as independências do brasil

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    As Independncias do Brasil:ponderaes tericas em perspectiva historiogrficaJurandir MALERBA1

    RESUMO: O tema da Independncia do Brasil produziu verdadeiras linhagens historiogrficas ao longo de quase doissculos. Este ensaio visa a sublinhar a caracterstica fundamentalda historiografia que sua prpria historicidade, por meio deum exerccio comparativo entre os quadros tericos deinterpretao histrica vigentes h trs dcadas e os quevigoram hoje em dia.

    PALAVRAS-CHAVE: Independncia Brasil; Independncia Historiografia; Teoria da Historiografia.

    Em um seminrio que tive o privilgio de organizar em2003, chamado New Approaches to Brazilian Historiography,

    junto ao Centre for Brazilian Studies da Universidade de Oxford,comearam a se desenhar algumas das questes que pretendodesenvolver a seguir. Para aquela ocasio, eu havia preparado um

    paper de abertura, onde fazia um balano da historiografia daIndependncia nos ltimos 25 anos desde 1980 para c.2

    Afirmei, naquela oportunidade, que as questes que hojelevantam os historiadores da Independncia do Brasil sovirtualmente as mesmas que se levantaram nos ltimos 180 anos,questes que as diversas geraes de historiadores, com maior ou

    menor sucesso, responderam a seu modo. A recente vagarevisionista da histria da Independncia est a a demonstrarque nem tudo consenso no que concerne a temas os maisvisitados pela historiografia, relativos questo de por que, afinalde contas, sucedeu-se a independncia do Brasil de Portugal. medida que se qualifica o debate, percebe-se a recorrncia dediferentes perspectivas do objeto, ndices das preocupaes,interesses e habilidades de cada gerao de historiadores. Entreessas questes eu destacava:

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    -Qual ou quais fatores, foras, processos, atores conduziram aodesfecho da emancipao poltica?

    -Teria havido algum projeto nacional fundamentando omovimento?

    -Havia algum tipo de unidade na Amrica de colonizaoportuguesa poca da Independncia?

    -Quais as periodizaes mais consistentes produzidas pelahistoriografia?

    -A vinda da corte para o Rio de Janeiro ter protelado oudeflagrado a Independncia?

    -Que tipo de relao a Independncia guarda com osmovimentos insurrecionais do final do XVIII?

    -Qual o carter da Independncia: conservadora, reformista ourevolucionria?

    -Quais foram os efeitos da crise do antigo sistema colonial noprocesso de Independncia?

    -Que peso atribuir, igualmente, s radicais transformaesculturais ou civilizacionais geradas com a abertura de 1808e o afluxo de levas de migrantes de todos os pontos?

    -O que h de ruptura e o que h de continuidade no processode Independncia?

    -Qual o carter dos movimentos insurreicionais que ocorreramnos anos da Independncia?

    -Qual o papel desempenhado por partidos e ideologias?-Quais a relaes do movimento de restaurao de 1820 em

    Portugal com a Independncia?-Qual o papel desempenhado pelo rei e sua casa dinstica?-Que peso atribuir ao de grupos organizados, como a

    maonaria, por exemplo?-Como se deu a participao popular no movimento de

    independncia?-Como agiram ou reagiram os grupos sociais nas diferentes

    provncias?

    Essas questes, muitas delas to antigas como o prprioacontecimento que elas procuram explicar, ocupam grande parte

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    dos historiadores da Independncia at hoje. Independncia doBrasil. No vou retomar aqui as calorosas discusses queanimaram aquelas inesquecveis tardes de maio do ameno veroingls. Minhas problematizaes tentavam seguir o passo daprpria historiografia. Independncia do Brasil: termo composto,partes ambguas.

    O qu, quando, Independncia?Onde, quem do Brasil?Aqueles que buscam responder a essas questes

    provocativas acabam desaguando diretamente nos impasses ediferentes solues interpretativas postas na mesa pelahistoriografia competente. A primeira remete ao problemacentral da precedncia ou no de algo como uma nao, aindaque embrionria, ou sentimento nacional, mesmo que tmido,que tivesse motivado os brasileiros na peleja por suaautonomia perante a metrpole. Esta primeira imediatamentereclama a segunda questo: mas o que era o Brasil? Quem osbrasileiros? A, o problema da unidade (ou no) da Amrica

    Portuguesa e da identidade (social, racial, cultural?) de seushabitantes. Mas vou manter o juzo para no cair na tentao dequerer resgatar aqui essas questes, muito menos de ousarrespond-las.

    O que me veio tilintando na mente desde o seminrio emuito em funo das reflexes tericas que venho avanando emprojetos editoriais e na prtica docente o fato de que, sim,muitas dessas questes, respondidas distintamente a cada gerao(e distintamente dentro de uma mesma gerao) so antigas,foram levantadas h muito tempo e respondidas a seu modo acada momento. Mas, este o ponto, outras questes noestiveram sempre na mesa. So novas, inditas o que noimplica, necessariamente, que sejam mais ou menos importantesdo que as velhas questes consagradas.

    E por que isso acontece? Hoje eu vou fazer um exercciodespretensioso, um pensar em voz alta nessa propriedade dahistoriografia, nesse seu carter fundamental que sua prpriahistoricidade. E vou fazer isso por meio da comparao de duasobras bastante similares em seu escopo, mas j bem diversasquanto a seus contedos. Vou comparar a clssica coletnea

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    organizada pelo Prof. Carlos Guilherme Mota (1822: dimenses),com a obra coletiva que estou organizando a partir das discussesque comearam em Oxford, em vias de publicao.31972: DIMENSES

    Nada mais oportuno do que uma efemride para sepromover um ou se inserir num debate. No caso, ascomemoraes do Sesquicentenrio da Independncia deramensejo publicao de uma verdadeira avalanche de obras sobrea Independncia, entre as quais uma que logrou alcanarmerecida fortuna crtica. O Prof. Carlos Guilherme Mota reuniucontribuies dele e de outros dezessete renomadoscolaboradores para apresentar o estado da arte no que tange aodebate histrico-historiogrfico sobre a Independncia quelaaltura.

    Depois dos Preliminares discusso, o organizador

    agrupou os ensaios em dois nveis: Das dependncias e DasIndependncias. O primeiro, de escopo geral, onde, ... ao ladode indagao mais terica, ficam indicados alguns mecanismosde passagem do Antigo sistema colonial para o sistema mundialde dependncias, permitindo discutir, tanto do lado europeucomo do brasileiro, o significado de 1822.

    Nesse primeiro grupo esto os ensaios de Fernando Novaissobre As dimenses da Independncia, de J. Godechot(Independncia do Brasil e Revoluo do Ocidente), de F.Mauro sobre a conjuntura atlntica, de Joel Serro sobre ainsero de Portugal nela, sobre europeus no Brasil (Mota) ebrasileiros nas cortes constituintes (Fernando Thomaz) e, ainda,

    os ensaios clssicos de Emilia Viotti da Costa sobre Bonifcio, ede Maria Odila Dias sobre a interiorizao da metrpole.O segundo nvel, sempre de acordo com o organizador,

    seria mais localizado, perscrutando as nuances regionais deenfrentamento da Independncia nas vrias partes do Brasil.Aqui, quase que num lamento, Prof. Mota diz que a abordagemse torna inevitavelmente vnementielle, embora os autores nodescurem da considerao de processos maiores em que se

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    articulam as diversas regies, pois sabem que, em histria, oseventos no podem ser analisados desvinculados de sistemas, deestruturas, de processos.4 Neste segundo nvel de anliseincluem-se ensaios sobre o processo de Independncia nasdiversas regies ou mesmo provncias (Norte e Nordeste soabordados no atacado; Bahia, Gois, Minas, Rio, So Paulo e Rio

