a configuraÇÃo do masculino em grimm o pÁssaro dourado - ::cifefil:: · o pássaro dourado,...

31
A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM: O PÁSSARO DOURADO REGINA SILVA MICHELLI (FFP-UERJ) DANIEL SIMÕES SANTOS MASSA Nos contos de fadas acham-se gravadas idéias infinitamente sábias que durante séculos se recusaram a se deixar mutilar, desgastar ou matar. (ESTES, 2005, p. 11) RESUMO: A narrativa tradicional permite o mergulho em conteúdos que a aproximam do mito, permitindo o levantamento e a análise de configurações arquetípicas. Este trabalho objetiva pensar a estrutura do comportamento masculino em alguns contos dos irmãos Grimm, tendo em vista a constituição de paradigmas ofe- recidos na abordagem analítica junguiana, articulando o conceito de anima e os arquétipos de rei, guerreiro, mago e amante. Tanto se fala do feminino, das fadas, das princesas encantadas, do quanto as mulheres viveram – e algumas ainda vivem – sob o jugo masculino, submissas e humilhadas em uma sociedade patriarcal! Acreditamos, porém, que sujeição semelhan- te foi vivida pelos homens, tanto porque o patriarcalismo articula

Upload: ngothu

Post on 11-Nov-2018

227 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM: O PÁSSARO DOURADO

REGINA SILVA MICHELLI (FFP-UERJ) DANIEL SIMÕES SANTOS MASSA

Nos contos de fadas acham-se gravadas idéias infinitamente sábias que durante séculos se recusaram a se deixar mutilar, desgastar ou matar. (ESTES, 2005, p. 11)

RESUMO:

A narrativa tradicional permite o mergulho em conteúdos

que a aproximam do mito, permitindo o levantamento e a análise

de configurações arquetípicas. Este trabalho objetiva pensar a

estrutura do comportamento masculino em alguns contos dos

irmãos Grimm, tendo em vista a constituição de paradigmas ofe-

recidos na abordagem analítica junguiana, articulando o conceito

de anima e os arquétipos de rei, guerreiro, mago e amante.

Tanto se fala do feminino, das fadas, das princesas

encantadas, do quanto as mulheres viveram – e algumas ainda

vivem – sob o jugo masculino, submissas e humilhadas em uma

sociedade patriarcal! Acreditamos, porém, que sujeição semelhan-

te foi vivida pelos homens, tanto porque o patriarcalismo articula

Page 2: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

2

o poder sobre todos os seres humanos, independentemente do

gênero a que pertençam, quanto pelas influências culturais que

levaram o homem a se afastar da sensibilidade, da intuição, de

uma linguagem amorosa, elementos que o fragilizavam como tal.

Não é à toa que o masculino atravessa uma crise de identidade,

em meio à instabilidade identitária dos tempos contemporâneos!

Este trabalho se propõe a pensar justamente a configuração do

masculino, numa linha junguiana, em um conto da Literatura

Infanto-Juvenil escrito por Jacob e Willhelm Grimm. Mas... a

configuração do masculino... logo em um conto infantil?!

Os contos de fadas, sob a ótica do senso-comum,

carregaram por muito tempo o estigma de simples histórias para

crianças, literatura “menor” frente à “adulta”. Por estes contos

estarem ligados ao público infantil, foi-lhes atribuída a idéia de

puerilidade. Histórias onde personagens se envolviam em aventu-

ras e peripécias maravilhosas eram vistas apenas como mero

entretenimento destinado à infância.

Estudos da psicologia analítica e da psicanálise, porém,

mostraram que, por baixo desta pseudo-puerilidade, os contos de

fadas trazem marcas do mais profundo inconsciente humano, pois

“confronta a criança honestamente com os predicamentos huma-

nos básicos” (BETTELHEIM, 1980, p.15). As histórias, com

enredos aparentemente simples e infantis, escondem temas que

remetem a grandes e eternos conflitos existenciais. Incertezas

quanto à própria identidade, problemas nas relações amorosas e

Page 3: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

3

familiares, o embate entre razão e paixão, a busca pelo amadure-

cimento emocional, a vivência da morte, entre tantos outros, são

aspectos comuns a homens e mulheres de qualquer época ou so-

ciedade e, por isso, os contos de fadas atravessam séculos sem

nunca perderem o encanto.

Quer entendamos um conto de fadas cultural, cognitiva ou espiritualmente – ou de outras maneiras, como quero quer –, resta uma certeza: eles sobreviveram à agressão e à opressão políticas, à ascensão e à queda de civilizações, aos massacres de gerações e a vastas migrações por terra e mar. Sobrevi-veram a argumentos, ampliações e fragmentações. Essas jóias multifacetadas têm realmente a dureza de um diamante, e talvez nisso resida o seu maior mistério e milagre: os senti-mentos grandes e profundos gravados nos contos são como o rizoma de uma planta, cuja fonte de alimento permanece viva sob a superfície do solo mesmo durante o inverno, quando a planta não parece ter vida discernível à superfície. A essência perene resiste, não importa qual seja a estação: tal é o poder do conto. (ESTÉS, 2005, p. 11-2)

Para o psicólogo suíço Carl Gustav Jung, os contos de fa-

das são representações de acontecimentos psíquicos, como os so-

nhos, “Mas, enquanto os sonhos apresentam-se sobrecarregados

de fatores de natureza pessoal, os contos de fada encenam dramas

da alma com materiais pertencentes em comum a todos os

homens” (SILVEIRA, 1976, p. 119).

Dessa forma, estas narrativas têm origem no inconsciente

coletivo, um substrato da psique humana, comum a todos os

indivíduos da raça, independente da cultura, sociedade ou época

em que viveram. O inconsciente coletivo é composto por com-

Page 4: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

4

teúdos impessoais, acumulados ao longo de toda a existência

humana e pré-humana, que são passados hereditariamente ao

longo dos tempos. Funciona como um depósito de experiências

repetidas incansavelmente pela espécie, “padrões instintivos e

configurações energéticas” (MOORE; GILLETTE, 1993, p. 9).

Por sua vez, cada experiência dessas, em separado, recebe o nome

de arquétipo: “são possibilidades herdadas para representar ima-

gens similares, são formas instintivas de imaginar. São matrizes

arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam

forma” (SILVEIRA, op. cit., p. 77).

