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Para Sabrina e Dapahne Grimm, as últimas detetives de contos de fada, existe um mistério que elas querem resolver mais do que qualquer outro: Quem sequestrou seus pais há mais de um ano? Sabrina entra no esconderijo da Mão Escarlate, o grupo sinistro de Sobreviventes que estão mantendo seus pais como prisioneiros. Ela tem uma chance de salvar seus pais, mas é impedida pelo personagem mais famoso dos contos de fadas. Como uma criança humana pode derrotar uma criança mágica? Com a ajuda de sua irmãzinha (que pode ser mais corajosa do que Sabrina pensa) e um parente há muito distante, Sabrina encontra uma arma poderosa para poder lutar contra seus inimigos, e descobre que a mágica tem um preço alto.

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AS IRMÃS GRIMMA CRIANÇA-PROBLEMA

LIVRO 3

MICHAEL BUCKLEY

São Paulo 2011

Ilustrações de Peter Ferguson

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ele desceu dAs nuvens como um Anjo, envolvido em um raio de luz tão brilhante que Sabrina e Daphne tiveram de proteger os olhos e desviar o olhar. Quando pousou no chão e sorriu para o grupo, a luz ficou fraca o suficiente para que elas pudessem ver o rosto dele. E, antão, ele já não era mais o ser humano que havia sido antes, não estava mais ali: seu corpo fora substituído por um cristal brilhante, os olhos, por chamas fortes, como dois pequenos sóis iluminando a todos. Mas quando olhou para Sabrina, ela viu que a transformação não havia roubado o sorriso traquinas dele. Deu um passo na direção dela e esticou os braços, ao que ela se retraiu com medo. O sorriso dele rapidamente se tornou um franzir de testa.– O que você está fazendo? – Sabrina perguntou.– Estou concedendo um desejo a mim mesmo – ele respondeu. – Eu queria ser poderoso o bastante para fazer felizes as pes-soas a quem amo. Já fui triste. Ser feliz é melhor. Você tam-bém pode ser feliz. Faça um pedido, Sabrina. Qualquer coisa. Eu posso torná-lo realidade.– Mas pense no custo disso! – a vovó Relda disse ao se inclinar sobre o corpo do Prefeito Encantado, que rapidamente enve-lhecia. Sua amada, Branca de Neve, estava deitada ao lado dele, esticando as mãos de dedos ossudos e um pouco tortos para tocar o rosto enrugado dele. Para todos os lados que Sabrina olhava, os Sobreviventes estavam deitados lutando contra a repentina chegada da velhice. Muitos estavam à beira da morte.– Não chore por eles – o ser brilhante disse à senhora. – Os Sobreviventes tiveram sua história, e foi uma história muito

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longa. Com a força deles, eu posso recriar este mundo como um paraíso onde “viver feliz para sempre” não exista apenas em algu-mas histórias contadas na hora de dormir e que ganharam vida. Está na hora de todos os nossos sonhos se tornarem reali-dade!

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Sabrina abriu os olhos e viu um monstro curvado para a frente, olhando para ela. Ele tinha quase cinco metros de altura, a pele repleta de escamas,

duas asas pretas e com aspecto de couro, e uma enorme cauda enrolada que ia para a frente e para trás. Seus pés e mãos eram enormes, quase tão grandes quanto seu corpo, e a cabeça, na ponta de um longo pescoço parecido com o de uma cobra, não tinha nada além de dentes, milhares de presas que se mostravam à menina. Uma gota de saliva escorreu da boca da criatura e caiu na testa de Sabrina. Era tão quente quanto lava incan-descente. – JAGUADARTE! – o monstro vociferou.

Assustada demais para se mexer, San fechou os olhos e fez a única coisa que conseguiu. Rezou. Por favor! Por favor! Por favor! Que isto seja apenas um pesadelo!

CINCO DIAS ANTES1

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Depois de alguns momentos, ela ergueu lenta-mente uma sobrancelha. Infelizmente, o monstro ainda estava lá.

– Que absurdo – Sabrina sussurrou.– Bom dia! – um menino disse de algum canto do

quarto.Sabrina percebeu quem era. – Puck?– Nós acordamos você? Sinto muito!– Pode tirar essa coisa de cima de mim? – Sabrina

pediu.– Vai ter um preço.– Qual?– Acho que se tiver de salvá-la sempre que se meter

em encrencas, devo receber por isso. O preço médio para esse tipo de serviço é de sete milhões de dólares – Puck disse.

