as duas margens do atlântico: um projeto de integração...

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação Jussara Santos Pimenta As duas margens do Atlântico: um projeto de integração entre dois povos na viagem de Cecília Meireles a Portugal (1934) Rio de Janeiro 2008

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades

Faculdade de Educação

Jussara Santos Pimenta

As duas margens do Atlântico: um projeto de integração entre dois povos na viagem de

Cecília Meireles a Portugal (1934)

Rio de Janeiro 2008

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Jussara Santos Pimenta

As duas margens do Atlântico: um projeto de integração entre dois

povos na viagem de Cecília Meireles a Portugal (1934)

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Orientadora: Profa. Dra. Ana Chrystina Venancio Mignot

Rio de Janeiro 2008

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / CEH/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese. ____________________________________ ______________________

Assinatura Data

P 644 Pimenta, Jussara Santos. As duas margens do Atlântico : um projeto de

integração entre dois povos na viagem de Cecília Meireles a Portugal (1934) / Jussara Santos Pimenta. - 2008.

374 f. Orientadora: Ana Chrystina Venancio Mignot. Tese (doutorado) – Universidade do Estado do

Rio de Janeiro, Faculdade de Educação. 1. Meireles, Cecilia, 1901 – 1964 – Teses. 2.

Educação – Brasil – História – Teses. 3. Escola Nova – Teses. I. Mignot, Ana Chrystina Venancio. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação. III. Título.

CDU 37(81)(091)

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Jussara Santos Pimenta

As duas margens do Atlântico: um projeto de integração entre dois povos na viagem de Cecília Meireles a Portugal (1934)

Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 30 de maio de 2008. Banca Examinadora:

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Aos meus melhores amigos, Alcebíades e Maria Helena,

que nesta vida eu conheço pelos nomes de Pai e Mãe.

Aos meus irmãos Alexandre, André e Débora

e aos meus mais que queridos Thales e Pedro.

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AGRADECIMENTOS

A elaboração desta pesquisa só foi possível graças ao apoio, à contribuição

e à ajuda, intelectual, financeira e emocional de várias pessoas e instituições.

Registro o meu agradecimento a todos que me auxiliaram e me acompanharam de

perto neste trabalho.

À FAPERJ, pela bolsa de estudos;

À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos, sem a qual seria impossível

realizar a segunda parte da pesquisa, e ainda aos técnicos que me auxiliaram

durante todo o processo;

À professora Dra. Ana Chrystina Venancio Mignot, pela orientação, e ainda

às professoras Dra. Ana Waleska Pollo Campos de Mendonça, Dra. Maria Teresa

Santos Cunha, Dra. Yolanda Lima Lobo e Dra. Ana Maria Magaldi, por aceitarem o

convite para participação na Banca de Defesa desse trabalho;

Às coordenadoras do Programa de Pós-Graduação da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro, professoras Dra. Rosana Glat e Dra. Alice Casimiro;

Ao professor Dr. Rogério Fernandes, agradeço pela generosidade com que

me recebeu em Lisboa, pela disponibilidade, pelos contatos estabelecidos, pela

gentileza e atenção com que me acompanhou nos quatro meses da pesquisa;

Meu agradecimento especial à família de Cecília Meireles – Alexandre

Carlos Teixeira, Ricardo e Bernadete Strang, cuja contribuição permitiu a

concretização desse trabalho;

A Bernadete Streisky Strang, Ana Chrystina Venancio Mignot, Rosangela

Veiga Júlio Ferreira, Cássia Ducati, Thais Velloso Cougo Pimentel, Aline Vieira de

Souza, Carla Simone Chamon, Giselle Martins Venancio, Luciana Vial Borghert

Corrêa, Leila V. B. Gouvêa, Ana Maria Domingues de Oliveira, Rogério Fernandes,

Celestino Sachet, Ana Maria Lisboa de Mello, António Candeias, Constância Lima

Duarte e Yara Máximo de Sena, por compartilharem os seus respectivos trabalhos;

A Vivian Anghinoni Correa, pelo apoio e pesquisa ao periódico A Nação, em

bibliotecas do Rio Grande do Sul;

A Luís Carlos Sachet, pela amizade e por me colocar em contato com o

professor Celestino Sachet;

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Aos funcionários de todas as instituições em que pesquisei em Portugal,

pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente, da

Biblioteca do Museu Histórico e Pedagógico João de Deus; Sr. Paulo Carvalheira, da

Torre do Tombo; Sandra Santos, da Fundação Arpad-Szénes – Vieira da Silva;

Fátima Carvalho, da Biblioteca da Casa de Cultura de Coimbra; João Manuel

Mendes Maria (setor de microfilmes da Biblioteca Nacional de Portugal); António

José Pereira da Silva Martins (setor de microfilmes de jornais da Biblioteca Nacional

de Portugal); Álvaro Edmundo dos Santos Ventura (setor de reprografia de

documentos da Biblioteca Nacional de Portugal) e Gilberto Paulo (área de

Reproduções da Biblioteca Nacional de Portugal);

Às colegas do estágio de doutorado Ana Maria Gonçalves de Sousa e Euli

Marlene Steffen, que me iniciaram nos mistérios de Lisboa; a Anna Paula e João

Luís Cruz, pela noite de Fado e de tradições portuguesas; a Giselle e Hugo

Venancio, viajantes e companheiros pelos caminhos da Andaluzia; e a Mercedes,

António, Ramayanna e Helena, pelas sardinhadas em Algés;

Aos amigos do Residencial “Maria Adelaide”, no Humaitá, Rio de Janeiro:

Luciana Burigo, Dirlei Nico, Gisele Matta, Marissol Martins, Adriana Soares, Carla

Gorni, Maria Amélia, Edith, Anacleta, Valdete, Rosane, Margarida, José e o Sr.

Orlando da Cooperativa de Táxis do Humaitá, meu primeiro amigo português;

Aos amigos Bruna Alcântara, Leonor Cordeiro, Denise Marinho, Regina

Chiaradia, Fernando Magalhães e Marcus Bastos, pelo carinho, pela amizade e

pelas singulares contribuições ao meu trabalho;

A Débora Pimenta, pela revisão deste trabalho;

A Thales Pimenta, pela contribuição artística, e a André Pimenta, pelo

suporte técnico em informática;

A minha família a quem tudo devo e tudo agradeço: o investimento, o apoio

incondicional, o incentivo, a paciência e o carinho.

A todos, o meu eterno muito obrigado!

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Há as viagens que se sonham e as viagens que se fazem – o que é muito diferente.

O sonho do viajante está lá longe, no fim da viagem, onde habitam as coisas imaginadas.

(Cecília Meireles)

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RESUMO

PIMENTA, Jussara Santos. As duas margens do Atlântico: um projeto de integração entre dois povos na viagem de Cecília Meireles a Portugal (1934). 2008. 347 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

A viagem que Cecília Meireles empreendeu a Portugal, em 1934, tornava realidade o projeto de integração entre os dois povos, que ela acalentava tanto na “Página de Educação" quanto no Centro de Cultura Infantil. Examinar essa viagem envolveu compreender as articulações que resultaram no convite, como os seus interlocutores estavam ligados a empreendimentos que buscavam a promoção das relações luso-brasileiras, as repercussões das conferências que a educadora proferiu naquele país e as formas como os intelectuais portugueses receberam os relatos da experiência educacional brasileira. Para tanto, foram privilegiados o seu "Diário de Bordo", escrito durante a travessia e ainda não explorado na literatura acadêmica; as crônicas publicadas no Diário de Notícias, entrecruzadas com a correspondência pessoal com intelectuais dos dois países; textos de educadores portugueses e brasileiros; e textos jornalísticos que deram visibilidade à viajante. O estudo pretende, em articulação com a produção do conhecimento histórico sobre a trajetória da educadora e do diálogo que ora se realiza entre historiadores da educação, entrever diferentes facetas do movimento da Escola Nova no Brasil e em Portugal. Palavras-chave: Cecília Meireles, viagens pedagógicas, intercâmbio luso-brasileiro, Escola Nova.

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ABSTRACT

PIMENTA, Jussara Santos. The two borders of the Atlantic Ocean: a project to integrate two peoples in Cecília Meireles’ trip to Portugal (1934). 2008. 347 f. Thesis (Doctorate Degree) – Program in Education of Rio de Janeiro State University, Rio de Janeiro, 2008.

Cecília Meirelles, in her trip to Portugal in 1934, made reality and old integration project of the Brazilian and the Portuguese, ideal that she spread on “Education Page”, as well as on the Child Culture Centre. Examining that journey involved to understand the articulations which resulted in inviting her to do it, how her counterparts were attached to projects promoting Portugal-Brazil relations, how the conferences she made in Portugal impacted and the ways how Portuguese intellectuals understood the reports on the Brazilian educational experience. To examine such points, information took from her “Board Diary”, written during the trip and not yet explored in the academic literature, was associated with her chronicles for Diário de Notícias, with the letters she exchanged with intellectuals from both countries, with Brazilian and Portuguese educators’ texts, as well as with journalistic texts which gave the traveler visibility. The objective of this study is, combined with the knowledge on Cecília’s trajectory and the dialogue performed by education history scientists, to observe different facets of New School movement in Brazil and in Portugal. Key-words: Cecília Meireles, pedagogic journeys, Portuguese-Brazilian exchange, New School Movement.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1. Cecília Meireles no passadiço do “Cuyabá”. Bico de pena de Fernando

Correia Dias de 21 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 14 de outubro de 1934 .................................................................................

16

Ilustração 2. Cecília olha para as vagas e para o vento... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 11 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 23 de dezembro de 1934 ..............................................................................

50

Ilustração 3. Segunda publicação da coluna “Diário de Bordo” com as crônicas dos dias 22 e 23 de setembro. Correia Dias desenha a si mesmo em seu atelier improvisado no tombadilho” e um dos passageiros do “Cuyabá, publicado no jornal A Nação em 21 de outubro de 1934 ..............................................

55

Ilustração 4. Cecília Meireles e Correia Dias, caricatura de Gadêa para o Editorial do jornal A Nação, publicado em 16 de setembro de 1934 ...............................

57

Ilustração 5. Capa da revista Terra de Sol, número 1, de janeiro de 1926; Capa da revista Festa, em sua segunda fase, de março de 1935 ..............................

70

Ilustração 6. Os navios do Lloyd Brasileiro e a missão de estreitar os laços entre o Brasil e Portugal. Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1934 ..............................................................................................................

77

Ilustração 7. O elegante perfil do “Cuyabá”. Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1934 ........................................................................................

78

Ilustração 8. Vitória, no Espírito Santo, primeira cidade onde o navio fez escala. Bico de pena de Correia Dias ilustra crônica sem data, publicada no jornal A Nação em 28 de outubro de 1934 ................................................................

83

Ilustração 9. Marinha – Recife, Pernambuco, terceira cidade onde o navio fez escala. Bico de pena de Correia Dias ilustra crônica do dia 29 de setembro de 1934, publicada no jornal A Nação em 18 de novembro de 1934 ................

84

Ilustração 10. Pois nesse ambiente inquieto, só de céu e de mar, igualmente sombrios, Correia Dias pinta a óleo, todas as taboinhas de caixa de charuto que há a bordo, convertendo em cavalete uma destas cadeiras do convés... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 22 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 21 de outubro de 1934 ...................................................

85

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Ilustração 11. Passageiras na amurada do navio, “descobrindo” a Ilha de Boa Viagem. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 5 de Outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 ............................

92

Ilustração 12. A orquestra do “Cuyabá”. Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra a crônica do dia 2 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 2 de dezembro de 1934 ........................................................................................

102

Ilustração 13. As “amáveis” conversas nos cadeirões da tolda. Bico de pena de Fernando Correia Dias, de 26 de setembro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação, em 11 de novembro de 1934 .........................

103

Ilustração 14. Wolkowyski, um dos amigos de viagem. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 5 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 ..................................................................................

104

Ilustração 15. Os rochedos São Pedro e São Paulo, em Fernando de Noronha, Pernambuco. Bico de pena de Fernando Correia Dias, de 1 de outubro de 1934, ilustra a crônica publicada no jornal A Nação, em 25 de novembro de 1934 .........................................................................................................

107

Ilustração 16. O percurso do “Cuyabá” nas coordenadas das cartas de bordo. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 2 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação, em 2 de Dezembro de 1934 ..........................

110

Ilustração 17. Vista de Fernando de Noronha, Pernambuco. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 30 de Setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 25 de novembro de 1934 ..............................................................................

112

Ilustração 18. O vento ... está na Torre de Belém, com o fole virado para cá... Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 9 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 16 de dezembro de 1934 ................

125

Ilustração 19. Ai! Não ser um capitão de barco de prata com velas de seda... O “Cuyabá” aproxima-se de Portugal... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 8 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação em 16 de dezembro de 1934 ........................................................................................

128

Ilustração 20. Phenicios! Argonautas! Luzíadas! – mas por que não nasci marinheiro; por que não me deram ao mar? Bico de pena de Fernando Correia Dias de 10 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação, em 23 de dezembro de 1934 ........................................................................................

132

Ilustração 21. Sobe, sobe, marujinho, aquele mastro real... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 12 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 30 de dezembro de 1934 ..............................................................................

133

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Ilustração 22. Auscultar a tendência do mundo, diante de um pequeno aparelho... Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 11 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 23 de dezembro de 1934 ................

135

Ilustração 23. Cecília contempla as estrelas. Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 5 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 ..........................................................................

140

Ilustração 24. António de Oliveira Salazar e António Ferro durante a inauguração do Secretariado da Propaganda Nacional, em 26 de outubro de 1933 .............

157

Ilustração 25. Fernanda de Castro entre alunos do primeiro Parque Infantil, de São Pedro de Alcântara .......................................................................................

162

Ilustração 26. António Ferro e Fernanda de Castro durante uma conferência ...................

163

Ilustração 27. Conferência de António Ferro - A idade do Jazz-Band ................................

165

Ilustração 28. Fernanda de Castro, óleo de Tarsila do Amaral pintado em 1922 ...............

167

Ilustração 29. Primeiro número da revista Portugal Feminino de fevereiro de 1930 ..........

182

Ilustração 30. Editorial do primeiro número da revista Portugal Feminino, de fevereiro de 1930, escrito por Teresa Leitão de Barros ....................................................

183

Ilustração 31. Relação de delegadas da revista Portugal Feminino em 1932 ....................

186

Ilustração 32. Seção literária no Gabinete Português de Leitura ........................................

187

Ilustração 33. Primeiro número da revista Atlântida de 15 de novembro de 1915; Página de rosto da revista e logotipo que passou a figurar a partir do segundo ano de publicação da revista ...............................................................................

197

Ilustração 34. Cecília Meireles desembarca no Cais de Alcântara em Lisboa, em 12 de outubro de 1934. Bico de pena de Correia Dias, publicado no jornal A Nação em 30 de dezembro de 1934 .............................................................

208

Ilustração 35. Cecília Meireles e Correia Dias fotografados durante o desembarque em Lisboa. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934 .........................................

216

Ilustração 36. Carta de Osório de Oliveira, em 3 de dezembro de 1934, convidando o poeta e educador João de Barros para uma recepção a Cecília Meireles ...

220

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Ilustração 37. Carta de Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro sobre Cecília Meireles. Lisboa, 2 de novembro de 1934; Carta de Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro, em 13 de outubro de 1934, logo após a chegada de Cecília Meireles e Correia Dias em Lisboa ..............................................

220

Ilustração 38. Carta de Cecília Meireles a José Osório de Oliveira, de Moledo da Penajóia, acertando os detalhes das conferências que faria em breve .......

225

Ilustração 39. A assistência que abrilhantou a conferência “Notícias da Poesia do Brasil”, feita pela senhora D. Cecília Meireles, no Secretariado da Propaganda de Portugal.; A consagrada poetisa brasileira, momentos antes de começar a sua conferência, tendo ao lado esquerdo o jornalista António Ferro ...........

229

Ilustração 40. A nossa gravura representa a homenageada, o S. Exa. o Embaixador do Brasil, a organizadora e alguns membros da Direção do Club Brasileiro, rodeados pelas ilustres artistas que tomaram parte nesta inolvidável noite de arte ...........................................................................................................

234

Ilustração 41. A conferência Notícia da Poesia Brasileira, publicada em Coimbra, em 1935; Dedicatória de Cecília Meireles ao poeta açoriano Armando Côrtes-Rodrigues, na mesma publicação .................................................................

236

Ilustração 42. Cecília Meireles em charge de uma revista portuguesa. Lisboa, Sempre Fixe, 13 de dezembro de 1934 .....................................................................

246

Ilustração 43. Cecília Meireles em charge de uma revista portuguesa. Lisboa, Sempre Fixe, 20 de dezembro de 1934 .....................................................................

247

Ilustração 44. Exemplar e dedicatória do livro Viagem impresso em Portugal e presenteado a Afonso Duarte por Cecília Meireles, em 1939 ......................

253

Ilustração 45. Convite para uma tarde de poesia no Museu João de Deus, em dezembro de 1951 .........................................................................................................

255

Ilustração 46. Correia Dias e Cecília Meireles em Salvador. “Em trânsito pela Bahia” .......

259

Ilustração 47. Nos jardins de São Pedro de Alcântara, onde começou a obra dos Parques Infantis ............................................................................................

272

Ilustração 48. O bendito trabalho da agulha aprende-se cedo, ao ar livre, como quem

brinca... Aspecto de uma sala de aula dos Parques Infantis ........................

273

Ilustração 49. O pão do espírito. Aspecto de uma sala de aula dos Parques Infantis ........

274

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Ilustração 50. A saída das aulas, no Parque Infantil No 3 (Necessidades) ........................

275

Ilustração 51. Decreto No 21.014 de 19 de março de 1932 e Relação de frases a serem inseridas nos livros de leitura da 4ª classe do ensino primário elementar ...

278

Ilustração 52. Gênese do desenho infantil, artigo de Afonso Duarte na revista Seara Nova ..............................................................................................................

282

Ilustração 53. Fachada do Jardim-Escola João de Deus, no Bairro Estrela .......................

285

Ilustração 54. Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico .........................

286

Ilustração 55. Grupo de alunos e professores do Jardim-Escola João de Deus, no Bairro Estrela, Lisboa – Portugal .............................................................................

287

Ilustração 56. Obras pedagógicas de Faria de Vasconcelos. Lições de pedagogia e pedologia experimental, de 1909; As Escolas de Wirth, de Hetherington, de Johnson e de Grundtwig, de 1934 ...........................................................

289

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1. “DO PASSADIÇO DO CUYABÁ”: CECÍLIA MEIRELES EM VIAGEM

PARA PORTUGAL ................................................................................................... 49

1.1. O “Diário de Bordo”: expectativas e impressões ....................................... 51

1.1.1. De malas prontas ........................................................................... 59

1.1.2. De vento em popa .......................................................................... 73

1.2. A viajante, as representações e os sentidos da viagem ............................ 89

1.3. Viagem, educação e intercâmbio para a paz .......................................... 109

1.4. Reencontrar Lisboa ................................................................................. 129

CAPÍTULO 2. A PREPARAÇÃO DA VIAGEM ....................................................... 139

2.1. Como fiéis pombos correios: Cecília Meireles e a rede epistolar com os

intelectuais portugueses ................................................................................. 141

2.2. Futuros cicerones .................................................................................... 156

2.3. A imprensa e a promoção do intercâmbio entre os dois lados do Atlântico: o

luso-brasileirismo .. ......................................................................................... 179

CAPÍTULO 3. EM PORTUGAL: CHEGADAS E PARTIDAS .................................. 207

3.1. O desembarque no cais de Alcântara .................................................... 209

3.2. Cecília aclamada em Portugal: conferências, entrevistas e recepções ... 226

3.2.1. A bordo do “Bagé” e de volta ao Brasil ......................................... 257

3.3. Aspectos portugueses da educação ....................................................... 263

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 293 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 299 ANEXOS ................................................................................................................ 328

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Introdução

E todos os dias são dias novos e antigos e todas as ruas são de hoje e da eternidade:

e o viajante imóvel é uma pessoa sem data e sem nome, na qual repercutem todos os nome e datas

que clamam por amor, compreensão, ressurreição.

(Cecília Meireles)

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Ilustração 1. Cecília Meireles no passadiço do “Cuyabá”. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 21 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 14 de outubro de 1934 (data presumida).

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Introdução

"Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio,

Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei,

Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, Ou de tombadilhos, sonhando,

E tudo isso, que é tanto, é pouco pra o que eu quero."

(Álvaro de Campos)

Este trabalho tem como objeto de estudo a viagem de Cecília Meireles a

Portugal para uma série de conferências literárias e educacionais no ano de 1934.

Atuante nos círculos literários e no cenário educacional dos anos 1930, Cecília foi

presença constante em revistas como Árvore Nova, Terra de Sol e Festa (1ª e 2ª

Fases); em periódicos de maior circulação no Rio de Janeiro como Diário de

Notícias, A Manhã e A Nação e nos meios educacionais onde se destacaram os

principais envolvidos com os rumos da Escola Nova no Brasil e no exterior. A

extensa rede epistolar que construiu a partir da década de 1920 permitiu o

intercâmbio com intelectuais brasileiros, sul-americanos e portugueses, com quem

dialogou sobre arte, poesia, folclore, política e educação. O interesse por Portugal e

pela cultura portuguesa fez com que Cecília procurasse fundar na Biblioteca Infantil

do Pavilhão Mourisco ou Centro de Cultura Infantil1 o que ela denominou de

organização ibero-americana, no momento da criação da biblioteca e antes mesmo

de viajar a Portugal:

O ibero-americanismo não é nenhuma novidade no Brasil. Muita gente o pratica, decerto, e com eficiência. Mas, até aqui, vinha sendo um interesse de adultos, geralmente de escritores, artistas, intelectuais, etc. Eu pensei, justamente em aproveitá-lo como elemento educacional, para completar a formação da criança

1 A biblioteca foi criada durante a gestão de Anísio Teixeira na Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal e transformou-se num Centro de Cultura Infantil, já que extrapolava os objetivos de uma simples biblioteca ao conjugar atividades como cinema, música, cartografia e jogos. Esse conceito foi ampliado por Anísio Teixeira no discurso de inauguração, quando afirmou que o Centro seria uma casa da criança (...) um verdadeiro órgão de pesquisa, cujos trabalhos no futuro produzirão os mais benéficos resultados. PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 93.

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brasileira. Vem de longe, essa idéia. A minha correspondência com intelectuais e educadores sul-americanos, as boas relações que tenho a honra de possuir em todos os países do continente, levaram-me ao desejo de concorrer de um modo intensivo para uma obra que consolidasse definitivamente a amizade e o conhecimento dos valores continentais. Por isso, imaginei uma obra ibero-americana que começasse pela integração da criança da América Latina num grande movimento de conjunto que, conservando-lhe toda a plenitude nacional, ao mesmo tempo lhe desse este sentido continental que cada vez me parece mais imprescindível nesta fase do mundo. A obra de ibero-americanismo a que me entreguei, não pára, no entanto, na América. Tendo sido, antes nacional, e em seguida continental, transfere-se para o plano racial, abrangendo Portugal e Espanha, e, por isso, alcançando já as fontes de formação humana que nos fazem a todos irmãos, filhos do mesmo planeta – criaturas de destino universal. 2

Nesse momento também foram idealizados e implantados por Anísio

Teixeira3 os clubes pan-americanos, que eram uma tentativa de estimular o

intercâmbio educacional nas escolas do Distrito Federal. Os clubes deveriam

incentivar a familiarização das crianças com o idioma espanhol, antevendo a

comunicação das mesmas com crianças de todo o continente.4 Cecília também

vinha estudando a possibilidade de promover o ensino intuitivo do espanhol com

crianças e havia comunicado essa sua intenção ao Diretor do Departamento de

Educação. Dessa forma as duas iniciativas tinham objetivos semelhantes: aproximar

2 Uma visita ao Centro de Cultura Infantil. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28/08/34. 3 Advogado, intelectual, educador e escritor brasileiro Anísio Teixeira (1900-1971) esteve diretamente ligado à história da educação no Brasil. Durante as décadas de 1920 e 1930 reformulou o sistema educacional da Bahia e do Rio de Janeiro, exercendo vários cargos executivos. Foi um dos mais destacados signatários do Manifesto da Escola Nova (1932), em defesa do ensino público, gratuito, laico e obrigatório. Fundou a Universidade do Distrito Federal, em 1935; em 1951, assumiu o cargo de secretário-geral da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes) e, no ano seguinte, o de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), onde ficou até 1964. Foi um dos idealizadores da Universidade de Brasília (UnB), fundada em 1961 e reitor daquela universidade em 1963. Com o golpe de 1964, acabou afastado do cargo. Foi para os Estados Unidos, lecionar nas universidades de Columbia e da Califórnia. Voltou ao Brasil em 1965. Em 1966, tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sobre Anísio Teixeira consultar: NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Rio de Janeiro: Puc/Departamento de Educação, 1991. (Tese de Doutorado). MENDONÇA, Ana Waleska Pollo Campos. Universidade e formação de professores-uma perspectiva integradora: a Universidade de Educação de Anísio Teixeira. Rio de Janeiro: PUC/Departamento de Educação, 1993. (Tese de Doutorado); MENDONÇA, Ana Waleska, BRANDÃO, Zaia (Orgs.). Por que não lemos Anísio Teixeira? Uma tradição esquecida. Rio de Janeiro: Ravil, 1997. 216p. (Coleção da Escola de Professores); ROCHA, João Augusto de Lima (Org.). Anísio em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e pela cultura no Brasil. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992. 296 p; Sítio da Biblioteca Virtual Anísio Teixeira: <http://www.prossiga.br/anisioteixeira>. 4 Sobre os Clubes Pan-Americanos criados na Escola Argentina, ver o estudo de: CHAVES, Miriam Waidenfeld. Pan-americanismo: a máxima da Escola Argentina no antigo Distrito Federal nos anos 30. In: IV Congresso Brasileiro de História da Educação. A Educação e seus Sujeitos na História. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2006.

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os escolares brasileiros com as crianças e a cultura latino-americana e ibero-

americana.

Muitos intelectuais e representantes de vários países da América do Sul

assim que tiveram conhecimento desse projeto na biblioteca infantil colaboraram na

organização e também Portugal manifestou interesse em cooperar por intermédio do

Dr. Martinho Nobre de Melo,5 que vinha se dedicando ao intercâmbio cultural luso-

brasileiro:

Aliás, amigos portugueses, que de longe souberam do meu plano, começaram logo a remeter-me o material ao seu alcance, para representar sua terra nesta obra de educação. Poderia citar-lhe aqui o grande nome de Ana de Castro Osório. 6 Tudo isso vem a ser precioso estímulo, para um trabalho que deseja ser feito principalmente com amizade. 7

Cecília Meireles também pretendia construir por intermédio de suas

relações pessoais essa ponte de interesses entre os dois países. Tencionava ainda,

deliberadamente, estendê-la de forma que até mesmo as crianças das escolas

públicas cariocas participassem dessa comunhão entre os povos de língua

espanhola e portuguesa, em favor de uma idéia que era recorrente em seus escritos,

a fraternidade universal:

5 Intelectual, jornalista e político de origem cabo-verdiana Martinho Nobre de Melo (1891-1985), foi Ministro da Justiça do governo de Sidônio Pais (1918), professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e embaixador de Portugal no Brasil na década de 1930. 6 Ana de Castro Osório (1872-1935), fez parte dos círculos intelectuais femininos de Portugal. Foi responsável pela criação de associações, pela realização de conferências e pela publicação de diversos livros em diferentes estilos literários, destinados a adultos e a crianças. Viveu no Brasil entre 1911 e 1914, permanência que esteve marcada por uma ativa vida cultural e social. Nessa época, participou do Congresso de Instrução Pública de Belo Horizonte e teve alguns de seus livros publicados e adotados pelos estados de Minas Gerais e São Paulo, respectivamente, como manuais didáticos. Em 1923 esteve por 8 meses no Brasil e proferiu palestras no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas, compiladas em A Grande Aliança. Ana de Castro Osório era mãe de dois amigos de Cecília Meireles: José e João Osório de Oliveira e tia de Maria Dulce Lupi Cohen Osório de Castro (Maria Valupi). Cecília divulgou os livros da escritora portuguesa na “Página de Educação”, dos quais, dois deles (Lendo e Aprendendo e Uma Lição de História) foram adotados pelos estados de Minas Gerais e São Paulo, respectivamente, como manuais didáticos. Para Remédios (2000), Ana de Castro Osório estabeleceu um forte vínculo com intelectuais brasileiras comprometidas com a luta feminista e mesmo com a fundação de associações. Julgo que se inscreve no forte vinculo existente entre o movimento brasileiro e o português e expressa o envolvimento pessoal de Ana de Castro Osório na construção de uma causa que concebe como duplamente comum tratando-se de mulheres com a mesma herança história. Ver: REMÉDIOS, Maria José Lago dos. Ana de Castro Osório e a construção da grande aliança entre os povos: dois manuais de autoria da escritora portuguesa adotados no Brasil. Anais do I Congresso Brasileiro de História da Educação. Rio de Janeiro, 6 a 9 de novembro de 2000, p. 162-164. 7 Uma visita ao Centro de Cultura Infantil. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28/08/34.

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Desejar aproximar a alma das crianças distantes num convívio de doçura profunda, capaz de preparar mais tarde uma união séria e firme de todas as vidas, é, certamente, empresa que entusiasma e empolga. Empresa que contém um gosto de purificação, uma espécie de retratação da humanidade através do seu elemento mais suscetível: a infância. 8

Conjeturar significa, segundo Houaiss (2001), considerar algo como

provável, com base em indícios; supor, presumir, deduzir.9 A partir de um conjunto

de dados e indícios que surgiram durante a elaboração da pesquisa que culminou

com a minha Dissertação de Mestrado, defendida em 2001,10 foi possível entrever

algumas questões que conquanto intrigassem e despertassem o meu interesse não

poderiam ser discutidas naquele momento, devido ao limite de tempo e objetivos.

Mas os textos lá estavam,

diante de nós, em todo o seu frescor. Quem terá posto os olhos nessas palavras desde então? Quatro ou cinco pessoas, no máximo. (...) Outro prazer, este mais excitante: o prazer de decifrar, que não passa na verdade de um jogo de paciência. (...) Mas são exclusivamente nossos, de quem soube ir a seu encontro, e a caçada foi muito mais importante que o animal capturado. 11

Um conjunto de sinais apontava para o fascínio que o mar e os temas

marítimos exerciam sobre Cecília, que ora se definia como navegante ora como

marinheiro, tal era o apelo que as viagens sempre representaram em sua vida. Da

constatação das diversas viagens que Cecília fez ao redor do mundo, observei que

apenas duas delas haviam sido estudadas pelos pesquisadores. Conhecer o que já

havia sido estudado e produzido sobre o tema fez-se necessário, a fim de permitir

estabelecer com precisão a questão, delimitar o problema e não insistir em

perspectivas sob as quais já pudessem ter sido abordadas as fontes que serviriam

de base para a pesquisa. Partindo desse princípio, observamos que a primeira

viagem a Portugal, em 1934, foi analisada por Gouvêa (2001), que procurou

reconstituir a presença da Cecília em Portugal a partir da pesquisa, da revisita aos

itinerários percorridos e de depoimentos de amigos e personalidades da cultura 8 MEIRELES, Cecília. Intercâmbio escolar. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 7 de agosto de 1930. In: Meireles, 2001. p. 149. 9 HOUAISS. Dicionário Eletrônico, versão 1.0. Dezembro de 2001. 10 PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. 11 DUBY, G. A história continua. Rio de Janeiro: Zahar/Ed. UFRJ, 1993. p. 28.

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portuguesa. Em seu estudo sobre a presença de Cecília Meireles em Portugal,

Gouvêa (2001)12 relatava a possibilidade de existirem mais de 500 cartas e cartões

de Cecília Meireles em bibliotecas portuguesas: Biblioteca Nacional de Portugal,

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Biblioteca Municipal do Porto, nos

espólios de intelectuais como José Osório de Oliveira,13 Afonso Duarte14 e em poder

de familiares de Maria Dulce Lupi Cohen Osório de Castro (Maria Valupi),15 Diogo de

Macedo16 e Fernanda de Castro.17 Além disso, Gouvêa (2001) nos indicou fontes

bibliográficas e jornalísticas que puderam, efetivamente, ajudar a compor o corpus

documental da pesquisa a ser realizada em Portugal, como o Diário de Lisboa,

Diário de Notícias, Açores, Diário da Manhã e Diário de Coimbra, entre tantos

outros.18 A presença de Cecília Meireles em Portugal também foi estudada por Mota

(2002) que investigou as três viagens da poeta brasileira àquele país e os laços de

amizade que estabeleceu com os escritores portugueses. Em seu trabalho, no

entanto, a autora não se deteve nas viagens propriamente ditas, mas nas relações

que Cecília estabeleceu com o país de seus antepassados e a sua identificação com

a cultura portuguesa. Para alcançar esse objetivo, Mota (2002) explora o universo

literário ceciliano em busca dessas repercussões, e ainda a produção de escritores

portugueses que escreveram sobre Cecília Meireles e sua obra.19

12 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília Meireles: manuscritos lusíadas. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, Convergência Lusíada, n. 19, 2002. p.249. 13 José Osório de Oliveira (1900-1964) ficcionista, poeta e crítico literário, era filho de Ana de Castro Osório e Paulino de Oliveira. Morou e esteve por várias vezes no Brasil. Tornou-se, desde os anos trinta, um dos maiores divulgadores da literatura e defensor da aproximação literária entre Brasil e Portugal. José Osório de Oliveira foi um dos grandes amigos e correspondentes de Cecília Meireles e um dos divulgadores da poeta e da sua obra em Portugal. 14 Poeta e professor português, Afonso Duarte (1884-1958) estudou na Universidade de Coimbra. Publicou Cancioneiro de Pedras e foi diretor literário da revista Rajada, em 1912. 15 Maria Valupi, pseudônimo de Maria Dulce Lupi Cohen Osório de Castro (1905-1977), poeta portuguesa ignorada por editores e críticos da sua época. Publicou cinco coletâneas de poesia entre 1948 e 1967. Foi amiga, confidente e correspondente de Cecília Meireles. 16 O escultor português Diogo Macedo (1889-1959) estudou na Academia Portuense de Belas Artes, freqüentou as Academias de Montparnasse e a Escola Nacional de Belas Artes, em Paris. Em 1944 foi nomeado Director do Museu Nacional de Arte Contemporânea. Visitou o Brasil em 1950, onde realizou conferências sobre Soares dos Reis. Deixou um importante legado para a história do panorama artístico nacional do século XX como crítico de arte, escrevendo em revistas como Águia, Atlântida e Ocidente. 17 Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro (1900-1994), poeta e escritora portuguesa, casada com o poeta António Ferro. Foi juntamente com o marido e intelectuais, fundadora da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses. Parte da vida de Fernanda de Castro foi dedicada à infância, tendo sido a fundadora da Associação Nacional de Parques Infantis, associação na qual teve o cargo de presidente. Como escritora, dedicou-se à tradução de peças de teatro, a escrever poesia, romances, ficção e teatro. 18 O jornal português Diário de Lisboa já se encontra disponível para consulta e cópia no sítio da Fundação Mário Soares, de Portugal. Disponível em: <http://www.fundacao-mario-soares.pt/> 19 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 7.

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A viagem que Cecília fez à Índia, em 1953,20 foi estudada por Macedo

(2001) e por Ducati (2002). Em seu estudo, Macedo (2001) não explorou,

especificamente, a viagem formal da poeta àquele país, mas uma viagem interior,

através das suas lembranças e da sua coleção de livros, jornais, revistas, fotos,

cartões, textos escolares, de exemplares comerciais de qualidade editorial duvidosa

a edições numeradas lindamente ilustradas.21 A pesquisadora percorreu a obra

ceciliana, da qual retirou subsídios para o diálogo que estabeleceu com um guia

especial: o poeta indiano Rabindranath Tagore. Em sua Dissertação de Mestrado –

Viagem à Índia: crônicas de Cecília Meireles – citado anteriormente, Ducati (2002)

utilizando-se das crônicas publicadas no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre,

nos anos de 1950, mostra como a cronista percebeu e revelou o passado histórico,

os aspectos culturais e as diferentes manifestações da religiosidade do país visitado.

Ao final do estudo reuniu as crônicas utilizadas, na ordem em que foram publicadas

a fim de preservar o roteiro da viagem à Índia, desde as primeiras impressões até o

balanço final quando a cronista já distanciada do cotidiano faz um balanço da

viagem empreendida.22

Essas evidências, conquanto intrigassem e despertassem interesse

apresentavam as suas dificuldades, pois estudar qualquer aspecto da vida ou da

obra de Cecília Meireles não é tarefa das mais fáceis ao pesquisador, por ter uma

obra vasta e por sua produção se encontrar dispersa e parte ainda desconhecida

pelo público e mesmo pelos pesquisadores.23 Ainda permanecem inéditas muitas de

suas conferências sobre arte, folclore, literatura e educação proferidas no Brasil e no

exterior; as traduções de autores do Ocidente e do Oriente; memórias de infância e

20 Cecília foi convidada do primeiro-ministro Nehru para visitar a Índia e participar de um congresso sobre a obra de Gandhi. Sua comunicação, feita nesse congresso, foi publicada em Gandhian out-look and tecniques, edição do Ministério da Educação, em Nova Delhi. Nessa ocasião, recebeu das mãos do presidente da Índia o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Delhi. In: Oliveira, Ana Maria Domingues de. Cronologia Biobibliográfica da Poetisa. Arquivo Cecília Meireles. 21 MACEDO, Elizabeth. Viagem à Ilha do Nanja. NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.) Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 41-59. 22 DUCATI, Cássia. Viagem à Índia: crônicas de Cecília Meireles. 2002. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Departamento de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Letras. 23 Encontra-se publicada grande parte de sua obra poética, apesar de acreditarmos que há muitos inéditos à espera de publicação, já que o seu espólio ainda não foi organizado nem estudado. Quanto à sua obra em prosa encontra-se publicada parte de suas crônicas de educação e viagem, porém não foram ainda contempladas as suas crônicas sobre folclore, as conferências, as entrevistas, as traduções e os ensaios gerais, as peças para teatro, etc.

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adolescência;24 crônicas, teatro e poemas. Sua obra tem sido explorada

principalmente pelos estudos literários, ainda que outros ângulos da múltipla face da

poeta venham sendo considerados atualmente.

Quando se pretende estudar a educadora Cecília Meireles, algumas

questões se apresentam: como a historiografia localizou sua participação de

educadora e construtora de um projeto educacional? Que autores contribuíram para

fixar essa memória sobre Cecília Meireles e porque o esquecimento da sua

atuação? O que está por trás desse esquecimento e o que contribuiu para que ele

ocorresse?

Durante o mapeamento da produção acadêmica sobre Cecília Meireles foi

possível constatar que nenhum trabalho se debruçou, por exemplo, sobre a sua

atuação como professora e que a sua prática pedagógica encontra-se ignorada e/ou

desconhecida. Também não foi possível localizar nenhuma tese ou dissertação em

que as inúmeras traduções e conferências no Brasil e no exterior tenham sido

estudados em profundidade.25 Esses aspectos, quando e se aparecem, são tratados

em ensaios nos quais o destaque recai, geralmente, em sua obra poética. Os

escritos para teatro foram recentemente pesquisados por Souza (2006), que estudou

o teatro simbolista no contexto brasileiro, do ponto de vista histórico e artístico e

analisou, em especial, a produção teatral de Cecília Meireles, a partir de duas peças

- O Jardim e Ás de Ouros – que fazem parte do que Cecília chamou de seu “teatro

poético”. Entretanto, grande parte da criação teatral da escritora ainda não foi

estudada pelos pesquisadores.26

A epistolografia ceciliana é da mesma forma rica e desconhecida. Cecília se

correspondia com muitos intelectuais e de forma bastante intensa, e grande parte

24 Segundo Cecília havia material para compor outras publicações sobre a sua memória de infância e adolescência, da qual o livro Olhinhos de Gato, teria sido o primeiro a ser lançado. Sobre o livro ver o estudo: NEVES, Margarida de Souza. Paisagens Secretas: memórias da infância. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 23-29. 25 O Arquivo Cecília Meireles, organizado pela Profa. Ana Maria Domingues de Oliveira, possui um levantamento da produção brasileira e estrangeira sobre Cecília Meireles. Esse acervo, reunido a partir da sua dissertação de mestrado, defendida na UNICAMP, em 1988, foi doado ao Centro de Documentação Alexandre Eulálio do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Possui atualmente cerca de novecentos títulos sobre a poeta, que foram atualizados até 2003 e reunidos na publicação Estudo crítico da bibliografia sobre Cecília Meireles, editado pela Humanitas, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em 2001. Para maiores informações consultar o sítio do Arquivo Cecília Meireles. Disponível em: <http://www.assis.unesp.br/arquivocecilia/index3.html> 26 Consultar também: MORENO, Inácia Maria Vasconcellos Godoy. Poesia e Teatro no Romanceiro da Inconfidência de Cecilia Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.

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desse acervo foi sequer tocado pelos pesquisadores. Por não se ter acesso aos

arquivos da escritora, não existe, ainda, nenhum estudo que abarque o universo

epistolográfico de Cecília Meireles. Tem-se conhecimento dos seus correspondentes

por meio de cartas suas dispersas por arquivos vários, mas não podemos encontrar

nenhum trabalho em que essa interlocução tenha sido estudada, ou seja, que trate

da correspondência trocada entre Cecília e outro correspondente. Exceção à regra é

o livro Cecília e Mário,27 em que foi publicada a correspondência trocada entre os

dois escritores e que contêm pequeno número de missivas. Apesar disso, o trabalho

não explora nem analisa a interlocução epistolar entre os dois intelectuais. Outras

cartas estão publicadas, mas nelas encontramos a produção unilateral, ou seja, são

cartas enviadas por Cecília Meireles a escritores como Armando Côrtes-Rodrigues28

e Fernando de Azevedo,29 mas que não foram confrontadas com as cartas recebidas

desses autores pela escritora. Temos, por exemplo, a coletânea A Lição do

Poema,30 que traz 246 cartas de Cecília Meireles enviadas ao amigo Armando

Côrtes-Rodrigues entre 29 de janeiro de 1946 e 3 de março de 1964. Das 20

missivas destinadas ao amigo e educador Fernando de Azevedo, escritas entre 8 de

abril de 1931 e 27 de junho de 1938, 9 cartas foram publicadas por Lamego (1996)31

em A Farpa na Lira, e as demais podem ser encontradas no Arquivo do Instituto de

Estudos Brasileiros (IEB-USP), doadas em 1970 pelo próprio educador. 27 MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 28 Armando César Côrtes-Rodrigues (1891-1971) escritor, poeta, dramaturgo, cronista e etnólogo açoriano que se distinguiu pelos seus estudos de etnografia e em particular pela publicação do Cancioneiro Geral dos Açores e do Adagiário Popular Açoriano. 29 Fernando de Azevedo, professor, educador, crítico, ensaísta e sociólogo (1894-1974), foi Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal (1926-30) e Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo (1933). Como redator e crítico literário de O Estado de São Paulo (1923-26 organizou e dirigiu, em 1926, dois inquéritos: um sobre a arquitetura colonial, e outro sobre Educação Pública em São Paulo, abordando os problemas fundamentais do ensino de todos os graus e tipos, e iniciando uma campanha por uma nova política de educação e pela criação de universidades no Brasil. No Distrito Federal (1926-30), projetou, defendeu e realizou uma reforma de ensino das mais radicais que se empreenderam no país. Traçou e executou um largo plano de construções escolares, entre as quais o da antiga Escola Normal, hoje Instituto de Educação. Na terceira parte do seu livro A Cultura Brasileira, Azevedo procurou fazer uma síntese da cultura e da educação brasileiras, descrevendo, segundo Pimenta (2002), o Brasil de forma minuciosa nos seus diferentes aspectos, cultural, social e, sobretudo, educacional. Consultar: AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. São Paulo: Melhoramentos/Editora da USP, 1971; PIMENTA, Jussara Santos. Habent sua fata libelli: os livros têm o seu destino. Um exercício comparativo d'A Cultura Brasileira e Educação e Desenvolvimento no Brasil. Revista Histedbr On Line, Campinas v. 5, 2002. 30 Publicada pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada, sob a supervisão do professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Celestino Sachet. Consultar: MEIRELES, Cecília. A lição do poema: cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. 31 As cartas de Cecília Meireles a Fernando de Azevedo foram utilizadas por LAMEGO (1996) como fonte em seu trabalho. A autora transcreveu, na íntegra, 9 das 20 cartas encontradas no arquivo daquele educador e utiliza, ainda, cerca de 750 artigos jornalísticos publicados entre 1930 e 1933 na “Página de Educação” do jornal Diário de Notícias. LAMEGO, Valéria. A farpa na lira: Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 209-238.

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Talvez o destino das cartas seja apenas agirem por simples presença, pelos

votos que carregam, não pelo que dizem, comentava com o amigo Armando Côrtes-

Rodrigues, poeta e professor de língua francesa no Liceu Antero de Quental em

Pontal Delgada, nos Açores.32 Ainda que Cecília acreditasse que só a presença das

cartas bastasse, o interesse dos pesquisadores recai, sobretudo, no que as cartas

carregam, mostram, escondem, no que elas dizem ou não. As cartas são caminhos

que, ao serem percorridos, permitem delinear o perfil do seu autor, suas

preferências e seus gostos. É possível entrever, por meio delas, os bastidores da

criação literária, da inserção política e social, o universo cultural, o momento

histórico e histórias da vida particular e profissional dos correspondentes.33

Os trabalhos que focalizam o pensamento educacional de Cecília Meireles e

que tratam das suas obras sobre educação utilizam-se dos seus livros (sobretudo os

livros Criança, meu Amor e O Espírito Victorioso)34 e suas crônicas, principalmente

daquelas publicadas na “Página de Educação”, que são as mais conhecidas e

exploradas pelos pesquisadores. Uma das razões que justificam o fato das crônicas

terem sido priorizadas pelos pesquisadores pode ser atribuída, em parte, pela fácil

localização das mesmas, que estão microfilmadas, fazem parte do acervo da

Biblioteca Nacional e também porque boa parte delas foi publicada.35 Vale salientar

que o arquivo pessoal da educadora ainda não foi catalogado e não está

disponibilizado para os pesquisadores interessados.

Existiriam outras possibilidades para entender esse esquecimento? Teria a

própria Cecília sido a responsável por esse apagamento ou a dimensão da poeta

32 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. p. 14. 33 Por isso a importância de já haver uma pequena parte dessa correspondência disponibilizada, por meio de publicações, como, por exemplo, Cecília e Mário, publicado pela Editora Nova Fronteira. Este trabalho foi encomendado a Cecília Meireles pela Prefeitura do Distrito Federal para homenagear o poeta Mário de Andrade no décimo quinto aniversário de sua morte. A obra, no entanto, permaneceu inédita e foi utilizada numa homenagem que Cecília fez ao poeta na Rádio MEC. A obra em questão traz, além dos poemas estudados e selecionados por ela, a correspondência entre setembro de 1935 a fevereiro de 1945 e é uma mostra do recíproco respeito e estima que existiu entre os dois poetas. Mais informações sobre o encontro de Cecília e Mário, ver: BOSI, Alfredo. História de um encontro. In: MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 11-18. 34 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil, 1924; MEIRELES, Cecília. O Espírito Victorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil, s.d., 1929. 35 Foram publicados cinco volumes contendo as crônicas educacionais de Cecília Meireles, apresentadas e organizadas por Leodegário de Azevedo Filho e publicadas pela Editora Nova Fronteira em 2001. Os quatro primeiros volumes apresentam as crônicas escritas na “Página de Educação”, do Diário de Notícias, escritas entre 1930 e 1933, enquanto que o volume cinco traz parte das crônicas publicadas na coluna “Estudantes e Professores” do jornal A Manhã, escritas nos anos de 1940.

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teria se sobreposto à atuação e à produção da educadora? Os sujeitos, assim como

a coletividade, são responsáveis pela seleção que estabelecem a respeito de suas

próprias vidas e também sobre a história do seu tempo. Em que obras Cecília se

utilizou dessa estratégia para preservar a sua participação como educadora? Teria

feito, voluntariamente, um apagamento de sua participação no movimento da Escola

Nova, como fez com os seus livros anteriores à Viagem?

De acordo com Secchin (2004), ao selecionar o material para a publicação

de sua primeira coletânea, em 1958, Cecília excluiu os seus livros da juventude –

Espectros, Baladas para El-Rei, Nunca Mais e Poema dos Poemas. Os últimos três

livros, apesar de não constarem da coletânea de 1958, sempre figuraram na

bibliografia autorizada pela poeta. Quanto a Espectros, era sequer mencionado, e

seu “aparecimento” só aconteceu quase 80 anos depois de sua publicação. Os

pesquisadores só tiveram conhecimento da sua existência por meio da crônica de

João Ribeiro, no Imparcial, de 18 de novembro de 1919.36

Outra constatação dessa tentativa de esquecimento se deu com o seu

trabalho na Biblioteca do Pavilhão Mourisco. Tempos depois do seu fechamento

Cecília ainda se preocupava com essa temática, tanto que escreveu crônicas e

livros37 nos quais tratou do assunto, mas poucas vezes mencionou sua participação

naquele projeto. Uma das raras menções ao trabalho desenvolvido na biblioteca

surgiu em uma entrevista a Pedro Bloch, em 1964, na qual Cecília declarou a sua

participação na criação da mesma:

Criei a primeira biblioteca infantil, ali onde era o Pavilhão Mourisco. Criança que não tivesse onde ficar podia encontrar o livro que lhe faltava, a coleção de selos, moedas, jogos de mesa, sonhos, histórias e as explicações de professoras prontas e atentas. Acabou, depois de quatro anos, mas frutificou em São Paulo onde, hoje, existe até biblioteca infantil para cegos.38

Sua participação no movimento da Escola Nova e seu engajamento a partir

da imprensa também não foram muito divulgados pela escritora. Em outra entrevista,

ela se refere às suas aspirações e às dos demais educadores, que vislumbravam a

possibilidade de mudar os rumos da educação brasileira:

36 SECCHIN, Antonio Carlos. Poesia Completa, de Cecília Meireles: a edição do centenário. In: SECCHIN, Antonio Carlos. Escritos sobre poesia & alguma ficção. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2003. p. 157-162. 37 MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3a ed. São Paulo, Summus, 1979. 38 MEIRELES, Cecília. Entrevista a Pedro Bloch. Manchete, Rio de Janeiro, 16/05/1964.

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A minha atividade na imprensa é muito antiga e em vários setores. Reputo a mais importante que exerci entre os anos de 1930 e 34, no "Diário de Notícias" e depois em "A Nação", porque aí tive ocasião de servir às idéias de melhoramento do homem brasileiro pela compreensão mais séria da educação, atendendo a todos os problemas que o afligem, com as soluções que um plano geral de educação, devidamente orientado, comporta. Naquele tempo, chegou-se a pensar com entusiasmo nessas coisas. Acreditei tanto numa possibilidade generosa e sincera de educar para a vida, para o trabalho, para uma felicidade humana maior que me dediquei completamente a propagar o que pensavam e desejavam (e até certo ponto tentaram fazer) os que, por essa ocasião se ocupavam do assunto. Apesar de muitas desilusões continuo a acreditar nisso.39

A presença de Cecília Meireles na produção acadêmica até a década de

1990 é da mesma forma reticente e esparsa, sendo mencionada a sua participação

de forma pontual, ou seja, apenas em determinados ângulos de sua atuação como

educadora, ora na imprensa, ora nas comissões técnicas, ora na criação de

bibliotecas. Armanda Álvaro Alberto40 registrou a participação de Cecília na criação

da biblioteca infantil, mencionando a educadora como coadjuvante no projeto de

Anísio Teixeira no Departamento de Educação do Distrito Federal:

Ao mesmo tempo em que nos empenhávamos pela melhoria do livro, conteúdo e apresentação, pela educação do gosto dos que adquirem livros, pela divulgação dos bons livros, é óbvio que não deixaríamos de fazer a campanha correlata pela instalação de bibliotecas infantis. Sim, essa campanha durou tanto quanto as outras. Coube a Anísio Teixeira, na qualidade de Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal, atender-nos, inaugurando a primeira Biblioteca Pública Infantil do país, a do Pavilhão Mourisco, cuja direção confiou a Cecília Meireles, bem como a organização de

39 VIANNA, S. B. Cecília Meireles fala de sua vida literária. Artigo sem referências. Faz parte da pasta de recortes da Coleção Plínio Doyle e do acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa. 40 A educadora e ativista política Armanda Álvaro Alberto (1892-1967) preocupou-se em proporcionar o acesso à educação para as camadas mais carentes, fundando a Escola Regional de Meriti (RJ) com o marido, Edgar Süssekind de Mendonça e Francisco Venâncio Filho, fundou, em 1921, a Escola Regional de Meriti. Foi sócia fundadora da Associação Brasileira de Educação (ABE) e uma das signatárias do Manifesto da Educação Nova (1932). Participou ativamente da luta pela emancipação das mulheres, tornando-se a primeira presidente da União Feminina do Brasil. Armanda e Edgar acreditavam nas concepções da Escola Nova, que entendia a educação como uma aprendizagem significativa que deveria ser essencialmente pública, laica e gratuita. Foram considerados subversivos e presos no final da década de 1930 assim como outros educadores adeptos da renovação no ensino brasileiro. Sobre a educadora, consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. 1997. 326f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação; MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. A trajetória de uma educadora pioneira: Armanda Álvaro Alberto (1892-1974). In: Simone Simões. (Org.). Mulheres da Baixada Fluminense: Histórias de luta e conquista da cidadania feminina. Rio de Janeiro: CEDIM, 2004, v. 04, p. 31-45; Sobre a Escola Regional de Meriti consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Decifrando o recado do nome: uma escola em busca de sua identidade pedagógica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 178, 1994.

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um plano para a instalação de bibliotecas escolares, tendo podido inaugurar umas poucas.41

Outro educador a mencionar a participação de Cecília Meireles é Paschoal

Lemme (1988).42 Em suas Memórias ele assinala o trabalho da educadora em duas

ocasiões, sendo que a primeira menção é relativa à participação de Cecília durante

a Reforma Fernando de Azevedo no Distrito Federal em uma comissão que tinha

como objetivo a organização da nova legislação educacional.43 Esta comissão se

reunia no terceiro pavimento da Escola Deodoro, à Rua da Glória, próximo ao Largo

da Lapa:

Num ambiente puramente escolar, onde até as condições de ventilação e o panorama que se descortinava sobre a Baía da Guanabara constituíam fatores favoráveis à execução das complexas tarefas que se impunham aos reformadores. Ali se instalou verdadeiro “quartel general” da grande reforma de ensino, comandado por Fernando de Azevedo. A segunda providência foi a convocação dos elementos da melhor categoria do magistério e da administração para colaborarem na discussão e elaboração da nova lei de ensino, trazendo para isso sua experiência e aspirações. (...) Conquistando Frota Pessoa – o subdiretor administrativo – que havia muito tempo dominava todo o setor burocrático da Diretoria, e que era quase sempre um opositor sistemático a qualquer tentativa de mudança daquela situação, mais que se viu desde logo impressionado pela personalidade marcante de Fernando de Azevedo, e pela disposição inabalável que viu nele de levar à cabo “custasse o que custasse” a obra em que estava empenhado; recrutando diretores como Jônatas Serrano, líder católico, de grande cultura e prestígio, que apesar de não comungar inteiramente com a filosofia de vida do novo diretor, sentiu toda a inteireza de sua posição e honestidade de propósitos e dispôs-se a ajuda-lo; obtendo a colaboração dos mais destacados professores e diretores das escolas profissionais e da Escola Normal e dos elementos mais capazes da inspeção e do magistério primário; pode ser reunida

41 ÁLVARO ALBERTO, Armanda. Associação Brasileira de Educação - Seção de Cooperação da Família (08/08/1932). In: MORAES, D. L. Esboço histórico-geográfico do município de Duque de Caxias. Duque de Caxias: Asgráfica, 1978, p. 127. 42 O educador Paschoal Lemme (1904-1997) teve uma longa participação no debate dos problemas educacionais brasileiros. Militou entre a função de professor e cargos administrativos, tendo, com relação à educação, posicionamentos que divergiam de seus pares. Entendia que a educação era um dos motores da transformação social almejada, e não o principal ou o motor da modernização social. Foi um dos signatários do Manifesto de 1932 em prol da educação brasileira. Sobre o educador, consultar: BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. 43 O educador destaca os seguintes educadores como colaboradores da comissão: Francisco Venâncio Filho, Edgar Süssekind de Mendonça, Fernando Nerêo Sampaio, Paulo Maranhão, Maria dos Reis Campos, Álvaro Rodrigues, Zélia Braune, Manoel Marinho, Andréa Borges Costa, Oscar Clark, Coelho Neto (então diretor da Escola Dramática) e Florípedes Anglada Lucas. Consultar: LEMME, Paschoal. Memórias. São Paulo: Cortez; Brasília: INEP, 1988. p. 22.

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excelente equipe, que trouxe o melhor de sua experiência, completando o ímpeto do reformador com o conhecimento e vivência das situações locais concretas.44

Mais à frente, Lemme faz referência à participação de Cecília Meireles como

uma das candidatas no concurso para o preenchimento do cargo de professor

catedrático de literatura da Escola Normal, em 1929, um dos concursos mais

disputados e de maior repercussão na época. Segundo Lemme, a candidata iniciava

uma atividade brilhante de jornalista e era uma defensora tenaz dos ideais da

Reforma de Ensino, além disso, era inteligente, culta e bela, já ia a esse tempo se

consagrando como poetisa de primeira grandeza e causava profunda impressão a

quantos dela se aproximavam.45 Revela que a competição em torno do cargo foi

acirrada e apesar de ter todos esses predicados a seu favor, um dos quais o seu

grande compromisso e empenho em favor da Reforma de Ensino, e que, apesar de

aprovada no concurso, ficou em segundo lugar, sendo preterida em favor do

candidato que mais se afinava com a banca: o professor Clóvis do Rego Monteiro.46

Mas o mais intrigante dos esquecimentos fica por conta do educador

Fernando de Azevedo, que contou com a participação de Cecília Meireles durante a

sua reforma e teve na educadora uma das grandes incentivadoras e divulgadoras do

seu trabalho, que assinou o Manifesto da Educação Nova ao seu lado e com quem

se correspondeu de 1931 a 1938. Vale ressaltar que nessa correspondência, os dois

educadores trocaram muitas vezes impressões sobre o que pensavam e/ou

realizavam, as suas dúvidas em relação às iniciativas que o grupo propunha, as

suas angústias em constatar os percalços e as dificuldades em levar as idéias

renovadoras às escolas, aos professores, às famílias e, principalmente, aos

governantes.

É curioso constatar, como Azevedo minimizou o trabalho de Cecília

Meireles, destacando a sua participação de forma bastante atenuada, citando

apenas o seu trabalho como articulista da “Página de Educação”. Porque considerou

44 LEMME, Paschoal. Memórias. São Paulo: Cortez; Brasília: INEP, 1988. p. 22. 45 Idem, p. 39; Sobre o concurso da Escola Normal consultar: LOBO, Yolanda L. Memória e Educação: O Espírito Victorioso de Cecília Meireles. RBEP, Brasília, v.77, n. 187, set./dez., 1996. p.525-545; e ACCÁCIO, Liéte de Oliveira. Docentes e catedráticos: os concursos para professor da Escola Normal do Distrito Federal (1928-1930). Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação. Tese de Doutorado, 2001. p. 217-259. 46 O poeta e professor Clóvis do Rego Monteiro (1898-1961) publicou a tese “Traços do Romantismo na Poesia Brasileira” com que concorreu à vaga do cargo de professor catedrático de literatura da Escola Normal, em 1929. Sobre o concurso da Escola Normal, consultar: LÔBO, Yolanda L. Memória e Educação: O Espírito Victorioso de Cecília Meireles. RBEP, Brasília, v.77, n. 187, set./dez., 1996. p. 525-545.

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menor a sua obra pedagógica e a sua atuação como educadora? Viés de gênero ou

de concepção historiográfica? Mignot (2001) atenta para este fato a partir da

constatação de que Azevedo, em seus livros de memórias – Histórias de minha vida

e Figuras de meu convívio – não faz menção ao trabalho pioneiro de Cecília na

imprensa, uma vez que nesse período ela talvez tenha sido a única mulher a ter uma

coluna diária sobre a educação no país. Apesar de não ser este o seu objetivo

naquele trabalho, ressalta Mignot (2001), esse apagamento não poderia deixar de

ser surpreendente, uma vez que foi notória a contribuição que a poeta ofereceu ao

movimento educacional e a intransigente defesa que (...) fez da administração de

Fernando de Azevedo, do seu nome para ocupar o Ministério da Educação e de sua

liderança para conduzir os rumos da educação brasileira.47

Terá sido por Cecília não ter ocupado cargos na administração pública, a

não ser a sua participação como coordenadora da Biblioteca Infantil do Pavilhão

Mourisco? A educadora também não empreendeu reformas nem muito menos

esteve à frente de um projeto como o da Escola Regional de Meriti, como Armanda

Álvaro Alberto. Mas desde que se formou em 1917, Cecília exerceu o magistério em

escolas do Distrito Federal, tendo sido nomeada em 1928, professora adjunta de

terceira classe. Seu engajamento na imprensa em favor da educação obteve

destaque e a sua experiência na biblioteca infantil foi das mais expressivas, uma vez

que o incentivo à leitura e à criação de bibliotecas era ponto pacífico entre os

educadores renovadores. Tanto Fernando de Azevedo quanto Anísio Teixeira,

Armanda Álvaro Alberto, Delgado de Carvalho,48 Edgar Sussekind de Mendonça,49

Lourenço Filho,50 dentre outros, comungavam sobre a importância da biblioteca e da

47 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Antes da despedida: editando um debate. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 152. 48 Sobre Delgado de Carvalho consultar: COELHO, Patrícia. Delgado de Carvalho: a trajetória de um educador. Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/colubhe06/versaopreliminar/principal.htm> 49 O educador Edgar Sussekind de Mendonça (1896-1958) estudou na Escola Nacional de Belas-Artes, onde conheceu Armanda Álvaro Alberto, que viria a ser sua esposa anos mais tarde Foi um dos sócios fundadores da Associação Brasileira de Educação (ABE) e da Revista Brasileira de Educação. Participou na Reforma Fernando de Azevedo da Instrução Pública e assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. 50 Manoel Bergstrom Lourenço Filho (1897-1970) formou-se professor normalista em 1914 e diplomou-se pela Escola Normal da Praça da República dois anos mais tarde. Em 1922 foi Diretor da Instrução Pública do estado do Ceará, onde realizou uma reforma no ensino com repercussão em todo o país; como Diretor Geral da Instrução Pública de São Paulo promoveu importante reestruturação no ensino normal e profissional: criou a Revista Escola Nova e os serviços de Assistência Técnica e Inspeção Escolar, Inspeção Médico-Escolar, Biblioteca Pedagógica e Museu da Criança. Foi um dos signatários do Manifesto de 1932 e passou a dirigir o Instituto de Educação do Distrito Federal, a convite de Anísio Teixeira. Foi professor de Psicologia Educacional

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leitura na formação do indivíduo, não apenas do educando. Azevedo não destacou

nem mesmo a produção educacional de Cecília Meireles: nem as “Crônicas de

Educação”, nem os livros adotados nas escolas, como por exemplo, o seu primeiro

livro com objetivos pedagógicos: Criança Meu Amor, de 1923, adotado no ano

seguinte pela Diretoria de Instrução Pública e aprovado pelo Conselho Superior de

Ensino dos estados de Minas Gerais e Pernambuco. Em relação ao trabalho de

Cecília Meireles em favor do movimento educacional escolanovista Fernando de

Azevedo registrou:

Elementos de vanguarda tomavam posições na imprensa do país, e especialmente no Rio de Janeiro onde, no Diário de Notícias, de 1931 a 1934, Cecília Meireles, com suas crônicas finas e mordazes, e Nóbrega da Cunha, com sua atividade sutil e de grande poder de penetração, Azevedo Amaral, em O Jornal, com sua dialética persuasiva a serviço de um pensador robusto, e, mais tarde, J. G. Frota Pessoa, que desde 1933 fez de sua coluna no Jornal do Brasil uma trincheira de combate, pela sua lucidez implacável e pela segurança de seus golpes, traziam novos estímulos e acentos novos a essa campanha, cujo conteúdo não se esgotava sobre o plano cultural, e ao longo de cujo desenvolvimento vibravam com uma força sustentada um espírito moderno e um sentimento profundamente humano.51

Azevedo mencionou Cecília Meireles apenas como uma colaboradora da

obra educacional entre tantos outros, circunscrevendo a sua atuação na propaganda

das idéias renovadoras, por meio de suas crônicas finas e mordazes. Porque

Azevedo destacou, mesmo que minimamente, a participação de Cecília à frente da

“Página de Educação” do Diário de Notícias e omitiu a sua participação como

educadora, como professora, escritora, poeta, folclorista, conferencista e

colaboradora da sua reforma de educação? Por que a educadora foi minimizada?

Qual a importância atribuída ao trabalho dos outros signatários? Um dos critérios de

escolha dos signatários não teria sido a sua inserção no cenário educacional?

Porque Azevedo enfatizou a atuação de alguns em detrimento de outros?

da Universidade do Distrito Federal e Diretor Geral do Departamento Nacional de Educação, nomeado por Capanema. Deixou extensa obra pedagógica. 51 AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. São Paulo: Melhoramentos/Editora da USP, 1971. p. :681. (Aqui temos um pequeno engano de Fernando de Azevedo. Na verdade, Cecília Meireles permaneceu no Diário de Notícias até 12 de janeiro de 1933 e não 1934 como o autor afirma).

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As práticas dos demais renovadores como Anísio Teixeira, Lourenço Filho,

Delgado de Carvalho, Edgar Süssekind e Venâncio Filho,52 provavelmente, só

encontraram continuidade e destaque por que se formou um grupo no Instituto de

Educação, que permaneceu unido. Grupo este que, mesmo tendo sido alvo de

constantes revezes e terem suas ações pedagógicas descaracterizadas com a

intervenção da política do Estado Novo, conseguiu fazer sobreviver suas

concepções acerca da educação.53 Quanto à Cecília Meireles, ela lecionou em

escolas onde a grande maioria dos professores não possuía a sua formação e muito

menos a sua inserção no movimento educacional, muitas resistiram às novas

concepções implantadas pelas reformas de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira.

Portanto, a prática pedagógica de Cecília Meireles deu-se de forma isolada,

enquanto a dos educadores acima citados obteve o respaldo de uma instituição

caracterizada como o locus do movimento renovador no Brasil. Além de contar com

esse local de aglutinação, verdadeiro celeiro das práticas renovadoras, esses

educadores contavam com o apoio do grupo, com uma infra-estrutura institucional

que colaborava para a implementação de suas práticas. Não estavam isolados,

como Cecília Meireles, durante o exercício de docência nas escolas do Distrito

Federal.

Fernando de Azevedo, o autor de A Cultura Brasileira, obra considerada

como um dos documentos/monumentos54 da História da Educação Brasileira foi

segundo Brandão (1999), um hábil construtor da memória do trabalho dos

educadores renovadores. Azevedo criou para o grupo dos Pioneiros da Educação

Nova uma espécie de aura heróica para si e para os demais. Ao mesmo tempo

pontuava a sua atuação na administração pública e o seu papel na liderança do

movimento renovador no campo da cultura brasileira, ou seja, não só afirmava a sua

importância no campo educacional, como também a importância desse campo na

52 Francisco Venâncio Filho (1894-1994), professor, um dos fundadores da Associação Brasileira de Educação realizou um importante e mutifacetado trabalho em prol da educação no Brasil. Foi um dos criadores da Escola Regional de Meriti ao lado dos educadores Armanda Álvaro Alberto e Edgar Süssekind de Mendonça. Assinou o Manifesto de 1932. Sobre o educador consultar: VENÂNCIO FILHO, Alberto. Francisco Venâncio Filho. Um Educador Brasileiro. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1995. 53 Sobre o processo de descaracterização ocorrido no Instituto de Educação, consultar: LOPES, Sonia Maria de Castro Nogueira. A oficina de mestres do Distrito Federal: história, memória e silêncio sobre a Escola de Professores do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (l932/39). 2003. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. 54 Utilizamos a concepção de documento/monumento de acordo com LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: Enciclopédia Einaudi. I. Memória-História, Porto: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1984.

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construção da cultura brasileira.55 Sobre essa forma de proceder em relação à

memória, Le Goff (1984) destaca que:

Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória. 56

De acordo com a afirmação de Fernando Azevedo a sua obra A Cultura

Brasileira serviria para traçar um retrato de corpo inteiro do Brasil. 57 Esse trabalho

fez parte da Introdução ao Censo de 1940 e esse vínculo lhe garantiu a legitimidade

de interpretação científica e status de marco de referência. Foi, portanto, um

trabalho em que procurou fazer, a partir da avaliação numérica do Brasil, uma

síntese da cultura e da educação brasileiras, devendo oferecer:

(...) uma vista de conjunto, tão completa quanto possível, da cultura no Brasil, nos fatores que a condicionaram, nas suas diversas manifestações artísticas, literárias e científicas, etc. e na formação do aparelhamento institucional, cultural e pedagógico, destinado a perpetuar, transmitir e desenvolver o patrimônio cultural do país.58

Fernando de Azevedo procurou descrever o Brasil de forma minuciosa nos

seus diferentes aspectos: cultural, social e, sobretudo, educacional. Seu estudo

deveria contribuir para oferecer ao Censo o máximo de informações científicas

reunidas que apontassem os problemas peculiares do país, como também servir na

obra de reconstrução do país, balizando a operação de mudança e sua integração à

modernidade em suas diversas ordens de motivos.59

55 BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. p. 26. 56 LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: Enciclopédia Einaudi. I. Memória-História, Porto: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1984. p. 13. 57 AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. São Paulo: Melhoramentos/Editora da USP, 1971. p. 21. 58 Carta de Azevedo a Venâncio Filho, 30/7/1940, citado por TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Fernando de Azevedo e a Cultura Brasileira ou as Aventuras e Desventuras do Criador e da Criatura. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 1995. p. 104. 59 TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Fernando de Azevedo e a Cultura Brasileira ou as Aventuras e Desventuras do Criador e da Criatura. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 1995. p. 98-99. (Motivos de ordem técnica, de ordem política, de ordem administrativa e de ordem econômica).