    Grande do Sul, no varejo).Podemos ficar mais alguns instantes nessas preliminares sdimenses, para tentar resgatar o sentido intelectual dasproblemticas que aqueles historiadores elevavam comoprioridades. Citando Eduardo DOliveira Frana, Prof. Motareclamava a ausncia de estudos no tradicionais, desde os dedemografia histrica at investigaes na esfera das formaesideolgicas. Citando Mota:

    Mais do que isso, apontava o Professor Oliveira Frana, adificuldade em formular, com propsito, questesverdadeiramente substantivas para inspirar trabalhos

    monogrficos e para fugir linha do ingnuo (p.10)Mas o que seriam, ento, questes substantivas? Fica

    claro que no aquelas tradicionais, presas aos documentosoficiais e s questes de Estado, caractersticas indelveis danefanda histria positivista ou historizante, que sucessivasgeraes de historiadores, guiados pela campanha implacvelmovida por Lucien Febvre na primeira metade do sculo XX,procuraram detratar. Naquele quadrante, onde, no Brasil, aconstruo de uma histria estrutural, explicativa, que buscavaresponder aos porqus dos eventos com base em fundamentaoterica rigorosa, ainda era um horizonte a ser buscado, Prof.

    Mota deixa entender que o anseio fundador do projeto de suacoletnea era responder ao desafio do velho mestre. Reclamavado atraso dos historiadores em aceitar acriticamente a

    Independncia, num momento em que socilogos, economistas ecientistas sociais buscavam construir as teorias da dependncia.Aquele quadrante, virada da dcada de 1970, corresponde aoauge da repercusso mundial daquelas teorias, que constituram amais genuna contribuio dos pensadores latino-americanos ao

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    debate sobre a trajetria e a situao da Amrica Latina nosistema econmico mundial. Para o Prof. Mota, portanto, amarca da historiografia da Independncia naquela conjuntura erao atraso, o pouco avano cientfico de que at ento padecia umdos temas mais importantes da histria do Brasil.

    E quais questes mereceriam ser respondidas para se alterar

    tal quadro? Ao responder a esta pergunta, Prof. Mota nos d aconhecer, parafraseando Lucien Goldman, o nvel de conscinciacientfica possvel poca:

    Na verdade, o sentido da histria do Brasil nesse perodo [daIndependncia] no pode ser dissociado de processos maisabrangentes que a historiografia contempornea significa eordena sob o rtulo do feudalismo ao capitalismo. Parece certoque a lenta transio do feudalismo ao capitalismo na Europateve como contrapartida, em certas reas do mundo colonial, apassagem do Antigo Sistema Colonial para o sistema mundial dedependncias. [...] Por outro lado, problemas complexos podem

    se apresentar, como o da definio da sociedade colonial, cujaestruturao explicar o predomnio daspersistncias, mais que odas mudanas no perodo subseqente.5

    Em outras palavras, a questo da Independncia, da

    ruptura, da mudana, enfim, do devir, -lhe menos importante,ou se encontra subordinada aos imperativos das permanncias,das persistncias, das continuidades, das estruturas. Trata-se deuma concepo flagrantemente inspirada no marxismo e namelhor tradio braudeliana dos Annales. Dessa concepoeminentemente estrutural derivavam as indagaes que Prof.Mota elegia como as prioridades a serem resolvidas.

    O primeiro ensaio da primeira seo (Das dependncias)e, por conseguinte, da coletnea, intitula-se As dimenses daIndependncia, que sintomaticamente batiza o prprio livro.Nele, Prof. Fernando Novais vai estabelecer a linha interpretativageral do conjunto da obra, aquilo que Novais concebe como osentido da Independncia. A idia geral a de que aIndependncia do Brasil s pode ser entendida se e quandoinserida no contexto mundial da transio do feudalismo aocapitalismo, onde a crise do antigo sistema colonial o ponto

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    culminante do processo de acumulao primitiva que permitiu osurgimento do capitalismo na Europa, merc da exploraocolonial da poca moderna. A histria da Independncia doBrasil tem que derivar desse outro macroprocesso. E ponto. Estatese reiterada por ambos os autores num livro que escreveramconjuntamente em 1985, chamado exatamente A Independncia

    poltica do Brasil. Vou deixar por um momento a coletnea eseguir seu raciocnio a partir deste livro, pois que ali sua tese seapresenta mais explicitamente e em maior detalhe.

    O SENTIDO DA INDEPENDNCIA

    No parece exagero afirmar que o enquadramento tericopredominante e mais influente na historiografia daIndependncia, pelo menos desde os anos 1960, aquelederivado da abordagem de Caio Prado Jr. Partindo de um pontode vista marxista, ele procurou entender o sentido dacolonizao, inserindo a histria do Brasil num contexto seno

    planetrio, ao menos ocidental: a histria do Brasil explicar-se-iacomo um derivativo da histria europia, no contexto daexpanso do capitalismo comercial. Essa tese a base das teoriasda dependncia.6

    Quem melhor definiu a Independncia a partir dessaperspectiva foram justamente Fernando Novais e CarlosGuilherme Mota. Para os professores da USP, a subordinaodo Brasil a um sistema econmico mundial unificado sob ocapitalismo comercial que d sentido ao curso da Independncia:

    [...] qualquer estudo que vise uma sntese compreensiva daemancipao poltica da Amrica portuguesa [deve] situar oprocesso poltico da separao colnia-metrpole no contextoglobal de que faz parte, e que lhe d sentido; e, s ento,acompanhar o encaminhamento das foras em jogo, marcandosua peculiaridade.7

    Esse ponto de vista desenvolvido tanto no ensaio As

    dimenses da Independncia, escrito por Novais para 1822:Dimenses, quanto no captulo Contexto de A Independncia

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    poltica do Brasil (p.22-ss). Nesse diapaso, a colonizao uminstrumento de acumulao primitiva (isto , acumulao prvianecessria formao do capitalismo) de capital comercial nasreas centrais do sistema) e a Independncia do Brasil seria nomais que um efeito do desmantelamento da sociedade do AntigoRegime, ou, como dizem os prprios autores, da passagem do

    feudalismo para o capitalismo, na longussima durao.Por certo que ningum negar a importncia dessa amplacontextualizao histrica. O desmantelamento da sociedadefeudal, cuja falncia do absolutismo e a crise do Antigo Regimeconstituem dois aspectos derradeiros, so o pano de fundo dacena histrica. Para usar a metfora teatral, o pano de fundoenquadra, estabelece os limites em que agem os personagens, masabsolutamente no lhes determina as falas e aes. Hoje podemosafirmar tratar-se de uma derrapagem terica procurar explicarum fenmeno eminentemente poltico com explicaesmacroestruturais de longa durao. usar a ferramenta errada,como atirar um mssil Patriot para derrubar um pardal. Almdisso, essa abordagem evidencia um carter teleolgicoindisfarvel, que reponta de uma tradio marxista da histriaentendida como sucesso linear de modos de produo.8 Apoltica, como ensinou Gramsci,9 o lugar da luta dos grupos eindivduos, onde projetos e desejos individuais e coletivosdigladiam-se por estabelecer uma hegemonia. Se fssemos buscaras razes (o sentido, por que no?) da Independncia emmovimentos estruturais de longa durao, poderamos entoatribu-la queda do imprio romano, precursora da formaoda sociedade feudal, da qual a crise do Antigo Regime marca oocaso.

