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Pela primeira vez desde que seus pais foram sequestrados, Sabrina e DapnheDaphne Grimm voltaram para sua cidade-natal, Nova York, para encontrar a família de Puck. Mas as detetives de contos de fadas receberam mais do que esperavam na Grande Mmaçaã: elfos-padrinhos com varinhas, piratas na Wall Street, duendes que roubam o metrô e, para piorar, escondido entre os Sobreviventes humanos, um assassino. Essa não é a cidade da qual Sabrina se lembra, o local onde ela passou dias normais e felizes com a sua família. Nem mesmo as lembranças de seus pais são seguras. Enquanto as irmãs investigam a morte de um importante Sobrevivente, elas ficam sabendo que a mãe guardou um segredo que pode levar ao núcleo da organização maquiavélica da Mão Escarlate.

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AS IRMÃS GRIMMERA UMA VEZ UM CRIME

LIVRO 4

MICHAEL BUCKLEY

São Paulo 2011

Ilustrações de Peter Ferguson

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— sAiAm dAs ruAs! — Sabrina gritou. — Tem um monstro vindo!

— Vocês querem ser esmagados? — Daphne perguntou aos gritos, mas os pedestres estavam acostumados a ignorar malucos gritando no meio da rua. Daphne olhou para a vovó Relda com cara de pânico. — Eles não nos escutam!

A vovó Relda segurou as netas pela mão. — Eles vão es-cutar. Corram, meninas!

As meninas se entreolharam de modo nervoso e desceram correndo a calçada, passando pela multidão e avisando todos que estavam pelo caminho. Até onde Sabrina sabia, a avó delas nunca tinha fugido de nada. Ela era a mulher mais corajosa que Sabrina e sua irmã conheciam. Logo, a família encontrou um cruzamento e parou de correr. Não estavam mais nas tran-quilas ruas de Ferryport Landing; aquilo ali era a cidade gran-de. Se tentassem atravessar o farol, um caminhão ou um táxi em alta velocidade poderia atropelá-las. Enquanto esperavam ansiosamente, Sabrina olhou rapidamente para trás, a tempo de ver cair a fachada toda do prédio no qual estavam. Uma perna gigante apareceu em meio aos destroços. As pessoas ao redor pararam e todas gritaram juntas.

— Agora estão prestando atenção — Sabrina disse.Com um forte golpe, a criatura gigantesca se livrou da

loja. Seus olhos de lanterna se voltaram para a rua e concen-traram-se em Sabrina.

— Vou pegar você, minha linda — o monstro ameaçou, e então ergueu um de seus sapatos pontudos e chutou um táxi para longe, fazendo que ele batesse contra um poste e escorre-gasse pelo cruzamento, onde se chocou contra um caminhão de entrega de jornais.

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Uma onda de terror tomou conta das pessoas na rua; os pedestres se uniram e correram em direção à Sabrina e sua família. Muitas pessoas estavam olhando para trás enquanto corriam; uma jovem derrubou Daphne no chão, em meio ao pânico. “Se o monstro não nos matar acabaremos sendo piso-teadas pela multidão”, Sabrina pensou.

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A explosão chacoalhou Sabrina Grimm com tanta força que ela podia jurar que seu cérebro havia dado uma cambalhota dentro da cabeça. Enquanto

se esforçava para se segurar, uma fumaça preta fez que se engasgasse e seus olhos ardessem. Ela conseguiria escapar? Não, estava à mercê da máquina fria e desal-mada, também conhecida como carro da família.

— Tem alguém aqui com medo de que este monte de lata nos mate? — ela gritou, mas ninguém escutou o que ela disse no meio daquela barulhada toda.

Como sempre, Sabrina era a única pessoa de sua família que percebia que alguma coisa estava errada. Planos de assassinato, monstros horrorosos, a armadilha chacoalhante e enferrujada que os Grimm chamavam de veículo: Sabrina estava sempre atenta aos perigos. Tinha certeza de que se não se mantivesse atenta, sua

QUATRO DIAS ANTES1

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família toda morreria antes do anoitecer. Eles tinham sorte por ela estar entre eles.