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A importância dessa obra deve ser ressaltada em outro momento que

Brandão denominou de relativização da memória/documento,60 quando foi utilizada

por autores como Nagle (1974), Paiva (1973), Cury (1978) e Saviani (1981), para

difundir análises que se tornaram hegemônicas e que influenciaram toda uma

geração de educadores que se apropriaram delas para legitimarem suas

dissertações e teses. De acordo com Brandão (1999), a ausência de uma avaliação

problematizadora sobre esse período fez com que aqueles educadores fossem

vistos ora como heróis, ora como vilões e suas práticas ora como pioneiras, ora

como conservadoras. Uma avaliação menos simplificadora sobre o movimento

escolanovista, segundo Brandão, teve início a partir dos trabalhos de Carvalho

(1986) e Monarcha (1989), que procuraram, utilizando-se da obra monumental de

Azevedo, questionar a memória que perpassou a historiografia brasileira e

difundir/revelar uma outra face do movimento renovador, num movimento

denominado pela autora como re-historização.61 Esses autores, de acordo com as

análises da autora, retomaram o patamar histórico que o movimento havia perdido

com as versões simplificadoras, coladas, muitas vezes, a esquemas teóricos globais

que acabaram por se distanciar dos atores e movimentos que pretendiam analisar.62

Retomando as fontes, reconstruindo a trajetória de grupos e avaliando conjunturas

com o diálogo com os autores analisados e, sobretudo, desconfiando das

interpretações e entendendo a precariedade das versões seria possível desenvolver

uma compreensão do significado histórico do movimento renovador, sem cair na

tentação de atribuir sentidos anacrônicos ou a formulação de julgamentos político-

ideológicos a respeito do significado histórico do escolanovismo.63

A partir da década de 1990 os historiadores da educação procuraram seguir

alguns critérios dentre os quais, o que Brandão (1999), sinalizou como

determinantes: diferentemente do processo inicial, em que se procurava destacar

das fontes o que se ajustava à interpretação do que pretendia afirmar, interessava

agora incorporar as incertezas, desconfiar das interpretações, entender a

precariedade de uma versão, destacar o movimento, as representações e as 60 BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. p. 29. 61 BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. p. 46. 62 Idem, p. 54. 63 Idem, p. 55.

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ambigüidades encontradas durante o trabalho e aprender a desenvolver um olhar

mais empático às motivações do trabalho dos Pioneiros (...) de forma a conseguir

uma proximidade maior do ângulo por meio do qual aqueles educadores avaliaram

as relações entre a escola e a sociedade.64

Somente a partir da década de 1970, de acordo com Gouvêa (2001), é que

o semi-silêncio65 que pairava sobre a produção da poeta começou a ser quebrado

pela academia com a dissertação de Laurito (1975), que estudou o Romanceiro da

Inconfidência. Um segundo estudo foi apresentado, no final da década de 1980: a

dissertação de Oliveira (1988), no qual a pesquisadora realizou um mapeamento de

mais de dois mil títulos entre estudos, artigos e reportagens sobre a produção

ceciliana.66 Quanto à sua obra educacional, só recentemente começou a ser tomada

como fonte e objeto de investigação entre os historiadores da educação. Podemos

indicar o trabalho de Lôbo (1996), que procurou reconstituir a trajetória de Cecília a

partir da sua tese O Espírito Victorioso; a coletânea Cecília Meireles: a poética da

educação organizado por Neves, Lôbo e Mignot (2001) e lançado por ocasião do

centenário de seu nascimento; e ainda Lamego (1996), Corrêa (2001), Magaldi

(2001), Pimenta (2001), Strang (2003), Silva (2004), Carvalho (2006) e Ferreira

(2007), trabalhos nos quais o foco principal está centrado no trabalho de Cecília

Meireles como educadora.67

64 BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. p. 55. 65 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 44. 66 Segundo Gouvêa (2001), o adjetivo foi inaugurado pelo escritor e historiador lusitano Jaime Cortesão quando morou no Rio, nos anos 40, conforme testemunhou Manuel Bandeira. Idem, p. 80-81. 67 O livro Cecília Meireles: a poética da educação reúne textos de vários autores que abordam a relação da poeta com a educação em diferentes perspectivas, segundo as autoras, e são resultados de teses de doutoramento, dissertações de mestrado, como também de um projeto de Iniciação Científica. Compõe-se basicamente, de três partes: “Poesia” e “Educação”, “As artes do ofício” e “Leituras do mundo”. O primeiro conjunto contém trabalhos em que os autores - Leandro Konder, Margarida de Souza Neves e Elizabeth Macedo - destacam a noção de “poética da educação” presente na obra de Cecília Meireles. Com textos de Yolanda Lima Lobo, Diana Gonçalves Vidal, Jussara Pimenta, Luciana Borgerth Vial Corrêa, Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi e Ana Crystina Venancio Mignot, a segunda seção explora as múltiplas facetas que o “ofício de ensinar” assume para Cecília no ensino escolar propriamente dito; na sua ação na “Biblioteca do Mourisco”, voltada para a formação de leitores infantis; na promoção de um debate público sobre a educação através dos jornais; na interlocução com outros pioneiros através de um estudo de caso sobre a correspondência com Fernando de Azevedo em torno do projeto escolanovista; no seu pensamento sobre a relação entre a escola e a família; na ciência e na arte de pensar a criança; e na sua atividade de diretora da Página de Educação. A terceira seção do livro recolhe contribuições de autores que têm como objetivo aprofundar as leituras de mundo que a poeta mostra em suas produções infantis, a sua produção sobre folclore e a sua atuação no rádio. A análise de sua obra destinada ao universo infantil, conta com artigos de Regina Zilberman, Ana Maria Lisboa de Mello, Maria Teresa Santos Cunha, Maria Helena Câmara Bastos; sobre o folclore, destaca-se o estudo de Joana Cavalcanti de Abreu e Luiz Carlos Saroldi analisa a atuação da poeta em programas radialísticos. O trabalho apresenta

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Com alguns critérios definidos, seguimos interrogando a dimensão

educacional de Cecília Meireles, que obteve visibilidade a partir dos estudos de

Lamego (1996) e Lôbo (1996). No seu estudo Lamego (1996) revelou a participação

atuante de Cecília como jornalista engajada e comprometida na causa da educação

e com as questões da sua época, ainda que sua análise tenha ficado bastante

amparada na ótica de jornalista da autora do estudo. Mesmo assim, este foi o

primeiro trabalho a divulgar a atuação de Cecília Meireles como educadora nos anos

de 1930 e as crônicas de educação que publicou na “Página de Educação”,

praticamente desconhecidos até então.68 O estudo de Lôbo (1996) reconstituiu a

trajetória de Cecília Meireles a partir da sua tese O Espírito Victorioso69 considerado

como o eixo principal de análise. Nesse trabalho, a autora destacou a inserção de

Cecília nos campos educacional, jornalístico e literário, mas a ênfase recaiu mesmo

sobre o ângulo da educação. Para compreender uma vida como a de Cecília, como

afirma Lôbo (1996), faz-se necessário levar em conta a estrutura da rede de sua

trajetória e da matriz de relações objetivas às diferentes estações do seu trajeto.70

Para avaliar como, quando, porque, onde e por quem Cecília Meireles foi

estudada, foi realizado um mapeamento das teses e dissertações no Banco de

Teses da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),

em anexo.71 Nesse levantamento foi constatada a presença de 77 estudos, sendo 18

teses de doutorado e 59 dissertações de mestrado. Desse total, foram defendidas

em programas de pós-graduação em Educação apenas uma tese de doutorado e 6

dissertações de mestrado, sendo que as demais teses e dissertações foram

defendidas em programas de pós-graduação em Letras (Estudos Literários, Língua

Portuguesa, Literatura Brasileira, Literatura Comparada, Lingüística, Filologia, etc.),

num total de 68 trabalhos, sendo 17 teses e 51 dissertações. Encontramos ainda

uma dissertação defendida em programa de Psicologia Clínica e uma dissertação

defendida em programa de Comunicação. Predominam os estudos defendidos em

desenhos, fotos e manuscritos de Cecília Meireles. NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. A poesia e os impossíveis desejados. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 11. 68 LAMEGO, Valéria. A farpa na lira: Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. 69 LÔBO, Yolanda L. Memória e Educação: O Espírito Victorioso de Cecília Meireles. RBEP, Brasília, v.77, n. 187, set./dez., 1996. p. 525-545. 70 Idem, ibidem. 71 Disponível em: <http://www.capes.gov.br/capes/portal/conteudo/10/Banco_Teses.htm>

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universidades paulistas, sendo que a Universidade de São Paulo – USP – possui o

maior número de trabalhos: 8 teses e 7 dissertações defendidas.

Os sete trabalhos defendidos em Programas de Educação estão

distribuídos da seguinte forma: uma tese defendida na USP, em 2004; 2

dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-

Rio, em 2001; uma dissertação defendida na Universidade Federal do Paraná, em

2000; uma dissertação defendida na Universidade Estadual Paulista de Marília, em

2000; e uma dissertação defendida na Universidade Federal de Juiz de Fora, em

2007. Nas pesquisas defendidas em Programas de Pós-Graduação em Educação,

os autores priorizaram o percurso educacional de Cecília Meireles, como, por

exemplo, Corrêa (2001), Pimenta (2001), Strang (2003), Silva (2004) e Ferreira

(2007) que interrogam prioritariamente os seus livros para crianças e as suas

crônicas de educação publicadas na “Página de Educação” do Diário de Notícias,

entre 1930 e 1933. Salientamos que a dissertação de Marquezi (2000), apesar de ter

sido defendida em um Programa de Educação, aborda o livro Ou isto ou aquilo

(1964) de Cecília Meireles, por meio da análise dos poemas: “O mosquito escreve”,

“Rômulo rema” e “Ou isto ou aquilo”, discutindo se o livro Ou isto ou aquilo consegue

reunir elementos que conciliam o estético, o lúdico e o formativo dentro da poesia.72

O estudo de Corrêa (2001) teve como objetivo situar Cecília Meireles no

contexto da geração dos intelectuais que participaram na estruturação do sistema

educacional brasileiro, destacando a educadora como produtora de livros infantis,

aos quais atribui função formativa essencial para o processo educativo na medida

em que permite colocar a criança em contato com a realidade social que a cerca.73

No mesmo ano e no mesmo programa de pós-graduação foi defendida a minha

dissertação que trata do trabalho de divulgação da leitura e do livro infantil e da

criação da primeira biblioteca pública infantil brasileira por Cecília Meireles, em

1934, articulando-os à gestão de Anísio Teixeira na Diretoria Geral de Instrução

Pública do Distrito Federal.74 Em sua investigação, Strang (2003) realizou um estudo

histórico das idéias e do envolvimento político-educacional de Cecília Meireles, seus 72 MARQUEZI, Rosangela Aparecida. Um estudo sobre poemas de “Ou isto ou aquilo” de Cecília Meireles. 01/12/2000. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Marília. Departamento de Educação. 73 CORRÊA, Luciana Borgerth Vial. Infância, escola e literatura infantil em Cecília Meireles. 2001. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. 74 PIMENTA, Jussara S. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001.

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caminhos, seu pensamento e sua ação, sua inserção no grupo dos educadores

escolanovistas, bem como as suas iniciativas no âmbito da formação, organização e

disseminação da cultura no Brasil dos anos 1930. Vale destacar que tanto Corrêa

(2001) como Strang (2003) utilizaram como fonte documental as crônicas de

educação publicadas no jornal carioca Diário de Notícias.75 Já o objeto de análise da

tese de Silva (2004) é o imaginário poético-pedagógico da obra e da vida de Cecília

Meireles. A autora examinou tanto os escritos literários quanto os textos de caráter

pessoal selecionados para análise na obra da autora pesquisada, tais como cartas e

entrevistas concedidas a jornais e revistas, tendo como objetivo revelar o fator

educativo do imaginário na obra em questão.76

Os dois últimos trabalhos – Carvalho (2006) e Ferreira (2007) – foram

defendidos em Programas de Pós-Graduação em Educação. Em seu trabalho

intitulado, A ludicidade em Cecília Meireles como sensibilização para a Leitura na

Educação Fundamental, Carvalho (2006), analisou como o caráter lúdico da poesia

de Cecília Meireles pode contribuir na sensibilização para o prazer da leitura, na

educação fundamental, recorrendo às concepções de lúdico, poesia, poema e

leitura, com o enfoque para o prazer do ato de ler, bem como à contribuição da

poeta para a literatura.77 Já Ferreira (2007) procurou analisar as contribuições da

educadora Cecília Meireles no que se refere às discussões sobre a educação

considerando a criança em sua diversidade.78

Dentre estes trabalhos destacamos aqueles que trouxeram aspectos

interessantes para o presente estudo. Salientamos, por exemplo, o trabalho de

Ducati (2002),79 que se debruçou sobre as crônicas de viagem publicadas nos anos

1950, a partir da viagem de Cecília à Índia e que revelam o passado histórico, os

aspectos culturais e as diferentes manifestações da religiosidade daquele país,

75 STRANG, Bernadete de Lourdes Streisky. Sob o signo da reconstrução - os ideais da escola nova divulgados pelas crônicas de educação de Cecília Meireles. 2003. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Departamento de Educação. 76 SILVA, Luzia Batista de Oliveira. O imaginário poético-pedagógico de Cecília Meireles. 2004. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, Departamento de Educação. 77 CARVALHO, Walkiria Pinto de. A ludicidade em Cecília Meireles como sensibilização para a Leitura na Educação Fundamental. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade Federal da Paraíba, 2006. 78 FERREIRA, Rosângela Veiga Júlio. No veio da esperança a essência etérea da criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade de Juiz de Fora, 2007. 79 DUCATI, Cássia. Viagem à Índia: crônicas de Cecília Meireles. 2002. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná, Departamento de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Letras.

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crônicas que se constituem como fragmentos do cotidiano da viajante; e ainda o

trabalho de Paiva (2006), que trata das cartas trocadas entre a poeta Henriqueta

Lisboa80 e os poetas Carlos Drummond de Andrade,81 Mário de Andrade82 e Cecília

Meireles. Nele, a autora discute a pertinência dos arquivos da autora como fonte de

pesquisa para os estudos literários e ainda as questões concernentes ao estudo das

cartas, tais como o estatuto da carta no arquivo, suas configurações e a polêmica

relação entre público e privado em seu uso. Nesse trabalho,83 a autora discute a

questão da mulher, a partir das cartas de Cecília Meireles para Henriqueta Lisboa.

Outros trabalhos são dignos de nota. No seu estudo Fernandes Júnior

(2004) analisou a importância educativa da poesia e apresentou reflexões sobre o

ato de ler e revelou como os poemas de Cecília Meireles são utilizados nos livros

didáticos em busca de temas ou para servirem de exemplos para itens gramaticais,

estabelecendo uma reflexão sobre a real necessidade de dar vida ao poema na sala

de aula.84 A dissertação de Souza (1999), defendida no Programa de Pós-

Graduação em Letras da PUC-Rio, contribuiu para as discussões em torno da

trajetória de Cecília Meireles a partir da realização de um esboço biográfico e da

tentativa de trazer à tona alguns aspectos autobiográficos de Cecília Meireles, dando

a palavra a poeta, por meio de seus escritos. Em meio à narrativa circunstancial, a

pesquisadora utilizou elementos teóricos e fontes como depoimentos, cartas,

críticas, reportagens, notícias e entrevistas, pesquisadas em jornais e revistas. Esse 80 A poeta Henriqueta Lisboa (1904-1985) foi a primeira mulher eleita membro da Academia Mineira de Letras. Publicou vários ensaios e poesias, entre os quais o seu primeiro livro, Fogo fátuo. Também escreveu para as crianças, dedicando três obras: O menino poeta (1943), Lírica (1958) e a reedição de O menino poeta, em 1975. Recebeu diversos prêmios, entre eles o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras. Também foi inspetora de alunos, professora de literatura e tradutora. 81 Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) nasceu em Itabira, Minas Gerais. Começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas e fundou com outros escritores A Revista, que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Durante a maior parte da vida foi funcionário público. Além de poesia, produziu livros infantis, contos e crônicas. 82 O poeta, romancista, crítico de arte, folclorista, musicólogo e ensaísta brasileiro Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945) estudou e iniciou a sua carreira musical e literária na cidade de São Paulo. A sua segunda obra, Paulicéia desvairada, colocou-o entre os pioneiros do movimento modernista no Brasil, culminando, em 1922, como uma das figuras mais proeminentes da histórica Semana de Arte Moderna. Alguns dos seus livros mais conhecidos são: Losango cáqui, Clã do jabuti, Lira paulistana, Macunaíma o herói sem nenhum caráter e Ensaio sobre a Música Brasileira. Exerceu, em 1938, o cargo de diretor do Instituto de Artes na antiga Universidade do Distrito Federal e foi o fundador e primeiro diretor do Departamento de Cultura de São Paulo da Prefeitura Municipal de São Paulo, onde implantou a Sociedade de Etnologia e Folclore, o Coral Paulistano, a Discoteca Pública Municipal e os Parques Infantis. Foi amigo e correspondente de Cecília Meireles. Sobre essa amizade consultar: MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 83 PAIVA, Kelen Benfenatti. Histórias de Vida e Amizade: as cartas de Mário, Drummond e Cecília para Henriqueta Lisboa. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. 84 FERNANDES JUNIOR, Elidio. A poesia de Cecília Meireles no contexto do livro didático. 2004. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Letras.

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trabalho ofereceu possibilidades de conhecer a poeta, a professora, a jornalista, a

cronista e a dramaturga, as várias atividades que mobilizaram Cecília Meireles e que

são, segundo a autora, atalhos de seu caminho principal.85

Defendido em um Programa de Pós-Graduação em História, o trabalho de

Magaldi (2001) deteve-se na análise da contribuição da educadora Cecília Meireles

ao lado de intelectuais-educadores como Júlia Lopes de Almeida,86 Armanda Álvaro

Alberto, Pe. Leonel Franca87 e Júlio Porto-Carrero88 na produção de discursos –

articulados às práticas correspondentes – produzidos por educadores que, individual

ou coletivamente, refletiram sobre a instituição familiar e sobre o seu papel

educativo, encaminhando projetos pedagógicos na direção das famílias de seu

tempo.89 Ao examinar a produção acadêmica mais recente sobre Cecília Meireles,

pude constatar que os pesquisadores que elegeram o seu perfil de educadora para

investigação, se debruçaram preferencialmente sobre a sua produção pedagógica,

sobretudo os livros Criança meu Amor, Rute e Alberto e O Espírito Victorioso.90

Outro trabalho digno de nota e já referido anteriormente, apresenta um

levantamento detalhado das edições e colaborações de Cecília na imprensa

portuguesa e os trabalhos que a escritora publicou sobre Portugal ou sobre a cultura

portuguesa no Brasil. Além disso, inventaria toda a produção lusitana que analisa a

obra ceciliana e a correspondência de Cecília com os amigos portugueses. De

acordo com Mota (2002) o seu trabalho, não tem como objetivo realizar um 85 SOUZA, Ida Vicenzia Dias de. Cecília Meireles - de liberdade e outros assuntos. 1999. 169 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 86 Júlia Valentina da Silveira Lopes de Almeida (1862-1934) estreou sua carreira de escritora, 1881, escrevendo na Gazeta de Campinas. Em 1887 casou-se com um jovem escritor português, Filinto de Almeida, à época diretor da revista A Semana. Sua produção literária foi vasta, mais de 40 volumes abrangendo romances, contos, literatura infantil, teatro, jornalismo, crônicas e obras didáticas. Manteve uma coluna no jornal O País, durante mais de 30 anos, onde discutiu variados assuntos e fez diversas campanhas em defesa da mulher. 87 Leonel Edgard da Silveira Franca (1893-1948) intelectual católico, entrou na Companhia de Jesus em 1908, onde completou sua formação. Foi um dos fundadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, da qual foi o primeiro Reitor. 88 Escritor e médico da Marinha, Júlio Pires Porto Carrero (1887-1937) foi o maior entusiasta e o mais renomado divulgador da psicanálise nas décadas de 1920 e 1930 no Brasil. Foi catedrático de Medicina Legal no Curso de Direito da Universidade do Brasil, membro da Academia Nacional de Medicina e da Liga Brasileira de Higiene Mental. Sua obra principal: “A psicologia profunda ou psicanálise”. 89 A elaboração do quadro de dissertações e teses sobre Cecília Meireles partiu da pesquisa realizada no Banco de Teses da CAPES. O critério estabelecido foi incluir nele aqueles trabalhos cujo tema central fosse o estudo de Cecília Meireles ou de sua obra. Dessa forma, o trabalho de Magaldi (2001) embora trate de Cecília Meireles não foi incluído no quadro por não obedecer a esse critério. MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello. Lições de casa: discursos pedagógicos destinados à família no Brasil. 2001. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em História. 90 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil, 1924; MEIRELES, Cecília. Rute e Alberto resolveram ser turistas. Porto Alegre, Livraria do Globo, 1938; MEIRELES, Cecília. O Espírito Victorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil, s.d., 1929.

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exaustivo levantamento biográfico, mas apresentar algumas particularidades da vida

acadêmica, profissional e social de Cecília que determinaram ou iluminaram as suas

relações com a pátria dos seus antepassados.91

Esse mapeamento da produção acadêmica sobre Cecília Meireles indicou

ensaios, relatórios de pesquisa, livros, artigos e coletâneas e todas as teses e

dissertações e suas respectivas áreas de conhecimento, programas e períodos em

que foram defendidas. O levantamento e análise da produção acadêmica direta ou

indiretamente ligada ao objeto de pesquisa e que tratavam de temas que

tangenciam o objeto de pesquisa: as redes de sociabilidade, escola nova,

intelectuais, trajetória, memória e viagem, foi suficiente para compor um quadro de

referências suficientemente amplo para fundamentar as análises e argumentações

que se fizeram necessárias. Procurou-se conjugar o levantamento documental com

a perspectiva teórica, buscando trazer elementos para a compreensão do processo

de formação da educadora Cecília Meireles; dos espaços sociais que foram

representativos em sua trajetória e para o estabelecimento de sua rede de

sociabilidade; e de como esses espaços determinaram os rumos das viagens que

empreendeu, e, particularmente, da viagem a Portugal, em 1934.

Identificar, selecionar e analisar as diferentes fontes: livros, conferências,

revistas de ensino, cartas, relatórios, estatísticas, inquéritos, autobiografias,

memórias, literatura e periódicos que potencialmente auxiliassem na tentativa de

responder às perguntas formuladas a princípio e as que foram surgindo no decorrer

do trabalho foi a ação empreendida após consulta e reflexão. Partimos do princípio

que as fontes são construções humanas. Como afirmado por Saviani (2006) as

fontes não são a história e não é delas que brota e flui a história, elas estão na

origem, constituem o ponto de partida, a base, o ponto de apoio da construção

historiográfica que é a reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto histórico

estudado. Segundo o autor, livros, objetos, documentos e peças guardadas em

bibliotecas e museus, só adquirem o status de fonte diante do historiador que, ao

formular o seu problema de pesquisa delimitará aqueles elementos a partir dos quais

serão buscadas as respostas às questões levantadas.92 Essas considerações são

91 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 7. 92 SAVIANI, Dermeval, LOMBARDI, José Claudinei, SANFELICE, José Luís (orgs.). História e história da educação. Campinas: Autores Associados: HISTEDBR, 2000. p. 28-35.

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oportunas ao pesquisador, pois o encontro com essas fontes não significa que se

está mais próximo de uma realidade concreta:

(...) dessa realidade que anseia por atingir e que lhe escapa permanentemente, do que no momento em que tem diante de si, examinando-os atentamente, esses restos de escrita que emanam do fundo das eras, como destroços de um completo naufrágio, objetos cobertos de signos que podemos tocar, cheirar, observar na lupa, e aos quais ele dá o nome de “fontes”, em seu jargão.93

Em seguida, foi necessário ordenar essas fontes e iniciar uma primeira

leitura, em busca de um encadeamento de idéias, indícios e inter-relações, visando

abranger a multiplicidade de aspectos relativos ao problema. Os indícios podem

representar armadilhas ao pesquisador e mesmo colaborar para a desconstrução de

suas poucas certezas. Impossível querer “purificar” as fontes ou esperar que elas

“falem” o que precisamos e queremos “ouvir”, como recomenda Duby (1993). As

fontes muitas vezes não passam de pistas, nem sempre rigorosas e seguras:

E aliás, mal havia eu empreendido o trabalho e já avaliava a distância existente entre a verdade perseguida pelo historiador, sempre esquiva, e aquilo que lhe oferecem as testemunhas que ele consegue interrogar. Dei-me conta de que entre esta verdade e mim se interpunha uma tela, formada pelas próprias fontes as quais extraía minha informação, por mais límpidas e atentamente filtradas que fossem.94

O historiador também não é exatamente um fotógrafo do passado, como

afirma Nóvoa (2001), mas alguém capaz de construir e/ou produzir sentidos sobre

esse passado, que constantemente confronta as diferentes narrativas, quantas

vezes opostas e contraditórias, que procuram explicar os mesmos fatos. A sua

busca intelectual tem lugar numa ‘arena de conflitos’, ocupada por ideologias e

identidades várias.95

Foram selecionadas como fontes documentais primárias textos de Cecília

Meireles: cartas, entrevistas, conferências, crônicas de educação e de viagem.96

93 DUBY, G. A história continua. Rio de Janeiro: Zahar/Ed. UFRJ, 1993. p. 28. 94 Idem, p. 34. 95 NÓVOA, António. Tempos da Escola no Espaço Portugal-Brasil-Moçambique: Dez Digressões Sobre um Programa de Investigação. Currículo sem Fronteiras, v.1, n. 2, Jul/Dez 2001. p. 173. 96 Algumas dessas fontes já se encontram publicadas, como as crônicas de educação e de viagem, pela Editora Nova Fronteira. Apesar de não estarem publicadas em sua totalidade, as crônicas de educação publicadas no

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Uma das principais fontes utilizadas na elaboração desse trabalho foram os artigos

jornalísticos colecionados por Cecília Meireles em um álbum intitulado “Diário de

Bordo” e gentilmente cedidos pela família da poeta. O álbum reúne as crônicas

escritas por ocasião da primeira viagem a Portugal e publicadas no jornal A Nação,

do Rio de Janeiro, entre outubro e dezembro 1934 e até o momento não tinham sido

objeto de análise dos pesquisadores.97 Nele também puderam ser encontradas

dezenas de recortes de jornais portugueses como Diário de Lisboa, Diário de

Notícias, Diário da Manhã, Diário de Coimbra e de revistas como Sempre Fixe,

Portugal Feminino; de jornais e revistas brasileiros como A Tarde, Jornal do

Commércio, A Vanguarda, Diário de Notícias, Diário Português e Festa,

respectivamente. Essa documentação revelou a cobertura que a imprensa

portuguesa e brasileira concedeu às atividades desenvolvidas por Cecília durante a

sua permanência em Portugal.

Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, estão reunidas num total de quatro volumes, sendo que no quinto volume da coleção podem ser encontradas as crônicas da coluna “Professores e Estudantes”, do jornal A Manhã, entre os anos de 1941 e 1943. O restante dessas crônicas pode ser consultado na Biblioteca Nacional na Seção de Periódicos, onde estão micro-filmadas. Quanto às crônicas de viagem, escritas durante as viagens realizadas a partir de 1951, foram publicadas em três volumes, também pela Editora Nova Fronteira. Algumas das muitas conferências de Cecília Meireles foram publicadas na “Página de Educação” do Diário de Notícias e estão micro-filmadas na Biblioteca Nacional na Seção de Periódicos e algumas podem ser encontradas no Arquivo Darcy Damasceno, na Seção de Manuscritos, da mesma biblioteca e na Coleção Plínio Doyle da Casa de Rui Barbosa. Uma de suas conferências – Conferências sobre Cultura Hispano-Americana – foi publicada. São alguns apontamentos de aulas ministradas durante o curso na Universidade do Distrito Federal. Outra conferência – “O compromisso de educar” foi publicada no Boletim de Educação Pública do Distrito Federal, em 1932. Consultar: BANDEIRA, Manuel, MEIRELES, Cecilia. 3 conferencias sobre cultura hispano-americana. Rio de Janeiro: MEC, 1959; MEIRELES, Cecília. O compromisso de educar. Rio de Janeiro, Boletim de Educação Pública, ano II, n. 1 e 2, janeiro/junho de 1932. p. 66-74. 97 Foram feitas inúmeras tentativas para localizar as crônicas do “Diário de Bordo” do jornal A Nação. Apesar de ter investido em várias pesquisas em bibliotecas e arquivos do Rio de Janeiro, acervos digitais de bibliotecas de Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, Campinas, Washington (Biblioteca do Congresso), Cambridge (Biblioteca de Harvard) e de bibliotecas portuguesas. Outras tentativas sem sucesso foram feitas na Biblioteca Carmem Jordão, da Associação Brasileira de Educação (ABE); no Arquivo Público da Cidade do Rio de Janeiro; no Arquivo Nacional; e na Biblioteca da Associação Brasileira de Imprensa, todas no Rio de Janeiro. Outra tentativa para encontrar alguma indicação sobre o jornal A Nação e das crônicas de viagem de Cecília Meireles foi tentar localizá-las em acervos de intelectuais como Andrade Muricy e Tasso da Silveira, que fazem parte do acervo da Casa de Rui Barbosa; nos acervos de Getúlio Vargas, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, do CPDOC-FGV; no acervo do educador Fernando de Azevedo, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP; no acervo de Mário de Andrade, da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo; no acervo de Manuel Bandeira, da Biblioteca da Associação Brasileira de Letras. Também foram consultados os pesquisadores e estudiosos de Cecília Meireles e de sua obra para sondar se algum deles sabia da existência dessas crônicas em alguma instituição, mas não se encontrou nenhum registro das crônicas publicadas no jornal A Nação. A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro possui o periódico em seu acervo mas está retirado da consulta do público por não se encontrarem em estado de serem manuseados. Assim, o acesso a esse material foi permitido graças à gentileza dos familiares de Cecília Meireles que proporcionaram a análise e a cópia do álbum de recortes “Diário de Bordo”, imprescindível para o desenvolvimento desse estudo. Mais tarde, quando já tinha esgotado todas as possibilidades de ter acesso à publicação e depois de ter em mãos o álbum “Diário de Bordo”, recebi da pesquisadora Vivian Anghinoni a indicação da existência do jornal A Nação em bibliotecas do Rio Grande do Sul: na Biblioteca Pública de Rio Grande, no Arquivo Histórico de Bagé e no Museu Hipólito José da Costa, em Porto Alegre (coleção indisponível para a pesquisa).

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Além disso, algumas revistas do século XX em Portugal, constituíram-se em

importante subsídio para entender o mundo literário português bem como fornecer

alguns indícios da presença de Cecília Meireles naquele país: A Águia, A Rajada,

Portugal Feminino, Atlântida, Presença, Colóquio/Artes, Atlântico, Orpheu, Ocidente,

Seara Nova, Portvgale, entre tantas outras. Foram ainda pesquisadas algumas

revistas pedagógicas com o objetivo de entender as questões relativas à educação

que permeavam as discussões dos principais educadores do início do século XX em

Portugal, como, por exemplo, as revistas A Escola Nova, Revista de Educação Geral

e Técnica, etc.98

Os demais artigos jornalísticos utilizados nesse trabalho foram recolhidos

em instituições onde a pesquisa transcorreu: no Arquivo Darci Damasceno da Seção

de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; na Biblioteca Nacional de

Portugal; na Biblioteca Municipal da Casa de Cultura de Coimbra; na Biblioteca do

Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico; na Hemeroteca Municipal

de Lisboa; na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; na

Biblioteca da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de

Lisboa; na Torre do Tombo; e na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

Outras informações foram recolhidas em livros, publicações seriadas e material

audiovisual em instituições como: Museu Acadêmico da Universidade de Coimbra,

Casa Fernando Pessoa, Cinemateca Nacional, Fundação Arpad Szénes - Vieira da

Silva, em alfarrabistas e feira de livros das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra.

Foi necessário realizar um levantamento da epistolografia da poeta a fim de

identificar quem eram os destinatários e remetentes, o número, as datas em que

foram escritas, bem como a localização das mesmas, pesquisa que pode ser

encontrada em anexo a este trabalho. Assim, pude constatar que há cartas que já

estão disponibilizadas em publicações, como citado anteriormente, e também

aquelas que são completamente desconhecidas dos pesquisadores, por se

encontrarem em arquivos pessoais e não disponibilizadas para consulta. É

importante ressaltar que foram prioritariamente utilizadas as cartas escritas à época

da primeira viagem. Entre os destinatários e remetentes, foram selecionados

aqueles que se responsabilizaram por determinados aspectos formais da viagem,

98 Salientamos que as revistas literárias também ofereceram importante suporte para o entendimento das questões pedagógicas discutidas pelos educadores portugueses, uma vez que estes intelectuais utilizavam as revistas literárias para a publicação de seus estudos e pesquisas.

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como Afonso Duarte, José Osório de Oliveira e Fernanda de Castro. Cabe assinalar,

ainda, que foram utilizadas como fonte documental as cartas de outros períodos e

de outros interlocutores, sempre que se fez necessário, a fim de esclarecer

determinados aspectos da trajetória de Cecília Meireles.

Para compor a pesquisa outras fontes documentais foram consideradas: as

obras de autores do pensamento pedagógico brasileiro e que podem ser

encontrados em bibliotecas e arquivos brasileiros e também disponíveis em diversas

publicações. Foram selecionados os trabalhos de pesquisadores que tratam da

escrita epistolar como Cunha (2002), Santos (2005), Gomes (2004) e Mignot (2002),

que contribuem para o entendimento do significado da epistolografia como fonte de

compreensão do cotidiano. Outras temáticas privilegiadas na pesquisa foram: a

escrita autobiográfica e para tanto, ofereceram suporte teórico-metodológicos os

estudos de Mignot (2000) e Viñao (2000); sobre as questões relativas às viagens,

utilizamos as investigações de autores como Chamon (2005), Leite (1997), Souza

(1994), Santos (2002) e Pimentel (1998); para a compreensão do papel

desempenhado pelos intelectuais e suas redes de sociabilidade os estudos de

Sirinelli (1996), Pécaut (1990), e Bomeny (2003); sobre a Escola Nova utilizamos as

pesquisas de Brandão (1999), Carvalho (1998), Nunes (2000), Mignot (1997),

Accácio (2001), Magaldi (2001), Lopes (2003), Lobo (1996), Xavier (1993); para

compreender o luso-brasileirismo utilizamos Vieira (1991), Lessa (2002) e Berrini

(2003); para ajudar ampliar o entendimento do salazarismo contamos com os

trabalhos de Leal (1994) e Dacosta (2007); e para compreender os desdobramentos

do escolanovismo em Portugal contamos com os trabalhos de Fernandes (1971,

1972, 1979, 1981, 2000 e 2007), Nóvoa (2001), Candeias e Nóvoa (1995), Nóvoa e

Bandeira (2003) e Pintassilgo (2006). Todos estes e outros tantos trabalhos não

mencionados agora, mas listados na bibliografia, foram importantes contribuições

para o desenvolvimento dessa pesquisa.99 Muitas leituras me conduziram a outros

autores, outros enfoques, diferentes olhares que permitiram um aprofundamento das

minhas questões e um maior domínio do tema que eu me propunha a analisar.

Questões, hipóteses, caminhos percorridos, muitas vezes foram questionados,

reformulados e/ou abandonados.

99 Esses trabalhos estão devidamente referenciados ao final desse estudo.

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Algumas inquietações, a pesquisa e leitura da produção acadêmica sobre o

tema e as fontes documentais promoveram uma maior aproximação ao objeto de

pesquisa e contribuíram para a construção das questões que deveriam nortear o

percurso teórico-metodológico desse estudo, além de possibilitarem traçar o esboço

do capítulo inicial da tese. Foi preciso entender o lugar e o papel que a educadora

desempenhou no panorama cultural brasileiro do período, analisar a sua rede de

sociabilidade e o seu engajamento ao movimento educacional a fim de buscar

elementos que fossem suficientes para entender quem era, o que pretendia e como

pensou o diálogo educacional com os intelectuais portugueses. Posso apontar como

primordiais nesse primeiro momento: o mapeamento da produção acadêmica sobre

Cecília Meireles, que permitiu acompanhar a trajetória da poeta durante as três

primeiras décadas do século XX; associado aos estudos (teses, dissertações,

relatórios, livros e artigos) que tangenciavam o objeto de pesquisa; o levantamento

dos seus interlocutores epistolares e a produção resultante dessa diálogo, assim

como o levantamento das fontes em arquivos e bibliotecas brasileiras.

O primeiro capítulo do trabalho tem como propósito destacar alguns

aspectos dessa primeira viagem da educadora Cecília Meireles a Portugal, em 1934,

privilegiando a narrativa de viagem da educadora,100 publicada no jornal carioca A

Nação. Outros documentos como cartas escritas para personalidades do campo da

cultura e da educação, poemas, conferências, entrevistas, crônicas, etc., foram

utilizadas de forma complementar, pois, como afirma Viñao, qualquer que seja o

objetivo que o historiador persiga,

(...) habrá que recurrir a otras fuentes complementarias con las que contrastar la información, y que, en este tipo de fuentes, es bastante habitual, sobre todo entre personas relevantes, el atribuirse o al menos relacionar con su persona cuanto de bueno ha tenido lugar en su entorno y el endosar a otros o no referirse a lo que pueda empanar el juicio que el lector haga de ella. 101

Deste modo, todos os demais documentos foram utilizados para ampliar a

compreensão sobre fatos e contexto histórico: particularidades da travessia,

circunstâncias que a levaram a viajar e onde buscou inspiração para o que produziu

100 Cecília Meireles produziu, ainda, um diário íntimo de viagem, que está aos cuidados da família e não se encontra disponível para consulta. 101 VIÑAO, Antonio. Las autobiografias, memorias y diarios como fuente histórico-educativa: tipología y usos. Teias: Revista da Faculdade de Educação da UERJ, 2000, n. 1, p. 82-97.

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a respeito do tema; o valor educativo da viagem para a educadora; as razões que

fizeram com que elegesse a viagem como um outro e amplo espaço de formação

intelectual; os sentidos, as expectativas e as impressões de viagem, inscritas nessa

literatura diversa que produziu, entre outros. Entender o lugar e o papel que a

educadora desempenhou no panorama cultural brasileiro do período, analisar a sua

rede de sociabilidade e o seu engajamento ao movimento educacional e ter recursos

suficientes para entender quem era, o que pretendia e como pensou o diálogo

educacional com os intelectuais portugueses foram algumas questões abordadas

nesse capítulo. Apontamos como primordiais nesse primeiro momento o

levantamento das fontes em arquivos e bibliotecas brasileiras; o mapeamento da

produção acadêmica sobre Cecília Meireles, que permitiu acompanhar a trajetória da

poeta durante as três primeiras décadas do século XX, associado à análise da

produção acadêmica (teses, dissertações, relatórios, livros e artigos) direta ou

indiretamente ligada ao objeto de pesquisa e que tratam de temas que tangenciam o

objeto de pesquisa: as redes de sociabilidade, escola nova, intelectuais, trajetória,

memória, escrita epistolar e viagem, a fim de compor um quadro de referências

suficientemente amplo com o propósito de fundamentar as análises e

argumentações que se fizeram necessárias.

Tomando como suporte a rede epistolar construída pela poeta e educadora,

o segundo capítulo tem como objetivo entender como a sua primeira viagem a

Portugal foi programada, ou seja, as razões que motivaram e quem foram os

personagens que se responsabilizaram pela sua concretização. Essas questões não

poderiam ser respondidas sem que se procurasse compreender o papel

desempenhado pela rede epistolar construída pela educadora com os intelectuais

portugueses e como esta refletiu o que vinha sendo realizado em termos de

intercâmbio dos dois lados do Atlântico, no período em que a viagem de Cecília

Meireles e Correia Dias foi planejada. Assim, procurou-se analisar as relações que a

educadora estabeleceu com os intelectuais portugueses e de que forma estas lhe

permitiram e proporcionaram a viagem a Portugal. Quem eram esses intelectuais,

em que espaços sociais atuavam e estavam inseridos? Quais eram as suas

preocupações mais imediatas, onde e como contribuíram com as suas idéias? Do

que tratavam, de onde falavam? Foi preciso recorrer aos espaços onde estes

atuavam e onde estabeleceram a sua rede de sociabilidade, a fim de conhecer um

pouco das suas preocupações literárias e/ou pedagógicas e políticas. Os espaços

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privilegiados onde foi possível buscar essas referências eram, nada mais nada

menos, que as revistas e as sociedades (literárias e/ou pedagógicas), onde esses

atores partilharam as suas aspirações, as suas atividades intelectuais com os seus

pares e com a sociedade do seu tempo. Essas inter-relações só puderam ser

vislumbradas e entendidas naquele espaço, onde foram debatidas, propostas,

analisadas e/ou discordadas as suas idéias, as sua convicções políticas, artísticas e

ideológicas. As revistas Atlântida e Portugal Feminino revelaram-se importantes

fontes acrescentando informações sobre o envolvimento dos interlocutores

portugueses de Cecília com o intercâmbio luso-brasileiro. Outros periódicos, entre os

quais destacamos A Águia, Rajada, Lusitânia, Portvgale, Seara Nova, A Escola

Nova e Revista de Educação Geral e Técnica além de possibilitarem entrever a

atuação daqueles intelectuais, propiciaram o entendimento de qual era ou deveria

ser o papel da cultura, da educação e dos educadores para a consecução daqueles

objetivos.

A chegada de Cecília Meireles a Portugal foi estudada no terceiro capítulo:

como foi recebida pelos amigos portugueses e como foram as conferências

educacionais e literárias que proferiu; as amizades que se firmaram a partir desse

primeiro contato, que contribuíram para o alargamento da sua rede de sociabilidade

e para o surgimento de projetos de publicação entre os dois países; o que foi

produzido a partir desse estranhamento/reconhecimento e da sua aproximação com

a cultura portuguesa; como essa experiência foi agregada à sua produção intelectual

e mais particularmente à sua escrita educacional, ou seja, o que a educadora

produziu a partir desse primeiro contato com os portugueses e o que foi produzido e

relatado pelos intelectuais portugueses e brasileiros; qual o interesse dos

educadores portugueses em solicitar relatos do que vinha sendo construído no

Distrito Federal e de que forma Cecília Meireles contribuiu para a efetivação desses

objetivos; como as conferências de Cecília em Portugal contribuíram para difundir

uma idéia do que vinha sendo construído em termos de educação no Brasil; e ainda

o que trouxe com ela e que contribuições ofereceu à educação e à cultura brasileira

e portuguesa, foram algumas das questões que nortearam esse último capítulo.

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Capítulo 1

“Do passadiço do Cuyabá”: Cecília Meireles em viagem para Portugal

No mar, no mar, no mar, no mar, Eh! pôr no mar, ao vento, às vagas,

A minha vida! Salgar de espuma arremessada pelos ventos

Meu paladar das grandes viagens.

(Álvaro de Campos – “Ode Marítima”)

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Ilustração 2. Cecília olha para as vagas e para o vento... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 11 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 23 de Dezembro de 1934.

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1.1. O “Diário de Bordo”: expectativas e impressões

Estou vendo lá em baixo os amigos. O vento espraia a barba de Harum-al-Raschid do escultor Pinto do Couto; mesmo do convés se distingue o sorriso de Mephistopheles do livreiro Lemos, amigo de todos os “imortais” da Academia e autor de grande numero dessas imortalidades (ah! Sr. Lemos, sr. Lemos!..; reluz a cabeça de Annibal Bomfim, como publicidade luminosa da Light; Nunes Pereira agita os braços convulsos como se ainda estivesse na selva amazônica, afastando espíritos e assombrações; Ivo Arruda, com aquela sua calma granítica ainda me parece estar dizendo: “Fique descansada, D. Cecília, tudo está resolvido”. Lá está o Gadêa, com o cabelo ao vento, com a capa ao vento, todo entregue ao vento, como os seus “Pássaros de papel”; lá está Jayme Cordeiro, garantindo que o Centro de Cultura Infantil será perfeitamente protegido pelo Departamento de Educação que ali representa; lá estão as colegas e as amigas, as amigas que choram, choram, choram como se eu fosse mesmo alguma coisa preciosa... Oh! a amizade! A orquestra de bordo já sabe que é hora de distrair as lágrimas; por isso começa a remexer músicas buliçosas. Começa o navio a afastar-se. Daqui a pouco tudo isto desaparecerá. Não se verão mais os guindastes nem as edificações do porto; as pessoas irão ficando cada vez menores, até serem apenas um ponto de cor. Se Nóbrega da Cunha chegasse um pouquinho mais tarde, já não o veríamos. Outros terão chegado e, terão estado na multidão, confundidos com ela, dizendo-nos adeus inutilmente, sem serem vistos. Por isso, quando agitamos este lenço até não vermos nada mais, não nos despedimos apenas daqueles que estiveram conosco, dando-nos essa emoção humana tão profunda e tão bela – e tão igual à morte – que é a separação visual daqueles que estimamos: – deste lenço batido pelo vento da proa saem também palavras, que não são ouvidas, para os que não vimos no cais: para os poetas que ficaram dormindo àquela hora, para os amigos que ficaram trabalhando; até para os mortos cujos olhos vigilantes talvez estejam dentro da terra cobiçando este dom errante das embarcações...

“Diário de Bordo”, 21/09/1934. 102

Esta crônica escrita por Cecília Meireles a bordo do Cuyabá revela

algumas de suas primeiras impressões de viagem para os leitores do jornal carioca

A Nação. É a primeira das vinte e duas crônicas publicadas na coluna “Crônicas

102 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo – Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934. Rio de Janeiro, A Nação, 1934. p. 2. (escrito em 21 de setembro de 1934). Observação: optou-se por utilizar nas citações as datas em que as crônicas foram escritas e não nas datas em que foram publicadas no jornal “A Nação”. Entretanto, as datas em que as crônicas foram publicadas estão preservadas nas referências bibliográficas.

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Semanais” do suplemento literário que circulava aos domingos e que foram escritas

durante a travessia de navio. O relato de viagem, que a educadora intitulou como

“Diário de Bordo”, foi publicado dentro de acordos firmados entre ela e a direção do

jornal antes da viagem se concretizar. As crônicas eram diárias e surgiam do

cotidiano do navio. Eram preparadas e enviadas ao jornal que as publicava com um

lapso de tempo superior à sua elaboração aos domingos no período entre 14 de

outubro a 30 de dezembro de 1934. Eram sempre ilustradas por Fernando Correia

Dias, artista português e primeiro marido de Cecília, que a acompanhava naquela

viagem a Portugal.103

Naquele momento parecia haver um grande interesse dos intelectuais e

educadores dos dois lados do Atlântico em permutarem impressões e experiências,

algo mais que a simples partilha da língua portuguesa. Em Cecília em Portugal,

Gouvêa (2001), ressaltou essa intensa necessidade de aproximação entre os povos

dos dois continentes, apontando a poeta e educadora brasileira entre aqueles

intelectuais que procuravam estabelecer tal intercâmbio.104 Em sua pesquisa, a

autora se ateve muito mais ao campo da literatura, assim, interessava-nos

compreender como esse intercâmbio se estabeleceu no campo da educação, bem

como saber quem foram os seus principais interlocutores. Qual o interesse dos

educadores portugueses em solicitar relatos do que vinha sendo construído no

Distrito Federal? De que forma contribuiu para a efetivação desses objetivos? Quais

foram os sentidos pessoais, familiares, afetivos e profissionais da viagem para a

educadora? Que objetivos procurava ao realizar essa viagem, o que pretendia

buscar, aprender, levar e/ou trocar com os seus interlocutores?

A palavra “diário” em um sentido mais amplo, significa segundo Houaiss

(2001), um tipo de escrito em que se registram os acontecimentos de cada dia.105 No

comércio o “diário” é um livro de uso obrigatório e nele são anotadas, dia a dia,

todas as operações ativas e passivas do comerciante, e em que se lança, nos

períodos próprios, o resultado do balanço.106 Na literatura é um tipo específico de

obra em que o autor relata cronologicamente fatos ou acontecimentos do dia-a-dia,

103 Encontra-se nos anexos deste trabalho uma tabela que informa sobre as datas em que as crônicas foram escritas por Cecília Meireles e publicadas pelo jornal A Nação. 104 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. 105 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0 – Dezembro de 2001. 106 Idem, ibidem.

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consigna opiniões e impressões, registra confissões e/ou meditações.107 A palavra

“diário” remete, ainda, a um livro em que se registram, dia a dia, a rota de uma

embarcação, as distâncias percorridas, as ocorrências da viagem108 e esta, talvez

seja a significação mais popularizada do termo.

Na coluna intitulada como “Diário de Bordo” Cecília Meireles registrava

cronologicamente os fatos e acontecimentos do cotidiano do navio e também trazia

aos leitores as suas impressões, suas reflexões e expectativas de viagem. O seu

relato, portanto, enquadra-se em mais de uma das significações propostas por

Houaiss (2001) e também pode ser considerado autobiográfico, dentro dos

parâmetros definidos por Viñao (2000). Ainda que não se possam fixar os limites do

gênero autobiográfico, ficando a critério do investigador, de acordo com a função

que ele busque, do enfoque que adote e dos limites do seu trabalho, o “diário” pode

ser considerado, segundo esse autor, um tipo de escrita autobiográfica ou auto-

referencial. O diário é uma sucessão de textos mais ou menos extensos, escritos

enquanto uma ação se desenvolve, com certa freqüência e regularidade, possui

diversas modalidades, serve a propósitos variados e pode ser encontrado sob a

forma de diários íntimos, burocráticos, de campanha, de navegação, de viagem e

escolares.

No caso dos livros de viagem, Viñao (2000) atenta para o fato de que só em

sentido amplo podem ser considerados autobiográficos, uma vez que em muitos

deles o autor fala muito pouco ou quase nada de si mesmo e quando o faz, limita-se

a narrar o que viu o ou que aconteceu. Se os “diários” podem ser considerados um

tipo de escrita autobiográfica, também os “diários de viagem” podem ser integrados

a essa categoria:

Si se considera autobiografía, no siempre adecuadamente, la narración de algo vivido o acaecido al autor del texto en cuestión ¿ cómo no considerar los libros de viajes una modalidad más de dicho género, aunque las referencias a sí mismo sean mínimas? ¿ No se consideran autobiografías aquellas obras en las que, bajo este título u otros, el autor da cuenta de sus recuerdos aunque éstos se refieram total o parcialmente a personas sin relación en el mismo o a aontecimimentos en los que no tuvo participación? 109

107 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0 – Dezembro de 2001. 108 Idem, ibidem. 109 VIÑAO, Antonio. Las autobiografias, memorias y diarios como fuente histórico-educativa: tipología y usos. Teias: Revista da Faculdade de Educação da UERJ, 2000, n. 1, p. 88.

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O interesse histórico-educativo dos “diários de viagem” ou “diários de bordo”

reside, ainda segundo o autor, nas referências educativas e culturais presentes nos

mesmos, dependendo dos motivos da viagem, do que desperte a atenção do

viajante e da habilidade que o mesmo tem em descrevê-la. Por esse motivo, a

literatura de viagem tornou-se um dos gêneros mais conhecidos e utilizados no

âmbito da educação comparada e uma das fontes histórico-educativas mais

empregadas, sendo a característica autobiográfica, el de ser un testimonio directo de

lo visto, oído y vivido, o que mais atrai os investigadores.110

Para estudar as narrativas de viagem, são necessários, segundo Miceli

(1994), alguns cuidados. Estudá-las, segundo esse autor, significa

(...) tatear por terrenos movediços, tão inseguros para a história quanto foram os caminhos desconhecidos para quem os percorreu e descobriu. Ali, enquanto a voz se punha em luta de resistência contra o silêncio impresso, exigia-se do narrador novas habilidades, bem diversas daquelas necessárias ao retórico: o descritor não dispõe dos recursos da entonação, da mímica, dos intervalos silenciosos; enfim, do próprio corpo e do conjunto das expressões de quem fala. Por isso, deve lançar mão de todas as possibilidades da linguagem e criar infinitamente outras para merecer a atenção e a simpatia do interlocutor, sem o quê também seu discurso naufraga. 111

Refletindo sobre os relatos contidos nos diários de viagem, Carvalho (2007)

considera que o objetivo de relatar e dar publicidade ao relato112 determina a

iniciativa de viajar, o roteiro da viagem e, conseqüentemente, o seu registro. As

viagens que têm por objetivo a propaganda, expansão e fortalecimento de um

movimento requerem que o viajante utilize o relato como uma forma de divulgar a

causa que defende e de arregimentar adeptos para batalhar por ela. Podemos

pensar na viagem de Cecília na perspectiva formulada por Carvalho (2007), uma vez

que a educadora tinha como meta contribuir para a difusão do movimento

escolanovista, particularmente do que vinha sendo construído no Distrito Federal a

partir das reformas de Fernando de Azevedo (1927-1930) e Anísio Teixeira (1931-

1935). Por outro lado, não podemos pensar o relato da educadora sob essa ótica,

110 VIÑAO, Antonio. Las autobiografias, memorias y diarios como fuente histórico-educativa: tipología y usos. Teias: Revista da Faculdade de Educação da UERJ, 2000, n. 1, p. 88. 111 MICELI, Paulo. O ponto onde estamos: viagens e viajantes na história da expansão e da conquista. São Paulo: Página Aberta, 1994. p. 31. 112 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A bordo do navio, lendo notícias do Brasil: o relato de viagem de Adolphe Ferrière. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 277.

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uma vez que o mesmo não tinha esse objetivo, apesar de vez por outra Cecília

entremostrar as suas inquietações e aspirações educacionais através dele.

Ilustração 3. Segunda publicação da coluna “Diário de Bordo” com as crônicas dos dias 22 e 23 de setembro. Correia Dias desenha a si mesmo em seu atelier improvisado no tombadilho” e um dos passageiros do “Cuyabá,

em ilustração publicada no jornal A Nação em 21 de outubro de 1934.

O relato presente no “Diário de Bordo” era destinado aos leitores das

“Crônicas Semanais” do “Suplemento Literário” do jornal A Nação, que não eram

absolutamente interessados em questões educacionais mas em assuntos culturais,

de ordem geral. Porém, tanto a viagem como o relato preenchem as condições

necessárias quando servem ao propósito de divulgar o movimento educacional do

qual Cecília se colocava como porta-voz. O “Diário de Bordo” divulgava a viagem de

uma educadora e, consequentemente, as questões que ela acreditava.113

113 Em janeiro de 1933 Cecília Meireles e Fernando Correia Dias iniciaram a sua colaboração no jornal carioca A Nação dirigido por Antunes Neiva e secretariado por Azevedo Amaral, dois educadores, depois de deixarem o Diário de Notícias. Cecília continuou com a coluna “Comentário” na seção de educação enquanto Correia Dias ilustrava o “Suplemento Literário” aos domingos. Os jornais dos dias 14 e 15 de março de 1933, de número 1 e 2, respectivamente, já trazem a coluna “Comentário”. Em março de 1933 cessaram os “Comentários” e a seção de educação foi se reduzindo gradativamente. Cecília passou a redatora logo em seguida e em novembro de 1933, ela deixou o “Suplemento Semanal”. Em janeiro de 1934 começou a sua colaboração literária no A Nação que foi até 3 de junho de 1934. Em 17 de junho de 1934, ela iniciou o trabalho na coluna “Crônicas Semanais”, desta vez escrevendo prosa. A sua participação no jornal A Nação terminou em 31 de março de 1935 com a mudança de direção do jornal. Depois de deixar o jornal A Nação, Cecília passou a escrever para o jornal Gazeta

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Esta era a primeira vez em que Cecília Meireles, a cronista e poeta que por

inúmeras vezes escrevera sobre o seu fascínio pelo mar e pelas viagens, traria aos

leitores as suas impressões de viajante em uma coluna de jornal. No período em

que dirigiu a “Página de Educação” do Diário de Notícias Cecília iniciou as suas

reflexões sobre a articulação entre viagem e educação, mas o tema só veio a ser

melhor explorado e desenvolvido em suas crônicas publicadas na coluna

“Professores e Estudantes”, do jornal A Manhã, entre 1942 e 1944 e em suas

crônicas de viagem, publicadas entre 1944 e 1963 nos jornais Diário de Notícias, A

Manhã, Folha Carioca114 do Rio de Janeiro e Jornal de Notícias, Correio Paulistano

e Folha de São Paulo, de São Paulo. Anos mais tarde, 1998-1999, foram

organizadas e publicadas as suas Crônicas de Viagem, obra em prosa onde Cecília

Meireles revela o seu contato com outros povos e continentes, através de textos que

nada têm a ver com a frieza puramente referencialística de exposições técnicas ou

relatórios (...) onde a cronista acaba por induzir o leitor a viajar com ela de forma

privilegiada, viagem que é feita ao lado de alguém que sabe reunir, em fórmula

mágica ou encantatória, cultura, inteligência e sensibilidade.115

No dia 16 de setembro de 1934 os editores do jornal A Nação informavam

aos leitores da próxima viagem que o casal Correia Dias faria ao velho mundo.

Segundo eles os leitores ficariam privados da colaboração do artista português que

por sua obra talhada dentro da mais pura inspiração brasileira e pelo seu talento e

simpatia, era considerado como um dos mais representativos vultos da cultura

artística da época, tendo sob a sua influência, e debaixo de orientação sua, formado

um grupo de artistas modernos, os quais – evoluindo cada um a seu modo – vieram

a constituir o “ambiente” nacional das artes plásticas, até então confuso e nebuloso

nas suas diretrizes, e imperfeito e estatístico nas suas realizações.116 Entretanto,

prometiam que Correia Dias enviaria contribuições suas e de outros artistas com

de Notícias, no qual publicou, em 20 de novembro de 1935, o artigo “Uma poetisa brasileira em terras de Portugal”. Também em março desse ano saiu o primeiro número da segunda fase da revista Festa, quando ocorreu um hiato nesta colaboração devido à viagem de Cecília e Correia Dias a Portugal. Ela só reaparece no número 7 da revista, em março de 1935. Informações obtidas a partir de notas de Darci Damasceno. Consultar: DAMASCENO, Darci. Cronologia de publicação de Cecília Meireles em várias revistas: 1929-1940. Rio de Janeiro, [s.d.]. N. p. Original. Manuscrito. Inclui textos de crítica e ocorre referência à bibliografia de Cecília Meireles de 1940-1965. 26,2,36. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. 114 As crônicas “Rumo: Sul” de I a XXV, foram publicadas pelo jornal Folha Carioca entre junho e outubro de 1944. 115 Informações obtidas em: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Apresentação. In: Meireles, 1998:xii. 116 K.O. Correia Dias e Cecília Meireles. Rio de Janeiro, A Nação, 16/09/1934. p. 2.

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quem travasse relações de cada porto que chegasse o que constituía, sem dúvida,

uma nova auspiciosa para os seus admiradores.117 Quanto à Cecília, era apontada

como uma das mais brilhantes intelectuais brasileiras, um lídimo valor feminino da

América, o que dispensava quaisquer elogios. Destacavam a sua individualidade

singular no cenário da literatura moderna brasileira, a sua espontaneidade altiva e

profunda, a sua cultura invulgar, a capacidade que demonstrava em permanecer ela-

própria e de procurar sozinha o seu caminho num país em que os maiores homens

se limitavam a mendigar a cultura estrangeira, julgando-se tanto maiores, quanto

mais semelhantes aos seus modelos escolhidos.118

Ilustração 4. Cecília Meireles e Correia Dias, caricatura de Gadêa para o Editorial do jornal A Nação, publicado em 16 de Setembro de 1934. Detalhe: no alto, data anotada por Cecília Meireles (em letra cursiva, originalmente

em lápis de cor vermelha).

Cecília Meireles, afirmavam, fugindo ao grande-público evitava a

glorificação fácil da mediocridade feita-multidão e, além de ser ainda escritora de

mérito, era também uma educadora, com relevantes serviços prestados à causa da

educação. Tinha uma larga visão dos modernos problemas educacionais e

117 K.O. Correia Dias e Cecília Meireles. Rio de Janeiro, A Nação, 16/09/1934. p. 2. 118 Idem, ibidem.

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desdobrava sua atividade em iniciativas, das quais um exemplo relevante era a

criação do Centro de Cultura Infantil no Pavilhão Mourisco.119

Cecília partia para um destino que era em parte familiar, mas, por outro

lado, completamente ignorado. Mesmo assim, ela permanecia tranqüila ao embarcar

e parecia ignorar todas as recomendações que ouvira dos amigos, que alertavam

para os perigos e os enjôos da viagem – Olhe a comida!... e o banho!... e os

leitos!...,120 tão desanimadoras que ela teria desistido da viagem, se não fosse um

tanto quanto corajosa e possuísse uma secreta esperança e uma grande

serenidade,121 revelava.

Toda viagem é, segundo Nunes (2007), uma experiência educativa e

mesmo quando planejada, traz sempre um componente de incerteza, de inquietação

com a própria condição humana. Para a autora, quando comparamos experiências,

pensamentos, estilos, atitudes, obras, também avaliamos o que sabemos e o quanto

ainda ignoramos. A viagem é, portanto, uma experiência que faz com que

aprendamos tanto o que nos é estrangeiro, como o que em nós é próprio, singular,

exclusivo.122 Refletindo sobre esse aspecto, Ianni (1996) acrescenta que:

toda viagem destina-se a ultrapassar fronteiras, tanto dissolvendo-as como recriando-as. Ao mesmo tempo que demarca diferenças, singularidades ou alteridades, demarca semelhanças, continuidades, ressonâncias. Tanto singulariza como universaliza... Sob vários aspectos, a viagem desvenda alteridades, recria identidades e descortina pluralidades.123

O longo percurso, o desconhecido que é trazido dia após dia, até o

desembarque em Portugal vinte e dois dias depois impõem à viajante a comparação

de sua própria condição humana, de suas certezas e incertezas, do que conhece e

do que ignora, chamada que será a cada momento a aprender com o novo e com o

que já é sabido.

119 K.O. Correia Dias e Cecília Meireles. Rio de Janeiro, A Nação, 16/09/1934. p. 2. 120 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo – Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934. Rio de Janeiro, A Nação, 1934. p. 2. (escrito em 21 de setembro de 1934). 121 Idem, ibidem. 122 NUNES, Clarisse. Anísio Teixeira na América (1927-1929): Democracia, diversidade cultural e políticas públicas de educação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 144. 123 IANNI, Otávio. A metáfora da viagem. In: Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, ano 90, v. 90, n. 2, mar./abr. 1996. p. 3.

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1.1.1. De malas prontas

Ai, Bahia, que saudade eu vou levando de ti... Nem sei se vá para “Oropa” ou se fique por aqui...

“Diário de Bordo”, 25/09/1934.

Cecília Meireles embarcou com uma bagagem familiar e com a expectativa

de encontro com os intelectuais portugueses, que já conhecia através de trabalhos

em comum, livros e troca de cartas. Portugal fora sempre uma presença significativa

na vida da educadora e os seus laços familiares podem explicar o sentimento de

carinho ou de apreço em relação àquele país: a sua avó D. Jacinta Garcia

Benevides,124 que cantava rimances e era açoriana da Ilha de São Miguel, foi

certamente quem povou a infância da menina com histórias de navios, mares e

naufrágios.

Quanto à Portugal basta dizer que minha avó falava como Camões. Foi ela quem me chamou a atenção para a Índia, o Oriente: ‘Cata, cata, que é viagem da Índia’, dizia ela, em linguagem náutica, creio, quando tinha pressa de algo. Chá-da-índia, narrativas, passado, tudo me levava, ao mesmo tempo, à Índia e a Portugal. 125

Em 1922, casara-se com Fernando Correia Dias, artista plástico e

miniaturista português, que trabalhara com os poetas Fernando Pessoa,126 Almada

Negreiros127 e Afonso Duarte em revistas como A Águia e Rajada. Correia Dias foi,

provavelmente, quem apresentou os novos poetas portugueses a Cecília. Tal

interpretação encontra respaldo na presença de fragmentos do poema “Ode

Triunfal”, de Álvaro de Campos (um dos heterônimos de Fernando Pessoa), até

então desconhecido no Brasil, na tese O Espírito Vitorioso, apresentada ao concurso

124 No dia 17 de setembro de 1972 foi inaugurada na freguesia da Fajã de Cima, terra de sua avó, a Avenida Cecília Meireles e uma lápide comemorativa, simbolicamente redigida por Armando Côrtes-Rodrigues: Aqui nasceu Jacinta Garcia Benevides avó de Cecília Meireles a maior poetisa de língua portuguesa a qual lhe transmitiu no sangue e lhe modelou na alma a funda açorianidade da sua poesia. Em memória de ambas, a Junta de Freguesia da Fajã de Cima gravou esta lápide – padrão de unidade entre os Açores e o Brasil”. “Cecília Meireles – a maior poetisa de Língua Portuguesa”. Ponta Delgada, Diário dos Açores, 18 de setembro de 1972. p. 1. 125 MEIRELES, Cecília. Entrevista a Pedro Bloch. Manchete, Rio de Janeiro, 16/05/1964. 126 Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935), um poeta e escritor português. É considerado um dos maiores poetas de língua portuguesa. 127 José Sobral de Almada Negreiros (1893-1970) pintor, escritor, poeta, ensaísta, dramaturgo e romancista português ligado ao grupo modernista. Também foi um dos principais colaboradores da revista Orpheu.

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de professor catedrático da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito

Federal, em 1929. Entretanto, Cecília não indica nem o título nem o autor dos

fragmentos.128

Anos mais tarde, em 1951, durante uma visita aos Açores, não desejava

que a recebessem como uma escritora brasileira, mas como açoriana, uma vez que

trazia tão forte em si essa herança:

Se me perguntarem o que me traz aos Açores, apenas posso responder: a minha infância. (...) o romanceiro e as histórias encantadas; a Bela Infanta e as bruxas; as cantigas e as parlendas; o sentimento do mar e da solidão; a memória dos naufrágios e a pesca da baleia; os laranjais entristecidos e a consciência dos exílios. A dignidade da pobreza, a noção mística da vida, a recordação constante da renúncia; o atavismo cristão. 129

De acordo com Damasceno (s.d), desde 1931 Cecília Meireles, acalentava

a idéia de ir a Portugal participar do 5º Congresso da Crítica Dramático e Musical,

que se realizaria em Lisboa em 1932.130 O convite e o desejo acabaram se

concretizando em 21 de setembro de 1934, quando Cecília Meireles e Correia Dias

embarcaram no Rio de Janeiro, em setembro, a bordo do “Cuyabá” com destino a

Portugal. Correia Dias voltava à sua pátria depois de uma longa ausência e Cecília

fora convidada para realizar conferências literárias e educacionais naquele país.

Esta seria a primeira viagem de Cecília, uma intelectual que já havia alcançado uma

posição de destaque e que possuía uma inserção significativa na cena cultural

brasileira como intelectual multifacetada – poeta, jornalista, educadora, folclorista e

artista plástica.

Analisando a sua rede de sociabilidade, as suas leituras e o seu

pertencimento às idéias pedagógicas do período, é possível compreender melhor a

sua construção como educadora, as suas principais realizações, o seu engajamento

à causa da Educação Nova e de que forma se utilizou da literatura para compor o

seu projeto de educação. Investigar de que forma procurou estabelecer o

128 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro, 1929. p. 119-120. São também de Cecília os primeiros textos críticos sobre Fernando Pessoa no Brasil em seu prefácio a Poetas novos de Portugal, cuja primeira edição foi impressa em março de 1944. 129 “Saudação aos Açores”, apud GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 103. 130 Os congressos anteriores foram realizados em Paris, Salzburgo, Bucareste e Praga. O 5º foi realizado em Lisboa e o 6º na Grécia.

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intercâmbio com os educadores brasileiros, sul-americanos e europeus, possibilitará

o entendimento de como se deu essa aproximação, de que forma a educadora

divulgou as idéias educacionais desses seus interlocutores e de como essa vasta

rede de sociabilidade determinou os rumos das viagens que empreendeu,

particularmente, dessa viagem a Portugal. Em quais projetos literários e

educacionais Cecília colaborou antes da viagem? Quem eram os seus principais

interlocutores?

Antes de partir para Portugal, Cecília Meireles destacou-se como uma

intelectual atuante nos círculos literários e no cenário educacional dos anos 1930.

Sua produção literária e pedagógica incluía obras como Espectros,131 Nunca mais...

Poema dos Poemas132 e Baladas para El-Rei,133 Criança, meu amor134 e O Espírito

Vitorioso.135 Além disso, a extensa rede epistolar que mantinha com intelectuais

brasileiros, sul-americanos e portugueses fazia com estivesse a par das discussões

que eram travadas tanto no Brasil quanto no exterior. Essa extensa rede de

sociabilidade que estabeleceu esteve, sobretudo, ligada à sua atuação em revistas

como Árvore Nova, Terra de Sol e Festa (1ª e 2ª Fases) e em periódicos de maior

circulação no Rio de Janeiro como o Diário de Notícias, onde dirigiu a “Página de

Educação” e a “Página das Crianças”.

Intelectual, na definição proposta por Houaiss (2001), é todo aquele que

vive predominantemente do intelecto, dedicando-se a atividades que requerem um

emprego intelectual considerável ou ainda aquele que domina um campo de

conhecimento intelectual ou que tem muita cultura geral; erudito, pensador, sábio.136

Uma das concepções mais difundidas é a do senso comum, segundo a qual o

intelectual é aquele indivíduo que se afastou do convívio das outras, que se desligou

voluntariamente da vida social e se interessa apenas pelos seus livros e leituras, ou

seja, um misantropo, alguém que prefere a solidão à convivência com outras

pessoas e que se dedica exclusivamente às construções do espírito.

