram no período inicial da colonização; e

(iv) a versão “gramaticalizada” pelos jesuítas sob o modelo do português e utilizada largamente na catequese, até de tribos de língua não tupi – chamados de tapuias, que significa ‘bárbaro’, em tupi;

(v) língua franca de base tupi utilizada como língua segunda por tribos de língua não tupi (podendo também nesses casos ocorrer a sua nativização).

De acordo com Rodrigues (1993, 2006), no ínterim desse multilinguismo, houve o

desenvolvimento de duas línguas gerais de origem indígena: a língua geral paulista (LGP) e a

língua geral Amazônica (LGA). O surgimento dessas línguas não se deu ao mesmo tempo: em

1532 no litoral paulista, em 1615 no Maranhão, em 1616 no Pará, impulsionadas pelo

adentramento do interior do país pelos bandeirantes15.

A língua geral paulista, de base tupi, foi falada predominantemente no litoral paulista

por cerca de 250 anos, mais especificamente na Capitania de São Vicente, e depois levada

pelos bandeirantes para Minas Gerais, Mato Grosso e outras províncias. A língua geral

Amazônica, de base tupinambá, falada inicialmente no Rio de Janeiro, difundiu-se para

Belém, Costa do Maranhão e do Pará, estendendo-se até a desembocadura do rio Amazonas,

onde ficou por mais de 300 anos. Atualmente, a LGA continua viva através da variedade

Nheengatu, falada no médio Rio Negro. O mesmo não ocorreu com a LGP que, segundo

Aryon Rodrigues (2006), muito cedo, grande parte de seus falantes foram dizimados. Lôbo,

Machado Filho e Mattos e Silva (2006) registram indícios de língua geral de base Kiriri,

apesar da refutação de Rodrigues (1994[1985]) frente a outras possibilidades de língua geral

fora do eixo determinado por ele.

A partir do século XVIII, mais precisamente em 1757, as reformas pombalinas

decretaram a erradicação das línguas gerais e expulsaram os jesuítas do território brasileiro, o

que teria, em certa medida, favorecido a expansão da língua portuguesa no Brasil.

Hoje a língua portuguesa é hegemônica no Brasil, embora não seja a única. O Brasil atual pode ser qualificado como multilíngüe, no qual se fala cerca de 200 línguas, das quais umas 180 línguas indígenas e as demais são idiomas de origem européia e asiática (RODRIGUES, 2006, p.153).

Lucchesi (2006a) não considera o decreto pombalino um fator determinante para o

retrocesso da língua geral no século XVIII e, consequente, avanço da língua portuguesa no

território. O autor assinala que a vinda de um grande contingente de portugueses para explorar

15 Para Luiza Volpato (1986, p. 97), as Bandeiras “eram expedições que embrenhavam-se pelo sertão distante em

busca de índios para escravizar, mas alertas para qualquer indício de existência de outro”.

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as minas recém-descobertas teria favorecido a situação da língua portuguesa em terras

brasileiras, “aumentando o acesso dos escravos aos modelos da língua-alvo do segmento

dominante e penetrando nas regiões do interior de São Paulo, Minas e Goiás, onde antes

predominava a língua geral” (LUCCHESI; BAXTER, 2006, p. 176).

Enfim, verifica-se que os dados da história da população brasileira têm uma relação

intrínseca com a história da língua portuguesa. Durante o século XVI, 70% da população não

eram falantes nativos do português; já na segunda metade do século XIX, a situação era outra,

decresce consideravelmente para o percentual de 4%. Esses números demonstram que a

língua portuguesa percorreu um longo caminho até se firmar como variedade hegemônica.

Rodrigues (2006, p. 151) alude também à existência de uma língua geral africana

desenvolvida no Brasil, historiada através da obra de Antonio da Costa Peixoto – Obra nova

da língua geral de mina –, segundo o autor, tratava-se “de um manual de conversação para

facultar aos senhores de escravos e seus prepostos aprender a língua que era, naquela região

de mineração de ouro, uma ‘língua geral’, provavelmente uma língua franca entre os escravos,

ainda que de diferentes origens lingüísticas”. Não obstante, outros trabalhos também foram

significativos, a exemplo da coleta feita por Nina Rodrigues, em Salvador, final do século

XIX, organizada na obra intitulada Os africanos no Brasil.

Dentre os grupos sociais presentes na “babel” linguística, incluem-se os imigrantes,

que vieram para o Brasil oriundos de diversos países: Itália, Japão, Alemanha, Espanha,

Portugal, etc. Grande parte desses imigrantes tinha alguma formação instrucional, mas

estavam economicamente arruinados em consequência das guerras, ocupando inicialmente

posição inferior no estrato social, consequentemente relacionando-se com os pares dessa

mesma camada social: ex-escravos e capatazes. Por conseguinte, pela necessidade da mão-de-

obra especializada desse contingente populacional, foi inevitável a interação com a camada

média da sociedade, prioritariamente brancos e seus descendentes. Assim nas palavras de

Lucchesi (2009, p.55) os imigrantes “ascenderam na estrutura social, interagindo verbalmente

também com pessoas da norma culta, transmitindo o PPB e absorvendo o PCB”.

Lucchesi (2009, p. 69) se refere, ainda, à integração social dos escravos ou dos ex-

escravos e à miscigenação como fatores que influenciaram o falar das populações, observando

que a tendência de mudança do português se dá em duas direções: de um lado, ocorre a

assimilação dos modelos da norma culta pelas camadas mais baixas, de outro, inserem-se, na

fala das camadas médias e altas, estruturas criadas por mudanças ocorridas nos extratos mais

baixos.

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Depois da análise de cada etnia com a história demográfica do país bem como sua

relação com o multilinguismo, Mattos e Silva (2008, p. 395) sublinha que “tanto para os

indígenas como para os africanos e para os imigrantes, o modelo da língua alvo era defectivo,

precário para a aquisição da língua dominante politicamente, a portuguesa”. Com efeito, esses

vetores forneceram subsídios para a atual formatação do português popular do interior da

Bahia. Desta forma, outro importante vetor instala-se no debate: a escolarização. Na

interpretação de Mattos e Silva (2008, p. 395), a escolarização conjugada com a demografia

pode colaborar na interpretação da polarização socioletal que caracteriza o português

brasileiro hoje.

3.1.4 A escolarização no Brasil

O primeiro “agente escolarizador” responsável pela instrução do saber das línguas

gerais indígenas, indubitavelmente, foram os jesuítas, representantes da Companhia de Jesus.

A obra de maior relevância jesuítica descritivista foi a do Padre José de Anchieta – intitulada

a Arte de grammatica da lingoa mais usada na costa do Brasil, em 1595; entretanto, tal

estabilidade linguística findou com o cumprimento do diretório pombalino, que versava sobre

a proibição de estudar ou falar qualquer língua indígena, justapostas às mudanças de ordem

sócio-históricas.

Para a grande massa de negros e afrodescendentes escravizados não foi subsidiado

nenhum sistema e/ou estabelecimento de ensino, nem professores para uma aprendizagem

regular16. Segundo Ribeiro (2006[1995]), o negro aprendia “a falar o português que ouvia aos

berros dos capatazes”. Lucchesi (1997-2009) há mais de uma década, exaustivamente, detém-

se nos estudos que ratificam a aprendizagem defectiva originada do intenso contato

linguístico entre negros e afrodescendentes, índios e europeus. Nesse sentido, o autor afirma

que

16 Até porque essa estrutura escolar só foi implantada formalmente no Brasil a partir do século XX. A educação

do Império foi criada para atender à nova exigência: a vinda da família real que chegava ao Brasil. O país precisava ter estruturas para atender a realeza refugiada, desta forma, criaram-se jornais, imprensa, bibliotecas, etc. A partir daí originou-se a dicotomia da educação elitizada (professor tutor) vs. Educação elementar (letras e cálculos). A primeira república basicamente herdou a educação do Império, não valorizando a educação primária. Na República de Vargas houve o primeiro movimento em favor da educação, criou-se o MEC, e surge o movimento da Escola Nova – Anísio Teixeira – com o lema “A educação não é um privilégio, é um direito”. Portanto, é a partir da década de 30 do século XX, que começam a existir políticas públicas de educação de massa e popular, as quais de certa forma passam a entender a educação como um dever de Estado e um direito da população, mas é claro que não foi aplicado uniformemente.

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O português aprendido de oitiva, em situações extremamente precárias, e que era a língua de intercurso entre escravos e capatazes e senhores, entre escravos de etnias diversas, constituiu o principal modelo para a nativização do português entre os descendentes desses escravos, sejam os provenientes de cruzamento de escravos de diferentes etnias, sejam oriundos do cruzamento do colonizador branco com as mulheres escravas (LUCCHESI, 2001, p. 101).

O influxo migratório de asiáticos e europeus ocorrido maciçamente no século XIX

refletiu no vetor escolarização, uma vez que esse agrupamento de estrangeiros também

adquiriu, inicialmente, “o português na oralidade e sem controle normativo da escola”

(MATTOS E SILVA, 2004, p. 129).

Ainda a respeito da escolarização, sabe-se que historicamente o país exibe essa marca

negativa em relação à aprendizagem da língua portuguesa, esta tão precariamente oferecida no

ensino formal nos dias de hoje, apesar do aumento dos índices estatísticos de alfabetização.

Durante os três primeiros séculos da formação histórica do país, adverte Houaiss (1985), o

contingente de letrados no Brasil variava entre 0,5 % e 1% da população. Na década de 90 do

século passado, Mattos e Silva (2004, p. 40), fundamentada em Relatório do Ministério da

Educação, observa que o “sistema educacional cresceu, mas não educa”. É política pública de

governo reduzir a níveis aceitáveis o analfabetismo, contudo observa-se que na prática tal

meta não vem sendo atingida a contento, apesar dos esforços pontuais dos órgãos de Estado17.

A zona rural do município de Poções, por exemplo, possui uma única escola de Ensino

Fundamental I (antigo primário), obrigando aqueles que queiram seguir na sua escolarização a

saírem de sua comunidade, fato que em grande parte não ocorre e reforça o abandono e/ou

atraso escolar.

Boris Fausto (1994, p. 237 apud MATTOS E SILVA, 2004, p.72) declara existir um

distanciamento muito grande entre a “elite letrada da grande massa de analfabetos e gente

com educação rudimentar”. Mattos e Silva (2004a) reconhece que a realidade social e

econômica da maioria da população distinguia-se da pequena elite, e, no que se refere à

escolarização, a autora enfatiza que “hoje uma grande massa de indivíduos chega à escola,

embora só atinja o seu ápice uma minoria” (MATTOS E SILVA, 2004a, p. 74). Seguramente,

essa “minoria” corresponda à pequena elite, reforçando ainda mais o “abismo” entre os dois

pólos: “massa” vs. “elite”. A origem desse “abismo”, segundo a autora, centra-se na

bifurcação das normas linguísticas, caracterizado por Lucchesi (2001) como polarização

sociolinguística. Nessa perspectiva, aponta-se para a convivência de duas normas: em um

17 O programa Todos pela Alfabetização – TOPA – é um exemplo de iniciativa do governo para reduzir o analfabetismo.

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extremo, a norma vernácula ou Português popular brasileiro (PPB), e no outro, a norma culta

ou Português culto brasileiro (PCB). A respeito dessa convivência Lucchesi (2001, p. 109)

salienta que:

enquanto no português popular, verifica-se uma tendência de mudança para “cima”, não em direção aos padrões normativos, mas em direção ao padrão urbano culto (ou semiculto); no português culto, assiste-se a uma tendência de mudança de afastamento do padrão normativo de matiz europeu, uma mudança que se pode definir como “para baixo”. Se é clara a influência “de cima para baixo” sobre as camadas populares, pode-se postular também uma influência “de baixo para cima” sobre as camadas médias e altas.

Essa confluência entre as normas culta e popular, em certa medida, resultou mudanças

na educação formal pública, que alterou o padrão do sistema educacional, desqualificando-o.

3.1.5 Urbanização e industrialização

Acerca dos vetores urbanização e industrialização, sabe-se que ambos interferiram e

ainda interferem na formatação da realidade linguística do Brasil, a qual, como já

mencionado, realiza-se a partir de um contínuo de normas linguísticas. A maneira como a

urbanização processou-se no Brasil, desordenada, estimulada pelas novas condições

econômicas, causou profundas mudanças do ponto de vista linguístico.

O efetivo povoamento do Brasil só ocorre mais de trinta anos da descoberta e posse

formal do país. Como informa Leão (1989, p. 34), é nesse período que “surgem as primeiras

condições ao desenvolvimento de uma política efetiva de povoamento, centralizada em

núcleos urbanos – vilas e cidades.”

A autora discorre sobre o processo de ocupação do espaço geográfico do Brasil,

ocorrido por volta do XVI, ressaltando a experiência dos portugueses nas expedições de

fundação e organização de povoamento, este que se iniciou a partir das áreas litorâneas

(costa), prosseguindo a posterior para o interior do país. As áreas litorâneas eram estratégicas

para a produção econômica da época: a expansão açucareira. Por outro lado, essa costa estava

muito vulnerável às incursões estrangeiras devido à baixa densidade demográfica.

O processo de urbanização ocorreu muito lentamente. De acordo com a leitura da

Tabela 05 abaixo, observa-se que a percentagem de população urbana até quatro séculos

depois do descobrimento ainda continuava em torno de 6,8%, fato que implica altas taxas da

densidade populacional rural. Essa realidade altera-se somente a partir das décadas de 40 e 50,

solidificando-se a partir da década de 80, quando assume valores percentuais de 67%.

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Tabela 05 – Percentagem da população urbana – 1900 a 1980

Ano População total População urbana

(percentagem) 1900.......................................................... 1920.......................................................... 1940.......................................................... 1950.......................................................... 1980..........................................................

14 333 915

- -

51 944 397 120 000 000

6,8

10,7 31,29 36,16

67 Fonte: Bortoni-Ricardo (1989 apud LOBO, 2003)

Consoante Lôbo (2003), constata-se que a elevação dos índices de urbanização foi

decorrente do processo migratório campo-cidade (muito frequente nesses estágios, tendo em

vista os surtos de industrialização/ modernização do país), e não necessariamente em virtude

do aumento da população nesse novo espaço urbano. Para a autora, ao se relacionar o impacto

da urbanização do Brasil na formação do português brasileiro, identifica-se “uma

‘reorganização’ do quadro da variação lingüística brasileira, que passa de marcadamente

diatópica a marcadamente diastrática”p. 406.

No Brasil predominantemente rural, antes da década de 40 do século XX, destacavam-

se os aspectos linguísticos pela “oposição de dialetos rurais entre si”, os quais estavam

distribuídos em regiões espacejadas do país. Diferentemente, no país caracterizado pela

urbanidade, após a década de 80, as diferenças dialetais que só eram mais perceptíveis por

regiões, passaram a manifestar-se também nos níveis sócio-econômico e cultural distintos.

No final do século XX, o Brasil transforma sua paisagem, altera o status de país

praticamente rural para um país urbano, originando também grandes problemas nesse

processo: incremento dos diferenciais cidade e campo, resultando em um intenso êxodo rural;

grande dependência do dinamismo do processo de industrialização a nível nacional;

desequilíbrios metrópole versus demais cidades do sistema urbano no setor industrial e no

setor de serviços; intenso processo de favelização.

A cidade de Salvador expandiu-se territorialmente e populacionalmente por ter sido o

primeiro centro administrativo da colônia, absorvendo a administração política e econômica

da época – principalmente a produção açucareira –, sem falar na sua excelente posição

geográfica, a litorânea. O Rio de Janeiro também desenvolveu sua área urbana fortemente

impulsionada pelo desenvolvimento das áreas portuárias para escoar a produção econômica e

maximizou-se pela chegada da família Real no início do século XIX. Em Minas Gerais, a área

urbana floresceu pela exploração das minas de ouro e diamantes em Vila Rica, porém

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ressalta-se que não atingiu o apogeu dos centros anteriores. De forma geral, o

desenvolvimento econômico propiciou um grande fluxo migratório, com posterior aumento

populacional e densidade demográfica dessas áreas, imprimindo novos hábitos citadinos. A

cidade de São Paulo pós imigração, pós abertura de ferrovias e estradas, pós ciclo do café,

tornou-se o centro atrativo da modernidade, impulsionando novamente um grande fluxo

migratório. Entretanto, diferentemente do que aconteceu em outros centros urbanos, em que

não houve um planejamento para a expansão do povoamento, nesta cidade já se notava uma

estrutura mínima para acolher tal contingente de pessoas, ainda que não fosse a desejada.