– Onde vou conseguir sete milhões de dólares? Tenho 11 anos!

– E quero todas as suas sobremesas pelos próximos seis meses – Puck acrescentou.

O monstro rosnou diante de Sabrina. Uma língua comprida e roxa saiu da boca da fera e a lambeu.

– Tudo bem! – Sabrina gritou.Puck deu um salto, parecido com aqueles dados

pelos ginastas olímpicos, e se pendurou em um lustre enferrujado do teto. Procurando o momento certo, ele caiu com os pés na cara horrorosa do monstro. A criatura foi para trás e gritou. Usando a cara do bicho como tram-polim, o sapeca pulou de novo e caiu em pé com as mãos

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na cintura. Ele se virou para Sabrina e lhe lançou um sorriso de menino traquinas e a puxou para que ficasse em pé. – Você viu aquela aterrissagem, Grimm? Quero fazer de tudo para que você sinta que seu dinheiro está sendo bem aproveitado.

Sabrina fez uma careta. – Por quanto tempo fiquei inconsciente? – ela perguntou. A cabeça dela ainda estava doendo por causa da pancada que a fera havia lhe dado quando ela chegou.

– Tempo suficiente para eu conseguir deixar o gran-dão e feioso aqui bem irritado. – Puck disse enquanto a fera se recuperava e corria na direção das crianças com uma velocidade incrível.

Duas asas enormes com manchas rosadas surgi-ram das costas de Puck e bateram sem parar. Antes de Sabrina perceber, ele havia agarrado a parte de trás do casaco dela e a estava segurando no ar, evitando o ataque do monstro por muito pouco. A parede que estava atrás deles não teve a mesma sorte. A força do ataque da fera fez com que ela caísse.

– Eu pego o grandão – Puck disse ao colocar a menina de volta no chão. – Você pega o pequeno.

Sabrina acompanhou o olhar de Puck. No canto do quarto havia uma criança vestindo um longo casaco ver-melho amarrado a seus tornozelos. Ela estava sentada sobre uma maca suja de hospital em algum lugar ao lado de duas pessoas inconscientes, Henry e Veronica Grimm – os pais de Sabrina!

A maneira com que Sabrina tinha chegado àquela situação era uma longa e quase inacreditável história,

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que tinha começado há um ano e meio, quando sua mãe e seu pai misteriosamente desapareceram. A única pista que a polícia havia encontrado era uma marca de mão, cor vermelho viva no painel do carro da família, que foi encontrado abandonado. Sem mais nenhum indício e sem sucesso nas investigações, a polícia foi forçada a encaminhar Sabrina e sua irmã de sete anos, Daphne, para adoção. Foi então, que as coisas mudaram de ruins para horríveis. As meninas passavam de uma casa a outra, todas repletas de malucos que faziam-nas de emprega-das, jardineiras e, certa vez, até telhadistas amadoras. Quando a avó, a quem elas não conheciam, encontrou as netas, Sabrina achava que nunca mais conseguiria confiar em ninguém. A vovó Relda também não facili-tou as coisas. Dez minutos depois de as meninas chega-rem à casa da senhora, ela começou a contar histórias incríveis, dizendo que as netas eram ascendentes pró-ximos dos Irmãos Grimm, cujo livro de contos de fada, segundo ela, não era uma coleção de história para serem contadas na hora de dormir, mas, sim, histórias reais. A vovó Relda também disse a elas que a cidade onde passa-riam a morar, Ferryport Landing, estava repleta de per-sonagens de contos de fada. Que agora eram chamados de Sobreviventes e viviam lado a lado com os habitantes comuns da cidade, apesar de adotarem disfarces mági-cos que escondiam suas verdadeiras identidades.