Cecília pertenceu a uma geração de intelectuais que, diferentemente das

concepções apresentadas, manifestou de acordo com Pècaut (1990), a convicção

131 MEIRELES, Cecília. Espectros. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurillo, 1919. 132 MEIRELES, Cecília. Nunca mais... e poemas dos poemas. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1923. 133 MEIRELES, Cecília. Baladas para El-Rei. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira Lux, 1925. 134 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 135 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1929. 136 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0 – Dezembro de 2001.

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de que lhes competia uma responsabilidade essencial na construção da nação e que

ao invés de solicitar o auxílio do Estado, colocou-se à disposição para contribuir na

construção da sociedade em bases racionais, utilizando-se de diversas estratégias

para se comunicar e tornar públicas as suas idéias.137 Os encontros nos bares, a

boemia, os espaços sociais de manifestação de opiniões, a imprensa, as

universidades, os eventos culturais, foram espaços que oportunizaram essa troca de

pontos de vista, a confirmação de convicções, as disputas e o brilho da constelação

desses intelectuais da educação.138

Ao lado dos educadores escolanovistas Anísio Teixeira, Armanda Álvaro

Alberto, Fernando de Azevedo, Noemy da Silveira,139 Lourenço Filho e Edgar

Süssekind de Mendonça, entre outros, Cecília assinou o Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova140 e realizou um inquérito sobre leituras infantis, que serviu de base

para a organização da primeira biblioteca pública infantil localizada no “Pavilhão

Mourisco”, inaugurada pouco antes de embarcar.141 Toda essa atuação fez com que

a sua produção intelectual e ela própria se tornassem conhecidas pela

intelectualidade e pelo público leitor, que, apesar de restrito, ainda assim era

significativo, num país em que eram reduzidas as taxas de alfabetizados.

Personalidades como Mme. Artus Perrelet,142 Edouard Claparède,143

Gabriela Mistral,144 Alphonso Reyes,145 Mário de Andrade e Fernando de Azevedo

137 PECAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990. p. 22. 138 BOMENY, Helena. Os intelectuais da educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p. 38. 139 Foi aluna e colega de Lourenço Filho na Escola Normal Padre Anchieta, sendo depois convidada por ele para vários cargos públicos. Em 1927, estudou no Teachers College da Columbia University, tendo a oportunidade de conhecer as idéias de Dewey, Kilpatrick e Walker, que posteriormente divulgou no Brasil. Foi convidada por Lourenço Filho, em 1931, para chefiar o Serviço de Psicologia Aplicada da Diretoria Geral do Ensino do Estado de São Paulo e, em 1932, para assumir a Cátedra de Psicologia Educacional e o Laboratório de Psicologia Educacional, ambos pertencentes então à Escola Normal Caetano de Campos. Em 1935 foi nomeada professora de Psicologia do Instituto Caetano de Campos, incorporado à Universidade de São Paulo, onde permaneceu até 1954. Publicou livros e foi uma das três signatárias do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. 140 AZEVEDO, F. (Org.). A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Manifesto dos pioneiros da educação nova. São Paulo: Nacional, 1932. 141 Sobre o trabalho desenvolvido por Cecília Meireles na Biblioteca Infantil consultar: PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. 142 Convidada pelo governo mineiro para uma série de conferências e cursos, esteve, no Rio de Janeiro em 1931, onde ministrou um curso na Escola de Belas Artes, tendo muitos dos temas desenvolvidos por ela em seus cursos e conferências publicados na “Página de Educação”. 143 Quando esteve no Rio de Janeiro em 1930, sob o patrocínio da ABE, o educador concedeu entrevistas que foram publicadas na “Página de Educação” por Cecília Meireles. Consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 259-261; FERREIRA, Rosângela Veiga Júlio. No veio da esperança a essência etérea da criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade de Juiz de Fora, 2007. p. 91-98.

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também foram alguns dos interlocutores com quem Cecília estabeleceu relações

profissionais ou de amizade. Os contatos com interlocutores portugueses, como por

exemplo, Ana de Castro Osório, Afonso Duarte, José Osório de Oliveira e Fernanda

de Castro, estabeleceram-se, primeiramente, através de cartas e se estreitariam a

partir dessa viagem a Portugal. Esses intelectuais eram, em sua grande maioria,

literatos, educadores e artistas plásticos e estavam ligados aos círculos pedagógicos

e literários através de revistas como Rajada, A Águia, Atlântida, e Portugal Feminino.

Eram esses os amigos que Cecília esperava conhecer pessoalmente e estreitar os

laços de amizade e profissionais quando desembarcasse. Outros intelectuais, como

João de Barros,146 Maria Valupi, João de Castro Osório,147 João de Deus Ramos,148

Carlos Queiroz149 e Diogo de Macedo, só se tornaram seus amigos e

correspondentes algum tempo depois, quando Cecília já estava em terras lusitanas.

Através dessa rede tecida ao redor das revistas e dos manifestos é que

vamos encontrar Cecília Meireles. Ela era uma intelectual brasileira, por ser natural

do Brasil, mas seus escritos e seu pensamento tinham uma dimensão universal,

embora não estivesse ausente em sua obra sua visão dos aspectos locais do país.

Em todas essas instâncias, como professora, como cronista, como poeta,

conferencista e correspondente de intelectuais ligados à cultura e à educação, ela

participou e marcou ativamente as discussões em torno da Escola Nova e da

experiência que vinha sendo realizada no Distrito Federal.

144 A chilena Gabriela Mistral (1889-1957) e Cecília Meireles tinham entre si, muitas semelhanças: infâncias marcadas pela orfandade e pela solidão, a luta pela democratização da educação, além do fato de escreverem para jornais, serem professoras e poetas e terem viajado ao longo de suas vidas fazendo conferências e divulgando suas respectivas culturas. Em 1922, Gabriela Mistral foi convidada pelo Ministério da Educação do goveno mexicano para trabalhar nos planos de reforma educacional daquele país. Teve grande destaque ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, que a levou a viajar por todo o mundo e representar seu país em comissões culturais das Nações Unidas. 145 Amigo e correspondente de Cecília, o embaixador do México no Brasil de 1930 a 1938, Alfonso Reyes, participou da organização e inauguração da Biblioteca Infantil, doando publicações de várias procedências e assuntos. 146 João de Barros (1881-1960) foi um poeta, pedagogo e publicista português. Foi um entusiasta da aproximação luso-brasileira, tendo dirigido, com João do Rio, a revista Atlântida (1915-1920), que incluiu colaboração dos principais escritores lusófonos da geração de 1910-1920. Em consequência, no ano de 1920 foi eleito sócio da Academia Brasileira de Letras. 147 João de Castro Osório, poeta português, filho de Ana de Castro Osório e irmão de José Osório de Oliveira. 148 João de Deus Ramos (1878-1953) pedagogo português, filho e continuador da obra do também pedagogo e poeta João de Deus. Aproveitando a experiência das escolas móveis criadas por Casimiro Freire e a sua Associação de Escolas Móveis e Jardins Escolas João de Deus, fundou uma rede de escolas infantis, designadas por Jardins Escola João de Deus. 149 O poeta português José Carlos Queirós Nunes Ribeiro (1907-1949) colaborou em várias revistas, tais como Presença, e Contemporânea, com poesias e artigos de crítica literária. Recebeu em 1935 o Prêmio Antero de Quental do Secretariado de Propaganda Nacional com a obra Desaparecido. Foi diretor das revistas Panorama (1941) e Litoral (1944).

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Podemos entender essa rede de sociabilidade construída pelos sujeitos no

seu duplo aspecto na perspectiva de Gomes (1999), ou seja, aquela que remete às

estruturas organizacionais, mais ou menos formais, tendo como ponto nodal o fato

de se constituírem em lugares de aprendizado e de trocas intelectuais, indicando a

dinâmica do movimento de fermentação e circulação de idéias e também o aspecto

afetivo, ou aquela construída nessas redes de sociabilidade intelectual, envolvendo

as relações pessoais e profissionais de seus participantes. Segundo a autora:

(...) se os espaços de sociabilidade são “geográficos”, são também “afetivos”, neles se podendo e devendo captar não só os vínculos de amizade/cumplicidade e de competição/hostilidade, como igualmente a marca de uma certa sensibilidade produzida e cimentada por eventos, personalidades ou grupos especiais. Trata-se de pensar em uma espécie de “ecossistema”, onde amores, ódios, projetos, ideais e ilusões se chocam, fazendo parte da organização da vida relacional.150

Para entender como foi construída a sua rede de sociabilidade, iniciamos a

investigação interrogando os espaços de sociabilidade e os vínculos que Cecília

Meireles estabeleceu com as diferentes idéias, personalidades e grupos e como

essas relações incidiram sobre a trajetória de sua formação docente, procurando

entender que autores ofereceram ascendência sobre a sua formação educacional e

literária e qual a produção intelectual produzida por ela nessa fase de sua vida.

Buscamos, ainda, entender a importância dessa busca pessoal por novas

concepções e conhecimentos que auxiliassem no seu projeto de educação e no seu

aperfeiçoamento como educadora e como ser humano.

Cecília concluiu os seus primeiros estudos, o curso primário, em 1910, na

Escola Estácio de Sá, ocasião em que recebeu do poeta Olavo Bilac,151 Inspetor

Escolar do Rio de Janeiro, uma medalha de ouro por ter feito todo o curso com

distinção e louvor.152 Durante a infância e adolescência aprendeu canto, violino e

violão. Segundo seu relato, mesmo depois de adulta ensaiava todas as melodias

150 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. 151 Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) foi jornalista e poeta brasileiro e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Trabalhou no jornal A Cidade do Rio, ao lado de José do Patrocínio. Neste jornal, conseguiu ser indicado correspondente em Paris no ano de 1890. Publicou inúmeras crônicas literárias no jornal A Notícia e colaborou com outros tantos jornais como A Semana, Cosmos, A Cigarra, A Bruxa e A Rua. 152 Dados biográficos sobre Cecília Meireles foram retirados da Notícia Biográfica. In: MEIRELES, Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1972. p. 57-68.

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populares que caiam sob os olhos. Mas não tinha tempo para virtuosismo, porque os

livros absorviam-na completamente.153

Em 1917, Cecília diplomou-se no curso da Escola Normal do Rio de Janeiro,

onde foi aluna de Alexina de Magalhães Pinto,154 Alfredo Gomes,155 Basílio de

Magalhães,156 Manoel Bomfim157 e Osório Duque-Estrada,158 professores que

encontraram destaque na cena cultural brasileira. É possível supor que alguns deles

tenham influenciado positivamente a formação da futura educadora. A professora

mineira Alexina de Magalhães Pinto foi, provavelmente, quem despertou o seu

interesse pela organização de bibliotecas e pelo folclore brasileiro. Além de

professora na Escola Normal, Alexina foi colaboradora do Almanaque Garnier e

organizara, em 1907, o Esboço Provisório de uma Biblioteca Infantil, publicação na

qual recomendava aos pais e educadores o trabalho de percorrer os livros antes de

os entregarem aos seus filhos e educandos.159 A educadora recomendava livros

para a infância, para as mães e para as meninas e chamava a atenção de pais e

professores para a necessidade de conhecer o que se faz no estrangeiro e o que é

feito por estrangeiros – não para repetir maquinalmente, mas para fazermos obra

nacional ou latina com elementos nossos.160 Alexina seria lembrada anos mais tarde

por Cecília Meireles quando esta trabalhou como redatora no jornal A Manhã, numa

coluna intitulada Professores e Estudantes, espaço onde tratou de assuntos ligados

à educação e ao folclore. Nessa ocasião, Cecília procurou recuperar a obra da

antiga professora, que havia sido responsável pela compilação de diversas obras de 153 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. p. 9. 154 A educadora mineira Alexina de Magalhães Pinto (1870-1921) foi responsável pela compilação de diversas obras de cultura infantil e popular e uma das pioneiras nos esforços de renovação do ensino e das leituras infantis. MAGALHÃES PINTO, A. Esboço provisório de uma biblioteca infantil. In: ZILBERMAN, R., LAJOLO, M. Um Brasil para Crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1993, p. 280-288. 155 Professor de português da Escola Normal. Produziu trabalhos didáticos principalmente sobre a gramática portuguesa e sobre a francesa. 156 Basílio de Magalhães (1874-1957) foi um intelectual mineiro. Atuou como jornalista, professor, administrador e político. Escreveu vários livros e deixou diversos escritos, entre discursos, artigos e prefácios. 157 O médico sergipano, Manoel Bomfim (1868-1932) é autor de vasta obra, que abrangem estudos de zoologia e botânica, pedagogia (Lições de pedagogia) e psicologia (Noções de Psicologia). Criou o primeiro laboratório experimental de psicologia no Brasil, em l906. Escreveu livros didáticos (Através do Brasil) em parceria com o amigo e poeta Olavo Bilac. Entre suas principais obras, destacam-se, América Latina: males de origem (l905), O Brasil na América (1929), O Brasil na História (1930) e o Brasil Nação (1931). 158 Segundo informações contidas em: OLIVEIRA, Ana Maria Domingues de. Cronologia Biobibliográfica da Poetisa. Arquivo Cecília Meireles. Disponível em: <http://www.assis.unesp.br/arquivocecilia/index3.html> 159 MAGALHÃES PINTO, Alexina. Esboço provisório de uma biblioteca infantil. In: ZILBERMAN, R., Lajolo, M. Um Brasil para Crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1993, p. 280-288. 160 Idem, p. 281.

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cultura infantil e popular. Entre 31 de janeiro de 1942 e 28 de agosto de 1943, ela

escreveu cerca de 259 artigos onde procurou salvaguardar as cantigas de roda e de

ninar, os jogos infantis de diversas regiões brasileiras, bem como trazer para os

jovens leitores expressões folclóricas de diversas culturas, principalmente da

América Latina.161

Outro exemplo de mútua admiração envolveu a aluna Cecília e o professor

de português da Escola Normal, Alfredo Gomes. Esse educador apoiou e incentivou

a vocação poética da antiga aluna, fazendo o prefácio no seu livro de estréia que

trazia sonetos de inspiração parnasiana, Espectros, em 1919. João Ribeiro,162 outro

de seus professores, escreveu um breve artigo onde fez uma crítica favorável ao

livro, que foi publicada em O Imparcial, de 18 de novembro de 1919, onde vaticinava

um futuro promissor para a jovem estreante.

Também podemos conjeturar que Olavo Bilac e Manoel Bomfim, também

professores de Cecília, atuaram de forma inesquecível em sua vida de estudante e

produziram reflexos na constituição da educadora. O “Príncipe dos Poetas”, como

Bilac ficou conhecido a partir do concurso, em 1907, da Revista Fon-Fon e o

professor Bomfim eram amigos de longa data e trabalharam lado a lado em jornais

cariocas como o A Nação,163 Correio do Povo,164 A Rua,165 entre outros. Além de

poeta, Olavo Bilac teve atuação importante nos círculos educacionais e a partir dos

anos 1916, participou, ao lado de outros intelectuais, da Liga de Defesa Nacional. O

apóstolo socialista, como era denominado por João do Rio166 e suas idéias

educacionais parecem ter inspirado a formação da poeta e também da futura

educadora. Não só os homens haviam sido educados através dos livros de Olavo

161 Sobre o assunto, consultar: PIMENTA, Jussara S. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 36; 49 e 64. 162 João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes (1860-1934), mais conhecido como João Ribeiro, foi um jornalista, crítico literário, filólogo, historiador, pintor, tradutor brasileiro e também membro da Academia Brasileira de Letras. 163 O jornal A Nação foi fundado em 10 de dezembro de 1903, era de propriedade do jornalista Alcindo Guanabara e funcionava na Rua do Ouvidor. Consultar: AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido. Tempo, vida e obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 133. 164 Jornal republicano, fundado pelo jornalista Sampaio Ferraz. Consultar: AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido. Tempo, vida e obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 133. 165 Jornal fundado por Pardal Mallet, tinha como redatores permanentes Luis Murat, Olavo Bilac e Raul Pompéia e como colaboradores: Guimarães Passos, Coelho Neto, Alberto de Oliveira, Arthur Azevedo, Gastão Bousquet, Pedro Rabelo, Augusto de Lima e Manoel Bomfim. Consultar: AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido. Tempo, vida e obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 133. 166 Paulo Barreto (João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto; pseudônimo literário: João do Rio) - (1881-1921) - jornalista, cronista, contista e teatrólogo. Foi um entusiasta da aproximação luso-brasileira e dirigiu, com João de Barros, a revista Atlântida (1915-1920).

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Bilac, afirma Mignot (1997), mas também as mulheres de letras foram educadas em

suas redondilhas e quintetos.167 Por coincidência, Cecília receberia mais tarde, em

1939, o prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras pelo seu livro Viagem.

Bilac e Bomfim estiveram juntos no Pedagogium,168 onde Bomfim foi diretor de 1896

a 1905 e de 1911 a 1919 (onde João Ribeiro também lecionou) e na Diretoria de

Instrução Pública do Distrito Federal em 1898. Ao deixar o Pedagogium, Bomfim

indicou Bilac para a direção. Os dois amigos freqüentavam os mesmos restaurantes

da Rua do Ouvidor e escreveram livros didáticos em parceria: Livro de Composição

(em 1899), Livro de Leitura (em 1901) e Através do Brasil (em 1910).169

Com tantas inserções no cenário pedagógico e cultural, Bilac e Bomfim

foram, certamente, inspiradores da educadora iniciante, que, logo depois de sua

formatura, passou a exercer o magistério primário em escolas oficiais do antigo

Distrito Federal e em 1920 a lecionar desenho na Escola Normal, a convite do

professor Nereu Sampaio, diretor daquele departamento. Do seu tempo de

professora, Cecília destaca o seguinte:

Terminada a Escola Normal fui lecionar o primário, ainda com um jeito de menina, num sobrado da Avenida Rio Branco. Ali, na mesma sala, havia duas turmas e duas professoras, a metade voltada para cada lado. Pois as crianças, vendo-me quase tão menina quanto elas, viravam quase todas para mim.170

Um dos espaços de sociabilidade para as mulheres do período, sobretudo

as da elite, eram as diversas associações, sociedades e ligas que se formaram.

Algumas das participantes da Seção de Cooperação da Família, organizada em

1925, na ABE, como Laura Jacobina171 e Corina Barreiros,172 foram também

167 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. 1997. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. p. 123. 168 Criado em 1896 e extinto em 1919, o Pedagogium foi um centro de pesquisas educacionais e museu pedagógico, criado sob inspiração do Parecer de Rui Barbosa. Consultar: AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido. Tempo, vida e obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 111; e ainda: GONDRA, J. G. O Veículo de Circulação da Pedagogia Oficial da República: a revista pedagógica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 78, n. 188/189/19, 1997. p. 374-395. 169 Os três títulos foram publicados pela Editora Francisco Alves. 170 MEIRELES, Cecília. Entrevista a Pedro Bloch. Manchete: Rio de Janeiro, 1964. 171 Educadora brasileira pertenceu à ala católica do grupo de intelectuais da ABE. Em sua instituição de ensino trabalhou com muitos métodos trazidos da Europa e dos Estados Unidos, que eram aplicados pelas educadoras partindo de preceitos religiosos como solidariedade, perseverança, disciplina, respeito brasileira. Sobre Laura Jacobina e Colégio Jacobina, consultar: CARUSO, Andrea. “Traço de União” como vitrine: educação feminina, ideário católico e práticas escolanovistas no periódico do Colégio Jacobina. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ – Faculdade de Educação, 2006.

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companheiras do “Colégio Jacobina”, da “Liga Brasileira Contra o Analfabetismo”, da

“Associação Cristã Feminina”, do “Instituto Central do Povo” e da “Federação

Brasileira para o Progresso Feminino”, sobressaindo naquela Seção constituída

exclusivamente por mulheres.173 Cecília tinha uma origem e uma formação distinta

da maioria dessas mulheres, pois havia sido educada na Escola Normal, do Estácio,

uma escola pública. As demais, haviam sido alunas de escolas particulares onde

freqüentavam apenas as filhas da elite carioca, como por exemplo, o Colégio

Progresso em Santa Teresa e o Colégio Jacobina, em Botafogo.174 Lecionavam em

escolas tradicionais do Distrito Federal e eram lideranças do movimento católico. O

círculo de amizades de Cecília se formara, preferencialmente, em torno dos

intelectuais que atuavam como ela, em revistas, como Árvore Nova, Terra de Sol e

Festa e em jornais como o Diário de Notícias, A Manhã e A Nação. Como o seu

antigo professor Manoel Bomfim, ela procurava manter uma distância crítica das

associações, não chegando a participar de nenhuma delas.

No que se refere à sua inserção ao movimento escolanovista, ela não se

esquivou de informar, aplaudir, divergir, polemizar, como ressalta Mignot (2001).175

Embora fosse uma divulgadora das concepções e dos trabalhos dos educadores

renovadores e não apenas uma simples entusiasta, Cecília jamais participou como

membro da ABE e nem de qualquer outra associação de educadores, feministas ou

de quaisquer outras categorias.

Naquele período, em que eram muito comuns as associações femininas e

grande parte da intelectualidade participava em até mais de uma delas, Cecília

sempre se manteve longe desse tipo de vínculo, estratégia que possivelmente lhe

facultaria a sua individualidade, garantiria a liberdade de pensamento e isenção em

relação às suas idéias e opiniões. Outra possibilidade era não receber cobranças

nem ter as suas opiniões atreladas à de nenhum grupo, em especial. Essa 172 Educadora brasileira, participou da Seção de Cooperação da Família, da ABE e da Federação do Progresso Feminino, do qual foi uma das delegadas, em 1922. Consultar: BONATO, Nailda Marinho da Costa. A educação das mulheres no pensamento da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (1922-1931). Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006. 173 Consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação, 1997. p. 185. 174 Sobre o Colégio Jacobina consultar o trabalho de: CARUSO, Andrea. “Traço de União” como vitrine: educação feminina, ideário católico e práticas escolanovistas no periódico do Colégio Jacobina. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ – Faculdade de Educação, 2006. 175 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Antes da despedida: editando um debate. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p.149-171.

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independência expressou-se, sobretudo, em relação a ABE, no momento em que

um grupo de educadores vinculados àquela instituição apresentou a indicação do

nome de Belisário Penna176 ao Ministério da Educação, como assegura Mignot

(2001). Cecília acreditava que o cargo estaria mais bem representado por um

educador, Fernando de Azevedo, diretamente ligado à educação, isento de

compromissos políticos e sem a necessidade de transformar o cargo em utilidade

imediata, por não ver nisso um emprego:

Não existe ninguém com melhores aptidões, para isso, que o dr. Fernando de Azevedo, ex-diretor de Instrução, autor de uma reforma notabilíssima, combatido no velho regime pela novidade das suas idéias, com uma capacidade de ação posta à prova brilhantemente, e sem nada que o desabone junto aos interesses da Nova República e dos seus construtores. Além disso, o dr. Fernando de Azevedo possui essa qualidade rara de ver as coisas com um largo golpe de vista; é alguém que pode enfrentar o problema da educação nacional de maneira definitiva, resolvendo-o de alto a baixo, sem vacilações nem dificuldades. A reforma que traçou para o Distrito Federal é, nesse sentido, já uma prova preliminar da visão com que poderia atender ao problema geral, e o acerto da sua primeira iniciativa é uma antecipada certeza do êxito da sua ação à frente daquele Ministério.177

Segundo Cecília a ABE não representava a maioria do professorado, que

era visto como de secundária importância. Com essa indicação, dizia, a entidade

comprometia grandemente o seu nome, uma vez que o candidato a Ministro não era

senão o próprio presidente da associação.178

Para o intelectual, a não participação em associações pode ser uma opção

difícil, pois a iniciativa faz com que o mesmo se mantenha isolado sem poder contar

com os benefícios que as associações podem oferecer. Por outro lado, garantem

isenção e liberdade de ação e de pensamentos. O intelectual tem, assim, autonomia

176 Belisário Augusto de Oliveira Penna (1868-1939) foi um médico sanitarista brasileiro. Tem destaque a sua atuação na saúde pública como inspetor sanitário, bem como sua campanha em favor do saneamento dos sertões. Foi um dos introdutores no Brasil das teorias da eugenia e membro ativo da Comissão Central Brasileira de Eugenia, da qual se originou a Liga Pró-Saneamento. Participou da Revolução de 1930, sendo indicado ministro da Educação e Saúde no governo Getúlio Vargas, cargo em que permaneceu por três meses. 177 MEIRELES, Cecília. O Ministério da Educação. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 1º de dezembro de 1931. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 3. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 71-72. 178 MEIRELES, Cecília. 16/09/31 e 29/11/31. Apud MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Antes da despedida: editando um debate. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p.158-160.

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para ter as suas próprias convicções sem se ver obrigado a comungar com opiniões

que não são exatamente as suas próprias.

Tanto os jornais como as revistas literárias e culturais constituíram um

importante espaço de trocas intelectuais. Além de cumprirem, de acordo com

Venancio (2003), um papel relevante como espaço de intercâmbio intelectual, na

primeira metade do século XX, serviu de “espaço de experimentação” onde as idéias

dos autores se ofereciam à discussão e se testavam permitindo a publicação de

trabalhos ainda em curso e de obras em elaboração.179 A rede de sociabilidade de

Cecília foi praticamente formada no espaço das revistas literárias e dos periódicos,

locais que aglomeravam intelectuais de várias procedências, tendências e

motivações.

Ilustração 5. Á esquerda: Capa da revista Terra de Sol, número 1, de janeiro de 1926. À direita: Capa da revista Festa, em sua segunda fase, de março de 1935. Fonte: Coleção Plínio Doyle – Casa de Rui Barbosa, Rio de

Janeiro.

Muitos dos intelectuais que circulavam nesses espaços acabaram tornando-

se amigos do casal Cecília Meireles e Fernando Correia Dias: artistas, pintores,

escritores, poetas e jornalistas. Eles freqüentavam a residência do casal que

transformara uma das dependências em um atelier onde se reunia o grupo de Festa,

como ficaram mais tarde conhecidos os intelectuais que fundaram as revistas Árvore

179 VENANCIO, Giselle Martins. A trama do arquivo: análise da trajetória de Oliveira Vianna (1883-1951). 2003. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Doutorado em História Social.

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Nova, Terra de Sol e Festa. A princípio, o grupo tinha pouca visibilidade nos meios

intelectuais. Suas produções eram tratadas como manifestações não propriamente

modernistas, devido a seus fortes vínculos com outras tradições literárias (...).180

Liderados por Tasso da Silveira181 e Andrade Muricy,182 em agosto de 1919 já

haviam empreendido o lançamento de sua primeira experiência editorial, com a

organização da revista América Latina, que circulou em seis números até fevereiro

de 1920.

Cecília Meireles iniciou sua atuação junto ao grupo a partir da revista,

Árvore Nova fundada em 1922 e que circulou apenas em dois a três números,

segundo Gomes (1999).183 O casal Correia Dias continuou filiado ao grupo quando

fundaram, em 1924, a revista Terra de Sol, que circulou por doze números e teve

rápida e boa aceitação entre o público e contava com a experiência do sócio

português Álvaro Pinto,184 um dos introdutores do livro impresso sob moldes

técnicos e industriais no Brasil.185

A publicação também obteve sucesso por procurar realizar um intercâmbio

com os intelectuais portugueses. O poeta português Jaime Cortesão186 foi um dos

colaboradores da publicação que reverenciava Camões e trazia, inclusive, o registro

de preço em escudos. A revista alcançou, segundo Gomes (1999), reconhecimento,

por suas qualidades gráficas e editoriais, muito razoável para esse tipo de iniciativa, 180 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 21. 181 Tasso Azevedo da Silveira (1895-1968) foi um escritor brasileiro. Foi um dos representantes da ala espiritualista do modernismo, ao lado de Cecília Meireles e Tristão de Ataíde. Pertenceu ao grupo da revista Festa, da qual foi um dos fundadores. 182 José Cândido de Andrade Muricy (1895-1984), crítico literário e musical, autor de obras de ficção e de ensaios brasileiro e pertenceu ao grupo Festa. Foi presidente da Academia Brasileira de Música e membro do Conselho Federal de Cultura. Em 1973, recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. 183 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 45. 184 Álvaro Pinto foi diretor, secretário e administrador de uma de prestigiada publicação periódica de Portugal, na primeira metade do século XX, a revista Águia. Foi um dos principais articuladores da Sociedade Renascença Portuguesa - associação, criada em 1911, com o fim de promover a cultura e educação naquele país. Trabalhou editando revistas e livros junto de importantes nomes da intelectualidade lusitana como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão e António Sérgio. No Brasil, editou as revistas Árvore Nova, Terra de Sol e Festa pela Anuário do Brasil, tipografia criada por ele, em 1920, no Rio de Janeiro. Foi um entusiasta do intercâmbio luso-brasileiro. Consultar: SOUZA, Raquel dos Santos Madanêlo. Um intelectual imigrante: Álvaro Pinto e o projeto de intercâmbio Portugal-Brasil. Disponível em: <www.reseau-amerique-latine.fr/ceisal-bruxelles/MS-MIG/MS-MIG-3-MADALENO-SOUZA.pdf>; FERNANDES, Rogério. Cartas de António Sérgio a Álvaro Pinto (1911-1919). Lisboa: Edição da Revista Ocidente, 1972. 185 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 50. 186 Jaime Zuzarte Cortesão (1884-1960), médico, político, escritor e historiador português. com Álvaro Pinto e Teixeira de Pascoaes deu início à publicação da revista Águia; foi um dos fundadores da Seara Nova, em 1921. Foi designado diretor da Biblioteca Nacional em 1919. Exilou-se na França, em 1927, e no Brasil, em 1940, onde lecionou a cadeira de História dos Descobrimentos Portugueses.

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sobretudo se considerarmos que, para Tasso, o Brasil vivia um momento político e

intelectual muito difícil.187

Com o término de Terra de Sol, o grupo apresentou outro projeto editorial, a

revista Festa, em 1925, quando Andrade Muricy retornou do tratamento na Suíça. O

nome da revista derivou-se do livro Festa Inquieta, que Muricy havia trazido da

Europa.

Já à época de Terra de Sol e Festa, Cecília traduzia poemas, sobretudo de

poetas sul-americanos com quem também estabelecera um diálogo epistolar. Essa

interlocução com o exterior tem seqüência na “Página de Educação” e na “Página

das Crianças”, em que publicou entrevistas, histórias, resenhas de livros, pequenos

trechos de livros, poemas, canções, etc., de poetas, escritores e educadores de

diversas nacionalidades, e ainda no Pavilhão Mourisco, com o projeto da

organização ibero-americana.

Outra de suas muitas inquietações surgidas junto ao “grupo de Festa” foram

os seus estudos sobre folclore brasileiro. Este era um dos seus temas prediletos de

investigação desde os anos 1930, apesar de ter comprovado que o tema, no Brasil

era considerado uma história só para eruditos ou tabaréus, como diria à Côrtes-

Rodrigues, em carta de 1946.188 Cecília desenhou aquarelas para uma exposição no

Rio de Janeiro, que foram posteriormente apresentadas durante a sua segunda

conferência em Portugal e mais tarde publicadas naquele país sob o nome de

Samba, Batuque e Macumba. A maior parte dos seus estudos sobre folclore foi

publicada no jornal A Manhã, a partir de 1942-1944.189

187 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 53. 188 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. p. 11. 189 Destacamos o texto de Cheola (2004) que analisa as crônicas de Cecília Meireles sobre folclore, escritas para o jornal A Manhã, entre 1941 e 1945, sob o Estado Novo. De acordo com a autora, nessas crônicas Cecília, de forma indireta, enfatiza o universalismo, ou seja, a essência humana comum, por meio do folclore comparado; dribla assim a exigência do governo ditatorial de Vargas de se destacar o nacionalismo em todos os níveis sociais. Por outro lado, mediante comentários de teor estético sobre exemplares do material folclórico, afirma o valor da literatura tradicional. Ao final do trabalho a autora discute a contribuição das duas vertentes do folclore, a ética e a estética, para a prática pedagógica. Consultar: CHEOLA, Maria Laura van Boekel. Infância e Folclore: as Crônicas de Cecília Meireles sob o Estado Novo. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira), Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2004; As crônicas semanais sobre folclore publicadas no jornal A Manhã entre 1942 a 1944 também foram estudadas por Abreu (2001) que analisou a participação de Cecília Meireles na Comissão Nacional do Folclore e no Movimento Folclórico. Consultar: ABREU, Joana Cavalcanti de. Entre os símbolos e a vida: poesia, educação e folclore. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 211-230.

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A Universidade do Distrito Federal (UDF),190 criada por Anísio Teixeira e

inaugurada solenemente em 31 de julho de 1935, foi um outro espaço de

sociabilidade do qual Cecília Meireles participou, convidada por Anísio para lecionar

Literatura Luso-Brasileira conviveu com intelectuais estrangeiros como Brehier,

Desfontaines, Wallon, Hauser, Jules Peret e Albertini. Entre os brasileiros estavam

os professores: Afrânio Peixoto, Gilberto Freire, Delgado de Carvalho, Hermes Lima,

Artur Ramos, Heloisa Alberto Torres, Francisco Venâncio Filho, Edgar Süssekind de

Mendonça, Gastão Cruls, Pedro Calmon, Costa Ribeiro, Carlos Werneck, Roberto

Marinho de Azevedo, Carneiro Leão, Celso Kelly, José Faria Góes Sobrinho,

Gustavo Lessa, Castro Rebelo, Isnard Dantas Barreto, José Oiticica e Cândido

Portinari.191

1.1.2. De vento em popa

Depois, vai tudo brilhando e ganhando transparência e cor. O meio dia deslumbra. A água dissolve safiras e diamantes. O céu tem uma nitidez de porcelana. E o vento vai levando a fumaça do navio, que tanto se desdobra no céu como no reflexo das ondas. Começa, então, a refrescar no boreste, e em bombordo o convés se enche de sol.

“Diário de Bordo”, 26/09/1934.192

Com itinerários e objetivos diversos, somente a partir dos anos 1830 vamos

encontrar mulheres brasileiras que viajaram pelo país e ao exterior. Os interesses

dessas viajantes também eram bastante diversos daqueles que moveram as viagens

empreendidas pelos muitos viajantes homens e europeus que vieram descobrir o

Brasil. Com uma agenda bastante diferenciada das costumeiras viagens de estudos

ou de passeio em companhia de familiares, muitas dessas mulheres iam em busca

de educação, qualificação, aperfeiçoamento e/ou trabalho, procurando romper os

limites do espaço privado a que estavam socioculturalmente atreladas. Este não

pode ser considerado, ainda, um movimento articulado, uma vez que essas

190 Sobre a UDF, consultar: MENDONÇA, Ana Waleska. Universidade e formação de professores: uma perspectiva integradora: a "universidade de educação", de Anísio Teixeira. 1993. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. 191 LEMME, Paschoal. Memórias. São Paulo: Cortez; Brasília: INEP, 1988, v. 2. p. 140. 192 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934).

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personagens se desconheciam e muitas vezes ignoravam os motivos que

impulsionavam umas às outras. Todas as iniciativas eram, via de regra, estritamente

particulares, não sendo subvencionadas por nenhuma instituição ou governo.193

Assistimos no século XIX, de acordo com Chamon (2005), à partida das

primeiras mulheres brasileiras, como Nísia Floresta,194 Josefina Álvares de

Azevedo,195 Maria Guilhermina Loureiro de Andrade, Josefa Águeda Felisbela

Mercedes de Oliveira 196 e Maria Augusta Generoso Estrela.197 Nísia Floresta

Brasileira Augusta, uma destas viajantes brasileiras, segundo Duarte (1999), teve

uma importância significativa, por viajar, escrever e publicar as suas narrativas de

viagem, num tempo em que eram divulgados apenas os relatos das viagens

realizadas por homens. Ela mudou-se para a Europa em 1849 e passou a residir em

países como Portugal, Inglaterra, Itália e França, viajando por toda a Europa, até

falecer em 1885. Publicou livros e textos na grande imprensa brasileira e

internacional sobre uma temática incomum entre as mulheres do seu tempo: direito

das mulheres, dos índios e dos negros. As suas narrativas de viagem são ainda

pouco conhecidas do público brasileiro, sendo traduzidas somente a partir de 1982.

Nelas descreveu os costumes e os pontos pitorescos dos muitos lugares onde

esteve sob a forma de diário ou cartas aos parentes distantes.198

193 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. 194 Educadora, escritora feminista e poetisa Dionísia Gonçalves Pinto (1810-1885) ficou conhecida pelo pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta. Foi entusiasta da causa abolicionista e da República, Colaborou no Jornal do Comércio, Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro e Brasil Ilustrado. Passou a residir em Paris onde conviveu com Victor Hugo, Saint-Hilaire, Lamartine, George-Sand, Laboulaye e correspondendo-se com Augusto Comte, Manzzini, Garibaldi e entre outros. Sobre Nísia Floresta, consultar: DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: a pioneira do feminismo no Brasil. 1. ed. Florianópolis: Editora Mulheres, 2005; DUARTE, Constância Lima. Verbete: Nísia Floresta Brasileira Augusta. In: Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero; Jader de Medeiros Brito. (Org.). Dicionário de Educadores no Brasil. Da Colônia aos dias atuais. 2 ed. Rio de Janeiro: UFRJ/MEC-INEP-COMPED, 2001, p. 846-853. 195 Alguns biógrafos consideram Josefina Álvares de Azevedo (1851-?) como irmã ilegítima do poeta paulista Manuel Antônio Álvares de Azevedo, e outros, sua prima. Não se tem nem mesmo certeza do seu local de nascimento – uns a dão como nascida em Itaboraí (RJ), outros no Recife. Entusiasta da causa feminina, fundou em São Paulo, em 1888, o jornal A Família que acolhia exclusivamente colaborações de mulheres. Sua principal bandeira foi a luta pelo direito da mulher ao voto. Deixou pelo menos cinco livros e uma peça intitulada O Voto Feminino. Consultar: SOUTO-MAIOR, Valéria Andrade. O florete e a máscara: Josefina Álvares de Azevedo, dramaturga do século XIX. 2001. 196 Médica pernambucana Josefa Águeda Felisbela Mercedes de Oliveira (1864-?) precisou ir para os Estados Unidos para cursar medicina, uma vez que o ingresso nos cursos superiores estavam vetados às mulheres no Brasil por volta de 1876. Foi co-fundadora do Jornal A Mulher. 197 Maria Augusta Generoso Estrela (1860-1946) foi a primeira médica brasileira. Em 1875 foi para os EUA, uma vez que o acesso das mulheres às faculdades brasileiras não era permitido. Seu gesto ganhou repercussão nacional e mobilizou a opinião pública provocando a alteração dos critérios de ingresso aos cursos universitários. 198 DUARTE, Constância Lima. Narrativas de viagem de Nísia Floresta. Via Atlântica, n. 2, jul. 1999. p. 60.

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Outra viajante, Josefina Álvares de Azevedo, dirigiu a partir de 1888 o jornal

A família, em São Paulo e depois no Rio de Janeiro, destacando-se por seu tom

combativo em prol do movimento de emancipação feminina. Viajou pelos estados de

São Paulo, Pernambuco e Bahia ao longo do ano de 1877 divulgando o seu jornal e

as suas idéias, conseguindo adeptos e também muitos inimigos, que passaram a

persegui-la através da imprensa.199 Josefa Águeda Felisbela e Maria Augusta

Generoso Estrela também podem ser incluídas nessa escassa lista de mulheres

viajantes do século XIX. Elas cursaram medicina no “New York Medical College and

Hospital for Women” e são consideradas as primeiras médicas brasileiras.200

Quanto à Maria Guilhermina de Andrade, foi, segundo Chamon (2005),

professora e fundadora de escolas, tradutora e escritora, e residiu em cidades como

Vassouras, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Tendo se aproximado dos

missionários protestantes e de sua pedagogia froebeliana, Guilhermina estudou nos

Estados Unidos, onde permaneceu de 1883 a 1887, estudando a cultura do

kindergarten, repertório pedagógico que passaria a subsidiar a sua prática

profissional.201 Diferentemente de Nísia Floresta, as últimas viajantes mencionadas

não produziram relatos de viagem propriamente ditos.

As viagens de estudos ao exterior não eram comuns, mas começavam a

atrair mais fortemente as mulheres, segundo Mignot (2007) e tornaram-se uma

oportunidade de conhecer e se fazer conhecer.202 Dessa forma, a partir dos anos

1920 vamos encontrar mulheres brasileiras que viajaram subvencionadas por

governos e/ou instituições científicas ou por iniciativa própria. Entre as primeiras

destacamos Noemy da Silveira, Armanda Álvaro Alberto e Cecília Meireles. Noemy

da Silveira foi aos Estados Unidos estudar no Teachers College da Universidade de

Columbia, onde permaneceu por um semestre, retornando ao Brasil para atender ao

chamado de Lourenço Filho para a organização e instalação de um serviço de

Psicologia Educacional.203 Em 1931, Armanda Álvaro Alberto viajou ao Uruguai

199 DUARTE, Constância Lima. Narrativas de viagem de Nísia Floresta. Via Atlântica, n. 2, jul. 1999. p. 157. 200 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. p. 165. 201 Idem, p. 195. 202 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio, GONDRA, José Gonçalves. (orgs.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 250-252. 203 WARDE, Miriam Jorge. Estudantes brasileiros no Teachers College da Universidade de Columbia: do aprendizado da comparação. CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002. p. 11.

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integrando uma missão de intercâmbio cultural a convite de Belisário Penna, Ministro

da Educação do governo Vargas, onde realizou palestras e divulgou as reformas de

Carneiro Leão,204 Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Francisco Campos 205 e

Lourenço Filho. Quanto à segunda modalidade, encontramos a professora campista

Antônia Ribeiro de Castro Lopes206 que viajou com recursos próprios, em 1930, ao

Instituto Jean-Jacques Rousseau para participar de um curso e visitar escolas

européias.207

Cecília Meireles, em 1934, foi convidada pela poeta Fernanda de Castro,

esposa do Ministro da Propaganda, António Ferro,208 para uma série de

conferências literárias e pedagógicas que realizaria em Portugal, sob o patrocínio do

Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) daquele país. O convite fora recebido

em virtude da admiração que a sua obra literária produzira em Fernanda de Castro

aliada ao profundo conhecimento das questões educacionais, da experiência

pioneira que vinha sendo realizada no Distrito Federal e das boas relações que

possuía em quase todos os países do continente. Nelas não trataria apenas de

literatura, mas também de política, arte e pedagogia. Ao convite oficial,

encontravam-se aliados objetivos ligados aos seus laços familiares e afetivos já

mencionados: sua ascendência portuguesa e a do seu marido Correia Dias. Portugal

funcionava como um campo magnético209 para a jornalista e educadora. Lá não

204 Antônio Carneiro Leão (1887-1966) foi educador, professor, administrador e ensaísta. Carneiro Leão. Iniciou sua carreira no magistério universitário como professor de Filosofia na Universidade do Recife, de 1911 a 1914. Foi diretor geral da Instrução Pública no Rio de Janeiro (1922 a 1926); fundador da Escola Portugal, em setembro de 1924, e de escolas com os nomes das 20 repúblicas americanas, entre 1923 e 1926, no Rio de Janeiro. Autor da Reforma da Educação no Estado de Pernambuco em 1928; foi Secretário de Estado do Interior, Justiça e Educação do Estado de Pernambuco (1929-1930); diretor do Instituto de Pesquisas Educacionais (1934); criador e diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Pedagógicas da Universidade do Brasil. 205 Francisco Campos (1891-1968) político mineiro assumiu a direção do recém-criado Ministério da Educação e Saúde, no Governo Provisório que se seguiu à revolução, credenciado pela reforma que promovera no ensino de Minas Gerais. Em dezembro de 1935, o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, nomeou-o Secretário de Educação, em substituição a Anísio Teixeira, acusado de envolvimento com a Intentona Comunista. Nesse período, consolidou-se como um dos mais importantes ideólogos da direita no Brasil, desenvolvendo suas convicções liberais e contra os regimes antiliberais autoritários. 206 A professora Antônia Ribeiro de Castro Lopes formou-se em 1901, com 27 anos, pela Escola Normal Livre e iniciou sua docência em 1904, como regente interina da 11ª escola masculina da cidade de Campos e exerceu o cargo de Diretora da Escola Complementar Quinze de Novembro, na mesma cidade. Completou a sua formação em estágio no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em 1930. 207 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio, GONDRA, José Gonçalves. (orgs.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 250-251. 208 António Ferro (1895-1956) foi um poeta, jornalista e político português. Dirigiu a máquina de propaganda do regime do Estado Novo entre 1933 e 1949. Foi editor da revista Orpheu, foi jornalista nos jornais O Jornal, O Século e Diário de Notícias, dirigiu a revista Ilustração Portuguesa e fundou ainda a Revista Panorama. 209 Consultar: SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René. (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p. 247.

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encontraria apenas seus vínculos familiares, mas também os interlocutores com os

quais entretinha longas conversas epistolares e debatia, há algum tempo, os seus

temas de maior interesse no momento: literatura, educação e jornalismo. A bordo do

“Cuyabá”, um excelente transatlântico da linha da Europa, do Lloyd Brasileiro,210

segundo os editores do jornal A Nação, Cecília Meireles e Fernando Correia Dias

embarcaram na aventura que seriam os vinte e dois dias de mar até Portugal.

Ilustração 6. Os navios do Lloyd Brasileiro e a missão de estreitar os laços entre o Brasil e Portugal. Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1934. p. 5.

Nessa época, a grande maioria das viagens intercontinentais era marítima.

Somente a partir dos anos 1920 é que os primeiros aviões cruzaram os oceanos, e a

aviação para transporte de passageiros ganharia impulso a partir dos anos 1950. Já

em 1952, os aviões suplantariam as companhias marítimas, tanto que nesse ano

transportaram através do Atlântico Norte 433.000 passageiros, contra 842.000 dos

transatlânticos.211 As viagens aéreas, antes e depois da Segunda Guerra Mundial

(1939-1945), eram muito caras e acessíveis a poucos, fator que levava os

passageiros a optar pela viagem marítima. Com o final da guerra, as fábricas

210 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo – Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934. Rio de Janeiro, A Nação, 1934. p. 2. (escrito em 21 de setembro de 1934). 211 Disponível em: <http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=8755>

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deixaram de produzir aviões militares, direcionando a sua produção para a aviação

civil. Com uma velocidade superior à dos navios aliada à diminuição do tempo

despendido nas viagens e ao barateamento das passagens, os aviões se tornaram

mais atraentes aos passageiros, tanto assim que em 1957 o número de viajantes

transportados por via aérea suplantou o de viajantes dos transatlânticos.

Ilustração 7. O elegante perfil do “Cuyabá”. Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1934. p. 5. (Legenda transcrita do original).

Nessa época era bastante comum a publicidade em jornais e revistas

veiculadas pelas empresas proprietárias dos grandes transatlânticos que buscavam

atrair os viajantes comuns e também os ricos e famosos. Outra estratégia utilizada

eram os cartões postais212 dos navios (pinturas ou fotografias) que eram distribuídos

aos passageiros pelas armadoras e contribuíam para divulgar os navios e os

diferentes portos ao redor do mundo. Ao contratar o pintor, a armadora utilizava-se

de uma importante forma de mídia, de meio de comunicação, para propagar por

212 As companhias de navegação usavam assim, na escala comercial, o cartão-postal, que surgiu no Império Austro-Húngaro, em 1869, e que chegou ao Brasil em 1880, e tinha a mesma intenção dos cartões do Século X surgidos na China, como votos de felicidade, transformados pelo Renascimento em bilhetes de mensagens. Disponível em: <http://www.portogente.com.br>

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todos os continentes a imponência de seus transatlânticos.213 Mas nada se

comparava aos fotógrafos a bordo que eram responsáveis pelo registro fotográfico

dos passageiros importantes e famosos e das atrações ocorridas durante a viagem.

Companhias marítimas e personalidades viravam notícias nos grandes jornais e

revistas que informavam quem viajava a bordo de um dos seus navios, na

concorrida linha do Atlântico Norte.

As qualidades técnicas dos navios também eram alardeadas pela

propaganda: a velocidade do deslocamento, a segurança e os preços. Outras

qualidades visavam os passageiros das classes mais abastadas: a decoração, o

luxo das acomodações, a excepcionalidade dos serviços, a existência de aposentos

como salão de festas, restaurante e salão de chá e das atrações artísticas a bordo,

eram virtudes que conferiam distinção àqueles que embarcassem.

O “Cuyabá” não era um navio de luxo, mas oferecia boas acomodações

para os seus passageiros. Em suas crônicas Cecília destacava algumas impressões

sobre o navio: as acomodações, os passageiros, a tripulação e os serviços de bordo,

como na primeira delas em que descreveu o impacto que teve ao embarcar:

Foi assim que olhei para o “Cuyabá” (o chofer dissera-me: oh! o “Coiabada”, sim, senhor, estão naquele armazém ali...”) como se de cá de baixo lhe perguntasse: “Então, camarada, és mesmo assim como te imaginam os outros, ou como eu acredito que podes ser?” E o pobre, soprando um bocadinho pela chaminé em descanso, murmurou com uma voz longínqua aprendida nas solidões do mar alto: - D. Cecília, nós não somos tão ruins assim. Isso é história, invenção, conversa de gente sem assunto, que fala por ouvir dizer. Mas a senhora, que não mente, diretora de um Centro de Cultura Infantil, jornalista, poetisa – e, além disso, pessoa de bom coração, venha ver-me de perto e mande dizer aos seus amigos que nós somos uns infelizes caluniados... – porque eu lhe falo por mim e pelos meus irmãos. Nesse ponto, a voz do “Cuyabá” se enterneceu e sumiu pela chaminé a dentro. Encaminhei-me para a escada e comecei a subir. O carregador pessimista também fazia considerações ameaçadoras sobre a minha bagagem: que as malas não passavam pela porta da cabine, que esta iria no porão, que aquela iria não sei para onde, - até que,

213 Os cartões-postais que as companhias de navegação usavam na escala comercial ficaram famosos em todo o mundo e hoje são muito disputados pelos colecionadores. Um desses pintores famosos, Kenneth Shoesmith, era o pintor oficial da Royal Mail Line, uma das maiores e mais conceituadas armadoras britânicas. Shoesmith viajou por todos os mares nos navios da companhia e foi responsável por dezenas de trabalhos que retratam as cidades de Santos e Rio de Janeiro, realizados no início do século XX. Outros pintores famosos: John H. Fry, Roger Chapelet, Charles Dixon, Jack Spurling e Richard Oliver. Ver: GIRAUD, Laire José, SILVARES, José Carlos. Pintor retratou navios para cartões-postais. Texto publicado em 31/10/2006. Disponível em: <http://www.mirantemultimodal.com.br/cgi-bin/interno.cgi?tipo=memoria&lugar=524>

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entre tanta gente difícil, o comissário de bordo me aparece com uma fisionomia de salvação. As pessoas que me disseram mal do Lloyd vão morder os lábios perplexas, resmungando: “Mas então, é que ela tem mesmo muita sorte!” Só se é... – porque juro que o comissário resolveu tudo, suando e sorrindo, e até o carregador ficou olhando para a ponta do nariz com cara de bobo.214

Antes de iniciar a travessia, o “Cuyabá” foi ancorando em algumas cidades

da costa brasileira para embarque e desembarque de passageiros em Vitória,

Salvador e Recife; para receber uma carga de cacau na Bahia; outra de carvão em

Recife e animais destinados a um zoológico europeu: aves, cobras e macaquinhos

brasileiros.

O “Cuyabá” ficou todo fechado para não ser invadido pelo pó; felizmente, está fresca a noite e, além disso, os ventiladores das cabines funcionam bem. A noite inteira se ouve, o rugido áspero das pás, acompanhado de vozes grossas que dão ritmo ao trabalho: “Oh!... ê... ô”...” Às vezes são frases inteiras que os trabalhadores atiram uns aos outros, mas que a distância absorve como água caindo num mata-borrão. Dormimos no porto, embalados por essa tarefa noturna. O navio nem oscila. Custa a crer que se esteja sobre a água. Através das vigias, sente-se a palpitação do céu todo estrelado e quase se percebe, rente ao vidro, o sopro da noite fresca diluindo-se.215

Cecília descreveu, atenta, o cotidiano do navio: os passageiros, os jogos, a

música a bordo e a piscina montada para a diversão dos passageiros da primeira

classe. Das cidades portuárias em que o navio atraca destacou o casario, os

costumes, as compras, os restaurantes e cinemas que freqüentam nas poucas

horas que permanecem em terra firme. A viajante não apontou somente o que

gostou, o que a impressionou e fascinou, mas também o que a descontentou

naquele seu primeiro contato com as cidades portuárias brasileiras:

Subo as escadas a correr, e encontro um verdadeiro jardim pousado no mar. O porto de Vitória é como uma porção de canteiros, todos arredondados, dispostos em ordem, dir-se-ia que propositalmente para receber os forasteiros. Num deles, o Convento da Penha exibe a

214 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo (Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934). A Nação, Rio de Janeiro, 1934. p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 21 de setembro de 1934). 215 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 27/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 26 de setembro de 1934).

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sua famosa edificação. A mim o que me desagrada, nesse conjunto tão interessante, são os anúncios pintados nos rochedos, transformando a nossa natureza em artigos comerciais. (...)A cidade é ainda nascente; mas o seu crescimento é sensível: em tudo há uma palpitação acelerada, um ritmo de juventude que impressiona.216

Não há dúvida que a moqueca me fez mal, - que este peso na cabeça, que esta indisposição geral vem daí, daquela casa, daquela mesa, daquele prato de farofa com dendê e daquela tigelinha de pimenta cruel. É certo, positivo, indiscutível. Mas nem isso me dá aborrecimento contra a cidade deliciosa, cujo colorido não sai dos meus olhos, cujo sossego balança o meu coração. Terra hospitaleira, a Bahia, que reafirma a alegria de se ser brasileiro com o particular e justo entusiasmo de se ser baiano. É verdade que todos os moços parecem preparados para pronunciar um discurso, e os caixeiros das lojas sejam todos de uma copiosa eloqüência: mas os ares são assim, leves e calmos. Tem-se vontade de falar e fazer gestos. E todos falam cantando, subindo e descendo com a voz, como se brincassem com a gente. Bahia linda! Só de uma coisa não gostei em ti: esta quantidade de charutos que encontrei por todos os lados. Acredito que sejam expendidos, pois que os chupas com tamanha delícia. Mas não tenho culpa de ficar tonta com o seu cheiro, e de sentir, com uma simples baforada de passagem, o que sentem os viajantes do “Cuyabá” quando o tempo vai virando e o navio começa a dançar.217

Crepúsculo. Recife. Foge o sol justamente quando o prático, pela escada de corda, galga o “Cuyabá”. Tudo parece recortado em prata de vários tons: o perfil da terra, os guindastes, o quebra-mar, as inúmeras embarcações que se balançam no porto. E enquanto o navio toma posição e lentamente se aproxima do cais, acaba de escurecer completamente, e, sobre o perfil escuro da cidade os focos elétricos distribuem suas constelações. (... ) Recife é uma cidade plana, toda recortada de fontes, como Veneza. Pena é que nas suas águas não se balance nenhuma embarcação, nesta linda noite de suave temperatura, com um belo céu estrelado e um silêncio reparador. (...) Para quem vem do Rio de Janeiro, as ruas de Recife parecem todas muitos sombrias e pedregosas. Algumas calçadas são revestidas de não sei que espécie de lajes, cujas arestas obrigam o paciente a andar olhando para os pés.218

E ainda:

216 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934. (sem data). p. 2. “Suplemento Literário”. 217 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 04/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 25/09/1934). 218 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 27/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 26 de setembro de 1934).

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A madrugada no porto de Recife parece uma pintura. Uma pintura de vidro. O céu todo enfeitado de púrpura, de carmim, de dourado e de verde. O mar com barras de vários tons, que deslizam da esmeralda à safira com todas as gradações e a transparência das pedras preciosas. A abundancia de embarcações, e as sua variedade sugere-me visões de portos do Mediterrâneo. A água ondula com uma deliciosa graça. O vento do amanhecer vai-se encostando em cada coisa e rindo.219

Em outros momentos se lembrava do seu trabalho, revelando as saudades

que sentia dos leitorezinhos do Centro de Cultura Infantil, apaixonados por assuntos

rocambolescos.220 Em Recife, foi aos correios e telégrafos postar a correspondência

para o jornal A Nação, escrever cartas aos parentes, amigos e conhecidos e

aproveitou para procurar postais da cidade tentando encontrar um com o

monumento de Joaquim Nabuco, pensando no Centro de Cultura e no

enriquecimento do seu arquivo. Infelizmente, cansei-me de romper as faixas das

coleções, sem conseguir o que queria.221 A intelectual que a todo o momento se

lembrava do trabalho que desenvolvia na biblioteca jamais poderia imaginar que

depois de três anos aconteceria o seu fechamento, baseado na acusação de haver

em seu acervo um livro de conotações comunistas.222

Em todas as oportunidades Cecília procurou fazer contatos com os colegas

jornalistas. Foi assim em Vitória, quando ela e Correia Dias estiveram na redação de

“O Estado” e, na companhia de seu diretor, viu trabalharem os colegas capixabas,

que ainda compunham à mão com uma serenidade absoluta e uma rapidez

incrível;223 em Salvador, encontraram-se na redação do Diário de Notícias com o Sr.

Altamiro Requião, que trouxe maiores informações sobre a política baiana.

Dias depois, subiu a bordo um jornalista pernambucano: quase um menino,

que denotava viva inteligência e andava a par das novidades do Rio de Janeiro e

219 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 220 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo – Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934. Rio de Janeiro, A Nação, 1934. p. 2. (escrito em 21 de setembro de 1934). 221 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 222 O Centro de Cultura Infantil foi fechado pelo interventor do Distrito Federal em 19 de outubro de 1937. O Pavilhão Mourisco, que abrigou a Biblioteca Infantil de 1934 a 1937, transformou-se num posto de coleta de impostos, ficou abandonado por vários anos até ser totalmente demolido em 1952. O acervo foi doado para a Escola Minas Gerais, na Urca, Rio de Janeiro. Sobre o fechamento da biblioteca, consultar: PIMENTA, Jussara S. Leitura e encantamento: a biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco. In: NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 105-119. 223 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934. (sem data). p. 2. “Suplemento Literário”.

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conhecia os artigos de Cecília sobre educação, nos tempos em que ela assinava

apenas C.M. e recebia cartas de longe dando-lhe um tratamento masculino.224

Ilustração 8. Vitória, no Espírito Santo, primeira cidade onde o navio fez escala. Bico de pena de Correia Dias, ilustra crônica sem data, publicada no jornal A Nação em 28 de outubro de 1934 (data presumida).

Por fim, o jovem pede um poema para o seu jornal. E ainda a essa hora da

noite o Correia Dias, para não perder seus hábitos de “A Nação”, resolve completá-

lo com uma ilustração, que termina no momento em que o navio tem de deixar o

cais.225 Durante os dias que passou a bordo, Cecília Meireles se preocupava em

redigir as suas crônicas, sentada no tombadilho:

Tento ler, mas não posso. O surdo rumor das máquinas, o chiar das ondas, a conversa dos passageiros – tudo são pequenos motivos que me perturbam a atenção: acostumada ao sossego perfeito da minha rua tranqüila. Então ponho-me a inventar divertimentos ingênuos: jogaremos cartas, ou damas, ou qualquer coisa... Em ultimo caso, os quatro cantos ou a cabra-cega...226

Cecília registrou em várias crônicas o trabalho desenvolvido por Correia

Dias durante a travessia. Segunda ela, o pintor instalou um verdadeiro atelier de

pintura no tombadilho e produziu incansavelmente dezenas de ilustrações durante

224 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 225 Idem, ibidem. 226 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 22/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 23/09/1934).

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os 22 dias que permaneceu a bordo do “Cuyabá”. Foram selecionadas e publicadas

36 imagens no Suplemento Literário do jornal A Nação que ilustraram as 22

crônicas escritas por Cecília Meireles. Destas, só não foram encontradas as

ilustrações referentes ao dia 25 de setembro de 1934. Nas demais crônicas

podemos encontrar, muitas vezes, até mais de dois desenhos, como por exemplo,

na crônica do dia 24 de setembro (três desenhos).227

Ilustração 9. Marinha – Recife, Pernambuco, terceira cidade onde o navio fez escala. Bico de pena de Correia Dias ilustra crônica do dia 29 de setembro de 1934, publicada no jornal A Nação em 18 de novembro de 1934

(data presumida).

Em bicos de pena, impressionantes pela riqueza de detalhes aliados à

simplicidade dos traços, Correia Dias retratou alguns dos passageiros como os

amigos Wolkowyski e Amélia Borges Rodrigues; cenas do cotidiano do “Cuyabá”;

paisagens das cidades em que o navio atracou e paisagens avistadas do navio;

pintou a si mesmo e à Cecília Meireles, além de ilustrar algumas das conversas e

assuntos que Cecília tratava em suas crônicas.

Correia Dias era considerado à época um soberbo decorador.228 A

qualidade e a originalidade do seu trabalho garantiam, segundo Gomes (1999), um

diferencial à revista Terra de Sol, onde podia-se ver

227 Encontra-se nos Anexos deste trabalho um quadro com informações sobre número e data dessas ilustrações. 228 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 50.

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(...) muitas de suas belas ilustrações, bem como alguns dos trabalhos que ele realizou para o livro de sua mulher, Cecília Meireles: ‘Criança, meu Amor’. As páginas da revista são frequentemente guarnecidas por barras e desenhos que exploram motivos de nossa flora e fauna – onças, tucanos, borboletas e beija-flores – e que se servem da arte marajoara, então uma das fontes de inspiração para um estilo nacional na arquitetura e nas artes plásticas.229

O escultor, pintor e miniaturista português Fernando Correia Dias nasceu

em Moledo da Penajóia, conselho de Lamego e distrito de Viseu em 1892230 e

faleceu em 1935.

Ilustração 10. Pois nesse ambiente inquieto, só de céu e de mar, igualmente sombrios, Correia Dias pinta a óleo, todas as taboinhas de caixa de charuto que há a bordo, convertendo em cavalete uma destas cadeiras do

convés... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 22 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 21 de outubro de 1934. (legenda transcrita do original).

229 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 51. 230 Não se verifica consenso quanto à sua data de nascimento. José-Augusto França refere 1892, Paulo Herkenhoff, 1893, e José E. Mindlin, 1896. Optou-se pela data mais recuada. Como se constata pelo comentário de Alexandre Carlos Teixeira, neto de Correia Dias, confirma-se 1892 como ano do seu nascimento. Disponível em: <http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/33123.html>

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Correia Dias estudou em Coimbra e foi editor artístico da revista Rajada

Revista de Crítica, Arte e Letras, entre março a junho de 1912231 ao lado de Afonso

Duarte, responsável pela direção literária e de colaboradores como Jaime Cortesão,

Manuel Laranjeira232 e Almada Negreiros entre tantos outros.

Correia Dias foi responsável por algumas ilustrações na primeira série da

revista A Águia, de propriedade de Álvaro Pinto, onde compareceu no terceiro

número e nos números 4, 5 e 6 mas não nos números 7, 8, 9 e 10. Retornou à

revista na segunda série, já como responsável pela capa e por centenas de

desenhos, onde se destacam os seus famosos capitulares. Em março do ano de

1914 expôs caricaturas e cerâmicas no Salão da Ilustração Portuguesa, em Lisboa.

De acordo com Virgílio Correia, Correia Dias era o mais fino, equilibrado e inteligente

artista que, ao contrário de outros caricaturistas, como Bordalo, imprimia às suas

obras um cunho de delicadeza e transparência.233

A exposição reunia autocaricaturas, quadros, iluminuras, projetos de

azulejo, esculturas e duas ânforas ornamentadas. Entre os caricaturados234

figuravam intelectuais como Álvaro Pinto, João de Barros, Nuno Simões,235 Jaime

Cortesão, Guerra Junqueiro,236 Teixeira de Pascoaes,237 Mário Beirão,238 Augusto

Casimiro,239 Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra240 e Afonso Duarte. A produção

artística de Correia Dias era decerto a melhor obra do gênero, escreveu Virgílio

Correia241 na revista A Águia de março de 1914:

231 Foi publicado um número especial, posterior, consagrado à actriz siciliana Mimi Aguglia (1884-1970). Disponível em: <http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/33123.html> 232 Manuel Laranjeira (1877-1912), escritor português. Dedicou-se à poesia e ao teatro, colaborando em diversas publicações periódicas, como a Revista Nova, A Arte, A Voz Pública e O Norte, assinando crónicas sobre política, crítica social, religião, literatura e outras artes, medicina, filosofia ou educação. 233 CORREIA, Virgílio. A exposição Correia Dias. Porto, A Águia (2ª série), v. V, janeiro a junho de 1914. p. 121-124. 234 Intelectuais portugueses vinculados à Renascença Portuguesa e à revista A Águia. 235 Nuno Simões fundou, juntamente com Afonso Duarte, a revista Rajada, em 1912. 236 Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850–1923) formado em direito pela Universidade de Coimbra foi político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Um dos poetas mais populares da sua época e o mais típico representante da chamada “Escola Nova”. Poeta panfletário, ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República. 237 Teixeira de Pascoaes, pseudônimo literário de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, (1877-1952), poeta e escritor português, principal representante do Saudosismo. 238 Mário Pires Gomes Beirão (1890-1965) foi um poeta português. 239 Augusto Casimiro dos Santos (1889-1967), poeta, memorialista, jornalista e comentarista político português e destacado opositor republicano ao regime político do Estado Novo. Fez parte do grupo que fundou a Renascença Portuguesa (1912) e, dez anos mais tarde, do grupo de intelectuais que lançou a revista Seara Nova, que dirigiu entre 1961 e 1967. 240 José Leonardo Coimbra (1883-1936) filósofo, professor e político português. Um dos fundadores do movimento Renascença Portuguesa. 241 Jornalista português, trabalhou na revista A Águia.

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Correia Dias segue a regra geral. Tudo na sua arte é ligeiro, transparente. Até quando magoa o faz com elegância, com linha, sem descompor as figuras em contorcionamentos borrachos de indivíduos alçados sobre botas de palmilhas bocejantes. Não. Ele é um artista correto de cujas mãos todas as personagens podem ser transportadas para o friso de uma sala, para o debrum de um manto ou orla de túnica. A sua arte é de decorador, de um delicadíssimo decorador que compreendesse e quisesse seguir, combinando-os, os coloridos de Tiepolo, a sobriedade elegante de linhas de Douris e a maravilhosa minuciosidade de Jean Pucelle, iluminador. Quem percorre a exposição, seguindo aquela série de quase cem trabalhos, notará facilmente uma acentuada diversidade de processos e traços. O lápis do artista forragea um pouco por toda a parte onde o ironista sentimental encontra assunto, liberto e ignorante de escolas. (...) Correia Dias tem além disso, quanto a mim, a grande qualidade de apreender em cada coisa o que ela tem de original, por vezes obscuramente artístico, e de o apresentar como uma revelação. (...) A Renascença Portuguesa, que já deve a Correia Dias a capa da ‘Águia’ é lembrada e exaltada em diversos pontos e em especial na caricatura de Teixeira de Pascoes e na ‘Ânfora do Saudosismo’. (...) Correia Dias vai para o Brasil expor os seus trabalhos, tentar aplicar as suas aptidões de artista decorador. Que a fortuna lhe não faça esquecer que além de tudo mais a Etnografia portuguesa espera o seu concurso como ilustrador, porque outro não há que compreenda e sinta tão fundamente o que de amorável, de poético e artístico há em todos os regionalismos e coisas populares de Portugal.242

Pouco depois dessa exposição em Lisboa, Fernando Correia Dias viajou

para o Rio de Janeiro, em abril de 1914, para participar de uma exposição de

trabalhos seus, que foi realizada na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de

Janeiro. Casou-se com Cecília Meireles em 24 de outubro de 1922, na Matriz de

São João Batista, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Aqui chegando fez importantes

contatos e passou a colaborar nos jornais brasileiros Diário de Notícias e O País e

nas revistas Fon-Fon! e Revista da Semana. Também dirigiu uma oficina tipográfica,

a Apolo, de Belisário Vieira da Cunha,243 com quem instalou um atelier.244 Ao lado

de Álvaro Pinto participou da fase brasileira da A Águia e da editora Anuário do

242 CORREIA, Virgílio. A exposição Correia Dias. Porto, A Águia (2ª série), v. V, janeiro a junho de 1914. p. 121-124. 243 Em 1912, o jornalista. escritor e caricaturista Antônio Belisário Vieira da Cunha transferiu-se para o Rio de Janeiro, ligando-se a Carlos Drummond de Andrade, com quem trabalhou na Biblioteca Nacional, na seção da Enciclopédia Brasileira, do Instituto Nacional do Livro. Assinava seus “portait-charges” com os nomes de Belisário, V. da Cunha, A. Vieira ou V., os quais foram apresentados em vários órgãos da imprensa: A Tribuna, A Manhã, O Dia, Gazeta de Notícias, Diário de Notícias, A Nação, A Rajada, D. Quixote. Atuou também como crítico de arte, sendo seu trabalho mais conhecido o ensaio O Nacionalismo na Arte. 244 Consultar: MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 14.