Sua avó, uma senhora doce e gentil, estava no banco da frente, concentrada no livro que estava lendo nas últimas duas horas. Ao lado dela estava seu com-panheiro de sempre, um senhor magricelo e sério cha-mado Sr. Canis, que levava a família a todas as par-tes. Dividindo o banco de trás com Sabrina, estavam um homem atarracado e de pele rosada, Sr. Cícero, e, aconchegada entre eles, Daphne, a irmã de sete anos de Sabrina, que dormia tranquilamente o tempo todo, babando como uma torneira na manga do casaco da irmã, que empurrou a menina delicadamente fazendo com que ela se recostasse no Sr. Cícero. Ele fez uma careta ao ver a baba da menina e lançou à Sabrina um olhar de reprovação.

Sabrina fingiu não ter percebido e inclinou-se para a frente, para chamar a atenção da avó. A vovó Relda colocou o livro no colo e virou-se para a neta com olhos simpáticos. O rosto da senhora era marcado pelas rugas, mas suas faces rosadas e nariz arredon-dado lhe davam uma aparência jovem. Ela sempre usava vestidos coloridos e chapéus para combinar, com um aplique de girassol no meio. Naquele dia, estava com um vestido roxo.

— Onde estamos? — Sabrina indagou.A avó levou uma das mãos em forma de concha ao

ouvido para mostrar a Sabrina que ela não tinha escu-tado a pergunta com todo aquele barulho.

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— Já estamos chegando perto de Fadas?— Oh, eu adoro pimenta, mas não me cai muito

bem — a avó respondeu gritando.— Não! Não perguntei de pimenta, mas de Fadas!

— Sabrina replicou. — Estamos perto?— Uai! Não! Nunca beijei um macaco. Que per-

gunta mais estranha.Sabrina estava prestes a desistir quando o Sr. Canis

se virou para ela e disse: — Não estamos muito longe — ele resmungou e voltou a se concentrar na estrada. O Sr. Canis escutava melhor que todos.

Sabrina suspirou aliviada. Todo aquele barulho logo terminaria e seria bom poder ajudar Puck. Ela olhou para o menino aconchegado ao lado de sua avó. Seu cabelo louro estava grudado na testa e o rosto estava molhado de suor. Sabrina sentiu uma pontada de culpa. Se não fosse por ela, não estariam naquela viagem.

Recostou-se no banco quando o carro parou em um cruzamento. Olhou pela janela. À esquerda, havia um campo amplo até onde a vista alcançava. À direita, uma estrada de terra levava a uma casa pequena e dis-tante. Atrás dela estava Ferryport Landing, sua nova cidade, e à frente... ela não sabia ao certo. Um local chamado Fadas, sua avó dissera. Estavam levando Puck para casa.

Enquanto o carro avançava, Sabrina se entregou às lembranças. Parecia não ter uma casa havia muito tempo. Já tinha sido uma menina normal vivendo no Upper East Side da cidade de Nova York, com mãe

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e pai, uma irmã menor e um apartamento localizado perto de um parque. A vida era simples, fácil e comum. Então, um dia, seus pais, Henry e Veronica, desapare-ceram. A polícia procurou-os por todos os lados, mas só encontrou o carro abandonado da família e apenas uma pista: uma marca vermelha de mão deixada no painel.

Sem uma pessoa para cuidar das meninas, Sabrina e Daphne foram levadas a um orfanato e ficaram sob os cuidados de Minerva Smirt, uma assistente social mal-humorada que detestava crianças. Ela não gostava das irmãs Grimm e por quase um ano e meio havia colocado as duas sob custódia de famílias adotivas que usavam e abusavam delas. Os tais cuidadores amorosos forçavam as meninas a serem suas empregadas, limpa-doras de piscina e jardineiras. Geralmente, as famílias só aceitavam cuidar das duas por causa da ajuda em dinheiro oferecida pelo governo. Algumas eram com-pletamente malucas.