Bortoni-Ricardo (2005, p.91) argumenta que

Nossa urbanização é desordenada porque, ao contrário do que aconteceu no Primeiro mundo, no Brasil e em outros países periféricos, a urbanização não foi precedida pela industrialização, como os países onde a revolução industrial teve início no século XVIII.

Para Ribeiro (2006[1995], p.21), o papel desempenhado pela industrialização e

urbanização e formas de comunicação de massa no Brasil contemporâneo contribuem para a

padronização cultural.

A urbanização, apesar de criar muitos modos citadinos de ser, contribuiu para ainda mais uniformizar os brasileiros no plano cultural, sem, contudo, borrar suas diferenças. A industrialização, enquanto gênero de vida que cria suas próprias paisagens humanas, plasmou ilhas fabris em suas regiões. As novas formas de comunicação de massa estão funcionando ativamente como difusoras e uniformizadoras de novas formas e estilos culturais.

Quanto à relação metrópole versus interior, representada, neste trabalho, pelas cidades

de Salvador (metrópole), Santo Antonio de Jesus (interior) e Poções (interior), verifica-se que

a metrópole impõe às outras regiões padrões sociais, linguísticos, etc., posicionando como

centro irradiador de mudanças.

O interior (SAJ e Poções) também se urbanizou, mas percebe-se que há uma

hierarquia de desenvolvimento desses interiores (ordem de desenvolvimento SSA-SAJ-

Poções). Para definir um espaço como rural ou urbano, Bortoni-Ricardo (2005),

fundamentada em José Eli da Veiga, julga mais apropriado os métodos da OCDE

(Organização e Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para a classificação de um

espaço urbano. Dessa forma, um núcleo urbano para ser classificado como tal reuniria

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característica mínima de densidade demográfica 150 habitantes/km2 e uma população mínima

de 50 mil habitantes.

3.2 HIPÓTESES FORMADORAS DO PORTUGUÊS POPULAR

Partindo do pressuposto de que o Português Brasileiro (PB) como um todo apresenta

uma realidade linguística heterogênea, por abrigar várias comunidades de fala; bipolarizada,

apresentando dois binômios: português culto brasileiro (PCB) e português popular brasileiro

(PPB) e plural, com normas linguísticas diferentes, tantas quantas o número das comunidades

de fala, reconhece-se que o processo de formação histórico-social das variedades de línguas

do PB foi distinto no decorrer do tempo e do espaço (houve vários cenários).

Nessa investigação, o foco será a discussão das hipóteses de formação do português

popular brasileiro (PPB), centrado especialmente na realidade do interior da Bahia. De acordo

com a literatura, há, atualmente, duas hipóteses: da deriva secular e da transmissão linguística

irregular. Pela primeira hipótese, “a língua se move ao longo do tempo num curso que lhe é

próprio” (SAPIR, 1949/1921 apud NARO; SCHERRE, 2007, p.26), desse modo as mudanças

já estariam prefiguradas no sistema linguístico do português, e a tendência à simplificação,

observada no PB, já existiria desde o indo-europeu. Pela segunda hipótese, há um “continuum

de níveis diferenciados de socialização/nativização de uma L2 adquirida de forma mais ou

menos imperfeita, em contextos sócio-históricos específicos” (LUCCHESI, 2009, p. 109),

tendo como pólos extremos um crioulo radical e variedades de línguas. É por esta hipótese

que se pretende explicar o fato linguístico em análise nesta dissertação.

O interesse pela influência do contato entre línguas na formatação do português

popular sempre instigou pesquisadores, a exemplo de Adolfo Coelho (1880), Renato

Mendonça (1933), Jacques Raimundo (1933), Mello (1971[1946]), Serafim da Silva Neto

(1963), Câmara Jr. (1975), Silvio Elia (1979), os quais tiveram seus trabalhos relacionados às

interferências das línguas africanas na formação do PB, ainda que alguns acreditem que os

africanos e seus descendentes apenas aceleraram as mudanças que caracterizam o PB.

Ainda no século XX, estudos fundamentados em evidências empíricas de cunho

sociolinguístico permitiram confirmar e/ou refutar hipóteses sobre a constituição do português

popular brasileiro. Inicialmente, na década de oitenta, a atenção voltou-se para os estudos

crioulistas, tendo como principal expoente Gregory Guy; na década subsequente, Antony

Naro e seguidores entendem que a deriva secular seria a explicação para a feição diferenciada

do português popular do Brasil. Também na década de noventa, Dante Lucchesi argumenta

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que as variações presentes do PPB seriam resultados do contato entre línguas, através do

processo conceituado pelo autor como transmissão linguística irregular.

Guy (2005, p. 15), a partir de observações dos contextos de escravidão dos países

como Haiti, Jamaica, entre outros, estabelece, por analogia, que o Brasil possui características

claras de um processo anterior de crioulização. A explicação deve-se tanto à “história social e

econômica nos períodos colonial e imperial no País”, quanto à existência, no português

popular, “de vários traços e tendências que o separam de outras variedades de língua”.

É exatamente por essa confluência de fatos históricos e linguísticos que o autor afirma:

Foi justamente no uso da língua portuguesa no Brasil em situações de muito contato lingüístico, provavelmente com uma diversidade imensa de variantes, que surgiu essa questão da crioulização no PPB. (GUY, 2005, p.16). [...] A evidência sócio-histórica indica a entrada e saída de falantes de crioulos e as condições suficientes para crioulização, e a evidência interna do PPB indica vários traços mais de acordo com a história de crioulização do que com qualquer outra explicação. (GUY, 2005, p.33)

Atualmente, as marcas crioulizantes deixadas no PPB não são tão perceptíveis, isso

pode ser atribuído, segundo o autor, há duas possibilidades: a descrioulização e a

reconsideração da transição abrupta e o acesso limitado à língua-alvo que não ocorreu de

forma extrema. Por essa ideia da descrioulização, através dos séculos de contato com um

número razoavelmente alto de falantes nativos de português, o dialeto popular foi adquirindo

características da língua alvo e se descrioulizando. Contudo, essa hipótese, nos moldes

definidos por Guy, foi rechaçada por Tarallo (1996, p.50), para quem “os dois dialetos [PB e

PE] encontram-se, na verdade, a tal distância sintática que seria muito incomum se seus

caminhos tornassem a se cruzar”. O autor refuta a possibilidade de reversão, a partir da

análise de dois fatos sintáticos, a relativização e a pronominalização.

De acordo com a literatura, sabe-se que existem condições específicas para o

surgimento de uma língua crioula. As situações históricas de plantation e das comunidades

quilombolas são exemplos categóricos propícios para o surgimento de uma nova entidade

linguística. Em ambos os casos, configura-se a relação social de submissão do colonizador

em relação ao colonizado e a interlocução entre eles estabelece-se de forma singular,

especialmente através de locuções imperativas e referenciais, para o cumprimento das tarefas

ordenadas. Ressalta-se que o exemplo clássico de crioulo radical de base portuguesa pode ser

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atestado em países da África, Ásia e Oceania que sofreram situações de contato abruptas e

radicais.

No Brasil, Lucchesi (2009) detém-se, exaustivamente, na análise da história do contato

entre línguas, designando o conceito de transmissão linguística irregular, processo que pode

resultar historicamente em duas situações linguísticas: (i) uma nova língua; (ii) uma variedade

da língua alvo. No primeiro caso, a nova entidade linguística tem como característica um

sistema gramatical distinto daquele que lhe forneceu o vocabulário, formalizada pela

crioulística como línguas pidgins – socialização do código emergencial, minimamente

estruturado – e línguas crioulas – decorrente da nativização do jargão18 ou do pidgin. No caso

de formação de variedades da língua alvo, o sistema gramatical é simplesmente reestruturado,

não tão profundamente como no caso das línguas crioulas, mas sim baseado em uma menor

erosão gramatical.

O processo de transmissão linguística irregular admite níveis variáveis de

reestruturação e/ou erosão gramatical, como pode ser observado no esquema formulado por

Baxter e Lucchesi (1997):

Transmissão Irregular Regular

Modelo p/ nativização

Jargão

Pidgin

L2 afastada da

LA

L2 próxima da

LA

Resultado da nativização

Crioulo Radical

Crioulo

Semi-crioulo Variedade da língua alvo

Exemplo Crioulos de São

Tomé e Príncipe

Crioulos de Cabo Verde e

da Guiné-Bissau

Português dos Tongas em São

Tomé

Variedades rurais do português

Quadro 03 - Transmissão / nativização com base em diversos modelos de L2 Fonte: Adaptado de Baxter e Lucchesi (1997, p. 74).

Analisando o Quadro 03, verifica-se que o processo de transmissão linguística pode se

dar de forma irregular ou regular. Entende-se por transmissão regular a aquisição normal de

18 Código linguístico imediato desenvolvido em uma situação inicial de contato de falantes de línguas

mutuamente ininteligíveis, em que há perda de elementos gramaticais no processo da aquisição defectiva da língua alvo pelos falantes adultos das outras línguas.

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uma língua materna. As crianças adquirem, através dos dispositivos inatos da faculdade da

linguagem, os itens gramaticais atribuídos pela sintaxe de uma língua. Já a transmissão

linguística irregular está baseada em dados linguísticos de falantes adultos, que aprenderam

uma segunda língua de maneira defectiva e que transmitem à sua prole esse modelo de língua

segunda. O que se observa no esquema é um contínuo estabelecido por níveis de erosão

gramatical, que pode variar de acordo com o modelo utilizado na nativização.

Tendo como modelo um jargão, o produto final será uma língua autônoma –

denominada crioulo radical – com estrutura gramatical com maiores lacunas a serem

preenchidas pela criança. A depender da situação19 pode-se obter um crioulo, menos radical,

a partir de um pidgin. Sabe-se que, quanto maior reestruturação e reorganização gramatical a

criança fizer no processo de nativização, maior será a distancia da língua alvo. Assim, o

crioulo de São Tomé e Príncipe é exemplo de um crioulo radical; e o de Cabo Verde e da

Guiné-Bissau são estruturas menos radicais.

O surgimento de um semi-crioulo20 requer um modelo de língua que tenha passado por

estruturações parciais, que a distanciam da língua alvo (mas não é um pidgin nem um jargão),

a exemplo do português dos Tongas em São Tomé.

Lucchesi (2008, p. 371) estabelece três condições determinantes para o surgimento de

“uma nova entidade lingüística com uma gramática qualitativamente distinta da gramática da

língua alvo” denominada crioulo:

i) a retirada de populações de seu contexto cultural e lingüístico de origem,

como ocorreu com o tráfico negreiro;

19 Segundo Lucchesi (2009, p.102), a variação da estrutura gramatical de uma língua crioula pode variar no

contínuo entre o pólo mais radical ou mais radical devido:

(i) ao difícil acesso dos falantes das outras língua aos modelos da língua alvo, sobretudo nas situações em que os falantes dessa língua alvo são numericamente muito inferiores aos falantes das outras línguas;

(ii) ao fato de os falantes dessas outras línguas serem, em sua grande maioria, adultos, não havendo, pois, o acesso aos dispositivos da faculdade da linguagem, que atuam naturalmente no processo de aquisição da língua materna;

(iii) à ausência de uma ação normatizadora, ou seja, de uma norma ideal que oriente e restrinja o processo de aquisição/nativização, já que esse processo tem como objetivo fundamentalmente a comunicação emergencial com os falantes da língua alvo.

20 Holm (1992) define um semi-crioulo como uma língua que passou por “reestruturação parcial, gerando

variantes que não foram completamente pidginizadas e que preservam uma parte considerável da estrutura do superstrato (por exemplo algumas flexões) enquanto apresentam, igualmente, um grau notável de reestruturação” ou “influências crioulas, observadas nas variantes que originariamente não eram crioulos, mas que, através do contato com os crioulos, adotaram um número significativo de itens lexicais e traços estruturais crioulos”.

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ii) a concentração de um grande contingente linguisticamente heterogêneo sob o domínio de um grupo dominante numericamente muito inferior (a referência nas situações típicas de crioulização seria a proporção de pelo menos dez indivíduos dos grupos dominados para cada indivíduo do grupo dominante);

iii) a segregação da comunidade que se forma na situação de contato.

A polêmica sobre a estabilização ou não de uma língua crioula no Brasil ainda enseja

discussões nos dias atuais. A comunidade de fala de Helvécia, na Bahia, por exemplo,

apresenta uma série de estruturas típicas crioulizantes e uma história favorável ao

desenvolvimento de um crioulo temporário. Contudo, não se pode generalizar essa situação

para todo Brasil, segundo Mattos e Silva (2002, p.458) “pode ser postulada para locais

específicos [...] como é o caso de comunidades afro-brasileiras isoladas”. Lucchesi (2009, p.

70) esclarece quais foram os pontos que evitaram tal processo, a saber:

i) a proporção entre a população de origem africana e branca, que permitia um nível de acesso maior à língua alvo do que o observado nas situações típicas de crioulização;

ii) a ausência de vida social e familiar entre as populações de escravos, provocada pelas condições sub-humanas de sua exploração, pela alta taxa de mortalidade e pelos sucessivos deslocamentos;

iii) o uso de língua francas africanas como instrumento de interação dos escravos segregados e foragidos;

iv) o incentivo à proficiência em português; v) a maior integração social dos escravos urbanos, domésticos e das zonas

mineradoras; vi) a miscigenação racial.

Segundo Lucchesi (1999, p.75), esses mesmos fatores atuaram como difusores das

mudanças ocorridas com o processo de transmissão linguística irregular.

De acordo com a fundamentação teórica da sócio-história apresentada, neste capítulo,

questiona-se a hipótese defendida por Anthony Naro e Martha Scherre (2007) para a formação

estrutural do português popular brasileiro, uma vez que na base da explicação dessa hipótese

estaria a confluência de motivos advinda de forças de diversas origens. Entretanto, os

resultados de pesquisas estão concentrados, até então, na variação concordância verbal e

nominal. Para atestar a validade dessa proposta e, então, considerá-la como responsável pela

formatação do PPB, é necessário ampliar o repertório das análises empíricas.

Dessa forma, a proposta que parece mais coerente é a da transmissão linguística

irregular, cujo construto teórico e análises empíricas foram reunidas no livro O português

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afro-brasileiro, que, como resume um de seus organizadores, “reúne um conjunto de análises

de dezesseis aspectos da morfossintaxe da gramática de quatro comunidades rurais afro-

brasileiras isoladas do interior do Estado da Bahia (algumas delas possivelmente oriundas de

antigos quilombos)” (LUCCHESI, 2009).

Mattos e Silva (2002, p.458-59; 2004, p. 133) salienta que “a deriva natural não

poderia ser descartada para aspectos das variantes cultas [...]. Contudo, seria, ao meu ver,

inadequado propor a deriva natural para outros aspectos [que não a concordância verbo-

nominal] da sintaxe brasileira do português vernáculo brasileiro, que o aproximam a

mudanças ocorridas em áreas de crioulização leve (cf. Baxter; Lucchesi, 1997)”.

3.3 AS COMUNIDADES DE FALA E A DINAMICIDADE DE DOIS MUNICÍPIOS DO

INTERIOR DA BAHIA

A teoria sociolinguística (cf. fundamentação teórica no capítulo 4), que fundamenta

esta investigação, também fornece bases para a análise empírica da fala dos munícipes de

Santo Antonio de Jesus e Poções. De acordo com essa teoria, os dados de fala para análise do

pesquisador devem originar-se de usos concretos da realidade linguística de grupo, que tenha

em comum as normas de uso dessa língua. Vale dizer que nessa amostra o que se observa é

uma fala espontânea, utilizada na vida cotidiana da comunidade, apesar das peculiaridades

que envolvem uma entrevista sociolinguística. Segundo Labov (1984), citado por Monteiro

(2000, p.39), esse “vernáculo é propriedade de um grupo, não de um indivíduo sozinho”.

Desse modo, as manifestações linguísticas foram tomadas para análise dentro de um

espaço denominado de comunidade de fala, cuja definição não é coligida com facilidade. Tal

complexidade emana principalmente da dificuldade em se determinarem os limites

geográficos que circunscreve esse grupo de pessoas, que têm idade, sexo e escalas sociais

distintas, contudo compartilham as mesmas normas linguísticas.

Bortoni-Ricardo (2008, p. 362) esclarece que a definição do conceito de comunidade

de fala mudou ao longo do tempo. Tradicionalmente, esse conceito esteve ligado

“exclusivamente em termos de traços lingüísticos, (...) [e] se confundia com o conceito de

língua”, modernamente, ainda de acordo com a autora, “consideram uma comunidade de fala

mais como uma entidade social do que linguística”.