Os contos de fadas “pertencem ao mundo arquetípico. Por

isto seus temas reaparecem de maneira tão evidente e pura nos

contos de países os mais distantes, em épocas as mais diferentes,

com um mínimo de variações” (Id., ibid., p. 119). A leitura de um

conto de fadas permite aflorar sentimentos muitas vezes escon-

didos ou camuflados pelo viver racional, cotidiano. Clarissa Pin-

kola Estés, analista junguiana e estudiosa dos contos ligados à

tradição oral de diferentes povos, afirma: “Um conto convida a

psique a sonhar com alguma coisa que lhe parece familiar, mas

em geral tem suas origens enraizadas no passado distante. Ao

mergulhar nos contos, os ouvintes revêem seus significados, ‘lê-

em com o coração’ conselhos metafóricos sobre a vida da alma.”

(STÉS, op. cit., p. 12-3). A referida autora acrescenta: “o conto

pode contribuir para o aprendizado da vida e para o desenvol-

vimento da percepção em assuntos de pequena ou de grande

Page 5: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

5

monta. O aprendizado e a percepção são responsáveis pela

aquisição de uma consciência de significação” (Id., ibid., p. 17).

Assim, ouvir, ler, lembrar – vivenciar – uma história de fadas são

atos muito mais complexos do que parecem,

(...) têm um efeito mais semelhante ao de se ligar uma tomada interna. Uma vez ativados, os contos evocam um subtexto mais profundo na psique, uma percepção que, através do inconsciente coletivo, chegou inata, seja antes, durante, ou no momento em que a primeira brisa acariciou o corpo úmido do bebê recém-nascido do ventre materno. (ESTÉS, op. cit., p. 12)

A narração de um conto funciona como uma ponte que liga

inconsciente e consciente, faz com que o homem tenha contato

com experiências que lhe parecem familiar, mas possuem origem

em tempos remotos, e ainda lhe permite vivenciar e elaborar seus

conflitos internos. Os contos de fadas estão repletos de manifes-

tações de arquétipos. Todas as histórias apresentam personagens

arquetípicas, figuras que representam estas “formas instintivas de

imaginar” (SILVEIRA, Id., ibid., p. 77) que o homem possui em

seu inconsciente:

É um certo número de imagens ou figuras arquetípicas que emergem com freqüência e por toda parte, como por exemplo as figuras do herói, do monstro, do mago, da bruxa, do pai, da mãe, do velho sábio, da criança etc., etc. Jung chama essas figuras de ‘imagens primordiais ou arquétipos’ , pois elas representam formas que se tornaram idéias bem universais e atemporais. (JUNG, 2006, p. 15)

Page 6: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

6

Neste trabalho procuramos apresentar uma análise da figura

masculina no conto O pássaro dourado – ou O pássaro de ouro –,

dos irmãos Grimm, utilizando a obra Rei, Guerreiro, Mago,

Amante, de Robert Moore e Douglas Gillette, de base junguiana.

Os autores citados apresentam a configuração básica do

masculino – a psicologia do Homem – dividida em quatro princi-

pais arquétipos, os que dão título ao livro. Cada um destes, por

sua vez, possui um equivalente na psique masculina imatura,

chamada de psicologia do Menino. Para alcançar a plenitude do

homem é preciso haver uma morte – simbólica, psicológica ou

espiritual: “o Ego do menino tem de ‘morrer’ ritualmente para

que o novo homem possa surgir.” (MOORE; GILLETTE, op. cit.,

p. 6). Cada um dos arquétipos da psicologia do Menino vai dar

lugar aos arquétipos da masculinidade amadurecida. Assim, à

Criança Divina corresponde o Rei; à Criança Precoce, o Mago; à

Criança Edipiana, o Amante; o Herói vira o Guerreiro: “o homem

amadurecido transcende as forças masculinas da infância, elabo-

rando-as, em vez de demoli-las” (Id., ibid., p. 15). É importante

ressaltar que os potenciais arquetípicos masculinos relacionam-se

entre si, não são energias estanques. Os arquétipos do masculino

imaturo podem ainda se prolongar pela idade adulta, com os

homens apresentando um comportamento infantilizante.

Cada potencial energético arquetípico na psique masculina - tanto nas suas formas imaturas como nas amadurecidas - possui uma estrutura trina, ou tripartite.

Page 7: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

7

No topo do triângulo fica o arquétipo na sua plenitude. Na base, ele é vivenciado no que chamamos uma forma disfuncional bipolar, ou de sombra. (...) essa disfunção bipolar pode ser vista como imatura, por representar uma condição psicológica que não é integrada nem coesa. (Id., ibid., p. 14)

Essa base sustenta, de um lado, um aspecto aumentado

(pólo ativo), de outro, diminuído (pólo passivo), ambos integran-

do o lado da sombra. A título de exemplificação, para os segui-

dores de Jung, a Criança Divina, primeiro arquétipo do masculino

não-maduro a aflorar, representa em plenitude a fonte de vida,

com “características mágicas que dão poder, e, entrar em contato

com elas produz uma enorme sensação de bem-estar, entusiasmo

pela vida, e grande paz e alegria” (MOORE; GILLETTE, op. cit.,

p. 22). Na base do triângulo, o “Tirano da Cadeirinha Alta”, o

pólo ativo, caracterizado por arrogância, infantilidade, irresponsa-

bilidade, exigências sem limite, e o “Príncipe Covarde”, o pólo

passivo, com pouca personalidade, sem iniciativa e entusiasmo

pela vida, desejando ser mimado. O primeiro considera-se o cen-

tro do universo, o segundo, uma vítima indefesa da vida, ambos

querendo ser servidos, articulando o poder. Na psique masculina

amadurecida, o Rei corresponde à Criança Divina, porém “ama-

durecido e complexo, sábio e de certa forma tão altruísta quanto

ela é preocupada consigo mesma”, (Id., ibid., p. 49). Na base, o

Rei da Sombra, cujo pólo passivo é o Covarde; o pólo ativo, o

Tirano. Não nos deteremos na apresentação de todos os arqué-

Page 8: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

8

tipos analisados na obra de Moore e Gillette, utilizando apenas os

que nos permitem configurar o masculino no conto em questão.

O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-

cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento espa-

cial: as viagens permitem que a personagem principal, o filho

mais jovem do rei, adquira amadurecimento pessoal pelas

experiências de vida e pelas conquistas realizadas. Há no conto

diversas personagens que representam os arquétipos da psique

imatura e amadurecida, e suas respectivas sombras, as disfunções.