    Trata-se, aquela, de interpretao fundada num quadroterico engessado, que retira do processo histrico toda cor etodo brilho das relaes sociais vividas pelos agentes. Umprocesso eminentemente social, ideolgico e poltico, como foi aIndependncia brasileira, se torna derivao de um macro-processo econmico. O conceito de sistema, com seusmecanismos, desgua numa estrutura rgida, como o autmatode Walter Benjamin10 ou as maquinarias com que Thompson

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    ironizou Althusser:11

    Eis a as peas do antigo sistema colonial: dominao poltica,comrcio exclusivo e trabalho compulsrio. Assim se promovia aacumulao de capital no centro do sistema. Mas, ao promov-la, criam-se ao mesmo tempo as condies para a emergnciafinal do capitalismo, isto , para a ecloso da Revoluo

    Industrial. E, dessa forma, o sistema colonial engendrava suaprpria crise, pois o desenvolvimento do industrialismo torna-sepouco a pouco incompatvel com o comrcio exclusivo, com aescravido e com a dominao poltica, enfim, com o antigosistema colonial [...] A crise do antigo sistema colonial parece, portanto, ser o mecanismo de base que lastreia o fenmeno daseparao das colnias [...] Trata-se, antes de tudo, de inserir omovimento de Independncia no quadro da crise geral docolonialismo mercantilista.12

    Entendido o funcionamento da mquina, sua dialtica,

    est dada a histria... Assim, a partir de tal enquadramento

    terico, o carter da Independncia no passa de umepifenmeno. Os processos de independncia na Amrica Latinaseriam meras vertentes do mesmo processo de reajustamento eruptura na passagem para o capitalismo moderno, na segundametade do setecentos e primeira metade do Oitocentos. Contidonessa definio encontra-se veladamente o pressuposto de que aIndependncia no foi seno um ponto no longo processo dedesmantelamento do Antigo Regime europeu e do antigo sistemacolonial.13

    Se, por um lado, podemos aceitar sem maiores dificuldadesque o planeta formava um sistema-mundo desde a expansoeuropia da Era Moderna, tal como proposto por Fernand

    Braudel e Immanuel Wallerstein,14isso no deve necessariamentefazer derivar as histrias de diferentes povos do globo desseprocesso unilinear que o da suposta vitria da civilizaoocidental e sua afirmao econmica, poltica, militar e culturalsobre as partes conquistadas. No mbito da conscincia histricae da produo historiogrfica, a aceitao de tal proposiofundamenta-se na aceitao de uma master-narrative,15

    justamente a daquela marcha vitoriosa de um projeto de

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    humanidade, qual todas as demais histrias estariamsubsumidas.

    Portanto, para sintetizar, a clssica obra coletiva organizadapelo Prof. Carlos Guilherme Mota, com o fim de escrutinar asdimenses da Independncia, divide-se em duas grandes partes:uma primeira, onde so teoricamente estabelecidos os

    enquadramentos dentro dos quais aquele acontecimento pode edeve ser percebido e explicado. E uma segunda, cuja abordagemnecessariamente local ou regional a impede de alar qualquer voterico para ser tornar, irremediavelmente, vnementiele.

    ECOS DE OXFORD

    No evento realizado em 2003, em Oxford, o tema doseminrio era a mesma Independncia do Brasil. Ser que amesma? Observando-se o teor dos textos, nem parece se tratar domesmo assunto.

    Em primeiro lugar, porque a angular de todos ali era muitomenos potente. Ningum precisou situar a Independncia noprocesso de passagem do feudalismo para o capitalismo paraanalis-la de diferentes perspectivas. Quanto suposta crise doantigo sistema colonial, ela foi tratada logo na segunda sesso,focada nas relaes entre Portugal e Brasil na virada do 18 para o19 (The historical roots of Brazilian independence). Noprimeiro paper dessa sesso, The birth of two nations. Thepolitical economy of the breakdown of the Portuguese-BrazilianEmpire, Dr Jorge M. Pedreira questionou abertamente aconhecida tese da suposta crise do Antigo Sistema Colonial. Deacordo com o autor, a separao entre Portugal e Brasil foi

    incrementada por uma mudana na forma do governo emPortugal, que por sua vez foi causada, em parte, pela residnciado rei e sua corte no Rio de Janeiro desde 1808. Ao fim e ao cabo,a natureza monrquica e a continuidade dinstica do regimeemergente no Brasil foram preservadas, assim como se preservoudentro do novo Estado a unidade da enorme massa territorial.Em Portugal, do ponto de vista do Prof. Pedreira, a secesso (queem termos econmicos se tornou aparente por volta de 1808)

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    teve um impacto ainda muito maior que no Brasil. A criseresultante inaugurara uma poca de comoes, em que o antigoimprio teve que dar lugar construo de uma nova naomoderna, ficando agora reduzido quase s suas fronteiraseuropias.

    O argumento mais inovador do Dr. Pedreira, e o mais

    controverso, foi o questionamento da explicao daIndependncia brasileira baseada na suposta crise do sistemacolonial. Pedreira sustenta que a explicao da falncia doimprio portugus nas Amricas deve ser procurada nascircunstncias histricas especficas nos contextos nacionais einternacionais nas quais ocorreu. Os historiadores tm tentados vezes interpretar essa falncia como o resultado inevitvel deuma crise prolongada, causada por grandes transformaeseconmicas e polticas de mbito mundial (a RevoluoIndustrial e as revolues americanas e francesas). Mas, deacordo com as pesquisas do autor, no havia sequer sinal decrise no sistema. Ao contrrio, ele nunca havia funcionado to

    bem. Pedreira sustenta que a evidncia para tal crise seria muitomenos convincente do que amide se supe. O grandecrescimento econmico e a prosperidade comprovada docomrcio martimo sob o antigo sistema colonial pem emdvida a prpria existncia de uma crise. Falhas no sistema esintomas de distrbios foram grosseiramente superestimados.Pedreira argumenta que a explicao para a Independncia doBrasil, quando e como ela aconteceu, deve ser encontrada nascircunstncias histricas precisas em que ocorreu.

    A rivalidade entre Frana e Inglaterra, as invases francesase a ocupao de Portugal, a fuga do rei e sua corte para o Rio deJaneiro, a suspenso inevitvel do sistema colonial, a ascenso doBrasil ao status de Reino Unido a Portugal, tudo isso teriapreparado o cenrio para o desfecho da Independncia. Esta setornara de imediato inaceitvel para amplos setores das elitesportuguesas, que estavam ansiosas para retomar o controleabsoluto sobre o comrcio do Brasil e se ressentiam pelaingerncia britnica em assuntos nacionais. O governo surgidoda primeira revoluo liberal forou o rei a retornar a Portugal eno pde esconder suas intenes de recuperar o poder sobre o

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    Brasil. Desta maneira, ela apressou o movimento para aIndependncia poltica, que agravou a situao econmica aps asuspenso do sistema colonial.

    O debate que se seguiu foi acirrado em torno do conceitode crise, uma vez que se levantaram argumentos favorveis aoncleo do conceito de antigo sistema colonial. Alguns

    debatedores presentes no workshop em Oxford sustentaram que acrise, neste contexto, deve ser relacionada a desenvolvimento ecrescimento e se deveria antes discutir a extenso, durao enatureza da suposta crise do antigo sistema colonial. Noobstante, houve certo consenso em torno da necessidade demudar o foco das estruturas para o processo, na anlise de umfato eminentemente poltico tal como a emancipao polticabrasileira.

    Na mesma tarde, Dr Joo Pinto Furtado apresentou opaperHistory makes a nation. The Inconfidncia Mineira, historicalcriticism and dialogue with historiography, em que o autorprocurou oferecer uma aproximao crtica inovadora deinterpretaes historiogrficas consolidadas, luz das novasperspectivas abertas por estudos recentes sobre a economia e apoltica de fins do sculo XVIII, bem como o suposto carterinsubordinado ou revolucionrio de Minas Gerais.