Nas palavras de Labov (1968 apud MONTEIRO, 2000, p. 39):

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A comunidade de fala não se define por nenhum acordo marcado quanto ao uso dos elementos da língua, mas sobretudo pela participação num conjunto de normas estabelecidas. Tais normas podem ser observadas em tipos claros de comportamento avaliativo e na uniformidade de modelos abstratos de variação, que são invariantes com relação aos níveis particulares de uso.

Continuando o debate, alguns estudiosos usam o termo comunidade de fala com o

mesmo conceito de comunidade linguística, a exemplo de Alkmim (2001, p. 31). A autora

informa que o objeto da sociolinguística é o estudo da língua falada em situações concretas de

uso, assinalando que o ponto de partida é, então, a comunidade linguística, definida como

“um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de

normas com respeito aos usos lingüísticos” (ALKIMIM, 2001, p. 31). Adiante, Alkimim faz

entender que comunidade linguística e comunidade de fala são termos sinônimos:

Em outras palavras, uma comunidade de fala se caracteriza não pelo fato de se constituir por pessoas que falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se relacionam, por meio de redes comunicativas diversas, e que orientam seu comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras. p. 31

Por outro lado, outros autores deixam clara a distinção entre os termos, a exemplo de

Romaine (1994 apud MONTEIRO, 2000, p. 40), para quem uma comunidade de fala não é

necessariamente coextensiva a uma comunidade linguística, antes diz respeito a “um grupo de

pessoas que não compartilham necessariamente a mesma língua, mas compartilham um

conjunto de normas e regras para uso dela”.

No que tange aos municípios de Santo Antonio de Jesus e Poções, investigados nesta

dissertação, consideram-se comunidades de fala distintas, porquanto não compartilham das

mesmas regras de uso e atitudes linguísticas com relação a algumas variáveis. É importante

dizer que “não se pode confundir comunidade de fala com cidade”. Um município é

tipicamente caracterizado pela heterogeneidade e pode apresentar, devido à sua formação,

várias comunidades. Nesse caso de estudo, estabeleceram-se duas comunidades de fala: a sede

e a zona rural, embora ambas façam parte de uma mesma comunidade linguística do

português popular brasileiro.

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3.3.1 Cenários da cidade de Santo Antônio de Jesus – Bahia

O município de Santo Antônio de Jesus, localizado a 187 km de Salvador, às margens

da rodovia BR 101, faz limite com Aratuípe, Conceição do Almeida, Dom Macedo Costa,

Elízio Medrado, Laje, Muniz Ferreira, Nazaré, São Felipe e São Miguel das Matas e Varzedo.

Sua população, em 2007, segundo informações do IBGE era de 84.256 habitantes, numa área

de 259 km2.

Figura 01: Mapa da localização de Santo Antônio de Jesus. Fonte: Wikipedia.

Tradicionalmente, o município de Santo Antônio de Jesus é conhecido pelo amplo

desenvolvimento das atividades comerciais, sobretudo, nas áreas de móveis, de confecções e

de eletrodomésticos, as quais têm como característica a vocação familiar. Esse crescimento

econômico decorre de uma dinâmica que começou nas cidades litorâneas e se disseminou para

alguns interiores da Bahia (SANTOS, 1999, p. 2). Para que se compreenda a relevância da

investigação nesse município, faz-se necessário noticiar algumas transformações ocorridas

nesta cidade ao longo do tempo e do espaço.

No princípio, de acordo com literatura, sabe-se que os primeiros moradores dessa

terra foram os índios descendentes da Pedra Branca. Acrescentam-se a essa população os

colonos portugueses, os quais penetraram através do Rio Jaguaripe, fundando vários povoados

e ocupando toda a região (QUEIROZ, 1995 apud SANTOS, 1999, p. 31). Os habitantes

negros foram introduzidos à força nessas terras para servir a uma política escravagista e

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perfaziam, por volta do ano de 1875, maioria da população, indicando números absolutos de

4.000 habitantes em um universo de 9.654, segundo fonte da Enciclopédia dos Municípios

Brasileiros (1958, p. 36). Essa composição étnica, cuja formação tem na base índios, brancos

e negros, assemelha-se à das demais cidades do Recôncavo Baiano21.

O distrito de Santo Antônio de Jesus esteve ligado juridicamente ao município de

Nazaré (1852-1880) e recebeu influência dos grandes centros urbanos como Cachoeira,

Maragogipe e Nazaré, os quais eram conhecidos pelo transporte marítimo e fluvial e tinham

grande importância na navegação de cabotagem no período colonial. A partir do ano de 1880,

este distrito desmembra-se do município de Nazaré e muda de categoria, passando de

freguesia da paróquia de Santo Antônio de Jesus para vila, para enfim tornar-se uma cidade

no ano de 1891.

No que tange às atividades comerciais, as feiras livres merecem destaque, tanto no

passado como presente, são representativas do amplo desenvolvimento econômico da região.

No passado, a feira livre estabeleceu-se, nesse município, como a principal atividade

comercial, operacionando com inúmeros produtos agrícolas vindos da zona rural, além de

contribuir com a difusão cultural. Uma vez que, segundo Santos (1999), o perfil da clientela

da feira delineava-se heterogênea, pertencente tanto à classe menos favorecida quanto à mais

favorecida economicamente, havia uma relação social de comunicação, proporcionando uma

mistura de classes.

No passado, o raio de influência da feira concentrava-se na Praça Padre Matheus, de

abrangência apenas local. Os principais produtos negociados eram os de cultivo para fins de

subsistência22 como a mandioca, o milho, o feijão, o café, a laranja, o fumo, entre outros.

Ainda faz parte da história agropecuária do município a formação de pastagens para a criação

de gado e cavalos, que forneciam a força motriz para os engenhos.

Hoje, a feira está sendo tomada por comerciantes que, por falta de opção para obter

renda, sobretudo pela baixa escolaridade, tentam se estabelecer no mercado, vendendo

produtos agrícolas, roupas, aparelhos eletrônicos, etc. Segundo Santos (1999, p. 67), ao lado

desse comércio, têm surgido ao longo do tempo grandes construções – evidenciando o

21 Milton Santos (1958), citado por Santos (1999, p. 6), classifica este município em destaque como parte

integrante do Recôncavo Baiano. Vale dizer que foi a classificação adotada aqui, embora outros estudiosos, a exemplo de Conceição (2002), considerem esse município como parte integrante do Recôncavo Sul.

22 Diferentemente da maioria das cidades do Recôncavo Baiano, o labor com a cana-de-açúcar não teve muita expansão neste município, uma vez que se destacava nessa região a produção de mandioca. E esta por sua vez, sofreu um decréscimo na sua produção devido à concorrência com o cultivo de fumo, que durante a segunda metade do século XIX e início do século XX, alcançou o ápice, concorrendo diretamente com a produção da mandioca. (cf. SANTOS, 1999, p. 32)

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processo de modernização –, como a Galeria Moura, na década de 70, e vinte anos depois o

Shopping Center Vila Inglesa – o primeiro da cidade –, que não obteve muito êxito. Em 1997,

foi inaugurado o Shopping Center Itaguari, que conseguiu agregar variadas necessidades

coletivas e oferecer maiores possibilidades de compra (91 lojas), prestação dos serviços como

a unidade do SAC, serviços de saúde, lazer (danceteria), reunindo em um só lugar vários

canais de envolvimento com a comunidade.

Indubitavelmente, a década de 70 provocou mudanças na paisagem santantoniense,

nos hábitos e nos costumes dos moradores. A mudança no sistema de transporte rodoviário,

nessa época, proporcionou o crescimento de várias cidades do interior, dentre elas o

município de Santo Antônio de Jesus. A mola mestra para o desenvolvimento dessa cidade foi

o asfaltamento da rodovia federal BR 101 e das rodovias estaduais BA 245 e BA 026, o que

possibilitou maior fluxo de pessoas nessa região, favorecido pelo entroncamento rodoviário.

Além da implantação de um sistema de transporte rodoviário, em detrimento da navegação

fluvial e das ferrovias, houve também a construção da Ponte do Funil, a inauguração do

sistema ferry boat, a implantação do catamarã e as alterações do espaço agrário (SANTOS,

1999, p. 34).

A cidade eclodiu, mas a realidade não acomodou a todos. A urbanização, que se deu

de forma muito rápida, de acordo com Conceição (2002), não veio acompanhada da infra-

estrutura necessária para garantir um crescimento ordenado. Nas palavras da autora, tal

crescimento “apresenta um descompasso em relação às necessidades de infra-estrutura, de

oferta de emprego, de educação, dentre outras” (CONCEIÇÃO, 2002, p.31). O crescente

desenvolvimento ainda é pouco e não consegue corresponder à demanda social. Vários jovens

encontram-se desempregados ou ocupam vagas de subemprego, aumentando o índice de

marginalidade e de pessoas indigentes.

Contribuiu para esse crescimento desordenado do município o intenso processo

migratório – análogo à realidade brasileira – do campo para a zona urbana. Até a década de

60, os espaços rurais eram bastante povoados, uma vez que a economia do município era

sustentada pelas lavouras de pequenos proprietários. Com o tempo, as pequenas propriedades

foram sendo compradas por fazendeiros criadores de gado bovino, formando os grandes

latifúndios. A sede do município apresentava-se mais atrativa para os que desejavam

encontrar alternativas de trabalho. Na década de 1970 a população urbana já ultrapassava a

rural, aumentando significativamente nos anos seguintes, conforme se verifica nos dados da

Tabela 06 a seguir.

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Tabela 06 – Indicadores demográficos de Santo Antônio de Jesus/BA

Ano População Residente Taxa de

Urbanização %

Densidade demográfica Hab./ km2 Total Urbana Rural

1940 24.666 9.052 17.419 34,20 79,24 1950 29.668 11.839 17.829 39,90 88,83 1960 34.018 15.489 18.532 45,53 101,85 1970 39.726 21.702 18.024 54,63 118,94 1980 51.583 34.726 16.970 67,10 154,44 1991 64.198 52.770 11.428 82,20 254,80 1996 71.932 60.378 11.554 83,94 285,44 2000 77.340 66.219 11.121 85,62 306,99

Fonte: IBGE; SEI, 2001 (apud CONCEIÇÃO, 2002, p.31)

Como se vê, atualmente, o número de habitantes da zona rural está significativamente

reduzido. Essa população dedica-se basicamente à agricultura de subsistência, o que tem

favorecido ainda mais a migração para a sede do município. Sem dúvida, a ausência de

políticas que atendam às necessidades da população rural acaba por incentivar o seu

deslocamento. No que respeita à educação profissional, por exemplo, Conceição (2002, p. 36)

menciona que “nesse município volta-se, exclusivamente, para o mercado urbano, reforçando,

assim, a migração campo-cidade”.

Com relação à escolarização, de acordo com dados do IBGE 2008, há, na cidade, 156

escolas: 69 de ensino pré-escolar, 79 de nível fundamental, 07 de nível médio e 01 de ensino

superior da rede pública estadual. As escolas de ensino médio localizam-se na zona urbana do

município, figurando como mais um dos fatores que incentivam a migração.

Santos (1999, p. 67-68) fez uma descrição detalhada do espaço geográfico com as

respectivas características de ocupação: “na zona norte, situa-se uma das áreas de maior

dispersão quanto ao uso e a ocupação do solo urbano de Santo Antônio de Jesus (...) existe

intensa diversificação nos padrões urbanísticos”; “quanto à zona sul (...) predominam as

edificações para fins residenciais da classe média (...) situados em áreas de topografia plana e

portadores de infra-estrutura.”; “na zona leste da cidade, está situada a maior parte dos bairros

habitados pelas pessoas de poder aquisitivo médio e baixo. Esse é o setor de maior

concentração humana na cidade.” Consta aí a presença de bastantes equipamentos coletivos

como a única universidade (Universidade Estadual do Estado da Bahia – UNEB/Campus V),

o estádio de futebol, o ginásio de esportes, fórum, INSS, complexo policial, entre outros; “a

zona oeste recebeu influência direta da implantação da rodovia BR 101 (...) a ocupação é

recente, formando bairros bastante densos e paupérrimos.”

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Desta forma, o autor observa que essas ações exógenas são as principais responsáveis

pela dinâmica do município de Santo Antônio de Jesus, contudo não devem ser desprezadas

as interrelações existentes no interior do espaço urbano.

3.3.2 Cenários da cidade de Poções – Bahia

O município de Poções23 localiza-se na região do Planalto da Conquista, Sudoeste da

Bahia, fazendo limite com as cidades de Boa Nova, Nova Canaã, Iguaí, Planalto e Bom Jesus

da Serra. Este município conta com uma área territorial ampla de 963 km2 e com uma

população de 44.759 habitantes, segundo o censo do ano de 2007.

Figura 02: Mapa da localização de Poções

Fonte: Wikipedia

A origem deste município remete à freguesia de Divino Espírito Santo, cuja formação

inicial aponta para o ano de 1732, como consequência do ciclo do ouro. Em 1880, esta

freguesia emancipa-se de Vitória da Conquista, tornando-se de fato o município de Poções.

Quanto ao povoamento no município, sabe-se que os índios foram os primeiros

habitantes. A origem destes sinaliza para os mongóis, que pertenciam a uma ramificação dos

camacãs do grupo Jê. A presença dos portugueses nessa região esteve ligada ao movimento

histórico de entradas e bandeiras, em que os bandeirantes adentraram o interior do Brasil com

23 Segundo Ricardo de Benedictis (2009), o topônimo Poções tem a ver com aglomerados de Poços e pequenas

lagoas em suas baixadas.

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finalidades diversas, como a exploração do território, a busca de riquezas minerais e a captura

de índios ou mesmo de africanos. Os exploradores portugueses sujeitavam inicialmente, os

índios ao trabalho escravo, depois, em substituição a essa mão de obra, foram trazidos à força

o negro para trabalhar principalmente na pecuária, já que os engenhos da cana-de-açúcar não

eram fortes nessa região. Além dessas três frentes populacionais – os índios, os portugueses e

os negros –, observou-se também a presença dos imigrantes italianos nessa comunidade no

processo de povoamento do século XVIII.

A economia de Poções apresenta-se como bem diversificada, beneficia-se dos

produtos agrícolas cultivados na própria zona rural, especialmente, da produção dos

hortifrutigranjeiros (tomate e pimentão). Outros produtos da lavoura poçoense também são

comercializados: o café, a banana (permanente), o feijão, a mandioca, o milho, a mamona

(temporário). Outro ponto forte do comércio é a criação de gado bovino.

Este município é banhado pelos rios São José, Ouricana, do Vigário e das Mulheres;

também fazem parte da paisagem os açudes e os riachos. Acrescenta-se a essa fotografia a

formação do relevo em forma de bacia, que favorecia a retenção de água das enchentes

ocorridas por volta da década de 50 e, mais tarde, na década de 80, transformando a vida dos

moradores. Hoje, grande parte desses rios encontra-se abandonada pelos poderes públicos e

negligenciada pelos próprios moradores, em um contexto de assoreamento. Os riachos

tornaram-se reservatórios de dejetos de esgotos, sem falar no processo de salinização do Rio

José. Vale dizer que a população conta com uma barragem em Morrinhos, a qual fornece água

de excelente qualidade a toda região.

Importantes rodovias fazem parte desse espaço geográfico, a exemplo da rodovia

federal BR116, também conhecida como Rio-Bahia. Do mesmo modo, faz parte do eixo

rodoviário a rodovia estadual BA 262, que liga a sede do município a outros municípios

vizinhos, com bifurcação na BA-263, rodovia Vitória da Conquista-Itabuna, até a BR 101.

Apesar de as importantes rodovias cortarem a sede do município, isso não alavancou o

desenvolvimento comercial na cidade, embora tenha aumentado a interação comercial e

sócio-cultural entre os munícipes circunvizinhos.

Essa interação cultural é ainda favorecida pela a tradicional festa do Divino Espírito

Santo, considerado o padroeiro da cidade. O início deste evento, com resquício da tradição

lusitana, inclusive, antecede a emancipação da cidade, uma vez que a festividade data o ano

de 1878. Tem, por conseguinte, mais de um século de existência e, mesmo assim, continua a

mobilizar numerosos visitantes para a comunidade.

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Segundo os dados do IBGE 2008, existem, na cidade, 68 escolas, sendo 26 do ensino

pré-escolar, 36 do nível fundamental, 06 do nível médio, ademais não há instituições de

ensino superior na cidade.