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Brasil,245 onde ilustrou e foi responsável pelas capas de inúmeros livros de escritores

brasileiros, entre eles Cecília Meireles, como Nunca mais... e Poema dos Poemas,246

Baladas para El-Rei247 e Criança, meu Amor.248

Ilustrou as revistas Árvore Nova e Terra de Sol, Festa (1ª e 2ª Fases),

destacando-se pelo seu apurado senso estético. Entre os seus trabalhos mais

importantes dedicados à obra educacional brasileira podemos apontar a sua

colaboração na “Página de Educação” e na “Página das Crianças”, do Diário de

Notícias, entre 1930 e 1933. Em 1934 organizou e decorou a biblioteca do Pavilhão

Mourisco ao lado de Cecília Meireles, onde compôs um cenário das “Mil e Uma

Noites”. A decoração surpreendente da sala de leitura, da sala de música e de

cinema que reproduzia o fundo do mar, proporcionava aos freqüentadores uma

atmosfera de encantamento e fantasia e era o que mais despertou a admiração de

quantos visitaram a biblioteca.249 Em 1934, seguia em direção a Portugal ilustrando

o dia-a-dia do navio e as crônicas de viagem, enquanto Cecília deixava-se levar pelo

balanço do “Cuyabá”. Depois da longa travessia, Lisboa surgiria das águas:

Já não teremos nenhum porto brasileiro onde estacionar. Principio a sentir este desprendimento da terra que vai formando a saudade, tênue alimento da distância. Principio a ficar nesse estado de lirismo que os leitores já estão sentindo ai na frase anterior. Não serve para nada. Mas que se há de fazer? Vai-se indo, pela noite, apenas...250 E lá na proa, lá no ponto em que o mar se divide para deixar passar o corpo audacioso dos navios, ficamos a olhar para as vagas e para o vento, para a luz e para o céu – para esta vida larga do oceano que apaga todas as saudades da terra, que desmancha todas as pequenas tristezas diárias, e imprime no espírito a ambição de um grande sonho

245 PINTO, Álvaro. Páginas de Memórias. Quando “A Águia” foi para o Brasil. Ocidente – Revista Portuguesa Mensal, Lisboa, v. XX, n. 61, maio, 1943. p.61-64. 246 MEIRELES, Cecília. Nunca mais... e poemas dos poemas. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1923. 247 MEIRELES, Cecília. Baladas para El-Rei. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira Lux, 1925. 248 Ao lado de literatos como João de Barros, João do Rio, Carlos Malheiro, Ronald de Carvalho e José Osório de Oliveira, Correia Dias é apontado por Saraiva (1986) como um dos intelectuais que se distinguiram no campo da aproximação (...) entre Brasil e Portugal no decurso da segunda e terceira décadas do século XX. Consultar: SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e o modernismo português. Subsídios para o seu estudo e para a história das suas relações. Porto : [s.n. ], 1986. p. 92-96. 249 Sobre a decoração da biblioteca infantil consultar: PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 96-97. 250 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934).

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para além do mundo e dos homens, superior a todas as fragilidades mortais.251

1.2. A viajante, as representações e os sentidos da viagem

“Eu só viajo em grandes transatlânticos” – dizia-me alguém de vez em quando – porque nesses barcos pequenos se enjoa muito... é uma coisa horrível... chega-se ao fim da viagem quase morta”... Pode ser. Mas eu acho que essa gente já é enjoada por natureza. Pois eu, que não sou nem mais nem menos que ninguém, e que nunca viajei por mar senão do Rio a Niterói, já vou no segundo dia de viagem e ainda não experimentei coisa nenhuma desagradável nesse sentido.

“Diário de Bordo”, 21/09/1934.252

O “Diário de Bordo” permite refletir sobre as representações encontradas ao

longo dessa narrativa de viagem e permite identificar as formas como Cecília

Meireles percebia a si mesma e o outro, bem como os acontecimentos vivenciados

ao longo da travessia. A iniciativa de utilizar o texto do “Diário de Bordo” em busca

das representações de Cecília naquele contexto parte da compreensão de que todo

o texto traz subjacentes os valores do autor e do seu mundo cultural, uma vez que

um indivíduo integrado ao contexto sócio-cultural é detentor de dimensões que

podem originar as diversas representações presentes na obra: intelectual, artística,

educativa, gênero, econômica, etc.

As “representações” do mundo social embora aspirem à universalidade de

um diagnóstico fundado na razão, segundo Chartier (1990), são sempre

determinadas pelos interesses dos grupos que as elaboram, ou seja, aquelas que os

grupos modelam a respeito de si próprios ou dos outros. Para o autor, os discursos

não são neutros, uma vez que têm origem nas percepções do social produzindo

estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma

autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto

251 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 10/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 11 de outubro de 1934). 252 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo (Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934). A Nação, Rio de Janeiro, 1934. p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 21 de setembro de 1934).

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reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e

condutas.253

As representações inserem-se, portanto, em um campo de concorrências e

de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação,

dando origem às “lutas de representações”254 que são tão importantes, conforme o

autor, como as lutas econômicas para a compreensão dos mecanismos pelos quais

um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os seus valores

e o seu domínio.255

Como um sujeito produtor e receptor de cultura Cecília Meireles inscreve em

sua obra os usos e costumes da sociedade do seu tempo e o faz, de acordo com

Chartier (1990) entre práticas e representações. Em uma crônica intitulada “Ainda os

museus”,256 de 1952, Cecília afirmava que tudo quanto tinha aprendido, se é que

tinha aprendido, representava uma silenciosa conversa entre os seus olhos e os

253 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel / Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Coleção Memória e Sociedade, 1990. p. 17. A contribuição decisiva de Roger Chartier para a História Cultural, de acordo com Barros (2005), está na elaboração das noções complementares de “práticas” e “representações”. De acordo com este horizonte teórico, a Cultura (ou as diversas formações culturais) poderia ser examinada no âmbito produzido pela relação interativa entre estes dois pólos. Tanto os objetos culturais seriam produzidos “entre práticas e representações”, como os sujeitos produtores e receptores de cultura circulariam entre estes dois pólos, que de certo modo corresponderiam respectivamente aos ‘modos de fazer’ e aos ‘modos de ver’. Os “modos de fazer” ou “práticas culturais” podem ser compreendidos não apenas em relação às instâncias oficiais de produção cultural, às instituições várias, às técnicas e às realizações, mas também em relação aos usos e costumes que caracterizam a sociedade examinada pelo historiador. A elaboração de um livro, uma técnica artística ou uma modalidade de ensino, bem como os modos como em uma dada sociedade os homens falam e se calam, comem e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros, são alguns exemplos de “práticas culturais”, na perspectiva apontada por Chartier (1990). Os “modos de fazer” ou “práticas culturais” são produzidos por seres humanos em contínua relação com os outros e com o mundo e abrangem tanto as “práticas discursivas” como as “práticas não-discursivas”. Quanto aos “modos de ver” ou “representações” envolvem tanto as representações produzidas no nível individual (as representações artísticas, por exemplo), como as representações coletivas, os modos de pensar e de sentir. Outra importante contribuição de Chartier (1990) é o conceito de “apropriação”. De acordo com Barros (2005), as lutas de “representações” dão origem às inúmeras ‘apropriações’ possíveis das representações, de acordo com os interesses sociais, com as imposições e resistências políticas, com as motivações e necessidades que se confrontam no mundo humano. (...) O modelo cultural de Chartier, conforme daqui se depreende, é claramente atravessado pela noção de “poder” (o que, de certa forma, faz dele também um modelo de História Política). (...) “Apropriação”, conjuntamente com as noções de “representação” e de “prática”, constitui precisamente a terceira noção fundamental que conforma a perspectiva de História Cultural desenvolvida por Roger Chartier – esta perspectiva que, nos dizeres do próprio historiador francês, procura compreender as práticas que constroem o mundo como representação. Vista desta maneira, a História Cultural definida pela corrente historiográfica na qual se insere Roger Chartier, está precisamente atenta às influências recíprocas entre práticas e representações, e à apropriação destas com vistas a encaminhamentos sociais e políticos. BARROS, José D’Assunção. A história cultural francesa – caminhos de investigação. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Out./Nov./Dez. 2005. v. 2, ano II, nº 4. p. 16. 254 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel / Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Coleção Memória e Sociedade, 1990. p. 17. 255 Idem, ibidem. 256 MEIRELES, Cecília. Ainda os museus. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 291-293.

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vários assuntos que se colocaram diante deles, ou diante dos quais eles se

colocaram. Esse aprendizado resultava das inúmeras viagens que pudera fazer até

aquela data. Para a educadora, as viagens eram uma outra forma de meditar. A

viagem como temática perpassa toda a sua obra: tanto a poesia quanto a prosa.

Está presente inclusive em suas “Crônicas de Educação”, como por exemplo, em

“Educação e turismo”,257 “A propósito de colônias de férias”,258 “Intercâmbio, folclore

e turismo”259 e “Embaixada de crianças”,260 entre tantas outras.

Cecília não era só alguém que tinha fascínio pelas viagens, era uma

incentivadora, acreditava no poder que as viagens têm em trazer mudanças

interiores para quem as empreende. Os vínculos entre educação e viagem, se não

podiam se efetivar na prática, da forma convencional, podiam realizar-se de forma

alternativa. É o que ela apresenta na crônica “Concursos de Beleza”,261 onde mostra

que é possível fazer as crianças viajarem e se interessarem por outros povos e

continentes a partir de estratégias impensadas pela maioria dos educadores. Os

concursos, dizia, eram uma excelente forma de ensinar história e geografia,

solidariedade e patriotismo, colocando a criança em contato com o mundo:

É mais fácil fazer a criança gostar de qualquer país através da moça bonita que ela pode ver, sentir, acompanhar com o seu interesse, que através desses monótonos mapas lustrosos ou rotos que, à passagem do vento, ondulam nas paredes, batendo, melancolicamente, a barra de madeira preta de encontro a ela, com um rumor surdo de coisa inútil.262

Na crônica intitulada “Educação e turismo”,263 de 25 de setembro de 1941,

publicada no jornal A Manhã, Cecília afirmava que o viajante, vai em busca de

alguma coisa diferente, que estimule a sua sensibilidade, que dê novas perspectivas

ao seu espírito e que explique, de outra maneira, o mundo e os seus habitantes; e

257 MEIRELES, Cecília. Educação e turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 91-93. 258 MEIRELES, Cecília. A propósito de colônias de férias. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 103-106. 259 MEIRELES, Cecília. Intercâmbio, folclore e turismo, etc. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 99-102. 260 MEIRELES, Cecília. Embaixada de crianças. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 155-158. 261 MEIRELES, Cecília. Concursos de beleza. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 23/08/30. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 2001. p.147-148. 262 MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v. 1, 1998. 147-148. 263 MEIRELES, Cecília. Educação e turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 91-93.

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se não vai seduzido pelas realizações humanas, irá procurar em formas diversas da

própria natureza surpresas que lhe faltam, ou compensações de beleza, de

harmonia, de paz.264

Ilustração 11. Passageiras na amurada do navio, “descobrindo” a Ilha de Boa Viagem. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 5 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 (data presumida).

Suas crônicas de viagem, publicadas entre 1944 e 1963 em jornais como o

Diário de Notícias, A Manhã, Folha Carioca265 do Rio de Janeiro e Jornal de

Notícias, Correio Paulistano e Folha de São Paulo, de São Paulo, explicitam o

estímulo que as viagens proporcionaram à sua sensibilidade, as novas perspectivas

oferecidas ao seu espírito, que fizeram com que pudesse explicar, de outra maneira,

o mundo e os seus habitantes. A temática que surge de maneira ainda embrionária

nas “Crônicas de Educação” do Diário de Notícias torna-se mais consistente e

vigorosa em seus livros e, em prosa e verso, são fartas as alusões a navios,

naufrágios, sereias, ilhas e ondas. Suas reflexões nos fazem viajar com ela: juntos

tomamos o trem, entramos pelos palácios e catedrais, nos emocionamos com a

descrição da paisagem entrevista da sua janela e com a chuva que cai e forma

poças pelas calçadas. Os comentários que tece explicitam o estímulo que as

viagens proporcionaram à sua sensibilidade, as novas perspectivas oferecidas ao 264 MEIRELES, Cecília. “Educação e turismo”. Rio de Janeiro, A Manhã, 25 de setembro de 1941. 265 As crônicas “Rumo: Sul”, de I a XXV, foram publicadas pelo jornal Folha Carioca entre junho e outubro de 1944.

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seu espírito, que fizeram com que pudesse explicar, de outra maneira, o mundo e os

seus habitantes.

Assim, nada mais natural que fossemos buscar também no “Diário de

Bordo”, a sua narrativa de viagem, as considerações que Cecília faz a respeito do

tema. Interrogando o “Diário de Bordo” procuramos sinais para entender quais foram

os sentidos da sua viagem a Portugal, ou seja, buscamos respostas para algumas

questões e estas puderam nos fornecer pistas suficientes para entender as

representações da intelectual, educadora e jornalista a respeito da viagem. De que

forma ela transmitiu as suas impressões – a travessia, o navio e a tripulação, os

passageiros, as cidades onde o navio fez escala, o lazer e o ambiente de bordo –

aos seus leitores do jornal A Nação.

Que relações de amizade estabeleceu durante a travessia e nas escalas do

navio em diversas cidades costeiras do Brasil? Como Cecília revelou o outro que

encontrou durante a viagem? Quem e que tipo de situações deram origem aos seus

comentários? Estas e outras questões oferecem pistas para entender como Cecília

viu o viajante e qual o significado da viagem para a educadora.

Podemos conceber o relato do “Diário de Bordo” como uma “prática

cultural”, na perspectiva apontada por Chartier (1990), um locus privilegiado onde

encontramos muitas das concepções que povoaram o universo da educadora.

Concepções que revelam o seu mundo cultural e as representações que a viajante

tinha de si, do outro e do mundo, neste caso específico, o cotidiano do navio e os

seus passageiros. Ao narrar a sua experiência de viagem Cecília marca a sua

presença no cenário cultural em um determinado tempo e espaço e devemos estar

atentos para o fato de que como todos os outros, o seu relato é intencional, por mais

rico e original que este seja. Vale lembrar, como sugere Miceli (1994) que os relatos

não são a totalidade das experiências vivenciadas pelos viajantes mas contém

apenas vestígios selecionados para compor seus lances mais notáveis e

marcantes.266

No “Diário de Bordo” estão registradas tanto as práticas culturais de Cecília

e dos passageiros do navio como as representações que a educadora tem desse

universo cultural em particular e que permeavam o seu horizonte intelectual.

Partindo-se do princípio que os livros, como qualquer outra produção artística, de

266 MICELI, Paulo. O ponto onde estamos: viagens e viajantes na história da expansão e da conquista. São Paulo: Página Aberta, 1994. p. 37.

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certa forma espelham o mundo interior e exterior de quem o escreve, mesmo

quando tratam de ficção, podemos encontrar ao longo de toda a produção intelectual

de Cecília as suas representações sobre as mais diversas temáticas.

Ao utilizar as narrativas de viagem como fonte documental, Pimentel (1998)

constatou que uma preocupação recorrente nos relatos dos viajantes estudados é

que estes não querem ser confundidos com os turistas e procuram deixar bem

visíveis essas diferenças. Segundo a autora, uma coisa é ser turista, outra é ser

viajante. Essa é a impressão que nos fica dos relatos daqueles que viajam e

insistem em marcar as suas diferenças em relação aos que fazem turismo.267 Os

turistas são vistos como viajantes desinformados, sem tempo, e conseqüentemente,

sem atenção ao que vêem. Sendo assim, bastante natural que o viajante não queira

ser confundido como turista, pois ele se atribui um status diferente, pois são

diferenciados a sua formação, os seus objetivos e o seu olhar, entre outros atributos

que eles possuem e que os turistas jamais serão possuidores. Em uma crônica

intitulada “Roma, turistas e viajantes”, de 1953, Cecília Meireles parece querer

assinalar, definitivamente, as diferenças existentes entre turistas e viajantes:

Grande é a diferença entre o turista e o viajante. O primeiro é uma criatura feliz, que parte por este mundo com a sua máquina fotográfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabulário entre os dentes: seu destino é caminhar pela superfície das coisas, como do mundo, com a curiosidade suficiente para passar de um ponto a outro, olhando o que lhe apontam, comprando o que lhe agrada, expedindo muitos postais, tudo com uma agradável fluidez, sem apego nem compromisso, uma vez que já sabe, por experiência, que há sempre uma paisagem por detrás da outra, e o dia seguinte lhe dará tantas surpresas quanto a véspera. O viajante é criatura menos feliz, de movimentos mais vagarosos, todo enredado em afetos, querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo, amar loucamente cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas às mais sublimadas almas do passado, do presente e até do futuro – um futuro que nem conhecerá.268

E, finalmente,

O turista feliz já está em sua casa, com fotografias por todos os lados, listas de preços, pechinchas dos quatro cantos da terra. E o

267 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo. De viagens e de narrativas: viajantes brasileiros no além-mar (1913-1957). 1998. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, Departamento de História. p. 57. 268 MEIRELES, Cecília. Roma, turistas e viajantes. In: Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 101-104.

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viajante apenas inclina a cabeça nas mãos, na sua janela, para entender dentro de si o que é sonho e o que é verdade.269

Essa idealização do viajante, ou mesmo o status de herói que o viajante

possuía até o século XIX foi, de acordo com Souza (1994), afetado pela

modernização dos meios de transporte, pela diversificação dos roteiros e pela

melhoria geral das condições de vida. Esses foram alguns dos fatores que

popularizaram o hábito de viajar e modificaram o viajante, os seus objetivos e

interesses. As modificações alavancadas pelo progresso material introduziram a

velocidade no universo da viagem,270 fator que reduziu as distâncias e alterou a

percepção do tempo. Essas modificações além de modificarem o ritmo vulgarizaram

as viagens. Mais rápidas e com menor custo, as viagens tornaram-se mais

acessíveis a outros extratos sociais e deixaram de ser um privilégio das classes mais

abastadas. A arte de viajar abrangia práticas que o desenvolvimento do turismo de

massas dissolveu e o turista tornou-se, portanto, um viajante sem alma, desprovido

de valores essenciais e da capacidade perceptiva do viajante clássico.271 Ao avançar

e sofisticar-se a indústria do turismo banalizou a figura do turista a ponto de torná-lo

um estereótipo risível, como assinalado por Pimentel (1998).272 Dessa forma, nada

mais natural que o viajante da elite não quisesse se parecer com esse consumidor

compulsivo de trens, hotéis e monumentos. O viajante concebe a viagem sob um

ponto de vista diferenciado, pois ela é uma oportunidade de crescimento intelectual;

além disso, ela confere distinção em relação ao demais:

O preconceito contra o turista atribuía uma qualidade diferente ao viajante civilizador, que aparece como sujeito de uma experiência, ao contrário do turista, mera peça de um esquema pré-resolvido. O viajante viajava de maneira especial. Sua missão, qualquer que fosse o motivo de sua viagem, era observar, refletir, comparar, e, em aqui chegando, divulgar, ensinar, civilizar. O turista, sendo um viajante sem esse compromisso, apenas ia de um lugar ao outro tentando tirar proveito próprio de suas andanças. Havia ainda, no início do século, a figura de um outro viajante, o globe-trotter, que nem era o turista e nem o viajante civilizador. Comparado ao turista, em alguns casos, caracterizava-se pelo “prazer physico de se

269 MEIRELES, Cecília. Roma, turistas e viajantes. In: Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 101-104. 270 SOUZA, Anlene Gomes de. O estrangeiro e a cidade: o Rio de Janeiro e o imaginário da viagem na primeira metade do século XX. 1995. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. p. 63. 271 Idem, p. 64. 272 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo. De viagens e de narrativas: viajantes brasileiros no além-mar (1913-1957). 1998. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, Departamento de História. p. 57.

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movimentar”, mas, diferente do turista, não tinha a exigência do conforto e da comodidade como condições da viagem.273

O território brasileiro tornou-se conhecido pelos europeus principalmente a

partir das narrativas de viajantes que aqui estiveram em diversas ocasiões. Os

relatos desses viajantes foram utilizados, até 1970, segundo Leite (1997), sem

maiores análises críticas ou fora de uma perspectiva histórica. Embora sejam fontes

promissoras de dados qualitativos, essa documentação deve passar por um crivo

analítico, que torne válida a sua contribuição.274 Descrições carregadas de exageros,

possibilidades e também de preconceitos, serviram para alimentar o imaginário de

gerações e gerações de europeus. Ao mesmo tempo em que foi difundido o mito do

bom-selvagem, do paraíso perdido e/ou do éden americano, estes viajantes

difundiram uma forma preconceituosa de ver as populações originárias do continente

americano, consideradas como brutas, selvagens, incivilizadas e, na melhor das

vezes, exóticas.

Em estudo que analisa a visão dos europeus sobre a cidade do Rio de

Janeiro, Souza (1995) verifica quão paradoxais são as suas narrativas. Vão do

encantamento à decepção, do deslumbramento com a exuberância da natureza à

descrição que desqualifica os habitantes e seus costumes. A crítica desfavorável se

instala, constata a autora, até mesmo nas obras de propaganda turística ou de

informação histórico-geográfica destinadas a vender uma imagem positiva do Brasil

no exterior, julgamento inadvertidamente deixado à mostra pela comparação que os

seus autores fazem da realidade visitada com a cultura de origem. Os encontros

entre sujeitos de diferentes culturas são, para a autora, marcados por

incompreensões, idealizações e inversões de sentidos e pela superficialidade;

aspectos que podem ser interpretados como o resultado de uma incapacidade de

apreensão, ou indiferença, frente à realidade estranha.275

Consumidas tanto por europeus quanto por brasileiros, essas narrativas e o

conteúdo estereotipado que elas disseminaram, serviram de parâmetro para compor

as representações que os europeus fizeram do Brasil e dos seus habitantes, ao

273 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo. De viagens e de narrativas: viajantes brasileiros no além-mar (1913-1957). 1998. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, Departamento de História, p. 66. 274 LEITE, Miriam Lifchitz Moreira Leite. Livros de viagem (1803-1900). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p. 9. 275 SOUZA, Anlene Gomes de. O estrangeiro e a cidade: o Rio de Janeiro e o imaginário da viagem na primeira metade do século XX. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 1995, p. 100.

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mesmo tempo em que ajudaram na elaboração que os brasileiros fizeram de si e de

sua terra. Podemos afirmar que essa literatura foi de certa forma, responsável pelo

aprendizado de muitos intelectuais brasileiros que aprenderam a se olhar através

dos olhares do outro e para constatar que nem sempre gostaram do que viram.

A constatação da precariedade e/ou insuficiência da civilização dos trópicos

frente à superioridade da civilização européia esteve presente não apenas nas

narrativas dos viajantes europeus. Essa é a constatação que Santos (2002) faz

quando analisa relatos de viagem à Europa de intelectuais brasileiros. A escrita

desses intelectuais viajantes permitiu que a autora identificasse duas formas

distintas entre si quanto às relações viagem/escrita, definindo duas linhagens de

viajantes. Uma vez estabelecidas, essas linhagens possibilitaram a aproximação por

semelhança de escritores de diferentes gerações que, no entanto, dentro da

perspectiva de análise que a autora adota, compartilhavam formas de escrever e

viajar.276

Em se tratando dos viajantes intelectuais brasileiros a viagem era um

privilégio dos bem nascidos. Viajar era uma forma de conferir pessoalmente a

superioridade da cultura européia. Tomando como objeto os intelectuais brasileiros

viajantes e suas narrativas de viagem Santos (2002) constata que esta é uma

questão muito mais complexa. A autora identifica, a partir dessa produção, dois

eixos centrais, distintos entre si quanto às relações viagem/escrita e que permitem a

elaboração de duas linhagens de viajantes, que para ela tem a vantagem de

possibilitar a aproximação por semelhança, de escritores de diferentes gerações que

compartilham formas de escrever e viajar também distintas. Ela divide os viajantes-

narradores em duas linhagens: Nabuco e Modernistas. Os primeiros, à semelhança

de seu inspirador, Joaquim Nabuco, entendem a travessia do Atlântico como uma

oportunidade de ratificar a superioridade cultural européia, e mais particularmente,

da França. Para os Modernistas o objetivo da viagem não significa mais a

confirmação dessa supremacia, mas passa a servir à construção de uma tradição

cultural brasileira. Como Pimentel (1998), a autora, também constata a necessidade

276 SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 2002. p. 12.

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que os autores de livros de viagem têm em explicitar aos seus leitores que estão na

companhia de um viajante legítimo.277

Para os filhos diletos de uma elite econômica e cultural, a viagem era a

confirmação da sua educação européia, uma das etapas da sua formação intelectual

e pessoal e se limitaria à mera excursão, se não fosse registrada.278 A perspectiva

conservadora ou transformadora279 que a viagem conferia ao viajante também era

responsável pelas diferenças que marcavam o tom das suas narrativas. Duas

possibilidades se apresentavam: ou o intelectual ia à Europa conferir o que já sabia

pela educação e pela literatura e se ligava à terra natal pelo afeto e à Europa pela

inteligência,280 como afirmava Joaquim Nabuco281 (e era o mesmo que se encantava

pela superioridade cultural do Velho Mundo) ou era o viajante modernista. Esse

segundo tipo de viajante seria aquele que apesar de conhecer a trilha que lhe é

reservada desde o princípio de sua formação, (...) desvia-se dela em direção a

elementos novos que lhe possibilitem construir um outro roteiro282 que lhe permita

um outro tipo de escrita em que registrava não o que já está solidificado, mas

problematizava os seus caminhos. Esse roteiro de viagem, por fim, conduziria os

passos do viajante de volta ao Brasil, pois a descoberta iniciada em plena Europa

deveria prosseguir em solo brasileiro.283

A narrativa presente no “Diário de Bordo” difere bastante das narrativas do

primeiro tipo de viajantes. Não pode ser considerada conservadora, de acordo com a

perspectiva desenvolvida por Santos (2002), segundo a qual a viagem é

conservadora, se somente contribui para confirmar os códigos que o viajante já

possui. Encontra mais similitudes com a perspectiva transformadora, pois Cecília

coloca em xeque as suas concepções a respeito de si e do mundo. Outra 277 SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 2002. p. 12. 278 Idem, p. 76. 279 Segundo a autora, a viagem tem um caráter conservador quando contribui apenas para confirmar e reiterar os privilégios e o pertencimento do viajante a uma elite intelectual, e ratificar a supremacia da cultura européia. Não produz mudanças efetivas nas concepções do viajante, que só verifica o que já sabe. A viagem supostamente cumulativa e, portanto, de formação revela-se falsa quando se descobre, encoberta sob a superfície de aparente mudança, a permanência. É transformadora na medida em que contribuiria para levar o viajante a rejeição a uma atitude deslumbrada e a rever sua atitude frente à realidade de seu país de origem. Idem, p. 88-110. 280 SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 2002, p. 88. 281 Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1849-1910) político, diplomata, historiador, jurista e jornalista brasileiro. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. 282 Idem, p. 112-113. 283 Idem, p.113.

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particularidade do relato de Cecília é surgir das reminiscências de um poeta. Como

afirma Bakidian (1988) todos os poetas são viajantes,284 já que se permitem às

viagens literárias, metafóricas e/ou fictícias e procuram transformá-las em

experiências concretas que em ocasião propícia servirão de substrato para novas

viagens imaginárias.

Uma distinção em relação ao viajante é feita por Leite (1997), quando

aponta as diferenças intrínsecas este e o habitante, ao afirmar que como não faz

parte do grupo cultural visitado, o viajante tem condições de perceber aspectos,

incoerências e contradições da vida quotidiana que o habitante, ao dá-la como

natural e permanente 285 encontra-se incapaz de perceber. Dessa forma, o habitante

por estar entranhado em sua realidade sociocultural, reflete apenas sobre seus

aspectos mais próximos, sem tomar conhecimento de muitos outros do ambiente em

que se encontra, e aceita, quase que tacitamente as instituições, as inter-relações

sociais, os sinais, as indicações e orientações, que compõem o padrão cultural do

grupo social a que pertence sem fazer uma reflexão mais ampla.286 A autora refere-

se, ainda, às diferenças existentes entre viajantes e imigrantes segundo a qual, não

é apenas a viagem de vinda sem retorno que diferencia o viajante do imigrante. Se o

primeiro procura conservar os padrões culturais de sua comunidade original, o

segundo já apresenta uma predisposição a incorporar os esquemas mentais do povo

visitado, no pior dos casos como um meio de aprimoramento de sua percepção-do-

outro, para ser aceito e manter relações amistosas ainda que cheias de mal-

entendidos.287 A mobilidade social e econômica de que desfrutam lhes dá autonomia

a ponto de poder observar, descrever e classificar em termos ordenados de acordo

com ideais científicos de coerência, consistência e conseqüência analítica questões

que, para o habitante daquele universo social, constituem um campo de atos

possíveis, só secundariamente constituintes do objeto de reflexão sistemática.288

Por ser estranho ao grupo, ele pode e observa comportamentos, hábitos e idéias

que passam despercebidas aos habitantes do país.

284 Bakidian, apud SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 2002, p. 29. 285 LEITE, Miriam Lifchitz Moreira Leite. Livros de viagem (1803-1900). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p. 10. 286 Idem, p. 10. 287 Idem, p. 164. 288 Idem, p. 162.

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Em outras oportunidades Cecília Meireles procurou fazer uma diferenciação

entre os termos turista e viajante. Essa não é uma operação gratuita, uma vez que

nessa caracterização que faz entre os dois termos estão impressas as suas

representações, isto é, os seus valores, as suas crenças, o seu lugar social, a sua

educação, etc. Nessa distinção, mais ligada ao amadurecimento intelectual e

humano, o turista, não é, segundo ela, um poeta, nem um historiador, nem um sábio,

pois é cheio de exigências, ávido por ver o panorama e extremamente preocupado

com pequenos detalhes, ao invés de se extasiar diante de uma igreja ou de um

museu. O viajante, por outro lado, não se queixa dos trens quebrados, dos

automóveis sem molas, das estradas, da poeira ou dos mosquitos, pois estão

possuídos de sonho e fanatismo da mais pura qualidade.289

Entretanto, no “Diário de Bordo” a palavra turista não é mencionada uma

única vez e Cecília emprega o termo viajante em apenas meia dúzia de

oportunidades. O termo passageiro também é utilizado de forma ainda mais

parcimoniosa: uma única vez. Mas o que fica visível em suas crônicas são as suas

representações que demonstram o sentido que a viagem tem para cada uma dessas

categorias apontadas. Cecília define a maior parte dos seus companheiros de

viagem como passageiros. Passageiros não são viajantes. Como a própria palavra

sugere passageiros são aqueles que se encontram de passagem. Os passageiros,

de acordo com Cecília, concebem a viagem sob um ponto de vista demasiado

prático, estabelecem uma relação utilitarista e desde o momento do embarque não

se admiram, não se comovem com a paisagem, nem com as amizades ou com o

ambiente de bordo, pensam exclusivamente nisto: chegar.290 Para ela, as viagens

têm um sentido muito mais profundo e são consideradas como uma aventura do

espírito, uma forma de aprendizado e de crescimento interior. Pelas considerações

que faz, compreendemos a própria Cecília como o viajante que ela descreve. Ela é o

viajante, pois encerra em si mesma a capacidade de se admirar, a disponibilidade

para aprender, é quem tem tempo e curiosidade para ver, sentir, se emocionar e

sensibilidade para amar as surpresas:

Não somos muitos: geralmente, os passageiros não se animam a sair dos camarotes a hora tão matinal para um espetáculo desses. Em

289 MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v. 1-3, 1999. p. 71. 290 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 06/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 05 de outubro de 1934).

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mim, porém, acostumada, em terra, a uma vida extremamente ativa, este lugar de bordo desperta uma força de curiosidade que traz ao campo do meu repouso as solicitações dos motivos novos que surgem. Nem precisa haver terra à vista. O mar é, por si mesmo, uma novidade diferente, a cada instante. Ver a noite mudar-se em dia; ir descobrindo as cores encobertas na sombra, trazendo-as para o céu e para as águas; sentir a curva das ondas projetar-se da quilha, e quebrar-se em milhares de madrepérola; assistir à elevação do sol, acompanhando a forma e o destino das nuvens; respirar o odor agudo do vento, que dispersa um chuveiro finíssimo de espuma; depois com o crescimento do dia seguir a transformação de tudo: do céu que compõe sua tonalidade; do mar que parece mais elástico, mais denso e mais nítido; do vento que equilibra sua força retesa, por fim, saber que tudo recolhe novamente os seus aspectos, que outra vez se ocultam cores e formas, na sombra imensa em que apenas o corpo do mar se move e em que só as estrelas se distinguem, - a vida universal e a humana se refletem nessa sucessão de imagens. E quem souber viajar preservando das tentações da superficialidade as virtudes contemplativas que, por acaso, possua, terá realizado uma experiência espiritual que dificilmente se conseguiria noutras condições.291

E ainda:

Permitam-me que ache bem ir devagarinho por sobre as ondas, como a tímida mão de uma criança que apenas experimenta escrever imperfeitamente uma palavra que a preocupa e resume toda a sua vida, - em lugar de passar correndo como as linhas mecânicas que um bom datilógrafo consegue produzir inconscientemente, desarticulando sobre uma excelente máquina os seus dez dedos valentes, previamente acautelados numa companhia de seguros. Permitam-me gostar mais das estrelas que do almoço! Permitam-me gostar mais do sonho que sonho que da cama em que durmo! Permitam-me preferir meus personagens interiores às possíveis impertinências de algum companheiro neurastênico...292

São múltiplas as formas e inúmeros os significados do ato de viajar,

segundo Chamon (2005) e a diferença não reside apenas nos meios de transporte

utilizados, no investimento financeiro despendido, nos roteiros, nas distâncias

percorridas, no tempo (e no dinheiro) gastos no percurso e na permanência. Esses

elementos têm a sua importância, porém a motivação, os sentidos e os significados

291 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 30/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 01 de outubro de 1934). 292 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 06/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 05 de outubro de 1934).

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que a viagem apresenta para cada viajante, são dimensões que não podem ser

desconsideradas:

Dizer isso é dizer que o ato de viajar comporta um deslocamento geográfico, mas também um deslocamento no tempo, o qual não se mede única e simplesmente pelo calendário, mas, principalmente, pelo fazer social dos homens. Nesse sentido, a viagem, assim como a história, é a busca da alteridade.293

Se a palavra viajante é pouco utilizada por Cecília no “Diário de Bordo”, o

que sobressai nas suas crônicas são as atitudes do viajante, que são, aliás, atitudes

dela própria, como referido anteriormente, pois em momento algum ela se refere às

expectativas que os outros passageiros ou viajantes têm da viagem.

Ilustração 12. A orquestra do “Cuyabá”. Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra a crônica do dia 2 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 2 de dezembro de 1934.

Cecília pontuava, em sua narrativa, diversas situações em que podemos

detectar as representações que os passageiros têm, e não as aspirações em relação

à viagem. Ela confrontava situações, atitudes e comentários dos passageiros e a 293 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação.

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partir desses contrastes é possível vislumbrar as categorizações que faz e distinguir

quem é quem: o viajante, o artista, o esnobe, etc., como eles se comportam, que

atitudes têm diante dos longos dias passados em viagem.

Ilustração 13. As “amáveis” conversas nos cadeirões da tolda. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 26 de setembro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação em 11 de novembro de 1934.

Cecília fazia, de forma genérica, uma oposição de certas categorias de

passageiros: os capitalistas que exibiam sua imponência na mole preguiçosa do

convés;294 os indolentes, que não se animavam a sair dos camarotes; os

intelectuais, que viviam mergulhados em romances e poesias;295 os esnobes, que

exibiam suas jóias e os seus privilégios; os temperamentos esportivos que atiravam-

se à piscina até a hora do jantar e dançam, dessa hora em diante;296 os ativos e

ambiciosos que faziam apostas de pôquer no bar; e os impertinentes neurastênicos

294 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 10/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 11 de outubro de 1934). 295 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934). 296 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 30/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 01 de outubro de 1934).

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de bordo, que incomodavam-se com os barulhos do navio e com o bombo da

orquestra.297

Ilustração 14. Wolkowyski, um dos amigos de viagem. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 5 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 (data presumida).

Durante a travessia, alguns passageiros, em particular, chamavam a

atenção de Cecília: o marechal de barba de mefistófeles298 que pensava que ela era

francesa e recitava de cor as inscrições de alguns dos cemitérios que visitou em

prosa e verso; o “Fritz artista”, um alemão todo vermelho, de topete amarelo que

estava sempre dizendo ao garçom, à hora da mesa: “Bota mais. Pode bota mais.

Isso é comigo. Estou com muito fome...”;299 o médico dos emigrantes, tão parecido,

fisicamente, com Eça de Queiroz, que reúne, ao monóculo e à cabeleira ruiva (...)

uma neurastenia perniciosa, com crises intensas contra a lâmina das facas e o

bombo da orquestra.300

297 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934. (sem data). p. 2. “Suplemento Literário”. 298 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 23/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 22/09/1934). 299 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 300 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 23/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 22/09/1934).

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As representações de Cecília revelam as concepções de quem transita

pelos meios intelectuais e revelam uma leitura ampla do mundo. Ainda assim, é um

tanto quanto intransigente e não concebe certos equívocos sociais como, por

exemplo, o dos ricos e esnobes como descreveu na crônica do dia 26 de setembro

de 1934. Cecília refere-se à falsa cordialidade de alguns viajantes naquele ambiente

superficialmente homogêneo, mas com profundas diversidades individuais, onde a

bondade e a modéstia humanas são qualidades raras de se encontrar, em que os

sorrisos continham uma certa dose de veneno e nos olhares podia-se detectar

sempre um raio de perversa malícia espreitando e ferindo.301

Todavia este comportamento não era parte dos atributos masculinos, pois,

para Cecília, os homens são criaturas de índole pacifica e estão organicamente fora

de tais cogitações. Mas as mulheres! E, baseando-se nas conversinhas amáveis dos

cadeirões da tolda, enquanto se espera a campainha para a merenda, ela construiu

um diálogo onde deixou escapar as impressões que tinha de algumas mulheres,

que, com refinada astúcia, procuravam analisar os vestidos e as jóias umas das

outras, e ver se são de pedras falsas ou verdadeiras, e descobrir se pintam ou não

os cabelos, se possuem algum dente postiço302, tendo por hábito o exibicionismo de

seus atributos físicos e econômicos:

As mulheres são terríveis nessas coisas. Têm balanças, compassos, metros e microscópios nos olhos. Com um simples olhar, distinguem se a vítima usa cinta ou modelador, quanto mede nos tornozelos ou no busto, a espécie de creme que aplica, o número que calça, a malha das meias que veste, - e, acima de tudo, a média das suas possibilidades de atração. Dessa media é que depende a sorte da infeliz criatura assim analisada. (...) “Meu marido é um atleta. Meus filhos também. Aos domingos ficamos com a casa cheia de amigos. Todos atletas. É encantador. Também gostamos muito de frutas. Dizem que as frutas à noite fazem mal, - mas, mesmo assim, lá em casa ninguém se deita sem passar, antes, pela cozinha. Eu adoro as peras d’água. Meu marido adora ameixas. Um dos meus filhos também. O outro adora as maçãs cozidas. Minha filha adora tudo. Nos adoramos o que é bom. Nossos amigos nos adoram. A vida é uma coisa adorável!...” Nesse ponto, se entrar alguma infeliz para sentar-se à mesa, pode-se puxar um lorgnon de tartaruga (oh! uma preciosidade! Pertenceu à madrinha da rainha Vitória, e este anel foi

301 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934). 302 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934).

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de uma prima de Victor Manuel, e este broche pertenceu a D. Carlota Joaquina, e estes brincos foram da segunda mulher de Napoleão...) – pode-se puxar um lorgnon todo cravejado de diamantes e murmurar: “Que idiota! Se isto é cor para um vestido de jantar! Há quanto tempo o azul já passou de moda!”303

Entretanto, é mais condescendente em definir o comportamento de uma

outra categoria de passageiros por ela designados como artísticos: nessa classe

estão incluídos Correia Dias, Wolkowisky e ela própria. Correia Dias porque se

entregava à representação de todos os motivos de beleza que passam pelos seus

olhos e Wolkowisky que, entre outras atitudes típicas de um artista, passava horas

brincando com as cordas de um violão que levou do Brasil. Finalmente, refere-se

aos filósofos que metem-se na cabine, fecham os cortinados, e adormecem, quando

não preferem ajoelhar-se no leito e debruçar-se na vigia, vendo a solidão do céu e

do mar esperando, há tanto tempo não se sabe o que!304 Por essa descrição,

concluímos que esta é mais uma caracterização que Cecília faz de si mesma.

O artista por excelência era mesmo Correia Dias. Era ele quem merecia e

recebia os maiores comentários por parte de Cecília que descreveu algumas das

suas tantas atividades criativas. O pintor instalou no tombadilho um verdadeiro

atelier de pintura onde305 pintou a óleo, todas as taboinhas de caixa de charuto que

havia a bordo, convertendo em cavalete uma destas cadeiras do convés306 e fez uns

dez ou doze quadros – pequenas manchas a óleo – sobre cada coisa que passa;307

em Recife pintou um quadro do Cardeal Cerejeira, seu contemporâneo em Coimbra,

que passava pelo porto de rumo ao Congresso Eucarístico de Buenos Aires a bordo

do “Highland Brigade”, para o jornal A Nação;308 fez um retrato do comandante, que

foi oferecido por ele e pelo jornal A Nação, com os autógrafos de todos os

passageiros, como lembrança da viagem do “Cuyabá”.309

303 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934). 304 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 30/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 01 de outubro de 1934). 305 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 02/10/1934). 306 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 22/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 23/09/1934). 307 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934). 308 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 309 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 07/10/1934 e publicado juntamente com os relatos dos dias 08 e 09 de outubro de 1934).

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Cecília também menciona o fato de que Correia Dias acabou tornando-se o

desenhista oficial do navio e fez a entrega de alguns de seus desenhos a título de

premiação aos doadores mais generosos, na festa organizada em benefício da

orquestra do “Cuyabá”.310 O temperamento artístico do marido também foi lembrado

por Cecília, como a homenagem que o pintor fez aos aviadores Gago Coutinho311 e

Sacadura Cabral.312

Ilustração 15. Os rochedos São Pedro e São Paulo, em Fernando de Noronha, Pernambuco. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 1 de outubro de 1934, ilustra a crônica publicada em 25 de novembro de 1934 (data

presumida).

Ao passar pelos rochedos S. Pedro e S. Paulo, célebres na historia da

aviação por assinalarem um ponto da travessia do Atlântico o artista expôs um

fragmento do avião no salão do “Cuyabá”, que guardava como relíquia daquele

acontecimento, sobre um cartaz dourado com a seguinte inscrição:

“Homenagem a Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que passaram pelos rochedos S. Pedro e S. Paulo em 1922, fazendo a primeira

310 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 09/10/1934 e publicado juntamente com os relatos dos dias 07 e 08 de outubro de 1934). 311 Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959) navegador e historiador português. Juntamente com Sacadura Cabral realizou em 1921 a travessia aérea Lisboa-Funchal e, em 1922, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, utilizando instrumentos de navegação, como o sextante de precisão e o corretor de rumos de sua invenção. 312 Artur de Sacadura Freire Cabral (1881-1924), oficial da Marinha portuguesa que realizou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, junto com Gago Coutinho, em 1922.

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travessia do Atlântico em aeroplano. Este fragmento de madeira é uma relíquia: pertenceu ao aparelho que serviu a tão grande feito”. E os passageiros contemplaram com certa surpresa aquele pedacinho de madeira de meio centímetro de espessura, lacrado de branco – uma coisinha que parece o pedaço de uma pequena caixa qualquer – tendo sido, afinal, parte de uma verdadeira epopéia.313

Outra dessas iniciativas artísticas do artista aconteceu na manhã do dia 05

de outubro, quando o “Cuyabá” se aproximou das ilhas de Maio e Boa Vista do

arquipélago de Cabo Verde e foi descrita na crônica do dia 5 de outubro: para

saudar o poeta Augusto Casemiro, que estava exilado para além dessas duas ilhas,

Correia Dias redigiu uma mensagem em pergaminho, mete-a numa botija lacrada,

escreve-lhe por fora o endereço, com letras prateadas. Quando o navio chegou ao

ponto em que a correnteza era mais favorável a mensagem foi confiada ao mar.314

Porém, há aqueles que merecem um tratamento diferenciado e ela é mais

condescendente no delineamento das suas qualidades e mesmo de suas pequenas

idiossincrasias. Alguns desses viajantes tornaram-se seus parceiros de viagem

como Wolkowisky, que faz roda e dança no convés deserto com ela e Correia Dias

para aquecer e distrair.315 Wolkowisky é o companheiro do casal a bordo e também

os acompanha em todas as excursões que fazem em terra: na Bahia saem para

comprar livros franceses316 e arrancar ao solo baiano um pedaço de terra317 que

Cecília pretende levar para Portugal e em Recife onde o amigo apresentou as

belezas da cidade e os convidou para um creme num depósito de frutas, conservas

e doces que conheceu quando desembarcou em Recife a caminho do Rio de

Janeiro.318

Outra companheira de viagem é a princesa da colônia portuguesa, Amélia

Borges Rodrigues, a formosa açoriana que faz filmes de propaganda e anima com

as suas quentes gargalhadas as longas horas de bordo; o jornalista, escritor e

313 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 01/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 30 de setembro de 1934). 314 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 05/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 06 de outubro de 1934). 315 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 22/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 23/09/1934). 316 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 04/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 25/09/1934). 317 Idem, ibidem. 318 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 27/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 26 de setembro de 1934).

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político Costa Rego;319 alguns elementos da tripulação do navio, sempre elogiada

por Cecília, do qual se destaca o comandante e ainda o pintor Murillo La Greca320

que o casal encontrou em Recife e que os convidou para uma incursão ao coqueiral

da Boa Viagem e aos “mocambos”.321

Este retrato da população do navio foi pintado com traços e imagens que

procuravam convencer o leitor, cristalizando representações, discretas ou explícitas

sobre o que seria o contexto social do navio. Através de tais imagens, a educadora

projeta-se como intelectual e também como artista ao mesmo tempo em que se

distancia dos passageiros comuns. Para ela, os sentidos da viagem são outros. Não

se confundem com os objetivos dos outros passageiros. Suas crônicas não estão a

serviço do meramente descritivo, mas prestam-se, sobretudo, às suas experiências

mais profundas.

1.3. O espírito poético da educação e a construção de um

mundo melhor

Agora tem-se a sensação de que o Brasil efetivamente terminou. O Rio de Janeiro é um sonho sonhado há muito tempo... – paisagem desfeita, figuras recuando na névoa, silêncio cada vez maior. Vitória, com seus rochedos arredondados como cestas de flores, submergiu nas águas verdes abaladas pelo vento. Bahia, a dos campanários e morros, é uma saudade que se conforma em fechar os olhos... O quebra-mar de Recife sumiu-se; acabaram-se os coqueiros. Fernando de Noronha desfez no oceano a verdura das suas pedras... E a bandeira do farol de S. Pedro e S. Paulo perdeu pelos ares a

319 Pedro da Costa Rego, jornalista, escritor e político alagoano. Fundou a revista literária Véritas, com o pseudônimo de “Celestino Pompéa”. Trabalho em jornais como O Século, Correio da Manhã, onde dirigiu, como redator-chefe, uma notável equipe de literatos que contava com nomes como Graciliano Ramos, Otto Lara Resende, José Lins do Rego, Aurélio Buarque de Hollanda, Otto Maria Carpeaux e Rodolfo Mota Lima. Na vida pública, foi secretário da agricultura (1912), deputado federal (1915-17, 1918-20, 1921-23), governador (1924-28) e senador (1929-30 e 1935-37), sempre por Alagoas. Como educador, mesmo sem nunca ter freqüentado curso superior, Costa Rego implantou a primeira cátedra brasileira de jornalismo na Universidade do Distrito Federal, onde lecionou História das Américas e adotou um enfoque pedagógico voltado às raízes européias de formação humanística dos profissionais. Dicionário do Jornalismo Brasileiro. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/dic_c6.htm> 320 Murillo La Greca (1899-1985) foi um pintor e professor brasileiro filho de italianos. Nasceu em Recife e foi estudar no Rio de Janeiro, no atelier dos irmãos Bernadelli. Entre 1919 e 1925, residiu em Roma, onde se matriculou em três escolas de arte. Voltou ao Brasil em 1926 e conquistou o reconhecimento de seus conterrâneos, chegando a ser premiado em diversos salões nacionais, entre elas uma medalha de prata no Salão Oficial de Belas Artes do Rio de Janeiro, em 1927, com o quadro Os últimos fanáticos de Canudos. 321 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934).

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lembrança das suas cores, como se tivessem voado com as gaivotas que o navio dispersou... Terra, agora, só em Cabo Verde... – daqui a três dias.

“Diário de Bordo”, 02/10/1934.322

Na madrugada do dia 30 de setembro, o navio aproximava-se do

arquipélago de Fernando de Noronha, e Correia Dias preparava a exposição em

homenagem a Gago Coutinho e Sacadura Cabral, como referido anteriormente. No

dia seguinte, por volta do meio-dia, cruzavam a linha do Equador, ocasião festejada

mais tarde com um pequeno baile no tombadilho. Horas depois, o navio afastava-se

definitivamente da costa brasileira.

Ilustração 16. O percurso do “Cuyabá” nas coordenadas das cartas de bordo. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 2 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação em 2 de dezembro de 1934.

Cada vez mais distantes ficavam os interesses e preocupações da viajante.

As amizades, a família, o jornal, o trabalho na biblioteca infantil eram apenas

vestígios que iam recuando na névoa. Cecília Meireles procurava inteirar-se dos

segredos e particularidades da navegação marítima e aprendia a contemplar-se

todos os dias nas coordenadas da carta de bordo: tanto graus para cima, tantos

322 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 02/10/1934 e publicado juntamente com o relato dos dias 03 e 04 de outubro de 1934).

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graus para oeste... – assim, vamos avançando milha a milha, sobre o mar, milímetro

a milímetro sobre o mapa...323

Em cada porto em que o navio fez escala, Cecília foi colecionando

impressões sobre a educação, constatando in loco as informações que já conhecia

dos jornais, dos congressos e revistas especializadas em educação. Alguns contatos

eram promovidos exclusivamente pelo acaso e sempre que havia oportunidade ela

estava pronta para debater e inquirir sobre os assuntos relativos à educação.

Depois das compras, – material de desenho e pintura para trabalhar a

bordo, um relógio e um anel – que fizeram ao desembarcar em Vitória, encontraram-

se com Attílio Vivacqua,324 ex-secretário de Educação do Espírito Santo e antigo

colaborador da “Página de Educação”:

Quando passamos pelo centro da cidade, descobrimos num grupo de amigos o dr. Attilio Vivacqua, antigo secretario da Educação, a quem o Espírito Santo deve uma notável obra na reforma do ensino. Vem para o nosso automóvel, surpreendido com o encontro. Sente-se que está muito ocupado. Pelo caminho, conhecidos que aparecem, dirigem-lhe da calçada cumprimentos e palavras de entusiasmo. Pouco a pouco, vamos sendo informados do que há. Vitória está em plena efervescência política. E o dr. Attilio Vivacqua – por muito que se queira fazer de modesto – é, evidentemente a pessoa escolhida para a presidência. (...) Voltamos ao centro no mesmo automóvel, prosseguindo a conversa a respeito da política estadual. Interessa-nos, principalmente o problema da educação. Diz-nos o dr. Attilio Vivacqua que, no momento, tudo se encontra disperso e fragmentado, para falar de um modo geral. E é quando sentimos mais vivamente a alegria da sua eleição para a presidência do Estado: uma reforma admirável bem compreendida e executada e, por si só, todo um programa de governo. Terá o Espírito Santo a sorte de um programa assim?325

323 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 02/10/1934 e publicado juntamente com o relato dos dias 03 e 04 de outubro de 1934). 324 Attilio Vivacqua (1894-1961) foi um político e educador brasileiro. Ocupou diversos cargos públicos, tendo sido senador de 1946 a 1961. Liderou a reforma educacional do Espírito Santo tendo como base os princípios escolanovistas em que se destaca a criação do curso Superior de Cultura Pedagógica, a criação do cinema escolar e as bibliotecas circulantes. 325 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934. (sem data). p. 2. “Suplemento Literário”. Apesar de relatar fatos ocorridos durante a escala em Vitória, essa reportagem não traz data. Falta o relato do dia 24/09/1934, provavelmente seja desta data. No entanto, a reportagem do dia 22/09/1934 relate a saída da cidade de Vitória e a do dia 23 a aproximação da Bahia. Provavelmente, pode ter havido algum extravio na correspondência enviada ao jornal e essa matéria, tenha chegado depois das do dia 22 e 23 de setembro de 1934.

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Quando desembarcam na Bahia, em 25 de setembro de 1934, Cecília

procurou obter uma entrevista com o interventor Juracy Magalhães326 para falar das

questões educacionais que faziam parte do seu programa de governo: a criação de

grupos escolares e outras medidas úteis ao ensino de política e assuntos

educacionais.327 Entretanto, a entrevista acabou não acontecendo. Mas que me diria

de novo o Sr. Juracy Magalhães, além do que todos já sabem e do que se ouve

dizer os baianos que passam por nós conversando? Que o seu governo está sendo

fecundo? Que são ótimas as suas relações com o Sr. Getúlio Vargas?328 Perguntas

que requeriam respostas. Para entender um pouco mais sobre os planos

educacionais do interventor baiano, Cecília encontrou-se, na redação do Diário de

Notícias, com o Sr. Altamiro Requião,329 jornalista de grande prestígio, que informou,

vagamente, a situação da política no estado.

Ilustração 17. Vista de Fernando de Noronha, Pernambuco. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 30 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 25 de novembro de 1934 (data presumida).

326 Juracy Montenegro Magalhães (1905-2001): militar e político brasileiro. Exerceu as funções de senador da República, deputado federal, adido militar e embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Ocupou, durante os anos 1930, o governo da Bahia como interventor. 327 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 04/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 25/09/1934). 328 Idem, ibidem. 329 Jornalista baiano, trabalhou no jornal Diário de Notícias de Salvador.

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Podemos considerar a viagem e as crônicas em dois instantes distintos.

Num primeiro momento, as crônicas do “Diário de Bordo” trazem as questões

relativas à realidade mais imediata da educadora, ainda que mescladas àquelas

ligadas às inquietações do espírito. Aqui a surpresa de cada porto, mais à frente a

inquietação da jornalista e educadora que procurava conhecer, questionar e saber

mais sobre os costumes, o povo e a educação de cada cidade em que o “Cuyabá”

aportava.

Enquanto o navio atracava em portos brasileiros a educadora procurava

estabelecer alguma analogia entre os espaços, as pessoas, as coisas e/ou as idéias

que conhecia. Na segunda parte da narrativa, há um predomínio das evocações da

poeta, o que coincide com o fato de o navio deixar definitivamente a costa brasileira.

As crônicas tornavam-se cada vez mais intimistas e mais desconectadas

com a realidade profissional. Os problemas vivenciados no plano profissional ficam

relegados ao esquecimento. Os longos dias passados entre o céu e o mar conferem

certa angústia à viajante e fazem com que ela vá relatando o seu fascínio e a sua

predileção pelo oceano:

Eu, que trouxe para ler um livro de Carlos Vega, “Água”, - não consigo passar da primeira página, justamente pelo excesso de água que me envolve. Prefiro rodar sozinha pelo tombadilho, mirando o mar e o céu, sentindo o sopro do vento nos mastros, quando tremem cordas, escadas e roldanas e se sente esta fragilidade altiva do navio que desliza na solidão azul, só com a presença do céu e do mar. Pela manhã, despontam céus rosados, com nuvens de gaze trêmula, que o sol vai desfolhando, ao surgir. O mar é ainda todo feito de sombra, com o resto da noite adormecido no fundo. Depois, vai tudo brilhando e ganhando transparência e cor. O meio dia deslumbra. A água dissolve safiras e diamantes. O céu tem uma nitidez de porcelana. E o vento vai levando a fumaça do navio, que tanto se desdobra no céu como no reflexo das ondas. Começa, então, a refrescar no boreste, e em bombordo o convés se enche de sol. O crepúsculo tem sido vivo de cores e rico de nuvens. Um instante o sol fica rente às águas, invertido nelas. Depois cai para dentro. Some-se, como se o mar o bebesse. Penso na impressão dos homens primitivos diante desse desaparecimento da luz. E imagino que a primeira viagem pelas águas talvez fosse para descobrir onde ao certo morava o sol.330

330 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934).

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Segundo Cecília, quando se está a bordo os problemas da terra perdem o

sentido. A imensidão do mar despreza a realidade humana e afoga o espírito, assim

como faz ao corpo. Para que viver? Para que pensar? Para que fazer alguma coisa,

no centro destas águas enormes, entregues ao seu destino cósmico, muito maior

que o nosso?331 Enquanto o navio se afastava por sobre o Atlântico a poeta substitui

a educadora no comando do “Diário de Bordo”. Faremos caminho inverso, buscando

assinalar a presença de Cecília Meireles na área da educação, registrando algumas

das suas ações, nessa área, que precederam o embarque e a viagem.

Ainda na década de 1920, Cecília lançou as suas primeiras obras que

denotavam a sua preocupação com a educação: Criança, meu amor,332 em 1923 e

O Espírito Vitorioso, em 1929.333 Sua primeira produção, Criança, meu Amor,334

trazia alguns dos conceitos advindos de seu tempo de normalista. Estava

impregnado das lições dos seus mestres e dos compêndios da Escola Normal, mas

já apresentava alguns traços das leituras de autores escolanovistas.335 Ao escrever

esse livro, Cecília demonstra que dominava os pressupostos da pedagogia

moderna, o que desmente a suposição de que seu contato com a educação tenha

se dado a partir da sua atividade jornalística, como afirma Corrêa (2001).336 De

acordo com essa autora, Cecília Meireles buscou em Jean Jacques Rousseau as

bases filosóficas para o desenvolvimento do processo educativo da pedagogia

moderna. A própria Cecília confirma que a leitura de obras de educadores como

Claparède acompanhavam e inspiravam-na desde os bancos da Escola Normal,

ficando-nos, depois, para o resto da vida como uma presença constantemente

alentadora, nesta tarefa, cada vez mais grave, de educar (...).337 Entretanto, a

educadora demonstrava bastante lucidez em relação aos exemplos:

331 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 02/10/1934 e publicado juntamente com o relato dos dias 03 e 04 de outubro de 1934). 332 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 333 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1929. 334 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 335 Sobre compêndios escolares, sobretudo manuais de História da Educação utilizados no Brasil no final do século XIX e nas primeiras cinco décadas do século XX, consultar: BASTOS, Maria Helena Câmara. Uma biografia dos manuais de História da Educação adotados no Brasil (1860-1950). Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006. 336 CORRÊA, Luciana Vial B. Infância, escola e literatura infantil em Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 69. 337 MEIRELES, Cecília. A visita de um pedagogo notável. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 5 de setembro de 1930.

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Precisamos resistir à sugestão perigosa, ao erro do exemplo. Não há exemplos. Há experiências, realizadas em certas épocas, por certas criaturas, em certas circunstâncias. Nunca seria possível reproduzir esse exemplo, sem forçarmos a própria natureza, porque o processo da vida não permite repetições. Apenas nos podem valer essas experiências como elemento de cultura, como o histórico da humanidade que nos precedeu, e em que podemos contemplar, na alternativa de todas as variantes, a lei de movimento que imperativamente as determina (...). 338

Podemos perceber nessa sua primeira obra educacional a presença, em

germe, dos seus próprios conceitos a respeito da educação e da sua importância na

formação humana.339 O seu toque pessoal já se fazia presente em Criança, meu

Amor, apesar de uma certa imaturidade pedagógica que só foi alcançada mais à

frente e que começou a despontar na tese O Espírito Vitorioso, com o qual

concorreu ao cargo de professor catedrático de Literatura na Escola Normal.340

Cecília Meireles, em todas as circunstâncias, procurou atuar como

mediadora do moderno, tradutora de conceitos e divulgadora de discursos

pedagógicos e culturais. Tinha como objetivo traçar projetos e interferir no campo

educacional brasileiro – mas mais que isso, visava à difusão de conceitos como

feminismo (qualificação, formação, valorização e independência da mulher em

relação ao universo masculino), fraternidade universal, educação, paz,

desarmamento e não-violência, liberdade, entre outros. Essa era a tônica que

distinguiu a sua passagem pelo Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, quando dirigiu

a “Página de Educação”. Através da coluna denominada “Comentário” ela firmava

suas posições ideológicas e filosóficas, preocupando-se em difundir o ideário da

Escola Nova e marcar a posição dos principais reformadores do momento. Cecília

trazia uma nova sensibilidade em relação a estas questões, pois todo o seu

pensamento e ação foram sempre motivados por temas educacionais, que se

resumiam na reforma do homem com o objetivo de se efetuar a reforma da

sociedade, e não o inverso.

Com as suas crônicas, Cecília Meireles também lembrava aos educadores,

conforme lembra Konder (2001), que a sensibilidade poética não era um luxo, um

338 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1929, p.11-12. 339 Sobre o livro consultar: CORRÊA, Luciana Vial B. Infância, escola e literatura infantil em Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 68-87. 340 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1929.

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complemento, mas um elemento essencial da capacidade de lidar com o riquíssimo

movimento da vida infantil.341 Para ela, não havia destino melhor no mundo do que

ser poeta. Entendia por poetas não apenas aqueles que sabiam esgrimir palavras,

rimando e metrificando, dentro de certos limites silábicos e com determinadas

cesuras. Para Cecília o poeta tem que ter uma alma com dimensões diferentes da

dos homens comuns. Precisa saber articular numa síntese admirável a amplidão das

visões objetivas como também das subjetivas, com todos os seus matizes, todas as

suas cambiantes, todas as suas transfigurações.342 Era ser educador e saber

compreender a criança:

Ser poeta não é, precisamente, como em geral se pensa, poder escrever algumas coisas, com ou sem sentido. (...) É ter o dom de surpreender a beleza da vida, nas grandes linhas de harmonia em que se equilibra todo o universo. (...) Essa sensibilidade interior que é, propriamente, o dom poético nem sempre se manifesta em versos; e pode também deixar de ter uma exteriorização definida, de qualquer espécie artística Uma das modalidades que se pode servir, para sua manifestação, é a da compreensão da vida infantil, que é, por sua vez, um dos mais belos espetáculos deste mundo. Por esse motivo de afinidade, é que inúmeros são os educadores que, ao mesmo tempo, têm uma personalidade artística já célebre: basta lembrar Tagore, Tolstoi, S. Lagerlof, Gabriela Mistral, por exemplo. Mas ninguém pode negar um espírito poético em Pestalozzi, em Kerschensteiner, em Eduardo Spranger, em Bovet, na Sra. Artus Perrelet, – em todos esses que têm penetrado mais profundamente, pelo milagre do seu dom poético, na alma da infância e da adolescência, podendo sobre ela atuar com eficiência e simplicidade. 343

Entre todos esses educadores que sabiam penetrar na alma da infância e

da adolescência pelo milagre do seu dom poético, Cecília fazia referência ao poeta e

educador português João de Deus Ramos que deixava transparecer através dos

seus conceitos de educação moderna a visão poética com que estava habituado a

olhar o mundo e a infância. E dirigia louvores a Portugal por ter um homem bastante

poeta e bastante educador para amar com a sutileza do seu coração e do seu

pensamento as crianças da sua escola.344

341 KONDER, Leandro. O espírito poético da educação. In: In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 17-22. 342 MEIRELES, Cecília. O espírito poético da educação. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 23-24. 343 Idem, ibidem. 344 Idem, p. 24.

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Destacamos o seu trabalho na “Página de Educação” do Diário de Notícias

como um dos espaços que mais contribuiu para projetar as concepções

educacionais de sua idealizadora. O conjunto de atividades desenvolvidas contribuiu

para divulgar e difundir as inovações introduzidas pelos reformadores Fernando de

Azevedo e Anísio Teixeira e onde, através dos seus artigos Cecília Meireles discutiu,

criticou, debateu, apontou e estimulou a mudança dos rumos da educação entre

educadores, intelectuais e opinião pública cariocas. O jornal era composto de várias

seções – política nacional e internacional, economia, esportes, assuntos femininos e

culturais e foi o primeiro do país a ter uma página inteiramente dedicada à educação

e circulou de junho de 1930 a janeiro de 1933. A “Página” era diária e trazia três

matérias jornalísticas principais, além de uma coluna denominada Comentário

espaço onde Cecília Meireles procurou difundir o ideário da Escola Nova e ajudar a

consolidar a posição dos principais reformadores, estrangeiros e brasileiros. Contava

com colaboradores como Frota Pessoa,345 Secretário Geral da Diretoria de Instrução

Pública do Distrito Federal no período 1926-1930, Gerardo Seguel,346 professor de

Desenho da Escola Normal de Santiago do Chile, e eventualmente, com outros

educadores como Attilio Vivacqua, Secretário de Instrução do Espírito Santo,

Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, que concederam entrevistas, publicaram

conferências e assinaram artigos. Em seus quase três anos de existência,347 a

“Página de Educação” passou por muitas modificações.348

345 José Getúlio da Frota Pessoa, (1875-1951) foi poeta, contista, crítico, polemista, professor, bacharel em direito, jornalista e um importante educador, tendo participado do movimento de renovação do ensino que ocorreu na década de 1930, encabeçado por Fernando de Azevedo (1894-1974). Fonte: COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras, 2001: 2v. 346 Poeta e professor de desenho da Escola Normal de Santiago do Chile, colaborou na “Página de Educação”. 347 Cecília Meireles esteve à frente da “Página de Educação” durante 32 meses, ou seja, de 12 de junho de 1930 a 12 de janeiro de 1933. 348 Outro espaço criado por Cecília no Diário de Notícias foi a “Página das Crianças”, que surgiu no segundo domingo depois da publicação do jornal Diário de Notícias e circulou de 22 de junho a 31 de agosto de 1930, num total de onze números. Essa página infanto-juvenil contava com a presença de Correia Dias, que colaborava tanto com desenhos, que acompanhavam os vários textos, como com artigos que ensinavam a confeccionar brinquedos de armar e utilidades. Era comum a publicação de extratos da obra de autores renomados como José de Alencar, Visconde de Taunay, Euclides da Cunha e Tolstói, bem como alguns textos da autoria de Cecília, denotando a preocupação que a organizadora da página tinha em fazer chegar até seus leitores-mirins obras de qualidade, que suscitassem o gosto pela leitura. A cada trecho publicado, Cecília se preocupava em trazer uma apresentação do autor e a tecer alguns comentários que julgava pertinentes sobre a obra, de forma afetiva e informativa, com o objetivo de conquistar a atenção do leitor. PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 35-36.

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Cecília Meireles transformou a “Página de Educação” em um dos maiores

aliados das idéias escolanovistas e durante o tempo em que lá esteve fez repercutir,

para além dos limites do Distrito Federal o ideário da Nova Educação. A Reforma

Fernando de Azevedo,349 de janeiro de 1927 a outubro de 1930, sempre obteve

posição de destaque na “Página de Educação”, em parte pela amizade e pela

comunhão de idéias que uniam os dois educadores. Embora o período das crônicas

recaia sobre o final da gestão de Fernando de Azevedo, Cecília Meireles franqueou

o espaço do jornal para a publicação das idéias e experiências do educador.350

A “Página” tornou-se uma vitrine, um centro difusor das inovações

introduzidas pelos reformadores. De acordo com Chaves (2001), ambos os

empreendimentos, a reforma anisiana e a “Página de Educação”, serviram-se um do

outro, pois, enquanto Anísio Teixeira tinha, através do jornal, oportunidade de tornar

público para a cidade as suas idéias educacionais, esta mesma coluna compunha os

seus artigos com base na realidade educacional que o (...) educador baiano

pretendia reformar. 351 Pela leitura das crônicas da “Página de Educação”, é possível

entrever as diferentes concepções de educação presentes naquele momento, os

projetos de modernização implementados, bem como acompanhar como as

transformações nascidas no âmbito das reformas educacionais repercutiram no

Distrito Federal e de que forma os discursos educacionais foram apropriados pelos

diferentes atores.352

349 Essa reforma foi responsável pela implementação no cenário educacional carioca de técnicas e processos escolares, que acabaram por repercutir em outros estados brasileiros. Durante essa administração a aprovação da Lei de Ensino, de 1928, possibilitou a realização do recenseamento escolar, a estruturação da carreira do magistério e a proibição da adaptação de residências particulares para abrigar escolas, bem como a assinatura de dezesseis contratos para a construção de prédios escolares. Além de privilegiar a função social da escola, promoveu o seu enriquecimento interno e o alargamento de seu raio de ação. Buscou a transformação material do aparelho escolar através de um programa de edificações para atender com qualidade às necessidades pedagógicas. Para os novos prédios escolares previa a inclusão de gabinetes dentário e médico, laboratório, biblioteca e museu escolar. Para Fernando de Azevedo, em conferência proferida em São Paulo e publicada pela “Página de Educação” em 12 de março de 1931, essa remodelação não deveria ficar circunscrita apenas às exigências pedagógicas mais imediatas, mas desenvolver no aluno, através da arte, um dos poderosos instrumentos de transformação social um senso estético mais apurado. PIMENTA, Jussara Santos. O espaço escolar: ambiente e ambiências nas crônicas da “Página de Educação” (1930-1933), Cadernos do CEOM, Chapecó, n. 23, 2006 ("Cultura Material"). 350 Nesse período Fernando de Azevedo, ex diretor de Instrução do Distrito Federal entre 1927 e 1930, atuava como professor de Sociologia no Instituto Pedagógico de São Paulo. 351 CHAVES, Miriam Waidenfeld. As inovações pedagógicas da Escola Nova no Distrito Federal nos anos 30: seus avanços e limites. In: 24a REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, Caxambu. 2001. 352 Sobre o trabalho de Cecília Meireles à frente da “Página de Educação” consultar os trabalhos de: CORRÊA, Luciana Borgerth Vial. Criança, ciência e arte. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 121-132; MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Antes da despedida: editando um debate. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.). Cecília

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Em suas crônicas, Cecília destacava as aquisições que a Escola Nova

conferia ao universo pedagógico atual. Evidenciava as diferenças existentes entre os

objetivos e as realizações da Escola Nova, contrapondo com as da Escola

Tradicional, ou mesmo da falta, da ineficiência das realizações da Escola

Tradicional. Escola velha, mal construída, mal aparelhada, de professores

despreparados e não valorizados, era o quadro que mostrava que as antigas

concepções educacionais estavam completamente obsoletas. As novas concepções

educacionais pressupunham a existência de escolas bem estruturadas e dentro de

modelos científicos, bem equipadas e com um quadro de profissionais bem

formados e preparados dentro de pressupostos modernos e científicos capazes de

garantir um ensino-aprendizagem eficiente e democrático. Para a educadora, havia

que eliminar e/ou avaliar os resquícios da velha pedagogia no sentido de se

ultrapassar esse estado de coisas em busca de uma forma mais científica e

moderna de se conceber a escola, o professor, o aluno, o ensino-aprendizagem, ou

seja, todas as esferas do fazer pedagógico.