    Seu trabalho visa tambm a contribuir para a crtica dealgumas teses correntes, nomeadamente aquelas que corroborama existncia de um projeto nacional pronto e acabado ao qual osinconfidentes aderiram. Atribuir um sentido intrnseca eexclusivamente nacionalista Inconfidncia Mineira, de acordocom Furtado, resultado da formao de uma certa memrianacional, por meio do reconhecimento simblico que talmovimento adquiriu. Situado na transio entre o AntigoRegime e a Idade Moderna, o movimento foi marcado porambigidades e contradies. Seus atores, aes e projetospodem ser compreendidos melhor se considerados no contextode heterogeneidade social e econmica expressos no contedopoltico e no sentido geral do movimento. Assim percebida, aInconfidncia Mineira seria uma sntese de vrias tendncias etradies com seus prprios projetos de futuro, a proposta de

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    uma ordem poltica nova, bem como a recuperao de algunsaspectos do passado de Minas Gerais. Na opinio de Furtado, omovimento em Vila Rica em 1788-9 poderia melhor sercaracterizado como um tipo de motim de acomodao doantigo regime, antes do que uma sedio propriamente dita emenos ainda uma revoluo.

    O segundo dia do seminrio foi aberto com sesso sobreThe Portuguese Court in Brazil (1808-21) and Brazilianindependence. O foco foi dirigido aqui para a poca de D. JooVI no Rio de Janeiro. Kirsten Schultz (The Age of Revolutionand the Transfer of the Portuguese Court to Brazil) procurousituar o fenmeno da Independncia no contexto atlntico da eradas revolues, onde a Independncia brasileira se caracterizoucom uma alternativa conservadora aos desafios republicanos monarquia, que definiram os processos de independncia nosEstados Unidos e na Amrica espanhola e a Revoluo Francesa.

    Muito desse conservadorismo foi atribudo peloshistoriadores transferncia da corte portuguesa em 1807-8.

    Schultz pretendeu relativizar essa tese, examinando as maneiraspelas quais os homens de Estado portugueses e oscontemporneos que viviam no Rio de Janeiro definiram a eradas revolues; como definiram o sentido da Revoluo Francesaespecificamente, e como estes sentidos foram transformados comtransferncia da corte.

    Trocando em midos, Schultz analisou a apropriao doiderio revolucionrio pelos portugueses daqum e dalm mar,resgatando a cultura poltica da poca e sua ressignificao noambiente da Amrica Portuguesa. Em suma, analisando asimplicaes das novas linguagens e prticas polticas poca datransferncia da corte e da Independncia brasileira, a linhabsica do argumento de Schultz que a transferncia da cortemarcou um ponto de inflexo nos modos pelos quais as elitesportuguesas compreenderam o contexto da Revoluo Francesa eseus desdobramentos. Porque a prpria transferncia da corte foipercebida em si como revolucionria, a posio anteriormentedefensiva assumida com relao mudana e aos desafiospolticos ao antigo regime no mais se sustentavam. Emconseqncia, os dirigentes portugueses comearam a forjar uma

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    compreenso da transformao poltica que defendesse amonarquia e o imprio.

    No segundo paperda mesma sesso, On men and titles:The logic of social interactions and the shaping of elites in pre-independence Brazil, analisei a fuga da famlia real portuguesade Lisboa para o Rio de Janeiro em 1808. Minha hiptese, no

    explicitada emA corte no exlio, a de que tal fuga significou simuma etapa decisiva para a emancipao poltica brasileira. Ainterao entre a corte migrada e a classe superior fluminense, aqual financiou o assentamento dos adventcios, ocorreu sob aestrita observncia da etiqueta social, como prescrito pela lgicada sociedade de corte portuguesa. O prncipe regente D. Joodesempenhou papel decisivo como o gerente do encontro entre acorte portuguesa e os capitalistas brasileiros. Na apresentao,ambos os grupos foram detalhadamente analisados, assim comoo foi a importncia de alguns pilares ideolgicos da monarquiaportuguesa, como a propriedade ancestral da liberalidade do rei,expediente decisivo para a constituio dos grupos principais nocomeo da luta pela Independncia.

    Lilia Moritz Schwarcz apresentou um paper intituladoIlluminating parallel scenarios. The symbolic dimension ofindependence festivities and the payment for the Royal Library.De uma perspectiva mais antropolgica, amparada em autorescomo Norbert Elias, Clifford Geertz, Claude Levi-Strauss e MarcBloch, que enfatizam a eficcia poltica do poder simblico,Schwarcz resgatou o contexto da Independncia brasileira de doisngulos diferentes: as festividades pblicas e o alto preo que osbrasileiros pagaram pela biblioteca nacional durante asnegociaes da Independncia entre Brasil e Portugal. Schwarcz

    explorou as dimenses simblicas e culturais que, de acordo comsua abordagem, foram extremamente importantes nos primeirosmomentos da Independncia brasileira (e de seusdesdobramentos imediatos).

    Schwarcz procurava compreender como, junto com atosmuito pragmticos, houve outras aes imbudas de umadimenso simblica mais especfica, para muito alm da estritaracionalidade poltica. Os festivais procuravam naturalizar uma

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    situao absolutamente estranha naquele contexto: umamonarquia cercada por repblicas de todos os lados.Paralelamente, uma verdadeira batalha bibliogrfica aconteceu,exatamente no momento em que se calculava o preo a ser pagopela autonomia. No fim desse processo, a biblioteca do reipermaneceu no Rio de Janeiro: o Brasil era o pas mais novo,

    com a maior e mais antiga biblioteca da Amrica. Foi umaespcie de prmio usado para mostrar quo velho o NovoMundo poderia ser.

    Trs ensaios constituram o ncleo temtico do seminrio,ou a Independncia propriamente dita, ali entre 1821 e 1825.

    Iara Lis Schiavinatto (Questions of Governability in thefoundation of Brazil as an autonomous political body (c. 1780-1830)) tratou da fundao do Brasil como uma entidade polticaautnoma, analisando as ressignificaes do antigo regimeportugus pelo assim chamado liberalismo constitucional natransio de um imprio luso-brasileiro para um imprio doBrasil. Em vez de pensar na histria brasileira numa linha

    progressiva, da colnia nao, ou como resultado de umdiscurso nacionalista, sua fala tratou da questo da fundao doBrasil como uma cultura polticagenuna.

    Schiavinatto argumentou que alguns movimentos foramdecisivos para um aumento considervel do debate polticodurante o processo da Independncia brasileira. As questes maisdiretamente exploradas foram a negociao poltica do pacto, asdiversas noes das identidades coloniais, a autonomia relativa eas dependncias entre o poder central e perifrico e noesdiversas de temporalidade.

    No segundo ensaio dessa sesso (The national appeal bythe Constitutional Conventions in Lisbon, 1821-1822), MrciaBerbel procurou retomar os discursos dos deputados brasileirosnas Cortes portuguesas entre 1821 e 1822 e avanar sua anliseem trs aspectos principais: 1) a diversidade dos apelos unidadedo imprio portugus-brasileiro feitos pelos deputados presentesnas Cortes; 2) as principais aes que passaram pelo congresso,reavaliando-os luz da seguinte questo: propostas para aunidade nacional ou para a recolonizao?; 3)descontentamentos pendentes em cada uma das provncias

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    brasileiras em relao poltica das Cortes, identificando asrazes que conduziram para a reafirmao das vriasindependncias regionais, a despeito de tal apelo unidade.