O texto (referido no corpo do trabalho pela abreviatura

OPD, de 1991) inicia-se com a apresentação do tempo mítico,

uma personagem e um espaço físico, elementos característicos

deste tipo de narrativa: “Há muito tempo, vivia um rei que pos-

suía, atrás de seu castelo, um lindo pomar, onde crescia uma

árvore que estava carregada de maçãs de ouro” (ibidem, p. 4). Na

descrição do espaço físico, destacam-se dois elementos que meta-

forizam a trajetória da personagem principal: de um lado, o

castelo, símbolo de poder, soberania, defesa, construção levada a

cabo por homens, traduzindo o luxo, a vida social, o encastela-

mento da nobreza, a cultura; de outro, o pomar, sinalizando a

presença da natureza através de seus frutos, que alimentam os

seres vivos. É exatamente neste pomar – espacialmente protegido

e escondido pelo castelo à sua frente – que reside a riqueza e a

manutenção da prosperidade daquele reino: as maças de ouro. A

simplicidade da natureza assinala a verdadeira riqueza.

Page 9: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

9

O equilíbrio inicial apresentado na narrativa é rompido a

partir da constatação de que uma das maçãs sumira. O rei tomou

ciência do ocorrido e “ordenou que todas as noites alguém ficasse

guardando a árvore.” (Ibidem, p. 4). Coube ao filho mais velho do

rei a tarefa de vigiar o pomar, mas, à meia-noite, ele adormeceu,

sendo roubada outra maçã. O mesmo se repetiu com o segundo

filho. O terceiro, o caçula, a custo obteve a permissão do pai –

“que não confiava muito nele e achava que não teria mais êxito

que seus irmãos” (Ibidem, p. 5).

Bruno Bettelheim trabalha a idéia do filho caçula como

simplório, desvalorizado socialmente, uma vez que o “herdeiro do

trono” é o primogênito, mas obtendo sucesso nas narrativas literá-

rias, espécie de compensação para essa desvantagem “social” e

“histórica”. Cumpre destacar que os filhos mais velhos nada

precisam provar. Sobre o caçula, por ser o mais inexperiente e

imaturo – e às vezes ingênuo -, recai o descrédito do pai. Ele

precisa provar sua competência, sente-se desafiado a isso e sua

honra depende de ser bem sucedido, onde os mais velhos

fracassaram. Observa-se que aquilo que é recebido sem esforço,

pouco mérito e significado (geralmente) adquire para aquele que

recebe tal bem: no conto, os filhos mais velhos não se esforçam

na realização da tarefa que lhes foi concedida. É o empenho

pessoal na realização da conquista que leva ao sentimento de

valorização do que foi obtido.

Page 10: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

10

O filho mais novo, porém, permaneceu acordado e, à meia-

noite, “um ruído de asas passou pelo ar e ele viu, à luz da lua, um

pássaro voando, suas penas tinham um brilho dourado” (Id., ibid.,

p. 6). O pássaro era o responsável pelo sumiço das maçãs. O

tempo cronológico é enfaticamente marcado nas três ações dos

príncipes: meia-noite representa um período de transição, fim de

um dia e começo de outro. Os príncipes mais velhos assinalaram

sua inépcia para ‘atravessar’ a vida, para ‘amanhecer’: sucum-

biram ao sono, à inércia, à falta de vitalidade para conquistar o

que quer que seja. O filho caçula é o que vai realizar a passagem,

adquirindo o conhecimento acerca da tarefa que se propôs a

realizar: o príncipe lançou uma flecha ao pássaro, que escapou,

mas deixou cair algumas penas, entregues ao rei na manhã se-

guinte. O rei, sabendo do valor daquelas penas, manifestou a

decisão de querer o pássaro inteiro. A luz da lua pode ser inter-

pretada como metáfora do brilho não convencional e forte como o

do sol, tal qual o filho mais jovem, desvalorizado pelas conven-

ções sociais.

Inicia-se uma nova seqüência narrativa, caracterizada pela

busca do pássaro e conseqüente partida dos príncipes, que care-

cem de sair do castelo, lançando-se à vida. Destaca-se a

importância da viagem, elemento invariante na efabulação, as-

sinalado por Vladimir Propp (2003, p. 80-1) e retomado por Nelly

Novaes Coelho na análise dos contos maravilhosos (2000, p. 109-

10; 2003, p. 113-14). A viagem, o sair de casa, é condição

Page 11: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

11

indispensável à realização do desígnio (ou aspiração) traçado pelo

herói, que “empreende uma viagem ou se desloca para um

ambiente estranho, não-familiar”, pois “basicamente, a luta pela

auto-realização trava-se fora de casa, no corpo-a-corpo do eu com

o mundo exterior, com outros”, afastado do aconchego e da

proteção familiares (COELHO, 2000, p. 110); Propp atribui a esta

função a finalidade da busca: é a “partida do herói-que-demanda”

(2003, p.80).

O primeiro a partir é o príncipe mais velho, caracterizado

na narrativa por auto-suficiência, soberba e maldade: confia em

sua esperteza para obter o pássaro e atira na raposa que surge à

entrada da floresta, pois desqualifica o conselho que ela lhe dá.

Segue adiante e, ao anoitecer, chega à aldeia, onde se achavam as

duas estalagens, conforme avisara a raposa.

As duas estalagens, espacialmente em oposição, uma de

frente para a outra, são também caracterizadas de forma antitética:

uma é apresentada através dos adjetivos triste, desolada, miserá-

vel; a outra é iluminada, associada aos substantivos alegria, far-

tura, festa, música, prazeres. Claramente observa-se a tensão entre

o princípio do prazer (a energia psíquica é utilizada para realizar o

objetivo de evitar a dor e obter o prazer, através da descarga

imediata de tensão) e o princípio da realidade (quando o objeto de

escolha original de um instinto é inatingível, a energia psíquica

investe em objetos substitutivos que reduzam, ainda que parcial-

mente, a tensão): o filho mais velho “entregou-se aos prazeres e

Page 12: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

12

festa e esqueceu do pássaro, seu pai e todos seus bons ensina-

mentos” (OPD, p. 8). Repetem-se os acontecimentos com o

segundo filho, que não resiste ao chamado do irmão pela janela

da estalagem. Assim, os dois filhos mais velhos desviam-se do

objetivo que os movera ao se deixarem seduzir pelo prazer,

justificando o fato de a ‘melhor’estalagem ser a mais perigosa. Há

ainda a possibilidade de aproximar este evento do discurso bi-

blico, que aponta o caminho mais formoso como, muitas vezes, o

de maior perdição.