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4 TEORIAS E MÉTODOS

Para a realização desta pesquisa, foram seguidos os pressupostos da Teoria da

Variação, liderada pelo linguista William Labov (2008[1972]). Essa Teoria, também

denominada Sociolinguística Quantitativa, compreende a variação linguística como algo

sistematizável e, para isso, procura delimitar os condicionamentos reguladores dessa variação,

observando os aspectos linguísticos e extralinguísticos (WEINREICH; LABOV; HERZOG,

2006[1968]). Esta é a linha adotada neste trabalho, em função de ser considerada teoricamente

coerente e metodologicamente eficaz para a descrição da língua em uso. Portanto, as seções

abaixo que compõem o presente capítulo expõem os conceitos dessa Teoria, além de

apresentar a pesquisa realizada no âmbito metodológico, bem como definir os parâmetros que

fundamentaram a interpretação dos dados.

4.1 A TEORIA DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

A Teoria da Variação preocupa-se com as relações entre o fenômeno linguístico e a

sociedade, ou seja, como a língua, enquanto fato social, está relacionada aos padrões

ideológicos e culturais da comunidade de fala e como esses padrões se refletem no

comportamento linguístico dos seus membros, estruturando a variação.

Este modelo teórico-metodológico de descrição e interpretação da relação entre língua

e sociedade, na comunidade de fala, foi fixado pelo linguista norte-americano William Labov,

no ano de 1963, com seu trabalho clássico sobre a centralização de ditongos na ilha de

Martha’s Vineyard, em Massachusetts (LABOV, 2008[1972]).

O que interessa a esta teoria é analisar e sistematizar a variação a partir de dados do

vernáculo de uma comunidade de fala, o qual corresponde à língua falada na vida cotidiana. A

análise visa a mensurar, através de programas estatísticos, a influência dos fatores que

condicionam a aplicação ou não de uma regra variável por parte do falante, concebendo a

competência linguística deste como um sistema heterogêneo. Nessa perspectiva, o primeiro

passo é a obtenção de uma fala espontânea - aquela “usada na vida diária por membros da

ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus cônjuges,

brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos” (LABOV, 2008[1972], p. 13).

Reforçando essa idéia, Tarallo (1986, p. 19) afirma que:

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[a] língua falada é o vernáculo: a enunciação e expressão de fatos, proposições, idéias (o que) sem a preocupação de como enunciá-los. Trata-se, portanto, dos momentos em que o mínimo de atenção é prestado à língua, ao como da enunciação.

Assim, a pesquisa sociolinguística constrói sua base empírica a partir de uma coleta de

dados da língua falada em situações naturais de interação social.

Por outro lado, a Sociolinguística tem como pressuposto fundamental a natureza

variável da língua, que orienta e sustenta a observação, a descrição e a interpretação do

comportamento linguístico, como afirma Alkmim (2001, p. 42). Além disso, propõe-se

estudar os fenômenos variáveis encaixados nas estruturas sociais e linguísticas, buscando

observar se estes constituem uma mudança em curso ou uma variação estável. A primeira

ocorre quando uma variante inovadora se sobrepõe a outra, impondo posteriormente o

desaparecimento desta na comunidade de fala; a segunda acontece quando duas ou mais

variantes se mantêm em concorrência, sem que haja o predomínio de uma sobre a outra.

De acordo com a Sociolinguística Variacionista, a variação linguística constitui

fenômeno universal e pressupõe a existência de formas linguísticas alternativas denominadas

variantes, que são diferentes formas com o mesmo significado, empregadas no mesmo

contexto. O conjunto dessas formas variantes é tecnicamente chamado de variável

dependente, como explicado em Mollica (2004, p. 10-11). A análise do fenômeno da regência

variável dos verbos de movimento, por exemplo, é uma variável dependente, que se realiza

através de cinco variantes24: a, para, em, até, ausência de preposição, esquematizada nos

exemplos (93), (94), (95), (96), (97).

(93) Fomo ao prefeito, o prefeito disse que rapidamente ele ia fazê essa quadra;

(94) ia pa festa mais minha tia;

(95) É, eu fui na cidade uma vez, lá em Botafogo...;

(96) Ela já veio aqui duas veze com esse carro. Veio de São Paulo, foi até Salvadô no

carro;

(97) Em Som Paulo? Eu nunca fui Ø lá, nem tenho intenção. 24 Entretanto, no decorrer da investigação observou-se que as preposições a e até não fazem parte da gramática dessa comunidade, tendo em vista o baixo número de ocorrência, a ser confirmado no item 5.1. Quanto a variante ausência de

preposição não houve ocorrência relacionada ao sintagma preposicional cujo núcleo fosse um SN. Desta forma, como se observará nos resultados da variável dependente estabeleceu-se a análise binária dos dados.

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A variação linguística, segundo Mollica (2004, p. 28), é uma das características

universais das línguas naturais. A face heterogênea imanente da língua é regular, sistemática e

previsível, porque os usos são controlados por variáveis estruturais e sociais. As variáveis das

estruturas linguísticas que atuam sobre o fenômeno variável em foco na análise (a variável

dependente) são chamadas varáveis independentes ou explanatórias. Nesse trabalho,

constituem as variáveis independentes ou explanatórias: a posição do complemento verbal, a

configuração do espaço do complemento circunstancial, a natureza do deslocamento, o grau

de definitude do Nome do SN locativo, a natureza do objeto locativo25.

Nesse caso, a variação é considerada como resultante da influência de um conjunto de

fatores linguísticos – que podem ser de caráter fonético, fonológico, morfológico, sintático e

semântico – e extralinguísticos – tais como, sexo, escolaridade, idade, entre outros. É na

tensão provocada pelas pressões internas e pelas externas que se define o perfil da variação no

sistema linguístico.

A variabilidade é inerente ao sistema linguístico, resultado de um dinamismo presente

em todas as línguas, significando dizer que elas são também heterogêneas. Em um estudo

mais detalhado da variação de qualquer fato linguístico, o investigador averiguará a

implicação de uma regra variável, cujo efeito reflete a ação simultânea de vários fatores. A

esse respeito Guy e Zilles (2007, p.33-34) explicita que “a análise de regra variável é um tipo

de análise multivariada amplamente empregada em estudos de variação lingüística hoje em

dia” e “foi desenvolvida como forma de dar conta da variação governada por regras na

língua” com o propósito de separar, quantificar e testar a significância dos efeitos de fatores

contextuais em uma variável linguística. Cumpre reconhecer que nem todos os fatores da

língua estão sujeitos à variação. Existem regras, denominadas categóricas, que não podem ser

infringidas, sob pena de dificultar a comunicação ou até mesmo impossibilitá-la. É o caso, por

exemplo, do posicionamento do artigo, que antecede ao nome, no sistema linguístico do PB;

qualquer alteração nessa ordem resultaria numa construção agramatical:

(98) *Vento o está forte.

A variação linguística, intrinsecamente presente no sistema linguístico, pode ser

detectada no léxico, na fonologia, na morfologia e na sintaxe do PB, conjuntamente

relacionada à localização geográfica dos falantes e aos aspectos sociais, tais como

25 As variáveis independentes serão melhores explicitadas no capítulo 4 – Análise dos dados.

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escolaridade e formalidade ou informalidade da situação de fala. Por sua vez, Paredes da Silva

(2004, p. 68) e Monteiro (2000, p. 62), fundamentados em Beatriz Lavandera (1978; 1984),

observam a complexidade da análise da variação no nível sintático, quanto à equivalência de

significados, uma vez que as formas alternantes (variantes) podem não ter sempre o mesmo

valor de verdade, invalidando, nesse caso, o conceito de variação. Sugere a autora que se deva

substituir o conceito de regra variável por uma noção de comparabilidade funcional, e, desta

forma, possibilitar uma análise no nível sintático.

Uma abordagem da Sociolinguística Variacionista permite o estudo sob duas

tendências: a variação de natureza linguística e/ou estrutural (interna ao sistema linguístico) e

a variação de natureza extralinguística: (i) diatópica (geográfica), (ii) diastrática

(estratificação social; profissional, classe social), (iii) social (diageracional, diagenérica,

escolaridade) e (iv) estilística (nível de formalidade/informalidade da fala). Ferreira et al.

(1996) explicam que esses termos, com o prefixo dia- (que significa ao longo de, através de),

estabeleceram uma série de compartimentos com o objetivo de delimitar os campos de estudo

da variação.

Toda variação linguística é motivada pelas diferenças entre os falantes, pela

heterogeneidade que a própria língua permite. O português falado no Brasil está repleto de

exemplos que ilustram a variabilidade da língua, característica essa que subjaz a todas as

línguas humanas. Então, questiona-se: por que estudar os fatos linguísticos do Português

Brasileiro (PB) à luz da Sociolinguística? Vários estudiosos ressaltam que nenhum método

será capaz de abarcar, em sua totalidade, a variabilidade da língua, mas devemos sempre

buscar as melhores soluções para um bom desenvolvimento da investigação, como sugere

Brandão (1991, p. 12):

os princípios da geografia lingüística combinados aos da sociolingüística podem ensejar um melhor conhecimento dos mecanismos com que opera uma língua e dos fatores que determinam sua evolução.

Ambas as teorias compreendem a língua como heterogênea, entretanto estudos

anteriores à Sociolinguística têm a concepção de língua como um sistema homogêneo,

uniforme e estático, não levando em consideração que a heterogeneidade e a variação é que

garantem a funcionalidade da língua. De tal sorte, que a Teoria Sociolinguística demonstra ser

necessária para um melhor entendimento acerca do estudo da linguagem, particularmente no

que concerne ao entendimento da mudança linguística.

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4.1.1 A Mudança linguística

Sabe-se que foram os neogramáticos os primeiros a observar a regularidade na mudança

dos sons, postulando como princípios de sua teoria que as leis fonéticas não admitiam

exceções, e a analogia buscava explicar como as mudanças seguiam padrões já existentes na

língua. Segundo Hora (2004, p. 14), os postulados neogramáticos, apesar de muito inovadores

para a época, foram fortemente criticados, principalmente por não admitirem exceções às

mudanças, tendo como base a rigidez da questão da regularidade e o uso contínuo da analogia.

Ainda que tenham sido os neogramáticos os primeiros a verificar a regularidade na

mudança, vale dizer que foi Antoine Meillet o linguista precursor em atribuir à língua o

caráter social, inclusive, antevendo a importância da mudança social como possibilidade de

dar conta da variação linguística (CALVET, 2002, p. 16).

É válido ressaltar que a mudança é uma constante nas línguas humanas, isto é, as

línguas mudam no decorrer do tempo, não são, portanto, realidades estáticas e sua estrutura se

altera numa continuidade histórica. Embora as línguas mudem, elas permanecem organizadas

e continuam a oferecer a seus falantes todas as ferramentas necessárias à comunicação e

circulação de significados, isto porque a mudança se dá de forma lenta e gradual, não

abruptamente, e relativamente regular, em partes da língua e não em seu todo.

Weinreich, Labov e Herzog (2006[1968], p.101-2) instituíram as bases que orientam os

estudos da mudança linguística, no âmbito da Sociolinguística. Segundo esses autores,

devemos considerar cinco problemas a serem resolvidos, na análise da mudança linguística.

São eles:

i) Problema da Restrição (constraints problem): é preciso determinar os fatores que

tornam as mudanças possíveis ou impossíveis, ou seja, relaciona-se aos

condicionamentos linguísticos e extralinguísticos que intervêm na trajetória da

mudança de acordo com o que o sistema permite;

ii) Problema da Transição (transition problem): uma mudança linguística se processa

por estágios discretos ou se faz parte de um continuum. Este problema procura dar

conta de como se produz a variabilidade de uma língua em determinada comunidade,

definindo e analisando o percurso através do qual cada mudança se realiza;

iii) Problema da Encaixamento (embedding problem): como uma mudança em

progresso se adapta ao sistema linguístico e social em que ocorre. A variação e/ou

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mudança não ocorre de forma isolada, portanto uma alteração na estrutura da língua

irá refletir nas demais estruturas;

iv) Problema da Avaliação (evaluation problem): descobrir que atitudes são

despertadas entre os falantes em relação a uma mudança linguística e de que forma

essa atitude influencia no seu desdobramento;

v) Problema da Implementação (actuation problem): explicar o porquê de uma

mudança linguística se implementar em determinado espaço de tempo e lugar e não

em outro.

Ressalta-se que a Sociolinguística analisa o problema do encaixamento em duas partes

complementares: o encaixamento na estrutura linguística e o encaixamento na estrutura social.

Lucchesi (2004a, p.175) traça os seguintes pontos, apresentados por Weinreich, Herzog e

Labov na estrutura linguística:

(i) o sistema lingüístico em que a mudança deve ser encaixada não se situa no indivíduo (i.é. no idioleto), e sim na comunidade de fala; (ii) esse sistema caracteriza-se por sua heterogeneidade estruturada, e é funcionalmente diferenciado dentro da comunidade de fala; (iii) as variáveis intrínsecas a esse sistema definem-se pela covariação com elementos lingüísticos e extralingüísticos; (iv) o processo de mudança lingüística raramente é um movimento de um sistema inteiro a outro, e sim o movimento de um conjunto limitado de variáveis de um sistema que altera gradualmente seus valores modais de um pólo a outro; (v) não obstante, as variantes de cada variável podem ser contínuas ou discretas (as variáveis, contudo, mantêm uma gama contínua de valores que refletem as freqüências observadas na atividade lingüística concreta); (vi) a variação inerente à estrutura lingüística deve ser vista como parte integrante da competência lingüística dos membros da comunidade.

Intimamente relacionado ao problema da avaliação por parte dos falantes, Labov

(2008[1972]) identifica três tipos de julgamento social relacionado às variantes: (i)

indicadores; (ii) marcadores; (iii) estereótipo. Assim definidos:

(i) indicadores (indicators) – traços linguísticos socialmente estratificados, mas não

sujeitos à variação estilística, com pouca força avaliativa;

(ii) marcadores (markers) – traços linguísticos social e estilisticamente estratificados,

que produzem respostas regulares em testes de reação subjetiva. Nem sempre os

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falantes detêm deste tipo de traço plena consciência, apesar de poderem proceder a

uma avaliação a respeito deles, se isso lhes for pedido;

(iii) estereótipos (stereotypes) – traços socialmente marcados de forma explícita na

comunidade de fala, de forma que se torna assunto de comentário socialmente

aberto. Os estereótipos refletem a rejeição da comunidade, ou de um grupo dentro

da comunidade, a uma determinada variante linguística.

A diferença entre esteriótipos, marcadores e indicadores é demonstrada por Lucchesi

(2006a, p. 106), focalizando a variação na concordância verbal no português brasileiro:

Entre os falantes urbanos escolarizados, a ausência de concordância é claramente estigmatizada (excetuando apenas os contextos de posposição do sujeito com verbos inacusativos). Já nas comunidades rurais, o uso da concordância verbal seria apenas um indicador, sendo maior entre os indivíduos com alguma escolarização e que têm mais contato com os padrões lingüísticos adventícios, sem que se perceba uma clara variação estilística. Em alguns segmentos populares, sobretudo nos centros urbanos, pode ocorrer a variação estilística, o que faria da concordância verbal um marcador, mas dificilmente ocorre a avaliação negativa aberta da falta de concordância entre os segmentos populares da sociedade brasileira.

Desta forma, o autor descreve, claramente, o processo pelo qual o fato linguístico da

concordância verbal transita entre os três níveis, a depender dos contextos socioeconômico,

cultural e espacial da comunidade de fala. No tocante a esta pesquisa, a avaliação social feita

pelos falantes a respeito da regência dos verbos de movimento também reflete os diferentes

contextos. Nas localidades do interior da Bahia estudadas, percebe-se que não existe um

estigma com relação ao uso das formas não-padrão (variação entre as preposições em e para),

tendo em vista que a forma padrão (uso da preposição a) possui um percentual muito reduzido

nessas comunidades. No entanto, entre falantes urbanos escolarizados, essa realidade não se

confirma, como ressaltam os estudos de Mollica (1998[1986]), Vallo (2003) e Ribeiro (1996).

Percebe-se que nesse contexto há maior aplicação do programa escolar, influenciando na

escolha das variantes. A rejeição ocorre em relação ao uso da preposição em, particularmente

junto a alguns verbos de movimento, como sentar. Uma frase como “Meninos, venham sentar

na mesa para comer”, sofre restrições, sob a alegação de ter um sentido dúbio, podendo ser

interpretada como “subir em cima da mesa”. Essa rejeição não é tão forte com outros verbos

de movimento como ir, chegar, levar, etc; sendo normalmente aceitas construções como: “ir

no/(pro) shopping”, “cheguei no Rio de Janeiro”, “levei o doente no/(pro) hospital”.