    A contribuio mais importante de Berbel diz respeito aoproblema da existncia de projetos recolonizadores dentro dasCortes de Lisboa. Berbel demonstrou que, em seu uso inicial, o

    termo se refere a determinadas provises legais que foramaprovadas mesmo na presena dos deputados de duas provnciasbrasileiras, Pernambuco e Rio de Janeiro. Mostrou como asreferncias poltica de re-colonizao das Cortes foramincorporadas pelos historiadores j no sculo sculo XIX. Oensaio de Berbel corrobora estudos recentes sobre reclamos porunidade nacional nas Cortes (portuguesas ou espanholas), queconduziram a uma reconsiderao desta explicao amplamenteaceita. Tais projetos pela unidade nacional, criados com o intuitode manter a integridade do Imprio, incluam a representaoamericana e no podiam, dessa maneira, visar a resgatar o statuscolonial anterior.

    O papel desempenhado pela imprensa e a cultura impressae as lutas entre as inmeras faces polticas no movimento paraa Independncia brasileira foi o tema central do ensaio Thebirth of a Brazilian press and Brazils independence, 1821-1823,apresentado por Isabel Lustosa. A autora afirmou que osprimeiros jornais brasileiros independentes, fundados aps arevoluo constitucionalista do Porto, tiveram peso decisivo nosacontecimentos que se seguiram quela revolta, que levou Independncia de Brasil. Entre 1808 e 1820, tudo que foi escritono Rio de Janeiro s podia ser impresso aps rigorosa censura.Neste contexto, o Correio Braziliense (1808 a 1822) transformou-

    se no nico veculo usado para divulgar idias liberais aosbrasileiros, e para criticar os erros os mais gritantes daadministrao portuguesa transferida para o Rio de Janeiro

    junto com a corte. Ao divulgar os eventos polticos maisimportantes e os analisar luz das novas idias liberais, o Correio

    Braziliense transformou-se numa referncia imperativa quelesque sonhavam com o progresso e a liberdade no Brasil. Aliberdade de imprensa conquistada aps a revoluo portuguesa

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    de 1820 permitiu que os liberais brasileiros encontrassem umcanal por meio do qual pudessem expressar e divulgar suas idias.

    Todas as abordagens acima referidas remetem a temticassurgidas com o chamado cultural turn, que incidiu diretamentena historiografia com a ecloso das chamadas nova histriacultural e nova histria poltica que, como de praxe, chegaram

    ao Brasil com mais de uma dcada de atraso.

    16

    Todas essasquestes, que praticamente constituem o ncleo problemtico daatual historiografia sobre a Independncia de que os papersapresentados em Oxford so um difano exemplo no estavamna ordem do dia dos historiadores no incio da dcada de 1970 assim como a discusso sobre questes estruturais, to caras aoshistoriadores do comeo dos anos 1970, foi praticamente riscadada agenda contempornea. Uma outra questo que no selevantava poca de 1822 dimenses era a de uma virtual

    participao popularno processo de Independncia, at entoserenamente tida como um processo intra-elites. Como negros ebrancos pobres, escravos e libertos participaram ou no desse

    acontecimento?Este assunto, em particular, polmico e podemos dizerque no se avanou muito nas duas ltimas dcadas noconhecimento do papel das classes populares escravos, libertos,homens livres pobres no processo de Independncia. Osestudiosos da escravido avanaram um passo. Em ensaio muitocitado, publicado em 1989, Joo Jos Reis analisa a participaodos negros nas lutas pela Independncia na Bahia. Para Reis,alm dos tradicionais partidos polticos, outros agentesdisputavam interesses nas lutas da Independncia. o caso dosescravos, que a viam como uma possibilidade de alar suaalforria. A indeterminao posterior ao contexto turbulento darevoluo do Porto, que na Bahia gerou forte reao militar ao 7de setembro por parte das tropas portuguesas, possibilitou osurgimento de um cenrio tal que permitiu aos escravosparticiparem de discusses sobre questes candentes comoliberdade poltica. Sem dvida, em suas pesquisas pioneiras sobreos caminhos da liberdade no Brasil escravista, Joo Jos Reiscontribuiu para a abertura a outras dimenses do processo deIndependncia at ento negligenciadas pela historiografia.17

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    No mesmo sentido avanam os resultados de pesquisa deHendrik Kraay.18Vou tomar seu artigo sobre o recrutamento deescravos na Bahia poca da Independncia19como pretexto parademonstrar meu ponto de vista, da dificuldade de se investigar opapel desempenhado pelas camadas populares no processo deIndependncia.

    Kraay mostra que o recrutamento de escravos na Bahiafora um esforo improvisado, que no foi ordenado nemregulado por decreto. O problema estava na alforria que osescravos alistados esperavam e na posio dos seus senhoresdiante do Estado, no sentido da expectativa de indenizao.Kraay insiste na necessidade da diferenciao entre escravo eliberto na anlise do recrutamento. A participao dos ltimosno trazia maiores problemas. Em 1823, Pierre Labatut osrecrutara. Mas...

    A questo dos escravos era bem diversa. H indcios de que, jem setembro de 1822 (antes da chegada de Labatut), patriotas

    pretendiam us-los. Maria Quitria de Jesus contou depois aMaria Dundas Graham que patriotas ento queriam obrigar seupai, um portugus, a contribuir com um escravo, pois no tinhafilhos para dar ao exrcito. A resposta dele que interesse temum escravo para lutar pela Independncia do Brasil? semdvida refletia atitudes bem difundidas [...].20

    Esse ponto central para mim. O ensaio de Kraay trata

    com propriedade a questo de como a Independncia,indiretamente, pela via do recrutamento (ou por outras vias maissutis, como a boataria, o imaginrio) mexeu com assuntosdelicados como a condio dos cativos e os horizontes de

    liberdade que a guerra suscitara. Mas a via contrria no faz partede seu objeto, nem de outros estudos que eu conhea: em quemedida a escravido, como instituio, e os escravos, como grupo ouclasse social, contriburam para o processo de Independncia do

    Brasil ante Portugal? Isso muito diferente de se analisar osdiferentes grupos sociais ou camadas populares poca daIndependncia, ou como a Independncia incidiu em suas vidas.

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    Mas foi o prprio Hendrik Kraay quem trouxe umacontribuio seminal ao debate em Oxford, ao discutir

    justamente sobre o papel desempenhado pelos escravos naIndependncia do Brasil. Em seu ensaio Popular participation inBrazilian independence, with special reference to Bahia, texto deencerramento do workshop, Kraay tocou em pontos centrais do

    debate, chamando a ateno para o fato de que a novahistoriografia sobre aquilo que os historiadores brasileiroschamam de o processo de Independncia presta muito poucaateno participao popular no dito processo. Embora muitospatriotas falassem em nome das tropas e do povo, o povo (etambm as tropas) permaneceram por longo tempo comofigurantes para a produo acadmica sobre os eventos polticosdramticos daqueles anos. Finalmente, a luta dos escravos pelaliberdade colidia com o desejo dos milicianos pretos por umpapel maior no novo imprio, e durante a revolta dos Periquitosde 1824, estes ajudaram a debelar aqueles.

    Esses estudos pioneiros de Reis, Kraay e Luiz Geraldo Silva

    so representativos de como novos temas de pesquisa se foraminstalando na pauta dos historiadores da Independncia, sobinfluncia do cultural turn que, por sua vez, tem sua prpriadimenso histrica a ser levada em conta. J h vinte anos, JohnJohnson argumentava que o desenvolvimento realmentesignificativo na escrita da histria moderna da Amrica Latinanos Estados Unidos, desde os anos 1960, fora marcado peloenvolvimento dos investigadores com um leque mais amplo denovas questes que incidem diretamente na vida cotidiana dehomens e mulheres.21 Entre essas novas questes estariam: ocrescente interesse pela histria dos despossudos, a blackexperience (e as questes de raa) e a escravido (em novasabordagens de tipo microanlise), a histria social do trabalho e,particularmente, o crescimento dramtico da histria dasmulheres (um tema praticamente inexistente como tpico depesquisa antes dos anos 70). Outros temas viriam conquistarrelevante espao acadmico posteriormente anlise de Johnsoncomo, por exemplo, os estudos voltados sexualidade (gays elsbicas) e a questes ambientais.