Quando a vovó Relda levou as meninas para casa, Sabrina tinha certeza de que a senhora era outra maluca. Em primeiro lugar, elas pensavam que a avó estivesse morta. Em segundo lugar, Relda levou as netas para uma cidade pequena perto do rio Hudson, cha-mada Ferryport Landing, a quilômetros da civilização. Por fim, e o mais assustador, era o fato de ela afirmar que os vizinhos eram todos personagens de contos de fada. A vovó estava convencida de que o prefeito era o Príncipe Encantado, que os Três Porquinhos dirigiam a delegacia, que bruxas serviam panquecas no restau-

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rante e que ogros entregavam as correspondências. Também afirmava que Sabrina e Daphne eram descen-dentes dos Irmãos Grimm, cujos livros de contos de fada não eram ficção, mas, sim, um relato dos eventos atuais e o começo de um registro mantido por cada geração da família. A vovó disse que era o legado dos Grimm investigar quaisquer crimes estranhos e ficar de olho nos malvados das histórias, também conheci-dos como Sobreviventes. Em resumo, as meninas eram as sucessoras de uma longa linhagem de “detetives de contos de fada”.

Depois de escutar a história maluca da vovó Relda, Sabrina teve certeza de que a “avó” havia se esquecido de tomar seus remédios — isto é, até um gigante chegar e raptar a velhinha. De repente, as histórias dela come-çaram a fazer muito mais sentido.

Quando as irmãs salvaram a avó, concordaram em se tornar detetives — Daphne com entusiasmo, Sabrina com relutância — e mergulharam de cabeça na investi-gação de outros casos estranhos da cidade.

Daphne adorava cada segundo da nova vida. Que criança de sete anos não adoraria viver em uma cidade repleta de contos de fada transformados em realidade? Sabrina, porém, não conseguia se acostumar com as pes-soas estranhas que encontrava. Ela também não confiava nos Sobreviventes, e não era segredo que a comunidade se sentia da mesma forma em relação à família. A maio-ria deles acreditava que os Grimm eram intrometidos. Outros simplesmente os desprezavam e Sabrina conseguia

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compreender esse sentimento por parte deles. Afinal, os Sobreviventes estavam presos em Ferryport Landing e era culpa da família dela. Duzentos anos antes, Wilhelm Grimm havia construído uma barreira mágica ao redor da cidade, em um esforço de deter a revolta dos Sobre-viventes contra os vizinhos seres humanos. Com isso, os Sobreviventes, bons ou ruins, tinham se tornado prisio-neiros, e os Grimm, muitos acreditavam, eram os guar-das dessa prisão.

Sabrina não confiava nos Sobreviventes por causa da marca vermelha de mão que a polícia havia encon-trado no carro de seus pais. Era a marca de uma organiza-ção secreta de Sobreviventes chamada “A Mão Escarlate”. Ninguém sabia quem eram seus membros, nem a identi-dade do Mestre misterioso, o líder.

Um confronto recente com a Chapeuzinho Verme-lho, uma agente da Mão Escarlate, havia levado a família Grimm a recuperar os pais desaparecidos. Infelizmente, Henry e Veronica estavam sob um feitiço de sono que a família não sabia como quebrar.

Puck, um amigo da família, tinha se machucado enquanto ajudava as irmãs Grimm a lutarem contra a maluca Chapeuzinho Vermelho e seu animal de estima-ção feroz, o Jaguadarte. O monstro havia arrancado as asas mágicas de Puck, e agora ele estava muito doente. Para a sorte de Puck, a espada Vorpal, que os Grimm tinham usado para matar o Jaguadarte, conseguia cor-tar qualquer coisa, inclusive a barreira mágica que envolvia Ferryport Landing. Após deixar Henry e Vero-

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nica protegidos, Sabrina, Daphne, a vovó Relda e seus amigos tinham saído da cidade com o menino doente, usando a espada Vorpal para abrir um buraco grande o bastante por onde o carro da família pudesse passar. Agora, estavam a caminho de Fadas, local onde vivia a família de Puck, que eles esperavam que curasse o menino-elfo.