O terceiro filho imprime a marca da diferença, tendo que

novamente despender energia para convencer o rei, seu pai, a

também deixá-lo partir, o que obtém depois de muita insistência.

O rapaz prima por um comportamento atencioso para com a

raposa e, segundo a narrativa, “piedoso”. Dirige-se a ela tratando-

a pelo diminutivo “raposinha”, forma aparentemente utilizada

para expressar carinho e não o tamanho do animal. Ouve seus

conselhos e permanece na pequena estalagem.

A raposa é presença constante em todo o conto, efetivando

a função de auxiliar ou mediador mágico, aquele “que afasta ou

neutraliza os perigos e ajuda o herói a vencer” (COELHO, 2003,

p. 113), outra invariante proposta por Nelly Novaes Coelho, na

esteira de Vladimir Propp. A raposa, no conto, é sagaz, sabe que

os príncipes estavam em busca do pássaro de ouro e aconselha-os

quanto ao melhor caminho a ser seguido, refugiando-se na flores-

ta ao se ver ameaçada pelos dois mais velhos. Ao mais novo,

Page 13: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

13

presta sua ajuda e solidariedade durante todo o conto: estende-lhe

a cauda, para irem rapidamente de um lugar a outro, e a expressão

“correram sobre pedras e galhos e os cabelos voavam ao vento”

aparece reiterada diversas vezes na narrativa, assinalando, em

nossa leitura, os obstáculos transpostos graças à ajuda da raposa

(as pedras e os galhos) e a liberdade de escolha, o livre arbítrio do

rapaz (os cabelos em liberdade). A necessidade de se afastar das

armadilhas da própria vida, que desviam o ser dos objetivos

traçados, aparece expressa através de termos como ir “sempre em

linha reta” (OPD, p. 10, 12), “vá direto ao castelo” (Ibidem, p. 10)

ou “Este caminho leva-o diretamente ao palácio dourado”

(Ibidem, p.14), conselhos dados pela raposa a fim de que o

príncipe seja não apenas bem sucedido, como se mantenha fiel à

sua demanda.

O deslocamento espacial conduz o jovem príncipe de um

castelo a outro. O primeiro é o do pássaro dourado, depois o do

cavalo dourado e, por fim, o palácio dourado da bela princesa. A

estrutura narrativa se repete, de certa forma apresentando as

invariantes destacadas por Nelly Novaes Coelho, com base em

Propp. Há a aspiração, caracterizada pela busca e aquisição de

algo – o pássaro, o cavalo, a princesa -; a viagem de um local ao

outro; o desafio à realização, marcado pelas escolhas a serem

feitas, ou os “obstáculos aparentemente insuperáveis que se

opõem à ação do herói” (COELHO, ibidem, p. 113); a mediação

realizada pela raposa através da ajuda nas viagens e dos conselhos

Page 14: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

14

quanto ao comportamento mais adequado ao sucesso, o que

significa realizar as escolhas certas. O jovem príncipe, porém,

transgride – ou desobedece – às orientações recebidas, é preso e

punido com a pena de morte, comutada mediante a obtenção de

algo que estabelece uma nova busca, abrindo uma nova seqüência

narrativa. A conquista do objetivo vai sendo postergada, assina-

lando uma trajetória de erros que, ao final, conduzirão à plenitude

das conquistas efetivadas.

Assim, a raposa informou ao príncipe caçula que, ao chegar

ao castelo do pássaro dourado, ele encontraria muitos soldados

dormindo, razão pela qual eles não ofereceriam resistência à sua

passagem. Após percorrer vários aposentos, ele chegaria a um

pequeno quarto onde se encontrava uma gaiola de madeira com o

pássaro dourado, gaiola que não deveria ser trocada pela de ouro,

“pois isso poderá lhe prejudicar” (OPD, p. 10). Tudo acontece

como a raposa havia lhe dito: o jovem encontrou o pássaro e as

três maçãs no chão. Não resistiu, porém, à beleza do pássaro e à

da gaiola de ouro, um “adorno” segundo a raposa, acreditando

que “não seria certo deixar um pássaro tão bonito numa gaiola tão

feia” (Ibidem, p. 11). Ao trocar o pássaro de gaiola, este gritou, os

soldados acordaram e o prenderam. O príncipe “foi julgado e,

como confessou tudo, foi condenado à morte. Mesmo assim o rei

lhe prometeu a liberdade com a condição de que lhe trouxesse o

cavalo dourado, que corre mais rápido que o vento, e como

recompensa ganharia o pássaro de ouro” (Ibidem, p.11). Ao sair,

Page 15: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

15

o jovem príncipe encontrou a raposa, que o ajudou a chegar ao

castelo do cavalo dourado, repetindo-se as orientações. Agora

haveria guardas dormindo diante da cocheira onde se encontrava

o cavalo dourado, em quem o jovem deveria colocar “a sela velha

de madeira e couro, jamais a sela dourada” (Ibidem, p.12), pois

isso iria lhe prejudicar. Novamente ele se equivocou nas suas

avaliações, considerando que a sela dourada era a que um cavalo

tão bonito merecia, momento em que o animal relincha, açor-

dando os guardas e tudo se repete tal qual no castelo anterior. O

perdão (e a liberdade) seria concedido ao príncipe, junto com o

cavalo, mediante a entrega da bela princesa do castelo dourado.

A escolha correta incide sobre a simplicidade da gaiola de

madeira e da sela de madeira e couro. As gaiolas e as selas

douradas assinalam a eleição tomando por base a aparência, em

detrimento da essência do que se pretende. O valor intrínseco

reside no pássaro e no cavalo, que se encontram em locais sim-

ples, enquanto os objetos materiais encerram um valor superficial.

O exterior simples (de gaiola e sela) favorece a percepção do ser

(o pássaro e o cavalo dourados). A aprendizagem a ser realizada

pelo príncipe é descobrir onde reside a verdadeira importância de

coisas e pessoas, vivenciando o pomar que existe atrás do castelo.

Ele precisa se desprender dos valores sociais em que fora criado.

Para isso viaja, ganha mundo, passa por desafios, enfrenta a

morte, adquire experiência.