Para Sabrina, a história de sua avó parecia repleta de maluquices de uma velhinha caduca, mas também havia um lado sombrio nos relatos. Aqueles “Sobreviventes” não

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viviam na cidade, simplesmente. Eles estavam presos ali. Wilhelm, o mais jovem dos Irmãos Grimm, havia lançado um feitiço sobre a cidade para impedir que os Sobreviventes saíssem e declarassem guerra contra os seres humanos. O feitiço só poderia ser desfeito quando o último membro da família Grimm morresse. Sabrina havia dito a Daphne que as histórias daquela senhora eram bobagens, mas quando Relda foi sequestrada por um gigante de 60 metros, a menina não conseguiu mais negar a verdade. Felizmente, as netas consegui-ram encontrar uma maneira de resgatar a avó e, a partir daí, assumiram a responsabilidade de serem detetives de contos de fada, resolvendo os crimes mais incomuns, ficando frente a frente com alguns dos moradores mais perigosos da cidade. Ao solucionarem um mistério após outro, as meninas começaram a descobrir um perfil perturbador. Todos os vilões que tiveram de enfrentar eram membros de um grupo sombrio conhecido como Mão Escarlate, cuja marca era uma mão vermelha como aquela que a polícia tinha encontrado no carro dos pais delas. Sabrina sabia que um dia ficaria diante do líder do grupo e dos sequestradores dos pais porém, agora, ao olhar para aquela estranha menininha com o capuz vermelho, ficou chocada. Nunca pensara que a pessoa por trás do mistério fosse uma criança.

Sabrina cerrou os punhos, pronta para lutar com a sequestradora de seus pais, mas sentiu uma dor late-jando no braço esquerdo que quase a fez desmaiar. O braço dela estava quebrado. Tentou esquecer da agonia e

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concentrou-se mais uma vez naquela criança. A menini-nha parecia ter a mesma idade de Daphne, mas seu rosto era a máscara estranha e repleta de ódio de um adulto, quase incapaz de guardar a insanidade que existia por trás dela. Sabrina já tinha visto um homem com aquela mesma expressão na tevê certa vez. A polícia havia aca-bado de prendê-lo por ter matado cinco pessoas.

– Fique longe de meus pais – Sabrina exigiu ao se aproximar da menininha e segurá-la pelo capuz com a mão do braço que não estava ferido.

– Estes são meu papai e minha mamãe – a meni-ninha reclamou ao se afastar. – Tenho um irmãozinho e um gatinho também. Quando eu tiver minha vovó e meu cachorrinho, poderemos ser uma família e brincar de casinha.

A menina ergueu a mão. Estava coberta com o que Sabrina esperava ser tinta vermelha. Ela se virou e a apertou contra a parede, deixando a marca vermelha tão conhecida. As marcas estavam por todos os lados – nas paredes, no chão, no teto, nas janelas... até nas roupas do pais de Sabrina.

– Não preciso de mais uma irmã – a menina do capuz vermelho continuou. – Mas você pode ficar e brin-car com meu gatinho. – E apontou para o monstro, que estava atacando Puck com as enormes patas e garras. O menino-fada estava tentando escapar a cada ataque. Ele não conseguiria por muito tempo. O “gatinho” da meni-ninha era rápido como um raio. Ele bateu a cauda contra Puck, que escapou por pouco, mas a cauda bateu em um

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armário empoeirado do outro lado da sala. As gavetas se abriram e centenas de documentos amarelos saíram.

Sabrina se virou para a menininha.– Quem é você? – ela perguntou, mas a criança ape-

nas sorriu e colocou a mão dentro do bolso. Tirou um anel pequeno e prateado e colocou-o no dedo. Uma luz vermelha envolveu a menininha e os pais adormecidos de Sabrina.

– Diga à minha vovó e ao meu cãozinho que estou chegando e que logo eu os encontrarei. Aí poderemos brincar – a menina estranha disse com um tom cantaro-lado. Ela ergueu as mãozinhas e, de repente, o monstro parou de atacar. Ele se virou para a menina e sua cara feroz se acalmou.

– Gatinho, precisamos encontrar uma nova casinha. Queime esta. – A menininha gargalhou e, então, o mundo pareceu se esticar, como se alguém estivesse esticando o que Sabrina via num piscar de olhos, aquela criança esqui-sita desapareceu levando os pais de Sabrina consigo.

– Não! – Sabrina gritou e correu para a cama vazia.O monstro abriu a enorme boca e uma chama saiu

de lá. As cortinas das janelas pegaram fogo e as chamas subiram pelas paredes, transformando o papel de parede em cinzas. A fera incendiou mais uma parede e depois outra, mandando labaredas em todas as direções. Poucos segundos depois, a sala toda estava em chamas.