Sabrina suspirou, remexeu-se no banco e quis saber pela centésima vez quando chegariam a Fadas. Então, de canto do olho, ela viu luzes azuis e vermelhas brilhando pelo vidro traseiro. O Sr. Canis estacionou o carro no acostamento e desligou o motor.

— O que está havendo? — Sabrina perguntou.— Estamos sendo parados pela polícia — a vovó

Relda disse. Ela e o Sr. Canis se entreolharam, preo-cupados.

Bateram na janela do Sr. Canis. Ele desceu o vidro e um policial muito irritado, vestindo um casaco azul-marinho curto e de óculos de sol, olhou para dentro. Analisou a família com cara de desconfiado.

— Sabem por que pedi para vocês pararem?— Estávamos acima da velocidade permitida? — o

Sr. Canis perguntou.— Oh, não foi por excesso de velocidade. Pedi para

pararem porque esta... esta coisa que você está dirigindo está violando pelo menos cem diferentes leis ambientais e de segurança. Deixe-me ver sua carteira de habilitação.

O Sr. Canis olhou para a vovó Relda e voltou-se para o policial de novo. — Sinto muito, mas não tenho.

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O policial riu, aparentemente sem acreditar. — O senhor só pode estar de brincadeira. Certo, pessoal, saiam do carro.

— Policial, tenho certeza de que...O policial se inclinou. Parou de sorrir e ordenou:

— Saiam do carro.vovó Relda se remexeu no assento para olhar as

meninas e o Sr. Cícero. — Certo, vamos sair do carro.Daphne continuava dormindo profundamente, por

isso Sabrina a chacoalhou até ela abrir os olhos.— O que, quando, por quê? — Daphne resmungou.— Levante-se, vamos ser presos — Sabrina disse,

ajudando a irmã a sair do veículo.Eles estavam sobre uma ponte e o vento que vinha

da água, era congelante. O frio fez Sabrina tremer ao observar carros e caminhões passando. O dia estava horrível, e as nuvens escuras no céu avisavam que fica-ria ainda pior.

— Policial, se eu puder ajudar — o Sr. Cícero disse ao levantar a calça por cima da barriga. — Sou o ex-dele-gado de Ferryport Landing e...

— De onde?— Ferryport Landing, fica a cerca de duas horas,

ao norte.— Bem, como ex-delegado, o senhor deveria saber

que é contra a lei dirigir sem carteira de habilitação, ainda mais se esse alguém estiver dirigindo uma bomba destas. — O policial voltou a olhar para dentro do carro e viu Puck.

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— Quem é o menino?— Ele é meu neto e não está se sentindo muito

bem. Vamos levá-lo a um médico — a vovó disse.— Não nesta geringonça, senhora — o guarda repli-

cou. — Estou apreendendo este carro pelo bem da huma-nidade. Vou chamar uma ambulância e fazer com que ele seja levado ao Hospital Presbiteriano Columbia.

Pegou o rádio que ficava preso no cinto e levou o equipamento em direção à boca. Solicitou a vinda de um guincho enquanto olhava para a família de modo suspeito.

— Se Puck for levado a um hospital, descobrirão que ele não é um ser humano — o Sr. Cícero disse a vovó Relda.

— O menino precisa de um tipo especial de médico — o Sr. Canis resmungou ao policial.

— E o diabo precisa de pedras de gelo — o poli-cial disse. — O senhor deveria estar preocupado consigo mesmo. Terá sorte se não tiver de passar a noite na cadeia. Alguém aqui tem algum documento de identidade?

— É claro — a vovó Relda disse ao procurar dentro da bolsa. — Sei que minha identidade deve estar em algum lugar aqui.