Page 16: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

16

Os soldados e os guardas representam os obstáculos a

serem ultrapassados na conquista do objetivo desejado. São os

guardiões dos tesouros. Se o príncipe manifestasse discernimento

e maturidade, o caminho ser-lhe-ia livre e desimpedido. Como

tropeça em “pedras e galhos”, precisa se defrontar com a falência

e a perspectiva da própria morte, assumindo as conseqüências de

suas escolhas.

Os dois episódios reiteram a necessidade de aprendizagem

e amadurecimento do príncipe, que é colocado sob a mesma

circunstância por duas vezes, repetindo o mesmo padrão

avaliativo, carecendo de efetivar a escolha amadurecida do que é

essencial, sem se afastar do objetivo inicialmente traçado. Cum-

pre ressaltar que essas escolhas equivocadas do príncipe não se

devem à ambição, antes aos critérios de julgamento que ele

possui, valorizando a riqueza e o luxo como prova de mereci-

mento dos seres – tanto o pássaro como o cavalo merecem gaiola

e sela de ouro.

No palácio dourado, outras foram as recomendações da

raposa ao jovem príncipe. Seguindo suas orientações, ele esperou

pela meia-noite e, quando a princesa apareceu na casa de banhos,

deu-lhe um beijo, espécie de salvo-conduto para que ela o acom-

panhasse; o príncipe, porém, não deveria permitir que ela se

despedisse dos pais, pois “isso lhe traria problemas” (OPD, p.

14). Ele terminou por se condoer da princesa que, com lágrimas

nos olhos e ajoelhada a seus pés, implorou-lhe para se despedir

Page 17: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

17

dos pais antes de partir com ele. O pai, guardião da filha, seu

maior tesouro, e todos os demais acordaram e prenderam o rapaz.

Novo desafio se instala para ele: o perdão ser-lhe-ia concedido,

bem como a mão da princesa, se removesse a montanha que

existia diante da janela do rei e que lhe tirava a visão, tarefa a ser

realizada no período de oito dias. Durante os sete primeiros, o

príncipe executou sozinho a atividade de cavar a montanha, mas,

sem obter grandes sucessos, caiu em grande depressão. A raposa

novamente surgiu, prontificando-se a realizar o trabalho. Na

manhã seguinte, ele reclamou ao rei o cumprimento do que fora

combinado e partiu, levando consigo a princesa.

O beijo, associado à sedução, além de possibilitar a

conquista da princesa, estabelece uma aliança, a confirmação de

um pacto, e por isso o osculum era a última etapa realizada pelo

senhor feudal ao sagrar um cavaleiro. O banho, por sua vez,

assinala a idéia de purificação e limpeza, o desvencilhar-se de

estruturas antigas. Ainda que a princesa não tenha conseguido

tomar o banho que pretendia, é na casa de banhos que ocorre o

encontro dela como príncipe. O tempo cronológico anuncia a

meia-noite, hora de mudança, de transição. A princesa é a grande

conquista do príncipe, o ‘fim da linha’ de sua viagem, ou, como

anuncia a raposa, “O melhor você já tem” (Ibidem, p. 17). Há uma

hierarquia na sucessão dos seres “dourados” presentes na

narrativa: maça (vegetal), pássaro (ave), cavalo (animal

Page 18: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

18

mamífero) e princesa do castelo dourado (assinalando o encontro

com o outro).

Novamente repete-se a advertência de não acordar os

inimigos, aqueles que podem se interpor e dificultar o alcance do

objetivo traçado. O conselho de que o príncipe não permitisse à

princesa se despedir dos pais significa isso. Assinala ainda a

necessidade de ela não olhar para trás, desatando-se de ligações

afetivas já existentes para estabelecer uma nova, com o marido.

Uma vez acordado o pai, é preciso retirar a montanha que lhe

impede a visão do que há além do castelo: simbolicamente ele só

permitirá que lhe levem a filha (provavelmente o grande objetivo

de sua vida) caso lhe descortinem novos horizontes, possibilitan-

do o estabelecimento de novas perspectivas – de olhar e de vida.

A raposa surge apenas no oitavo dia, após deixar o príncipe

tentar cumprir, pelos seus próprios esforços, a tarefa exigida para

a obtenção da princesa. Se a presença do número sete é uma

constante nas narrativas maravilhosas, (COELHO, 2000, p. 179) e

simboliza, dentre várias possibilidades, “a conclusão do mundo”

levada a cabo por Deus, “e a plenitude dos tempos” (CHEVA-

LIER; GHEERBRANT, 2002, p. 828), o oitavo dia “é o símbolo

da ressurreição, da transfiguração, anúncio da era futura eterna”

(Id., ibid., p. 653), tempo do fazer humano.

Conquistada a princesa, inicia-se um novo ciclo para o

herói: o retorno ao castelo do pai, recuperando todos “os tesouros

conquistados” (OPD, p. 18), pois, como assegurou a raposa, “à

Page 19: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

19

donzela do palácio dourado também pertence o cavalo dourado”

(Ibidem, p. 17), o que torna lícita esta apropriação. O príncipe

seguiu os conselhos da raposa – adjetivada como “velha amiga”

(Ibidem, p. 12), “leal raposa” (Ibidem, p. 14), “fiel raposa”

(Ibidem, p. 17) – e obteve o pássaro e o cavalo dourados, além da

bela princesa. Este foi o momento em que a raposa se pronunciou

quanto a uma recompensa por sua ajuda: ela pediu ao jovem

príncipe para que a matasse e lhe cortasse a cabeça e as patas. Ele

se negou a fazer isto, não reconhecendo tal ato como prova de

gratidão. Observa-se que o processo de amadurecimento do herói

não se completou ainda: ele não possui suficiente discernimento,

tampouco sabedoria, para avaliar corretamente o que lhe pediu a

raposa, apesar de todas as experiências vividas com sucesso,

graças à ajuda recebida deste animal (que lhe mereceria, portanto,

confiança). Diante da recusa do príncipe para fazer o que lhe

pediu, a raposa anunciou que o abandonaria, não sem antes lhe

dar um conselho e entrar na floresta: “Não compre carne de al-

guma forca e não sente na beira de um poço” (Ibidem, p. 18). O

príncipe estranhou tal recomendação, seguiu em frente e chegou à

aldeia onde haviam ficado seus irmãos, agora condenados à forca

como malandros. O príncipe caçula conseguiu resgatá-los da

morte, pagando por eles. Continuaram todos juntos a viagem e

quando estavam na floresta, os dois irmãos sugeriram “descansar

um pouco perto deste poço para beber e comer” (Ibidem, p. 20).