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Outro aspecto importante, estabelecido na metodologia laboviana, a partir de

Weinreich, Labov e Herzog (2006[1968]), que possibilita ao sociolinguista observar as

variações e mudanças linguísticas que estão ocorrendo, é o que se denominou abordagem em

tempo aparente. Examinando comparativamente as falas de grupos etários mais velhos e mais

jovens de uma determinada comunidade, pode-se detectar uma mudança linguística em curso.

Assim, se uma forma tem maior incidência no grupo etário mais jovem e, à medida que nos

dirigimos ao grupo etário mais velho, ela diminui, podemos estar diante de uma mudança em

progresso, com a forma inovadora ganhando terreno na população mais jovem.

Ao lado da análise em tempo aparente temos, ainda, a análise em tempo real, que

consiste em observar a evolução de um fenômeno linguístico em um determinado período de

tempo (curta duração ou longa duração). No caso de um estudo realizado em uma

determinada comunidade de fala, o pesquisador pode tentar reencontrar os mesmos

informantes após um longo período – de 20 ou 30 anos, por exemplo –, se isso, claro, for

possível, ou entrevistar outros na mesma faixa etária e que possuam o mesmo perfil social dos

informantes selecionados anteriormente. Dessa forma, e combinando duas análises diferentes,

podemos observar como a variação se processa em uma determinada comunidade, e mesmo

se uma mudança está em andamento. Embora, a análise em tempo real subdivida-se nos

modelos de estudo de tendência26 e estudo de painel

27, com o objetivo de se obter afirmações

mais seguras sobre o curso dos processos variáveis em uma língua, nenhum deles é

completamente satisfatório em si, como afirmam Paiva e Duarte (2004, p. 189), com base em

Labov (1994).

Algumas dificuldades no estudo da mudança em tempo aparente apresentadas por

Paiva e Duarte (2004, p. 179) são as seguintes: a primeira refere-se à validade da hipótese

clássica acerca da aquisição da linguagem; e a segunda, uma especial atenção para o fato de

que encontrar recorrentemente uma variante linguística na fala de um grupo etário mais jovem

não necessariamente indicará uma mudança em curso. Há a possibilidade de o falante alterar o

seu comportamento no decorrer de sua vida, tendo uma postura linguística na juventude, outra

26 O estudo do tipo “tendência” se baseia na comparação de amostras aleatórias da mesma comunidade de fala,

estratificadas com base nos mesmos parâmetros sociais, em dois momentos do tempo. (...) Essa técnica permite verificar em que medida mudanças na configuração social de um grupo podem se refletir na propagação, estabilização ou recuo de processos de mudança. Portanto o estudo “tendência” focaliza a continuidade/descontinuidade na própria língua, que pode, em graus diferentes, se refletir no comportamento do indivíduo (PAIVA, DUARTE, 2004, p. 188-189).

27 O estudo de “painel” é feito através da comparação entre amostras distintas dessa mesma comunidade e dos mesmos indivíduos em dois pontos separados por um lapso de tempo. Portanto, o estudo “painel” focaliza a continuidade/descontinuidade no comportamento lingüístico do indivíduo sem reflexo no sistema (PAIVA, DUARTE, 2004, p. 189).

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na maturidade e ainda outra na velhice (gradação etária). Desse modo, entende-se que o

estudo vinculando os dados do tempo aparente e os dados do tempo real permitem que se

recomponha o trajeto da mudança de um determinado fenômeno linguístico passo a passo,

evidenciando as características essenciais da mudança linguística.

Enfim, a Teoria da Variação pressupõe que a variabilidade, aparentemente caótica, é

inerente ao sistema linguístico, entretanto para sistematizar a heterogeneidade linguística, é

preciso adotar uma metodologia de observação empírica muito rigorosa.

4.2 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

Nesta seção, com base no instrumental metodológico da Sociolinguística, será feita

uma descrição da constituição da amostra de fala utilizada nesta análise, considerando as

variáveis sociais que a estruturam; o caráter das entrevistas, bem como a digitalização e a

transcrição das mesmas. Em seguida, será apresentada a base de dados, na qual são

organizadas as ocorrências da variável dependente para serem processadas pelo programa

estatístico. E, por fim, será feita uma breve apresentação do suporte empregado no

processamento quantitativo dos dados. Assim, esta seção visa a descrever todas as etapas da

análise apresentada nesta dissertação.

4.2.1 Constituição da amostra de fala

O universo de observação, o português popular do interior da Bahia, é representado

pela amostra de fala vernácula de moradores de pouca ou nenhuma escolaridade dos

municípios de Santo Antônio de Jesus e Poções, pertencente ao Acervo do Projeto Vertentes

do Português Popular do Estado da Bahia28, e denominado corpus do Português Popular do

Interior do Estado da Bahia. Esse corpus é constituído por 48 entrevistas informais, cada uma

com duração média de 60 minutos. Em cada um dos municípios, foram realizadas 24

entrevistas, 12 com moradores da sua cidade sede e 12 da zona rural29. Portanto, cada amostra

28 O Projeto Vertentes é coordenado pelo Prof. Dr. Dante Lucchesi e sediado no Instituto de Letras da

Universidade Federal da Bahia. Para maiores informações, consultar: http://www.vertentes.ufba.br/. 29 A proposição do confronto das localidades Sede vs. Rural parte da hipótese de que os falantes da Sede do

município teriam um comportamento linguístico mais próximo do padrão, devido ao crescente processo de difusão linguística dos grandes centros urbanos, que afetaria primeiramente os falantes dos centros urbanos do interior antes de alcançar a zona rural. E desta forma, tentar-se-ia delinear a realidade linguística do português popular no interior do estado, a partir da comparação da fala observada na zona rural com a da sede do município.

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94

é composta por seis células, consequência do cruzamento de três valores da variável idade

com os dois valores da variável sexo, constando dois informantes em cada célula,

constituindo, assim, um total de 12 informantes, que foram escolhidos aleatoriamente entre os

membros da comunidade.

Assim, verifica-se a estratificação dos corpora, de acordo os quadros abaixo:

CORPUS BASE DA SEDE DO MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS

FAIXA I FAIXA II FAIXA III INF. 01 – M – 22a – S – N INF. 05 – M – 44a – A – N INF. 09 – M – 81a – A – N

INF. 02 – F – 23a – S – N INF. 06 – F – 47a – S – E INF. 10 – F – 78a – A– E

INF. 03 – M – 25a – S – E INF. 07 – M – 51a – S – N INF. 11 – M – 76a – S – E

INF. 04 – F – 30a – S – N INF. 08 – F – 45a – S – E INF. 12 – F – 62a – S – E

Quadro 04 - Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Santo Antônio de Jesus

CORPUS BASE RURAL DO MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS

FAIXA I FAIXA II FAIXA III

INF. 01 – M – 34a – S – E INF. 05 – M – 51a – S – E INF. 09 – M – 87a – A – N

INF. 02 – F – 26a – S – N INF. 06 – F – 53a – A – E INF. 10 – F – 75a – A – N

INF. 03 – M – 23a – S – N INF. 07 – M – 51a – A – N INF. 11 – M – 74a – A – N

INF. 04 – F – 32a – S – E INF. 08 – F – 57a – S – N INF. 12 – F –76a – A – N

Quadro 05 - Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Santo Antônio de Jesus

CORPUS BASE DA SEDE DO MUNICÍPIO DE POÇÕES

FAIXA I FAIXAII FAIXAIII

INF 01 – M – 25a – S – N INF 05 – M – 45a – S – N INF 09 – M – 66a– S – E

INF 02 – M- 31a – S – E INF 06 – M – 51a – S – E INF 10 – M – 64 – S – E

INF 03 – F – 35a – S – E INF 07 – F – 51a – S – E INF 11– F – 84a – A – E

INF 04 – F – 29a – S – E INF 08 – F – 56a– A – E INF 12 – F – 66a – A – N

Quadro 06 - Estratificação do Corpus Base da Sede do Município de Poções

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CORPUS BASE RURAL DO MUNICÍPIO DE POÇÕES

FAIXA I FAIXAII FAIXAIII

INF 01 – M – 25a – S – N INF 05 – M – 46a – S – N INF 09 – M – 65a – A – N

INF 02 – M – 28a – A – E INF 06 – M – 52a – A – E INF 10 – M – 71a – A – E

INF 03 – F – 20a – S – E INF 07 – F – 55a – A – E INF 11 – F – 76a – A – N

INF 04 – F – 26a – S – E INF 08 – F – 50a – A – N INF 12 – F – 70a – A – N

Quadro 07 - Estratificação do Corpus Base Rural do Município de Poções

LEGENDA: F (sexo feminino); M (sexo masculino); 28a (28 anos de idade); S (semi-analfabeto); A (analfabeto); E (viveu fora da comunidade por pelo menos seis meses); N (não viveu fora da comunidade).

Com base nos dados dos quadros acima dos corpora do Português Popular do Interior

da Bahia, vale dizer que os critérios selecionados buscaram refletir a heterogeneidade comum

a qualquer comunidade. E consoante Mollica (2004, p. 29), “numa sociedade tão complexa

como a constituída pelos falantes do PB, podemos pensar em inúmeros indicadores sociais,

seja de exclusão e inclusão, seja de estabilidade e mobilidade social”, os quais serão melhores

explicitados na próxima seção.

4.2.1.1 A estrutura da amostra: as variáveis sociais

As dimensões sociais dessa amostra de fala definem-se através de dois vieses

interpretativos: as variáveis estratificadas e as variáveis controladas. No caso das variáveis

estratificadas, estas interferem diretamente na composição da amostra, sobretudo, no seu

tamanho, pois quanto maior for o número de variáveis sociais estratificadas maior será o

tamanho da amostra. No entanto, as variáveis sociais de controle servem, apenas, como mais

um fator de controle para verificar a influência que cada uma dessas variáveis exerce sobre as

variantes do fenômeno analisado. Como variáveis estratificadas foram consideradas apenas as

variáveis idade e sexo dos informantes. Quanto à faixa etária dos informantes, a amostra foi

dividida em três faixas de idade, conforme o recorte abaixo:

(i) Faixa 1 – entre 25 a 35 anos;

(ii) Faixa 2 – entre 45 a 55 anos;

(iii) Faixa 3 – mais de 65 anos.

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No que se refere ao intervalo entre as faixas etárias, Lucchesi (2000) fundamentado

em Labov (2008[1972]), infere que esse intervalo corresponde ao lapso de uma geração

dentro dos padrões de uma comunidade rural brasileira. E que tal distinção foi feita com o

intuito de se observarem os possíveis processos de mudança em curso no chamado tempo

aparente. Assim sendo, a partir dos resultados de análise dessa variável, podem-se detectar,

segundo Tarallo (1986, p.63), duas direções distintas: (i) a estabilidade das adversárias; (ii) a

mudança em progresso.

Nesse sentido, Lucchesi e Araújo,30 fundamentados em Chambers e Trudgill (1980, p.

91-3), afirmam que:

No que concerne à faixa etária, a variação estável se caracteriza por um padrão curvilinear, no qual as faixas intermediárias apresentariam a maior freqüência de uso das formas de prestígio; já na mudança em progresso, a distribuição seria inclinada, com os mais jovens apresentando a maior freqüência de uso das formas inovadoras.

Quanto à variável sexo, os informantes foram escolhidos aleatoriamente, de acordo

com um perfil previamente estabelecido: dois homens e duas mulheres por faixa etária. De

maneira geral, alguns estudos apresentam as mulheres como mais sensíveis ao uso das formas

de prestígio, de maneira que tendem a liderar o processo de mudança quando se trata de

implementar na língua uma forma considerada prestigiada. De modo inverso, os resultados

sobre o comportamento linguístico do sexo masculino apontam para uma implementação de

uma forma desprestigiada. (PAIVA, 1992, p. 71; MONTEIRO, 2000, p. 72; CHAMBERS e

TRUDGILL, 1980, p. 97-8)

Observa-se, ainda, segundo Paiva (2004, p. 37), que na análise dessa variável sexo,

quando examinada separadamente dos demais fatores condicionantes, pode-se obter um

resultado camuflado. Homens e mulheres desempenham papéis sociais importantes, sendo o

sexo feminino alvo constante de pressões sociais normativizadoras, e desta forma empregam

menos as variantes estigmatizadas do que os homens. Contudo, a respeito de generalizações

acerca dessa variável, Lucchesi (2004a, p. 192) questiona o papel do sexo feminino no

processo de mudança, a saber:

Esse papel é determinado pelas disposições culturais e ideológicas que caracterizam aquela sociedade específica num determinado momento histórico.

30 cf. http://www.vertentes.ufba.br/socio.htm.

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[...] Portanto, o papel da mulher só pode de fato ser considerado dentro de cada realidade sociocultural específica e para cada caso particular de mudança. Qualquer generalização sobre o papel da mulher na mudança lingüística em geral é extremamente perigosa para o entendimento da questão como processo histórico.

Além das variáveis estratificadas acima mencionadas, as variáveis nível de

escolaridade e estada fora da comunidade também compõem as variáveis controladas na

análise.

A variável nível de escolaridade encontra-se subdividida em dois fatores: analfabeto e

semi-analfabeto. A partir dessa variável pretende-se verificar como a educação formal

influencia na escolha das variantes do fenômeno da regência variável dos verbos de

movimento.

A partir da variável estada fora da comunidade pretende-se aferir a influência dos

centros urbanos na fala daqueles que já saíram de sua comunidade. Desse modo, a divisão

dessa variável efetuou-se entre aqueles que passaram pelo menos seis meses fora da

comunidade e aqueles que nunca saíram da localidade ou que só se ausentaram por curtos

períodos.

4.2.2 Caracterização das entrevistas

As entrevistas que compõem os corpora foram realizadas por pesquisadores

colaboradores e bolsistas, os quais seguiram, com rigor, as orientações metodológicas da

Sociolinguística, a fim de se ter uma recolha confiável dos dados do trabalho de campo. Para

se obter tais informações, Labov (2008[1972], p. 239) afirma que a melhor maneira seria “o

linguista se engajar numa conversa normal com o informante e ser capaz de elicitar o uso

natural de cada forma sem usá-la ele mesmo”. Mas como executar tal tarefa quando o

entrevistador é um desconhecido para a comunidade de fala?

A partir da leitura do Guia para realização das entrevistas, desenvolvido por Dante

Lucchesi, Coordenador do Projeto Vertentes, e da literatura sobre tema, sabe-se que antes de

enveredar para a busca de informantes, deve-se traçar o perfil da amostra, bem como conhecer

alguém que exerça uma liderança na comunidade de fala para a intermediação entre o

entrevistado e o entrevistador. Além disso, algumas precauções devem ser observadas, como

por exemplo:

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98

(i) nunca revelar aos informantes potenciais o objetivo da pesquisa;

(ii) investigar previamente a comunidade de fala, em busca da história local e dos

costumes da comunidade;

(iii) intervir minimamente no discurso dos informantes, e os assuntos norteadores

devem ser sugeridos através de comentários e perguntas indiretas, adaptando-as

para a realidade local;

(iv) conduzir a entrevista sempre acompanhado, preferencialmente, de um membro

da comunidade, contratado previamente para esse fim;

(v) evocar conversas espontâneas de conhecimento do falante, inspirado nas

narrativas de experiência pessoal, sobretudo, explorando as situações em que o

informante se mostre mais emocionalmente envolvido (mantendo o bom senso);

(vi) utilizar recursos tecnológicos modernos nas gravações, com o propósito de

vencer as adversidades dos locais e/ou situações que serão enfrentadas, a

exemplo de barulhos indesejados, bem como observar posicionamento dos

microfones para melhor captação do áudio;

(vii) vencer a inibição da fala do informante, quando na presença do gravador.

Todos esses procedimentos visam a enfrentar o já clássico paradoxo do observador.

Como conseguir narrativas espontâneas dos informantes como se não tivessem sendo

observados, se só é possível obter tais dados por meio de uma observação sistemática por

parte do pesquisador. Segundo Labov (2008[1972], p. 244), para superar o paradoxo é preciso

“romper os constrangimentos da situação de entrevista com vários procedimentos que

desviem a atenção do falante e permitam que o vernáculo emerja”. O fato é que para se

observar como a língua é usada se faz necessário penetrar na comunidade de fala.

Seguindo esses procedimentos, as entrevistas do banco de dados do Projeto Vertentes

foram feitas com um gravador digital discreto, e depois armazenadas e transcritas obedecendo

a uma chave de transcrição elaborada especificamente para esse fim e descrita a seguir.