Mas o policial estava agora concentrado no Sr. Canis. Um comprido rabo marrom tinha surgido no traseiro do senhor e estava balançando ao vento. O guarda observou aquilo por um minuto e, sem saber do que se tratava, caminhou ao redor do Sr. Canis para olhar melhor.

— Isso é um rabo, amigo? — perguntou.

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Sabrina olhou com ansiedade para o senhor, que estava suando frio. Ele parecia nervoso e irritado. Sabrina estava cada vez mais familiarizada com aquela expressão. Era o olhar que ele assumia quando começava a se trans-formar. O nariz do Sr. Canis se tornou um focinho peludo e os pelos começaram a crescer em seu pescoço e mãos. Seu corpo ficou enorme, enchendo o terno de um tama-nho maior do que o habitual. Garras pretas surgiram das pontas de seus dedos. As presas apareceram em suas gengivas. Ele estava se tornando quem de fato era — o Lobo Mau, a fera cuidadosamente reprimida que todos temiam que, um dia, pudesse escapar para nunca mais voltar a ser controlada.

O policial ficou surpreso por um momento, depois levou a mão a sua arma.

— Oh, aqui está — a vovó disse. Ela tirou a mão de dentro da bolsa, abriu o punho e soprou um pó rosado no policial. Ele ficou paralisado, pareceu um tanto con-fuso e então seus olhos ficaram paralizados.

— Sabe, ser policial de vez em quando pode ser bem chato — a vovó disse.

— É verdade — o policial replicou com a voz tomada pelo sono.

— Você não emitiu nenhuma multa de trânsito hoje.— Sim, hoje foi um dia bem normal.— Agora, volte para seu carro e tenha uma ótima

tarde — a vovó ordenou.— Sim — o policial respondeu, obedecendo. Momen-

tos depois, ele entrou em sua viatura e foi embora.

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— Por sorte eu trouxe o pó do esquecimento — a vovó Relda disse. Ela descansou a mão no ombro do Sr. Canis e imediatamente a transformação parou, revertendo lentamente. O senhor voltou a assumir seu aspecto humano.

— Relda, sinto muito — lamentou. — Tem sido uma luta grande. Qualquer coisa parece trazê-lo para fora.

— Não tem problema — a senhora o acalmou. — Mas durante o restante da viagem, sugiro que o senhor guarde o rabo.

Sr. Canis concordou e fez o que pôde para escon-der a cauda.

— Espere um pouco! — Sabrina gritou ao obser-var o carro se afastando. Na parte de trás, pintada com letras brancas, estava a sigla DPNY. — Aquele cara é do Departamento de Polícia de Nova York! Um policial!

— Sim, claro que sim — a vovó Relda apontou além da ponte. No horizonte, era possível ver grandes pré-dios, como se competissem pela atenção do céu. Aviões e helicópteros sobrevoavam todos eles. Era uma cena que Sabrina havia visto muitas vezes antes e diante disso sentiu um nó na garganta ao conter as lágrimas.

Daphne estreitou os olhos para ver a brilhante metrópole. Uma das construções se destacava mais que as outras, com a ponta prateada. Sabrina segurou o braço de Daphne e apontou para o local.

— É o Empire State Building! — a menina gri-tou, colocando rapidamente a palma da mão na boca

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e mordendo-a. Aquela era uma das muitas manias de Daphne que mostrava o quanto estava feliz e animada.

— Estamos em casa! — Sabrina exclamou. — Esta-mos em Nova York!

As meninas deram pulos de alegria, dizendo a mesma frase diversas vezes, cada vez mais alto.

— Estaremos — o Sr. Cícero disse ao se aproxi-mar da grade da ponte. A posição da calça sempre foi um problema para o senhor barrigudo e ele a puxou de novo até parar em cima da barriga. Satisfeito, ele se inclinou e admirou a vista. Os olhos das meninas se encheram de lágrimas.

Daphne correu para o lado dele e o abraçou. — Não chore, Sr. Cícero. O senhor vai me fazer chorar.

— São lágrimas de alegria, Daphne — ele respon-deu. — Nunca pensei que fosse conhecer este local. Estou preso em Ferryport Landing há muito tempo.