Esquecendo-se da advertência da raposa, o jovem príncipe

Page 20: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

20

sentou-se à beira do poço, sendo empurrado pelos dois irmãos,

pelas costas (simbolizando a traição), para dentro dele. Os irmãos

mais velhos retornaram ao castelo do rei, afiançando serem eles

os autores das conquistas realizadas. O narrador informa, porém

que, apesar da alegria reinante, “o cavalo não comia, o pássaro

não cantava e a jovem só chorava” (Ibidem, p. 20), índices de que

algo estava errado.

O príncipe mais novo não morreu na queda, sendo, mais

uma vez, salvo pela raposa que o retirou do poço com sua cauda.

Garantiu-lhe ainda que a floresta estava cercada por guardas

enviados pelos irmãos, com ordens para o matar. No caminho

para o castelo do rei, o jovem trocou de roupas com um velho

pobre, conseguindo chegar a seu destino: “Ninguém o reconhe-

ceu, mas o pássaro começou a cantar, o cavalo começou a comer

e a bela donzela parou de chorar” (Ibidem, p. 21). Tal mudança no

ambiente atraiu a atenção do rei, que indagou a princesa sobre o

significado do que estava ocorrendo. Mesmo sem ter clareza e

conhecimento da presença do príncipe caçula, ela diz ao rei que

“Até parece que meu verdadeiro noivo chegou” (Ibidem, p. 22),

narrando-lhe todos os acontecimentos ocorridos e como fora

ameaçada de morte pelos príncipes mais velhos, caso dissesse a

verdade. O rei reuniu toda a corte, comparecendo o filho mais

jovem, sob a aparência de mendigo (tal como Ulisses, na volta a

Ítaca), sendo reconhecido, mesmo assim, pela princesa. Os dois

Page 21: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

21

irmãos foram condenados, o mais jovem, herdeiro do trono,

casou-se com a bela princesa.

O próprio narrador interroga: “Mas o que aconteceu com a

pobre raposa?” (Ibidem, p. 22). O príncipe voltou a encontrá-la

na floresta, ouviu de novo o pedido dela para que a libertasse de

sua desgraça, o que só agora ele cumpriu: a raposa transformou-se

no irmão da bela princesa, cessando o feitiço que fora lançado

sobre ele, sem que a narrativa explique os acontecimentos que

envolveram a metamorfose inicial – como se houvesse um conto

anterior, com a princesa de posse de seus animais, de que este

seria a continuação. A maldição só se romperia quando a raposa

efetivamente perdesse sua configuração animal, que precisa

desaparecer para dar vazão ao humano: não lhe bastava ser morta,

o que teria acontecido se ficasse na mira do príncipe mais velho,

sendo necessário o esquartejamento como forma de separar as

partes que a compõem, reduzida à perda do pensar (cabeça) e dos

movimentos (as patas), restando o tronco: “Nos contos de fadas,

redenção refere-se especificamente a uma condição em que

alguém foi amaldiçoado ou enfeitiçado e é redimido através de

certos acontecimentos ou eventos da história.” (FRANZ, op. cit.,

p.7). O conto termina com “a felicidade de todos, até o fim de

suas vidas” (OPD, p.23).

Resgatando-se a linha teórica proposta, observa-se que a

personagem real representa o arquétipo do Rei, remetendo ao

homem primordial, o Adão, à energia do Pai e à imago Dei, “a

Page 22: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

22

Imagem de Deus” (MOORE; GILLETTE, op. cit., p. 49). O

arquétipo é caracterizado por duas funções principais: “A

primeira é a de ordenar; a segunda é proporcionar fertilidade e

bênção” (Id., ibid., p. 52). Cabe-lhe manter a ordem, a justiça, a

tranqüilidade, a paz, a prosperidade de seus súditos (CHEVA-

LIER; GHEERBRANT, op. cit., p. 774-5). Ele tem o poder da

autoridade, além da responsabilidade de cuidar de seu povo e de

sua terra. No conto, o rei ordena que vigiem a árvore, mas depois

manda que o filho mais velho se incumba da tarefa; julga o filho

mais jovem como inapto ou incapaz de cumprir as tarefas em que

os outros mais velhos não obtiveram sucesso; determina que toda

a sua corte se apresente diante dele, quando a verdade é revelada:

os filhos mentirosos são condenados, cumprindo-se a lei, e o filho

mais novo é declarado o herdeiro do trono. “O rei humano faz o

princípio ordenador do mundo através da codificação das leis. Ele

faz as leis, ou, mais exatamente, as recebe da própria energia do

Rei e as passa à sua nação.” (MOORE; GILLETTE, op. cit., p.

55). No conto, é um rei justo, embora apresente como lado nega-

tivo a cobiça pelo pássaro, que não lhe pertence, ainda que ele

seja o responsável pela manutenção da prosperidade do reino – o

que justifica o cuidado com as maçãs e a sua fala diante do

conselho: “Se esta pena é tão valiosa – decidiu o rei – não tenho

outra alternativa, eu quero ter este pássaro inteiro” (OPD, p. 6). O

rei afasta-se dos arquétipos que evidenciam a sombra ou a

disfunção: não é o Tirano que explora e maltrata, temendo a

Page 23: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

23

ascensão dos filhos, preocupado com o seu próprio bem estar;

tampouco é o Covarde, que camufla o medo da própria fraqueza

com um comportamento opressivo e cruel. Os outros arquétipos

da psicologia do Homem também não se evidenciam nele.