Antes de sua passagem pelo Diário de Notícias Cecília era a pastora de

nuvens: escrevia poemas líricos e espiritualizados.353 Era natural que houvesse

entre educação e poesia uma assonância completa, afirmava, uma vez que ambas

são a própria ansiedade de representar a vida: uma, imaginando-a, outra procurando

cumpri-la, uma anunciando-a, outra fixando-a em realidade.354

A intelectual que passou a circular nos meios culturais era alguém capaz de

contribuir para o debate educacional e estava habilitada a difundir, ensinar e colocar

em circulação as novas concepções educacionais debatidas e experimentadas no

Distrito Federal. Ela tinha uma posição de destaque no cenário brasileiro e também

se posicionou politicamente, a partir de suas escolhas: era a cronista poetizando o

cotidiano do seu tempo e da educação da sua cidade, o Rio de Janeiro; era a

jornalista de espírito crítico e combativo, constantemente preocupada com a

educação do povo brasileiro. Sempre questionando, avaliando, argumentando, com

muita perspicácia, habilidade e sensibilidade. Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p.149-171; FERREIRA, Rosângela Veiga Júlio. No veio da esperança a essência etérea da criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade de Juiz de Fora, 2007. 353 O termo pastora de nuvens foi utilizado por Cecília Meireles no poema “Destino”, do seu livro Viagem, que começou a ser escrito em 1929 que recebeu o prêmio da Academia Brasileira de Letras em 1938 e foi publicado pela Editora Ocidente, de Portugal, em 1939. 354 MEIRELES, Cecília. Folclore e Educação. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 30 de julho de 1932.

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Em 1932, Cecília assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova355

ao lado de outros 26 educadores, entre eles Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,

Francisco Venâncio Filho e Edgar Süssekind de Mendonça, além de mais duas

mulheres, Noemy da Silveira e Armanda Álvaro Alberto. De acordo com Xavier

(1993), o Manifesto deu origem ao personagem coletivo – os Pioneiros da Educação

Nova, mesmo não sendo constituído por um grupo homogêneo.356 O processo de

adesão registrou, segundo a autora, um momento de compromisso no qual

intelectuais de diferentes posições ideológicas selaram uma aliança em torno de

alguns princípios gerais que confluíram para a modernização da educação e da

sociedade brasileira.357 O Manifesto apresentava uma concepção avançada a

respeito da educação e apontava uma direção ao movimento renovador, opondo-se

francamente ao empirismo das reformas empreendidas nos estados. Consagrava o

método científico aplicado ao enfrentamento dos problemas educacionais e

reivindicava uma ação mais objetiva por parte do Estado, que deveria proporcionar a

todos uma escola pública, laica, gratuita, obrigatória, contestando a educação como

privilégio de classe. Apesar disso, pecava em alguns aspectos por seus conceitos

um tanto quanto idealistas, aproximando-se de uma concepção mais romântica que

real da educação.358 Sobre o Manifesto ao Povo e ao Governo, elaborado por

Fernando de Azevedo e publicado em 1932, que procurou estabelecer a relação que

deveria existir entre educação e progresso, Cecília argumentava em um dos seus

Comentários da “Página de Educação”:

O valor dos manifestos não está apenas nas idéias que apresentam. Somos, em geral, gente rica de idéias, com sutilezas de engenho que causariam admiração a uma boa parte do mundo se a língua portuguesa não tivesse ainda limites tão injustos de expansão. Se não temos o pensamento elaborado e sistematizado de outros povos, possuímos alguma coisa igualmente preciosa: o poder do pensamento nascente, que se vai levantando das energias

355 AZEVEDO, F. (Org.). A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Manifesto dos pioneiros da educação nova. São Paulo: Nacional, 1932. 356 XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo sobre o manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). 1993. 88f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. p. 10. 357 Idem, ibidem. 358 Sobre o Manifesto dos Pioneiros consultar também: XAVIER, Maria do Carmo. Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004; SOUZA, Aline Vieira de. Cecília Meireles no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Monografia. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2007.

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profundas da raça para a luta das experiências que lhe irão traçando no tempo os caminhos de sua definitiva realização.359

Segundo ela, um manifesto contendo tão admiráveis conceitos podia não

ter, na verdade, um valor preciso e certo: ele dependia dos que o subscreviam, das

personalidades que por ele se responsabilizavam, das vidas postas a seu serviço,

com o contingente de sinceridade que todos devem possuir seja qual for a natureza

de contribuição que apresentem.360 Cecília parecia querer recuperar a crença na

capacidade dos educadores escolanovistas de fazer valer seus ideais em prol da

construção de uma educação mais justa e igualitária para todos.

Pouco antes do embarque para Portugal, Cecília Meireles inaugurou

aquela que pode ser considerada a primeira biblioteca pública infantil brasileira.

Localizada no "Pavilhão" ou "Espaço Mourisco", foi inaugurada em 15 de agosto de

1934 e organizada exclusivamente para atender o público infantil e foi um dos

projetos mais ambiciosos da gestão de Anísio Teixeira na Diretoria Geral de

Instrução Pública do Distrito Federal.361 Mantida por verba pública, a biblioteca foi a

primeira no país a permitir o acesso das crianças mesmo desacompanhadas dos

pais, bem como o livre acesso às estantes. Com normas regulamentares mais

brandas, as crianças eram incentivadas a freqüentar suas sessões de filmes e

música, as dramatizações organizadas pelas estagiárias, a desenvolver sua

criatividade através de jogos educativos e, além disso, eram auxiliadas em suas

atividades escolares.362 A organização da biblioteca articulava-se à gestão de Anísio

Teixeira na Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal e tornou-se um

359 MEIRELES, C. O valor dos manifestos. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 19/03/1932. 360 Idem, ibidem. 361 A experiência da Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco, mesmo tendo sido fugaz, incentivou a criação de seções infantis nas bibliotecas públicas e de outras bibliotecas infantis, em todo o Brasil. Todas as inovações implementadas por Cecília Meireles e colaboradores foram utilizadas por aqueles que buscavam empreender bibliotecas dinâmicas para atender o público infantil. Algumas bibliotecas infantis brasileiras se constituíram seguindo a concepção introduzida pela educadora, sendo as mais representativas a Biblioteca Infantil de São Paulo e a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato (BIML), todas criadas entre o final dos anos 30 e início dos anos 50, respectivamente. A primeira biblioteca a ser organizada dentro dessas novas concepções foi a Biblioteca Infantil do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, inaugurada em 15 de abril de 1936. Foi instalada em dois amplos salões e possuía arquivos, fichários e mobiliário adequados ao público infantil. Todas as seções eram cuidadosamente organizadas, sobressaindo-se as pequenas coleções numismática e filatélica, a seção destinada aos jogos silenciosos e educativos e a seção de projeção luminosa fixa e animada. Para maiores detalhes sobre a Biblioteca Infantil criada por Cecília Meireles consultar: PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 128-129. 362 A Biblioteca Infantil, embora introduzisse inovações desconhecidas no país até então, como todas as bibliotecas brasileiras do período, não utilizava os serviços especializados de bibliotecários formados em curso universitário, conforme as reivindicações da ABE. Idem, ibidem.

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dos grandes empreendimentos culturais da reforma, transformando-se num centro

de cultura infantil e num órgão de pesquisa.363 Um dos seus objetivos foi a

preservação e estudo da cultura brasileira, e por isso possuía coleções de moedas,

selos, discos de músicas populares brasileiras, filmes, diapositivos do Brasil:

Essa preferência pelas coisas brasileiras está muito longe do jacobinismo. Mas considero lógico que a criança conheça primeiramente tudo o que se refere ao seu ambiente próximo. Antes de saber que em Paris existe o bairro de Grenelle é mais útil ter a certeza do que se pode ver, indo a Cascadura.364

Esse comentário da educadora nos permite avaliar como a intelectualidade

brasileira teve, durante muito tempo, a Europa, e mais particularmente a França

como país privilegiado para se espelhar. Esse país atuava como sociedade de

referência, qual seja, aquela que serve de matriz sempre que os líderes intelectuais

e um público cultivado reagem a valores e instituições de outro país com ideais de

ações que concernem ao seu próprio país.365 Dois estudos mostram que houve uma

inflexão em relação aos padrões pedagógicos que povoavam o imaginário das elites

brasileiras. Chamon (2005) afirma que a partir da década de 1870, ao lado de países

como a França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Áustria, Holanda e Suíça, os Estados

Unidos começaram a despontar como centro de referência em razão de possuírem

um dos sistemas de ensino mais sólidos e bem distribuídos entre a população.366 O

seu repertório pedagógico tornou-se um novo paradigma para o campo educacional

brasileiro o que provocou um deslocamento (mas não uma apagamento) do prestígio

363 Algumas bibliotecas infantis brasileiras se constituíram seguindo a concepção introduzida por Cecília Meireles. A primeira biblioteca a ser organizada dentro dessas novas concepções foi a Biblioteca Infantil do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, inaugurada em 15 de abril de 1936 na gestão de Mário de Andrade na Divisão de Expansão Cultural e direção do Departamento de Cultura. Foi instalada em dois amplos salões e possuía arquivos, fichários e mobiliário adequados ao público infantil. Todas as seções eram cuidadosamente organizadas, sobressaindo-se as pequenas coleções numismática e filatélica, a seção destinada aos jogos silenciosos e educativos e a seção de projeção luminosa fixa e animada. ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados" e a política cultural em São Paulo: o Departamento de Cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938). Dissertação de Mestrado, Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 1992; FRACCAROLI, Lenyra Camargo. Biblioteca Infantil do Departamento Municipal de Cultura. RAM (Revista do Arquivo Municipal), São Paulo, v. LXIV, 1939; FRACCAROLI, Lenyra Camargo. Solenidade da inauguração da Biblioteca Infantil. O Estado de São Paulo, São Paulo, 15/04/1936. 364 “O Globo visita a Biblioteca Infantil que hoje se inaugura no Pavilhão Mourisco”. O Globo, Rio de Janeiro, 15/08/34. 365 CORREIA, António Carlos Luz, SILVA, Vivian Batista. Uma história de leituras para professores em Portugal e no Brasil (1930-1971). CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002. p. 3. 366 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. p. 178.

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que a França contava entre a intelectualidade brasileira ligada à administração do

Estado e à Educação. A autora chama a atenção para o fato de que em 4 de abril de

1875, o redator do jornal carioca A Instrução Pública reclamava que o sistema de

ensino no Brasil ressentia-se de ‘todos os vícios do ensino na França’, o que não era

de se admirar, uma vez que nos inspirávamos em suas idéias: ‘copiamos suas leis e

regulamentos, transplantamos suas instituições’.367 Segundo essa autora, os

Estados Unidos e sua experiência pedagógica tornavam-se conhecidos pela

intelectualidade brasileira através, principalmente, das obras de três autores:

L´Instruction Publique aux Étas Unis (1870) de Célestin Hippeau, Rapport sur

l´Instruction à l´Exposition Universalle de Philadelphie (1876) de Ferdinand Buisson

e A Província: estudo sobre a descentralização do Brasil (1870) de Tavares

Bastos.368 No segundo estudo, Warde (2002) afirma que no Brasil e seguramente

em boa parte do mundo ocidental, a França alimentava utopias políticas e projetos

de modernidade, porém essa supremacia cultural começava a ser abalada. Houve

um momento em que o foco mudou e foram os Estados Unidos o novo ponto a ser

mirado:

(...) foi com a própria França napoleônica e suas erupções regressivas que aquelas elites brasileiras começaram a assimilar a crença que elementos da utopia revolucionária e modernizadora francesa estavam sendo realizados não lá, muito menos no resto da Europa, mas basicamente nos Estados Unidos. 369

A influência do ideário pedagógico americano que teve início no século XIX

se fortaleceu nas primeiras décadas do século XX. As idéias de educadores como

John Dewey370 e William James371 começaram a ser trazidas por intelectuais

brasileiros que foram estudar no exterior. Entre eles, Anísio Teixeira, que lá estivera

primeiramente como comissionado do governo baiano para observar a vida

367 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. p. 176. 368 Idem, ibidem. 369 WARDE, Miriam Jorge. Estudantes brasileiros no Teachers College da Universidade de Columbia: do aprendizado da comparação. CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002. p. 38. 370 John Dewey (1859-1952), filósofo e pedagogo norte-americano. É é reconhecido como um dos fundadores da escola filosófica de Pragmatismo, um pioneiro em psicologia funcional, e representante principal do movimento da educação progressiva norte-americana durante a primeira metade do século XX. 371 William James (1842-1910), filósofo, psicólogo e escritor norte americano pioneiro, considerado, ao lado de Charles Sanders Peirce um dos fundadores do pragmatismo.

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intelectual nos Estados Unidos, em 1927, e depois como aluno do Teachers College

em Nova York, em 1928.

Esse processo desencadeado pelas novas idéias educacionais promoveu o

surgimento de uma série de reformas educacionais em diferentes estados

brasileiros: São Paulo (1920-1925, 1931-1932 e 1933); Rio de Janeiro (1927-1930 e

1931-1935); Minas Gerais (1927-1930) e Pernambuco (1928-1930). Este foi um

momento privilegiado em que os intelectuais procuram aprofundar o seu

entendimento sobre o que estava sendo gestado nos diferentes países, havendo

quase que uma necessidade em se apropriar deste novo paradigma educacional.

Assim, assistimos à partida de intelectuais brasileiros que foram conhecer a

experiência americana, como Anísio Teixeira, Noemy da Silveira e Isaias Alves,372

por exemplo.373

O dia continua a trazer novidades: sabe-se já da revolução na Espanha, da independência da Catalunha... Formula-se vagamente, em cada passageiro uma longínqua interrogação: como iremos encontrar a Europa? Perde-se a noção da distância, da tranqüilidade da viagem, do isolamento do mar. Passa-se a viver com o espírito em terra, junto à angústia dos homens. Em vão, para mim, desembarcaremos apenas lá para o fim desta semana. Desde hoje estou já na Europa. É minha sorte estar sempre noutro lugar, evadida do corpo, sem que muitas vezes eu mesma saiba de mim... 374

Enquanto relembramos do envolvimento de Cecília com os assuntos

educacionais, o “Cuyabá” aproximava-se do seu destino. Voltando aos assuntos

educacionais, observamos que a educadora estava trilhando um caminho distinto

dos citados anteriormente, em sentido inverso ao comumente percorrido pelos

educadores brasileiros. Estamos nos referindo à viagem que Cecília Meireles fez a

Portugal: ela não buscava o exterior como uma fonte para se apropriar dos novos

padrões de referência em educação que nesse momento eram amplamente

372 Educador baiano foi um dos idealizadores do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, em 1941. 373 A esse respeito, consultar: WARDE, Miriam Jorge. Estudantes brasileiros no Teachers College da Universidade de Columbia: do aprendizado da comparação. CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002. 374 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 07/10/1934 e publicado juntamente com os relatos dos dias 08 e 09 de outubro de 1934).

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divulgados e atraíam educadores de todo o mundo, como por exemplo, o Instituto

Jean-Jacques Rousseau, em Genebra e o Teachers College, em Chicago.375

Ilustração 18. O vento ... está na Torre de Belém, com o fole virado para cá... Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 9 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 16 de dezembro de 1934.

(Legenda transcrita do original).

A educadora dirigia-se a Portugal um país que não tinha tradição em atrair e

nem costumava ser o itinerário buscado por esses educadores-viajantes, uma vez

que os educadores portugueses também eram atraídos por esses centros

pedagógicos do momento e para lá dirigiam a sua atenção em busca de referencial

375 Sobre a presença de educadores no Instituto Jean-Jacques Rosseau, em Genebra, consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: GONDRA, José Gonçalves, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 250 e 252; Sobre a viagem de Anísio Teixeira à América consultar: TEIXEIRA, Anísio. Aspectos americanos da educação. Disponível em: <www.prossiga.br/anisioteixeira/artigos/viagemEua.html>; NUNES, Clarisse. Anísio Teixeira na América (1927-1929): Democracia, diversidade cultural e políticas públicas de educação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 143-162; GONDRA, José Gonçalves, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Apresentação: a descoberta da América. In: TEIXEIRA, Anísio. Aspectos americanos da educação; Anotações de viagem aos Estados Unidos em 1927. (org. Clarice Nunes). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. p. 9-24; WARDE, Miriam Jorge. Estudantes brasileiros no Teachers College da Universidade de Columbia: do aprendizado da comparação. CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002.

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para respaldar a sua prática pedagógica.376 A tônica da viagem de Cecília também

era diferenciada, ou seja, ela não foi a Portugal em busca dos novos cânones

educacionais que estavam sendo difundidos, mas divulgar o que estava sendo

construído no Distrito Federal. O vento impelia o navio e a educadora levava a

contribuição da experiência brasileira para ser conhecida em Portugal. Era a sua

colaboração ao debate internacional no campo da educação.

Depois de amanhã chegaremos a Lisboa. Fazemos desde hoje as nossas despedidas do mar. Deste mar tão azul. Deste mar que balança tanto, agora, e forma vagas imensas à proa, explodindo em fina espuma. E que maravilha de mar! Ao meio dia, saindo da sombra da cabine, recebe-se no olhar o inesperado deslumbramento. A água dança em redor do barco, despregando suas sedas de safira, que, ao desmanchar das vagas, tomam tintas e transparências de pálidas esmeraldas e indecisas opalas. O ar é de uma claridade de cristal, e o vento que passa arrasta músicas pelo horizonte. E o sol, o sol que está lá em cima, ofuscante, nítido, claro como um diamante incendiado, jorra sobre esse chão espelhante, uma chuva de ouro que crepita e respinga sobre as ondas crespas. Vê-se o desenho da luz contra o azul do dia, da luz que desce em raios como uma fonte de brilhantes vertendo imensas águas hirtas. O mar treme, recebendo-a, arrepia-se, palpita – que parece mais úmido e não se sabe até onde ela desce e o que pensam as vidas submarinas que transitam lá em baixo, se acaso sentirem diferente este dia maravilhoso, que aos homens dá uma impressão de fantástico e irreal. O vento continua. O vento já não nos deixa. O vento está abraçado aos mastros: quer chegar também a Lisboa, quer também avistar Portugal. Vento-marinheiro perdido. Marinheiro vadio, expulso da navegação. Não se consola sem descobrir terras, sem viajar de um continente para outro, bulindo com as gaivotas que descansam nos penedos, desmanchando as curvas da espuma, fustigando os viajantes, rindo-se para as ilhas desertas, assoviando nas bandeiras, e dizendo adeus aos faróis... Vento, vento, vento...377

Cecília Meireles possuía um conhecimento do universo intelectual bastante

elevado para os padrões da época. Talvez esse fator explique o porquê do convite

para falar de literatura e pedagogia em Portugal. O seu interesse pelos livros

376 Sobre as viagens de estudos de educadores portugueses a instituições educativas européias consultar: FERNANDES, Rogério. Irene Lisboa e Áurea Judite Amaral: dois olhares sobre a escola a partir da “Escola Nova”. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 217-245; PINTASSILGO, Joaquim. Imagens e leituras da educação nova em Portugal. Os relatórios de bolseiros portugueses em visita a instituições educativas européias (1907-1909). In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 195-216. 377 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 10/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 11 de outubro de 1934).

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(primeiro os da sua mãe), pela leitura e pelas bibliotecas e pelas línguas

estrangeiras foram fundamentais na constituição do seu aprendizado:

Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: Silêncio e Solidão. Essa foi sempre a área da minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde relógios revelaram o segredo de seu mecanismo e as bonecas, o jogo do seu olhar (...). Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos (...). Foi ainda nessa área que apareceram um dia os meus próprios livros, que não são mais do que o desenrolar natural de uma vida encantada com todas as coisas, e mergulhada em solidão e silêncio tanto quanto possível.378

Cecília Meireles buscou na literatura, subsídios para a Educação. Dela

retirava inspiração para conceber o seu projeto educacional ou a sua idéia de como

deveria ser a educação das novas gerações. Para ela, a literatura tinha um papel

formador na vida dos indivíduos, na sua personalidade e nos seus princípios morais:

era a literatura que mostrava o homem com a veracidade que as ciências talvez não

tivessem. Era o documento espontâneo da vida em trânsito, (...) o depoimento vivo,

natural, autêntico.379 Em Herculano, Bocage, Medeiros de Albuquerque, Camões,

Laurindo Rebelo, Álvares de Azevedo, Silva Alvarenga, Thomas António Gonzaga,

Gregório de Mattos, Cláudio Manuel da Costa, Machado de Assis, Olavo Bilac,

Guerra Junqueiro, entre outros, Cecília encontrou elementos para decifrar a marcha

da vida humana, detendo-se em Cruz e Souza.380 O diálogo que estabeleceu com

esses autores, foi suficiente para compor a sua tese O Espírito Vitorioso, em 1929:

Se é verdade que o ideal da escola moderna não está mais circunscrito a uma pequena plêiade, será verdade também que se tenha generalizado completamente e profundamente, de modo que nenhum obstáculo exista ao seu desenvolvimento e à sua realização?381

378 MEIRELES, Cecília. Notícia biográfica. In: MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. 1972. p. 59. 379 LÔBO, Yolanda L. Memória e Educação: O Espírito Vitorioso de Cecília Meireles. RBEP, Brasília, v.77, n. 187, set./dez., 1996. p. 531. 380 Idem, p. 532. 381 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro, 1929.

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A filiação intelectual de Cecília Meireles era muito diversificada; ela

transitava com desenvoltura entre os campos da educação e da literatura. Suas

“Crônicas de Educação” são ricas em referências a pensadores de diferentes

inserções culturais e teóricas: Dewey, Kilpatrick, Claparède, Bovet, Ferrière,

Pestalozzi, Rousseau, Decroly, Montessori, Fröebel, Kerschensteiner, Herbart e

Piaget e também Nietzsche, Tolstoi, Cícero, Diógenes, Shaw, Gorki, Rilke, Withman

e ainda Tagore e Gibran, entre tantos outros, referências que servem como indícios

para presumir a elaboração do acervo pessoal da educadora.382

Ilustração 19. Ai! Não ser um capitão de barco de prata com velas de seda... O “Cuyabá” aproxima-se de Portugal... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 8 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A

Nação em 16 de dezembro de 1934. (Legenda transcrita do original).

Os conceitos modernos de educação chegavam às interessadas nas

novidades educacionais, entre elas, Cecília Meireles, através da leitura de obras de

educadores como Pestalozzi, Claparède e Montessori e provavelmente através de

experiências inovadoras. Não podemos nos esquecer que essas experiências eram

382 Sobre a constituição da biblioteca particular de Cecília Meireles pode-se deduzir a sua configuração a partir das referências presentes em sua obra, já que não está organizada e disponibilizada para consulta dos pesquisadores. Sobre circulação e apropriação de modelos culturais, através dos impressos e respectivas a montagem de bibliotecas, consultar: CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Livros, modelos pedagógicos e marcas de leitura na biblioteca particular de um diretor da instrução pública paulista. Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/colubhe06/versaopreliminar/principal.htm>

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divulgadas nos jornais e também entre os próprios educadores, que apoiando ou

não essas iniciativas, concorriam para a sua divulgação. Essas novas idéias eram

disseminadas pelas várias associações criadas em torno da causa educacional,

como por exemplo, a Liga Brasileira Contra o Analfabetismo, a Associação Cristã

Feminina e a Associação Brasileira de Educação (ABE).383

Outras iniciativas empreendidas por essas associações (palestras,

conferências, entrevistas em jornais, exposições, cursos, lançamento de livros, etc.),

não deviam passar despercebidas de Cecília, cuja personalidade indagadora fazia

com que estivesse sempre ligada às novidades e iniciativas do momento. Bem

informada com o que se passava no mundo ao seu redor, essas idéias e ações

encontraram acolhida junto àquelas provenientes da leitura dos grandes clássicos da

literatura e da educação. Se não há registro de sua filiação a nenhuma dessas

entidades, as idéias e ações divulgadas pelas mesmas não passaram ao largo e

encontraram abrigo em sua personalidade ávida por conhecimento e foram

responsáveis pela moldagem de suas próprias concepções e do seu projeto de

educação, que transparecem nos seus primeiros ensaios rumo à escrita de obras

pedagógicas e Crônicas de Educação.

1.4. Viagem, educação e intercâmbio para a paz

Gera-se da liberdade gravemente conquistada um sentido de amor imortal que é a única esperança de sustentação do universo. A educação que esquecer esse sentido de amor, ou que o tenha ignorado, perdeu a razão de ser, e não pode mais tentar situar-se nos dias novos que o mundo agora reconquista, depois de tantas experiências e tão formidáveis sacrifícios.384

No período em que dirigiu a “Página de Educação” Cecília Meireles

principiou as suas reflexões sobre a articulação entre educação e viagem. Em

“Intercâmbio escolar”385 e “Fraternidade”,386 ela se preocupava com a aproximação

383 Sobre a participação feminina nas associações consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: o legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. Bragança Paulista: EDUSF, 2002. 384 MEIRELES, Cecília. Educação. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 06 de dezembro de 1931. 385 MEIRELES, Cecília. Intercâmbio escolar. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 7 de agosto de 1930. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 149.

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entre os povos, vislumbrando a fraternidade que deveria ser incentivada pelo

intercâmbio pedagógico. A união entre os povos era uma de suas mais caras

aspirações. Segundo ela, o trânsito das idéias, de uma terra para outra, o

conhecimento das qualidades de cada povo, e mesmo os seus defeitos, o gosto da

visitação e de toda aproximação humana que vence fronteiras e dificuldade de

língua conduziria à harmonia entre os povos.387 Para Cecília, ainda somos quase

todos estrangeiros, uns para os outros, as raças e as religiões têm sido obstáculos

para o convívio fraterno de que precisamos. Era necessário que se operasse no

mundo uma transformação que humanizasse e essa transformação, para ser

profunda e definitiva, teria que ser realizada pela educação.

Defendia uma obra educacional que não tivesse como meta a padronização

das criaturas, mas o reconhecimento salutar das desigualdades. Em “A paz pela

educação”,388 Cecília retomou a questão da construção da fraternidade entre os

povos através do Mito de Narciso, e reafirmava: nós só amamos bem o que se

parece bem conosco; andamos sequiosos de repercussões, de respostas, de

reflexos que de certo modo repitam o que somos.389 Além da arte, da ciência, da

filosofia e do misticismo, a educação poderia obter resultados satisfatórios por ter

múltiplas possibilidades, afirmava. Para tanto, a educação têm, a seu ver, objetivos

muito maiores que o simples ler e escrever. O ideal de educação que propalava

ultrapassa os limites estreitos da sala de aula, derruba fronteiras entre os países,

dissolve os estranhamentos de raça, língua, cultura, religião. A educadora afirmava

que para os educadores, a paz é uma finalidade a que devem tender todos os

trabalhos humanos.390 Ela via a fraternidade e a cooperação entre os povos não

como um apelo especial, à margem dos programas escolares, mas, ao contrário,

como o objetivo central, o cerne da educação. Sobre estas questões, Lamego (1996)

revela:

386 MEIRELES, Cecília. Fraternidade. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 23 de janeiro de 1932. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 151-153. 387 MEIRELES, Cecília. Fraternidade. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 23 de janeiro de 1932. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 151-153. 388 MEIRELES, Cecília. A paz pela educação. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 301-303. 389 MEIRELES, Cecília. A paz pela educação. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 301-303. 390 MEIRELES, Cecília. Fraternidade. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 2001. p. 310.

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Cecília Meireles foi de uma geração que pioneiramente estabeleceu um lugar para a mulher na vida pública. Sua presença na direção de uma seção de jornal representa um poder que poucas mulheres de sua década conheceram. Como suas contemporâneas latino-americanas, Cecília Meireles foi uma defensora intransigente da fraternidade mundial. Na esteira de sua defesa por uma irmandade que não fosse apenas nacional, limitada pelos símbolos e pelo sentimento de unidade típicos das Nações-Estado, Cecília Meireles pregava a abolição total das velhas instituições, em prol do renascimento de uma sociedade menos apaixonada pelos símbolos de uma pátria construída na base da exclusão, da desvalorização de seus cidadãos e cidadãs e das guerras. Dizia a escritora: “Como seria bom poder, destruindo uma instituição, uma lei, uma fórmula, agir magicamente sobre uma idéia!”391

As reflexões de Cecília sobre a importância das viagens só foi mais bem

explorada e desenvolvida em suas crônicas publicadas na coluna “Professores e

Estudantes”, do jornal A Manhã, entre 1942 e 1944 e são reflexo das muitas viagens

que fez e que tiveram início em 1934. Em crônicas como “Lin Yutang e o turismo”,392

“Educação e turismo”,393 “Intercâmbio, Folclore e Turismo, etc”,394 “A propósito de

colônias de férias”,395 “Boa vizinhança”,396 “Embaixada de crianças”397 e “Turismo e

educação profissional”,398 por exemplo, é difícil distinguir quem é a educadora e

quem é a viajante, de tal forma elas estão entrelaçadas.

Cecília diz em sua crônica “Viajar”, de 1951, que há uma grande distância

entre o compêndio onde se estuda e o palácio que se atravessa (...).399 A viajante

encontra sempre uma oportunidade para se desvelar e a educadora se revela

tecendo comentários. Aqui uma oportunidade de comentar um livro que traz críticas

391 LAMEGO, Valéria. Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 23. 392 MEIRELES, Cecília. Lin Yutang e o turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 7-9. 393 MEIRELES, Cecília. Educação e turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 91-93. 394 MEIRELES, Cecília. Intercâmbio, Folclore e Turismo, etc. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 99-102. 395 MEIRELES, Cecília. A propósito de colônias de férias. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 103-106. 396 MEIRELES, Cecília. Boa vizinhança. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 87-90. 397 MEIRELES, Cecília. Embaixada de crianças. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 155-158. 398 MEIRELES, Cecília. Turismo e educação profissional. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 315-318. 399 MEIRELES, Cecília. Viajar. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 245.

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interessantes ao modo de viajar do ocidental, como em “Lin Yutang e o turismo”,400

ali uma conferência sobre a experiência de um professor que incentiva as colônias

de férias como parte do programa educacional de sua escola.

Ilustração 20. ...Phenicios! Argonautas! Luzíadas! – mas por que não nasci marinheiro; por que não me deram ao mar? Bico de pena de Fernando Correia Dias de 10 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A

Nação em 23 de dezembro de 1934. (legenda transcrita do original).401

Mais à frente, em “Embaixada de crianças”,402 fala da chegada ao Rio de

Janeiro de crianças argentinas em missão de cordialidade, experiência cujo valor

educativo é indiscutível: as crianças são conduzidas por sonhos e entre eles, ouve e

contempla todas as coisas, ao contrário dos adultos que quando visitam um país,

vêm demasiadamente preparados, amarrados a muitas contingências, dominados

por muitos interesses de várias categorias,403 afirmava.

400 MEIRELES, Cecília. Lin Yutang e o turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 7-9. 401 Nessa passagem do “Diário de Bordo” Cecília faz uma evocação semelhante à da “Ode Marítima” de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), onde o poeta exclama: Fenícios! Cartagineses! Portugueses atirados de Sagres (...)!, numa alusão aos povos formadores da matriz lusitana. O poema foi originalmente publicado na revista Orpheu de número 2. CAMPOS, Álvaro de. Ode Marítima. Orpheu, Lisboa, n. 2, abril/junho de 1915. 402 MEIRELES, Cecília. Embaixada de crianças. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 155-158. 403 Em outras crônicas se refere ao amadorismo brasileiro em relação ao turismo, da necessidade de se oferecer ao turista ou ao viajante, melhores condições de realização de seus objetivos: faltam publicações nas instituições e sítios pitorescos. Quanto aos museus, diz que faltam itinerários e planos de suas salas e não existem explicações de suas vitrines. Outra carência é quanto aos atrativos que caracterizam cada região ou cidade, as

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Suas reflexões voltavam-se a todo instante para a articulação que deveria

existir entre viagem e educação. Para Cecília, o campo da educação não tem

limites, e ilimitadas são as oportunidades de se tentar o melhoramento humano.

Ilustração 21. Sobe, sobe, marujinho, aquele mastro real... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 12 de Outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 30 de Dezembro de 1934. (Legenda transcrita do original).

Para Cecília, a educação tem objetivos maiores que a simples

instrumentalização para ler, escrever e fazer contas: a educação deve extrapolar os

limites das quatro paredes da sala de aula, precisa derrubar fronteiras e ganhar o

mundo. Assim, as viagens têm esse sentido educativo, para além do mero

divertimento. Elas têm a capacidade de fomentar a fraternidade e a cooperação

entre os povos. Esses preceitos não deveriam estar à margem dos programas

escolares, mas ao contrário, era preciso que estes fossem o objetivo central, o cerne

do processo educativo. Em “A paz pela educação”,404 publicada no Diário de

Notícias em 11 de agosto de 1932, Cecília retoma o mito de Narciso para

exemplificar a ligação entre educação e fraternidade: nós só amamos bem o que se

habilidades regionais não eram exploradas a contento e o turista não podia levar com ele as pequenas recordações do seu passeio. 404 MEIRELES, Cecília. A paz pela educação. Diário de Notícias, 11 de agosto de 1932. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 301-303.

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parece conosco; andamos sequiosos de repercussões, de respostas de reflexos que

de certo modo repitam o que somos.405 Para que a paz fosse estabelecida

(...) seria necessário, primeiro, que os homens se sentissem unidos por uma inspiração geral de amor. Para que esse amor, porém, possa, por sua vez, existir, mister se faz uma expansão de conhecimento que torne familiares todas as coisas que ainda estejam sendo obscuras ou incompreensíveis, e de cuja desconfiança e temor podem nascer esses desequilíbrios que custam o preço das guerras e marcam sombriamente a longa marcha da humanidade (...).406

A arte, a ciência, a filosofia e o misticismo poderiam obter resultados

satisfatórios, mas a educação, por possuir maior riqueza de oportunidades e por se

dirigir simultaneamente a todos, preparava (...), por múltiplos processos, os próprios

elementos de que vai ser construído o mundo que se espera, acima deste que por

enquanto se vê.407

1.4. Re-encontrar Lisboa

O “Cuyabá” aproximava-se de Portugal. Correia Dias iria, depois de 20 anos

de ausência, rever a sua terra natal, enquanto Cecília preparava-se para a emoção

do desembarque:

Amanhã, hão de me ver descendo aquela escada que ainda guarda a instabilidade das águas, embora se dirija para a terra firme... Hão de me ver com os olhos tranqüilos, e sorrindo, desprender-me desta viagem como os pássaros que se resignam algumas vezes a andar pelo chão... E este (ilegível) destino como se nada tivéssemos os dois, de comum: sem nada me dizer, e sem que eu nada lhe diga... Tudo será sempre: a bandeira do topo; a âncora que regressa das águas; o cheiro acre da carga de cacau, que se sente à popa; a orquestra, onde continua brincando a graça e o requebro da música brasileira: “Quando um homem está zangado, um agradinho é bom...”408

405 MEIRELES, Cecília. A paz pela educação. Diário de Notícias, 11 de agosto de 1932. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 301-303. 406 Idem, ibidem. 407 Idem, ibidem. 408 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 11/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 10 de outubro de 1934).

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Nas suas crônicas de viagem uma de suas cidades prediletas parece ser

Lisboa, a ela dedica algumas crônicas: “Até Lisboa”,409 “Lisboa, em junho”,410

“Evocação lírica de Lisboa”411 e “Quem não viu Lisboa”.412 É uma cidade mágica por

excelência: telhados, embarcações, oliveiras, tudo dança como cartas de um baralho

pitoresco (...). Quem não viu Lisboa, não viu coisa boa. Em “Até Lisboa”, publicada

no Diário de Notícias em 27 de março de 1957, ela dizia que além das famosas

areias de ouro, Portugal possuía três coisas muito amoráveis: os amigos, a

paisagem e as criaturas simples.413

Ilustração 22. Auscultar a tendência do mundo, diante de um pequeno aparelho... Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 11 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 23 de dezembro de

1934. (legenda transcrita do original).

Os amigos, que eram sempre pessoas maravilhosas e que se encontravam

por toda parte; as paisagens, que eram belíssimas e também se encontravam por 409 MEIRELES, Cecília. Até Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.3, 1999. p. 95-98. 410 MEIRELES, Cecília. Lisboa, em junho. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.3, 1999. p. 89-94. 411 MEIRELES, Cecília. Evocação lírica de Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 231-238. 412 MEIRELES, Cecília. Quem não viu Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 271-272. 413 MEIRELES, Cecília. Até Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.3, 1999. p. 95-98.

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muitos lados, e as pessoas simples, que embora nem sempre com a mesma

simpatia, não eram, igualmente, exclusividade de Portugal. Mas tudo aquilo ao

mesmo tempo, e em número razoável, eram uma felicidade. Quem não viu Lisboa,

não viu coisa boa.414

Voltamos no tempo. Dia 11 de outubro, véspera da chegada do “Cuyabá” a

Lisboa já não se está mais onde se está, mas um pouco além...415 Cecília e os

demais passageiros ouvem as notícias da Europa através do rádio da cabine do

comandante:

Vozes francesas, em número de comédia; vozes inglesas e alemãs cantando; vozes espanholas em comunicados políticos, ordenando grevistas a comparecerem ao trabalho... Milagre do século: poder sentir-se a palpitação de cada povo no nervo da antena, – auscultar a tendência do mundo, diante de um pequeno aparelho que, ao simples movimento de um botão, pode revelar os sonhos mais absurdos e mais distantes...416

Amanhecia o dia 12 de outubro de 1934. Via-se ao longe aquela que se

tornaria uma das cidades prediletas de Cecília: Lisboa. Quem não viu Lisboa, não

viu coisa boa.417 No vigésimo segundo dia da travessia, Cecília, Correia Dias e os

demais passageiros do “Cuyabá” atingem o final da travessia. Do navio advinham

Lisboa e descobrem os amigos que os esperam no cais de Alcântara:

12 de outubro: dia propício aos marinheiros. Colombo chegou à América, e eu – perdoa-me, terra das aventuras! – hoje vou descobrir Portugal. Se às três da manhã já se avistam faróis, é preciso que eu esteja de pé. E aqui estou. A água bate mansinha, toda negra... O céu todo negro esconde as estrelas em baixo das asas. Passo a cabeça pela vigia. Vem o cheiro do mar, salgado e acre como se a água fosse um enorme peixe, exalando um perfume denso. O navio dorme, com os seus corredores iluminados, e as portas fechadas sobre o silêncio e o sono. A delícia é correr pela escada acima, e olhar para dentro da noite, onde está o dia escondido... Tão manso vai o navio como entregue ao movimento da água, apenas... Dizendo-lhe: “Já

414 MEIRELES, Cecília. Quem não viu Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 271-272. 415 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 11/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 10 de outubro de 1934). 416 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11 de Outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 23 de Dezembro de 1934. 417 MEIRELES, Cecília. Quem não viu Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 271-272.

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andei tanto, não vês? Conheço todo esse mar... Conheço a grande solidão, e o vento enorme... Andaram as nuvens e as estrelas por cima de mim... Por baixo, uma vida infinita palpitou e multiplicou-se, interminavelmente... Queres levar-me? Pois leva-me... Fica lá com essa ilusão de me transportares... Aqui me tens, nas tuas mãos... Faze comigo o que quiseres...” E a água, então, muito feminina, muito sussurrante, muito sinuosa, encosta-se com ares felinos pela quilha que venceu o mar alto; murmura-lhe doçuras, esta água que tem sorrisos e suspiros; põe-se festiva e lânguida, contente e frívola... E o navio vai andando quase parada, como se fechasse os olhos e se deixasse conduzir, escutando, sem crer, todo aquele murmúrio, - navegador que não se ilude com sereias, mas, em todo caso, não desgosta de ouvir a sua voz... O mar é sombra móvel e úmida. O céu é sombra que se evapora. A linha da paisagem é sombra que se modela e vai mostrando aqui e ali uma luz indecisa, pronta a morrer na manhã que está prometida. Vem da superfície da água um cheiro intenso e frio de cardumes. Vamos chegando junto aos outros barcos, que enfeitam com seus mastros e velas o porto silencioso, - viajantes à porta de uma cidade que dorme, esperando que amanheça para lhe poderem falar. Torre de Belém, Jerônimos. Palácio das Necessidades. (Mas quem anda pelas vossas salas? Mas quem chama das vossas janelas? Mas quem que sobe e desce pelas vossas escadas?) Cemitério dos Prazeres. (Ai, mas quem vos enterrou, e que vai brotar das vossas covas? Mas como ficastes para aí, de mãos postas sobre o coração, com a esperança, apenas do Juízo Final?) Castelo de S. Jorge... Este sol preguiçoso de Lisboa custa muitíssimo a aparecer! E enquanto passam as vozes, e os olhos procuram descobrir os nomes da paisagem, e todos se apressam para o instante de uma visão definitiva, vão despertando as águas do Tejo, vai-se tingindo o céu de cores tênues, uma luz de ouro muito leve embebe a distância, e colore a cidade, de suas casas superpostas, com manchas rosadas e brancas, amarelas, cinzentas, azuis... Surge, afinal, o sol vagaroso, com suas auréolas suaves, de diluído carmim, de ouro pálido, de jade morto, de azul muito brando – fazendo faiscar a cidade longe, com suas fronteiras de azulejo, suas vidraças quadriculadas, seus sótãos que estão lá no alto dos telhados, de cócoras, espiando as ruas que ainda estão na sombra, tão embaixo... “Alcântara-mar”... – As docas. Os guardas municipais, de uniforme cinzento e luvas brancas, um emblema verde e vermelho nas mangas, levantam seus olhos militares para o vulto do “Cuyabá”. Estão por ali, aos dois e três, corpulentos e graves, com essa imponência especial dos homens gordos que usam bigode. Alguns trazem o capote pelos ombros. São um ornamento da paisagem. Acho-os todos parecidos com Napoleão. Napoleões em férias, projetando alguma

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empresa marítima, para vencer o fantasma de Santa Helena, o fantasma inesquecível, traiçoeiramente deitado nas águas... Manobras. Vozes que falam de terra. Homens que correm de cá para lá... Os passageiros que respiram fundo, que respiram o ar da cidade, que já não vêm mais nada em redor de si, que pensam, que dizem, que riem: “Lisboa! Lisboa! Lisboa!” E eu ali, forasteira – descobridora, quase pisando terra estranha e conhecida, - eu para ali, sentindo sob os meus pés o navio que desliza, vendo descerem a escada por onde terei de descer, encantada e saudosa, querendo ficar e querendo seguir, com alegria da terra e saudade das águas... ... E os amigos que chegam e dizem: “Bom dia!” como se estivéssemos no Brasil, como se não tivéssemos viajado... E o meu nome que se ouve debaixo deste céu novo, pronunciado com uma ternura que me deixa indefesa e quase melancólica, de tão feliz... Lisboa. Já não sei mais nada de nada... Vou descendo por aqui, sem olhar para trás... Dizem atrás de mim: - Não se esqueça de pisar em terra, com o pé direito! Direito ou esquerdo? Não sei. Salto para terra. E vou indo como sonâmbula, para onde me vão levando, - porque eu não sei nada, compreendem? Eu sou um coração que vai cantando segundo o ritmo da vida que anda em redor...418

418 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 12/10/1934).

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Capítulo 2

A preparação da viagem

Chamam por mim as águas, Chamam por mim os mares.

Chamam por mim, levantando uma voz corpórea, os longes, As épocas marítimas todas sentidas no passado, a chamar.

(Álvaro de Campos – “Ode Marítima”)

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Ilustração 23. Cecília contempla as estrelas. Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 5 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 (data presumida).

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2.1. Como fiéis pombos correios: Cecília Meireles e a rede

epistolar com os intelectuais portugueses419

Minha Senhora: Não tenho o prazer de a conhecer pessoalmente, mas gostei tanto dos seus versos que não resisti à tentação de felicitá-la em quatro linhas sinceras. Encontrei nos seus poemas um sabor moderno que, ligado à forma clássica, lhes dá uma graça nova e irresistível. (...) Mande-me mais versos, se é que tem mais publicados.420 Agradeço e aceito de todo o coração a amizade que me oferece tanto mais que estava já disposta a escrever-lhe, encantada com os seus livros que me tem (ilegível) um grande encantamento espiritual. (...) O seu último livro ‘Baladas para El-Rei’, se bem que um pouco menos moderno na forma, tem como os outros, a mesma inspiração rica, a mesma emoção doce e profunda. Que pena não nos termos visto quando aí estive em Dezembro!421 Nunca pensou na possibilidade de vir a Portugal? Seu marido faria uma exposição e você uma conferência... Pense muito e mande-me dizer o que lhe parece a idéia.422

Datam de 1930 estas cartas enviadas pela poeta e educadora portuguesa

Fernanda de Castro à também poeta e educadora Cecília Meireles. Nelas, a

intelectual portuguesa elogiava os versos e solicitava o envio de livros. Esta

solicitação foi bem sucedida, pois em sua próxima carta, de 8 de maio de 1930,

Fernanda agradecia o oferecimento da amizade e do livro Baladas para El-Rei,

propunha à nova amiga a permuta de livros de autores brasileiros e portugueses

desconhecidos entre elas e a convidava para uma visita a Portugal. Cecília faria

conferências e Correia Dias uma exposição de seus trabalhos. O convite para as

conferências partiu de Fernanda de Castro, porém os detalhes da viagem foram

419 Expressão utilizada por Fernanda de Castro para denominar a pontualidade das cartas enviadas por Cecília Meireles. Ver: CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 184. 420 Excerto de carta de Fernanda de Castro a Cecília Meireles, de fevereiro de 1930, em anotações de Darci Damasceno. Para maiores detalhes, ver: DAMASCENO, Darci. Notas acerca da poesia, da crítica e da correspondência de Cecília Meireles. [Rio de Janeiro], [s.d.]. N. p. Original. Manuscrito. 26,2,71. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. 421 Fernanda de Castro refere-se à sua presença no Brasil em dezembro de 1929. 422 Excerto de carta de Fernanda de Castro a Cecília Meireles, de 8 de maio de 1930, em anotações de Darci Damasceno. Para maiores detalhes, ver: DAMASCENO, Darci. Notas acerca da poesia, da crítica e da correspondência de Cecília Meireles. [Rio de Janeiro], [s.d.]. N. p. Original. Manuscrito. 26,2,71. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. Fernanda de Castro se refere ao livro Baladas para El-Rei de 1925. MEIRELES, Cecília. Baladas para El-Rei. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira Lux, 1925.

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tratados por meio de cartas trocadas com o amigo José Osório de Oliveira que

providenciou os trâmites legais da viagem e das conferências junto ao Diretor

Técnico da Exposição Colonial do Porto e ao diretor do Secretariado da Propaganda

Nacional, António Ferro. Osório também publicou notas nos jornais referentes à

presença dos intelectuais brasileiros em Portugal.

Como essa rede epistolar foi construída e de que forma proporcionou o

contato com outros educadores de outras regiões do Brasil, da América e do

mundo? Quem eram os seus principais correspondentes portugueses? Qual o papel

dos intelectuais de ambos os países na construção desse intercâmbio e a

importância que a imprensa – as revistas e os jornais – desempenharam nos dois

lados do Atlântico para a construção dessa rede de intelectualidade luso-brasileira?

Quem e quais as relações dos intelectuais portugueses com o Brasil e dos

intelectuais brasileiros com Portugal?

Tomando como suporte a rede epistolar construída por Cecília Meireles,

esse segundo capítulo tem como objetivo entender como a primeira viagem da

jornalista, poeta e educadora foi programada, ou seja, as razões que motivaram e

quem se responsabilizou pela sua concretização. Essas questões não poderiam ser

respondidas sem que se procurasse compreender o papel desempenhado pela rede

epistolar construída por Cecília com os intelectuais portugueses e como esta refletiu

o que vinha sendo realizado em termos de intercâmbio dos dois lados do Atlântico.

Assim, procurou-se analisar as relações que ela estabeleceu com os intelectuais

portugueses e de que forma estas lhe permitiram e proporcionaram o convite e a

viagem a Portugal. Essa produção epistolar foi utilizada como fonte documental e

entrecruzada com suas crônicas de viagem, com textos de autores do pensamento

pedagógico brasileiro e português, bem como com outros documentos bibliográficos

(livros, periódicos, dissertações e teses) e jornalísticos que tinham ligação estreita

com o tema estudado. Na terceira parte desse capítulo fazemos um recuo no tempo

para colher impressões sobre o envolvimento de alguns dos interlocutores de Cecília

Meireles com o projeto de intercâmbio entre os dois países: o luso-brasileirismo.

Quem eram esses intelectuais? Em que espaços sociais atuavam e estavam

inseridos? Quais eram as suas preocupações mais imediatas e como contribuíram

com as suas idéias para o desenvolvimento dessa interlocução? Essas foram

algumas das questões que possibilitaram entrever as preocupações literárias e/ou

pedagógicas e políticas desses intelectuais, qual o seu envolvimento nesse projeto e

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o significado das revistas e das sociedades literárias e/ou pedagógicas para o seu

estabelecimento.

Sabemos que seguramente muitos dos contatos estabelecidos entre Cecília

e os intelectuais portugueses não foram feitos exclusivamente pela via epistolar.

Entretanto, as cartas que ela escreveu e recebeu poderiam responder algumas

questões e dar sentido a algumas lacunas que vinham sendo formuladas durante a

investigação. Para o historiador as cartas são, como qualquer outra fonte, conforme

destacam Dauphin e Poublan (2002), objetos construídos, inscritos no tempo e no

espaço social.423 Consoante com essa perspectiva, procuramos por meio da

correspondência de Cecília e seus interlocutores apreender o significado e os

porquês da sua escrita e compreender os bastidores dessa sua primeira viagem a

Portugal, lembrando sempre que para o historiador o manuseio das cartas é

importante na medida em que permite, como afirmam Dauphin e Poublan (2002),

compreender as razões e a lógica que presidem essas práticas de escritura e de

conservação e não apenas o desvelamento da suposta intimidade dos

correspondentes.424

As missivas trocadas entre Cecília e os seus interlocutores, como toda e

qualquer correspondência, carregam, mostram, escondem e oferecem

possibilidades de compreender itinerários pessoais e profissionais de formação e

ainda seguir a trama de afinidades eletivas, como afirma Mignot (2002). Permite,

ainda, capturar a singularidade de uma vida e/ou projeto de uma geração, indicando

pistas para uma maior compreensão a respeito da história política do país e, em

particular, sobre o papel desempenhado por esses intelectuais.425

Estudar a epistolografia de Cecília Meireles não é tarefa das mais fáceis ao

pesquisador, em parte por se encontrar dispersa e mesmo desconhecida aos

interessados, uma vez que Cecília se correspondia com muitos intelectuais e de

forma bastante intensa. Parte da correspondência ativa e passiva de Cecília com os

vários intelectuais foi encontrada em instituições brasileiras e portuguesas: no

arquivo Darci Damasceno (Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de

423 DAUPHIN, Cécile, POUBLAN, Daniele. Maneiras de escrever, maneiras de viver. Cartas familiares no século XIX. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs). Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 80. 424 Idem, p. 82. 425 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Artesãos da palavra: cartas a um prisioneiro político tecem redes de idéias e afetos. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo:UPF, 2002. p. 115-116.

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Janeiro), na Biblioteca Nacional de Portugal (Arquivo de Cultura Contemporânea),

Biblioteca do Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico, e na

Hemeroteca Municipal de Lisboa (cartas publicadas em periódicos).

Nesse levantamento realizado em diversas instituições brasileiras e

portuguesas foram encontradas 564 cartas, 11 cartões, 5 postais e 3 envelopes que

foram enviados por Cecília para diferentes intelectuais entre 1931 e 1964, ano em

que a poeta faleceu. Entretanto, essa é, provavelmente, uma pequena amostra do

volume de cartas que devem existir nos arquivos da poeta e no dos seus

correspondentes, que estão guardados em arquivos familiares e não

disponibilizados para os pesquisadores. Dentre os seus correspondentes deparamo-

nos com personalidades como Adolfo Casais Monteiro, Afonso Duarte, Alberto de

Serpa, Alfonso Reyes, Armando Côrtes-Rodrigues, Carlos Queiroz, Diogo de

Macedo, Fernanda de Castro, Fernando de Azevedo, Gabriela Mistral, Henriqueta

Lisboa, Irene Lisboa, Isabel do Prado, Jaime Cortesão, João Afonso, João de

Barros, José Osório de Oliveira e Raquel Bastos, José Régio, Maria Dulce Lupi

Cohen Osório de Castro (Maria Valupi), Maria Helena Vieira da Silva e Arpad

Szenes, Mário de Andrade, Natércia Freire, Manuel Mendes, Luis de Montalvor e

Vitorino Nemésio.426 Essa correspondência localizada durante a pesquisa está

dispersa, como afirmado anteriormente, em acervos do Brasil (Rio de Janeiro, São

Paulo e Belo Horizonte), Portugal (Lisboa e Porto), México e Chile, porém sabemos

que Cecília Meireles manteve uma interlocução muita mais ampla que a que ora

registramos neste trabalho. A poeta estabeleceu relações epistolares com

personalidades de muitos outros paises e descobrir todos esses correspondentes

ultrapassa os limites dessa investigação. Somente a consulta aos seus arquivos

pessoais é que poderá ajudar a dizer quem e quantos foram os seus

correspondentes, pois eles existiram desde os neófitos que a escreviam em busca

de conselhos literários e até mesmo dentre os anônimos, como é de praxe entre os

escritores que recebem missivas de desconhecidos que apreciam a sua obra.

Foi possível encontrar parte de sua correspondência passiva dentre os

inúmeros documentos colecionados por Darci Damasceno e que se encontram sob a

guarda da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Das cerca de trinta cartas

localizadas nesse arquivo, encontramos os seguintes remetentes: Afonso Duarte,

426 Ver quadro de com o levantamento da correspondência ativa e passiva de Cecília Meireles nos Anexos deste trabalho.

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Afrânio Peixoto, Alberto de Serpa, Alfonso Reyes, Anita Malfatti, Augusto Meyer,

Carlos Drummond de Andrade, Carlos Queiroz, Diogo de Macedo, Fernando de

Azevedo, José Osório de Oliveira, Fernanda de Castro, Miroel Silveira, P.

Michailowsky, Telmo Vergara e William Berrien. Essas missivas foram enviadas

entre 1927 e 1939. Dentre as cartas recebidas, sete foram publicadas em Cecília e

Mário427 e uma em Cartas para além do tempo, de Fernanda de Castro.428 Esta

última, no entanto, apesar de ter sido escrita para Cecília Meireles nunca foi enviada

pelos meios tradicionais e nem recebida pela destinatária, pois foi escrita como o

próprio nome diz, além do tempo, numa homenagem póstuma feita pela poeta

portuguesa à poeta brasileira.

Do conjunto que compreende a correspondência ativa e passiva de Cecília

Meireles muitas foram localizadas e consultadas, outras, apesar de se ter

conhecimento da sua existência não puderam ser consultadas por se encontrarem

em acervos familiares, particulares ou com os respectivos destinatários e seus

herdeiros e não estarem disponíveis aos pesquisadores. É o caso das

correspondências, como por exemplo, de Cecília com Afonso Duarte, Fernanda de

Castro e Carlos Queiroz. Outras não foram consultadas por se encontrarem em

países como Chile e México e as instituições não disponibilizarem a sua consulta de

outra forma que não a presença física dos pesquisadores.429 As demais, quando

localizadas e acessadas, foram lidas e inseridas como fonte documental para a

pesquisa, notadamente, aquelas que se inscrevem no período imediatamente

anterior e posterior à viagem de Cecília a Portugal. Também foi utilizada a

correspondência com datação posterior ao recorte temporal determinado para a

pesquisa, como documentação de suporte, para esclarecer lacunas e pontos

obscuros quando surgiam. Foi utilizada, por exemplo, a correspondência de Cecília

Meireles com Armando Côrtes-Rodrigues, escrita num período posterior ao recorte

temporal da pesquisa, mas que contribuiu para elucidar algumas lacunas, uma vez

que Cecília em diversos momentos se utilizou da retrospectiva em suas cartas ao

poeta açoriano.430

427 MEIRELES, Cecília. Carta a Mário de Andrade. MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 428 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas, Europress, 1990. 429 Que são as cartas enviadas a Gabriela Mistral e Alfonso Reyes, respectivamente. 430 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. (Organizadas e publicadas pelo

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Das 564 cartas enviadas por Cecília Meireles, 293 estão publicadas em

jornais, revistas e livros. Os jornais portugueses (Diário dos Açores, Jornal de Letras

& Artes) e brasileiros (Minas Gerais) e revistas literárias portuguesas como Revista

de Artes e Letras, Colóquio, Colóquio/Letras e Terceira Margem e publicaram 7

cartas.431 Grande parte da correspondência foi publicada em livros de diferentes

procedências e objetivos, como a coletânea que reúne as 246 cartas de Cecília a

Armando Côrtes-Rodrigues trocadas entre 29 de janeiro de 1946 e 3 de março de

1964;432 a coletânea de Cartas a João de Barros433 em que se publicou 1 carta de

Cecília ao poeta e educador; e ainda em obras como A farpa na Lira,434 Antologia

Poética435 e Cecília e Mário436 em que foram publicadas 39 cartas a Fernando de

Azevedo, Maria Valupi e Mário de Andrade, respectivamente. As 271 cartas

restantes e que não se encontram publicadas estão sob a guarda de instituições

brasileiras, portuguesas, mexicanas e chilenas. No Brasil foram encontradas no

Arquivo Darcy Damasceno da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 5 cartas

enviadas por Cecília Meireles a Diogo de Macedo, Fernanda de Castro e Maria

Dulce Lupi de Castro Osório (Maria Valupi); no Instituto de Estudos Brasileiros –

IEB/USP encontramos outras tantas no acervo dos escritores Mário de Andrade e

Fernando de Azevedo;437 entre as centenas de documentos doados pela família da

poeta Henriqueta Lisboa ao Acervo de Escritores Mineiros da FALE/UFMG estão 42

cartas e 7 cartões, enviados entre 1931-1963; na Fundação Casa de Rui Barbosa Instituto Cultural de Ponta Delgada sob a supervisão do Prof. Celestino Sachet, professor da Universidade Federal de Santa Catarina). 431 MEIRELES, Cecília. Carta inédita de Cecília Meireles para Armando Côrtes-Rodrigues. Ponta Delgada, Diário dos Açores, 26 de novembro de 1964. p. 2; MEIRELES, Cecília. Carta de Cecília Meireles a Henriqueta Lisboa. Jornal Minas Gerais, Suplemento Literário, 1967; MEIRELES, Cecília. CARTAS inéditas de Cecília Meireles. Lisboa, Jornal de Letras & Artes, n. 242, 1 de junho de 1966. p. 10; PELOSO, Lina Tâmega del. A imagem da Estrela na poesia de Cecília Meireles. Lisboa, Colóquio, Revista de Artes e Letras, abril, 1970. p. 61-63; AFONSO, João. Carta inédita de Cecília Meireles a João Afonso. Lisboa, Colóquio/Letras, n. 61, maio de 1981. p. 39-41; CRISTÓVÃO, Fernando. Cartas inéditas de Cecília Meireles a Maria Valupi. Lisboa, Colóquio/Letras, n. 66, março de 1982. p. 63-71; SARAIVA, Arnaldo. Uma carta inédita de Cecília Meireles sobre o suicídio do marido (Correia Dias). Porto, Terceira Margem: Revista do Centro de Estudos Brasileiros, n. 1. 1998. p. 55-59. Alguns desses periódicos também podem ser encontrados na biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro. 432 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. (Organizadas e publicadas pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada sob a supervisão do Prof. Celestino Sachet, professor da Universidade Federal de Santa Catarina). 433 BARROS, João de. Cartas a João de Barros. Lisboa: Edição Livros do Brasil, [19--]. p. 333-334. 434 LAMEGO, Valéria. Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 209-238. 435 VALUPI, Maria. Antologia Poética. Vila Nova de Famalicão, Portugal: Quasi Edições, 2007. p. 131-170. 436 MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 289-309. 437 Parte dessa correspondência foi publicada. Consultar: LAMEGO, Valéria. A farpa na lira: Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996; e MEIRELES, Cecília. Carta a Mário de Andrade. MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

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foram encontradas 77 cartas enviadas a Isabel do Prado. Em Portugal, foram

encontradas na Biblioteca Nacional de Portugal, na Fundação Arpad Szénes-Vieira

da Silva, na Biblioteca Municipal do Porto e no Museu João de Deus Bibliográfico,

Pedagógico e Artístico.

A correspondência destinada ao amigo e educador Fernando de Azevedo,

escritas entre 8 de abril de 1931 e 27 de junho de 1938, num total de 20 cartas,

doadas em 1970 pelo próprio Fernando de Azevedo, foram encontradas no Arquivo

do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). Algumas das cartas trocadas com o

amigo José Osório de Oliveira estão depositadas na Biblioteca Nacional de Portugal

enquanto que a grande maioria, num total de 48 cartas, está sob a guarda de um

colecionador e foram compradas de Raquel Bastos em 1967 (dessas 49 cartas, 7

foram enviadas para Raquel Bastos, 1 para o casal e outra para os amigos).438 Das

cartas que têm Maria Valupi como interlocutora 4 foram publicadas em periódicos

portugueses 13 foram publicadas em seu livro póstumo Antologia Poética439 e 30

estão sob a guarda do seu sobrinho, o poeta português António Osório.

Cecília também se correspondeu com relativa assiduidade, de 1931 a 1933,

com Alfonso Reyes, embaixador do México no Brasil. Reyes foi o construtor de uma

sólida ponte cultural e literária entre o México e o Brasil e em meio às tarefas de

caráter político e burocrático que teve que desempenhar sempre encontrou espaço

para desenvolver uma ampla agenda cultural, não só para difundir a cultura

mexicana, como para dialogar com escritores e intelectuais brasileiros. O

embaixador mexicano contribuiu para estimular a discussão de políticas de

aproximação entre o Brasil e os países hispano-americanos. Em 1932, Cecília

Meireles foi enfática em sua admiração por Reyes. No período em que Cecília e

Reyes se corresponderam, este lhe proporcionou livros e revistas mexicanos sobre

educação e cultura popular e Cecília aproveitou o espaço da “Página de Educação”,

que manteve até 1933 no jornal Diário de Notícias, para difundir temas mexicanos. A

partir de 1934, a correspondência diminuiu, mas se conservou até 1940. As 16

cartas que resultaram desse intercâmbio entre os dois intelectuais, a maioria dos

438 As cartas que estão sob a guarda do professor Arnaldo Saraiva, da Universidade do Porto, foram consultadas por mim durante o período em que estive em Portugal, durante o Estágio de Doutorado, entre março e junho de 2007. 439 VALUPI, Maria. Antologia Poética. Vila Nova de Famalicão, Portugal: Quasi Edições, 2007. p. 131-170.

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primeiros tempos da amizade, permanecem ainda inéditas e podem ser encontradas

no Acervo da Capilla Alfonsina, no México.440

A interlocução entre Cecília e Fernando de Azevedo foi estudada por Vidal

(2001) que analisou os aspectos formais e de conteúdo das missivas, com o objetivo

de entender as relações entre a poeta, a escrita epistolar, os acontecimentos

educacionais dos anos 1930 e o seu interlocutor.441 Outra autora, Lamego (1996),

também se utilizou das cartas de Cecília a Fernando como uma das fontes

documentais em seu trabalho A Farpa na Lira e transcreveu e publicou, na íntegra, 9

das 20 cartas existentes no arquivo daquele educador.442 A autora empregou, ainda,

cerca de 750 artigos jornalísticos publicados entre 1930 e 1933 na “Página de

Educação” do jornal Diário de Notícias para compor o seu estudo. Em A Farpa na

Lira Lamego (1996) revelou a presença da jornalista e educadora nos embates

travados na imprensa carioca em favor da educação nova e das reformas

educacionais, bem como a passagem de Cecília Meireles pelas agruras da

Revolução de 30 e sua estréia no jornalismo.443

A epistolografia de Cecília Meireles também foi utilizada como fonte em

Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra

de Camões, Antero e Pessoa, por Gouvêa (2001). Nesse trabalho, a autora tratou da

presença da poeta em Portugal e procurou reconstituir a partir da pesquisa em

múltiplos acervos portugueses (da Ilha de São Miguel, inclusive) e brasileiros, da

conversa com algumas pessoas que a encontraram ou a estudaram e também da

revisita a alguns dos principais itinerários lusíadas da poeta.444 Em alguns

momentos, recorreu à ficção como meio de soldar o tecido documental ali onde ele

se esgarçava. A autora revela a importância e o apreço da intelectualidade

portuguesa pelo poeta, a intelectual e a mulher igualmente raros que o Brasil pôde

440 Consultar: CRESPO, Regina Aída. Cultura e política: José de Vasconcelos e Alfonso Reyes no Brasil (1922-1938). Revista Bras. Hist., v. 23, n. 45, São Paulo, jul. 2003; Sobre a correspondência de Alfonso Reyes com Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Carlos Lacerda consultar: ELLISON, Fred P. Alfonso Reyes e o Brasil: um mexicano entre os cariocas. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002. Esse último autor transcreve partes de cartas enviadas por Cecília Meireles ao embaixador Alfonso Reyes. 441 VIDAL, Diana Gonçalves. Da sonhadora para o arquiteto: Cecília Meireles escreve a Fernando de Azevedo (1931-1938). In: NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (org.). Cecília Meireles: a Poética da Educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, p. 81-103, 2001. 442 As 11 cartas restantes foram copiadas por mim durante pesquisa realizada no IEB-USP em Outubro de 2000. 443 LAMEGO, Valéria. Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 17. 444 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 24.

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um dia abrigar.445 Além dos arquivos brasileiros e portugueses, nos indicou

importantes fontes bibliográficas e jornalísticas como: Diário de Lisboa, Diário de

Notícias, Diário da Manhã e Diário de Coimbra e também os periódicos publicados

pela Faculdade de Letras de Lisboa e pela Universidade de Coimbra.

As cartas de Cecília Meireles para Henriqueta Lisboa, foram interrogadas ao

lado das missivas de intelectuais como Carlos Drummond de Andrade e Mário de

Andrade por Paiva (2006). A autora teve como objetivo compreender a amizade

literária, com ênfase nas cartas de Drummond, a poética e a recepção da obra de

Henriqueta Lisboa, discutidas nas missivas de Mário, e a questão feminina, a partir

das cartas de Cecília. Também apresentou os arquivos da poeta mineira e tratou

das questões pertinentes ao estudo das cartas, tais como o estatuto da carta no

arquivo, suas configurações e a polêmica relação entre público e privado presente

em seu uso. Além das cartas, Paiva (2006) também se utilizou de outras peças do

arquivo, como os recortes de jornais, para exemplificar e enriquecer as discussões

propostas a partir da correspondência.446

A produção epistolar de Cecília Meireles com os intelectuais portugueses

foi, ainda, estudada por Mota (2002) com o objetivo de avaliar a importância dos

laços de amizade e relações profissionais existentes entre eles.447 A autora conclui

que este fecundo diálogo luso-brasileiro, mal grado o deficiente funcionamento do

correio transcontinental, era o meio mais imediato de perpetuar o sempre necessário

e defendido intercâmbio entre as duas nações.448

Diários, entrevistas, biografias e cartas, não só de personalidades de

destaque no mundo literário, artístico, político ou social, mas de personagens

anônimos como donas-de-casa, professoras, estudantes e/ou amigas de infância

ganharam certa visibilidade não apenas dos leitores, mas, segundo Gomes (2004),

um maior reconhecimento tanto pelo mercado editorial, quanto pela academia. Esse

gênero de escrita, a “escrita de si” antes apenas explorado no campo da literatura,

têm encontrado nos dias de hoje uma utilização muito mais ampla. Ainda que fosse

utilizada como fonte nas pesquisas históricas até então, a escrita de si, só foi

445 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 24. 446 PAIVA, Kelen Benfenatti. Histórias de vida e amizade: as cartas de Mário, Drummond e Cecília para Henriqueta Lisboa. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. 447 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 7. 448 Idem, ibidem.

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considerada fonte privilegiada e tornada, ela mesma objeto da pesquisa histórica, só

muito recentemente, mais exatamente, a partir da última década do século XX. De

acordo com Gomes (2004), a procura por essas fontes requer maiores investimentos

em sua utilização e análise, ou seja, maiores cuidados teórico-metodológicos.449 A

autora também evidencia a necessidade de um maior investimento no tocante à

criação/manutenção de centros de pesquisa e documentação que sejam lugares

privilegiados à guarda de arquivos, não só de personalidades, mas até mesmo dos

escritos de pessoas “comuns” – as chamadas escrituras ordinárias ou escritos sem

qualidade.450

Mas qual a importância da escrita de si ou escrita epistolar? Porque ela é

tão significativa? O que pode ser entrevisto, compreendido, apreendido? Como

entender o diálogo que se estabeleceu entre Cecília Meireles e a sua rede de

sociabilidade? Como Cecília escreve e para quê escreve? Por que a escrita de si

interessa ao historiador? O que os estudos sobre a escrita epistolar poderiam

oferecer às minhas indagações?

Ao mesmo tempo em que cartas e diários utilizando o papel como suporte

material podem ser considerados coisas dos nossos avós, costume do passado ou

uma prática em extinção, assistimos a um crescente interesse dos leitores por

publicações que têm como característica principal a escrita biográfica e

autobiográfica. A partir da leitura de cartas, bilhetes, cartões, telegramas e postais

trocados com amigos, familiares, leitores e intelectuais é possível delinear o perfil

dos seus autores, suas preferências e seus gostos, reconstituir o universo cultural e

o momento histórico, a inserção política e social dos correspondentes, além de

serem importantes fontes sobre os bastidores da criação literária desses intelectuais.