    Em estudo mais recente, Marshall Eakin (1998) pde

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    confirmar as predies anteriores. A tendncia geral verificadapor este autor para a historiografia norte-americana sobreAmrica Latina pode, com alguma tolerncia, ser extrapoladapara a evoluo da historiografia latino-americana e qualpodemos tambm alinhar a historiografia brasileira. SegundoEakin, pode-se dizer que nos anos 1980 imperou a histria social,

    assim como os anos 1990 a nova histria cultural, tendo serenovado o estudo de grupos no-elites como escravos, mulheres,ndios, trabalhadores e camponeses. A influncia do ps-modernismo, o chamado linguistic turn e os estudos ps-coloniais com foco nos grupos subalternos surgiram comoabordagens preponderantes. Dentro de tais contextoshistoriogrficos amplos devemos procurar a explicao de porque, por exemplo, questes como memria, identidade, rituais,

    jogos de poder, linguagens e a participao de camadassubalternas foram temas ausentes da historiografia brasileirasobre Independncia na virada dos anos 1960 para 1970, e porque hoje preenchem a pauta de preocupaes dos historiadoresnossos contemporneos.

    CONSIDERAES FINAIS

    Mais de trs dcadas se passaram desde a publicao doclssico livro 1822 dimenses. Ao compararmos essa obrafundamental com os temas que esto hoje na pauta do dia,diagnosticamos uma guinada de orientao terica, das anlisesestruturais, macroeconmicas e sociais, para outra coisadiferente, onde sobressaem temas afeitos agenda criada a partirdo cultural turn deflagrado nos anos 60, que culminou, no plano

    historiogrfico, no posterior surgimento das novas histriascultural e poltica. Esse amplo movimento intelectual irradiou-sedos centros do capitalismo para o resto do mundo, incluindo aAmrica Latina.

    A grande ampliao de objetos de investigao histricaverificvel hoje entre ns, historiadores latino-americanos, se porum lado espelha a fragmentao geral peculiar fase de transioparadigmtica iniciada no final da dcada de 1960, por outro

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    evidencia a dependncia (na falta de melhor termo) cultural dacomunidade intelectual latino-americana (a includos oshistoriadores) de cnones produzidos alhures.

    No vou entrar em maior detalhe sobre tema to vasto, masapenas tentar esboar uma explicao para aquela guinada quereferi nas pesquisas sobre Independncia nos 30 e poucos anos.

    comum a interpretao de que a dcada de 1960 foimarcada por uma violenta acelerao do tempo histrico, queincidiu nas formas do ser, mas tambm do fazer e do pensarhistricos. Essa virada um sintoma de uma guinada culturalmaior vivida no mundo ocidental, que se revelou de formadramtica na prpria concepo do escopo e dos limites dascincias humanas e sociais e envolveu um reexame crtico daracionalidade cientfica ento vigente.22 Num contextopoliticamente conturbado, marcado por contestaes viscerais aocolonialismo europeu, s diferentes expresses do imperialismoeconmico e cultural, pela propagao vertiginosa dos meios decomunicao em massa e por um processo crescente de

    encurtamento das distncias e dos espaos, as velhas certezas quecaracterizavam a razo ocidental foram radicalmente abaladas.23

    Como ensina Ciro Cardoso, a conseqncia lgica dacrtica visceral ao velho humanismo levou, em termosepistemolgicos, chamada morte do Homem, entendidocomo sujeito e objeto privilegiados do conhecimento, da qualsucederam todas as outras mortes importantes, que selaram osuposto fim da razo, da cincia, das certezas, da histria, dasgrandes teorias e assim por diante. Mas importantssimoguardar que esse grande movimento se desenrolava nos ploshegemnicos da cultura ocidental, nos pases centrais daeconomia capitalista. Na Amrica Latina, na mesma poca (anos60) uma outra vaga inovadora propagava-se ainda sob a gide daracionalidade moderna, nas diversas expresses da teoria dadependncia, como acusava o Prof. Mota nas preliminares de seulivro.

    As teorias da dependncia, a despeito de todos osproblemas justamente levantados e criticados por uma legio deintelectuais, foram o ponto culminante da formulao de umgenuno pensamento formulado na Amrica Latina para explicar

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    sua situao presente. O que aconteceu foi que, com a ecloso dofenmeno ps-estruturalista, seu potencial crtico e criativo foipraticamente esvaziado pelo impacto cultural bombstico domaio de 68, abortando as possibilidades de avano dentro dessalinha de evoluo intelectual e matando no bero o novoparadigma dependentista antes que ele pudesse influenciar

    decisivamente os estudos histricos e mesmo as cincias sociaiscomo um todo. Tal fenmeno se explica pelo fato de que asteorias da dependncia surgiram nos anos 1960, quando sedetona a imploso dos paradigmas nas cincias sociais com oadvento do ps-estruturalismo, que resultar no ps-modernismo dos anos 80 e 90, o qual, por sua vez, decretar afalncia das macro-teorias e macronarrativas. Assim, no contextoda fragmentao da situao de transio paradigmtica em queainda nos encontramos, a utilidade e validade de uma teoriamacro social e histrica como as teorias da dependncia perdeu o interesse e o sentido para o establishmentacadmico.

    A persistncia das teses sobre a crise do antigo sistemacolonial nas dcadas de 1980, 90 e mesmo at hoje, em ploshistoriogrficos como a USP, deve-se ao vigor de algumasestruturas de poder institucional e das redes de patronato erelaes de endogenia delas derivadas, presentes nesses plos, queinduziram a uma situao sui generis no que tange recepo dosnovos paradigmas historiogrficos oriundos do cultural turn, demodo que estes foram sendo paulatinamente recebidos, semdescartar o paradigma estrutural anterior, mas se moldando a elepara preserv-lo.

    Esse movimento mais amplo que tentei esboar acima ovetor explicativo da mudana de perspectiva terica no

    tratamento do problema independncia desde o livro clssicodo prof. Mota at hoje. Naquele quadrante, as explicaes erambuscadas dentro desse paradigma macroterico de percepo dofenmeno independncia dentro do amplo contextoplurissecular da passagem do feudalismo ao capitalismo e dedesagregao do antigo sistema colonial de tal modo que aIndependncia entendida como desdobramento de umprocesso macroeconmico que se desenrola no centro do

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    sistema. Hoje, sob influncia dos pressupostos da nova histriacultural e poltica, novas questes, impensveis naquele outrocontexto, so postas na mesa: participao popular e inflexes decor e raa; a difuso da cultura impressa, as formas espetacularesdo poder (idias, ideologias, imaginrios, smbolos, mitos,utopias, espetculos do poder, festas e comemoraes cvicas,

    rituais, liturgias, paradas, desfiles) e assim por diante. Nocausar espcie se vierem a surgir outros questionamentos,oriundos da mesma orientao ps-estruturalista e ps-moderna,tais como a importncia das relaes de gnero ou o papel degays e lsbicas no processo de Independncia.