O arquétipo do Rei concentra o poder, a justiça, enquanto

a ação cabe ao mais jovem, ao cavaleiro, que se desloca em busca

da sua demanda. O príncipe, filho de rei, exprime

(...) as virtudes régias no estado da adolescência, ainda não dominadas nem exercidas. (...) Ele faz mais o gênero do herói que o do sábio. A ele pertencem os grandes feitos, mais que a manutenção da ordem. O príncipe e a princesa são a idealização do homem e da mulher, no sentido da beleza, do amor, da juventude, do heroísmo. O símbolo tem também o seu lado obscuro: Lúcifer é o Prín-cipe das Trevas. O portador da luz não espalha outra coisa senão sombra. É a corrupção do melhor que se transforma no pior. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2002, p. 744)

Os filhos mais velhos exemplificam o ‘lado escuro’,

identificando-se ao arquétipo do Trapaceiro Sabichão: “é a

energia masculina imatura que faz trapaças, de natureza mais ou

menos séria, com a sua própria vida e com a dos outros”

(MOORE; GILLETTE, op. cit., p. 28). Os dois irmãos transfor-

mam-se em malandros, trapaceiam, tentam matar o irmão mais

jovem e tomam suas glórias, sendo condenados à forca, na aldeia,

e depois à morte, no castelo do pai. Acrescente-se a estas

características o aspecto do Sabichão, o que gosta de intimidar os

demais porque se acredita o mais inteligente e superior, além de

Page 24: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

24

ser “caracteristicamente presunçoso e quase sempre tem um

sorriso arrogante nos lábios” (Id., ibid., p. 29). O filho mais velho

“confiava na sua esperteza e estava certo de que acharia o pássaro

dourado” (OPD, p. 6), depreciando o conselho da raposa, a quem

tentou matar: “Como um animal tão ignorante poderia me dar um

bom conselho?” (Id., ibid., p. 7).

Com relação ao príncipe mais jovem, ele atualiza o

arquétipo da Criança Edipiana, do masculino imaturo, cuja ener-

gia está ligada à Mãe, enquanto relação primordial: ‘É emotivo e

tem um sentimento de admiração e profundo apreço pela comuni-

cação com suas profundezas internas, com os outros e com todas

as coisas. É terno, ligado e afetuoso.” (MOORE; GILLETTE, op.

cit., p. 33). Ele insiste em ajudar a descobrir a causa do sumiço

das maçãs, ouve os conselhos da raposa, mas não os cumpre

integralmente, pois se deixa levar pela emoção. Com pena do

pássaro e do cavalo, coloca o primeiro na gaiola de ouro e lança a

sela de ouro sobre o segundo. Deixa-se enternecer pelos rogos da

princesa e não hesita em libertar os irmãos da forca, sentando

distraidamente na beira do poço. É incapaz, inicialmente, de

realizar o pedido da raposa, a quem chamara de raposinha, para

que a mate. Age movido pela emoção.

O príncipe mais jovem, ainda na condição imatura, articula

um outro arquétipo: o do Herói, considerado por Moore e Gillette

a variedade mais avançada da psicologia do Menino, “o arquétipo

que caracteriza o máximo no estágio adolescente do desenvol-

Page 25: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

25

vimento” (Op. cit., p. 37). A energia do Herói torna o menino

capaz de romper com a Mãe, no fim da infância, a fim de

conseguir enfrentar as tarefas que a vida lhe reserva, testando seus

limites:

As energias do Herói apelam para as reservas masculinas do menino, que se aprimoram conforme ele amadurece, para estabelecer a sua independência e a sua competência, para que ele possa vivenciar as suas próprias capacidades desabro-chando, para que seja capaz de “abrir o envelope” e testar-se diante das forças difíceis, e até hostis, do mundo. (...) O Herói permite que o menino se afirme e defina como pessoa distinta de todas as outras, para que afinal possa relacionar-se com elas de forma plena e criativa. (Id., ibid., p. 40)

O príncipe oscila entre a obediência e a autonomia. A

obediência irrestrita aos conselhos da raposa teria conduzido-o ao

sucesso imediato; por outro lado talvez não lhe possibilitasse o

acesso a outros bens (que significam, simbolicamente, o cresci-

mento), gerando dependência. A transgressão abre-lhe outras

possibilidades. O príncipe só “cresce”, só amadurece, por decidir

seus passos, fazer suas escolhas e assumir as conseqüências ori-

undas de seus atos – ele “paga o preço” de suas escolhas. A

raposa o aconselha, mas cabe ao príncipe o livre arbítrio na hora

de agir, sem a amiga a seu lado. Ele reconhece e admite seus

erros, sendo por isso condenado, sem que haja interferência da

raposa, que nada poderia fazer para salvá-lo da morte. O príncipe

obtém a liberdade às custas de desempenhar uma nova tarefa: sai

da prisão por mérito próprio, o que talvez se explique por ter

Page 26: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

26

conquistado a confiança dos reis ao confessar e dizer a verdade. O

conto possibilita a leitura de uma trajetória de crescimento através

de quedas que revelam o aprisionamento da personagem a

escolhas erradas: “Exatamente como nos contos de fadas mais

antigos, a vida é um mundo em que nossas fraquezas são em geral

nossas maiores dádivas, em que o mundo da perda e o reencontro

do coração e da alma são dolorosos, mas são em geral a única

questão fundamental e valiosa.” (ESTÉS, op. cit., p.19).

O príncipe carece de vivenciar a descida ao “fundo do

poço” e de utilizar as roupas esfarrapadas de um pobre homem

como etapa de aprendizagem daquilo que é essencial e verdadeiro

– só então começa o processo de transição para a condição adulta

amadurecida. “O Herói prepara o menino para ser homem”

(MOORE; GILLETTE, op. cit., p. 44):

A “morte” do Herói é a morte da infância, da psicologia do Menino e é o nascimento do adulto, da psicologia do Homem. A “morte” do Herói na vida de um menino (ou de um homem) significa que ele finalmente encontrou suas limitações. Ele encontrou o inimigo, e o inimigo é ele mesmo. Viu-se diante do seu próprio lado sombrio, não heróico (...). A “morte” do Herói sinaliza o encontro do menino ou do homem com a verdadeira humildade. É o fim de sua consciência heróica. A verdadeira humildade, acreditamos, consiste em duas coisas. A primeira é conhecer as nossas limitações. A segunda é conseguir a ajuda de que precisamos. (MOORE; GIL-LETTE, op. cit., p. 41)

Page 27: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

27

Apresenta-se a “morte” para quem escolheu com

imaturidade, baseando-se em critérios equivocados (a aparência

da gaiola e da sela douradas) ou deixando-se levar pela emoção e

pela bondade ingênua (quando cede aos rogos da princesa ou

salva os irmãos da forca). A trajetória de amadurecimento implica

vivenciar diversas “mortes” ao longo da vida, sucumbindo, prin-

cipalmente, a inocência que fragiliza o ser diante da malícia

necessária à condução da própria vida. O amadurecimento garante

ainda o discernimento da humildade a quem retornou à casa com

as roupas esfarrapadas de mendigo. O texto termina por afiançar a

importância de se responsabilizar pelas próprias escolhas, certas

ou erradas, conscientes ou não. O príncipe amadurece graças à

coragem de enfrentar as limitações decorrentes das decisões que

julga corretas. Por isso, cada nova tarefa significa a aquisição de

um bem melhor que o anterior. Ele adquire autonomia, o que não

significa auto-suficiência, haja vista a presença mediadora da

raposa.