— O senhor vai adorar! A cidade é a melhor! Tem muito o que fazer, ver e comer! Oh, quase sinto o cheiro dos cachorros-quentes daqui.

— Cachorros-quentes! — Sr. Cícero exclamou enquanto seu nariz se transformou em um focinho rosado. O Sr. Cícero raramente abandonava sua forma humana, mas quando ficava muito animado, sua verda-deira identidade, a de um dos três porquinhos, surgia.

— O que eu disse? — Daphne perguntou a Sabrina.— Cachorros-quentes são feitos com carne de porco!

— Sabrina respondeu sussurrando.Daphne fez uma careta. — Oh, quero dizer, eu

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nunca comi um cachorro-quente, sabe? Eles são... nojentos. Eu quis dizer pizza de pepperoni!

A menininha olhou para Sabrina para obter con-firmação, mas lhe foi negado. — Pepperoni também.

— É?Sabrina assentiu.Daphne fez outra careta. — Eu quis dizer brócolis.

Mal posso esperar para comer um. Não tem nada como sair pela cidade comendo um belo brócolis.

— Oh, sim, Nova York é famosa por seus brócolis — Sabrina acrescentou.

Daphne mostrou a língua para a irmã.— Lobo, venha ver isto! — o Sr. Cícero convidou,

deixando de lado as sugestões culinárias das meninas. O Sr. Canis se aproximou da grade e olhou para a mara-vilhosa cidade.

— Veja o que perdemos — o Sr. Cícero lamentou.Sr. Canis se inclinou, maravilhado.Os dois homens ficaram em silêncio. A importân-

cia daquele momento se tornou clara para Sabrina. O mundo todo continuava girando enquanto os Sobrevi-ventes estavam presos em Ferryport Landing. Cidades haviam sido construídas, doenças tinham sido curadas, o homem tinha caminhado na Lua e o Sr. Canis e o Sr. Cícero haviam perdido tudo isso.

— Espere! Por que estamos aqui? Pensei que íamos a Fadas para salvar Puck — Daphne disse.

— E vamos, liebling. O reino mágico fica na cidade de Nova York — a vovó Relda respondeu.

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Sabrina sentiu o rosto esquentar. O chão pareceu se mover e ela foi para a frente. Por um momento, não houve nada além de escuridão e, então, ela caiu no chão.

— Liebling, você está bem? — a avó perguntou. O Sr. Canis levantou Sabrina, mas ela continuava se sen-tindo um pouco tonta e enjoada. — Você deve ter des-maiado.

— A senhora não nos disse que havia Sobreviven-tes nesta cidade! — Sabrina disse ao tentar se levantar sozinha.

A vovó franziu o cenho. — Sabrina, a barreira de Wilhelm só foi construída vinte anos depois de os Sobreviventes chegarem a este país, alguns deles muda-ram para outros...

— Quantos? — Sabrina exigiu saber.— Quantos o quê, menina? — a vovó perguntou.— Quantos Sobreviventes vivem aqui?— Eu não sei, Sabrina — a senhora disse, virando-se

para o Sr. Cícero.— Provavelmente dez fadas e talvez sessenta

outros — o homem disse, depois de uma longa pausa. — Quando Wilhelm era vivo, nós mantínhamos mais contato com ele, mas...

Sabrina começou a chorar e as lágrimas congela-ram em seu rosto. Ela se orgulhava de ser forte, não uma menina chorona, mas não conseguiu se controlar. Aquilo era um choque. Desde que tinha ido morar com a avó, manteve esperanças de que ela e a irmã retornariam para

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sua cidade e voltariam a levar a vida normalmente. Veriam o tempo vivido entre os Sobreviventes como um pesadelo. Agora, ela sabia que não tinha como escapar deles.

— Sabrina, o que foi? — Daphne perguntou.Mas a menina não respondeu. Em vez disso, afas-

tou-se de sua família e olhou para a cidade. A alegria inicial por ver sua casa havia desaparecido. Agora, tudo parecia desconhecido para ela.