Da correspondência pessoal de Cecília Meireles foi possível acessar somente

aquela mantida com amigos e intelectuais, ficando de fora o seu diálogo com

familiares e leitores. A leitura dessa correspondência pessoal foi significativa, por

reunir cartas de importantes nomes do cenário brasileiro e também do exterior,

tornando possível entrever aspectos do universo intelectual da escritora. Também

não foi possível trabalhar com a sua correspondência burocrática, onde poderíamos

449 GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES, Ângela de Castro. (org.). Escrita de si, escrita da história. (org.). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 10. 450 CUNHA, Maria Teresa Santos. “Por hoje é só...” Carta entre amigas. In: MIGNOT, A. C. V., BASTOS, M.H.C., CUNHA, M.T.S. (org.). Refúgios do eu: história e escrita autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000. p.181-204.

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encontrar a interlocução de Cecília com instituições, editoras, associações,

bibliotecas e escolas que favoreceria a compreensão da sua inserção na esfera

pública.

De acordo com Dauphin e Poublan (2002), as cartas sempre ocuparam, na

historiografia, o status de documento. Esse lugar de destaque se deve, segundo a

autora, ao conteúdo das cartas que é valorizado pela qualidade do signatário, do

destinatário ou das pessoas citadas:

Os dizeres – os mais simples, os detalhes –, os mais incongruentes, tornam-se signos a serem interpretados. Como no campo literário, as correspondências legitimadas, pelo destaque que ocupam na sociedade, desvelam a vida privada, o que se esconde atrás da cena pública, o que não é acessível no mistério da obra ou na fulgurância do acontecimento. O gênero biográfico é particularmente ávido a esses documentos, que se tornam provas ou indícios ao sabor dos autores. Parecendo manter-se bem longe do documento oficial e do discurso construído, a citação epistolar produz esse ‘excesso de sentido’ que insufla força, convicção e veracidade aos comentários.451

A correspondência ordinária, no entanto, nunca obteve o mesmo prestígio e

só recentemente adquiriu estatuto de documento, porém contribui, igualmente, na

leitura, que deve levar em conta, além do conteúdo (...), as condições de sua

redação e de sua leitura, as circunstâncias das trocas, sua conformidade (ou não) às

convenções.452 De qualquer forma, salienta a autora, qualquer que seja a

procedência das cartas e a qualidade do escritor, não se deve descurar de certos

cuidados pois a produção epistolar não pode ser considerada como espelho fiel da

realidade, pois comportam mecanismos de ilusão cujas regras e efeitos são

constitutivos de sua significação.453

As cartas recebidas e enviadas aos destinatários portugueses oferecem-nos

a possibilidade de entrever, mais do que vestígios do tempo e do contexto histórico,

dos acontecimentos vivenciados pelos interlocutores, das preferências e dos gostos

pessoais e artísticos de Cecília Meireles: permitem-nos acompanhar e aquilatar a

intensidade do relacionamento existente entre os missivistas. Escrever cartas é,

451 DAUPHIN, Cécile, POUBLAN, Daniele. Maneiras de escrever, maneiras de viver. Cartas familiares no século XIX. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs). Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 75. 452 Idem, p. 76. 453 Idem, ibidem.

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para muitos, além de uma emoção, uma forma de ousar, de ser transparente e

vulnerável,454 pois no ritual epistolar das cartas consultadas podemos encontrar,

implícitos ou explícitos, alguns indícios do grau de intimidade existente entre os

correspondentes. Inicialmente, o ritual epistolar das cartas analisadas é mais formal

tanto por parte de Cecília quanto de quem as envia:

Minha ilustre confrade, Não será este o tratamento protocolar, mas não somos nós irmãos no amor da literatura? Cada vez penso mais que só a literatura, a poesia e a arte unem os espíritos, por cima de tudo que separa os homens.455

As saudações tornam-se mais íntimas com o passar do tempo e,

naturalmente, após o retorno de Portugal, quando a amizade encontrava-se mais

consolidada pela proximidade física e espiritual: Minha querida Fernanda, Minha

querida Dulce, Minha boa Amiga, Minha querida Amiga. Também são cordiais e

afetuosas as despedidas:

Adeus, querida. O meu endereço vai no alto da carta. Beijo-te com muita ternura. Muitas saudades a todos daí e abraços aos teus pequenos. Afetuosamente, Cecília.456

O gesto epistolar é um gesto privilegiado, segundo Santos (2005), pois ao

mesmo tempo em que são veículos de expressão de si, expressão da subjetividade,

de sentimentos ligados à interioridade de uma pessoa, também remetem a um

espaço de sociabilidade. Além disso, expressam sensibilidade por meio das

palavras, destilam sentimentos, sensações, pensamentos, intuições, imagens, tanto

relacionados aos estados afetivos, como aos sentidos e aos pensamentos mais

interiores. Segundo a autora, as cartas são um refúgio privilegiado do sentimento e

da espontaneidade, um registro marcado pela subjetividade e um registro de

memória individual e coletiva.457 Assim sendo, a escrita epistolar interessa ao leitor e

454 BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs). Laços de papel. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs). Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 6. 455 OLIVEIRA, José Osório. Carta a Cecília Meireles. Lisboa, 26 de abril de 1934. Arquivo Darci Damasceno, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. (503) 26,4,27. 456 MEIRELES, Cecília. Carta de Cecília Meireles a Fernanda de Castro. Rio de Janeiro, janeiro de 1936. Biblioteca Nacional, Arquivo Darci Damasceno, (473) 26,3,127 (cópia manuscrita). 457 SANTOS, Nádia Maria Weber. Escritos de si como reveladores de sensibilidades sobre a loucura (Brasil, início do século XX). IIe Journée d'Histoire des Sensibilités EHESS. 10 março, 2005.

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ao historiador por conter as práticas culturais de um tempo, os hábitos e os valores

partilhados, que encerram as representações de uma época:

O que interessa ao historiador é a evolução dessa prática, dos usos, maneiras e modos de escrever, dos contextos em que se escreve, bem como os materiais, objetos ou signos utilizados para se escrever além do espaço social, significados e relações em que tais atos se produzem.458

Ainda segundo a autora, a escrita epistolar pode trazer outras possibilidades

para os historiadores da educação já que a sua utilização pelos mesmos requer

outros enfoques, releituras e re-interpretações que se inserem na ótica da cultura

escrita. Além disso, por meio das cartas o pesquisador pode não só recolher dados

e informações sobre o momento histórico vivido mas recompor toda uma história dos

processos de comunicação entre as pessoas comuns, até mesmo os próprios

modos e maneiras de escrever, como a função dos tipos de letra – maiúscula,

minúscula – nas notícias corriqueiras, a expressividade gráfica exercida, etc. Pela

análise dessas práticas epistolares é possível, também, perceber como a escrita

torna possível novas estratégias cognitivas, modos de pensamento e expressão, um

outro sentido de tempo e espaço, salienta a autora.459

Um comentário de Cecília Meireles, em correspondência de 29 de janeiro de

1946, ao seu amigo português Armando Côrtes-Rodrigues, deslinda algumas

questões acerca da forma e do seu estilo de escrever:

Perdoe-me escrever à máquina. Meus amigos europeus sempre têm certo ressentimento contra essa mecanização da escrita. (...) Mas a vida me levou intensamente para o jornalismo, para as traduções, para a necessidade de escrever rápido e escrever claro. (...) eu acho que as cartas de amizade deviam ser lindamente escritas como esta sua, que tanto me encantou só de olhá-la, com seu vagar, seu ritmo, sua beleza gráfica, de uma serenidade divina. E eu sou tão móvel, tão ocupada, a vida me chamou para tantos lados... Signo de água. Preciso ser fluida, fugitiva, dispersar. Compadeça-se de mim!460

458 CUNHA, Maria Teresa Santos. A escrita epistolar e a História da Educação. GT02/História da Educação. ANPED, 2002. Disponível em: <http://www.anped.org.br/25/posteres/mariateresasantoscunhap02.rtf>. 459 CUNHA, Maria Teresa Santos. A escrita epistolar e a História da Educação. GT02/História da Educação. ANPED, 2002. Disponível em: <http://www.anped.org.br/25/posteres/mariateresasantoscunhap02.rtf>. 460 MEIRELES, Cecília. Correspondência de janeiro de 1946. MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998.

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Fluido, fugitivo, disperso como a sua própria personalidade, mas claro,

rápido, organizado, segundo as imposições das suas atividades como jornalista e

tradutora. Em carta ao amigo Fernando de Azevedo, Cecília também denota essa

vida agitada e a necessidade de ser entendida, sem rodeios nem delongas. Na

maior parte das vezes, escrevia apressadamente, pois já não tenho tempo para

nada,461 confessava.

Em sua análise sobre a escrita epistolar de Cecília Meireles, Vidal (2001)

afirma que a educadora tinha conhecimento das recomendações dos manuais sobre

a arte de escrever cartas. Apesar disso, em várias ocasiões ela mesma as infringia

propositalmente e ainda revelava ao interlocutor as transgressões que cometeria.

Essas infrações propositais e os pedidos de desculpas que fazia ao interlocutor

podem ser observados em alguns momentos:

Se lhe fosse descrever coisa por coisa do que vi, não acabava mais, e era possível que perdesse a sua estima, que tanto prezo, - porque, depois de certo limite, as cartas mais agradáveis podem tornar-se cacetes.462 Não sei se lhe deva pedir perdão por um certo hermetismo de que eu mesma sinto, às vezes, revestirem-se as minhas palavras. Não sei - porque não é uma atitude voluntária mas o meu feitio natural, sumamente retraído e inviolável, ainda nos instantes de mais aparente expansão.463

Se Cecília escrevia de forma equilibrada e de acordo com as normas

vigentes e também quebrava todas essas regras deliberadamente, o que não dizer

dos porquês da sua escrita? Estas nada tinham de comum, mas davam saltos além

do seu tempo. Cecília escrevia sobre assuntos vários, com tonalidades específicas à

sua emotividade e clarividência. Nada em sua pena demonstrava a banalidade da

vida, a mesmice do palavreado batido dos jornais e de tantos outros jornalistas,

escritores e aspirantes às letras tão comuns em todas as épocas. Cecília revelava

que apreciava escrever cartas e o fazia com satisfação, mas às vezes com receio.

Num tempo marcado pela velocidade e em que tudo se resolvia provisoriamente, era

461 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 02/05/1934. FA - Cp, Cx. 21, 72. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). 462 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 06 de novembro de 1934. FA - Cp. Cx. 21, 75. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). 463 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 07 de março de 1934. FA - Cp, Cx. 21, 70/1. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros).

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uma ventura e uma aventura vencer a mecanização da palavra e escrever uma

longa carta – quase sempre sem objetivo certo nem rumo previsto – como os avós

deviam escrever no século dezoito, dizia:

Para as naturezas demasiado lúcidas ou práticas, não será isto uma alegria suficiente. Para mim é. É mesmo uma das poucas ainda restantes a quem se conformou a tal ponto com o aspecto grave do mundo, e também com a sua máscara frívola que já não busca direções impossíveis, nem evita as inevitáveis, mas agradece as casualidades amáveis, embora sem as deter: não se deve exigir que os pássaros cantem além da sua extensão natural, nem que as flores excedam sua vida, somente para nos serem agradáveis. Eu, que não sou mais prática, e não gosto de ser muito lúcida, sempre me inclinei para esta sedução das palavras - embora não desconheça alguns dos seus maus resultados. Conversar é fazer nascer a sombra. Às vezes, tudo parece tão simples, tão fácil, quando apenas pensado. Fala-se, e vê-se tudo mais longe. As palavras tem as três dimensões - e a quarta. E acontece que entre o lábio que diz e o ouvido que escuta podem viver e morrer vários universos em espaço e em tempo.464

Nas cartas que escreveu, Cecília revelou suas desconfianças, suas

inquietudes, agradeceu os livros que recebeu de presente, pediu e enviou notícias,

confessou o prazer que sentia em escrever e receber cartas, escreveu e dedicou

poemas, reconheceu a sua loquacidade, a sua estranheza e a quase compulsão em

encher páginas e páginas de palavras. Muitas vezes, desculpou-se por um certo

hermetismo de que as suas palavras se revestiam e que não eram uma atitude

voluntária mas o seu feitio natural, sumamente retraído e inviolável, ainda nos

instantes de mais aparente expansão.465 Os seus interlocutores foram sempre

generosos em partilhar amizade, cuidados, elogios, gentilezas e projetos, entre os

quais aquele primeiro convite para realizar conferências em Portugal.

Há muito mais a ser pesquisado, descoberto e entrevisto nas cartas de

Cecília Meireles. Isso requer um estudo mais pormenorizado, que não só capture a

singularidade de sua personalidade, mas que consiga estabelecer uma ligação mais

íntima com os espaços de sociabilidade, com as práticas culturais, hábitos e valores

de seu tempo. Fizemos apenas uma primeira aproximação no sentido de buscar

esses sentidos, de entender, por meio desse processo de comunicação entre dois

464 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, de 21de março de 1934. (FA - Cp. Cx. 21, 71/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 465 Idem, correspondência de 7 de março de 1934 (FA - Cp. Cx. 21, 70/1).

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interlocutores, um pouco do itinerário pessoal e profissional dessa personagem tão

rica, que está presente e é uma das escultoras das mais belas páginas da cultura,

do jornalismo e da educação brasileiros.

2.2. Futuros cicerones

A primeira vez que vieste a Portugal, vieste convidada pelo S.P.N. O António era então o seu diretor e tinha o direito, o dever, de convidar os intelectuais mais válidos de cada país amigo. Tu eras, Cecília, além de minha amiga um grande poeta e foi com a maior alegria que soube pelo António que tu e o teu marido, o pintor português Correia Dias, tinham aceitado o convite que vos fora dirigido.466

A leitura desse extrato de uma carta de Fernanda de Castro serve como

ponto de partida para vislumbrar o significado da amizade que se estabeleceu entre

as duas poetas por mais de três décadas. O convite para que Cecília Meireles

realizasse conferências em Portugal foi formulado pela poeta portuguesa em 1930 e

aceito em 1934, quando o casal Cecília e Fernando Correia Dias embarcou no Rio

de Janeiro, a bordo do Cuyabá, em direção a Lisboa. Fernanda era casada com

António Ferro, escritor e jornalista que seria, mais tarde, como mencionado

anteriormente, diretor do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) do governo

salazarista, cargo que exerceu ao longo de 16 anos.

No momento em que os preparativos da viagem de Cecília Meireles eram

providenciados, Portugal passava por um período político conturbado com a

instalação da Ditadura de António de Oliveira Salazar que permaneceu por um longo

período no poder (julho de 1932 a setembro de 1968). Salazar iniciou a sua carreira

política como Ministro das Finanças no governo de Vicente de Freitas, general ligado

à União Liberal Republicana e se tornou um ditador não militar com forte formação

católica (...) recrutando nessa área muitos dos elementos que seriam a sua base

social de apoio, conforme Pessoa (2005). Assistiu-se, naquele momento, à ruptura

de mais de um século de experiências liberais – sob a forma monárquica ou

republicana – e a lenta edificação de um regime autoritário, corporativo e anti-

466 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas, Europress, 1990. p. 44.

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parlamentar.467 O regime salazarista caracterizou-se pela supressão das liberdades

fundamentais de associação, de expressão e de manifestação, (...) no campo

político, sindical e cultural e estabeleceu a censura prévia à imprensa, à rádio e aos

espetáculos. Esse acirramento político ocasionou o exílio no exterior de muitos

intelectuais portugueses com convicções republicanas, estando o Brasil como

destino de muitos desses expatriados.

Ilustração 24. António de Oliveira Salazar e António Ferro durante a inauguração do Secretariado da Propaganda Nacional em 26 de outubro de 1933. Fonte: PORTUGAL. Secretariado Nacional de Informação. Catorze anos

de Política do Espírito. Lisboa: SNI, 1948.

O diretor do Secretariado da Propaganda Nacional, António Joaquim

Tavares Ferro, de 1913 a 1918, cursou Direito na Universidade de Lisboa e conviveu

com intelectuais como Mário de Sá-Carneiro,468 Fernando Pessoa e Almada

Negreiros, que faziam segundo Leal (1994) uma apologia da dissidência.469 A sua

467 PESSOA, Ana Maria Pires. A educação das mães e das crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. 4v. Tese (Doutorado em Ciências da Educação). Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. 2005. p. 149. 468 Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do Modernismo em Portugal, pertenceu à Geração d’Orpheu. 469 LEAL, Ernesto Castro. António Ferro: espaço político e imaginário social (1918-32). Lisboa: Edições Cosmos, 1994. p. 33.

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estréia literária deu-se em 1914 com o livro Missal de Trovas,470 que obteve uma

razoável acolhida por parte de poetas como João de Barros, Afonso Lopes Vieira,471

Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro que o convidou, no ano seguinte para ser

editor da revista Orpheu. Sua rede de sociabilidade estendeu-se e António Ferro

passou a integrar o mundo cultural português. Trabalhando em importantes

periódicos como redator (O Século, em 1920), como crítico teatral (Diário de Lisboa,

1922), como diretor (Ilustração Portuguesa, 1922) e como redator (Diário de

Notícias, em 1923) projetou-se nacional e internacionalmente. De 1920 a 1930,

Ferro iniciou a sua aproximação na esfera política realizando uma série de

reportagens onde divulgou os regimes autoritários italiano, espanhol e turco, que

editou sob o título de Viagem à volta das Ditaduras. Em 1932 fez cinco entrevistas a

Oliveira Salazar e consumou, definitivamente, a sua proximidade com o poder.

No campo das possibilidades disponíveis, conforme afirma Leal (1994),

António Ferro escolheu o modernismo e o futurismo como atitude estética e o

presidencialismo como atitude política.472 As entrevistas concedidas por Salazar

transformaram-se em livro – Salazar, o Homem e a Sua Obra – editado pela

Empresa Nacional de Publicidade em 1933. A publicação acabou transformando-se

no livro-manual do ano I do Estado Novo e estava a serviço da apologia do

presidente do Conselho (Salazar) e consolidava, conforme Fontes (2008) a proposta

de regeneração autoritária, nacionalista e corporativa:

Com uma forma essencialmente didática, apresenta o primeiro corpo de doutrina acessível ao grande público. O regime inaugurava a sua fase revolucionária, dispondo de um bem conseguido instrumento de propaganda. Salazar escrevera o prefácio, com data de 16 de Janeiro de 1933, num claro ato legitimador.473

De acordo com o autor, António Ferro tinha uma percepção clara de como a

cultura se poderia transformar num poderoso instrumento de poder a serviço do

Estado e a utilizou na construção de um discurso cultural onde os conflitos sociais

encontravam-se em harmonia com os desígnios nacionais: ao Povo Português era

atribuída uma missão divina – propagar e defender os grandes valores da 470 CUNHA, Augusto, FERRO Antonio. Missal de Trovas. Lisboa: Liv. Ferreira, 1914. 471 Afonso Lopes Vieira (1878-1946), poeta português. 472 LEAL, Ernesto Castro. António Ferro: espaço político e imaginário social (1918-32). Lisboa: Edições Cosmos, 1994. p. 37. 473 FONTES, Carlos. A matriz de António Ferro. Disponível em: < http://acultura.no.sapo.pt/page8Matriz.html>. Acesso em 19/03/2008.

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cristandade no mundo.474 O Império português era apresentado como o exemplo da

obra civilizacional do mundo ocidental e as suas aldeias – constituídas por gente

trabalhadora, pobre e feliz – eram apresentadas como modelo às demais nações

civilizadas.475 A política do Estado Novo assumiu a missão de restaurar a “alma da

pátria portuguesa”, que os governos liberais quase conseguiram destruir:

A ordem pública, o miraculoso equilíbrio das contas públicas eram apresentados como exemplos de um país que voltou a reencontrar-se consigo próprio, aceitando o que herdou do seu passado glorioso, com o orgulho de quem aceita o que melhor pode aspirar, libertando-se de todos os seus desejos exteriores. Conformam-se os pobres com o que possuem, e os ricos com aquilo que Salazar lhes proporciona. As elites culturais com o estatuto de privilégio que lhes é proporcionado. A exaltação patriótica dos ‘valores nacionais’ não se projetam no sentido de descobrir novos saberes ou técnicas, mas na auto-contemplação do ser português, como se nessa atitude se contivesse tudo o que de melhor se pode aspirar. A história de Portugal, como a concebe Salazar e a encena António Ferro, termina afinal na quietude contemplativa da sua própria trajetória, nos seus hábitos e costumes (...).476

O Secretariado da Propaganda Nacional foi criado em 1933 por António

Ferro que transformou a estrutura inicial numa máquina de propaganda e controle

das atividades informativas, culturais e turísticas.477 A propaganda era alimentada

por uma produção contínua de informação destinada aos órgãos de comunicação e

à Emissora Nacional, aliada a uma ampla produção editorial e à organização de

exposições em Portugal e no exterior. Em seus dezesseis anos como diretor

daquele órgão, António Ferro incentivou a cultura, principalmente as artes plásticas

– cinema, música, dança, teatro – concedendo prêmios, encomendando e/ou

comprando obras e produzindo eventos sem promover, entretanto, as estruturas

indispensáveis à expansão da produção cultural.478 A atividade de Ferro à frente do

SPN contribuiu, de acordo com Alves (2007), para difundir uma imagem idealizada

do país:

474 FONTES, Carlos. A matriz de António Ferro. Disponível em: < http://acultura.no.sapo.pt/page8Matriz.html>. Acesso em 19/03/2008. 475 Idem, ibidem. 476 Idem, ibidem. 477 Idem, ibidem. 478 Sobre a atividade do Secretariado de Propaganda Nacional, mais tarde denominado como Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, consultar: PORTUGAL. Secretariado Nacional de Informação. Catorze anos de Política do Espírito. Lisboa: SNI, 1948; e ainda Ó, Jorge Ramos do. Os anos de Ferro: o dispositivo cultural durante a "política do espírito", 1933-1949. Ideologia, instituições, agentes e práticas. Lisboa: Editorial Estampa, 1999.

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Entre as idéias que constituem a memória crítica do Estado Novo português, está a de um regime criador de perfis idílicos da nação, encenador do mundo campestre das aldeias, inventor de ranchos folclóricos e de galos de Barcelos. Como se sabe, um dos principais contributos para a construção dessa imagem foi dado pelo Secretariado da Propaganda Nacional, o órgão máximo da propaganda do regime, criado em 1933 e dirigido durante os primeiros dezesseis anos por António Ferro, figura proeminente do primeiro modernismo, escritor e jornalista. De fato, desde o início da sua atividade que o Secretariado da Propaganda Nacional, também conhecido por SPN e mais tarde por SNI (Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo), desenvolveu uma política folclorista sistemática e continuada no tempo, com repercussão a nível interno e fora das fronteiras portuguesas. Ao longo dos anos 1930 e 1940, organizou várias exposições de arte popular, promoveu o concurso da aldeia mais portuguesa, editou livros de temática etnográfica, lançou espetáculos e palestras com dança e música populares, tentou estabelecer um estilo decorativo contemporâneo inspirado nos motivos rústicos, criou os Bailados Verde-Gaio, companhia de dança marcada por um repertório de cariz folclórico, fundou o Museu de Arte Popular, etc. 479

Quando esteve pela primeira vez ao Brasil, em 1922, António Ferro

trabalhava como crítico teatral do Diário de Lisboa e como diretor da Ilustração

Portuguesa. Estava prestes a se casar com a escritora Fernanda de Castro. Logo

em seguida, ela desembarcou no Rio de Janeiro para se encontrar com o futuro

marido. O casamento foi feito por procuração: ela em Portugal, ele no Brasil, tendo

como testemunha o almirante Gago Coutinho. Na ocasião, ambos participaram da

Semana de Arte Moderna, em São Paulo, convivendo quase que diariamente com

intelectuais que vinham se destacando nas artes brasileiras como Mário de Andrade,

Tarsila do Amaral,480 Anita Malfatti,481 Oswald de Andrade,482 Monteiro Lobato,483

Menotti del Picchia484 e outros de que me lembro menos bem,485 relembrava

479 ALVES, Vera Marques. A poesia dos simples: arte popular e nação no Estado Novo. Etnográfica, maio 2007, v. 11, n. 1, p.63-89. 480 Tarsila do Amaral (1886-1973) foi a pintora mais representativa da primeira fase do movimento modernista brasileiro, ao lado de Anita Malfatti. Seu quadro Abaporu, de 1928, inaugurou o movimento antropofágico nas artes plásticas. 481 Anita Catarina Malfatti (1889-1964) pintora, desenhista, gravadora e professora brasileira, a primeira artista brasileira a aderir ao modernismo, tendo sido uma das expositoras da mostra, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, que fazia parte da Semana de Arte Moderna de 1922. 482 José Oswald de Sousa Andrade (1890-1954) escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro. Foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna. Tornou-se um dos grandes nomes do modernismo literário brasileiro. 483 José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948) um dos mais influentes escritores brasileiros do século XX, popularmente conhecido pela sua obra de livros infantis. 484 Paulo Menotti Del Picchia (1892-1988) poeta, escritor e pintor modernista ítalo-brasileiro. Participou da Semana de Arte Moderna. Em 1943, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Principais obras Juca Mulato (1917) e Salomé (1940). 485 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 184.

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Fernanda de Castro. Quando o casal retornou ao Rio em dezembro de 1929,

Fernanda não se encontrou com Cecília Meireles,486 mas ficou conhecendo alguns

de seus poemas por intermédio de amigos e escreveu, em fevereiro de 1930, a

primeira das muitas cartas à intelectual brasileira de quem se tornaria amiga. A

história da amizade entre as duas amigas tinha início com a escrita e a leitura dessa

carta. Conforme afirmam Dauphin e Poublan (2002):

Ler uma carta é entrar em uma história sem conhecer a primeira palavra, sem saber o que aconteceu antes nem o que chegará depois, o que se disse antes, nem o que se dirá depois. Sabemos somente que essa carta é um momento de longa duração, apenas um elo de uma cadeia sem começo nem fim.487

Fernanda e Cecília se corresponderam com bastante assiduidade durante

cerca de três décadas. Elas trocavam não apenas cartas entre si, mas poemas e

livros – já publicados, ou a publicar – para que Fernanda lesse, encaminhasse aos

amigos e providenciasse a publicação:

Cecília... passei horas a reler as tuas cartas. Como eu gostaria de transcrever aqui algumas, aquelas em que verdadeiramente és tu, o Poeta em que fez ninho a Poesia, a Mãe das tuas três meninas, a Amiga pontual, exata, cujas cartas atravessavam regularmente o Atlântico, como fiéis pombos-correios. Mas não, não tenho esse direito. O que escrevias para mim não o escreverias para todos.488

Como Cecília Meireles afirmara em uma das suas cartas enviadas de

Moledo da Penajóia ao amigo Fernando de Azevedo, Fernanda de Castro era uma

criatura encantadora que tinha o mesmo tóxico que ela tinha no sangue do espírito:

deslumbramento pela selva e pelo oceano, loucura pelo sol e pelas raízes, fome do

infinito que apenas sussurra e palpita e se esconde.489 The Arabian Sisters, era o

título sugestivo que Cecília sugeria para definir as duas amigas morenas de olhos de

486 Em outra oportunidade, em dezembro de 1929, Fernanda e António retornaram ao Rio, porém nesse período em que a poeta portuguesa permaneceu no Brasil não conseguiu se encontrar com Cecília Meireles, apesar de já conhecer alguns de seus poemas por intermédio de amigos. 487 DAUPHIN, Cécile, POUBLAN, Daniele. Maneiras de escrever, maneiras de viver. Cartas familiares no século XIX. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs). Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p.76. 488 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 188. 489 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 16/08/1934. FA - Cp, Cx. 21, 74. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros).

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pantera e tranças árabes.490 Mais do que semelhanças físicas, as duas amigas

também tinham em comum o jornalismo, a poesia e a educação:

Não te cansavas de dizer, Cecília, que éramos parecidas e divertias-te a fazer listas comparativas das nossas qualidades e respectivos defeitos. Mas eu não concordava contigo. Nessa altura eu era menos paciente, menos resignada do que tu, e tu menos crédula e menos entusiasta do que eu.491

Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro nasceu em 08 de

dezembro de 1900 e faleceu em 20 de dezembro de 1994, em Lisboa. Escreveu

poesia, literatura infantil, romance e memórias, promoveu a cultura portuguesa no

país e no exterior em importantes exposições. Além dos seus muitos laços com a

literatura, Fernanda também ofereceu uma expressiva contribuição à educação

portuguesa, pois criou e desenvolveu, a partir dos anos trinta, a “Associação

Nacional dos Parques Infantis”.492

Ilustração 25. Fernanda de Castro entre alunos do primeiro Parque Infantil, de São Pedro de Alcântara. Fonte: PEREIRA, 2000.

490 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 188. 491 Idem, p.189. 492 O trabalho de Fernanda de Castro à frente dos “Parques Infantis” será estudado no próximo capítulo.

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Em 70 anos de atividade literária Fernanda de Castro produziu uma extensa

obra muitas vezes premiada493 que inclui além dos seus muitos livros de poemas,

também romances, teatro, memórias, literatura para crianças, divulgação científica e

traduções de diários, cartas, prosa, romance e teatro de autores como Ionesco,

Pirandello, Katherine Mansfield, Rainer-Maria Rilke e Maeterlinck.

Ilustração 26. António Ferro e Fernanda de Castro durante uma conferência. Fonte: PEREIRA, 2000.

Dessa extensa obra que produziu, destacam-se os dois volumes de Ao fim

da memória (I volume – 1906-1939 e II volume – 1939-1987), publicados

respectivamente, em 1986 e 1987. Quando perguntada sobre o que escreveria

nessa espécie de diário, Fernanda teria dito que este surgiria da memória e que a

sinceridade, num Diário, não consistia em dizer toda a verdade mas em não dizer

mentiras.494 Quanto à disciplina, a escritora se impôs, além de não escrever

inverdades: ter a persistência de escrever todos ou quase todos os dias uma página

que seja, ter a paciência necessária para levar ao fim o seu propósito e transformar

aquele embrião de memórias, num álbum de fotografias mais ou menos parecidas,

umas recentes, outras tão desbotadas que mal se vêem.495

493 O Prêmio do Teatro Nacional, pela peça Náufragos, foi concedido praticamente em sua estréia literária, em 1920; também foi a primeira mulher a receber o Prêmio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa, pelo romance Maria da Lua, em 1945; recebeu também o Prêmio Nacional de Poesia, com Poesia I e II, em 1969. 494 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 14. 495 Idem, p. 13-14.

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Ela pretendia juntar recordações e tentar fixar no papel certos momentos

que não queria esquecer e, sobretudo, evocar o melhor que podia certas figuras,

certos acontecimentos, certos momentos de certas vidas que, acidentalmente ou

não, se cruzaram com a sua. Ao mesmo tempo, ia escrevendo as impressões do

dia-a-dia que pareciam de algum interesse, para ela. Desconfiava que acabaria por

abandonar essa disciplina, não só porque muitas vezes se perdia na floresta das

datas, mas também porque parecia mais natural, mais espontâneo, ir escrevendo a

medida que as pessoas e os fatos iam surgindo dos meandros da memória.496

Recordações? Muitas. Lembranças ou bilhetes-postais497 que o passado

constantemente lhe escrevia, como ela mesma denominou. Mas ainda que

almejasse escrever sobre fatos e pessoas, reconhecia algumas de suas limitações,

uma delas é que não tinha uma grande esperança de chegar ‘ao fim da memória'.498

Fernanda de Castro acreditava que falava melhor das coisas, das plantas, dos

animais do que das pessoas.499

Por quê? Talvez porque na minha Ilha, a que raramente aporta alguém, vivo rodeada de pássaros, de flores, de búzios, de estrelas, num mundo que não me desilude, talvez porque não peça aos pássaros mais de que o seu canto de pássaros, às flores mais de que o seu perfume de flores, às estrelas mais de que a sua cintilação de estrelas, ao passo que às pessoas peço mais – asas de anjo em vez de braços, simples braços de mortais.500

Nos dois volumes do seu diário Fernanda descreveu o seu mundo

doméstico, a família, as alegrias, as mortes e tragédias familiares; as experiências

vividas na infância, adolescência e maturidade; o seu amor às casas velhas, de

preferência em ruínas;501 as cidades e os países onde morou e visitou; o

conhecimento não organizado e adquirido espontaneamente do sobrenatural em sua

vida. A escola e as suas vivências como estudante (os professores, os colegas, a

palmatória, os exames, as dificuldades de adaptação) foram rememoradas

simultaneamente às suas incursões na área da educação. Em seu diário, ela

também se refere à longa interlocução epistolar que estabeleceu com Cecília ao

496 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 13-14. 497 Idem, p. 44. 498 Idem, ibidem. 499 Idem, ibidem. 500 Idem, p. 14-15. 501 Idem, p. 34.

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correr das décadas. Como a amiga Cecília, Fernanda de Castro também revelou em

suas memórias o fascínio que o mar sempre representou em sua vida, a começar

pelo relato de sua primeira viagem marítima, em 1913, durante 8 ou 9 dias, que fez

quando ainda era criança quando o seu pai foi designado para trabalhar na Guiné:

tranqüila, monótona, sem história e sem histórias.502 Com a morte da mãe, Fernanda

retornou sozinha com o irmão Afonso, para Portugal. Essa travessia foi marcada

pela dor, pela dúvida, pelo medo. A viagem, diria, foi um verdadeiro tormento (...) o

barco balançava muito dia e noite. Passava o tempo (...) a ler, a observar o mar, a

descobrir as ilhas que de volta e meia surgiam no horizonte.503

Ilustração 27. Conferência de António Ferro - A idade do Jazz-Band. Fonte: Blog da Rua Nove.

Em seus registros lamentava que na breve história dos seus encontros no

mundo, não havia sido possível ultrapassar a epiderme, penetrar no segredo final

dos seres e das coisas e que havia duas maneiras de conhecer o Homem: estudá-lo

502 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 93. 503 Idem, p. 101.

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de dentro para fora, partindo da sua obra para a sua vida, ou de fora para dentro,

partindo da sua vida para a sua obra.504

Fernanda de Castro revela em suas memórias as melhores recordações

que tinha do Brasil na ocasião em que ela e o marido António Ferro participaram da

Semana de Arte Moderna, em São Paulo:

Aquela revolução literária sem que a gente nova das letras e das artes, de sangue na guelra, a golpes de panfletos, de discursos, de artigos nos jornais, deu um golpe de morte nos conformistas, nos acadêmicos, nos botas-de-elástico, inesquecível semana em que convivemos com alguns daqueles que, mais tarde, foram os grandes do Brasil: Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Monteiro Lobato, Menotti del Picchia, José Lins do Rego, Guilherme de Almeida, Paulo Prado (...).505

Fernanda e António ficaram hospedados na Rotisserie Sportsman, o melhor

hotel de São Paulo nessa época e eram constantemente convidados a participar de

jantares, passeios, visitas e sessões de cinema. A casa de D. Olívia Penteado506 era

o local freqüentado onde, intelectuais como Lasar Segal,507 Tarsila do Amaral, Anita

Malfatti, Sergio Milliet508 e Plínio Salgado509 se reuniam em tremendos conciliábulos

e conspiravam continuamente contra os burgueses, contra todos os etecéteras da

vida, como lhes chamou o António, no seu manifesto ‘Nós’, publicado pela ‘Klaxon’,

a revista do grupo.510

No período em que permaneceram no Brasil (dez meses,

aproximadamente),511 António Ferro proferiu as conferências “Idade do Jazz-

504 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 44. p. 190. 505 Em 1922, Fernanda também conheceu no Rio de Janeiro as duas declamadoras brasileiras Berta Singermam e Margarida Lopes de Almeida, amigas a quem dedicou mais tarde alguns poemas, entre os quais “Dia de Sol”, “Alegria” e “Poema da Maternidade”. (Vale lembrar que a declamadora Margarida Lopes de Almeida era filha de Júlia Lopes de Almeida e mantinha relações de amizade com Cecília Meireles). CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 181. 506 Olívia Guedes Penteado (1872-1934) grande incentivadora do modernismo no Brasil e amiga de artistas-chave do movimento, como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Heitor Villa-Lobos. 507 Lasar Segall (1891-1957) pintor lituano que se radicou no Brasil. 508 Sérgio Milliet da Costa e Silva (1898-1966) escritor, pintor, poeta, ensaísta e crítico de arte e literário, sociólogo e tradutor brasileiro. 509 Plínio Salgado (1895-1975) jornalista, intelectual e filósofo brasileiro, fundador da Ação Integralista Brasileira, tornando-se o chefe deste movimento nacional. 510 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 185. 511 Sobre a presença de António Ferro no Brasil consultar: SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e o modernismo português. Subsídios para o seu estudo e para a história das suas relações. Porto : [s.n. ], 1986. p. 185-206.

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Band”512 e “A arte de bem morrer”,513 publicadas no Brasil e mais tarde em Portugal.

Já Fernanda de Castro fez um recital de poesia portuguesa moderna no primeiro

teatro do Rio de Janeiro, mesmo não dispondo dos livros necessários para

organizá-lo:

É claro que podia ter-me revoltado, ter-me negado terminantemente a tomar parte nesse espetáculo, mas eu acabava de chegar, não era com certeza muito amável, muito diplomático, provocar conflitos e armar discussões, duas semanas depois do meu casamento. Além disso, não teria encontrado nenhum apoio nos meus amigos, pois, se o meu marido era atrevido e ousado, eles eram doidos, completamente doidos, sobretudo o Oswald de Andrade.514

Fernanda revela a sua profunda surpresa ao chegar ao fim do recital sem

desastre de maior e até com certo êxito, que ela atribuiu ao fato de ter então vinte

anos e um vestido verde que ficava lhe muito bem: o mesmo usado quando Tarsila

do Amaral e Anita Malfatti, as duas maiores pintoras do Brasil, me pediram para

fazer o meu retrato com o dito vestido,515 confessava.

Ilustração 28. À esquerda: Fernanda de Castro, óleo de Tarsila do Amaral, pintado em 1922. Fonte: Castro, 1988. À direita: Fernanda de Castro, óleo de Anita Malfatti, pintado em 1922. Fonte: Castro, 1990.

512 FERRO, Antonio. A idade do jazz-band: conferencia. São Paulo: Monteiro Lobato, 1923; FERRO, Antonio. A idade do jazz-band: conferencia. Lisboa: Portugalia, 1924. 513 FERRO, Antonio. A arte de bem morrer. Rio de Janeiro: H. Antunes & Ca, 1923. 514 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 180. 515 Idem, p. 182.

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No caminho de volta para Lisboa, António e Fernanda foram convidados a

repetir a conferência e o recital de poesias na Bahia, onde se declarara dias antes

uma epidemia de febre amarela e, mais tarde, em Recife, em pleno carnaval. Por

causa da epidemia, os hotéis foram todos fechados em Salvador. Enquanto

aguardavam o navio, ficaram hospedados numa horrível pensão e foram obrigados a

conselho médico, a comer coisas com cascas: ananases, bananas, laranjas, cocos e

camarões que ela própria cozinhava num fogão improvisado.516 Assim que

chegaram a Recife perceberam que não havia táxis disponíveis no cais, apenas

alguns carregadores que se incumbiram de levar as malas até o hotel:

Ao chegarmos, porém, ao cruzamento de determinada rua com a maior avenida da cidade, caímos em pleno “cordão” com máscaras e tudo, e, como os carregadores nos ameaçavam de largar ali mesmo as malas se teimássemos em mudar de itinerário, lá fomos sambando e resmungando até à porta do hotel.517

Outras impressões sobre o Brasil e os amigos brasileiros estão presentes

na mensagem que Fernanda escreveu para Carlos Drummond de Andrade, em

Cartas para Além do Tempo. Recorda-se de uma carta que recebeu de Drummond

agradecendo os dois volumes de Ao fim da Memória518 na qual se lembra da visita

que Fernanda, António, Oswald de Andrade e José Lins do Rego519 fizeram à casa

do poeta em Belo Horizonte, em 1922, viagem que não foi mencionada naquele

livro. Para corrigir o esquecimento, Fernanda inseriu na mensagem as suas

desculpas e algumas reminiscências da viagem de trem, da exuberância da

natureza, da amabilidade com que foi recebida na casa do poeta, onde lhe serviram

arroz doce com as suas iniciais desenhadas com canela, revivendo cada pormenor

como se tudo não se tivesse passado há meia dúzia de anos.520

Não me lembro a que horas saímos de São Paulo, mas sei que a viagem de trem foi de noite e durou muitas horas. Iam conosco (com o António e comigo) o José Lins do Rego e, se não me engano, o Oswald de Andrade. No meio da noite, em plena selva, o trem parou e o José Lins do Rego e o Oswald começaram logo a divertir-se à minha custa como era seu amável costume, tentando aterrar-me.

516 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 183. 517 Idem, p. 182. 518 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas: Europress, 1990. 519 José Lins do Rego Cavalcanti (1901-1957) escritor brasileiro, considerado um dos grandes nomes da literatura regionalista brasileira. 520 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas: Europress, 1990. p. 157-158.

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(...) Isso durou umas horas e, desvanecida a miragem dos felinos, dos ofídios, e das aves noturnas, a máquina chegou, o comboio pôs-se de novo em marcha e, não havendo assalto de índios fomos nós que, rindo às gargalhadas, assaltamos uma espécie de bar, aliás bem modesto, onde devoramos tudo o que havia de comestível, bebericando, à falta de melhor, as poucas laranjadas mornas que restavam.521

As descrições que Fernanda faz da viagem e da cidade permite-nos

compreender um pouco do estilo de viagem da época, bem como da cidade de Belo

Horizonte do início do século com suas casas baixas e brancas de cal, muito

semelhantes às velhas casas portuguesas de antigas vilas provincianas – portas

com postigos, janelas de guilhotina, gradeamentos pintados de verde, batentes de

ferro, telha mourisca, queimada pelo sol tropical.522

A leitura das memórias de Fernanda de Castro, nas quais há muitas

referências à sua viagem ao Brasil, sugere uma análise das relações entre

intelectuais brasileiros e portugueses. Uma das primeiras impressões que temos ao

nos aproximarmos de obras que guardam as reflexões e os registros dos contatos

entre portugueses e brasileiros é perceber que estas, vez por outra, estiveram

atravessadas pelos inconvenientes das nem sempre fáceis relações metrópole-

colônia. Os representantes das duas culturas parecem ter nutrido por várias

gerações além da mútua curiosidade e simpatia, também desconfiança e/ou

aversão. Tanto assim que em estudo em que analisou a figura do brasileiro de torna-

viagens, em obras de escritores como Camilo Castelo Branco,523 Júlio Diniz,524

Ramalho Ortigão525 e Eça de Queirós,526 entre outros, Machado (2005) constatou

como esses literatos criaram caricaturas mordazes desses emigrantes. Estes

trabalhos fixaram a imagem do regressado rico e também muito estúpido,

ganancioso, usurário e faminto por comendas, com sotaque e roupas diferentes. O

Brasil também não foi poupado: a árvore das patacas, como o país foi jocosamente

denominado por esses ficcionistas, era um lugar de infinita riqueza e potencialidades

521 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas: Europress, 1990.p. 157-159. 522 Idem, p. 157-158. 523 Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (1825-1890) romancista, cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor português. 524 Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871) médico e escritor português. 525 José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915) escritor português. 526 José Maria de Eça de Queirós (1845-1900) escritor realista português do século XIX. Foi autor, entre outros romances de importância reconhecida, de Os Maias e O crime do Padre Amaro.

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alvoroçantes, tão bruto quanto os torna-viagens, mas, de certa forma, o paraíso da

ascensão social.527

Vale lembrar que os portugueses também não foram poupados pelos

escritores brasileiros que muitas vezes os retrataram de forma pouco adequada e da

mesma forma caricata, como, por exemplo, em algumas obras de Aluísio de

Azevedo, que vez por outra apresentava os portugueses como comerciantes

incultos, vindos de extratos pobres da população, enriquecidos à custa de

especulação, sempre sonhando com comendas e títulos. Mas, se é verdade que

ainda são encontrados alguns resquícios da antiga incompatibilidade com o

colonizador, também é verdade, por outro lado, que as relações luso-brasileiras têm

sido quase sempre marcadas pela cordialidade.

Essa cordialidade, segundo Lessa (2002), começou a se fazer notar a partir

dos anos 1920, quando desapareceu no Brasil qualquer hostilidade maior ao

português e coube aos modernistas, interessados em olhar para dentro do Brasil em

busca de conteúdo, redescobrirem a presença lusitana no folclore, na arquitetura

(por meio do estilo neocolonial) entre outras manifestações culturais.528 Outra

tentativa de estabelecimento de relações amistosas entre os dois povos deu-se,

positivamente, por meio da literatura. A propósito, por meio da literatura, segundo

João de Barros (1946) é que se estabelece sempre um contato de almas, de mais

seguros efeitos e de mais duradoura influência que certas ligações econômicas,

industriais ou comerciais.529

Essa tentativa de recuperação e invenção de laços atingiu, de acordo com

Paulo (2002), o seu ponto máximo, em 1922, em duas ocasiões importantes para

assinalar a trajetória de caminhos entrecruzados que marcaram o relacionamento

entre Brasil e Portugal no decorrer do século vinte. A autora se refere às

comemorações do centenário da Independência, como o primeiro momento em que

esses objetivos foram buscados, que levou a ex-metrópole e a antiga cidade colonial

a partilharem um espaço que ‘constrói’ um presente e ‘revive’ um passado histórico

527 MACHADO, Igor José de Reno. O “brasileiro de torna-viagens” e o lugar do Brasil em Portugal. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, no 35, janeiro-junho de 2005, p. 48. 528 LESSA, Carlos. Rio, uma cidade portuguesa? In: LESSA, Carlos. Os Lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002:52. 529 BARROS, João de. Presença do Brasil: páginas escolhidas: 1912-1946. Lisboa: Edições Dois Mundos, 1946. p. 123.

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comum na busca da reafirmação das suas identidades nacionais.530 A segunda

oportunidade para frisar essas intenções foi a Semana de Arte Moderna. Esse

evento reuniu em São Paulo intelectuais à procura de novas leituras para o

nacionalismo e deu origem a um movimento contestatório e inovador.531

Para o evento, do qual participaram intelectuais532 brasileiros como

Cassiano Ricardo,533 Menotti del Picchia, Plínio Salgado, Mário de Andrade, Oswald

de Andrade e Villa-Lobos,534 também se encontravam intelectuais portugueses,

entre os quais o escritor, jornalista e correspondente teatral do Diário de Lisboa,

António Ferro e a poeta e declamadora Fernanda de Castro, sua esposa. A

presença de António Ferro, nos dois eventos, pode ser atribuída, segundo Paulo

(2002), às suas simpatias políticas. As relações que se estabeleceram entre esses e

outros intelectuais de ambos os países se fortaleceu nos anos seguintes,

fomentando a existência de um campo comum para dois universos culturais, unidos

pela língua e por tendências ideológicas e artísticas semelhantes.535

Na primeira metade do século XX, outras ocasiões se mostraram propícias

para que os regimes de ambos os países investissem nessa aproximação mútua:

em 1941, António Ferro foi enviado ao Brasil a fim de difundir uma imagem positiva

das realizações do governo de Salazar e do posicionamento de Portugal ante o

conflito internacional e para a assinatura do Acordo Cultural Luso-Brasileiro,536

firmado entre o Secretariado da Propaganda Nacional e o Departamento de

Imprensa e Propaganda.537 Em 1946, o Brasil foi convidado a participar dos festejos

530 PAULO, Heloisa. Os tempos das trocas: os caminhos comuns de Portugal e Brasil (1922-1960). LESSA, Carlos. (org.). Os lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 277. 531 Idem, ibidem. 532 Utilizamos o termo intelectual na perspectiva de Pecáut, para quem intelectual é aquele que se identifica e é identificado pelos outros como tal. Consultar: PECAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990. p. 11. 533 Representante do modernismo de tendências nacionalistas, esteve associado aos grupos Verde-Amarelo, Anta e foi o fundador do grupo da Bandeira. Pertenceu às academias paulista e brasileira de letras. 534 Heitor Villa-Lobos (1887-1959 compositor brasileiro, célebre por unir música com sons naturais. Autor de Bachianas e Trenzinho Caipira. 535 PAULO, Heloisa. Os tempos das trocas: os caminhos comuns de Portugal e Brasil (1922-1960). LESSA, Carlos. (org.). Os lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 279. 536 Segundo Paulo (2002), fazia parte do documento, entre outras iniciativas: a realização de um intercâmbio de publicações, a criação de uma revista denominada Atlântico, mantida pelos dois organismos, com a colaboração de escritores e jornalistas portugueses e brasileiros; a troca de propaganda, de informações, de emissões de rádio, documentários cinematográficos, comemorações recíprocas e estudos de folclore luso-brasileiro e a criação pelo SPN, do prêmio Pero Vaz de Caminha, destinado à melhor obra sobre a realidade luso-brasileira. PAULO, Heloisa. Os tempos das trocas: os caminhos comuns de Portugal e Brasil (1922-1960). LESSA, Carlos. (org.). Os lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 283. 537 Idem, ibidem.

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do quarto centenário de restauração da soberania de Portugal e da “Exposição do

Mundo Português”.

Outro intelectual português teve importância fundamental nos preparativos

da viagem de Cecília a Portugal. O ficcionista, poeta e crítico literário José Osório de

Oliveira (1900-1964), era filho de Ana de Castro Osório e Paulino de Oliveira.538

Morou e esteve por várias vezes no Brasil. Tornou-se, desde os anos trinta, um dos

maiores divulgadores da literatura e defensor da aproximação literária entre Brasil e

Portugal. Sua própria obra denuncia essa predisposição em aproximar os dois povos

e a determinação em discorrer sobre o Brasil e a literatura brasileira. Entre os muitos

livros publicados destacamos Literatura Brasileira, de 1926;539 Espelho do Brasil, em

1933;540 A poesia Moderna do Brasil (1942);541 e História Breve da Literatura

Brasileira (1939),542 que traz na epígrafe, uma frase do livro A Grande Aliança,543 de

sua mãe Ana de Castro Osório, também ela uma incentivadora das boas relações

entre os dois povos:

Entre o Brasil e Portugal, nem sequer pode haver indiferença ou alheamento, sem cometermos um crime contra o nosso próprio sangue.544

Apesar do seu grande empenho em promover a aproximação entre os dois

povos, Osório de Oliveira sentia-se um estranho em seu país de origem, e sabia ter

no Brasil mais reconhecimento e consideração por parte dos seus pares. Em junho

de 1934, depois de divulgar a cultura portuguesa em conferências no Brasil, Osório

de Oliveira escreveu a Casais Monteiro545 para falar dos constrangimentos que ele e

a sua obra receberam dos seus companheiros de jornada ou de ideais, em Portugal:

538 Paulino de Oliveira, (1864-1914), jornalista, escritor e poeta português. Foi cônsul de Portugal em São Paulo, entre 1911 e 1914. Dedicou-se à poesia e à literatura infanto-juvenil, em parceria com a mulher, a escritora Ana de Castro Osório. Faleceu em São Paulo, no Brasil, país onde se exilou após a revolta de 31 de Janeiro de 1891 (tentativa de implantar a República em Portugal). 539 OLIVEIRA, José Osório de. Literatura brasileira. Lisboa/Porto: Lumen, 1926. 540 OLIVEIRA, José Osório de. Espelho do Brasil. [S.l.: s.n. ], 1933 ( Lisboa : - Tip. da Empresa Nacional de Publicidade). 541 OLIVEIRA, José Osório de. A poesia moderna do Brasil. Coimbra: Coimbra Editora, 1942. 542 OLIVEIRA, José Osório de. História breve da literatura brasileira. Lisboa: Inquérito, 1939. Cadernos Inquérito Série G. Crítica e história literária. 543 O livro A Grande Aliança é uma reunião de conferências feitas no Brasil nos anos 1920 (Rio de Janeiro, S. Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul). OSÓRIO, Ana de Castro. A grande aliança: a minha propaganda no Brasil. [Lisboa: Lusitania], 1924. (Conferências realizadas no Brasil). 544 OLIVEIRA, José Osório de. História Breve da Literatura Brasileira. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939. 545 Adolfo Casais Monteiro (1908-1972) escritor português. Exilou-se no Brasil, em 1954, por motivos políticos e por ser proibido de exercer a docência em Portugal.

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Nada recebi que me alegrasse ao regressar. (...) A “Seara” morreu para mim. A ‘Presença’ fechou-se. Nem sequer num café há uma mesa em que eu comungue a solidariedade. Este sentimento, só o sinto no Brasil, entre os rapazes do Rio e de São Paulo, mesmo a distância, através das cartas, do envio de livros, das revistas e dos jornais, das provas de simpatia, francas, generosas, entusiásticas. Qualquer dia escrevo que o ato mais inteligente da nossa história foi a fuga de D. João VI para o Brasil. E embarco também, com armas e bagagens.546

Por ter morado por muitos anos no Brasil, José Osório de Oliveira possuía,

em seu círculo de amizade muitos intelectuais brasileiros com quem se

correspondeu regularmente e partilhou livros e colaborações em revistas e

periódicos brasileiros. Em sua rede epistolar figuram nomes como Ciro dos Anjos,

Manuel Bandeira,547 Raul Bopp,548 Menotti del Picchia, Alphonsus de Guimarães,549

Sérgio Buarque de Holanda,550 Dinah Silveira de Queirós,551 Álvaro Lins,552

Henriqueta Lisboa, Ana Amélia Carneiro de Mendonça, Alcântara Machado,553 Paulo

Prado,554 Arthur Ramos,555 Marques Rebelo,556 Oscar Mendes, Plínio Salgado, Mário

Sete, Clóvis Ramalhete e Cecília Meireles, cujas cartas estão preservadas em seu

espólio sob a guarda da Biblioteca Nacional de Portugal. Nesse acervo pode-se

constatar que Osório de Oliveira manteve uma rica interlocução epistolar mantida

por muitas décadas e que teve início nos anos 1930. Entre esses interlocutores

figuram intelectuais portugueses e estrangeiros sendo esses últimos, em sua maioria

546 OLIVEIRA, José Osório. Carta a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 5 de junho de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2562. 547 Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968): poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. O seu poema Os Sapos foi o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922. 548 Raul Bopp (1898-1984): poeta modernista e diplomata brasileiro, participou da Semana de Arte Moderna ao lado de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. 549 Alphonsus Henrique de Guimaraens (1870-1921): escritor brasileiro. Sua obra, predominantemente poética, consagrou-o como um dos principais autores simbolistas do Brasil. 550 Sérgio Buarque de Holanda (1902- 1982): um dos mais importantes historiadores brasileiros. Foi também crítico literário e jornalista. 551 Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982): romancista, contista e cronista brasileira. Tornou-se a segunda mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. 552 Álvaro de Barros Lins (1912-1970): advogado, jornalista, professor e crítico literário brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras. Trabalhou como jornalista no Diário da Manhã, de Pernambuco, Diário de Notícias, Diários Associados e Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Em 1952, partiu para Portugal para lecionar a disciplina Estudos Brasileiros na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Lisboa. 553 Antônio Castilho de Alcântara Machado d'Oliveira (1901-1935): jornalista, político e escritor brasileiro. Apesar de não ter participado da Semana de 1922, Alcântara Machado escreveu diversos contos e crônicas modernistas, além de um romance inacabado. 554 Foi um importante mecenas na história do Brasil, grande incentivador da cultura, e também poeta. 555 Arthur Ramos de Araújo Pereira (1903- 1949): médico psiquiatra, psicólogo social, indigenista, etnólogo, folclorista e antropólogo brasileiro. 556 Marques Rebelo, pseudônimo literário de Eddy Dias da Cruz (1907-1973): escritor e jornalista brasileiro.

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brasileiros. Sob a guarda de um colecionador particular, como referido

anteriormente, estão as cartas enviadas por Cecília Meireles.557

Existe um grande volume de cartas produzidas nos anos 1940, década que

reúne também a maior parte dos seus interlocutores, provavelmente em virtude da

grande colaboração de Osório de Oliveira em publicações dos dois países. A última

correspondência recebida de um intelectual brasileiro, no caso Ciro dos Anjos,558 é

do ano de 1959. Entre as cartas recebidas de intelectuais portugueses constam as

primeiras dos anos 1930, recebidas de Afonso Duarte, Vitorino Nemésio,559 António

Sérgio560 e Raul Proença561 e a última correspondência, enviada por Armando

Côrtes-Rodrigues, de 1960. Entretanto, é provável que existam cartas trocadas com

outros intelectuais que estejam guardados por colecionadores ou familiares e seus

herdeiros e que se estendam para além do limite dessas datas ou foram

descartadas ou não arquivadas, como acontece ao se lidar com documentos.

Osório de Oliveira foi um dos primeiros intelectuais a referir-se a Cecília

Meireles e aos seus versos numa conferência em 1926. Durante esse evento, ele

fez a leitura do poema “A hora em que os cisnes cantam”, do livro Nunca mais...562

Em seu estudo, Mota (2002) afirma que a recepção às obras da poeta brasileira

começou a manifestar-se ainda na década de 20 quando Osório passou a pautar a

sua apreciação crítica das obras da escritora.563 Mais tarde, apresentou outros

textos onde se referiu à Cecília em periódicos portugueses como Presença,

Fradique, Atlântico, Cadernos de Poesia, entre outras.

Pelas cartas trocadas entre Cecília e José Osório, percebemos que a

interlocução entre os dois amigos através do Atlântico teve início em meados do

mês de março de 1934. No dia 12 desse mês, Cecília escreveu agradecendo ao

amigo por ter publicado notícias de seus livros infantis na imprensa portuguesa, dos

557 Acervo particular do Prof. Arnaldo Saraiva, da Universidade do Porto, Portugal. 558 Cyro Versiani dos Anjos (1906-1994) jornalista, professor, cronista, romancista, ensaísta e memorialista brasileiro. 559 Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva (1901-1978) poeta, escritor e intelectual de origem açoriana. Foi professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e autor de Mau Tempo no Canal. 560 António Sérgio de Sousa (1883-1969) professor, intelectual e pensador português. Fundou a revista Pela Grei; colaborou na revista A Águia, colaborou na revista Seara Nova, a partir de 1923. Difundiu o método Montessori, criou o ensino para deficientes e o cinema educativo. 561 Raúl Sangreman Proença (1884-1941) escritor, jornalista e intelectual português, membro do grupo que fundou a revista Seara Nova. 562 MEIRELES, Cecília. Nunca mais... e poemas dos poemas. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1923. 563 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 98.

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quais, Osório tinha sido portador.564 Em 26 de abril de 1934, José Osório informava

à sua correspondente que publicara notas nos jornais referentes à sua visita e de

Correia Dias em Portugal, solicitava o envio de outros trabalhos para publicação em

revistas e deixava entrever suas impressões sobre a situação política do momento:

Recebi o seu cartão e do Correia Dias. Por ele soube que as agências telegráficas tinham tido a inteligência de empregar os cabos submarinos na divulgação do gesto duma poetisa. Isso contribuirá para absolvê-los de se ocuparem com as imbecilidades dos políticos. Mandei-lhe o ‘Diário de Notícias’ com a nota que fiz inserir sobre o seu gesto de cordialidade. Numa entrevista que no mesmo jornal publiquei com o Malheiro Dias fiz referência ao seu marido e meu querido amigo. Num artigo que saiu no ‘Boletim de Ariel’ (‘Leituras sobre o Oceano’) fiz uma referência a si. Esse artigo faz parte do livro que tenho a sair (‘Psicologia de Portugal e outros ensaios’) e que breve receberá. Sobre a vossa vinda tive há dias uma conferência com o Agente Geral das Colônias. Combinei com ele enviar-lhe essa carta de que junto cópia, para que ele pudesse levar assunto ao Ministro das Colônias. Já falei aos secretários deste meu patrão, 565 e eles prometeram empenhar-se. Mando hoje copias dessa carta ao Diretor Técnico da Exposição Colonial do Porto e ao António Ferro. Vamos a ver o que fazem esses senhores importantes. Eu só tenho importância para os literatos, mal visto como sou pela situação política, apesar de afastado de preocupações desse gênero. Cada vez mais, só me interessam os livros e as idéias, e fico indiferente às agitações dos sapos que pedem um rei, um ditador, um presidente da República ou um comissário do Povo. Só os artistas, os prosadores e os poetas me interessam no mundo. Por isso me interesso por si e pelo Correia Dias, independentemente da estima pessoal que me inspiram. Se fosse rico ou poderoso, havia de convidar todas as pessoas interessantes a vir a Portugal. E nisso gastaria o meu dinheiro, ou o do Estado, com mais utilidade do que fazendo navios de guerra. Escreverei de novo, logo que tenha dado mais algum passo. Diga-me dos seus versos, da vida do seu espírito, e mande alguma coisa para publicar aqui em alguma revista. Abraço para o Correia Dias. Beijos às três pequenas artistas. Muitas lembranças afetuosas de minha mulher, ocupadíssima agora com concertos. Seu muito admirador, confrade, criado e – posso dizê-lo? – amigo: Osório de Oliveira.566

A viagem a Portugal começou, assim, a ser esboçada. Em carta do dia 22

de maio de 1934, Cecília agradeceu as notícias e o interesse que o amigo tomou

564 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 12 de março de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 565 Grifo de José Osório de Oliveira. 566 OLIVEIRA, José Osório. Carta a Cecília Meireles. Lisboa, 26 de abril de 1934. Arquivo Darci Damasceno, Biblioteca Nacional. (503) 26,4,27.

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pelo seu caso e toda a sua atuação para favorecer a nossa viagem a Portugal.567

Nessa mesma carta divulgava o surgimento da Biblioteca Infantil a ser instalada no

Pavilhão Mourisco e do que estava programado para a inauguração. Revelava a

pretensão de tornar a biblioteca uma obra de cultura luso-brasileira, que, inclusive, já

havia solicitado livros e material de propaganda ao embaixador de Portugal, mas

que ele não vira nenhuma grande novidade na sua idéia.568 Traçava os primeiros

planos da viagem: que não teria dificuldade de ir ao Porto, apesar de estar bastante

ocupada com a inauguração da biblioteca, mas que não teria igual facilidade para

visitar a África. Solicitava para a biblioteca infantil todas as publicações, prospectos,

folhetos, monografias etc., que se publiquem relativos à exposição, mesmo aqueles

que você pense que não me podem servir para coisa alguma, recomendava.569

Também solicitava a remessa de outros materiais como publicações sobre Portugal,

ainda que fossem revistas velhas que seriam de grande utilidade na organização de

uma vasta seção sobre Portugal. Estava projetando o mesmo para a América Latina

e assim teria lado a lado, a obra continental e a obra racial,570 que serviria como

fonte de pesquisa aos freqüentadores da biblioteca infantil, dizia:

O meu desejo é conseguir todos os livros infantis de Portugal, e o maior número possível de gravuras, selos, postais, publicações de propaganda, de toda espécie – publicações oficiais sobre o continente ou as colônias, etc, etc –, para familiarizar por esse meio, as crianças daqui com o seu país.571

Despede-se enviando lembranças a Ana de Castro Osório e a todo o

pessoal da embaixada, cuja melhor presença era a de Henriqueta Lisboa. Em

agosto de 1934, Cecília trocava impressões com José Osório de Oliveira, o seu

empresário ou secretário,572 como ela o chamava, convocando-o para os últimos

567 MEIRELES, Cecília. MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 568 MEIRELES, Cecília. MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 569 Tratava-se da 1ª Exposição Colonial Portuguesa realizada no Porto e instalada de 16 de junho de 1934 a 30 de Setembro de 1934 no Palácio de Cristal e nos seus jardins. Foram representadas as atividades mais importantes das Províncias Ultramarinas de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Guiné, Angola, Moçambique, Índia, Macau e Timor. 570 MEIRELES, Cecília. MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 571 Idem, ibidem. 572 Tratamento carinhoso dispensado ao amigo José Osório de Oliveira que tratava de assuntos tais como a publicação de poemas e livros em Portugal. MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. s/l. 21 de

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acertos a respeito da viagem. Ao amigo, ela resumia todas as ações que pretendia

realizar em seu primeiro contato com a terra dos seus avós: não trataria apenas de

literatura, mas também de política, arte e pedagogia. Declarava que ela e Correia

Dias iriam ter o gosto e ele a maçada de encontrá-los em terras de Portugal.573

Fernanda de Castro fez-me um convite que é quase uma intimação: e estamos

preparando tudo para seguirmos ainda este mês ou no princípio do outro.574 Dizia

que não ia representando as poetisas brasileiras, mas como jornalista do jornal A

Nação e do Portugal Novo.575 Agradecia a nota do Diário de Notícias que Osório

publicou e comunicava, mais uma vez, a inauguração da biblioteca infantil para

breve, antes de partir. Sobre as conferências declarava talvez gracejando com o

amigo, afinal de contas, com tantos assuntos, a programação longe estava de ser

compacta:

Precisamos de um programa compacto: política, literatura, pensamento, arte, pedagogia, paisagem e gente! Gente!576

Também no mês de agosto escreveu duas cartas ao educador Fernando de

Azevedo.577 Na primeira confirmava a inauguração da Biblioteca Infantil e informava

da sua próxima viagem a Portugal. Na segunda, solicitava ao amigo que preparasse

algum material para a série de conferências que ela proferiria em dezembro,

devendo ser um plano de propaganda educacional do Distrito Federal:

(...) Nas palavras só, para saudá-lo e anunciar-lhe que a inauguração da Biblioteca será no dia 15, pelas 17 horas. Na véspera, haverá uma sessão especial para a imprensa. Essa data, um pouco precipitada é conseqüência de uma provável viagem à Europa: devo partir ainda este mês, ou logo no princípio do outro. Vai achar um pouco misteriosa esta notícia. Infelizmente, é tudo quanto há de mais claro: uns amigos que me convidam para visitar Portugal, uma amiga, esposa do Ministro da Propaganda, que põe à minha disposição e eu que, com uma paixão meio mórbida pelo mar,

setembro de 1939. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Osório de Oliveira, ESP N24/338. 573 MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 4 de agosto de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 574 Idem, ibidem. 575 Não foi possível encontrar referências a essa publicação intitulada Portugal Novo. Talvez Cecília Meireles se refira à revista Portugal Feminino. 576 MEIRELES, Cecília. MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 577 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 02 de maio de 1934. FA - Cp, Cx. 21, 72. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros).

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aceito a aventura (deixe-me pensar que é uma aventura!) de me meter num navio do Lloyd, onde decerto haverá muitos caixeiros-viajantes fazendo em máquina portátil a sua correspondência comercial...578

Algumas providências pessoais, familiares e profissionais foram tomadas

antes do embarque: as filhas foram estudar em um colégio interno e a Biblioteca

Infantil foi inaugurada, no Pavilhão Mourisco. Cecília também definiu o acordo com o

jornal A Nação, que publicaria uma série de crônicas na coluna intitulada “Diário de

Bordo”. Em meio a essas medidas, não se esqueceu de reforçar o apelo ao amigo

em carta do dia 16 de agosto, no dia seguinte à inauguração da biblioteca:

Prepare-me, por favor, alguma coisa para alguma conferência que venha a fazer sobre o movimento educacional. Eu sei que o Venâncio tem o monopólio dessas coisas... - mas o que pretendo é sempre tão pouco e efêmero! O Anísio já me deu todas as publicações relativas à sua obra. Preciso que me envie também qualquer coisa, senão invento como puder... (Fiz a bobagem de encher tantas folhas com imaginação e só agora começar a falar-lhe destas coisas práticas e importantes. Tenho que escrever outra carta!). Mande dizer o que me poderá mandar para um trabalho que abranja a sua Reforma e as realizações do Anísio.579

Em 9 de outubro de 1934, três dias antes de Cecília e Correia Dias

desembarcarem no cais de Alcântara, em Lisboa, Osório de Oliveira foi o

responsável por antecipar a chegada da poeta aos leitores do jornal português Diário

de Notícias, em matéria intitulada “Viajantes Ilustres – A poetisa do Brasil. Cecília

Meireles chega amanhã a Lisboa”.580

578 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 8 de agosto de 1934. (FA - Cp. Cx. 21, 73). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 579 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1934. (FA - Cp, Cx. 21, 74/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 580 OLIVEIRA, José Osório de. “Viajantes Ilustres – A poetisa do Brasil. Cecília Meireles chega amanhã a Lisboa”. Lisboa, Diário de Notícias, 9 de outubro de 1934. p. 4.

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2.3. A imprensa e a promoção do intercâmbio entre os dois

lados do Atlântico: o luso-brasileirismo

Em uma análise sistemática de revistas pedagógicas do Brasil e de Portugal

tomando como fonte, no caso, duas publicações, a revista Educação, do Estado de

São Paulo, e a Revista Escolar, de Portugal, Cordeiro e Carvalho (2002) afirmam:

Entre 1930 e 1935 a presença de referências à educação brasileira cresce, se bem que o caráter informativo predomine nos artigos. Uma fatia importante de artigos que envolvem o Brasil surge na revista em várias seções, nunca como artigos principais, e têm em comum o fato de se tratarem de extratos de artigos publicados em periódicos brasileiros, sobretudo de S. Paulo e, concretamente, na Escola Nova – revista Educação. O que mais une este conjunto de referências não são os autores ou os temas, se bem que as questões dos ‘sobre dotados’ e da disciplina escolar sejam mais freqüentes, mas a fonte: a revista Educação de São Paulo. Quando se observa o registro das revistas estrangeiras citadas como fontes de notícias ou de trechos de artigos, a presença brasileira, ainda que discreta, ganha maior evidência. A presença da revista brasileira como fonte de informação – presença que se manifesta entre 1931 e 1935 – estaria dependente de um contato acidental de portugueses com aquele título? Haveria, por detrás desse contato, alguma ligação entre as direções das duas revistas ou mais informal entre educadores de Lisboa e de São Paulo de algum modo ligados às duas publicações? Ou se estaria de novo no interior de um efeito de organizações internacionais, pensando sobretudo no BIE, e das redes de circulação de informação estabelecidas ao seu redor?581

Contato acidental, informal, resultado das redes de circulação de informação

provocadas pelos organismos internacionais? Essas são afirmações

desconcertantes diante das evidências que apontam para fato de que tanto os

literatos quanto os educadores portugueses e brasileiros buscavam entrever, desde

o século XIX, não só impressões e experiências, mas muito mais do que a simples

partilha da língua portuguesa. Em seus trabalhos, Vieira (1991),582 Berrini (2003),583

Lessa (2002)584 e Gouvêa (2001)585 confirmam o desenvolvimento de várias ações,

581 CORDEIRO, J. F. P., CARVALHO, L. M. A circulação de modelos educativos nas revistas pedagógicas: Portugal e Brasil (1920-1935). Caxambu, 25a ANPEd, 2002. 582 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. 583 BERRINI, Beatriz. Brasil e Portugal: a geração de 70. Breves indicações dos correspondentes brasileiros e portugueses. Porto: Campo das Letras, 2003. 584 LESSA, Carlos. Os Lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002.