– Sabrina, abaixe-se! – Puck gritou.Sabrina obedeceu, assim que o monstro lançou spray

de lava centímetros acima de sua cabeça. Ele rosnou

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frustrado e bateu em Puck com a cauda, lançando-o para o outro lado da sala, onde ele se chocou contra uma parede e caiu no chão. Sua camisa pegou fogo e Sabrina correu até ele, apagando as chamas com tapas antes que o menino se queimasse. Puck ficou em pé e se posicio-nou entre Sabrina e o monstro, que estava diante deles com as presas pingando. O menino pegou a pequena espada de madeira que mantinha no bolso e a mostrou para a fera, apontando a arma para seu focinho. – Venha, feioso, eu só estou começando.

Mas antes que Puck conseguisse atacar a fera, um rosnado tenebroso veio de cima e uma grande parte do teto caiu bem em cima do monstro. As duas crianças se desviaram dos destroços que agora formavam uma pilha onde antes a criatura estava. Puck pegou Sabrina e a levou para um local seguro, debaixo do que sobrou do teto.

– Acho que a festa acabou – ele disse.– Espere! – Sabrina gritou. – Deve haver um sinal

aqui que nos mostre para onde ela levou meus pais.– Qualquer sinal deve estar em chamas agora –

Puck disse, puxando-a pelo corredor. – Se você for morta, a velhota nunca vai saber o que aconteceu.

Eles passaram por salas com portas arrancadas. Do lado de dentro, Sabrina via camas de hospital, carrinhos de metal enferrujados e mais folhas de papel amarelado espalhadas pelo chão. Em todas as partes, havia a marca da mão vermelha.

– Que lugar é este? – Sabrina se perguntou.

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As crianças correram pela fumaça preta que as fazia tossir até encontrarem uma porta onde estava escrito “Saída”. Quando Puck a abriu, uma rajada de vento gelado quase os derrubou e espirrou neve em seus rostos, tampando-lhes a visão. Puck protegeu os olhos com as mãos e olhou por entre os dedos.

– Estamos nas montanhas, eu acho – ele gritou.– Você consegue nos tirar daqui voando? – Sabrina

quis saber.– O vento está muito forte. – Puck a ajudou a sair

pela porta, abraçando-a e guiando-a por entre a neve.Eles não tinham dado nem dez passos quando a

parede do prédio explodiu atrás deles, lançando tijolos e destroços em todas as direções. Pelo buraco aberto, saiu a pata enorme e escamosa da criatura. Depois veio sua cabeça e seu enorme pescoço, e os olhos intensos procu-ravam pelas crianças. Quando ele as viu, rosnou alto a ponto de fazer a neve cair das árvores próximas.

As crianças saíram correndo, e entraram na mata. As árvores sem folhas ofereciam poucos lugares onde eles podiam se esconder e nenhuma proteção contra o vento forte, que pareciam lâminas cortantes contra o rosto de Sabrina. A única opção que tinham era a de con-tinuar correndo. Ela e Puck escalaram algumas rochas para uma clareira no topo de um monte íngreme. Era o fim da linha. Na frente deles, havia um penhasco de 120 metros para o Vale Hudson, abaixo. Toda a cidade de Ferryport Landing estava bem na frente deles. Se Sabrina não tivesse certeza de que eles iam morrer, ela teria julgado a vista bem bonita.

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– Puck, eu...O menino se virou para ela. – Eu sei o que você vai

dizer e acho uma ideia excelente. Vou deixar você aqui e me salvar.

– Não era nada disso que eu ia dizer! – Sabrina gritou. – Eu ia perguntar se você tinha alguma ideia ou plano para nos tirar daqui.

– Grimm, você costuma ficar com as partes da fuga e do choro.

Sabrina olhou para baixo, para a descida íngreme. Estava coberto de neve. – Se ao menos tivéssemos um trenó – ela disse.

Os olhos de Puck brilharam. Ele se virou e abaixou-se, apoiando as mãos nos joelhos.

– O que está fazendo? – Sabrina perguntou.– Suba nas minhas costas – Puck insistiu. – Tenho

uma ideia.Sabrina conhecia bem as “ideias” de Puck. Elas

costumavam terminar com uma ida ao pronto-socorro, mas com o monstro se aproximando, não havia muitas opções.

Sabrina sentou-se nas costas do menino com uma perna de cada lado.

– Certo. E agora?– Segure minha presa.– Segurar o quê?Puck virou a cabeça para ela. Seu rosto havia se

transformado na cara de uma morsa. Ele tinha duas lon-gas presas protuberantes que saíam da boca e um bigode

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de pelos grossos. Seu nariz havia encolhido na cara preta e brilhante e seus olhos estavam grandes e castanhos. Sabrina fez uma careta, mas esticou o braço que não estava machucado e segurou-se firme em uma das presas.