4.2.2.1 Digitalização e Transcrição das entrevistas

Depois de gravados os dados, a etapa seguinte consiste na digitalização do áudio das

entrevistas, em que, modernamente, o linguista tem o auxílio dos recursos tecnológicos.

Comentam Lucchesi e Freitas (cf. http://www.vertentes.ufba.br/ recursos.htm) que

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99

A utilização de recursos informatizados usados para a digitalização do áudio da entrevista visa a eliminar alguns ruídos, tornando a entrevista mais inteligível. Além disso, o armazenamento dos Acervos de Fala do Projeto Vertentes em ambiente digital é mais um recurso disponível para garantir a preservação desse material, que constitui um registro importante do universo cultural e lingüístico do Estado da Bahia.

Deve-se notar que o processo de digitalização integrado às novas tecnologias, além de

melhorar o áudio das entrevistas, garante a preservação do acervo através de cópias em CD-

ROM, gravações nos discos rígidos dos computadores do Projeto, bem como material

impresso das transcrições dessas entrevistas para consulta por pesquisadores que manifestem

interesse por esse material.

Passada a etapa da digitalização, a seguinte consiste em transcrever as entrevistas, que

também são chamadas inquéritos. A transcrição objetiva transpor, com fidelidade, o discurso

falado para registros gráficos mais permanentes, e, segundo Paiva (2004), a necessidade

decorre do fato de que não conseguirmos estudar o oral através do próprio oral.

Os projetos de pesquisa de base teórica sociolinguística, a exemplo da Amostra

CENSO, NURC31, PEUL, VARSUL32, VALPB33, entre outros, fazem uso de um conjunto de

notações de acordo com as suas necessidades de análises. No Projeto Vertentes, optou-se pela

transcrição ortográfica, tendo em vista que, em linhas gerais, teríamos a possibilidade de uma

melhor visualização do texto, e desta forma, seriam atenuadas as constantes volta ao registro

de áudio. O coordenador do Projeto, com a colaboração de outros membros, elaborou uma

chave de transcrição específica para o português popular.

Do ponto de vista metodológico, à transcrição dos dados linguísticos subjaz um

sistema de convenções que pressupõe o estabelecimento de critérios gerais do que deve ser

registrado e do que não deve ser registrado. Uma visão geral do sistema de transcrição

adotado no Projeto Vertentes pode ser encontrada em: http://www.vertentes.ufba.br/

chave.htm. De qualquer forma, como lembra Paiva, não existe transcrição de dados perfeita e

incontestável, tendo em vista que qualquer notação gráfica do oral é descontínua e

dissociativa.

31 Os projetos NURC (Norma Urbana Culta) e PEUL (Programa de Estudos sobre os usos da Língua) adotaram

como ponto de referência o sistema de transcrição ortográfico (PAIVA, 2004). 32 O projeto VARSUL (Variação lingüística urbana da Região Sul) adotou o sistema de transcrição trilinear

(PAIVA, 2004). 33 O projeto VALPB (Variação Lingüística no Estado da Paraíba) adotou o sistema de transcrição multilinear

(VALLO, 2003 ).

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100

4.2.3 A base de dados

A base de dados é uma compilação de informações organizadas, formada por cadeias

de codificação, agregando as variáveis dependentes, linguísticas e sociais, de forma a facilitar

ao pesquisador o rápido e eficiente processamento das ocorrências do fenômeno variável que

se investiga. Tomando por base a fundamentação teórica da Sociolinguísta Quantitativa, esta

investigação seguiu rigorosamente a metodologia prescrita por essa teoria para composição da

base de dados, cumprindo as seguintes etapas: a constituição da amostra da comunidade de

fala, a realização das entrevistas dos informantes, a digitalização e a transcrição dos

inquéritos, bem como o levantamento dos dados, a partir da delimitação da variável

dependente abaixo especificada, com a finalidade de isolarmos os contextos que interessam à

etapa de codificação, para em seguida, seguir-se a etapa de processamento e quantificação dos

dados pelos programas do pacote VARBRUL.

O critério utilizado para levantamento das ocorrências está fundamentado no conceito

de variantes linguísticas – maneiras diferentes de se dizer a mesma coisa em um mesmo

contexto e com o mesmo valor de verdade. A descrição das variantes linguísticas procura

mostrar as variantes que alteram na formação da regência dos verbos de movimento.

Na codificação dos dados, levaram-se em consideração as seguintes variáveis

linguísticas independentes34: o tipo verbo de movimento (ir, chegar, levar, vir, voltar, etc.); a

posição do complemento verbal (presença ou não de elemento interveniente entre o verbo e a

preposição); a configuração do espaço do complemento circunstancial (presença ou ausência

do traço semântico [+ fechado]); a natureza do deslocamento [+- fechado]; o grau de

definitude do SN locativo (se genérico, definido ou indefinido); a natureza do objeto locativo

(se SN ou advérbio); o gênero do SN locativo (se masculino ou feminino). Também foram

usadas as variáveis sociais, a saber: faixa etária, sexo, comunidade de fala; estada ou não fora

da comunidade por mais de 6 meses, nível de escolaridade e local de moradia do informante,

se na zona rural ou na sede do município.

Entretanto, antes da codificação propriamente dita, definida como a preparação dos

dados para processamento do programa estatístico através da cadeia de codificação, foi feita

mais uma audição dos dados levantados, para se ter a certeza de que a ocorrência em questão

foi pronunciada exatamente da mesma forma como estava transcrita, afinal erros recorrentes

nessa etapa podem comprometer o resultado final da pesquisa.

34 Essas variáveis serão amplamente discutidas no capítulo da Análise dos dados.

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101

Prosseguindo com os pressupostos metodológicos, é feita, na próxima subseção, a

descrição da variável dependente.

4.2.3.1 Caracterização da variável dependente

A variável dependente deve ser definida como o conjunto de variantes e, como o

próprio nome propõe, depende de determinados contextos para ocorrer, sejam eles do tipo

linguístico ou extralinguístico. Na fala do Português Brasileiro, o emprego da regência do

verbo de movimento vem se mostrando bastante variável, realizando-se através de quatro

variantes numa relação de concorrência (definindo-se como um grupo enário), conforme se

constata nas ocorrências abaixo, extraídos do Corpus Português Popular do Interior da Bahia:

Preposição a

(99) Pra quem gosta de ir a... a baile, forró. Já eu, que num sô muito chêgado a esse

negoço de ir pra baile, esse negoço, eu fico mais em casa assim, (POR-inq2)

(100) Fomo ao prefeito, o prefeito disse que rapidamente ele ia fazê essa quadra,

rapidamente, num ia demorá nada. (POR-inq1)

Preposição para

(101) São Paulo, eu gosto de São Paulo. Esse ano mesmo eu ia pa São Paulo, agora

mesmo eu ia pa São Paulo, mas num deu certo, eu num fui. (POR-inq7)

(102) Nós veio pa... nós veio aqui pra rua em 1947, nós veio aqui pra Morrinhos.

(POR-inq10)

Preposição em

(103) E era muitcho bom aqui; divertia muncho, dançava muitcho, ia ni festa assim...

(POR-inq11)

(104) Se eu dissé, eu num vô levá ele no médico hoje né.... (SAR-inq02)

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Preposição até

(105) Ela já veio aqui duas veze com esse carro. Veio de São Paulo, foi até Salvadô

no carro (POR-inq6)

(106) Já, e tamém teve uma... eu já ouvi falá na torre de Babel, inclusive teve até um

filme eu já assisti esse filme que o homem construiu essa torre, que queria chegá

até o céu (SAR-inq03)

Ressalta-se que no levantamento das ocorrências foram também consideradas as

formas contractas das preposições analisadas; no caso da preposição em: no, naquele, na,

numa, neste, etc.; e no caso da preposição para: pra, pa, pro, po, prum, etc.

4.2.3.2 Ocorrências descartadas

Na etapa de levantamento dos dados, estabeleceram-se alguns critérios linguísticos

com a finalidade de garantir a homogeneidade do corpus – foram levantados apenas verbos

essencialmente de movimento, seguidos de complemento locativo. Desta forma, as

ocorrências abaixo não foram consideradas na análise, algumas formas por serem casos

duvidosos da variável dependente, outros por baixa frequência da variante, outros ainda por

merecerem estudos à parte ou por não atenderem ao propósito do presente trabalho, ficando

excluídos os seguintes casos:

a) Ocorrências que contêm frases feitas, que, segundo Houaiss et al. (2001), são frases ou

expressões cristalizadas, cujo sentido geralmente não é literal; uma expressão idiomática,

como visto no exemplo (107).

(107) eu lutei, trabalhei, não abaxei a cabeça, ergui a cabeça e fui à luta e ‘tô aqui,

venci e ‘tô aqui até hoje, graças a Deus. (POS – inq. 4)

b) Ocorrências do verbo ir empregado na posição de auxiliar como no exemplo (108):

(108) ... quando comecei namorá, eu saía escondida, ia namorá nas rua, aí mainha

não dêxava eu ir namorá, eu ficava com raiva (POR-inq03)

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103

Cunha e Cintra (1985, p.375) denominam auxiliares os verbos que, desprovidos total

ou parcialmente da acepção própria, se juntam às formas nominais de um verbo principal,

constituindo com elas locuções que apresentam matizes significativos especiais. Neste caso, o

verbo auxiliar ir apresenta um esvaziamento da carga semântica de movimento juntando-se ao

verbo principal namorar.

c) Ocorrências do verbo de movimento no sentido de movimento no decorrer do tempo, como

nos exemplos (109) e (110):

(109) Isso era ni feverêro, olha e já tá in... já tá ino pra março. Entendeu? (POR-inq01)

(110) Aí ele foi na quinta, teve que pintá, na sexta teve aula (POR-inq01)

A explicação para tal trajetória fundamenta-se nos estudos da gramaticalização,

esboçado inicialmente por John Lyons (1991) apud Castilho (1997), em que tudo partiria do

aqui e agora, definindo o cline da seguinte forma: espaço > tempo. Ou seja, expressões

locativas [+concreto] se tornariam expressões temporais [-concreto]. Posteriormente, outros

clines foram formados, Heine et al. (1991), acrescentando outro elemento ao contínuo da

gramaticalização, o texto. Após a reanálise do cline, este passou a ser descrito da seguinte

forma: espaço> (tempo) > texto. Não obstante, uma outra escala foi proposta por Heine et. al

(1991) após reanálise e ampliaram o cline: pessoa > objeto> atividade > espaço > tempo >

qualidade; sabe-se, entretanto, que uma palavra não precisa passar todos os esses estágios.

d) Ocorrências dos Verbos de movimento isolados, sem o complemento circunstancial:

(111) DOC: E me fale um pôco, assim, sobre a sua frequência na sala de aula. Foi muito à

escola? INF: Fui não, quase eu num ia não. Quande eu ia tamém, estudava à tarde, cochilava

mais do que estudava.

Portanto, as ocorrências foram eliciadas na amostra de fala vernácula analisada, com

base nesses parâmetros. Após a sua codificação, com base nas variáveis explanatórias

previamente definidas, essa base de dados foi processada, utilizando um suporte para a análise

quantitativa dos dados, o Pacote de Programas VARBRUL, que será descrito a seguir.

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104

4.2.4. Suporte quantitativo

A Sociolinguística Quantitativa, segundo Tarallo (1996, p. 8), recebeu essa

denominação por operar com números e submeter os dados a tratamentos estatísticos.

Convém salientar que nem todos os programas computacionais estatísticos são totalmente

adequados para as necessidades do sociolinguista,35 tendo em vista que alguns programas não

permitem inferir plenamente a significância dos efeitos das variáveis independentes sobre a

ocorrência das realizações da variável dependente. Nesta pesquisa, cabe aos programas do

pacote VARBRUL36 executar essa tarefa, sobretudo, por ser uma ferramenta capaz medir o

efeito conjunto dos diversos fatores das variáveis independentes. Estes programas são assim

definidos por Guy e Zilles (2007, p. 105):

Varbrul é um conjunto de programas computacionais de análise multivariada, especificamente estruturado para acomodar dados, de variação sociolingüística. (...) o uso do Varbrul facilita a construção de um modelo quantificado dos processos lingüísticos que controlam e produzem os padrões reguladores da variação sociolingüística.

Para a análise, os dados são processados pelo VARBRUL obedecendo às funções

básicas de cada programa abaixo, sinalizado por Scherre e Naro (2004, p. 159)37:

1) preparar os dados para serem submetidos a análise diversas (Checktok e Readtok);

2) produzir resultados percentuais os mais diversos (...) incluindo a preparação dos dados para a análise de pesos relativos (Makecell e Make3000);

3) projetar os pesos reativos para análise binária (Ivarb ou Varb2000), ternária (Tvarb) e eneária (Mvarb);

4) efetuar tabulação cruzada de duas variáveis independentes previamente estabelecidas (Crosstab ou Cross3000);

5) efetuar pesquisa de dados pelas cadeias de codificação (Tsort) ou pelos contextos explicitados nos arquivos de dados (Textsort), seja para a conferência de dados, seja para a criação de novos arquivos de dados.

Passadas as etapas dos cálculos, efetuados nos programas logísticos, prossegue-se na

explicação do fenômeno linguístico, afinal o que se objetiva de um estudo quantitativo não é

produzir números, e sim utilizar-se desses valores estatísticos projetados, interpretando-os

35 Como por exemplo o programa SPSS (cf. GUY e ZILLES, 2007, p. 106) 36 VARBRUL – do inglês variable rules –, criado por David Sankoff (cf. Sankoff, 1988 e Pintzuk, 1988) 37 Uma análise mais detalhada do funcionamento do VARBRUL pode ser encontrada em Scherre (1998).

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105

corretamente a fim de que se possa inferir a significância dos efeitos dos fatores

condicionantes em uma variável linguística, atestando, refutando ou reformulando hipóteses, a

partir do resultado final das variáveis explanatórias mensurado em peso relativo, cujo valor de

referência é feito dentro de uma escala de 0 a 99. Desta forma, podem-se fazer três possíveis

leituras do efeito do peso relativo em relação à aplicação da regra em estudo: um ponto

neutro, que se encontraria em valores próximos a .50; ação favorecedora, relacionada a todo

resultado cujo peso for acima do ponto neutro; e ação desfavorecedora, para resultados que

sejam abaixo desse valor.

Esclarece Lucchesi que, para uma leitura mais acurada, deve-se tomar o peso relativo

de cada fator relativamente aos pesos dos demais fatores do mesmo grupo. Seguramente, esta

é a maneira determinada para depreensão dos dados. Adverte Naro (2004, p. 19) que as

frequências brutas podem ser falaciosas, porque seu cálculo não leva em conta as inter-

relações existentes entre as categorias que atuam numa regra variável. Assim, para uma maior

confiabilidade dos resultados, Lucchesi (2000, p. 148) adverte que:

Os resultados finais também devem estar dentro da margem de segurança definida pelo nível de significância (o que lhes confere confiabilidade estatística). Ou seja, o nível de segurança dos resultados finais, bem como dos resultados de cada variável independente no momento da sua seleção, deve ser igual ou inferior a .05.

É conveniente salientar que mesmo as variáveis explanatórias que não sejam

selecionadas como estatisticamente relevantes pelo Varbrul, conforme afirmam Scherre e

Naro (2004, p. 166), podem e devem ser usados como indicadores, para conjecturas, sem,

entretanto, haver nenhum valor estatisticamente significativo. Além do mais, cumpre aos

linguistas a interpretação das rodadas dos dados, fazendo a leitura aprofundada dos grupos de

fatores selecionados pelo step-up e os eliminados pelo step-down, a amalgamações de fatores

dentro de uma mesma variável com peso relativo próximos, a eliminação dos nocautes

(quando necessários), o cruzamento de variáveis, etc. Porque, na realidade, segundo Naro

(2004, p. 25), “o progresso da ciência lingüística não está nos números em si, mas no que a

análise dos números pode trazer para o nosso entendimento das línguas humanas.”

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106

5 ANÁLISES DOS DADOS

Neste capítulo, serão apresentados os resultados da análise variacionista do uso de

preposições junto aos verbos de movimento em 48 inquéritos do corpus do português popular

do interior do Estado da Bahia analisado nesta pesquisa (cf. Capítulo 4). Depreendeu-se do

corpus um total de 1.428 ocorrências de verbos de movimento com complementos locativos

referidos através de um SN, de acordo os exemplos (112) e (113):

(112) O homem foi pra casa ontem.

(113) Ah, por que que cê num vai na igreja?