    Cabe-me deixar muito bem enfatizado que meu objetivo,aqui, foi indicar essas mudanas historiogrficas (no mbito dosestudos da independncia) e esboar uma explicao para elas,por mais generalista que essa explicao soe. No cumprenecessariamente ao analista, ao crtico da historiografia, atribuirqualquer sinal de valor nessas mudanas. De modo que no meparece apropriado julgar qual seria o melhor enfoque, se

    macroestrutural ou microanaltico, se fundado em explicaeseconmicas de longa durao ou em aspectos culturais. Nessesentido, creio que uma abordagem no substitui a outra, quetodas tm sua contribuio e suas deficincias especficas. E que ahistria da historiografia aponta para a constante superao de si.Neste sentido, todos teremos dado nossa contribuio, que ser,salutar e inevitavelmente, superada pelas geraes vindouras, quens mesmos formaremos.

    Porm, voltando a nosso tema, acredito que, at ondeenxerga minha conscincia histrica, o fenmenoindependncia no estar satisfatoriamente explicadoenquanto persistirem abertas algumas questes:

    Como se explica o fato de que, em meio a tantas foras sociaise polticas, a tantos projetos e anseios, foi justamente a soluomonrquica, com o herdeiro portugus no topo, a que sesagrou vitoriosa?

    Ou seja, no contexto da era das revolues, da crise do AntigoRegime e do sistema colonial, no contexto das revolues de

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    independncia na Amrica Latina, porque a Independncia doBrasil aconteceu da forma como aconteceu?

    Em minha opinio, preciso refinar ainda mais osinstrumentos, observar ainda mais ao microscpio, utilizando aimagem de Hobsbawn. Parece, pois, faltar uma abordagem mais

    focada na ao de indivduos concretos, inseridos em configuraesespecficas, mas guiados por opes racionais indelevelmenteorientadas com respeito a fins, como ensina Weber, e mesmo asmais recentes teorias da ao. Estamos falando de agenteshistricos, de pessoas que pertenciam a diferentes grupos, masque tinham cambiantes projetos e interesses, individuais e degrupo.

    Seno, como se explica a aceitao pelas elites econmicasdo Pas do projeto poltico das elites do Centro-Sul, que seuniram ao projeto imperial bragantino lanando o prncipecomo outorgante da emancipao? Quais os interesses em

    jogo? A resposta a esta questo vai apontar para aquele estratosocial que conseguiu garantir-se a construo do Estado imperial.Como ensina Richard Graham, dessa contenda, os proprietriosde terras e os escravocratas brasileiros emergiram triunfantes.Deles era o novo Estado.24

    MALERBA, Jurandir. The Independences of Brazil: theoreticalreflections on historiographical perspectives.Histria, So Paulo,v.24, n.1, p.99-126, 2005.

    ABSTRACT: Brazilian Independence as a subject matter ofhistorical studies dates from the epoch of this historical factitself. In this essay, one aims to underline this fundamentalcharacter of historiography that is its own historicity by means ofa comparative analysis of ruling theoretical framework boththree decades ago and nowadays.

    KEYWORDS: Independence-Brazil; Brazilian Independence Historiography; Theory of Historiography.

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    NOTAS

    1 Professor do Departamento de Histria Unesp/Franca.CEP 14400-690. e-mail: [email protected] texto constitui-se na base da palestra que proferi no seminrio

    Independncia: perspectivas, acervos e iconografia, realizado pelo MinC eFundao Biblioteca Nacional, em Braslia, dia 1/9/2005. Tive a oportunidadede discuti-lo novamente com os alunos do Programa de Ps-graduao emHistria da UFPr em novembro de 2005, de cujo debate este texto muito sebeneficiou.2 Esse texto encontra-se disponvel no site do Centre for Brazilian Studies. Cf.MALERBA, J. Esboo crtico da recente historiografia sobre Independncia do Brasil(desde c. 1980). University of Oxford, Centre for Brazilian Studies, 2003.Disponvel em: Working papers series:.3 Poder-se-ia objetar que a metodologia que utilizo nesta abordagem imprpria em funo do universo diminuto das obras selecionadas paracomparao. A prpria coletnea organizada por C. G. Mota, de acordo com aimpiedosa avaliao de Jos Honrio Rodrigues, teria valor desigual, por sersem unidade orgnica, e muito desequilibrado no valor da pesquisa e da

    contribuio. Cf. RODRIGUES, Jose Honrio. Independncia: revoluo econtra-revoluo. Rio de Janeiro: F. Alves, 1975, 5.v (seu ensaioHistoriografia da Independncia e seleo de documentos encontra-se no

    volume 3 dessa obra). verdade que houve uma verdadeira avalanche depublicaes em funo do sesquicentenrio da Independncia, como os deBARREIROS, Eduardo Canabrava. Itinerrio da Independncia. Prefcio dePedro Calmon. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1972. p.XXII; ou a obramonumental organizada por MONTELLO, Josu (dir.). Histria da

    Independncia do Brasil. Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1972, 4.v. O prprioProf. Mota j havia dado enorme contribuio ao tema da independncia emoutras obras suas, particularmente no Brasil em Perspectiva (So Paulo: Difel,1968). Eu mesmo fiz um balano desses grandes fluxos historiogrficos e suafortuna crtica MALERBA, J. Para uma Histria da Independncia

    apontamentos iniciais de pesquisa. Revista do Instituto Histrico e GeogrficoBrasileiro, Rio de Janeiro, ano 165, n.422, p.59-86, 2004. Porm, minhapretenso aqui hoje no rigorosamente a de esgotar toda essa bibliografia,mas apenas a de fazer um exerccio comparativo entre dois momentoshistoriogrficos diversos. Nesse sentido, as obras comparadas assemelham-seem pontos fundamentais: so compostas de ensaios produzidos porhistoriadores profissionais, acadmicos, familiarizados com o arsenal terico ecrtico mais atualizado de suas pocas. Essas caractersticas garantem, querocrer, a legitimidade deste exerccio comparativo.4 MOTA, Carlos Guilherme (or.) 1822: dimenses. So Paulo: Perspectiva, 1972,

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    p.11-12.5 Idem, p.10-11.6 Fao uma apresentao sucinta das teses e da influncia das teorias dadependncia na historiografia latino-americana em, MALERBA, J. Nuevasperspectivas y problemas de la historiografia en Amrica Latina. Historia

    General de Amrica Latina. Paris: UNESCO, 2006 [no prelo]. (v.9, Teoria ymetedologa en la historia de Amrica Latina). Sobre as teorias daindependncia e sua influncia na historiografia latino-americana, cf.HALPERIN DONGHI, Tlio. Dependency Theory and Latin AmericanHistoriography. Latin American Research Review, v.17, n.1, p.115-130, 1982;LOVE, Joseph L. The Origins of Dependency Analysis. Journal of Latin AmericaStudies, v.22, n.1, p.143-168, 1990; BERGQUIST, Charles. Latin America: ADissenting View of 'Latin American History in World Perspectives. In:

    International Handbook of Historical Studies: Contemporary Research andTheories. George Iggers and Harold T. Parker (ed.). Westport CT: GreenwoodPress, 1970.7 Cf. NOVAIS, F. A; MOTA, C. G. A independncia poltica do Brasil. 2 ed. SoPaulo: Hucitec, 1996. [1.ed. 1985]. Grifo nosso.8 Tradio fundada na leitura de alguns textos de Marx, em particular oPrefcio Crtica da Economia Poltica. Outra tradio interpretativa, dentro doprprio marxismo, vai destacar da experincia de homens e mulheres e opapel da luta de classes como motor da histria humana. Esta ltimalinhagem, apurada, entre outros textos originais, doManifesto comunista, bemexemplificada na tradio do marxismo britnico. A literatura sobre essespontos monumental.9 Cf. GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere. Ed. Valentino Gerratana. Turim:Einaudi, 1975.10 Cf. BENJAMIN, Walter. Theses on the Philosophy of History. In:

    Illuminations. Trad. Harry Zohn. London: Fontana, 1992, p.245-255. Umaexcelente interpretao das teses de Benjamin em CARDOSO Jr.,Hlio.Tempo e Narrativa Histrica nas Teses de W. Benjamin. In:MALERBA, J. (org.)A Velha Histria, mtodo e historiografia. Campinas: Papirus,

    1996, p.51-60.11 Cf. THOMPSON, E.P. The poverty of theory and other essays. London: MerlinPress, 1978.12 Cf. NOVAIS, Fernado A.; MOTA, Carlos Guilherme. Op. cit., p.22-23. Grifo

    nosso.13 Tal interpretao influenciou enormemente e continua a influenciar ahistoriografia brasileira. Para Ana Rosa C. Silva, por exemplo, aindependncia no foi seno um ponto no longo processo dedesmantelamento do antigo regime europeu e do antigo sistema colonial.