– Por favor, não faça isso – ela resmungou. – É uma ideia muito ruim.

– As únicas ideias muito ruins são aquelas nunca tentadas – Puck disse conforme seu corpo começou a inchar. Camadas de gordura inflaram sob o corpo de Sabrina. A camiseta do menino desapareceu, sendo subs-tituída por uma pele superlisa. – Mantenha os pés e as mãos firmes em meu corpo até parar completamente – ele gritou. – Aqui vamos nós!

Puck pulou para a frente assim que a fera alcançou o topo do monte. O corpo liso transformado em morsa do menino desceu em direção à cidade. Sabrina segurou-se com firmeza.

Eles passaram entre árvores e pularam sobre rochas no caminho. Sabrina virou-se para trás, confiante de que o monstro não os seguiria na fuga desesperada, mas viu que ele descia pelo monte atrás deles, derrubando árvores como se não estivessem ali. – JAGUADARTE! – ele gritou.

Puck, a morsa, descendo pela ribanceira de um rio congelado, pegou impulso em uma rampa de rocha que estava para fora do gelo e lançou-se ao ar. As crianças pareciam não parar de cair, quando bateram no chão duro, passando perto dos galhos pontudos de um carva-lho. Sabrina virou-se de novo para ver o progresso do monstro. Ele também usou a rampa e lançou-se no ar.

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Batendo as asas, foi cada vez mais alto; então, um vento forte o tirou de seu curso e ele bateu com força contra uma encosta da montanha. Momentos depois, Sabrina o perdeu de vista completamente, apesar de ainda conse-guir escutá-lo rosnar ao longe.

– Acho que nos livramos dele! Estamos seguros! – ela gritou. Infelizmente, o corpo liso de Puck ainda estava escorregando quando uma estrada de quatro pistas de carros em alta velocidade surgiu na frente deles. Sem conseguir parar, Puck entrou no trânsito, girando diver-sas vezes enquanto tentava desviar de um caminhão. O motorista, assustado, pisou no freio. Os pneus cantaram e houve batidas. As buzinas não paravam, mas as crian-ças não conseguiam frear. Do outro lado da estrada, havia um monte íngreme. Eles desceram, seguindo direto para um velho celeiro. As portas estavam escancaradas, e eles passaram diretamente, batendo por fim, na parede de um estábulo vazio.

– Vamos fazer isso de novo! – Puck disse, rindo tanto que rolava com seu corpo gordo. Ainda rindo, ele voltou a se transformar no que era: um menino irritante de onze anos.

Sabrina segurou o braço dolorido e olhou ao redor no celeiro. Havia alguns pacotes de feno e um velho arado estava encostado a um canto, enferrujando. Diver-sas janelas altas estavam escancaradas, permitindo que a nevasca fosse soprada para dentro. Era um ótimo lugar para se esconder, se eles não morressem congelados antes de chegar lá.

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– Grimm, parece que você caiu da árvore da feiura e bateu em todos os galhos – Puck disse quando parou de rir. A cabeça de Sabrina doía muito para pensar em uma boa resposta. Ela estava exausta e parecia que seu braço ia cair. Puck deve ter percebido como ela estava desesperada, ou talvez tenha escutado seus dentes ran-gendo, porque ele fez algo muito anormal, e Sabrina mal conseguia acreditar. Ele se levantou, sentou-se atrás dela e deixou as enormes asas surgirem. Então, ele a envolveu com as asas para mantê-la protegida do frio. Era a pri-meira coisa realmente gentil que o famoso Rei das Tra-quinagens tinha feito para ela. Instintivamente, ela sen-tiu vontade de irritá-lo por causa daquele raro momento de compaixão, mas se controlou. Conhecendo Puck, ele se afastaria e ela morreria como um cubo de gelo.

– O que foi aquilo? – Sabrina perguntou.– Chama-se Jaguadarte – Puck disse. – Duas tonela-

das de dentes, cauda e terror. Pelo que sei, é impossível matá-los. Mas não se preocupe, Grimm, ele se foi. Can-sou de lutar contra o Rei das Traquinagens por hoje.