A regência desses complementos locativos, no corpus analisado, ocorre com as

seguintes preposições: para, em, a e até. Assim, a variável dependente foi estruturada,

inicialmente, com base nessas quatro variantes. A frequência geral dessas variantes será

apresentada na seção 5.1, que contêm também uma comparação com os resultados de análises

variacionistas do fenômeno em outras variedades do português brasileiro.

Na seção seguinte (5.2), serão analisados os resultados quantitativos das variáveis

linguísticas selecionadas pelo VARBRUL como estatisticamente relevantes. Essas variáveis

linguísticas selecionadas foram: o tipo verbo de movimento; a presença ou ausência do

material interveniente entre o verbo e o complemento locativo; e a natureza do deslocamento.

E, por fim, na seção 5.3, serão analisados os resultados das variáveis sociais selecionadas: a

faixa etária, o sexo do falante e a comunidade de fala. Assim, observa-se uma atuação paralela

das variáveis linguísticas e sociais em relação ao fato linguístico em estudo, implicando a

seleção de três fatores internos da língua e três fatores externos (extralinguísticos).

Os fatores descartados pelo pacote de programas de regras variáveis VARBRUL como

possíveis favorecedores do fenômeno estudado, por ordem de eliminação, foram: a estada fora

da comunidade; a configuração do espaço (complemento circunstancial); a escolaridade; a

localização da comunidade; e o grau de definitude e o gênero do núcleo nominal do

complemento locativo.

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107

5.1 RESULTADO GERAL DA VARIÁVEL DEPENDENTE

A variável dependente em foco nesta análise, a regência dos verbos de movimento, foi

estruturada em quatro valores, a saber: preposição a, para, em e até. A tabela a seguir

apresenta, em ordem decrescente, o resultado geral de cada uma das variantes definidas.

Tabela 07 – Frequência de uso das preposições selecionadas pelos verbos de movimento no português popular do interior do estado da Bahia.

Preposição Nº de ocor./TOTAL Frequência

para 834/1428 58,4%

em 575/1428 40,2%

a 14/1428 1%

até 05/1428 0,4%

A Tabela 07 demonstra um predomínio da preposição para, com quase sessenta por

cento do total de ocorrências, seguida da preposição em, com praticamente quarenta por cento

do total de ocorrências. Dessa forma, evidencia-se que, no português popular do interior do

Estado da Bahia, o uso da preposição até e da regência padrão com a preposição a são

extremamente marginais. Seria interessante cotejar esse cenário com o revelado por outros

estudos variacionistas sobre o tema feitos em outras variedades do português brasileiro.

5.1.1 A regência dos verbos de movimento em algumas variedades do português

brasileiro

Nesta seção, serão comparados os resultados de análises sociolinguísticas da regência

de verbos de movimento na fala de indivíduos urbanos, com nível fundamental e médio de

escolaridade, por um lado, e na fala de indivíduos com baixa ou nenhuma escolaridade do

interior do país, por outro.

No primeiro caso, o trabalho de Vallo (2002), cuja análise fixou-se no corpus VALPB,

constituído na cidade de João Pessoa, com falantes de um a doze anos de escolaridade,

verificou que o número de ocorrência da preposição em está em equilíbrio com o da

preposição a, 15% e 13% respectivamente. A preposição para, por sua vez, apresentou uma

alta frequência de realização, 72%. Já a análise de Wiedemer (2007) sobre a variação na

regência dos verbos de movimento no corpus do VARSUL, com falantes da região sul do país

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108

também com um a doze anos de escolaridade, revela igualmente uma baixa frequência da

regência padrão, com as seguintes frequências para cada preposição: para (45%) > em (40%)

> a (15%). Fazendo a distinção entre as cidades investigadas por Wiedemer, verifica-se,

ainda, uma baixa frequência da preposição a, de acordo com a distribuição a seguir:

Florianópolis: para (44%) > em (39%) > a (17%); Blumenau: para (48%) > em (33%) > a

(19%); Chapecó: em (46%) > para (44%) > a (10%).

Por outro lado, a análise de Assis (2007), cujo corpus é uma fração do português afro-

brasileiro do Projeto Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia (cf. Capítulo 3),

reunindo as amostras de fala das comunidades rurais afro-brasileiras isoladas de Helvécia e de

Cinzento, constatou a presença majoritária da preposição em, com frequência de 54%. Nessa

variedade rural do português brasileiro, a preposição para se mostra a segunda estratégia mais

utilizada, com percentual de 42%. Já as preposições a e até não apresentaram emprego

relevante: a preposição a com dois por cento do total de ocorrências, e a preposição até com

apenas um por cento.

Dessa forma, pode-se constatar, em primeiro lugar, que, no uso concreto dos

brasileiros, o emprego da regência padrão com preposição a é bastante reduzido, não

atingindo um quinto do uso geral. Nota-se basicamente uma alternância entre as preposições

para e em, sendo que a escolha do falante entre as duas seria definida por fatores linguísticos,

tais como a natureza do movimento (definitivo ou temporário), e por fatores sociais, já que

haveria uma avaliação social mais negativa em relação ao emprego da preposição em. Esses

parâmetros podem orientar a análise do panorama sociolinguístico brasileiro em relação a esse

aspecto da gramática.

No universo aqui analisado, nota-se, inicialmente, uma clivagem entre os falantes com

nível fundamental e médio dos centros urbanos, o que pode ser definido aqui como norma

urbana semi-culta, por um lado, e, por outro lado, os falantes do interior do país com pouca ou

nenhuma escolaridade, o que pode ser definido aqui como norma popular rural do português

brasileiro. No primeiro caso, observa-se um predomínio maior ou menor da preposição para

em relação à preposição em. Além disso, o uso da regência padrão, apesar de minoritário, não

é desprezível, ficando sempre na faixa de dez a vinte por cento do total de ocorrências. Pode-

se inferir daí que esse percentual de uso da regência prescrita pela tradição gramatical decorre

da influência da escolarização sobre esse segmento social.

Em contraposição, na norma popular rural, o uso da regência padrão está praticamente

ausente, mal chegando ao patamar de dois por cento do total de ocorrências. Dessa forma,

pode-se inferir que a influência da escola, nesse segmento social, seria desprezível, no que

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109

concerne a esse aspecto da gramática. Por outra parte, observa-se uma diferença significativa

no interior dessa norma social. Enquanto o português popular dos municípios de pequeno

porte do interior se aproxima do uso urbano, com o predomínio da preposição para sobre a

preposição em; na fala de comunidades rurais afro-brasileiras isoladas (algumas delas

oriundas de antigos quilombos), predomina o uso da preposição em, exatamente sobre a qual

recai o mais forte estigma social. Esse cenário pode apontar para uma relação histórica entre o

uso da preposição em com mudanças induzidas pelo contato entre línguas.

Com base nesse raciocínio, a análise que se fará aqui, parte da hipótese de que, nas

variedades populares do interior do país, teria predominado no passado o uso de uma única

preposição locativa multifuncional, a preposição em. Dessa forma, o uso da preposição para

estaria se implementando nesse universo pela influência externa proveniente dos grandes

centros urbanos. Já o uso da preposição a, difundido pelo sistema de educação formal, não

teria alcançado ainda esse universo social.

Essa hipótese, bem como o cotejo com outras variedades do português brasileiro, será

retomada na análise das variáveis sociais, na seção 5.3 deste capítulo.

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110

5.2 AS VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS

Considerando o baixíssimo número de ocorrências das preposições a e até no corpus

analisado (já que juntas não chegam a dois por cento do total de ocorrências), esta análise

variacionista assumiu que essas variantes não fazem parte da gramática do segmento social

aqui analisado, o português popular de municípios de pequeno porte do interior do Estado da

Bahia. Assim, para a análise quantitativa dos dados, a variável dependente foi estruturada em

termos binários, considerando apenas as ocorrências com as preposições para e em. Foram

também excluídas as ocorrências junto a alguns verbos de movimento que apresentaram uma

frequência muito baixa no corpus analisado, tais como: voltar, correr, carregar, retornar,

descer, subir e andar.38

Com o descarte das ocorrências das preposições a e até, a base de dados passou a

contar com 1.356 ocorrências, sendo 787 da preposição para, o que corresponde a 58% do

total, e 569 para a preposição em, o que corresponde a 42% do total. Segue abaixo a

representação gráfica dos resultados:

58%

42%

EM

PARA

Gráfico 01- Distribuição das preposições para e em no português popular do interior do estado da Bahia

Dessa forma, a análise quantitativa objetivou revelar quais os condicionamentos

interferiam na escolha dos falantes sobre essas duas preposições. No plano do encaixamento

na estrutura linguística, o pacote de programas VARBRUL selecionou como estatisticamente

relevantes as seguintes variáveis: verbo de movimento, posição do complemento verbal e

natureza do deslocamento. A análise dos resultados quantitativos de cada uma dessas três

variáveis linguísticas explanatórias será apresentada nas subseções a seguir.

38 Trata-se aqui de uma frequência baixa, não de uso desses verbos, mas de seu emprego com um complemento

locativo realizado.

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111

5.2.1 A variável verbo de movimento:

Diferentemente das pesquisas empreendidas por outros estudiosos, cuja análise

restringiu-se ao verbo ir, este trabalho dedicou-se a um número maior de verbos de

movimento. Essa decisão partiu da hipótese de que alguns verbos de movimento teriam

comportamentos diferenciados. Com relação à seleção dos argumentos, os verbos ir e vir, por

exemplo, apresentam a mesma grade temática; distintamente, o verbo levar apresenta outra

grade. A particularidade de cada verbo fica evidente na seleção de cada preposição, por

exemplo, o verbo chegar parece recusar a preposição para quando o complemento é

representado por núcleo SN. Assim, esta variável procura identificar como fatores relativos à

especificação semântico-sintática de cada verbo de movimento interfere na seleção da

preposição. Com esse propósito, a variável foi estruturada com cinco fatores, determinados

pelos verbos de movimento que ocorreram com uma frequência significativa no corpus

analisado: ir, vir, chegar, levar e sair, exemplificados de (114) a (118), abaixo. Os resultados

quantitativos da variável são apresentados na Tabela 08 a seguir.

(114) Quando eu vô numa festa, chegá eu fico quase de cama. (POS-inq11)

(115) Aí depois vim pa cidade. Na roça só tinha seviço da terra... (SAS-inq07)

(116) E ele... tinha vez que ele chegava em casa doze, uma hora da manhã, todo

moiado, né, inda dêxava burro nos pau. (POR-inq09)

(117) Aí ela torra, do que torra, cessa, mói, embala no saco e leva pa fêra. (SAR-

inq01)

(118) Eu... eu ajudo tombém. Pense que não! Tem semana que eu dô cinquenta reais

pra sair na rua pra comprá rôpa. (SAR-inq01)

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112

Tabela 08 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo o verbo de movimento

Para Em

Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.

Levar 98/120 82% .80 22/120 18% .20

Ir 582/883 66% .68 301/883 34% .32

Vir 61/80 76% .67 19/80 24% .33

Sair 41/68 60% .64 27/68 40% .36

Chegar 5/205 2% .01 200/205 98% .99

Total 787/1.356 58% -- 569/1.356 42% --

Nível de significância: 0.015

A leitura da Tabela 08 demonstra que a preposição em é quase categoricamente

selecionada pelo verbo de movimento chegar com peso relativo de 0.99, e a preposição para

evidencia uma maior propensão de ser selecionada pelo verbo levar, com peso relativo de

0.80. Os verbos de movimento ir, vir e sair apresentam comportamentos mais ou menos

simétricos, todos favorecendo a presença da preposição para, com peso relativo de .68, .67 e

.64 respectivamente. Assim, numa análise geral observa-se que dentre os verbos de

movimento, o verbo chegar apresenta um comportamento distinto dos demais, selecionando

quase categoricamente a preposição em.

5.2.2 A variável material interveniente entre o verbo e o complemento locativo

A variável material interveniente entre o verbo e a preposição teve como motivação a

suposição de que a existência ou não de elemento nesse contexto poderia condicionar a

escolha da preposição. Além disso, a recorrência dessa variável no corpus contribuiu

significativamente para sua seleção como um dos aspectos a ser observado neste estudo. Com

essa variável, este trabalho traz uma nova contribuição para a análise do tema, uma vez que

não se tem notícias do estudo desse fator em outras análises. Os fatores que compõem esta

variável foram definidos da seguinte maneira:

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a) sem material interveniente

(119) Mesmo certas vez, cê fazeno um convite, eles num vai, prefere ir Ø numa

festa, qué dizê, que amô eles têm? (POR-inq03)

(120) A gente ia Ø pra prefeitura, marcava o encontro, chegava lá com o prefeitcho,

com o secretário da saúde... (SAS-inq12)

b) com material interveniente

(121) Mas eu aqui, pra dormi fora, nunca! Eu podia chegá quatro, três hora da manhã

da farra, mas vinha direto pra casa. (SAS-inq11)

(122) Não. Eu [‘xô falá], não... nunca fui assim ni shopping não. Às veze, domingo

assim, tinha vez que eu ia pra praia, tinha vez que eu num ia. (POR-inq02)

A Tabela 09 apresenta os resultados obtidos com a análise dessa variável:

Tabela 09 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a variável material interveniente entre o verbo e o complemento Para Em

Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.

com material 149/285 52% .40 136/285 48% .60

sem material 638/1.071 60% .53 433/1.971 40% .47

Total 787/1.356 58% -- 569/1.356 42% --

Nível de significância: 0.015

Os resultados revelam que as sentenças com material interveniente entre o verbo e o

complemento locativo favorecem o emprego da preposição em, com um peso relativo de 0.60.

Assim, pode-se levantar a hipótese de que a presença do elemento interveniente levaria à

seleção da preposição que caracteriza o uso mais natural do falante.

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114

5.2.3 A variável natureza do deslocamento:

Conforme já foi dito, essa variável foi controlada por outros autores, como Mollica,

(1998[1986]), Vallo (2003) e Ribeiro (1996), mas somente Mollica mencionou os resultados

percentuais dessa variável. No trabalho de Wiedemer (2008), a variável teve uma abordagem

distinta, sendo substituída pelas variáveis direção e frequência. Segundo o autor, esta variável

[± permanência] envolve um alto grau de subjetividade, porque seria muito difícil definir com

precisão a demora no destino a partir de relatos gravados, sem se ter a noção da intenção do

falante, restando ao estudioso da língua as pistas contextuais do discurso.

Porém, esta análise mantém a concepção de Mollica (1998[1986]) sobre o tema.

Segundo a autora, a preposição a estaria associada à natureza do deslocamento [-

permanência], cujo movimento denota a ideia de que a ida é só para um certo fim, voltando

depois. E a preposição para estaria ligada ao traço de [+permanência], cujo movimento ou

direção para algum lugar denota a ideia acessória de demora no destino. Os resultados da

análise de Mollica, de fato, comprovaram que a hipótese, com peso relativo de .72 para

preposição a, e .27 para preposição para, quando o complemento locativo contém o traço [-

permanência].

Na variedade linguística aqui analisada, devido ao uso marginal da preposição a, o

valor de um deslocamento [-permanente] recai sobre a preposição em, mantendo-se, em

contrapartida, a relação semântica entre a preposição para e o deslocamento [+permanente].

Os exemplos abaixo ilustram o grupo de fatores, e a Tabela 10 exibe os seus resultados

quantitativos.

[-permanência]

(123) A gente vai nas casa de um, vai nas casa de ôtro, toma um licozinho. (POR-

inq05)

(124) Porque eu sei que é difícil uma pessoa aceitá um convite pra ir numa igreja.

(POS-inq03)

[+permanência]

(125) Depois eu saí, vim pra aqui pa roça, depois ganhei esse nenen, num fui trabalhá

mais. (SAR-inq04)

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115

(126) Num deu certo, aí vim embora pa Poções novamente. (POS-inq09)

Tabela 10 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a natureza do deslocamento.

Para Em

Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.

[-permanência] 565/1.075 63% .39 510/1.075 47% .61

[+permanência] 222/281 94% .84 59/281 21% .16

Total 787/1.356 58% -- 569/1.356 42% --

Nível de significância: 0.015

Na Tabela 10, constata-se que a natureza do deslocamento com o traço de [-permanência]

favorece a preposição em, com peso relativo de .61. Entretanto, quando o deslocamento tem o

traço de [+permanência], é a preposição para que é favorecida, com peso relativo de .84.

Assim, confirma-se da hipótese de que a preposição em se comportaria como a preposição a,

ligando-se ao traço de [-permanência], e a preposição para confirmou a sua relação com o

traço de [+permanência].