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sobretudo governamentais no sentido de buscar o intercâmbio entre os dois países.

Vale salientar que esses autores ativeram-se às inter-relações estabelecidas no

campo literário, assim, procuramos investigar como essas relações foram buscados

pelos educadores brasileiros e portugueses. Na área da educação Fernandes

(2000)586 demonstra que desde o século XIX essa interlocução entre educadores

dos dois lados do Atlântico foi buscada, no caso em questão, realizado entre

educadores brasileiros e o educador português João de Deus.

Para entender as relações estabelecidas entre os literatos de ambos os

países, procuramos estabelecer uma primeira aproximação ao estudo do luso-

brasileirismo, uma vez que este foi um movimento que teve como objetivo estreitar

os laços entre os povos de mesma língua, no caso, Brasil e Portugal, e que foi

empreendido pelos intelectuais dos dois países.

Um dos primeiros interlocutores portugueses de Cecília, José Osório de

Oliveira, que afirmou como obra sua a apresentação da poesia de Cecília Meireles

em Portugal, foi durante toda a sua vida um entusiasta e um batalhador da causa do

luso-brasileirismo. Outros dos seus interlocutores como Afonso Duarte, Almada

Negreiros, João de Barros, Diogo de Macedo, João de Deus Ramos e Jaime

Cortesão,587 em Portugal, e intelectuais como Afrânio Peixoto,588 Carneiro Leão,

João do Rio, Olavo Bilac,589 Júlia Lopes de Almeida, Jonathas Serrano590 e Graça

Aranha591 no Brasil, também envidaram esforços no mesmo ideal de comunhão.

Participando de publicações, proferindo conferências, muitas foram as formas que

esses intelectuais buscaram para tornar evidente a necessidade de se estreitarem

essas relações entre os povos dos dois continentes.

585 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. 586 FERNANDES, Rogério. Um projeto de jornalismo pedagógico luso-brasileiro no século XIX (1857-1858). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (7):21-39, abril 2000. 587 O poeta português Jaime Cortesão foi um dos colaboradores da revista brasileira Terra de Sol (1924), que obteve bastante sucesso por procurar realizar um intercâmbio com os intelectuais portugueses. 588 Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947) médico, político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista, historiador brasileiro. 589 Lembrar da forte influência que Olavo Bilac estabeleceu sobre a formação poética de Cecília Meireles. 590 Jonathas Serrano (1855-1944) professor e escritor. Sua obra didática, voltada para a formação de professores de História introduziu, de forma sistemática a influência da pedagogia no ensino dessa disciplina. Consultar: SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. História com pedagogia: a contribuição de Jonathas Serrano na construção do código disciplinar da História no Brasil. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 48, p. 189-211. 2004. 591 José Pereira da Graça Aranha (1868-1931) escritor e diplomata brasileiro, foi um entusiasta do movimento luso-brasileiro e um dos diretores da revista Atlântida.

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A primeira impressão que tive ao constatar a intensidade e a extensa rede

epistolar de Cecília Meireles e do seu interesse em buscar o intercâmbio literário e

pedagógico com intelectuais portugueses foi que se tratava de uma iniciativa

isolada. Que o intercâmbio que ela pretendia e estabeleceu era uma iniciativa

própria e que ela mesma cultivara o surgimento desses laços. A pesquisa

empreendida a alguns periódicos foi oportuna para que observasse que muitos

daqueles intelectuais com quem Cecília se correspondia estavam também

envolvidos com projetos que buscavam a promoção do intercâmbio entre Portugal e

Brasil, tomando como estratégia de aproximação a publicação de revistas culturais

e/ou pedagógicas, das quais participavam interlocutores dos dois lados do Atlântico.

Outra surpresa foi verificar que esse intercâmbio entre intelectuais dos dois países

era um projeto que iniciara e vinha se estabelecendo desde o século XIX e não se

tratava de uma iniciativa individual e isolada, mas a ser buscada nos níveis

governamental, político e econômico, além do cultural, que era onde se tentava

instituir uma maior aproximação entre os dois países. Tanto aqueles intelectuais que

foram responsáveis pelo convite e pela viagem de Cecília Meireles a Portugal

quanto seus correspondentes estavam ligados a empreendimentos que buscavam a

promoção das relações luso-brasileiras. Quem eram esses intelectuais, em que

espaços sociais atuavam e estavam inseridos, quais eram as suas preocupações

mais imediatas, onde e como contribuíram com as suas idéias?

Para conhecer um pouco das suas preocupações literárias e/ou

pedagógicas e políticas fez-se necessário recorrer aos espaços onde estes atuavam

e onde estabeleceram a sua rede de sociabilidade. Implicava investigar as revistas e

as sociedades (literárias e/ou pedagógicas), onde esses atores partilharam as suas

aspirações, as suas atividades intelectuais com os seus pares e com a sociedade do

seu tempo.

A pesquisa nos espólios de alguns daqueles intelectuais e a leitura de suas

cartas não foram suficientes para estabelecer as relações que eram necessárias. Do

que tratavam, de onde falavam? Perguntas que só poderiam ser respondidas depois

que buscasse entender mais a fundo um pouco do contexto histórico em que

viveram e trabalharam. Da pesquisa nos espólios, ficou patente a necessidade de

entender essas inter-relações e elas só puderam ser vislumbradas e entendidas com

a pesquisa nos periódicos, pois era ali naqueles espaços é que eram debatidas,

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propostas, analisadas e/ou discordadas as suas posições ideológicas sobre os

temas que emergiam dos embates travados na sociedade de seu tempo.

Ilustração 29. Primeiro número da revista Portugal Feminino, de fevereiro de 1930. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.

A revista Portugal Feminino foi o primeiro periódico português a mencionar a

existência da poeta brasileira Cecília Meireles, no número 10 de novembro de 1930.

O artigo intitulado “Portugal Feminino no Brasil – Após o Regresso”592 tinha como

objetivo trazer às leitoras o resultado do congraçamento realizado em prol do luso-

brasileirismo feminino, que era um dos principais dentre os muitos objetivos da

revista. Nas edições do ano de 1930, destacavam esse propósito no rodapé da

página com frases como: Assinar Portugal Feminino é contribuir para o intercâmbio

luso-brasileiro593 e Portugal Feminino é de todas as mulheres portuguesas e

brasileiras,594 nas edições de novembro e dezembro daquele ano.

592 TEIXEIRA, Maria. Portugal Feminino no Brasil – Após o Regresso. Lisboa, Portugal Feminino, ano I, n. 10, novembro de 1930, p. 5-7. 593 Idem, p. 7. 594 Consultado em: Lisboa, Portugal Feminino, ano I, n. 11, dezembro de 1930, p. 14.

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A revista tinha como objetivo incrementar o intercâmbio intelectual e literário

entre as duas nações e não tinha fins lucrativos. Sua diretora, assim como toda a

sua redação, destinava os rendimentos ao auxílio de casas de caridade

estabelecidas em Lisboa e ainda à fundação de casas das senhoras jornalistas em

Lisboa e, se possível, no Brasil.595

Ilustração 30. Editorial do primeiro número da revista Portugal Feminino, de fevereiro de 1930, escrito por

Teresa Leitão de Barros. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.

A revista Portugal Feminino, que contava com a brasileira Maria Amélia

Teixeira596 como diretora e proprietária e José Francisco da Costa como editor, era

dedicada ao público feminino. A redação e a administração da revista funcionavam à

Rua Diário de Notícias, número 61, em Lisboa, e iniciou as suas atividades e passou

a circular em fevereiro de 1930.

Contava com a colaboração de mulheres de renome e de destaque nos

círculos ilustrados da sociedade lisboeta da época, tais como Tereza Leitão de

595 TEIXEIRA, Maria. Portugal Feminino no Brasil – Após o Regresso. Lisboa, Portugal Feminino, ano I, n. 10, novembro de 1930, p. 6-7. 596 Intelectual feminista portuguesa, proprietária e diretora da revista Portugal Feminino, entre 1930 e 1937.

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Barros, Ana de Castro Osório, Elina Guimarães,597 Fernanda de Castro, Helena de

Aragão, Miriam Rosa Silvestre, Branca de Gonta Colaço,598 Virgínia Lopes de

Almeida, Sara Afonso,599 entre outras. O primeiro número trouxe a colaboração

literária e artística de Tereza Leitão de Barros, Oliva Guerra, Maria de Assunção da

Silva, Emília de Sousa, bem como de Maria Amália Vaz de Carvalho600 (já falecida à

época) e da escritora brasileira Júlia Lopes de Almeida.

No editorial do primeiro número, “Sinfonia de Abertura”, Tereza Leitão de

Barros, expunha os objetivos da revista, que, segundo ela, não teria uma maestrina.

A cabeça de Portugal Feminino, afirmava, era a cabeça de uma mulher e ela não

saberia dizer se era de uma intelectual ou de uma manequim, se tinha cabelos

curtos ou compridos. Deixava claro para as suas primeiras leitoras que escrevia à

vontade, sem limites de qualquer contemplação e que o seu único objetivo era

oferecer às mulheres portuguesas uma página de boa leitura feminina e portuguesa.

Afirmava a revista Portugal Feminino como um empreendimento que merecia

aplauso, mas advertia:

Porque, ninguém tenha ilusões: se três cardeais não salvam Roma, também não é uma revista feminina que salvará a mulher portuguesa de hoje do seu tão merecido ferrete de apatia, de desinteresse pela sua causa, de distração no acertar do relógio pela hora civilizada e contemporânea que há muito ressoa em todas as catedrais bem catedráticas da Europa bem européia...601

Desejava que o público de Portugal Feminino fosse o compère, único e

onipotente, cujas sugestões e indicações seriam logo atendidas. Pretendia que esse

público fosse entendido como sendo todas as pessoas cultas e capazes de

compreender o limite das possibilidades que aquele empreendimento encontraria

pela frente. E continuava:

597 Elina Júlia Chaves Pereira Guimarães (1904-1991), escritora e jurista portuguesa, foi diretora do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP). 598 Branca Eva de Gonta Syder Ribeiro Colaço (1880-1945), escritora e recitalista portuguesa, erudita e poliglota, poetisa, dramaturga e conferencista. 599 Sarah Afonso (1899-1983) pintora e ilustradora portuguesa. 600 Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921), poeta portuguesa. Escreveu em várias publicações portuguesas (Diário Popular, Repórter, Artes e Letras) e brasileiras (Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro), com o pseudónimo de Maria de Sucena. 601 BARROS, Tereza Leitão de. Sinfonia de Abertura. Portugal Feminino, Lisboa, ano I, n. I, fevereiro de 1930, p. 1-2.

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Espalhada, pródiga e generosamente, pelas províncias, pelas ilhas, pelas colônias, ‘Portugal Feminino’ irá cair sob os olhos de inúmeras mulheres portuguesas. Qual delas será a madrinha-fada que há de bem fadar este empreendimento, quebrando o mau condão que leva à morte tantos outros recém nascidos do mesmo gênero... ? Acredito no Acaso Todo Poderoso e na gota de água que faz transvasar um lago... Acredito portanto, nas probabilidades mínimas que podem fazer triunfar a presente iniciativa, como acredito na onipotência do gesto de simpatia com que uma rapariga portuguesa, nos longes mais longes de Portugal ou do Brasil, folheará as páginas ainda úmidas do novo magazine, quase todo feito por mulheres, mas apesar de tudo e precisamente porque é pequenino e desprotegido, porque nasceu agora mesmo, capaz de encontrar nos braços das mulheres o seu mais seguro, mas carinhoso berço.602

A revista era dedicada à educação literária, artística e política do público

feminino, por isso, em suas páginas era publicada uma série de artigos que

oferecessem a esse público o que as idealizadoras entendiam como sendo

importante e interessante para o perfil de suas leitoras. Almejava a construção de

uma mulher moderna, culta e atuante na sociedade. Dessa forma, as temáticas

tinham como objetivo alcançar várias frentes de informação: atualidades, política,

arte e cultura, cuidados pessoais, moda, conhecimentos gerais e mesmo o

conhecimento do país, que era regularmente trazido às leitoras por meio de crônicas

sobre as cidades e os lugares de destaque histórico, artístico ou paisagístico, numa

coluna intitulada “Nossa Terra”. As leitoras podiam encontrar nas páginas de

Portugal Feminino tudo que as deixassem atualizadas em relação a cinema, teatro,

exposições, música, esportes e livros e que fossem preferencialmente do interesse

feminino. A revista também se preocupava em formar o gosto pela leitura e,

contando em seus círculos com escritoras de renome, era natural que publicasse

contos, crônicas e poemas de sua autoria. Entretanto, não deixava de lado algumas

temáticas, que, acreditavam, eram de interesse do sexo feminino, como a moda, os

bordados, a decoração de ambientes, o cuidado com a beleza e as receitas

culinárias.

Quanto ao que se refere à educação, a revista possuía colunas onde esses

assuntos eram debatidos e percebe-se que educação não se refere ao estritamente

escolar, mas entendida em seu aspecto mais amplo: educação moral, familiar e

pedagógica. A coluna “Cantinho da Pequenada” trazia histórias infanto-juvenis, 602 BARROS, Tereza Leitão de. Sinfonia de Abertura. Portugal Feminino, Lisboa, ano I, n. I, fevereiro de 1930, p. 1-2.

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naturalmente por ter entre as suas colaboradoras nomes como Ana de Castro

Osório e Fernanda de Castro que se dedicaram à produção de literatura dirigida à

infância. A coluna intitulada “Bons Conselhos” era assinada por Marial

(possivelmente um pseudônimo) e nela eram respondidas as solicitações que as

leitoras enviavam por meio de cartas, temática que variava em torno de

comportamento, saúde, moda e arte, entre outras questões. Era comum o envio de

versos e prosa de leitoras que pediam a apreciação e almejavam a publicação de

sua produção naquele espaço.

Ilustração 31. Relação de delegadas da revista Portugal Feminino em 1932.

Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.

A revista contava com a colaboração de algumas leitoras que por terem

compreendido todo o alcance cultural e educativo da (...) obra, se

responsabilizavam, como delegadas da missão de contribuir para a expansão da

revista Portugal Feminino nas localidades onde residiam.

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A parte política também não era descurada. Na coluna “Feminismo” era

oferecido um interessante leque de informações às leitoras no que se refere ao

feminismo (o conceito, o feminismo no país e no mundo, vultos feministas e sua

atuação, etc.) e mesmo às questões de ordem legal, ou seja, as mulheres e os seus

direitos: o voto, a família, o trabalho e a política. Na coluna “Notas Pedagógicas”

eram trazidas algumas reflexões sobre a educação formal.

Ilustração 32. Seção literária no Gabinete Português de Leitura. Da esquerda para a direita: Carmem de Carvalho, Maria Sabina de Albuquerque, Maria Amélia Teixeira, Berta Lutz, Ana Amélia Carneiro de

Mendonça, Cecília Meireles e Hyldeth Favila. Fonte: Portugal Feminino, novembro de 1930.

A revista Portugal Feminino foi o primeiro periódico português a mencionar,

em novembro de 1930, a presença de Cecília Meireles no âmbito do panorama

literário brasileiro. A poeta foi fotografada ao lado de outras intelectuais brasileiras e

da fundadora e diretora da revista, Maria Amélia Teixeira, durante uma seção

literária realizada no Real Gabinete Português de Leitura, do Rio de Janeiro.603

Na conferência de abertura, a diretora do periódico português fez uma

defesa apaixonada do intercâmbio luso-brasileiro nos meios femininos. Destacou a

603 “Após o regresso”. Lisboa, Portugal Feminino, ano I, novembro de 1930, n. 10, p. 5.

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acolhida simpática das intelectuais brasileiras que incentivavam o bom entendimento

luso-brasileiro, que permitiria envolver

(...) em adorável união as mulheres de letras lusas e as mulheres de letras brasileiras: a “elite” intelectual feminina dos dois povos que a história une indissoluvelmente e o Atlântico, com as suas vagas, jamais conseguirá separar. As escritoras de Portugal e do Brasil dão-se as mãos, confraternizam. Nada mais fui do que a mensageira do meu próprio sonho, que é o mesmo de tantos brasileiros e portugueses ilustres: a união intelectual das minhas duas pátrias, sonho que às vezes me parecia apenas sonho e que é hoje uma brilhante realidade.604

Além da apologia do intercâmbio literário luso-brasileiro, Maria Amélia

Teixeira destacou ainda a necessidade da uniformização ortográfica: (...) só assim

poderá existir entre os dois países irmãos a verdadeira expansão literária, só assim

poderemos apregoar ao mundo culto a beleza rítmica do idioma lusitano (...).605

Segundo ela, as mulheres dos dois lados do Atlântico seriam as medianeiras para a

efetivação deste ideal que se intensificava com a colaboração que a revista vinha

recebendo. Destacou e agradeceu a imprensa brasileira – A Pátria, A Noite, Jornal

Portugal, Diário de Notícias, Pátria Portuguesa, O Jornal e a revista Excelsior – pelo

apoio à realização do intercâmbio luso-brasileiro.

O evento foi presidido por Berta Lutz,606 então presidente da Federação pelo

Progresso Feminino. Maria Amélia Teixeira proferiu a conferência “Aproximação

Feminina Luso-Brasileira” e declamou versos das poetas portuguesas Branca de

Gonta Colaço, Maria Júlia de Sá Nogueira, Maria Amélia Teixeira (Filha) e Laura

Chaves. Entre as poetas brasileiras estiveram presentes Carmem de Carvalho,

Maria Sabina de Albuquerque, Ana Amélia Carneiro de Mendonça, Cecília Meireles,

Hyldeth Favila e Henriqueta Lisboa. Em seguida, foi oferecido um chá no Hotel

Avenida que reuniu os participantes do evento.

Outro periódico que proporcionou um excelente campo de pesquisa foi a

revista Atlântida. Apesar de não estar inserida no recorte temporal em que esse

estudo se desenvolveu, foi a partir das questões que eram debatidas naquele

espaço é que algumas questões se fizeram compreensíveis. De uma realidade

604 “Após o regresso”. Lisboa, Portugal Feminino, ano I, novembro de 1930, n. 10, p. 5. 605 Idem, p. 6. 606 Bertha Maria Julia Lutz (1894-1976) foi uma das figuras pioneiras do feminismo no Brasil. Filha de Adolfo Lutz, era zoóloga de profissão. Estudou ciências naturais em Paris, na Sorbonne.

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desconhecida, ou seja, a preocupação que aqueles intelectuais tinham em comum

sobre o estabelecimento de relações que aproximassem cada vez mais os dois

países, a Atlântida ofereceu muitas informações.

Sobre essa problemática a leitura de uma obra que tratava especificamente

das relações luso-brasileiras (Vieira, 1991), proporcionou um olhar mais crítico sobre

os assuntos que eram debatidos na revista em questão. Além disso, outras obras,

exclusivamente pedagógicas, ofereceram suporte para o conhecimento da realidade

educacional portuguesa (Fernandes 1971, 1972, 1979, 1981 e 2000) e Barreto

(2006), pois tratavam justamente da análise da colaboração de alguns daqueles

educadores de quem eram necessárias maiores informações.607 Essas obras foram

valiosas para o entendimento da realidade educacional portuguesa e importantes

fontes para o esclarecimento de muitas das interrogações que surgiram e surgiriam

durante a pesquisa sobre os modos como esses intelectuais estavam envolvidos

com o estabelecimento de relações e de uma comunidade luso-brasileira e qual era

ou deveria ser o papel da educação e dos educadores nesse universo.

Se as relações entre Brasil e Portugal existiam, a forma intencional que o

intercâmbio adquiriu no final do século XIX é que se constituiu em uma novidade nas

relações entre os dois países. Quanto ao termo luso-brasileiro e a conotação que

adquiriu no início do século XX, Vieira (1991) pondera que só nesse momento é que

este passou a ser utilizado para significar comunidade e um movimento inter-

cultural. Durante o século XIX foi utilizado no sentido de aludir à existência de

elementos culturais relevantes para ambos os países.608

No campo da educação, por exemplo, temos informações de que houve

intercâmbio de idéias e de experiências entre brasileiros e portugueses como, por

exemplo, a Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil, fundada por António

Feliciano de Castilho609 e de Luís Felipe Leite. Essa revista circulou entre 1857 e

607 FERNANDES, Rogério. Cartas de António Sérgio a Álvaro Pinto (1911-1919). Lisboa: Edição da Revista Ocidente, 1972; FERNANDES, Rogério. Carta inédita de António Sérgio a José Osório de Oliveira. Lisboa, Colóquio Letras, Fundação Calouste Gulbenkian, n. 59, janeiro de 1981, p. 42-45; FERNANDES, Rogério. A pedagogia portuguesa contemporânea. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1979; FERNANDES, Rogério. João de Barros: educador republicano. Lisboa: Livros Horizonte, 1971; BARRETO, Graziela. João de Deus e a Educação Nova. In: PINTASSILGO, Joaquim. [et al.]. Historia da Escola em Portugal e no Brasil: circulação e apropriação de modelos culturais. Lisboa: Edições Colibri/Centro de Investigação em Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2006. p. 111-137. 608 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 22. 609 António Feliciano de Castilho (1800-1875) um escritor romântico português, polemista e pedagogo, inventor do Método Castilho de leitura.

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1858 nos dois países, experiência que Fernandes (2000), oferece informações mais

precisas e detalhadas. Quanto à colaboração de pedagogos e educadores

brasileiros na revista supracitada, o autor observa que foi inexpressiva e o conteúdo

referente à situação educacional no Brasil se limitou ao noticiário das principais

iniciativas bem como da utilização do método de alfabetização de Castilho em

escolas brasileiras. O autor salienta que um destaque maior para os assuntos

educacionais brasileiros surgiu nos penúltimos números da revista com a transcrição

de parte do relatório do ministro Couto Ferraz, onde a questão da instrução pública

foi tratada.610 O diálogo que poderia ter se estabelecido entre educadores dos dois

países ficou restrito, assim, ao noticiário esparso de algumas iniciativas isoladas,

ressentindo-se da falta de interlocutores brasileiros e do pouco conhecimento da

realidade educacional do Brasil. Também há que se pensar nas tentativas que o

poeta e pedagogo João de Deus travou por meio de cartas com educadores do

Brasil que buscavam aperfeiçoar a utilização do método de alfabetização idealizado

por ele, com educadores radicados especialmente em cidades como Recife e Rio de

Janeiro, também em pleno século XIX.611

No campo da literatura, porém, é que temos notícia das maiores tentativas

de aproximação entre os dois povos. Assim, segundo Vieira (1991), muitas foram as

publicações que vislumbraram a possibilidade desse encontro ser estabelecido a

contento. Assim, em princípios do século XX, partiu de Portugal a tentativa de

promover uma maior aproximação entre os dois povos, de acordo com Pereira

(2000):

Nas primeiras décadas do século XX vislumbraram-se propósitos de ampliar o conhecimento recíproco dos dois países; num esforço de

610 FERNANDES, Rogério. Um projeto de jornalismo pedagógico luso-brasileiro no século XIX (1857-1858). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (7), abril 2000. p. 36-37. 611 Durante a pesquisa realizada no Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico, a leitura de algumas cartas recebidas pelo educador, indicaram o estabelecimento de intercâmbio com educadores que utilizavam o seu método de alfabetização, residentes no Brasil. Quanto ao intercâmbio entre educadores brasileiros e os intelectuais João de Deus Ramos e João de Barros, foram observados vários vestígios, como a presença de revistas educacionais brasileiras, sobretudo as do período que corresponde às reformas de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, datados desse período. Foram encontrados alguns exemplares do Boletim de Educação Pública, editado durante a gestão de Anísio Teixeira e um exemplar do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, que traz inclusive, a dedicatória do educador brasileiro Fernando de Azevedo, para João de Deus Ramos, datado de abril de 1935. Outros periódicos educacionais existentes no acervo: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Instrução Pública, Almanaque do Ensino e Revista Nacional de Educação. O acervo possui outros periódicos editados no Brasil como Revista da Semana e Padrão; e ainda Portugal Ilustrado e Lusitânia sobre intercâmbio luso-brasileiro. Foram encontrados, também, alguns títulos de autores do pensamento educacional brasileiro dos anos 1920-30 no acervo naquela biblioteca, como Lourenço Filho, Afrânio Peixoto, Carvalho Reis e Anísio Teixeira.

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esbater o antilusitanismo imperante no Brasil, a novel república portuguesa procurou reforçar os laços de amizade arrefecidos desde a implantação da república federativa do Brasil, e estimular os intercâmbios culturais. Entre 1915 e 1920 publicou-se a ‘Atlântida’: mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil.612

Entretanto, como destaca Vieira (1991), o estabelecimento dessas boas

relações encobriam objetivos muito mais políticos e econômicos, camuflados sob a

forma de questões culturais. Segundo esse autor o conceito e as intenções em se

promover o luso-brasileirismo não partiram do povo e nem foi uma iniciativa

exclusivamente objetivada pelos escritores, mas muito mais dos governantes e

políticos. Afirma que em muitas ocasiões os governos dos dois países pouco fizeram

para que essa comunidade realmente se estabelecesse a contento, mantendo-se

omissos em relação a questões mais polêmicas ou que demandavam maior

comprometimento político. Coube, em muitas das vezes, aos literatos, a verdadeira

procura do estabelecimento do tênue elo entre os dois povos.613

Estudando as relações luso-brasileiras a partir da literatura de Brasil e

Portugal, esse autor, detectou o que ele denomina como ressentimento que ambos

os povos sempre tiveram em relação ao outro, sendo este um dos empecilhos para

melhores relações entre os dois povos. Outros fatores seriam a distância e o

desconhecimento que ambos tinham e têm entre si. Esse sentimento teve origem

nas nem sempre fáceis relações colonizador-colonizado e estenderam-se por muito

tempo graças ao quase completo desconhecimento entre os dois povos e as

imagens estereotipadas que vigoraram no imaginário e na literatura portuguesa e

brasileira, afirma.

Esse desconhecimento e ressentimento estenderam-se até mesmo à

literatura do século XX, com autores brasileiros nacionalistas, que ainda traziam nas

suas obras imagens que atravessaram a produção de muitos literatos, sobretudo os

do final do século XIX, época de acirramento do sentimento anti-lusitano e exaltação

da nacionalidade brasileira. Quanto ao tratamento dispensado aos brasileiros, o

autor aponta a forma pouco condizente com que foram tratados pelos escritores

portugueses. Mas nesse caso, pontua, há um atenuante, pois como grande parte

612 PEREIRA, Maria da Conceição Meireles. Entre Portugal e Brasil: ficções e realidades. In: GOMES, Eugênio. Os brasileiros de torna-viagem no noroeste de Portugal. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000. p. 213-217. 613 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 178.

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dos literatos desconhecia absolutamente o Brasil e a cultura brasileira. Assim, as

críticas mordazes que fizeram não se referiam propriamente ao brasileiro originário

do Brasil, mas ao emigrante português – o brasileiro de torna-viagem –, que

retornava rico a Portugal e que trazia em sua bagagem cultural traços indesejáveis e

estranhos para o entendimento local. As referências aos brasileiros foram sempre

baseadas em clichês, observa, já que eram poucos os ficcionistas que conheciam e

conheceram de fato o Brasil e a sua cultura. Esse desconhecimento perdurou até o

século XX e pode, em parte, ser explicado, segundo Vieira (1991), ao fato de que

estes literatos portugueses estavam mais preocupados com a sua própria realidade

política e que poucas oportunidades tiveram em conhecer, verdadeira e

profundamente, a cultura brasileira.614

Em finais do século XIX, podemos constatar, por meio das estatísticas que

tanto Brasil quanto Portugal possuíam altas taxas de analfabetismo entre a sua

população adulta. Assim, é de se desconfiar que muito do discurso luso-brasileiro

fosse endereçado ao público alfabetizado dos dois países, potencialmente apto a

consumir as publicações criadas especialmente para atingi-lo. Outra condição

importante para que essa empreitada fosse realizada com sucesso era o fato de no

século XIX não haver muita diferenciação da língua portuguesa entre as classes

cultas e sob o ponto de vista literário, como observa Fernandes (2000).615

Contudo, há que se destacar que essas iniciativas do final do século XIX

deram-se de forma isolada, ou seja, foram iniciativas ainda não apropriadas pelos

governos que tinham outros objetivos e estes não eram exclusivamente culturais,

mas políticos e econômicos. Podemos perceber que por trás do discurso de uma

aproximação desejável entre os dois povos, há um mais forte e ideológico e que tem

significações muito diferentes que aquelas idealizadas pelos literatos. As boas

relações interessavam aos dois paises. De acordo com Vieira (1991), havia um

maior interesse de Portugal em relação ao Brasil.

No nível individual e social o autor salienta que eram perceptíveis as

manifestações de admiração pelos brasileiros e sua cultura e também interesse em

conhecer o Brasil. Porém, afirma que esse desejo não aparecia na literatura como

uma demonstração de um espírito comunitário ou coletivo, ou seja, ele partiu, 614 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991, p. 178. 615 FERNANDES, Rogério. Um projeto de jornalismo pedagógico luso-brasileiro no século XIX (1857-1858). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, abril 2000. p. 22.

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sobretudo, de determinados atores como Miguel Torga,616 Vitorino Nemésio, Ferreira

de Castro617 e Jorge de Sena618 que eram admiradores da cultura brasileira e que

tiveram uma relação mais próxima com o Brasil.619 Ainda segundo Vieira (1991),

havia entre os portugueses uma imagem muito mais negativa do que positiva em

relação ao Brasil e essa imagem foi construída a partir do ponto de contato entre os

dois povos. No que tange a Portugal, essa imagem se deu prioritariamente a partir

do brasileiro, o emigrante de torna-viagem, daí todas as críticas e impressões que

recaíram sobre o Brasil e o povo brasileiro e que contribuíram para perpetuar um

programa emigratório pouco construtivo e desfavorável à campanha luso-brasileira:

Sendo o emigrante português o elemento mais representativo do contato quotidiano luso-brasileiro, é natural que as relações verdadeiras entre os dois países deixem muito a desejar. A repetição constante deste símbolo na literatura assemelha-se à popularidade de certos mitos folclóricos que encontramos na piada e na literatura de cordel. A narrativa popular desta figura transcende estes outros gêneros e encontra-se em lugar estabelecido na literatura em geral.620

Vieira (1991) reconhece que, apesar dessa imagem pouco encorajadora, o

luso-brasileirismo encontrou laços fortes entre famílias, escritores, indivíduos,

estudantes, intelectuais e agentes do governo. Salienta que, quando há um

verdadeiro intercâmbio, ou seja, quando há um mútuo conhecimento e diálogo entre

os dois países, há mais chances de essa comunidade realmente existir. Mesmo no

plano coletivo, onde deveria funcionar esse intercâmbio, ele pode não acontecer por

puro desconhecimento de ambas as partes. Para que o conceito de luso-

brasileirismo seja efetivo, continua, faz-se necessário o intercâmbio em bases reais,

por meio de programas concretos e que não dependam tanto dos excessos líricos,

como afirma citando o escritor Fernando Cristóvão. Segundo esse autor, para que

esse intercâmbio seja efetivado de fato, há que se provocar o estreitamento dos

616 Miguel Torga, pseudônimo de Adolfo Correia Rocha, (1907-1995) foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX. 617 José Maria Ferreira de Castro (1898-1974) escritor português, emigrou para o Brasil, onde publicou o seu primeiro romance Criminoso por ambição, em 1916. Mais tarde, em Portugal, foi redator do jornal O Século e diretor do jornal O Diabo. 618 Jorge Cândido de Sena (1919- 1978) poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português. Exilou-se no Brasil em 1959 e, posteriormente, nos Estados Unidos da América em 1965, onde faleceu. 619 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 179. 620 Idem, ibidem.

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laços entre os dois países por meio da difusão do livro brasileiro em Portugal e do

português no Brasil ainda citando Cristóvão, sem as peias comerciais e burocráticas

já tradicionais. Além disso, continua, é imprescindível a intensificação do intercâmbio

cientifico e técnico entre os dois países e em vez de regateadas concessões de

magras bolsas de estudos, se planeie uma política cultural corajosa, de atenção

especial aos países de língua portuguesa.621 As prioridades levantadas e defendidas

por Cristóvão são, segundo Vieira (1991), muito mais decorrentes das prioridades de

Portugal e suas metas em disseminar o pan-lusismo cultural, e parte da tradicional

evocação do seu império cultural do passado, não encontrando essa perspectiva

eco nas prioridades brasileiras.622

Segundo esse autor, a presença de Portugal na literatura brasileira nas

primeiras décadas do século XX sofreu um desmoronamento do que havia sido

construído, em fins do século XIX, pelas obras de Eça de Queirós. Nesse período,

havia no Brasil duas vozes clamorosas – João Ribeiro e Alberto Torres623 – em fazer

a apologia da brasilidade, ou seja, fazendo parte, entre tantos outros, daqueles que

defendiam um esquecimento da cultura européia e, particularmente, de Portugal. O

escritor João Ribeiro foi um dos intelectuais que se posicionaram mais

fervorosamente contra a Confederação Luso-Brasileira proposta por João de Barros,

Alberto D´Oliveira624 e Carlos Malheiro Dias,625 segundo Vieira (1991).

Por detrás do interesse em estreitar os laços com o Brasil, afirma Vieira

(1991), Portugal ocultava a sua verdadeira intenção que era a recuperação de sua

glória e grandeza do passado e que aquela não era senão uma espécie de

colonialismo cultural.626 As tentativas de afirmação de intercâmbio entre os dois

povos foram acidamente criticadas por Alberto Torres. Para este, os jornalistas

interessados em promover o intercâmbio luso-brasileiro visavam apenas interesses

econômicos. Provocativamente, Torres explorava o ódio mútuo entre os dois povos:

621 Fernando Cristóvão, apud VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 180. 622 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 180. 623 Alberto de Seixas Martins Torres (1865-1917) político, jornalista, bacharel em direito e pensador social brasileiro preocupado com questões da unidade nacional e da organização social brasileira. 624 Alberto d’Oliveira (1873-1940): escritor português. 625 Carlos Malheiro Dias, também grafado como Carlos Malheiros Dias (1875-1941): jornalista, político, historiador e escritor português. 626 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 188.

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O que não se afigura decoroso é fazer como grandíssima parte de nossa imprensa, que vive diariamente a exclamar, com o olho no anúncio, pago ao balcão: - Portugal, nação irmã! Os nossos irmãos de além-mar! A laboriosa colônia portuguesa! Esse povo que tem feito a nossa riqueza! – e outras armadilhas para pilhar o dinheiro ao luso incauto, quando todos indubitavelmente sabemos que, como matéria de fato, não há brasileiros que intimamente não despreze o português, como não há português que não deteste o brasileiro. Essa posição falsa é que sempre me repugnou.627

Entretanto, observa-se que à parte aqueles que não conheciam e não se

preocupavam em conhecer, havia aqueles que se interessavam pela cultura

brasileira e tinham o intercâmbio entre os dois povos como uma aspiração. João de

Barros foi um desses intelectuais. Filho do Vice-Cônsul do Brasil na Figueira da Foz,

onde nasceu em 1881, João de Barros, sempre conservou certa curiosidade em

relação ao Brasil. Em Lisboa, depois de casado e já atuando como professor do

liceu, foi apresentado ao escritor brasileiro Paulo Barreto, mais conhecido nos meios

literários pelo pseudônimo de João do Rio, com quem viria a desenvolver e a

concretizar o projeto de uma revista que teria o objetivo de tecer elos entre

brasileiros e portugueses: a Atlântida, que circularia de 1915 a 1920. Talvez a

Atlântida seja a primeira aproximação num nível mais consciente e intencional de

intercâmbio luso-brasileiro, com pleno entendimento do que esse conceito

significava.628

Em relação a esta e a outras revistas culturais, a sua concepção foi quase

uma exclusividade de Portugal e o intercâmbio pretendido contou com a colaboração

de intelectuais dos dois países, mas com presença majoritária e decisória, em

muitas das vezes, cabendo ao lado português. Embora a direção da Atlântida seja

atribuída a João de Barros e João do Rio, este nunca residiu em Portugal, sendo a

vertente portuguesa muito mais influente na concepção e organização da revista, na

figura de João de Barros.

As revistas com dupla cidadania foram concebidas com o intuito de atingir o

público português e brasileiro ainda que não se possa afirmar até que ponto esses

627 Alberto Torres, apud VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 189. 628 João de Barros esteve no Rio de Janeiro, convidado por João do Rio e foi apresentado à intelectualidade brasileira. Participou de reuniões com jornalistas, esteve na Academia Brasileira de Letras e em recepção na casa dos escritores Júlia Lopes de Almeida e seu marido Filinto de Almeida. BARROS, João de. Caminho da Atlântida: uma campanha luso-brasileira. Lisboa: Atlântida, [192-]; Sobre João de Barros, consultar: ARAÚJO, Alberto Filipe. João de Barros. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.

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periódicos buscassem, realmente, a formação de uma comunidade luso-brasileira e

toda a dimensão que esse conceito pressupõe ou apenas se utilizaram do mesmo

como uma estratégia para difusão e conquista de um mercado consumidor mais

amplo. Podemos observar que, no entanto, essas estratégias nem sempre lograram

êxito, como podemos depreender de um comentário do poeta Adolfo Casais

Monteiro a Vitorino Nemésio:

Cautela com os entusiasmos excessivos! Sejamos positivos, pelo que diz respeito, por exemplo, às tais expansões pelos Brasis. Saiba que a ‘Presença’ não tem lá senão... um assinante! Daí concluirá que eu não estou nada inclinado para conseguir a expansão no Brasil da ‘Revista de Portugal’, de glorioso e prometedor nome. Repete-se a história do careca que vendia o produto infalível para fazer nascer cabelo onde já o houve e agora não há.629

O poeta queixava-se da vendagem da revista, que atribuía ao péssimo

hábito que os intelectuais brasileiros tinham de aguardar o oferecimento de livros e

revistas lançados pelos autores, ou seja, não costumavam pagar pelo que liam,

antes aguardavam receber as publicações a título de presente. Isso fazia com que a

vendagem das revistas portuguesas no Brasil fosse inexpressiva.

Tendo como objetivo a aproximação dos dois povos a partir da produção

literária, a revista Atlântida foi criada em 1915 e sobreviveu até o ano de 1920. A

Atlântida representou um celeiro das manifestações a favor das boas relações entre

brasileiros e portugueses. Nela atuaram importantes nomes do cenário intelectual

dos dois países e muitos desses se tornaram, mais tarde, correspondentes de

Cecília Meireles. Interessa apontar que muitos desses intelectuais já eram

conhecidos e/ou amigos de Fernando Correia Dias dos tempos de Rajada, A Águia e

Orpheu, antes de sua emigração para o Brasil.

A revista Atlântida: Mensário Artístico, Literário e Social para Portugal e

Brasil, cujo primeiro número saiu em 15 de novembro de 1915, trazia a seguinte

informação complementando o subtítulo: “Sob o alto patrocínio de S. Exas. os

Ministros das Relações Exteriores do Brasil e dos Estrangeiros e Fomento de

Portugal”, que apresenta a revista como tendo o aval de personalidades ligadas aos

629 CASAIS MONTEIRO, Adolfo. Carta a Vitorino Nemésio. Aljube do Porto, 6 de julho de 1932. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Vitorino Nemésio, ESP E11/3659.

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governos de Portugal e Brasil, além de contar com nomes de destaque do mundo

literário dos dois países.630

Ilustração 33. Á esquerda: Primeiro número da revista Atlântida de 15 de novembro de 1915. À direita: Página de rosto da revista e logotipo que passou a figurar a partir do segundo ano de publicação da revista. Fonte:

Museu João de Deus.

A Atlântida tinha como diretores João de Barros (em Portugal) e João do Rio

(no Brasil), como afirmado anteriormente, como secretário de redação Ezequiel de

Campos631 e como editor Pedro Bordalo Pinheiro.632 Contava, em seu primeiro

número com a colaboração de intelectuais como João de Deus Ramos, Columbano

Bordalo Pinheiro,633 (com a reprodução inédita do seu quadro “A chávena de chá”),

João de Barros, João do Rio, Olavo Bilac, Júlio Dantas,634 Theophilo Braga,635

630 A revista Atlântida foi estudada por Saraiva (1986) ao lado de outras revistas consideradas luso-brasileiras, como Águia, Orpheu, A Rajada e Terra de Sol. Consultar: SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e o modernismo português. Subsídios para o seu estudo e para a história das suas relações. Porto : [s.n. ], 1986. p. 135-146. 631 Ezequiel Pereira de Campos (1874-1965) engenheiro, economista, escritor e político português. 632 Pedro Bordalo Pinheiro foi um dos intelectuais que receberam o casal Correia Dias na chegada à Lisboa em 1934. Sobre a recepção dos intelectuais portugueses ao casal de artistas brasileiros consultar: “A afetuosa recepção feita em Lisboa a D. Cecília Meireles e seu marido, o pintor Correia Dias”. Lisboa, 13 de dezembro de 1934. (sem informação da fonte). 633 Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929) pintor naturalista e realista português. Tornou-se, em 1901, professor de pintura histórica na Academia de Belas-Artes de Lisboa e diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea (1911). 634 Júlio Dantas (1876- 1962) médico, poeta, jornalista, político diplomata e dramaturgo português. Foi embaixador no Brasil entre 1941 e 1949.

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Afonso Lopes Vieira, entre outros. Trazia logo, nas primeiras páginas, algumas

palavras de incentivo da parte dos ministros das relações exteriores dos dois países:

Lauro Muller,636 Augusto Soares e Manuel Monteiro, que desejavam prosperidade e

viam na iniciativa um esteio seguro da indispensável aproximação, intelectual e

econômica, entre as duas Pátrias irmãs. Reconheciam na pessoa de João de

Barros, as qualidades que o tornavam um dos principais responsáveis pelo

empreendimento: a sua fé patriótica, o seu ardente e sadio entusiasmo pelas coisas

de Portugal (apontada na mensagem como nossas coisas), além da admiração pela

pátria brasileira.637 Na página seguinte, o próprio João de Barros fazia referências à

viagem que fez ao Brasil e que culminou com o surgimento da idéia da revista:

Ia ver o Brasil, enfim! Ia ver essa terra, que eu sempre considerava irmã da nossa, – e tentaria auscultar a sua palpitação profunda, a sua existência íntima e verdadeira, a febre de trabalho e de progresso que daqui pressentira. E, sem outra idéia que não fosse o contribuir para a aproximação estreita entre os dois povos, ia levar uma mensagem, de lirismo aos escritores que tão bem sabem, além Atlântico, propagar, embelezar e engrandecer a língua e – porque não dizê-lo? – a alma e a vida espiritual portuguesas. Uma esperança ilimitada fazia-me pulsar o sangue com mais força. O entusiasmo exaltava-me os nervos. E a certeza d´uma nobre, d´uma grave missão a cumprir preocupava-me a tal ponto, que durante toda a viagem – do Tejo ao Cais Pharoux – passei alheado de tudo e de todos, ora seguro do êxito que desejava, ora receoso da minha mais que reconhecida incompetência para alcançá-lo.638

Aqui, João de Barros revelava a sua resolução em promover as boas

relações entre os dois países, procurava esquecer as histórias rabugentas que

haviam lhe contado e mais todas as desinteligências que sabia existirem entre

portugueses e brasileiros.639 Esquecia a distância, a inércia dos governos e ainda a

má vontade que certos elementos estrangeiros procuravam despertar entre as duas

nações. Esquecido de tudo, só pensava em antologias que desconhecessem

fronteiras e que trouxessem os nomes de Bilac, Guerra Junqueiro, Machado de

635 Joaquim Teófilo Fernandes Braga (1843-1924) político, escritor e ensaísta português. Da sua carreira literária contam-se obras de história literária, etnografia, poesia, ficção e filosofia. 636 Lauro Severiano Müller (1863-1926) político e diplomata brasileiro. 637 BARROS, João de. Atlântida. Atlântida, Lisboa, n. 1, v. 1, 15 de novembro de 1915. p. 3. 638 Idem, p. 5-6. 639 Idem, ibidem.

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Assis,640 Coelho Neto641 e Eça de Queirós juntos, enfileirados lado a lado,

mostrando que toda sorte de interesses, dos morais aos econômicos, dos espirituais

aos práticos, faziam de Portugal e do Brasil uma comunidade perfeita, com o mesmo

ideal latino, com a mesma força de inteligência e de alma, com a mesma perfeita

sensibilidade social.642 Quanto às mágoas existentes entre os dois países, atribuía

ao parco conhecimento que os dois países tinham entre si, inconcebível no seu

entendimento e que eram prejudiciais tanto aos portugueses como aos brasileiros,

sobretudo para o papel que as duas nações deviam desempenhar nos meios

internacionais. Reconhecia que era necessário estender essa boa-vontade entre

todas as classes sociais e esta deveria ser uma das aspirações que os governos de

ambos os países deveriam acolher e tornar conscientes. Constatava que nem

literariamente Portugal conhecia o Brasil e, no entanto, os brasileiros admiravam e

reconheciam na produção literária portuguesa o que ele chamava de manifestação

geral de afetividade, mas que sem dúvida alguma era mal reconhecida. A Atlântida

seria, portanto, um órgão de mútua aproximação, por meio do qual estariam

traduzidas as energias, as ambições e os ideais dos dois povos, que ele resumia

num único objetivo, comuns entre ele e João do Rio: erguer até ao conhecimento

perfeito e amorável das suas tendências e dos seus esforços as duas

nacionalidades.643 Porém, reconhecia que o empreendimento era demasiado difícil

de alcançar e que teria que contar, necessariamente, com o empenho das novas

gerações e com as suas também novas idéias. A Atlântida surgiria, assim, com um

pouco do espírito dos velhos navegadores portugueses e com muito da energia

ardente e moça que deu ao Brasil o seu esplendor de civilização, acrescentava.644

João do Rio também colaborou com essa espécie de carta de intenções,

afirmando, apesar de fazê-lo numa forma bastante mais lírica e pomposa, mas

igualmente reveladora das intenções que moviam ambos os intelectuais. Segundo

ele, o nome da revista fora escolhido a propósito, pois Atlântida, segundo a lenda,

teria sido um continente que ligara a América à Europa. A revista, teria esse objetivo,

religaria os dois continentes, mas num plano diferente. Essa outra Atlântida, a

640 Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) escritor brasileiro, considerado um dos mais importantes nomes da literatura brasileira. Foi também um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e seu primeiro presidente, também chamada de Casa de Machado de Assis. 641 Henrique Maximiano Coelho Neto (1864-1934) escritor, político e professor brasileiro. 642 BARROS, João de. Atlântida. Atlântida, Lisboa, n. 1, v. 1, 15 de novembro de 1915. p. 6. 643 Idem, p. 7-9. 644. Idem, ibidem.

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revista literária, seria a terra abstrata do conhecimento, do saber e da adivinhação645

e significaria o elo mental entre a Europa e a América. A revista Atlântida, afirmava,

trataria de manter incorruptível esse vínculo.

A revista Atlântida surgira a partir de conversas de João de Barros com

João do Rio, quando este estivera em Lisboa, em 1909. Significava um irresistível

movimento de solidariedade entre aqueles países e povos que viviam de um mesmo

ideal e de uma mesma origem e tradição. Para os seus criadores, a revista

representava um dos muitos pontos de articulação, já que viviam em um tempo em

que se vislumbrava uma aproximação mais intensa entre países do mundo inteiro:

Parece que chegamos a um instante único na história da Terra, em que se vão unir definitivamente, para uma ação de conjunto, os grupos humanos que têm entre si relações, que só unidas e amalgamadas poderão produzir o máximo da sua força e do seu esplendor! Os pequenos esforços, os pequenos desejos, as pequenas ambições de cada uma das nacionalidades que talvez venham a compor uma futura e maior coletividade étnica ou social, fundir-se-ão num grande desejo, numa grande ambição, num esforço formidável – para maior brilho e utilidade da civilização do globo. É, pois, esta a ocasião de se compreenderem mutuamente, de se estudarem, de se aproximarem uns dos outros, os povos que entre si possuem fortes comunidades de sentimento, afinidades de raça, semelhança de temperamento e de estrutura psíquica. Dentro desta vasta família latina – o Brasil e Portugal são, mais do que nenhuns outros países, fraternais e semelhantes. É uma banalidade afirmá-lo. É uma inutilidade repeti-lo. Acontece, porém, que não se conhecem. Ou conhecem-se tão pouco e tão mal – que esse conhecimento é por vezes pior, na sua inevitável injustiça, de que um desconhecimento completo. Portugal, sobretudo, ignora o Brasil.646

Para que os dois países se conhecessem melhor é que a Atlântida fora

idealizada. Consideravam este um empreendimento patriótico, além de literário, por

poder ensinar às duas democracias que o oceano separava, a se conhecer e

compreender melhor. Esses objetivos foram exaustivamente apresentados ao longo

das primeiras edições da revista. Estão presentes também nas notícias e matérias

que deveriam interessar aos leitores de ambos os países os objetivos que

justificavam a sua criação.

Entretanto, na parte referente às condições para assinatura da revista,

pode-se observar que nos primeiros números da revista há a discriminação de 645 JOÃO do Rio. O sonho da Atlântida. Atlântida, Lisboa, n. 1, v. 1, 15 de novembro de 1915, p. 15. 646 A Direção. Atlântida. Atlântida, Lisboa, n. 1, v. 1, 15 de novembro de 1915, p. 95. (Prospecto).

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preços para Portugal, Ilhas e Colônias, Brasil e países da União Postal. Mais tarde,

mais precisamente a partir do número 4, afora as declarações e o teor francamente

favorável ao estreitamento dos laços luso-brasileiros, há uma omissão do nome do

Brasil, em contraste flagrante com a sua linha editorial e com os seus objetivos de

promover o intercâmbio, a amizade e o respeito mútuo entre os dois países. Na

parte reservada ao preçário da revista, não há menção ao Brasil como nação

independente, mas incluindo-o entre as colônias e ilhas. O Brasil não tornará a ser

mencionado até os últimos números da revista, em 1920.

Ao longo dos anos, a revista apresentou várias transformações, do teor das

suas matérias, ao seu aspecto gráfico, denominação e objetivos. Quanto às

informações posteriores ao subtítulo, que a princípio trazia a informação que a

revista estava sob o patrocínio das altas autoridades governamentais dos dois

países, é retirado mais tarde, a partir do número 26, em dezembro de 1917. Em

princípio a palavra Brasil é escrita com “z” e permanece até o número 25, de

novembro de 1917, quando passa a ser grafado com “s”. A partir do número 37, de

janeiro de 1919, a revista passou a contar com a presença de Graça Aranha, escritor

e diplomata brasileiro, como um dos diretores da revista.647 Coincidentemente, a

revista trouxe uma alteração no seu subtítulo, passando a constar como “Órgão do

Pensamento Latino no Brasil e Portugal”, o que é explicitado em nota editorial, pelo

escritor Jaime Cortesão. A presença dos intelectuais brasileiros, João do Rio e

Graça Aranha junto aos diretores portugueses garantiria, segundo Cortesão, a vitória

do espírito latino nos dois países atlânticos, e o triunfo definitivo da íntima união

entre Portugal e Brasil.648

Durante o seu percurso, a Atlântida promoveu campanhas e inquéritos e

sofreu alterações em sua orientação. A participação de Graça Aranha na co-direção

da revista não promoveu alterações somente no subtítulo da revista, mas também

no teor dos seus artigos e na nacionalidade dos seus colaboradores e anunciantes.

Houve o afastamento de Pedro Bordalo Pinheiro, mais tarde o do próprio João do

Rio e finalmente a de João de Barros.

Ao longo de sua existência, a revista conservou a característica principal

que era a defesa da bandeira do luso-brasileirismo. Mas com o passar do tempo,

ficaram nítidas as descaracterizações e a perda paulatina de alguns dos seus

647 Essas observações foram colhidas durante a pesquisa e análise do periódico em questão. 648 CORTESÃO, Jaime. Aos nossos leitores. Atlântida, Lisboa, n. 37, ano IV, v. X, 1919, p. 3-6.

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fundadores. A continuidade da revista se deu em outras bases, seguindo, em parte,

a configuração que os novos dirigentes e colaboradores lhe imprimiam, em

conseqüência de suas próprias convicções ideológicas e entendimento acerca do

significado do conceito e da materialização do luso-brasileirismo. Ao mesmo tempo,

cresceu o número de colaboradores e as temáticas se diversificaram. Para

exemplificar, é notória a influência de autores franceses a partir da colaboração de

Graça Aranha na revista. A temática que era quase que exclusivamente luso-

brasileira passou a ser denominada como latina, mas tendo origem em palcos

portugueses e brasileiros, ou seja, a temática era latina, mas era produzida por

autores luso-brasileiros. Entretanto, a presença de autores franceses e da própria

língua francesa em alguns de seus artigos desmente, em parte, essa orientação

luso-brasileira e revelam um certo fascínio que a França ainda despertava entre os

intelectuais dos dois países, para quem aquele país, ainda representava um pólo

cultural sem precedentes.

No início da revista, há uma clara demonstração da necessidade de

congraçamento entre os intelectuais de Portugal e do Brasil. A presença de Olavo

Bilac em Portugal é apenas um motivo a mais para que esse congraçamento seja

elevado à máxima potência. Foram realizados banquetes, discursos, homenagens e

o poeta brasileiro representou o protótipo das boas relações que a partir daquele

momento pareciam dar mostras de serem duradouras.

Como entusiasta da educação, João de Barros não deixou de fora as

questões pedagógicas. Em diversas ocasiões foram publicadas as iniciativas mais

atuais do que se processava em termos de pedagogia. Assim, em muitos momentos

foram bastante importantes os artigos que procuraram refletir sobre a educação, já

que era a educação uma prioridade para os intelectuais republicanos dos dois

países. Em relação à educação, eram fartas as alusões, embora esta não

dominasse a temática da revista. Como o diretor João de Barros foi um educador e

um entusiasta da educação, tendo, sobretudo, atuado como Diretor da Educação de

Portugal e tendo como seu amigo dileto o também educador João de Deus Ramos,

era de se esperar que a educação não estivesse fora das cogitações da revista e

natural que ela trouxesse as novidades educacionais e bibliográficas de Portugal e

do Brasil e também de outros países, tanto em matéria de idéias quanto de

realizações. Dessa forma foram publicados discursos, inaugurações, construções

escolares, notícias e artigos de educadores como António Sérgio, Carneiro Leão,

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João de Deus Ramos, Leonardo Coimbra, entre outros e também alguns discursos

de Bernardino Machado.649 O método João de Deus650 e a Associação das Escolas-

Móveis651 e dos Jardins-Escola João de Deus652 estiveram presentes em mais de

uma página da revista.

Há que se destacar que tanto o fundador da revista, João de Barros, quanto

alguns dos colaboradores da revista como Leonardo Coimbra, João de Deus Ramos

e António Sérgio, eram sócios efetivos da Sociedade de Estudos Pedagógicos653 e

ocasionalmente colaboraram com artigos para a Revista de Educação, órgão de

difusão daquela entidade de profissionais da educação. Esses intelectuais tinham

em comum o fato de atuarem em diversas frentes: o incentivo às relações luso-

brasileiras, a educação, a renovação da cultura portuguesa, a literatura, etc., sendo

possível constatar a presença de alguns deles em mais de uma iniciativa. Alguns

desses intelectuais e colaboradores da Atlântida acumulavam atuações em mais de

uma revista e associação. Assim para entender melhor quem eram esses

intelectuais e em que espaços atuaram e colaboraram, foi necessária a elaboração

de um quadro em que fosse possível a visualização dessas atuações.654

Quanto à presença dos discursos governamentais – nos anos iniciais da

Atlântida estão muito mais presentes – há diversas alusões aos presidentes dos dois

649 Bernardino Luís Machado Guimarães (1851-1944) foi o terceiro e o oitavo presidente eleito da República Portuguesa. 650 Escrita pelo poeta e pedagogo João de Deus e publicada em 1876, a Cartilha Maternal é uma obra de natureza pedagógica e tem como objetivo servir de base a um método de ensino da leitura às crianças. A Cartilha Maternal é uma das obras mais vezes reimpressas em Portugal, tendo sido extensivamente usada nas escolas portuguesas por quase meio século, ainda mantendo alguns seguidores. Para mais informações sobre o Método João de Deus, consultar: DEUS, João de. Cartilha maternal. Lisboa: Fernando Pereira, [D.L. 1986]; MIRA, Ana Maria. João de Deus e a actualidade do seu método ou arte de leitura. Lisboa: Escola Superior de Educação João de Deus, 1995; ALVES, Maria da Conceição Marques Matos. A expansão do método da Cartilha Maternal João de Deus em Portugal: no período de 1910-1925. Tese mestrado. Psicologia Educacional, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2003. 651 Sobre as Escolas Móveis, consultar: PEREIRA, Isolina Rosa Prior Ladeira Alves. História de um paradigma: o método de João de Deus e as Escolas Móveis. Tese de Doutorado. História das Idéias, Universidade Nova de Lisboa, 1998. 652 Para mais informações sobre os Jardins-Escola João de Deus, consultar: MONTENEGRO, Aura. João de Deus e os jardins-escola. Coimbra: Instituto de Estudos Psicológicos e Pedagógicos, 1963; Associação de Jardins-Escolas João de Deus. Disponível em: <http://www.joaodeus.com>. 653 A Sociedade de Estudos Pedagógicos, fundada a 15 de janeiro de 1910, foi uma instituição que dinamizou o processo de reflexão pedagógica. As suas finalidades eram claramente orientadas pela concepção da pedagogia como ciência experimental; e, através das suas sessões de trabalho, pode-se dizer que não deixou fora do seu campo de ação nenhuma das questões vitais da educação portuguesa. A “Revista de Educação Geral e Técnica”, de que a Sociedade era editora, arquiva um repositório de leitura indispensável para quem pretenda rastrear os temas e preocupações dominantes entre os pedagogistas portugueses mais avançados no tempo. Perseguida pela Ditadura, a Sociedade (...) acabou por dissolver-se, para evitar a dissolução compulsiva, desse modo salvando a sua valiosa biblioteca que pode legar à “Voz do Operário”. FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 121. 654 Ver quadro nos Anexos do capítulo.

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países, embora sejam mais freqüentes os de Portugal, como os de Bernardino

Machado, que menciona a questão educacional no país. A revista traz ainda estudos

e relatórios de experiências educacionais de outros países, trata da iniciativa e da

criação das Escolas João de Deus, das construções escolares de Raul Lino655 e

também da educação brasileira. O educador e diretor da instrução do Distrito

Federal, Antônio Carneiro Leão colaborou com um ensaio sobre a educação e

também de Afrânio Peixoto, que já àquela época apresentava interesse em refletir

sobre temas educacionais.656

O manuseio dos periódicos propiciou o acompanhamento da atuação de

alguns desses intelectuais, muitos dos quais se tornaram, a partir de 1934,

correspondentes de Cecília Meireles e alguns dos seus mais diletos amigos. Alguns

deles, em princípios do século XX, já se encontravam enfronhados com a questão

do intercâmbio entre os dois países. Também no Brasil, embora de forma menos

enfática e sem alardear estar sob os auspícios das altas autoridades

governamentais dos dois países, um grupo de intelectuais também se reunia em

torno de iniciativas culturais que tinham os mesmos propósitos. Árvore Nova, Terra

de Sol e Festa, sobretudo, as duas últimas dessas iniciativas brasileiras, tinham

objetivos idênticos aos dos colegas da Atlântida e promoviam, a seu modo, o

conceito do luso-brasileirismo e veiculavam como podiam os seus exemplares entre

o público leitor dos dois países. Essas publicações tinham como editor o português

Álvaro Pinto, fundador da revista A Águia, um simpatizante das questões luso-

brasileiras e que por meio da revista Festa, em suas duas fases, procurou difundir o

trabalho de intelectuais dos dois países. Deve-se destacar a presença de Cecília

Meireles e Fernando Correia Dias entre os colaboradores dessas revistas brasileiras.

Segundo Gouveia (1993) é possível reconhecer na revista Terra de Sol uma

mobilização para o estabelecimento de uma nova mentalidade nacional por meio de

uma sensibilização a perspectivas luso-brasileiras e no reconhecimento de

verdadeiros valores da intelectualidade portuguesa. Dessa forma, eram publicados

ensaios, recensões e notas sobre Camões (inclusive dedicando um número

655 Raul Lino da Silva (1879- 1974): arquiteto português, projetou mais de 700 obras, tais como a Casa dos Patudos, a Casa do Cipreste, em Sintra (1912), o cinema Tivoli (1925), o Pavilhão do Brasil na Exposição do Mundo Português (1940). Foi autor de textos teóricos sobre arquitetura doméstica popular, como A casa portuguesa (1929), Casas portuguesas (1933) e L'évolution de l'architecture domestique au Portugal (1937). 656 Na época, Afrânio Peixoto ainda não participava da ABE, uma vez que esta entidade só veio a ser criada em 1924.

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comemorativo), Jaime Cortesão, Teixeira de Pascoaes e Antero de Quental.657 É

flagrante a intenção de estreitar o intercâmbio cultural entre Portugal e Brasil, uma

vez que há na revista uma seção dedicada à notícia de revistas e jornais, nela se

ocupando também dos periódicos ‘A Águia’ e ‘Seara Nova’ e ainda as seções que

recebem títulos de “Páginas Portuguesas” e “Portugal-Brasil”.658 Quanto à Festa, a

autora salienta a mesma afinidade com a cultura portuguesa:

‘Festa’ é pois particularmente tributária do pensamento português, na medida em que se filia (...) ao pensamento de Leonardo Coimbra, nas interpretações políticas de António Sardinha, na crítica literária de Fidelino de Figueiredo e, pensamos que se deve acrescentar, na estética e filosofia de Teixeira de Pascoaes, de resto, autor divulgado no Brasil como o foi Jaime Cortesão nas páginas de ‘Terra de Sol’. Cortesão tem nesta revista lugar privilegiado a seguir a Camões e chega a ser indicado por Tasso da Silveira e Álvaro Pinto para sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras.659

Outro fator que exerceu uma poderosa ascendência sobre a publicação

brasileira Festa, é segundo Gouveia (1993) a “Renascença Portuguesa”,660 que da

mesma forma sub-valorizava o elemento étnico em favor do espiritual e do cultural

(...) e apelava para a natureza originária, para a pureza essencial da Raça,

entendida como conjunto de peculiaridades de um povo.661 Politicamente é possível

reconhecer uma interpenetração entre a Renascença Portuguesa, ‘Festa’ e os

integralismos português e brasileiro, para lá do caráter específico de cada um,

sobretudo no compromisso com o neotomismo e no caráter menos dogmático

católico do integralismo brasileiro.662

As revistas Portugal Feminino e Atlântida foram importantes espaços para o

entendimento da atuação de alguns dos interlocutores de Cecília Meireles: suas

aspirações, suas atividades intelectuais e seu envolvimento com o estabelecimento

de estratégias que buscavam a efetivação do intercâmbio e a promoção de uma 657 Antero Tarquínio de Quental (1842-1891): poeta português originário dos Açores, desde jovem destacou-se pelas suas opiniões revolucionárias. 658 GOUVEIA, Maria Margarida de Maia. Cecília Meireles: uma poética do "Eterno Instante". Tese de Doutoramento. Estudos Luso-Brasileiros, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993. p. 40. 659 Idem, ibidem. 660 Movimento cultural português surgido em 1912 tinha subjacente um ideal nacionalista ligado, no plano literário e filosófico. Tinha como órgão a revista A Águia: Órgão da Renascença Portuguesa, publicado no Porto de 1910 a 1932, e o quinzenário Vida Portuguesa. 661 GOUVEIA, Maria Margarida de Maia. Cecília Meireles: uma poética do "Eterno Instante". Tese de Doutoramento. Estudos Luso-Brasileiros, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993. p. 47-48. 662 GOUVEIA, Maria Margarida de Maia. Cecília Meireles: uma poética do "Eterno Instante". Tese de Doutoramento. Estudos Luso-Brasileiros, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993. p. 68.

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comunidade luso-brasileira. A análise desses e de outros periódicos portugueses – A

Águia, Rajada, Lusitânia, Portvgale, Seara Nova, A Escola Nova e Revista de

Educação Geral e Técnica – em que foram propostas e debatidas suas idéias, suas

convicções políticas, artísticas e ideológicas, tornou possível a compreensão de qual

era ou deveria ser o papel da cultura, da educação e dos educadores para a

consecução desses objetivos.

Saber quem foram esses intelectuais, em quais espaços sociais atuavam e

estavam inseridos, quais eram as suas preocupações mais imediatas, onde e como

contribuíram com suas idéias, do que tratavam e de onde falavam e quais eram suas

preocupações foi importante na medida em que isso contribuiu para entender o luso-

brasileirismo como pano de fundo para muitas das ações empreendidas por eles,

entre as quais figurou a viagem de Cecília a Portugal.

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Capítulo 3

Em Portugal: chegadas e partidas

Ah, a frescura das manhãs em que se chega, E a palidez das manhãs em que se parte,

Quando as nossas entranhas se arrepanham E uma vaga sensação parecida com um medo

O medo ancestral de se afastar e partir, o misterioso receio ancestral à Chegada e ao Novo -

Encolhe-nos a pele e agonia-nos, E todo o nosso corpo angustiado sente,

Como se fosse a nossa alma, Uma inexplicável vontade de poder sentir isto doutra maneira:

Uma saudade a qualquer coisa, Uma perturbação de afeições a que vaga pátria?

A que costa? a que navio? a que cais?

(Álvaro de Campos – “Ode Marítima”)

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Ilustração 34. Cecília Meireles desembarca no Cais de Alcântara em Lisboa, em 12 de outubro de 1934. Bico de pena de Correia Dias publicado no jornal A Nação, em 30 de dezembro de 1934.

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3.1. O desembarque no cais de Alcântara

Depois de 22 dias de mar, Cecília Meireles e Correia Dias desembarcaram

em Lisboa em 12 de outubro de 1934.663 Foram calorosamente recebidos pelo Sr.

Guilherme de Carvalho, em nome do Secretariado da Propaganda Nacional e por

representantes da intelectualidade lusitana: o crítico José Osório de Oliveira, o

ilustrador Pedro Bordalo Pinheiro, Simão Coelho Filho, o crítico de arte Guilherme

Pereira de Carvalho, Manuel Mendes664 e Carlos Queiroz. Em seguida, visitaram o

Dr. Guerra Duval, embaixador do Brasil em Portugal, foram ao café Nicolau,

passearam de carro pela cidade, foram até a embaixada brasileira e, finalmente, se

dirigiram ao Palácio Estoril, onde ficaram hospedados. Antes, porém, de seguirem

para o hotel, solicitaram à Agência Havas que transmitisse as saudações de ambos

aos amigos artistas e jornalistas do Brasil.665 Como fizeram em todas as cidades em

que o “Cuyabá” fizera escala, Cecília e Correia Dias também foram até a redação do

Diário de Lisboa acompanhados por Guilherme Pereira de Carvalho, fato noticiado

no mesmo jornal na quarta-feira, dia 17 de outubro de 1934, para visitar e conhecer

os colegas de profissão.666 Fernanda de Castro, que estava em Paris com o marido,

desculpou-se pela ausência: Querida Cecília, sei que já está em Lisboa e não

imagina como estou contente por ir enfim conhece-la! Todos me dizem de si

maravilhas!667 A poeta portuguesa retornou a Lisboa assim que soube da chegada

da amiga Cecília, que a recebeu na estação do Rossio com um bouquet de cravos

663 Curioso notar a recorrência do número 12 na vida da mística Cecília Meireles. A sua estréia na “Página de Educação”, do Diário de Notícias, deu-se em 12 de junho de 1930 e sua saída do mesmo jornal em 12 de janeiro de 1933. A chegada a Lisboa em 12 de outubro de 1934 e a chegada ao Brasil em 12 de janeiro de 1935. 664 Manuel Mendes (1906-1969): escritor, escultor e político português. Publicou obras de ficção, estudos sobre artistas plásticos e sobre diversos escritores. 665 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. 666 Diário de Lisboa, Lisboa, quarta-feira, 17 de outubro de 1934, n. 4282, p.1. Guilherme Pereira de Carvalho nasceu no Brasil, onde herdou uma fortuna de milionário, foi educado na Alemanha, num dos melhores colégios do Império e morou em Paris. Quando se viu sem a fortuna e teve de trabalhar para manter a família, encontrou no Secretariado da Propaganda Nacional, junto de António Ferro, de quem era amigo, o lugar mais adequado à sua educação, à sua simpatia, ao seu desembaraço, às suas relações, ao variado número de línguas que falava. Era o companheiro dos visitantes ilustres, apesar de mal-remunerado (naquele tempo a própria função de diretor do Secretariado tinha remuneração equivalente à de chefe de repartição), mas estava de acordo com o seu feitio boêmio. Mais tarde, fundado o “Diário Popular”, acumulou com esse cargo ao de chefia de uma seção daquele jornal. Fundação Oliveira Salazar. Disponível em: <http://www.geocities.com/capitolhill/lobby/6559/perfil16.html> 667 Excerto de correspondência encontrado em: DAMASCENO, Darci. Notas acerca da poesia, da crítica e da correspondência de Cecília Meireles. 26,2,71. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil.

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vermelhos.668 O encontro foi aparentemente cordial, mas não efusivo, confirma

Fernanda em suas memórias.