— Deve ter sido a viagem — a vovó disse, esfre-gando as costas da neta com carinho. — Vocês devem estar famintas e exaustas. Precisamos de algo para comer. Talvez um pouco de sopa quente ajude.

Fez-se um silêncio incômodo entre o grupo, até que o Sr. Canis falou. — Em primeiro lugar, precisamos encontrar a família de Puck. Onde fica Fadas?

A vovó suspirou. — Infelizmente os diários da família não dão muitas informações sobre os Sobrevi-ventes que se estabeleceram aqui. Mas sei que Fadas fica escondida em algum ponto de Nova York. — Ela pegou, dentro da bolsa, um envelope onde havia algo escrito. — E um contato enviou isto a mim anos atrás.

Daphne pegou o envelope e leu em voz alta, atra-palhando-se com algumas palavras.

Sra. Grimm,Sinto muito por sua perda. Basil era como um pai

para mim. Estou arrasada por não ter podido estar perto para ajudar Henry e a senhora, principalmente por ter uma certa culpa nessa tragédia. Espero que a senhora acredite

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que Jacob e eu nunca pensamos que minha fuga de Ferryport Landing pudesse causar problemas para alguém. Torço para que a senhora me perdoe.

Encontrei Fadas, que está escondida na Grande Maçã. Fui convidada para ficar até me estabelecer. Oberon está muito ocupado com seu reino, e Titânia, bem, tenho cer-teza de que a senhora soube das histórias sobre ela. Assim que conseguir trabalho e um pouco de dinheiro, partirei para explorar este mundo. Até lá, se a senhora vier para a cidade de Nova York, vá ao parque e conte a Hans Chris-tian Andersen uma piada de toc-toc.

Com amor,

G.

— Quem é G? — Daphne quis saber.— Uma velha amiga de seu pai — a vovó disse.

Sabrina e Daphne se entreolharam. O pai delas tinha se apaixonado por uma Sobrevivente antes de conhe-cer a esposa, apesar de ninguém revelar quem era essa Sobrevivente.

— Não podemos telefonar para essa tal de G e pedir outra pista? — o Sr. Cícero perguntou.

— Talvez uma que faça sentido — Sr. Canis acres-centou.

— Tem mais alguma coisa no envelope? — Daphne perguntou.

A vovó Relda olhou dentro dele. Estava vazio.— Não temos tempo para isso — o Sr. Canis res-

mungou.

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— Mas é só o que temos — a senhora respondeu.— Bem, vamos procurar Hans Christian Andersen

— Daphne sugeriu.A vovó balançou a cabeça. — Daphne, Andersen

não foi um Sobrevivente. Ele apenas escreveu sobre eles. E morreu há muito tempo.

— Você sabe disso, bobona — Sabrina interrom-peu. — Lemos sobre isso na estátua do Central Park.

— Tem uma estátua de Christian Andersen no Central Park? — a vovó perguntou. — Sabrina, você é um gênio. Pode nos levar lá?

Sabrina concordou com relutância.Enquanto partiam em direção ao parque, a vovó

virou-se no banco e entregou o livro que estava lendo a Sabrina.

— Você e Daphne deveriam ler isto — ela disse. — Aqui está tudo o que precisam saber sobre Fadas.

Sabrina olhou para o livro. Era uma peça de William Shakespeare, chamada Sonho de uma Noite de Verão.

Daphne o pegou e folheou o volume. — Que idioma é esse? — ela perguntou.

— É inglês — o Sr. Cícero disse. — Inglês arcaico.Minutos depois, eles estavam atravessando a ponte

e passando pelas ruas e avenidas da cidade. Esquecendo---se do livro temporariamente, Daphne ficou olhando para os locais pelos quais passavam, mostrando o res-taurante favorito de seu pai e o parquinho onde a mãe as levava nas tardes de domingo. Sabrina também que-ria olhar pelas janelas, mas a cidade já não era mais a