5.3 AS VARIÁVEIS SOCIAIS

As variáveis sociais, integradas às variáveis linguísticas, têm-se revelado como

impulsoras da variação. Tal influência tem sido monitorada, sobretudo, pelos estudos

sociolinguísticos. É importante dizer que esses fatores sociais atuam sobre o fato linguístico,

condicionando o comportamento do falante em relação à mudança e à variação: conservação

ou inovação.

Assim, o componente social não pode ser deixado à parte, nem deve ser medido

isoladamente. Neste trabalho, as dimensões sociais desta amostra de fala têm em sua

composição variáveis estratificadas e controladas (cf. subseção 4.2.1.1). Para as variáveis

sociais estratificadas, consideraram-se a faixa etária, o sexo e a comunidade de fala; como

variáveis controladas foram estabelecidas o nível de escolaridade e a estada fora da

comunidade. No trabalho de Mollica (1998[1986]), a variável escolaridade foi estratificada,

interferindo diretamente na composição da amostra. Na análise dessa autora, foi feito também

o controle dos fatores colocação no mercado de trabalho, mídia, sensibilidade linguística,

tendo destaque apenas o primeiro fator.

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116

5.3.1 A variável faixa etária

O estudo da faixa etária se mostra uma constante nos trabalhos sociolinguísticos, pois

se busca observar se a língua se estabiliza no início da idade adulta ou se mudanças podem

ocorrer durante toda a vida do falante. No universo de observação desta análise, seus 24

informantes, tanto de homens quanto de mulheres, são divididos em três faixas etárias: a faixa

1 é formada por informantes entre 25 a 35 anos; a faixa 2, por informantes entre 45 a 55; e a

faixa 3, por informantes com mais de 65 anos. Os resultados dessa variável são apresentados

na tabela a seguir.

Tabela 11 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a faixa etária do falante

Para Em

Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.

Faixa 1 246/382 64% .58 136/382 36% .42

Faixa 2 267/486 55% .46 219/486 45% .54

Faixa 3 274/488 56% .48 214/488 44% .52

Total 787/1.356 58% -- 569/1.356 42% --

Os resultados acima confirmam parcialmente as nossas hipóteses, uma vez que a

variante inovadora, a preposição para, é a variante que predomina na geração mais nova.

Porém, nas faixas 2 e 3 não houve confirmação como um todo da hipótese. Atestou-se nessas

faixas um uso mais recorrente da preposição em, variante mais estigmatizada. Porém, o peso

relativo dessa variante não padrão na faixa 2, diferentemente do que se esperava, se sobrepôs

ao da faixa 3. A expectativa inicial era de um contínuo em relação ao uso da preposição

inovadora para, com um uso decrescente à medida que se passasse para as faixas dos falantes

mais velhos, no entanto tal hipótese não foi confirmada totalmente. De qualquer forma,

percebe-se um comportamento contrastivo entre a faixa 1 e os mais velhos (faixas 2 e 3),

confirmando o predomínio da variante inovadora entre os mais jovens, como se pode ver no

Gráfico 02:

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117

0,48

0,58

0,46

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

Faixa 1 Faixa 2 Faixa 3

para

Gráfico 02 – Influência da faixa etária no uso da preposição para no português popular do interior do estado da Bahia.

Dessa forma, a observação do Gráfico 02 pode apontar para a implementação da

variante para nessas comunidades. Comparando esses resultados com os dados de norma

culta apresentados por Ribeiro (1996), constata-se uma tendência contrária de mudança, pois,

na norma urbana culta, é a variante não padrão, a preposição em, que está se implementando

entre falantes mais jovens, mais especificamente entre os homens, como se pode ver no

Gráfico 03:

0,46

0,61

0,53

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

25-35 36-55 mais de 56

em

Gráfico 3: Curva sugestiva de mudança na norma urbana culta (fala dos homens). Fonte: Ribeiro (1996, p. 63).

Os resultados apontados por Mollica (1998[1986]) indicam a mesma tendência de

mudança para norma urbana semi-culta, no que tange à implementação do em pelos mais

jovens. Os resultados dos pesos relativos para o uso das preposições padrão, a e para, são: os

mais jovens com 0,32; meia idade com 0,56; os mais velhos com 0,62. Tais dados fornecem

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subsídios para uma afirmação que a preposição em é mais usada pelos mais jovens nessa

variedade do português brasileiro.

Portanto, essas tendências distintas de mudança que se observam, na norma urbana

culta e semi-culta, de um lado, com a implementação da preposição em, e na norma popular

do interior do país, por outro lado, com a implementação da preposição para, confirmam o

cenário de polarização sociolinguística do Brasil proposto por Lucchesi (2001, 2002 e 2006).

5.3.2. A variável sexo do falante.

Quanto à variável sexo, os informantes foram escolhidos aleatoriamente, de acordo

com um perfil previamente estabelecido: dois homens e duas mulheres por faixa etária. De

maneira geral, alguns estudos apresentam as mulheres como mais sensíveis ao uso das formas

de prestígio, de forma que tendem a liderar processos de mudança de cima para baixo. De

modo inverso, os resultados sobre o comportamento linguístico do sexo masculino apontam

para a liderança em processos de implementação de uma forma desprestigiada (PAIVA, 2004;

MONTEIRO, 2000; CHAMBERS e TRUDGILL, 1980). Observa-se, ainda, segundo Paiva

(2004, p. 37), que, na análise da variável sexo, quando separada dos demais fatores sociais, se

pode obter um resultado camuflado. Homens e mulheres desempenham papéis sociais

distintos, sendo o sexo feminino alvo constante de pressões sociais normativizadoras. Dessa

forma, as mulheres empregam menos as variantes estigmatizadas do que os homens.

Vale ressaltar que não existe diferença na fala do homem e da mulher do ponto de

vista articulatório, as relações instituídas nesse caso são sociais. No tocante ao processo de

mudança linguística, Lucchesi (2004, p. 192) esclarece que deve-se levar em consideração as

particularidades das sociedades analisadas, ressaltando as variáveis de tempo e espaço.

Esse papel é determinado pelas disposições culturais e ideológicas que caracterizam aquela sociedade específica num determinado momento histórico.

Com base nesse raciocínio, pode-se pensar que, em universos sócio-econômicos

distintos, o comportamento dos gêneros seria igualmente distinto. As análises referidas acima

apontam para uma liderança das mulheres nas mudanças de cima para baixo. Mas isso ocorre

no universo da classe média, em grandes centros urbanos. Contudo, o universo de observação

desta análise é o dos segmentos populares do interior do país. Nesse caso, o comportamento

dos gêneros pode ser totalmente distinto, ou mesmo oposto ao do que se observa na classe

média das grandes cidades.

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Nas comunidades de fala populares do interior da Bahia, os homens saem mais de seus

lares em direção aos grandes centros econômicos para prover uma melhoria no rendimento da

família, seja para comercializar o fruto do trabalho da roça, seja para se empregar,

deslocando-se para trabalhos sazonais nos grandes centros urbanos. Segundo Lucchesi (2009,

p. 344), é justamente esse maior contato com o mundo exterior que favorece uma liderança

dos homens nesse universo social, nos processos de mudança de cima para baixo, em que uma

variante de fora penetra na comunidade em função do prestígio social. No caso da regência

dos verbos de movimento, essa variante seria a preposição para. As mulheres, por sua vez,

ocupam-se sobretudo com os afazeres do ambiente doméstico e com o trabalho na roça,

mantendo-se numa situação mais isolada, com menos contato externo. Dessa forma, a sua fala

estaria mais próxima da norma da comunidade local.

A tabela abaixo mostra os resultados obtidos nesta análise com relação à variável sexo:

Tabela 12 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s locativos no português popular do interior do estado da Bahia, segundo o sexo do falante

Para Em

Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.

Feminino 369/668 55% .43 299/668 45% .57

Masculino 418/688 61% .56 270/688 39% .44

Total 787/1.356 58% --- 569/1.356 42% ---

Os resultados confirmam o perfil esperado para os dois gêneros nos segmentos

populares do interior do país. A variante inovadora que vem de fora, a preposição para,

predomina na fala dos homens, que têm mais contato com o mundo exterior. Já as mulheres,

que estão mais presas ao seu universo social, usam mais a preposição em, variante típica

dessas comunidades de fala. Esse perfil mais conservador da variante em pode refletir o

passado de contato entre línguas dessas comunidades. Ou seja, no passado os complementos

locativos deveriam ser regidos por uma única preposição, no caso o em, na sua forma fonética

CV ni. Com o tempo, a preposição para foi sendo introduzida na comunidade.

Esses achados apontam para um desdobramento natural desta pesquisa: observar a

distribuição social da variação na forma fonética da preposição locativa em, que, nessas

variedades da fala popular do interior do país, pode se realizar com em ou como ni, como se

pode ver nos exemplos abaixo:

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(127) Mas só que num é negoço assim de, por exemplo, falá, “ah, é namoradô... que

toda semana tá com uma e com ôtra” não, porque [isso] é meio difícil... eu num

vô em festa, num saio quase, então eu sô mais acanhado.

(128) Eu [‘xô falá], não... nunca fui assim ni shopping não. Às veze, domingo assim,

tinha vez que eu ia pra praia, tinha vez que eu num ia.

O paralelo da forma ni com o que se observa em variedades reestruturadas pelo

contato entre línguas na África (cf. Capítulo1 desta dissertação) reforça a relação histórica

entre essa forma e o contato entre línguas, aumentando a relevância do desdobramento desta

análise nessa direção.

5.3.3 A variável comunidade de fala

Para além da distribuição na estrutura social, o universo de observação desta análise

permite considerar também a variação no plano espacial diatópico. Isso porque são duas

amostras de dois municípios de diferentes regiões do Estado da Bahia: Santo Antônio de Jesus

e Poções. O primeiro município está mais próximo da capital, Salvador, e constitui um

importante centro regional de comércio, com uma economia bastante dinâmica. Já o

município de Poções está bem mais distante da capital e, em sua economia, predominam as

atividades primárias, como a pecuária. Dessa forma, espera-se que a mudança em relação a

preposição empregada junto aos verbos de movimento esteja mais avançada em Santo

Antônio de Jesus. Os resultados dessa variável são apresentados na tabela a seguir:

Tabela 13 – Preposição selecionada pelos verbos de movimento junto a SN’s

locativos no português do interior do estado da Bahia, segundo a comunidade de fala

Para Em

Nº oc./Total Freq. P.R. Nº oc./Total Freq. P.R.

Santo Antonio

de Jesus

375/600 63% .55 225/600 38% .45

Poções 412/756 54% .46 344/756 46% .54

Total 53/419 13% --- 366/419 87% ---

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De acordo com a Tabela 13, evidencia-se a dinâmica entre as duas cidades em estudo,

a comunidade de Poções tem uma tendência ao conservadorismo linguístico, com um

predomínio da preposição em, com peso relativo de .54. Já Santo Antônio de Jesus, por ser

um importante pólo comercial que abastece a região, atua como centro difusor, com o

predomínio da forma inovadora, a regência dos verbos de movimento com a preposição para

exibe um peso relativo de .55. Dessa forma, pode se propor que o processo de difusão da

variante inovadora, a partir dos grandes centros urbanos, atinge inicialmente os centros

urbanos mais próximos e mais integrados economicamente, para depois alcançar os pequenos

centros urbanos, mais distantes e economicamente mais atrasados.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação procurou demonstrar quais são os fatores que estão relacionados ao

quadro atual de variação da regência dos verbos de movimento presente nas variedades

populares do português brasileiro, considerando sobretudo as situações de contato entre

línguas que marcam a história sociolinguística do Brasil. O universo de observação da análise

foi a fala popular de dois municípios de diferentes regiões do Estado da Bahia: Santo Antônio

de Jesus e Poções. Nesse universo, a variável preposição empregada junto aos verbos de

movimento foi composta inicialmente por quatro variantes: para, em, a e até. A variante para

foi a mais frequente, com quase sessenta por cento do total de ocorrências do corpus

analisado; seguida da variante em, com quase quarenta por cento do total. Já as variantes a e

até ocorreram de forma muito esporádica e marginal. Dessa forma, pode-se dizer que as

preposições empregadas junto aos verbos de movimento no português popular do interior do

Estado da Bahia são para e em. A estrutura prescrita pela norma padrão com a preposição a

não faz parte do vernáculo desse segmento social.

Na análise quantitativa do encaixamento estrutural da variação entre para e em como

preposição empregada junto aos verbos de movimento, o pacote de programas VARBRUL

selecionou como estatisticamente relevantes as variáveis: o verbo de movimento empregado,

a presença/ausência de material interveniente entre o verbo e o complemento locativo e a

natureza do deslocamento. Na variável verbo de movimento, constatou-se que o verbo chegar

condiciona fortemente a seleção da preposição em, enquanto os demais verbos, como ir, vir,

levar e sair, favorecem a seleção da preposição para. Quanto à presença e/ou ausência de

material interveniente entre o verbo e o complemento locativo, notou-se que a presença desse

elemento favorece o uso mais natural do falante, construído com a preposição em; em

contrapartida, a ausência desse elemento favorece a preposição para. Por fim, a variável

linguística natureza do deslocamento revelou que a preposição em é mais selecionada quando

se trata de um deslocamento temporário, assumindo o valor da preposição a, enquanto a

preposição para parece realmente ter uma relação intrínseca com o deslocamento permanente.

Dentre as variáveis sociais arroladas, as que se mostraram mais relevantes foram a

faixa etária, o sexo do falante e a comunidade de fala, na ordem da seleção feita pelo

programa estatístico. E as demais variáveis como escolarização, estada fora da comunidade,

localização da comunidade não foram selecionadas pelo programa.

De acordo com os resultados da variável faixa etária, nessa amostra de fala, comprova-

se que a preposição para é a variante inovadora, que está presente na fala do grupo mais

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jovem. Quanto à preposição em, verifica-se maior presença nas faixas etárias mais elevadas,

podendo ser caracterizada como a variante mais conservadora. A variável sexo revelou que as

mulheres usam mais a variante conservadora, a preposição em, uma vez que estão mais

restritas à realidade local e saem pouco da comunidade; os homens, por outro lado, têm maior

contato externo e estão mais inseridos no mercado de trabalho, predominando em sua fala a

variante inovadora para. A variável comunidade de fala permite identificar o comportamento

das variantes nos municípios analisados. Desta forma, Santo Antonio de Jesus apresenta o

domínio da variante inovadora, tendo em vista a sua importância como centro comercial e

cultural da região. A comunidade Poções apresenta uma tendência ao conservadorismo

linguístico, com um predomínio da preposição em.

A partir da descrição do funcionamento das variáveis linguísticas e sociais da

variedade do português popular é possível entender o perfil linguístico desses falantes em

relação ao fenômeno pesquisado. A visão geral do fenômeno no português popular do interior

da Bahia que se tem após uma interpretação dos dados é que apenas duas preposições

apresentam valores significativos nessas comunidades: a preposição para está se

implementando na gramática das comunidades populares do interior do Estado, sendo que a

preposição em mantém vitalidade em alguns contextos específicos. O emprego da preposição

a junto aos verbos de movimento prescrito pela tradição gramatical ainda não se firmou no

vernáculo dessas comunidades, isto se deve a um sistema de educação formal que não

conseguir alcançar ainda esse universo social.

É importante salientar que a presença hegemônica das preposições para e em no

português popular, lança esse fenômeno na já conhecida polarização sociolinguística do

Brasil, em que se observa a implementação da preposição em, na norma urbana culta e semi-

culta; e a implementação da preposição para na norma popular do interior do país. Fato que

leva a pressuposição que nesta última variedade de língua, no passado teria predominado o

uso de uma única preposição locativa multifuncional, a preposição em. E, sobretudo, a partir

do século XX, com a crescente influência dos grandes centros urbanos sobre as demais

regiões do país, o emprego da preposição para junto aos verbos de movimento foi-se

incrementando.

Por outro lado, os resultados desta análise apontam também para um desdobramento

natural da pesquisa aqui apresentada no que se refere à distribuição social da variação na

forma fonética da preposição locativa em, que, nessas variedades da fala popular do interior

do país, pode realizar-se como em ou como ni. Desse modo, pretende-se prosseguir com os

estudos nessa linha de análise.

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Por fim, espera-se que esta pesquisa possa contribuir com o conhecimento do

português popular, com o objetivo maior de traçar um panorama sociolinguístico dessa

variedade linguística com base no processo histórico da sua formação. Para além da

ampliação do conhecimento da realidade histórica e cultural do Estado da Bahia, os resultados

aqui apresentados também podem contribuir para a elaboração de estratégias de ensino de

língua portuguesa mais ajustadas ao uso concreto da língua, sobretudo por parte daqueles que

constituem o público alvo do sistema de educação pública.

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