Quando vemos que o herói ou a heroína imperfeitos são de fato parte essencial de todo conto de fadas, então começamos a perceber as formas previsíveis nas quais a psique muitas vezes tropeça e ainda assim se recupera. Por meio dos contos vemos que todos desejamos e nos esforçamos para nos transformar não em seres humanos medíocres, mas em los

humanos verdades, seres humanos verdadeiros que são capazes de manter o coração, a cabeça e a iniciativa com equanimidade. (ESTÉS, op. cit., p. 18-9)

Page 28: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

28

Amadurecido, o jovem se prepara para o desempenho de

arquétipos ligados à psicologia do Homem. Anuncia-se o

arquétipo do Guerreiro que, na sua plenitude, é “um caminho

espiritual ou psicológico na vida” (MOORE; GILLETTE, op. cit.,

p. 77). Define-se pela coragem em assumir a responsabilidade por

seus atos e ter auto-disciplina; pelo “compromisso transpessoal”,

significando seu senso de dever e “lealdade para com algo – uma

causa, um deus, um povo, uma tarefa, uma nação” (Id., ibid., p.

81), um rei; pela agressividade, entendida como um comporta-

mento de enfrentamento de tarefas e problemas que surgem na

vida. O arquétipo do Guerreiro combinado à energia do Amante

responde pelo sentimento de piedade e ligação com todas as

coisas: “O Amante se relaciona com tudo e com todos, atraído

através de sua sensibilidade. Esta o leva a sentir-se compassiva e

empaticamente unido com eles.” (Id., ibid., p.119). O príncipe

caçula, alçado à condição de herdeiro ao final do conto, evidencia

todos esses atributos, mantendo-se fiel à tarefa designada pelo pai

e às decisões tomadas com base no que considera melhor. É

sincero com todos que cruzam seu caminho, e particularmente

amoroso com os que lhe são caros, como a raposa, a princesa e os

irmãos, ainda que estes últimos não o merecessem. A energia do

Amante manifesta-se plenamente no encontro com a princesa,

cujo amor certamente deveu-se ao sentimento de piedade do jo-

vem. É a princesa que pressente a chegada do noivo e o reconhece

Page 29: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

29

apesar de sua aparência andrajosa, bem como os animais que ele

conquistara.

“E a raposa?”, perguntamo-nos tal qual o narrador. Ela

representa o arquétipo do Mago, aquele responsável por saber o

que os outros desconhecem, “vidente e profeta no sentido não

apenas de prever o futuro, mas de ver em profundidade.” (Id.,

ibid., p.97), sendo o arquétipo da consciência e da percepção, da

reflexão e da sageza:

As energias do arquétipo do Mago, seja onde e quando for que as encontremos, são duplas. O Mago é aquele que sabe e é o mestre da tecnologia. (...) Ele é o “ancião do ritual” que orienta os processos de transformação interna e externa. O Mago é sempre, ele mesmo, um iniciado, e a sua tarefa é iniciar os outros. Mas é iniciado em quê? O Mago é um iniciado no conhecimento oculto de todas as coisas. E esse é que é o ponto importante. Todo conhecimento que exige um trabalho especial para ser adquirido é domínio da energia do Mago. (MOORE; GILLETTE, op. cit., p. 96)

A raposa é a sabedoria de quem conhece além da evidência

empírica. Tal como uma fada – ou a anima do príncipe -, a raposa

prevê os acontecimentos e provê o herói do necessário para

atingir a vitória. Pelo fato de ser um animal, poder-se-ia associá-

la ao id, o lado instintivo humano, ou ainda à intuição, uma

espécie de insight interno a que a sociedade capitalista e racional

não dá ouvidos. A raposa assinala uma forma de aquisição (ou

consciência) do conhecimento diferente da racionalidade reinante,

carecendo apenas de que se acredite e confie nela. Além de

Page 30: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

30

conselheira, ajuda o príncipe em todos os momentos da história,

chegando a demolir a montanha em lugar do jovem amigo e

salvar sua vida ao retirá-lo do poço. Orienta-o durante toda a

aventura com sabedoria e esperteza e é a responsável pela

‘iniciação’ do jovem príncipe, a energia do Mago que faz a

transição do príncipe da psicologia do Menino para a psicologia

do Homem.

A marca do ouro está presente ao longo de toda a narrativa.

Este mineral associa-se simbolicamente ao brilho, à tomada de

consciência, à transmutação alquímica. Pela riqueza que este

conto nos oferece, enquanto leitura de texto e de vida, O pássaro

dourado nos permite voar em suas asas, tão ricas e valiosas

quanto a Literatura Infanto-Juvenil.

Page 31: A CONFIGURAÇÃO DO MASCULINO EM GRIMM O PÁSSARO DOURADO - ::CiFEFiL:: · O Pássaro Dourado, escrito pelos irmãos Grimm, eviden-cia o aprendizado pessoal obtido através do deslocamento

31

Referências bibliográficas:

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra, 1980.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de

símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria – Análise –

Didática. São Paulo: Moderna, 2000.

______. O conto de fadas: símbolos mitos arquétipos. São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 2003.

ESTÉS, Clarissa Pinkola. “Prefácio”. In: GRIMM, Contos dos

irmãos Grimm. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

FRANZ, Marie-Louise Von. O significado psicológico dos

motivos de redenção nos contos de fadas. São Paulo: Cultrix, 1993.

GRIMM. O pássaro dourado. Porto Alegre: Kuarup, 1991.

JUNG, Emma. Animus e anima. São Paulo: Cultrix, 2006.

MOORE, Robert, GILLETTE, Douglas. Rei, guerreiro, mago,

amante.Rio de Janeiro: Campus, 1993.

PROPP, Wladimir. Morfologia do conto. Lisboa: Vega, 2003.

SILVEIRA, Nise. Jung: vida e obra. Rio de Janeiro: José Álvaro/Paz e Terra, 1976.