– Precisamos de ajuda – Sabrina disse, tremendo.– Concordo – o garoto disse. Ele procurou no bolso,

tirou dele uma pequena flauta de madeira e emitiu algu-mas notas altas. Dentro de segundos, um enxame de pequenas luzes entrou pelas janelas abertas e cercou as crianças. Elas pareciam vaga-lumes, mas Sabrina sabia que não eram. Eram as fadas-servas de Puck – ou, como ele as chamava, suas subordinadas – e elas faziam tudo o que o menino lhes pedia, principalmente se fossem

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travessuras. Elas rodaram em volta do menino-líder e esperaram pelas instruções.

– Busquem a velhota – Puck disse a elas – e tragam alguma coisa para acendermos uma fogueira.

As luzes zuniram e saíram pelas janelas do celeiro. Momentos depois, uma onda delas retornou carregando galhos de árvore e folhas secas. Organizaram tudo em uma pilha diante das crianças e saíram de novo. Logo, um segundo enxame voltou carregando uma garrafa de refrigerante, colocando-o nas mãos de Puck.

– Vocês me serviram bem, subordinadas – ele disse, tirando a tampa da garrafa e jogando-a num canto do celeiro. Bebeu o líquido todo e jogou a garrafa longe.

– Ah – ele disse ao secar a boca na manga da camisa.

– Foi refrescante? Eu não quero que você sinta sede. Talvez também queira um sanduíche. – Sabrina resmun-gou. Puck estava sempre pensando em si.

– Mantenha a calma – o menino disse. – Alguma coisa precisa ser feita para impedir que você se trans-forme em um sorvete de Grimm.

Ele abriu as asas, ficou em pé e inclinou-se sobre a pilha de galhos. Seus olhos estavam marejados, aparen-temente por causa do gás do refrigerante, e de repente ele abriu bem a boca e arrotou. O arroto foi profundo e grave e, para a surpresa de Sabrina, acompanhado de uma bola de fogo que saiu da boca do menino e acen-deu a fogueira. Sabrina sentiu o calor do fogo imedia-tamente.

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– Não imaginava que você pudesse fazer isso – ela disse.

– Oh, eu sou cheio de surpresas – o menino disse, de modo orgulhoso, quando um barulho estranho soou dentro de sua barriga. – Quer ver o que consigo fazer com o outro lado?

As luzinhas zuniram e remexeram-se. Para Sabrina, parecia que estavam rindo.

– Uh, não, obrigada – ela disse, chegando mais perto da fogueira.

– É você que sabe – ele disse e então se dirigiu a suas pequenas servas. – Preciso que vocês voltem para a estrada e esperem pela senhora. Venham me chamar quando ela chegar.

As luzinhas piscaram, como se dissessem que com-preendiam, e partiram. Quando estavam longe, Puck voltou a envolver Sabrina com suas asas de fada.

– Sinto muito por não termos conseguido salvar seus pais – ele sussurrou.

Sabrina sentiu vontade de chorar. Ela tinha chegado muito perto de Henry e Veronica e eles tinham escor-rido por entre seus dedos. Como ela poderia lutar contra a menininha de capuz vermelho que obviamente tinha habilidades mágicas e controlava um maluco monstruoso que tinha um zilhão de dentes? Sabrina era apenas uma menina de onze anos. Não tinha poderes. Olhou para trás, para Puck. Ele era um menino-fada – uma criatura de pura magia. Puck podia se transformar em todos os tipos de animais, podia voar, tinha fadas-servas e agora,

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aparentemente, até seus hábitos ruins eram úteis. O menino tinha muito poder e isso lhe dava uma coragem que Sabrina invejava.

– Eu prefiro que mantenhamos os detalhes para nós mesmos – ele disse, interrompendo seus pensamentos. – A última coisa de que preciso é que todos na cidade saibam que sou um herói. Não sou um herói definitiva-mente. Sou um vilão...

– Do pior tipo – Sabrina disse, terminando a frase do menino.

– Eu sei – falou para Puck, também conhecido como o Rei das Travessuras, que já havia deixado claro, em diversas ocasiões, ser um dos caras maus, mas ulti-mamente parecia que sempre salvava todos.

– E não se esqueça disso!– Como posso me esquecer? – Sabrina perguntou. –

Você me diz isso a cada dez minutos.Puck não respondeu e, por muito tempo, as crian-

ças ficaram em silêncio.– Mesmo assim, obrigada por me salvar – Sabrina

disse ao sentir que estava começando a adormecer.– Sem problemas. Vou colocar isso em sua conta –

ele respondeu.