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    Uma segunda questo, restrita ao pensamento de Bonifcio, emerge daafirmao da autora de que no apenas a Independncia decorre da crise doantigo sistema colonial, mas que, sobretudo, Bonifcio tinha conscincia dessacrise, e seu pensamento e projetos para o Brasil eram guiados por essaconscincia. Cf. SILVA. Ana Rosa Cloclet. Construo da nao e escravido no

    pensamento de Jos Bonifcio: 1783-1823. Campinas, 1996. Dissertao(Mestrado) Unicamp, fl.160, 167.14 Cf. BRAUDEL, Fernand. Civilizacin material, economa y capitalismo. SiglosXV-XVIII. Madri: Alianza, 1985, 3.v; WALLERSTEIN, Immanuel. El moderno

    sistema mundial. La agricultura capitalista y los orgenes de la economa-mundoeuropea, el siglo XVI. Mxico: Siglo XXI, 1979; WALLERSTEIN, Immanuel.

    El moderno sistema mundial II. El mercantilismo y la consolidacin de laeconoma-mundo europea 1600-1750. Mxico: Siglo XXI, 1984;

    WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system III. The second era ofgreat expansion of the capitalist world-economy, 1730-1840s. San Diego:

    Academic Press, 1989a.15 A bibliografia sobre o problema das master-narratives imensa. Uma boaantologia foi reunida por ROBERTS, Geoggrey (ed.) The history and and

    narrative reader. London, New York: Routledge, 2001. Ver tambm RSEN,

    Jrn. Historiografia comparativa intercultural. In: MALERBA, Jurandir.MALERBA, J. Nuevas perspectivas y problemas de la historiografia en AmricaLatina.Historia General de Amrica Latina. Paris: UNESCO, 2006 [no prelo]. Ascrticas de historiadores e filsofos ps-modernos e ps-colonialistas tratamdiretamente do assunto. Ver CROWELL, Steven G. Mixed Messages: TheHeterogenity of Historical Discourse. History and Theory, v.37, Issue 2, p.220-244, may, 1998; KLEIN, Derwin Lee. In search of narrative mastery:postmodernism and the people without history. History and Theory, v.34, Issue4, p.275-298, dec., 1995; NANDY, Ashis. Historys Forgotten Doubles.History

    and Theory. v.34, Issue 2, Theme Issue 34: World Historians and Their Critics,p.44-66, may, 1995.16 No comeo dos anos 1990, comea a chegar Amrica Latina o influxo domovimento de renovao desse campo encetado na Europa (particularmente

    na Frana) na dcada anterior. Falava-se agora de uma nova histriapoltica, revigorada pelo contato intenso com a histria cultural, onde oconceito de representao torna-se um imperativo. Maria Helena Capelato eEliane Dutra puderam constatar que essa linha de pesquisa sobre histria dasrepresentaes polticas articula temas que se expressam em idias, ideologias,imaginrios, smbolos, mitos, utopias, espetculos do poder (festas ecomemoraes cvicas, rituais, liturgias, paradas, desfiles). Cf. CAPELATO,Maria Helena; DUTRA, Eliane. Representao Poltica. O Reconhecimento deum conceito na Historiografia Brasileira. In: CARDOSO, Ciro F; MALERBA,

    Jurandir (org.).Representaes. Contribuio a um debate transdisciplinar.

    HISTRIA, SO PAULO,v.24, N.1, P.99-126,2005 125

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    JURANDIR MALERBA

    Campinas: Papirus, 2000.17 REIS, Joo Jos. O jogo duro do Dois de Julho: o partido negro naIndependncia da Bahia. In: SILVA, Eduardo e REIS, J. J. Negociao e conflito:resistncia negra no Brasil escravista. So Paulo: Cia das Letras, 1989, p.79-98.18 Cf. KRAAY, Hendrik. Race, state, and armed forces in independence-era Brazil:

    Bahia, 1790s-1840s. Stanford: Stanford University Press, 2002.19 KRAAY, Hendrik. Em outra coisa no falavam os pardos, cabras, ecrioulos: o recrutamento de escravos na guerra da Independncia na Bahia.

    Revista Brasileira de Histria, So Paulo, v.22, n.43, p.109-126, 2002.20 Idem, p.112.21 Cf. JOHNSON, John. One Hundred years of Historical Writing on ModernLatin Amrica by United States Historians. The Hispanic American Historical

    Review, v.65, n.4, p.745-765, nov., 1985, p.757-ss. Tambm SKIDMORE,Thomas E. Studying the History of Latin America: A Case of HemisphericConvergence. Latin America Research Review, v.33, n.1, p.105-127, 1998,particularmente p.113-ss; EAKIN, Marshall C. Latin American History in theUnited States: From Gentlemen Scholars to Academic Specialists. The HistoryTeacher,v.31 n.4, p.539-561, ago, 1998, particularmente p.550-561.22 Sobre a transio paradigmtica nas cincias sociais cf. WALLERSTEIN, I. etal. Open the Social Sciences; report of the Gulbenkian Commission on the restructuringof Social Sciences. Stanford: Stanford University Press, 1996; SANTOS,Boaventura de S. Toward a new common Sense. Londres: Routledge & KeaganPaul 1995; IGGERS, G. New directions on European historiography. ed. Rev.Middletown-Conn: Wesleyan University Press, 1984. Para a anlise do impactode 1968 na cultura ocidental, cf. AGUIRRE ROJAS, Carlos Antnio. Losefectos de 1968 sobre la historiografia Occidental,La Vasija, Mxico, n. 2: 13-28, Ago-nov. 1998; WALLERSTEIN, Immanuel. 1968: revolucin en el sistemamundo. Tesis e interrogantes. Estudos sociolgicos, Mxico, n.20, 1989;BRAUDEL, Fernand. Renacimiento, Reforma, 1968: revoluciones culturalesde larga duracin.La Jornada Semanal, Mxico, n.226, 10/10/1993.23 Cf. CARDOSO, Ciro Flamarion. Epistemologia ps-moderna, texto econhecimento: a viso de um historiador. Dilogos, Maring, v.3, n.3, p.1-28,

    1999; tambm DOSSE, Franois. Histoire du Structuralisme I. Le champ dusigne, 1945-1966. Paris: La Dcouverte, 1991; FERRY, Luc; RENAUT, Alain.

    La pense 68. Essai sur lanti-humanisme contemporain. Paris: Gallimard, 1985.24 GRAHAM, Richard. Construindo a nao no Brasil do sculo XIX: visesnovas e antigas sobre classe, cultura e Estado. Dilogos, Maring, v.5, 2001.http://www.dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol5_mesa1.html

    Artigo recebido em 02/2006. Aprovado em 04/2006.

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    http://www.dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol5_mesa1.htmlhttp://www.dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol5_mesa1.html