A chegada da jornalista, poeta e educadora brasileira bem como as

conferências educacionais e literárias que proferiu naquele país são estudados

nesse terceiro capítulo. Compreender como se efetivou a sua aproximação com a

cultura portuguesa, o que foi produzido a partir desse

estranhamento/reconhecimento; como essa experiência foi agregada à sua

produção intelectual e mais particularmente à sua escrita educacional; qual o

interesse dos educadores portugueses em solicitar relatos do que vinha sendo

construído no Distrito Federal e de que forma Cecília Meireles contribuiu para a

efetivação desses objetivos; como as conferências concorreram para difundir uma

idéia do que vinha sendo construído em termos de educação no Brasil; e ainda o

que trouxe com ela e que contribuições ofereceu à educação e à cultura brasileira e

portuguesa foram algumas das questões estudadas nesse capítulo. Para tanto,

foram utilizadas como fontes documentais a correspondência de Cecília Meireles

com intelectuais portugueses e brasileiros (mais particularmente com o educador

Fernando de Azevedo); a correspondência trocada entre intelectuais portugueses,

particularmente com José Osório de Oliveira e Adolfo Casais Monteiro e João de

Barros; e artigos jornalísticos produzidos entre os anos de 1934 e 1935. Os espólios

da Família Castro Osório, Jaime Cortesão, Adolfo Casais Monteiro, Almada

Negreiros, Vitorino Nemésio, José Osório de Oliveira, Teixeira de Pascoais, Raul

Proença, João de Barros e Aquilino Ribeiro669 foram investigados em busca de

correspondências enviadas por Cecília Meireles e ainda de indícios que revelassem

como esses intelectuais perceberam a presença da poeta e educadora naqueles

poucos meses de 1934. Dentre essa documentação foram selecionadas todas

aquelas que possuíam interesse para a pesquisa.670

668 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas, Europress, 1990. p. 44. 669 Aquilino Gomes Ribeiro (1885-1963): escritor português, considerado como um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. 670 Essa correspondência trocada entre os intelectuais portugueses encontra-se sob a guarda do Arquivo da Cultura Contemporânea da Biblioteca Nacional de Portugal. No sítio da Biblioteca Nacional os Espólios Literários são definidos como arquivos documentais individualizados, organizados em função da personalidade que produziu e/ou colecionou a documentação. Os espólios estão reunidos no Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea, nomeação que substituiu a inicial, Área de Espólios. Foi criado em 1981 e reúne, atualmente, 115 acervos de personalidades dos séculos XIX e XX, com especial relevância no contexto histórico-cultural português e está integrado na Divisão de Serviços de Reservados. Disponível em: <http://www.bn. pt/coleccoes/descricao-coleccoes.html>

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Na Biblioteca Nacional de Portugal, foram encontradas cartas e cartões de

Cecília enviados a diferentes intelectuais portugueses. Para Adolfo Casais Monteiro,

foram enviadas 4 cartas entre 1938-1956; para Jaime Cortesão, 4 cartas e 1 cartão,

1 postal entre 1943-1949; a João de Barros foram enviadas 4 cartas e 2 cartões

entre 1936-1951; a José Osório de Oliveira, 4 cartas e 4 postais entre 1934-1940; a

Vitorino Nemésio, 5 cartas enviadas entre 1939-1946. Na Fundação Arpad Szenes –

Vieira da Silva,671 foram encontradas 5 cartas enviadas de 1954-1960; na Biblioteca

Municipal do Porto, foram encontradas 19 cartas enviadas a Alberto de Serpa672

entre 1938-1957; e, finalmente, existem sob a guarda do Prof. Arnaldo Saraiva 48

cartas enviadas a José Osório de Oliveira entre 1934-1956, e compradas de Raquel

Bastos em 1967 (destas, 7 foram enviadas para Raquel Bastos, 1 para o casal e

outra para os amigos), como pode ser visualizado nos anexos desse trabalho.

Dessas correspondências, poucas estavam inseridas no recorte histórico

estabelecido para a pesquisa. As cartas de alguns interlocutores de Cecília, como

afirmado anteriormente, não puderam ser manuseadas por estarem sob a guarda de

familiares e indisponíveis para consulta, como é o caso das missivas de Fernanda

de Castro, Afonso Duarte e provavelmente Carlos Queiroz e Diogo de Macedo.

Essa carência foi suprida com a pesquisa nos espólios de outros

intelectuais, principalmente o de José Osório de Oliveira, que foi na verdade um

grande divulgador de Cecília e sua obra, tanto na imprensa quanto por via epistolar,

escrevendo a diversos intelectuais para divulgar e viabilizar publicações em jornais e

revistas, por exemplo. Após a identificação dos seus principais correspondentes foi

possível verificar as conversas entabuladas por meio das cartas e a partir dessa

análise é que destacamos algumas correspondências que revelaram certos

aspectos da visita de Cecília a Portugal. Assim, destacamos a correspondência de

Osório de Oliveira com intelectuais como João de Barros e Adolfo Casais Monteiro,

pois estas nos ofereceram pistas a respeito da chegada, da permanência e das

atividades que foram programadas para e por Cecília em Portugal.

671 Instituição que guarda o acervo dos pintores Arpad Szenes e Maria Helena Vieira da Silva. Arpad (1897-1985) foi pintor, ilustrador, desenhista e professor húngaro, casado com a pintora portuguesa Vieira da Silva (1908-1992). Residiram no Brasil durante Segunda Guerra Mundial e no período pós-guerra, onde entraram em contato com importantes artistas locais, entre os quais Cecília Meireles. 672 Alberto de Serpa Esteves de Oliveira (1906- 1992): poeta e escritor português, publicou novelas, ensaios e poesia. Colaborou na revista Presença e fundou, com Vitorino Nemésio, a Revista de Portugal exercendo em ambas o cargo de secretário. Também colaborou em várias revistas e jornais brasileiros.

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No Espólio Casais Monteiro também se encontram referências ao período

nas cartas que Osório de Oliveira lhe enviou. Já em 25 de janeiro de 1934, Osório

de Oliveira escrevia ao poeta para que fossem feitas correções em uma nota que

publicaria na revista Presença anunciando a próxima visita de Cecília, que ocorreria

no final daquele ano: Numa nota tão curta, isso tem muita importância. Desculpe

importuná-lo com estas coisas, mas seria capaz de passar noites sem dormir por

uma coisa assim.673 Outro interlocutor que se refere à Cecília Meireles em suas

cartas a Casais Monteiro é Carlos Queiroz. As referências estão presentes em duas

cartas. Na primeira o poeta comenta as cartas que recebeu de Cecília sobre a morte

de Correia Dias674 e na segunda comenta com o amigo Casais Monteiro que Cecília

reclama do não recebimento da Presença e solicita uma assinatura daquela revista

portuguesa. Outras referências a Cecília foram encontradas em uma das 28 cartas

enviadas por Osório de Oliveira a João de Barros e arquivadas no seu Espólio.

À correspondência foram entrecruzados artigos de periódicos colecionados

pela poeta em seu álbum intitulado “Diário de Bordo” que contém recortes de jornais

portugueses como Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Diário da Manhã, Jornal do

Comércio e das Colônias, Diário de Coimbra e de revistas como Sempre Fixe; de

jornais brasileiros como A Tarde, A Nação, Diário Português, Gazeta de Notícias,

Jornal do Commércio, A Vanguarda, Diário de Notícias, O Globo, O Estado da Bahia

e O Radical. Outros artigos de periódicos foram encontrados em acervos de

bibliotecas e arquivos do Brasil e de Portugal: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

(Diário de Notícias e Festa), na seção de Periódicos da Biblioteca Nacional de

Portugal (Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Diário da Manhã, Diário de Coimbra e

Portugal Feminino). Também foram encontrados importantes documentos na

Biblioteca Municipal da Casa de Cultura de Coimbra (Espólio Afonso Duarte), na

Biblioteca do Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico, na Torre do

Tombo e na Hemeroteca Municipal de Lisboa. Foram selecionados e utilizados

textos de autores do pensamento pedagógico brasileiro e português, bem como

outros documentos bibliográficos (livros, periódicos, dissertações e teses produzidos

no Brasil e em Portugal) que se apresentaram importantes para a discussão do tema

em questão.

673 OLIVEIRA, José Osório de. Carta de José Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 25 de janeiro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2561. 674 QUEIROZ, Carlos. Carta de Carlos Queiroz a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 16 de junho de 1936. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2870.

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O desembarque de Cecília em Portugal ocorreu em pleno florescimento do

Estado Novo português, do qual António Ferro era um dos mais expressivos

colaboradores e dirigia um dos órgãos máximos do regime, o Secretariado da

Propaganda Nacional, como referido anteriormente. Um dos principais objetivos

daquele órgão e de António Ferro era o de apresentar ao mundo um retrato de

Portugal por meio da política folclorista colocada a serviço da criação daquilo a que

chamava uma nova fachada para Portugal.675 Suas ações estavam pautadas na

marca modernista do seu trajeto pessoal visando transformar a própria fisionomia do

país. O seu principal objetivo era, portanto, fazer emergir uma nação ‘civilizada e

moderna’, mas detentora de uma série de signos distintivos que relevariam de uma

identidade única.676 Além disso, como afirmado pela própria Fernanda de Castro

(1990),677 dentre os propósitos de António Ferro estava o de fazer o convite aos

intelectuais de maior destaque em seus países de origem com a finalidade de levar

e elevar o nome de Portugal no mundo. A visita coincidia com os objetivos do

Secretariado da Propaganda Nacional e do seu diretor. O convite explicitava que a

poeta deveria discorrer sobre o panorama das artes e da educação no Brasil.

Entretanto, tudo sugere que no entendimento e no desejo dos idealizadores do

convite e da viagem, a poeta fosse mais um dos inúmeros convidados que poderiam

se tornar porta-vozes de Portugal quando regressassem aos seus países de origem.

Lendo nas entrelinhas, um dos artigos publicados no Diário de Lisboa ilustra

bastante bem esse propósito de auto-afirmação da cultura e da língua portuguesas:

A poetisa autêntica que é Cecília Meireles anda por aí enchendo os seus olhos de Portugal. Sem ruído, vai cumprindo a missão que a trouxe do Brasil: conhecer a nossa terra, a nossa gente, e torná-las mais conhecidas além-mar. Quis a ilustre poetisa dar ao ‘Diário de Lisboa’ uma pequena coletânea dos seus versos inéditos, satisfazendo a curiosidade daqueles que ainda não tiveram o prazer de a ouvir. Os leitores verão como é puro o canto dessa espiritualíssima poetisa, uma das maiores que têm cantado na nossa língua.678

675 ALVES, Vera Marques. A poesia dos simples: arte popular e nação no Estado Novo. Etnográfica, maio 2007, v. 11, no.1, p.63-89. 676 Idem, ibidem. 677 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas, Europress, 1990. p. 44. 678 Poetas brasileiros. Algumas poesias inéditas de Cecília Meireles. Lisboa, Diário de Lisboa, 9 de novembro de 1934. p. 8. A matéria é ilustrada por um desenho de Cecília desenhado por Manuel Mendes. Apresenta quatro poemas: “Música de Grilo”, “Cantiguinha”, “Cantar” e “Rimance”.

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Lembrada como uma portuguesa de adoção, uma irmã que volta depois de

longa ausência e que deveria ser recebida como uma pessoa de família, a presença

de Cecília Meireles em Portugal era evidenciada pelo amigo e crítico de arte José

Osório de Oliveira na crônica do dia 9 de outubro de 1934 do Diário de Lisboa, dias

antes do desembarque do “Cuyabá”:

O Brasil é como Portugal, terra de poetas e de poetisas. Cecília Meireles não é a única brasileira que faz versos, nem, sequer, a única que faz poesias. Mas, vindo a Portugal antes de qualquer outra, ela é, para nós, a poetisa do Brasil. Ela é quase, de resto, portuguesa de adoção, porque escolheu um artista português para companheiro da sua vida. Por certo, sentirá, ao ver pela primeira vez a terra de Portugal, a sensação de estar revendo e redescobrindo o que já conhecia. Guilherme de Almeida falou admiravelmente dessa sensação de regresso, que tem todo o brasileiro consciente do passado da nação, ao chegar, pela primeira vez, à pátria ancestral. Cecília Meireles, com tanta ou mais razão, sentir-se-á aqui em sua casa, como uma irmã que volta depois de longa ausência. Mas nem por isso deixa de trazer consigo a alma própria do Brasil. Talvez exatamente por isso. A poesia brasileira está cada vez mais adquirindo um sabor característico, que vem dos elementos raciais que estão dando forma ao Brasil. Sente-se nos versos dos novos poetas a agitação ainda confusa que há nas veias dos brasileiros, ‘tão lindamente misturados’, como diz Mário de Andrade. Sente-se, mais do que isso, o próprio cheiro das matas virgens duma terra em que amanhece ainda. E do mistério das matas, do terror cósmico dos índios, do sensualismo negro, da saudade portuguesa e da nostalgia de todos os imigrantes, estão fazendo os poetas modernos a verdadeira poesia do Brasil. É às vezes, por isso, uma poesia folclórica, saborosa mas talvez, pouco universal. Os versos de Cecília Meireles são, pelo contrário, talvez pouco brasileiros. Não tendo nunca saído do seu país e vivendo no Rio, que, apesar de grande capital moderna e cosmopolita, contém tudo que há no Brasil de mais tipicamente brasileiro, esta poetisa escreve como se vivesse na Europa. Na Europa, não. O país em que vive o seu espírito não existe em parte alguma. É um país de sonho, vago, impreciso, indefinido, como os dos contos de fada. Tudo nos poemas do seu livro “Nunca mais...” pertence a outro mundo, que só ela sabe onde fica. Nem ela, talvez. Tudo nos seus versos que passa como “se não passasse”. (...) Mas não nos iludamos. Se a poetisa escreve assim, a mulher é bem brasileira, bem da América dinâmica, cheia de curiosidade por tudo que é novo, e de ânsia por tudo que é vivo e humano. Talento multiforme, a Cecília Meireles não bastou a música dos versos. Essa é a linguagem da sua melancolia. Mas o seu amor pela vida, a sua alegria de viver, precisava, também, de se exprimir, e encontrou a sua linguagem na cor das tintas com que pinta os trajes de “bahianas” e os gestos do samba. Porque Cecília Meireles, de repente, sem preparação, fez-se também desenhadora e aquarelista, com um sentido notável do movimento e do colorido. A sua exposição de estudos sobre a dança popular do Rio de Janeiro foi a revelação do outro lado da sua alma.

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O que a poetisa desprezou aproveitaram-no os olhos da pintora. Educadora, ela pôs nessa missão, mais do que um espírito pedagógico, a sua alma de artista. Numa tese cujo título “Espírito Victorioso”, é um desafio às forças da matéria, assim define o papel do professor: “Formam-se as almas com esforço igual àquele com que se constroem os grandes poemas. O mestre que sentir em toda a sua extensão esse frêmito de heroísmo, de humanidade e divindade unidas, que faz brotar cada poema como a imagem de um voluntário do holocausto, poderá saber o sentido de Infinito que a vida lhe reserva na sua missão. E, aceitando-a, sentir-se-á mais alto, mais puro, mais perfeito. Estará transfigurado”. Assim pensa, assim escreve e sonha a poetisa do Brasil que vem visitar Portugal. Que os portugueses a recebam como uma pessoa de família, que vem ver o velho solar para, depois, dizer ao povo jovem a que pertence que os espíritos são diversos, mas são os mesmos os corações.679

José Osório apresentava em tom laudatório as três facetas da artista

brasileira – poeta, artista plástica e educadora – que deveriam encantar os

portugueses. Osório fora responsável pelos preparativos e trâmites da viagem,

preparara a chegada e agora anunciava aquela que considerava como um dos

expoentes da cultura brasileira e que possuía uma forte identificação com a lírica

lusitana.

Durante o desembarque no cais de Alcântara, enquanto Correia Dias

procedia às diligências necessárias para a retirada da bagagem, Cecília apresentava

aos jornalistas os objetivos da sua vinda à Portugal:

Em primeiro lugar, trouxe-nos o desejo de ver esta terra do meu marido, a que eu muito quero, não só por essa circunstância, mas porque, descendendo de portugueses, já era meio portuguesa antes de casar. Depois, o desempenho dum trabalhoso, mas agradável encargo jornalístico: realizar uma série de artigos, de crônicas, de entrevistas, acerca de Portugal, para três grandes jornais: A Nação e A Noite, do Rio de Janeiro, e A Gazeta de São Paulo. Para cada um desses jornais, enviarei uma colaboração mais de acordo com a sua índole. Durante a viagem, vim fazendo um diário que não sei se poderei continuar em terra. Escreverei diversos artigos acerca da arte e da literatura portuguesas de agora, e para a Gazeta de São Paulo procurarei realizar entrevistas com personalidades mais categorizadas de Portugal.680

679 OLIVEIRA, José Osório de. Viajantes ilustres, a poetisa do Brasil. Cecília Meireles chega amanhã a Lisboa. Diário de Lisboa, 9 de outubro de 1934, p. 4. 680 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7.

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Perguntada sobre a sua atuação como professora e colaboradora na

importante reforma da educação brasileira, Cecília respondeu que de fato há muito

ela se preocupava, apaixonadamente, com o problema da educação, tendo sido

uma das pessoas que assinaram o célebre manifesto que precedeu a reforma dos

serviços educativos do Brasil.681

Ilustração 35. Cecília Meireles e Correia Dias fotografados durante o desembarque em Lisboa. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934.

Os jornais portugueses fizeram ampla cobertura do desembarque dos

jornalistas brasileiros. Embaixatriz admirável do seu país encantado, a poetisa

Cecília Meireles era comparada a uma ave canora, tal a sua beleza física e

espiritual.682 Acrescentavam que os adjetivos laudatórios banalizaram a tal ponto

que era demais acrescentar qualquer outro comentário, uma vez que Osório de

Oliveira já revelara aos leitores do Diário de Lisboa alguns dos aspectos mais

interessantes do talento poético e do valor intelectual da autora do Nunca Mais... e

de O Espírito Vitorioso.683

681 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. 682 OLIVEIRA, José Osório de. Viajantes ilustres, a poetisa do Brasil. Cecília Meireles chega amanhã a Lisboa. Diário de Lisboa, 9 de outubro de 1934, p. 4. 683 Outra matéria consultada: “A afetuosa recepção feita em Lisboa a D. Cecília Meireles e seu marido, o pintor Correia Dias”. Lisboa, 13 de dezembro de 1934. (sem informação da fonte).

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A curiosidade da imprensa ao receber a educadora brasileira talvez se

justificasse, uma vez que alguns educadores portugueses viajaram para outros

países em busca de inovações educacionais. Dentre estes, Fernandes (2007)

ressalta a importância de pedagogistas como Faria de Vasconcelos, António e Luísa

Sérgio684 que estiveram em Genebra, na Suíça, aperfeiçoando-se no Instituto Jean-

Jacques Rousseau na década de 1900.685 Essa iniciativa tinha como objetivo,

segundo o autor, importar soluções para as dificuldades internas do sistema escolar

português.686 O autor destaca a participação das professoras Irene Lisboa,687 Ilda

Moreira e Áurea Judite Amaral em viagens e estágios pedagógicos de curta e média

duração, sob os auspícios da Junta de Educação Nacional, durante o Estado Novo

(1926-1974).688 As viagens de educadores portugueses em busca das inovações

disseminadas por instituições européias, ainda no período da monarquia, foram

investigadas por Pintassilgo (2007) que se concentrou na análise dos relatórios de

educadores, entre os quais Albano Ramalho, João de Barros, Augusto Ladeira, Luís

Cardim, José Rodrigues e António Barbosa, que percorreram diversas instituições

educativas européias.689 De acordo com o autor, as viagens desses educadores e o

contato com as inovações pedagógicas desenvolvidas no exterior, contribuiriam,

quando retornassem, para a modernização do sistema de ensino português.690

À imprensa portuguesa, Cecília revelou que tencionava realizar

conferências para falar do que vinha sendo realizado em matéria de educação, arte

684 Educadora portuguesa, casada com António Sérgio. Divulgou o Método Montessori em Portugal. 685 Muitos desses intelectuais enviados para bolsas e estágios de aperfeiçoamento pedagógico eram como afirma Fernandes (2007), adversários do Regime, entre os quais Irene Lisboa. Outros adeptos da Escola Nova, como Áurea Judite Amaral simularam a possibilidade de concertação entre o ideário que professavam e a ideologia salazarista, a pretexto de que alguns dos princípios da escola nova se ajustavam à construção da escola ativa nacionalista. Consultar: FERNANDES, Rogério. Irene Lisboa e Áurea Judite Amaral: dois olhares sobre a escola a partir da “Escola Nova”. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 217-245. 686 Idem, p. 217. 687 Irene do Céu Vieira Lisboa (1892-1958): escritora, professora e pedagoga portuguesa. Estudou em Genebra (Suíça), conheceu Piaget e Claparède com quem estudou no Instituto Jean-Jacques Rousseau. Destacamos a presença de três cartas da educadora brasileira na Biblioteca Nacional de Portugal datadas de 5 de março de 1948, 26 de julho de 1948 e 23 de novembro de 1950. 688 A Junta de Educação Nacional, segundo Pintassilgo (2007, p. 198) foi criada nos primeiros tempos da Ditadura, na reforma de 1930 e financiou as viagens de um conjunto importante de bolseiros portugueses ao estrangeiro na primeira metade da década de 1930. Consultar: PINTASSILGO, Joaquim. Imagens e leituras da educação nova em Portugal. Os relatórios de bolseiros portugueses em visita a instituições educativas européias (1907-1909). In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 195-216. 689 Consultar: PINTASSILGO, Joaquim. Imagens e leituras da educação nova em Portugal. Os relatórios de bolseiros portugueses em visita a instituições educativas européias (1907-1909). In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 195-216. 690 Idem, ibidem.

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e literatura brasileiras e manifestou um grande interesse em conhecer, nos seus

pormenores, os processos de educação portugueses, especialmente os de

orientação profissional, para o que contava visitar os diversos estabelecimentos de

ensino. Também se referiu a uma das suas mais recentes obras, o Centro de

Cultura Infantil, do Rio de Janeiro, que funcionava sob a proteção do Departamento

de Educação:

Começamos por fazer uma biblioteca para os pequenos, em novos moldes. As crianças iam lá à hora a que queriam, quando queriam. Consultavam as obras que desejavam. A umas isso servia de recreio, a outras para completarem os seus estudos. Mas em breve, aquela instituição ultrapassou os limites duma biblioteca, e, por isso lhe mudamos o título. Hoje, trata-se, realmente, dum centro de cultura infantil, onde a criança tem tudo, desde o livro e a obra de arte, ao cinema, a conferência, ao concerto musical, tudo também facultativo, e as horas que ela preferir. E tudo isto feito com a preocupação de educar a criança, dando-lhe apenas aquilo que ela possa aprender sem grande esforço, mas banindo o péssimo preconceito de que para os pequenos só são próprias coisas tão ingênuas que às vezes chegam a ser estúpidas.691

Sobre Correia Dias, Cecília revelou durante a entrevista que este não ficara

inativo durante a viagem, tendo pintado vários quadros a bordo, que representara a

rota marítima do Brasil para Portugal, os penedos de São Pedro e São Paulo e as

ilhas cabo-verdianas de Maio e da Boavista. Entre outras atividades

desempenhadas durante a travessia, revelou que o marido havia organizado uma

exposição em homenagem aos aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho, que

realizaram o primeiro vôo sobre o Atlântico Sul, em 1922.692

A revista Portugal Feminino também noticiou o desembarque de Cecília em

terras portuguesas em matéria intitulada “Uma ilustre escritora brasileira visita

Portugal”.693 As articulistas salientavam a visita de estudo e recreio da consagrada

escritora brasileira que se destacava pela sua forte individualidade intelectual, pelo

seu espírito superior (...) e pelo seu vibrante e privilegiado temperamento literário.694

Atentavam para o fato de que a escritora era também educadora, tendo colaborado 691 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. 692 “A chegada de Correia Dias e sua esposa Cecília Meireles a Portugal. Saudações aos artistas e jornalistas do Brasil”. Lisboa, 12 de outubro de 1934. (recorte de jornal sem identificação encontrado no álbum intitulado “Diário de Bordo” de Cecília Meireles). 693 “Uma ilustre escritora brasileira visita Portugal”. Lisboa, Portugal Feminino, ano V, n. 58, novembro de 1934, p. 20. 694 Idem, ibidem.

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na última reforma de educação brasileira e que se propunha a visitar os melhores

estabelecimentos de ensino oficiais a fim de colher elementos que lhe permitissem

esboçar o panorama da vida portuguesa, nos importantes diários brasileiros onde

colaborava.695 As impressões do desembarque e a acolhida dos amigos portugueses

foram trazidas, mais tarde, em carta endereçada ao amigo e educador Fernando de

Azevedo, na qual revelou:

Depois de 22 dias de mar, cujas impressões diárias foram pacientemente recolhidas para "A Nação" - chegamos a Lisboa, onde tive um cordialíssimo acolhimento, quer por parte do governo, de quem sou hóspede oficial, quer pela dos amigos, que têm sido de uma ternura encantadora.696

Um desses amigos, Osório de Oliveira, escreveu a alguns intelectuais que o

mesmo julgava possuírem interesses em comum, convidando-os para uma

recepção, em sua residência, para apresentar Cecília Meireles. Entre eles estava o

poeta e educador João de Barros:

Meu ilustre Amigo: Na 5ª feira, dia 6, pelas 5 horas da tarde, virá a minha casa a Cecília Meirelles. Conto absolutamente com essa ocasião para o ver na modesta casa do Largo do Contador Mór, 1-A, 2º, Dto; junto do miradouro de Sta. Luzia, carro da Graça. Continuo a maçá-lo, como vê. Mas tenha paciência. Sou seu amigo, e os amigos tem, geralmente, essa função. Creia na estima do admirador muito grato. Osório de Oliveira. 3/12/34.697

Ao mesmo tempo em que se alegrava com o fato de ciceronear a poeta

carioca, Osório de Castro também se ressentia do trabalho e das preocupações que

lhe eram exigidos, como nas cartas enviadas em 13 de outubro, 2 de novembro e 8

de dezembro de 1934. Ao amigo e diretor da Presença Casais Monteiro, Osório

detalhava as inúmeras providências de que teve que se desincumbir, desde a

chegada de Cecília e de seu marido Correia Dias.698

695 “Uma ilustre escritora brasileira visita Portugal”. Lisboa, Portugal Feminino, ano V, n. 58, novembro de 1934, p. 20. 696 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934 (FA - Cp. Cx. 21, 75). 697 OLIVEIRA, José Osório de. Carta a João de Barros. Lisboa, 3 de dezembro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio João de Barros, ESP N11/2293. 698 O poeta e ensaísta Adolfo Casais Monteiro nasceu no dia 4 de julho de 1908 na cidade do Porto. Era formado em história, filosofia e pedagogia e trabalhou como professor. Em 1930 assumiu a direção da revista Presença, órgão divulgador das idéias do grupo “Presencista”. Demitido do cargo de professor em 1937, devido à Ditadura Salazar, mudou-se para Lisboa com o intuito de manter-se como escritor. Foi preso diversas vezes e suas obras

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Ilustração 36. Carta de Osório de Oliveira, em 3 de dezembro de 1934, convidando o poeta e educador João de

Barros para uma recepção a Cecília Meireles. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal.

Ilustração 37. Á esquerda: Carta de Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro sobre Cecília Meireles. Lisboa, 2 de novembro de 1934. À direita: Carta de Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro, em 13 de outubro de

1934, logo após a chegada de Cecília Meireles e Correia Dias em Lisboa. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal.

revelam revolta contra o sistema político vigente em seu país. Em 1946 dirigiu a revista Mundo Literário, depois de ter publicado ensaios sobre vários autores, dentre eles, Manuel Bandeira. Mudou-se para o Brasil em 1954, passando a lecionar Literatura Portuguesa nas universidades do Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo e, a partir de 1962, na cidade de Araraquara onde trabalhou como professor titular de Teoria da Literatura. Nesse período, além de colaborar com vários jornais do país, desenvolveu uma intensa atividade de crítica literária. Disponível em: <http://www.mundocultural.com.br/literatura1/modernismo/portugal/adolfo_casais_monteiro.html>

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Atarefado como estava com outras preocupações, ainda pode estar

presente no desembarque e nos inúmeros eventos e recepções, além das

providências que tomava para publicar versos de Cecília na revista Presença e no

jornal Diário de Notícias:

E ainda por cima, chegaram ontem aqui Cecília Meireles, autêntica poetisa do Brasil, e o marido, Correia Dias, desenhador português. Às 7 da manhã estava no cais, e só à meia noite e meia hora voltei para casa. (...) De maneira que eu não posso mais, e só com enorme esforço consigo escrever-lhe. Não quero, porém, demorar mais esta carta. A ocasião não é boa, mas quando terei, agora, um momento mais sossegado? Durante os dias próximos terei que continuar ciceroneando os hóspedes amigos. Desde já lhe digo que Cecília Meireles perguntou logo pela “Presença”, de que já tinha notícia. Peça-lhe colaboração. De resto, ela vai ao Norte, e eu quero que você lhe apareça.699

Em outras duas cartas enviadas ao amigo, o poeta Adolfo Casais Monteiro,

o escritor Osório de Oliveira nos permite entender a importância que desempenhara

na organização das conferências e dos demais compromissos da sua agenda em

Portugal, que incluía recepções, encontros, publicações, etc.:

Não respondi há mais tempo ao seu postal porque a Cecília Meireles tem andado num rodopio e eu tenho sido levado atrás, com nos versos do ‘português suave’, 700 Afonso Lopes Vieira. Não queria mandar-lhe o único livro de versos que tenho dela, “Nunca mais...”, por ser o primeiro e estar distante da grande poesia que ela faz hoje. Pedi versos inéditos para a “Presença”, mas só há dois dias ela pode copiá-los. Aqui lhe mando duas belíssimas coisas. O “Diário de Lisboa”, por minha iniciativa, vai dar uma página com outros versos. Uma nova revista que se projeta (coisa do Rodrigues Miguéis e do Manuel Mendes) também dará dois outros poemas. A Cecília está já ali no norte, na terra do marido, Correia Dias: Moledo da Penajóia, Linha do Douro. Vou enviar-lhe o seu endereço que me esqueci de dar. Ela irá ali ao Porto passar uns dias, suponho eu.701

E ainda:

Só agora posso responder à sua carta porque só hoje tive cinco minutos para me alhear das preocupações constantes (...), e

699 OLIVEIRA, José Osório de. Carta a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 13 de outubro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2569. 700 Aspas de José Osório de Oliveira. 701 OLIVEIRA, José Osório de. Carta a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 2 de novembro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2570.

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escrever o que queria (como queria) dizer na ‘Presença’ sobre a Cecília Meireles. Você esperava, talvez, um artigo crítico, mas era isto, isto mesmo, que eu tinha cá dentro para dizer, e dizer assim. Não me parece deslocado na vossa revista. Se estiver, a culpa é sua, que me pediu colaboração para revista tão difícil. 702 (...) Mas quando sairá isso publicado? Não pregunto 703 por mim, mas pela poetisa. Poderei receber 2 exemplares desse no: uma para ela e outro para mim?704

A seguir, como revelado nas cartas de Osório a Casais Monteiro, Cecília e

Fernando Correia Dias foram para Moledo de Penajóia, um lugar pedregoso, à beira

do Douro, na zona dos vinhedos mais famosos. Hospedaram-se no Palácio da Boa

Esperança na propriedade da família do marido, local onde Cecília completou 33

anos, em 7 de novembro. Essa visita à casa de seus sogros foi noticiada por vários

jornais portugueses, entre eles o Diário de Coimbra:

Os dois grandes artistas, que o Brasil ora nos envia com a justa fama do seu alto valor mental e artístico, depois duma semana de reconhecimento por esta nossa formosíssima Capital e arredores, partiram para o Norte, onde Correia Dias tem a sua querida família, que ainda não pode abraçar. Na volta a Lisboa é que a ilustre educadora, que é a grande poetisa Cecília Meireles, que todo o Brasil conhece e admira, fará as suas conferências e visitas pedagógicas, esperando que não se esqueça de Coimbra, onde tanto tem a ver, e que, verdadeiramente a poderá interessar e lhe deixará bem vincada a impressão dum novo e mais feliz Portugal para o grande futuro.705

Instalada em Moledo da Penajóia desde o dia 1º de novembro 1934, Cecília

escreveu em 6 de novembro e descreveu ao amigo Fernando de Azevedo as suas

impressões de viagem: o acolhimento cordial que tivera por parte do governo e dos

amigos; os tipos característicos encontrados nos hotéis, na cidade e nos passeios

aos pontos turísticos, sem esquecer, contudo, de se referir aos encantos que

passam despercebidos pelos turistas convencionais – o jarro d'água muito

pequenino visto em Mafra; as calçadas de umas pedrinhas que parecem blocos de

ferro, em Lisboa; aquela acústica das grandes naves profundas de Alcobaça, e,

entre tantas outras belezas, a mais bela coisa que viu foi a aldeia de Nazaré, toda de

702 Grifos de José Osório de Oliveira. 703 A palavra está grafada – pregunto e não pergunto, no original. 704 OLIVEIRA, José Osório de. Carta a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 8 de dezembro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2571. 705 “Cecília Meireles e Correia Dias”. Coimbra, Diário de Coimbra, 9 de novembro de 1934.

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pescadores, que usavam roupas escocesas e pareciam brotar das águas, junto com

os peixes.706

Revelava que hospedara-se por 19 dias no Estoril, que era descrito como

um hotel do tipo do Copacabana Palace, com termas, cassino, etc., no qual se

hospedam todos os ingleses de cara de garçom e as inglesas estilo ‘nurse’,

vermelhos, sardentos, hirsutos e cheios de libras, que adoram ‘bacon’ com ovos,

‘bridge’ e vinho do Porto.707 Do Estoril iam a Lisboa todos os dias para conhecer

lugares pitorescos como a Mouraria e a Alfama e monumentos como a Torre de

Belém e os Jerônimos. Percorreu várias cidades: Sintra, Mafra, Alcobaça e Porto,

ocasiões em que participou de festas, recepções, jantares e chás em sua

homenagem. Em seguida, partiram para o norte do país em direção à pequena

Moledo da Penajóia:

Então, prosseguindo na viagem, metemo-nos no comboio para o Porto, onde estivemos algumas horas; e de lá seguimos para esta aldeia, a fim de repousar uma semana, preparando o necessário para continuação do nosso programa em Portugal.708

Também se referiu à preparação das conferências que realizaria em breve:

Tenho aqui tudo quando se refere ao problema educacional do Brasil, ou antes do D.F. - e não calcula quanto me parece curioso, nesta aldeia tão longe, pensar nessas coisas todas, nos amigos, nos fatos, e ir recompondo acontecimentos que nos são tão caros, para repeti-los daqui a dias aos prováveis ouvintes das minhas conferências em Lisboa. O pouco que tenho narrado a alguns conhecidos, da obra que empreendemos no Rio, causou tão grande assombro, e tanta admiração, que me sinto extremamente animada para reconstituí-la toda. Assim, falarei sobre a reforma, em geral, e, em particular, sobre a fundação do Centro de Cultura, cujo destino só Deus sabe por onde e como anda... Mas Deus não gosta suficientemente de mim para me fazer revelações à distância... Falarei também sobre a moderna literatura brasileira, e darei, como despedida, uma audição especial de poemas inéditos, meus. Precisamente hoje vou escrever a primeira conferência. Está vendo que esta carta é uma espécie de prólogo, uma conversinha fiada antes de passar para aqueles assuntos sérios. No dia 13 deverei ir para Lamego, e daí seguirei por sinuosos caminhos para o extremo norte de Portugal, onde espero apanhar muito frio. Depois de algumas variações mais, passando por Porto e Coimbra, voltarei a

706 MEIRELES, Cecília. Correspondência de 6 de novembro de 1934. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934. (FA - Cp. Cx. 21, 75). Carta arquivada no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 707 Idem, ibidem. 708 Idem, ibidem.

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Lisboa para as conferências. (...) Em todo caso, é possível que ainda esteja este ano no Brasil, de onde ainda não tenho grandes saudades, porque os amigos daqui tudo fazem para eu me esquecer de que estou em terra estranha. Essa é a vantagem das afeições de espírito, que podem ser transportadas para todas as distâncias; e essa é, talvez, a prova melhor da minha vocação de marinheiro sem pátria certa. Como o papel se acaba, só lhe posso dizer Adeus!

Nesse mesmo dia, também escreveu e enviou uma carta em papel sépia,

datilografada e com assinatura manuscrita, ao amigo José Osório de Oliveira onde

dava notícias sobre a sua estadia com os familiares do marido e sobre as cantigas

folclóricas que estava recolhendo. Referia-se aos seus planos sobre as conferências

e solicitava informações sobre a programação que seria realizada logo que

retornasse a Lisboa:

Estou recolhendo todo o folclore daqui. Hoje começo a escrever as minhas conferências. Dia 13 seguimos para Lamego, de lá para o Vale do Vouga, depois para o norte, depois para o sul, e então serão as conferências e o resto. Recebi da Fernanda a prova fotográfica. As, porque foram duas. Não me pareceram más. Que está resolvido por aí, sobre a data e o local das conferências? Resolva como for possível, de acordo com a Fernanda e o secretariado. As conferências devem ser 3: uma sobre a reforma educacional, em geral, outra sobre o Centro de Cultura, a terceira sobre a poesia moderna do Brasil. Para esta, V. terá de me emprestar alguns livros, para as citações necessárias – pode já ir escolhendo o material que imagina imprescindível, – será um grande favor. Se me puder dar notícias até o dia 11 (quando sairei daqui), terei muito prazer. Senão, só na volta, pois em seguida estaremos como o judeu errante, infelizmente sem aquela dinheirama toda da venda de Jesus. Muitas recomendações aos amigos e abraços a todos os seus. E até... até qualquer dia. Saudades às pedrinhas de Lisboa!709

Nas duas correspondências, Cecília enfatizava a sua intenção em discorrer

sobre a reforma educacional do Distrito Federal. Ela programava duas conferências,

sendo uma para tratar da reforma em geral e a segunda onde discorreria sobre o

Centro de Cultura Infantil. Quanto à conferência onde trataria da poesia moderna

brasileira e da seção de leitura de poemas seus, parecem estar em segundo plano.

Essa também é a ordem em que figuram as suas prioridades na entrevista

709 MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Osório de Oliveira, ESP N24/336.

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concedida durante o desembarque em Alcântara, tanto ao Diário de Lisboa quanto à

entrevista concedida a Portugal Feminino.710

Ilustração 38. Carta de Cecília Meireles a José Osório de Oliveira, de Moledo da Penajóia, acertando os detalhes das conferências que faria em breve. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal.

Segundo a matéria intitulada “A chegada de Correia Dias e sua esposa

Cecília Meireles a Portugal”,711 publicada em um periódico de Lisboa, Cecília

revelara que tencionava realizar duas conferências: a primeira versaria sobre a

cultura artística das crianças brasileiras e a segunda sobre as poetisas brasileiras. A

discordância do teor das duas entrevistas pode ser atribuída ou à má interpretação

do jornalista que fizera a matéria ou simplesmente uma indefinição da própria Cecília

quanto ao número e o tema das sua próximas conferências.

Ainda em visita à família do marido, Cecília recebeu, em 7 de novembro de

1934, uma carta de Manuel Mendes, que escrevia para acertar os detalhes de uma

710 Para maiores detalhes consultar: “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”; e ainda: Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. “Uma ilustre escritora brasileira visita Portugal”. Lisboa, Portugal Feminino, ano V, n. 58, novembro de 1934, p. 20. 711 “A chegada de Correia Dias e sua esposa Cecília Meireles a Portugal. Saudações aos artistas e jornalistas do Brasil”. Lisboa, 13 de outubro de 1934. (periódico não identificado).

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conferência que ela faria na “Sociedade de Estudos Pedagógicos”712 e enviava

canções de berço numa contribuindo para completar a coleção de cantigas

folclóricas que ela recolhia para um futuro livro.713

3.2. Cecília aclamada em Portugal: conferências, entrevistas e

recepções

A rapidez com que os povos modernos se podem deslocar e pôr-se em contato uns com os outros exerce grande influência, como não podia deixar de acontecer, sobre as relações, em qualquer campo que elas se estabeleçam. O ritmo das trocas das importações e exportações acelera-se. O território de cada nação, principalmente daquelas cujos aspectos se encheram de atrativos pitorescos, dotadas pela prodigalidade da natureza ou pela atividade incansável dos homens que criaram a sua civilização, é percorrido em certas épocas do ano por milhares de forasteiros, ávidos de conhecerem paisagens e costumes novos. Mas vai longe o tempo em que essas visitas se prolongavam, dando ocasião ao excursionista de adquirir um conhecimento, tanto quanto possível, profundo de pessoas e de coisas. Atualmente, o viajante é impelido por forças constantes e não pode se demorar. Os olhos são obrigados a ver depressa, a sensibilidade deve possuir uma vibratibilidade intensíssima para que se deixe impressionar pela visão ou pelas impressões mais fugitivas. As relações entre o visitante e o povo observado estabelecem-se e desfazem-se num dia, porque os expressos passam em andamento vertiginoso, confundindo e obscurecendo linhas, cores e formas. Se os contatos não se fazem em tempo de paz, e são substituídos por embates guerreiros, então essa velocidade redobra, acicatada pelo desejo de vencer, pelo pânico, pela morte. As pulsões que marcam os passos da vida do homem de hoje caracterizam-se por um ritmo febril. Não foram apenas as manifestações materiais da vida de relações, que se deixaram tocar por esse espírito de alucinação. Quando mentalidades estranhas umas às outras procuram conhecer-se e criticar-se, o seu contato faz-nos pensar no encontro de duas correntes elétricas. É rápido como o deslumbramento produzido por uma faísca. Em épocas passadas, a penetração da índole, da cultura de um povo estranho por qualquer inteligência curiosa, fazia-se com lentidão e segurança. O desejo de conhecer levava o intelectual a estabelecer-se no país que lhe despertara a curiosidade e nele vivia anos consagrados ao estudo e à meditação. Deste esforço compreensivo nasciam obras reveladoras e definitivas. (...) Esta morosidade fecunda desapareceu. Nos tempos que vão decorrendo, o representante típico da intelectualidade que

712 A conferência não foi realizada, como se verá mais à frente. 713 DAMASCENO, Darci. Notas acerca da poesia, da crítica e da correspondência de Cecília Meireles. 26,2,71. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil.

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viaja é o conferente. Este dispõe-se a visitar um país estranho, ou por iniciativa própria, ou encarregado da missão oficial de tornar conhecidas certas facetas do labor espiritual dos seus concidadãos. O conferente é uma personalidade dos dias de hoje. Em ponto algum se demora, atravessa campos e cidades num andamento inalteravelmente veloz passeando idéias. O seu contato com a terra visitada limita-se a um círculo escolhido; a sua visão das generalidades resume-se a um esboço e o que ele tem a dizer, di-lo expresso numa fórmula literária extremamente concentrada, que é a da conferência. O gênero não é novo, mas adquiriu recentemente uma voga que, até então, não conhecera e devemos reconhecer que não é destituído de encantos. (...) Devo reconhecer, porém, que existem exceções e uma delas é representada por Cecília Meireles, a conferente brasileira, que esteve entre nós recentemente. Fez esta senhora várias palestras que foram ouvidas com muito agrado por um escolhido público lisboeta. Tive ocasião de ouvir duas dessas conferências, aquela que foi realizada na sala nobre da Faculdade de Letras e outra no Club Brasileiro. Em ambas, a ilustre senhora se esforçou por nos fazer conhecer o Brasil moderno, com os seus costumes e os seus movimentos de idéias. A primeira teve por tema as reformas operadas pelo atual governo brasileiro na organização do ensino primário, secundário e universitário. A segunda interessou-me profundamente. Constituía uma descrição animada e colorida dos batuques, sambas e macumbas, danças brasílicas de origem negra. (...) Cecília Meireles tem o condão de as evocar num estilo sóbrio sintético e expressivo.714

Assim o cronista português Viana de Almeida, traduziu a sua e a admiração

que a conferencista despertou entre a intelectualidade portuguesa, em matéria

publicada no Diário de Lisboa em 13 de março de 1935. Cecília Meireles já havia

retornado ao Brasil, no entanto, ainda permanecia entre os amigos portugueses um

pouco do encantamento que a sua presença deixara. Durante todo o tempo em que

permaneceu em Portugal as suas conferências foram noticiadas pelos jornais antes,

durante e mesmo depois de acontecerem. Em matéria intitulada “Cecília Meireles” o

Jornal do Comércio e das Colônias informava aos seus leitores o programa que a

poeta e educadora pretendia apresentar aos portugueses:

Esta ilustre poetisa brasileira, que está no norte do país colhendo elementos para falar de Portugal em grandes jornais do Rio e de São Paulo, fará dentro em breve, no seu regresso a Lisboa, quatro conferências e uma leitura pública dos seus versos. A primeira das suas palestras intitular-se-á ‘Notícias da poesia brasileira’. A segunda conferência tratará de ‘A Reforma educacional do Distrito Federal’, a terceira ‘O Centro de Cultura Infantil do Rio de Janeiro’. A quarta, que abrirá a exposição dos seus desenhos e dos do seu

714 ALMEIDA, Viana de. Cecília Meireles conferencista. Temas Literários. Diário de Lisboa, Lisboa, 13 de março de 1935, p. 8.

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marido, o artista Correia Dias, terá esse título curioso: ‘Samba, Macumba e Senhor do Bonfim’, tratando das sobrevivências africanas no Brasil, especialmente na Baía e no Rio de Janeiro.715

Cecília não era a primeira educadora a viajar ao exterior para dissertar

sobre o sistema educacional brasileiro. Integrando uma missão de intercâmbio

cultural a convite de Belisário Penna, Ministro da Educação do governo Vargas,

Armanda Álvaro Alberto viajou ao Uruguai em 1931. Naquele país, Armanda proferiu

conferências e divulgou as reformas realizadas pelos educadores Carneiro Leão,

Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Francisco Campos e Lourenço Filho.716

Outra educadora brasileira, Laura Lacombe, viajou em 1924 ao exterior, mais

particularmente ao Instituto Jean-Jacques Rousseau, para ter acesso às novas

concepções de ensino. Em 1927, retornou à Suíça, desta vez para representar

oficialmente o Brasil no Congresso Internacional de Educação Moderna, em

Locarno.717

A educadora brasileira Cecília Meireles já havia realizado no Brasil diversas

conferências com temáticas e públicos diferenciados, dentre as quais destacamos:

“Saudação à menina de Portugal” no Gabinete Português de Leitura em agosto de

1930;718 “Por que a escola deve ser leiga”, série de conferências na Liga Anti-

Clerical, entre 1931 e 1932 e publicadas na “Página de Educação”;719 a “Arte de

Educar”, realizada no “Clube de Educação” que funcionava no Instituto de

Educação;720 e ainda “O compromisso de educar” publicada no Boletim de Educação

Pública.721

Diante de toda essa experiência em dissertar sobre assuntos educacionais,

Cecília aguardava o retorno a Lisboa. Quando, finalmente, retornou de Moledo da 715 “Cecília Meireles”. Lisboa, O Jornal do Comércio e das Colônias. Sábado, 17 de novembro de 1934, p. 5. 716 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: GONDRA, José Gonçalves, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 250-251. 717 Sobre as viagens da educadora Laura Lacombe consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. 1997. 326f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação; e CARUSO, Andréa. “Traço de União” como vitrine: educação feminina, ideário católico e práticas escolanovistas no periódico do colégio jacobina. Dissertação de Mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Educação. Rio de Janeiro, 2006. 718 MEIRELES, Cecília. Saudação à menina de Portugal. [S.I.]: folheto com ilustrações, 1930. 719 MEIRELES, Cecília. Por que a escola deve ser leiga? Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 1931 a 1932. (Página de Educação). 720 MEIRELES, Cecília. A arte de educar. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 18 de agosto de 1932. (Página de Educação). 721 MEIRELES, Cecília. O compromisso de educar. Rio de Janeiro, Boletim de Educação Pública, ano II, n. 1 e 2, janeiro/junho de 1932. p. 66-74.

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Penajóia, em princípios do mês de dezembro, iniciou a programação das

conferências, proferindo a primeira, intitulada Notícias da poesia brasileira,722 no

salão de festas do Palácio de São Pedro de Alcântara, sede do Secretariado da

Propaganda Nacional, em Lisboa, no dia 4 de dezembro de 1934, às 22 horas,

sendo radiodifundida pela Emissora Nacional.723

Ilustração 39. Em cima: A assistência que abrilhantou a conferência “Notícias da Poesia do Brasil”, feita pela senhora D. Cecília Meireles, no Secretariado da Propaganda de Portugal. Em baixo: A consagrada poetisa

brasileira, momentos antes de começar a sua conferência, tendo ao lado esquerdo o jornalista António Ferro. Fonte: Diário Português, Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1934.

(legenda transcrita do original).

A conferência foi antecipadamente noticiada pelo serviço do SPN nos

periódicos Diário da Manhã, Novidades e Diário de Notícias no mesmo dia (30 de

outubro de 1934) e com os mesmos títulos – “Secretariado da Propaganda Nacional

– Um novo programa de conferências culturais, militares e literárias” – e com o

mesmo texto informativo:

722 Essa conferência foi publicada em jornais portugueses em 1934 e pela Universidade de Coimbra, em 1935. 723 “Portugal”. Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1934.

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O Secretariado da Propaganda Nacional vai prosseguir na organização das conferências da sua ‘Série Cultural’, já iniciada com êxito, há alguns meses. A primeira realizar-se-á brevemente, no salão nobre da sua sede, em São Pedro de Alcântara, 75, e será radiodifundida. O mesmo organismo promoverá também uma ‘Série Militar’ de conferências, onde se versarão os problemas fundamentais relativos ao nosso Exército, à nossa Marinha e à nossa Aviação, estando a sua organização a cargo da revista da especialidade ‘Defesa Nacional’. O Secretariado da Propaganda Nacional tenciona igualmente tomar a iniciativa de realização duma terceira série, de caráter literário, que decerto constituirá mais um ensejo favorável para a valorização da atividade intelectual portuguesa.724

Na véspera, o evento que devia constituir um verdadeiro acontecimento

social e literário, também foi noticiado pelo jornal Diário de Coimbra que ressaltava o

prestígio que a conferente possuía no meio dos mais modernos escritores de além-

Atlântico.725 No dia do evento, um jornal lisboeta recordava e convidava os leitores

para o acontecimento literário que estava despertando nos meios cultos da capital o

mais vivo interesse e era aguardado com ansiedade dada a categoria da distinta

conferente, um dos valores mais representativos da intelectualidade feminina do

Brasil da atualidade.726

No início da conferência o diretor do SPN, António Ferro, apresentou a

conferencista de quem fez o elogio literário dizendo não saber se havia de

apresentar Cecília Meireles, se o próprio Brasil. Ressaltou a contribuição da

jornalista à reforma educacional brasileira por ter escrito perto de mil artigos nos

jornais sobre a temática e que mesmo diante desse trabalho em prol da educação

não havia deixado de fazer poesia:

Se a conferente de hoje é uma grande poetisa, das maiores da sua geração, ela é também uma deliciosa imagem do seu país. É o seu dinamismo, a sua mocidade, os seus nervos, essa energia que tem

724 Recortes encontrados no álbum “Conferências Promovidas pelo S.P.N”, PT – TT –SNIGS, Cx. 539 – 8104, no acervo do SNI, na Torre do Tombo, Lisboa, Portugal. No mesmo álbum outro recorte do jornal A Voz de 30 de novembro de 1934, informava: (...) Como já foi noticiado, realiza-se também no Secretariado da Propaganda Nacional, na próxima terça-feira, à mesma hora, uma conferência literária da notável escritora brasileira Cecília Meireles, cujo título é bem expressivo: “Notícias da Poesia Brasileira”, e que constituirá um vivo e colorido panorama da galeria dos mais modernos poetas de Além-Atlântico. 725 “Secretariado da Propaganda Nacional. A poetisa brasileira D. Cecília Meireles realiza ali, amanhã, uma conferência”. Diário de Coimbra, Coimbra, segunda-feira, 3 de dezembro de 1934. 726 “Notícias da poesia Brasileira. A conferência de hoje, pela poetisa brasileira Cecília Meireles, no Secretariado da Propaganda Nacional”. Lisboa, 4 de dezembro de 1934. (sem informação da fonte). Também foi radiodifundida ao microfone da Emissora Nacional, um poema inédito à época, intitulado “Três cantigas” e recitado pela autora em 27 de novembro de 1934. “Três cantigas”. Jornal do Comércio e das Colônias. Lisboa, 1 de dezembro de 1934, p. 27.

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colocado o Brasil na vanguarda da Civilização. (...) O nacionalismo dos seus versos é um nacionalismo universal. Os seus versos escorrem do luar... E que dizer mais? Só a poesia define a poesia.727

António Ferro encerrou o seu discurso recitando algumas poesias de Cecília

Meireles e a seguir passou a palavra à conferencista, que ao iniciar a sua preleção,

referiu-se às dificuldades que tivera para a elaboração do seu trabalho e agradeceu

à generosidade dos vários amigos que emprestaram livros de autores brasileiros.

Durante cerca de duas horas, a conferencista fez uma retrospectiva da

moderna literatura brasileira e divulgou poetas desconhecidos em Portugal: Manuel

Bandeira, Filipe de Oliveira, Augusto Maia, Jorge Lima, Olegário Mariano, Oswald de

Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Raul Bopp, Augusto

Meyer, Mário de Andrade e Jorge de Lima, entre outros, recitando seus poemas,

analisando suas obras, suas tendências e influências. A conferência “Notícia da

Poesia Brasileira”, como afirma Gouvêa (2001), emerge como um documento que

(...) explica a leitura que Cecília, talvez o menos modernista dos grandes poetas

brasileiros modernos, fazia daquele movimento àquela altura ainda em pleno

transcurso (...). De acordo com a autora a análise feita durante a conferência,

demonstra que Cecília já identificava e destacava a importância daquele movimento

que promoveria uma revolução na estética literária brasileira.728 Depois de descrever

a revolução ocorrida na literatura brasileira nos últimos 15 anos a conferencista

concluiu que os traços que, àquela altura, caracterizavam a poesia brasileira

estavam fixados

(...) no sentido da terra e do homem - na reconstrução de uma autêntica fisionomia nacional, principalmente pela ressurreição da infância, que ascende à tona de tanto verso – orientação para um rumo espiritual a que a conduz não o influxo das modas, mas o impulso da sua própria vida, já intensamente vivida. Resultado tudo isso da revolução literária? Do Desvairismo? Do Pau-Brasil? Da tendência de um só, ou de um grupo? Até certo ponto, talvez. Até o ponto em que as doutrinas, as teorias, e, enfim, a força da inteligência podem agir sobre a imensidade misteriosa e o poder do

727 Intercâmbio literário luso-brasileiro. Uma conferência da poetisa e escritora brasileira Cecília Meireles, em Lisboa, sobre a “Poesia contemporânea do Brasil”. Diário Português, Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1934. 728 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 58.

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espírito humano tão indevassável, tão preso ao ritmo silencioso da vida a que, só origina, modifica e leva e passa.729

A oradora foi demoradamente aplaudida e recebeu, ao final da conferência,

um ramo de flores das mãos de Fernanda de Castro. Entre os presentes figuravam o

secretário da Embaixada do Brasil, Teixeira, Gomes, o adido Comercial do Brasil,

Rafael de Oliveira, delegados do Club Brasileiro e muitas personalidades do meio

literário português, entre os quais Maria de Carvalho, António Eça de Queirós,730

José Osório de Oliveira, Arthur Maciel, D. Alberto Bramão, entre outros.731

Assisti à conferência da ilustre poetisa brasileira Cecília Meireles sobre a poesia e os poetas do seu país. A sua notícia pormenorizada já os leitores deste jornal a conhecem. Limito-me, por isso, a saudar a brilhante embaixatriz da intelectualidade e mais acentuadamente do sentimento poético da exuberante raça idealista a que pertence. Cecília Meireles fez perpassar, diante do nosso espírito, toda a falange notabilíssima dos poetas que no Brasil atual espiritualizam de conceitos e emoções a nossa língua comum.732

Assim o correspondente do jornal Diário Português,733 D. Alberto Bramão

informava aos conterrâneos da colônia portuguesa no Brasil sobre a conferência que

tivera oportunidade de assistir. Em Lisboa, o jornal Diário de Lisboa publicou, em 7

de dezembro de 1934, um excerto dessa conferência acompanhado de alguns

729 MEIRELES, Cecília. Notícia da poesia brasileira. Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade/Cursos e Conferências de Extensão Universitária, 1935. p. 54. 730 Filho do escritor Eça de Queirós, participou ao lado de António Ferro, da AEV, a “Ação Escolar Vanguarda”, criada em janeiro de 1934, foi a primeira organização juvenil, criada pelo regime salazarista, particularmente sobre a orientação de António Ferro e António Eça de Queirós, para “combater as idéias comunistas” difundidas entre a juventude, especialmente nos meios acadêmicos e sindicais. Teve uma duração curta e dois anos depois, deu lugar à Mocidade Portuguesa, uma organização moldada na linha salazarista dominante. Como explica António Costa Pinto: “É uma dupla resposta do recém-criado SPN, com António Ferro, mas especialmente com António Eça de Queirós. Por um lado, procurava enquadrar os dissidentes do movimento Nacional-Sindicalista, em desagregação; por outro, procurava integrar na Ditadura – sob a chefia de Salazar – uma juventude «ardente» e desejosa de vitoriar, mimeticamente, os movimentos fascistas europeus”. António Eça de Queirós foi, nos anos 50, o substituto de António Ferro à frente do SPN. FARINHA, Luís A Ação Escolar Vanguarda (AEV). Causa Nacional. Biblioteca e Arquivo Nacionalista. Disponível em: <http://www.causanacional.net/index.php?itemid=12> 731 “Notícias da Poesia Brasileira. Foi o título de uma conferência de Cecília Meireles, no Secretariado da Propaganda”. Lisboa, 5 de dezembro de 1934. (recorte sem identificação – nome do periódico e local de publicação). 732 BRAMÃO, Alberto. A Conferência de Cecília Meireles. A poesia brasileira. Carta de Lisboa. Diário Português, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934. 733 O Diário Português, órgão da coletividade lusitana no Brasil, completou um ano de existência em dezembro de 1934 e tinha como diretor o jornalista Crisóstomo Cruz. Era reconhecido nos meios jornalísticos como um mensageiro na vanguarda da imprensa portuguesa, pelo fato da sua ação se desenvolver fora de Portugal. Segundo o jornalista português Belo Redondo um jornal deste gênero era a maior garantia da unidade da Colônia e do prestígio do nome português. “No Brasil. O 2º aniversário do “Diário Português” do Rio de Janeiro. Diário de Coimbra, Coimbra, sábado, 8 de dezembro de 1934. p. 4.

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trechos poéticos a título de ilustração: “Toada do Pai do Mato (Índios parecis)”, de

Mário de Andrade; “Andorinha”, de Manuel Bandeira; “De profundis”, de Francisco

Karam; “Diamba”, de Raul Bopp; “Maria Flor”, de Augusto Meyer; “O mundo do

menino impossível”, de Jorge de Lima; “Invocação ao sono”, de Gilka Machado e

“Surdina”, de Ribeiro Couto. Durante a entrevista concedida ao jornal, a

conferencista informou que a escolha dos poetas apresentados partiu da

impossibilidade de citar todos os outros dignos de interesse, por isso, escolheu

reduzir as suas notícias de todos à informação sumária de alguns,734 estratégia que

permitiria trazer ao público uma idéia aproximada da realidade literária do Brasil:

Dar notícias da poesia brasileira pareceu-me a melhor maneira de dar notícias do Brasil, que, até na mais notável das suas obras – a educacional – tem obedecido a uma profunda orientação de alta poesia humana. Em lugar de expor as minhas opiniões sobre a evolução da poesia brasileira, desde os seus últimos grandes mestres do passado até os representantes das várias tendências das mais recentes gerações, preferi apresentar uma antologia capaz de por o público em imediata comunicação com a sensibilidade e as intenções de cada autor. (...) Os limites de tempo não me permitiram explicar largamente, nas conferências, todos os autores necessários; obrigam-me, agora, os limites do espaço a nova redução. Os poemas que se seguem – não os escolhe o meu gosto, mas o destino que governa a vida de todos os homens, mesmo quando são poetas...735

No dia 10 de dezembro foi realizada uma festa em homenagem a Cecília

Meireles, no Club Brasileiro de Lisboa.736 A recepção foi organizada pela diretora da

revista Portugal Feminino, a brasileira Maria Amélia Teixeira e noticiada na referida

revista na edição de janeiro de 1935.737 A poeta foi saudada na abertura pela

diretora do periódico, que pronunciou ligeiro discurso de saudação à mulher

brasileira, traçou o perfil da homenageada e agradeceu a simpatia que Cecília

sempre demonstrara pelo intercâmbio literário feminino luso-brasileiro promovido

734 “Embaixatriz das Letras. Cecília Meireles trouxe-nos notícias da poesia brasileira. Um excerto da conferência que realizou há dias no Secretariado da Propaganda Nacional”. Lisboa, Diário de Lisboa, Suplemento Literário, 7 de dezembro de 1934. p. 6. 735 “Embaixatriz das Letras. Cecília Meireles trouxe-nos notícias da poesia brasileira. Um excerto da conferência que realizou há dias no Secretariado da Propaganda Nacional”. Lisboa, Diário de Lisboa, Suplemento Literário, 7 de dezembro de 1934. p. 6. Nesse mesmo dia foram publicadas poesias inéditas de Cecília Meireles no Diário de Lisboa: “Poemas inéditos da poetisa brasileira Cecília Meireles, publicados pelo Diário de Lisboa”. Diário de Lisboa, Lisboa, 10 de dezembro de 1934. 736 “No Club Brasileiro em Lisboa. Em homenagem a poetisa brasileira, Sra. D. Cecília Meireles, foi organizado um serão de arte”. Rio de Janeiro, Diário Português, quinta-feira, 27 de dezembro de 1934. 737 “Cecília Meireles”. Lisboa, Portugal Feminino, ano V, n. 60, janeiro de 1935, p. 9.

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pela revista. Leu a seguir, os poemas “Visão do Rio de Janeiro” e “Carta ao Brasil”

da autoria de Branca de Gonta Colaço e Teresa Leitão de Barros, respectivamente.

Entre os convidados encontravam-se funcionários da embaixada do Brasil,

entre os quais o embaixador Sr. Guerra Duval, o Sr. Pinto Ferreira, chefe do

Protocolo da Presidência da República, grande número de jornalistas e diversas

personalidades dos meios sociais e literários: Maria Amélia Teixeira (filha), Maria

José Spencer, Alice Rocha Gomes, Isabel Bergstrom, Adelaide Felix, Tereza Leitão

de Barros, Maria de Carvalho, Raquel Bastos, Anita Patrício e Viana de Almeida. Ao

final da festa, depois de números musicais e declamação de poesias Cecília

Meireles leu alguns dos seus poemas e recebeu das mãos da diretora de Portugal

Feminino, um grande número de livros portugueses oferecidos pelos seus

autores.738 Na oportunidade foi feito o convite, por parte dos estudantes brasileiros

de Coimbra, para que a conferencista repetisse a conferência naquela cidade.

Ilustração 40. A nossa gravura representa a homenageada, o S. Exa. o Embaixador do Brasil, a organizadora e alguns membros da Direção do Club Brasileiro, rodeados pelas ilustres artistas que tomaram parte nesta

inolvidável noite de arte. Fonte: Portugal Feminino. (Legenda transcrita do original).

738 “Festa de Homenagem à poetisa Cecília Meireles, no Club Brasileiro de Lisboa”. Lisboa, 11 de dezembro de 1934. (recorte sem informação do periódico).

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A primeira oportunidade de se referir às conquistas educacionais do Distrito

Federal aconteceu no dia 12 de dezembro no Liceu Feminino Maria Amália Vaz de

Carvalho, em Lisboa. A conferencista foi apresentada pela deputada e diretora do

liceu, Maria Guardiola, e presidida pelo Diretor Geral do Ensino Secundário, Peres

Lima, que ao final do discurso solicitou à Cecília que se tornasse a embaixatriz

intelectual de Portugal e que dissesse às senhoras brasileiras e portuguesas do

Brasil que o velho Portugal, em pleno período de reerguimento, precisava do auxílio

moral do Brasil.739 Durante a conferência Cecília tratou das modernas orientações

pedagógicas brasileiras, particularmente do Centro de Cultura Infantil, que criara e

coordenava no Distrito Federal. Na oportunidade, as alunas entregaram um ramo de

flores e uma mensagem de saudação às colegas do Brasil a quem a prelecionista se

comprometeu a entregar.740

Atendendo o convite dos estudantes e da colônia brasileira, a conferência

“Notícia da Poesia Brasileira” seria reapresentada na Universidade de Coimbra,

noticiava um jornal local em 13 de dezembro de 1934: a poetisa brasileira Cecília

Meireles chegou a esta cidade e (...) fará amanhã uma conferência sobre poesia

brasileira. A escritora teve, na estação um acolhimento triunfal (...).741 Sobre o

convite dos estudantes brasileiros, Cecília revelou ao jornal A Tarde, quando

retornou ao Brasil:

Em Coimbra, há atualmente cerca de 20 estudantes brasileiros, que, ao saberem da minha estadia em Lisboa, me foram buscar para Coimbra, onde, na sala da Biblioteca da Universidade, fui apresentada pelo diretor da Biblioteca, sr. Providência e Costa, a um seleto auditório. Aí repeti, a pedido, a conferência “Notícia da Poesia Brasileira”. Este trabalho em 80 páginas datilografadas será publicado, na revista Biblos, órgão oficial da Universidade.742

Como em Lisboa e perante uma assistência seleta, a prelecionista tratou da

poesia contemporânea, analisando e historiando o seu desenvolvimento nos últimos

anos e recitando as mais expressivas produções dos autores escolhidos. Ao finalizar

a sua preleção e solicitada pela audiência, Cecília recitou o poema “Rimance” de 739 “Brilhante conferência da poetisa Cecília Meireles no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho. Mensagem as alunas daquele estabelecimento às colegas do Brasil”. Lisboa, 13 de dezembro de 1934. (recorte sem informação da fonte). 740 Idem, ibidem. 741 Coimbra, 13 de dezembro de 1934. (periódico não identificado). 742 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935.

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sua autoria, recebendo em seguida um ramo de flores de uma aluna da Faculdade

de Ciências, daquela universidade.

Durante o período em que esteve em Coimbra, Cecília recebeu muitas

homenagens. No Hotel Astória, onde se hospedou, foi cumprimentada pelos

diretores da “Associação Acadêmica”, António de Sousa e Ramos de Almeida, João

Gaspar Simões, diretor da Presença e outros representantes de destaque nos meios

universitários. Após a realização da conferência, foi saudada no Orfeon e Tuna

Acadêmica pelo maestro Raposo Marques e pelo acadêmico João Assis, que lhe

ofereceram um “Porto de Honra”.743

Ilustração 41. À esquerda: A conferência Notícia da Poesia Brasileira, publicada em Coimbra, em 1935. À direita: Dedicatória de Cecília Meireles ao poeta açoriano Armando Côrtes-Rodrigues, na mesma publicação.

Fonte: Museu Carlos Machado, Ponta Delgada.

À noite, a Tuna Acadêmica realizou um concerto em sua homenagem,

oportunidade em que também se exibiram os acadêmicos e guitarristas Aurélio Cruz,

Décio da Rocha Dantas, Augusto Seco e Abílio de Moura. Durante o sarau, Serrano

cantou fados, o poeta António de Sousa saudou a poeta e o seu marido e Cecília 743 Expressão utilizada apenas em Portugal. Durante uma recepção ou evento social é servido vinho do porto (tinto ou branco) e sumo de laranja para os abstêmios.

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Meireles declamou poemas de sua autoria, entre elas “Cantigas”. Estiveram

presentes ao evento jornalistas, acadêmicos e muitas senhoras brasileiras e

portuguesas.744

A repercussão da conferência de Cecília em Coimbra conferiu-lhe a

publicação de artigos e notas em jornais portugueses e foi publicada, em 1935,

como Separata de Cursos e Conferências de Extensão Universitária pela Biblioteca

Geral da Universidade de Coimbra.745 Também desencadeou entre os estudantes

brasileiros integrantes da “Associação dos Estudantes Brasileiros” da Universidade

de Coimbra um grande entusiasmo com o Brasil e com as coisas brasileiras levando-

os a criarem, na universidade, a “Sala do Brasil”.746

A notícia da criação da sala brasileira foi amplamente difundida na imprensa

local e foram convidadas outras personalidades de grande relevo no país irmão,

promovendo conferências mensais.747 A iniciativa dos estudantes também foi

referida por Cecília durante a entrevista que concedeu ao jornal A Tarde, em 9 de

janeiro de 1935, quando retornou ao Brasil. A “Sala do Brasil”, segundo Cecília, não

contava com o mesmo aparato que as salas de outros países possuíam na

Universidade, por isso trazia como missão divulgar o empreendimento para que os

brasileiros enviassem contribuições que enriquecessem aquele acervo:

Os estudantes brasileiros, estimulados, resolveram organizar a sala do Brasil, em Coimbra, que não tem coisa alguma, a não ser raros livros, que não dizem nada sobre a nossa cultura atual, uma mesa e quatro estantes, o que é tristíssimo dizer em vista das salas de outros países, que estão sempre em dia com as avançadas culturais dos mesmos. Nesta sala, ficou, agora, assentado a realização de uma exposição de coisas do Brasil, onde serão apresentados aos olhos dos portugueses o que o Brasil, tem de bom, em literatura, em

744 “A ilustre poetisa brasileira D. Cecília Meireles que falou ontem, na Biblioteca da Universidade, obteve um grande triunfo”. Diário de Coimbra, 15 de dezembro de 1934. p. 4. 745 MEIRELES, Cecília. Notícia da poesia brasileira. Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade/Cursos e Conferências de Extensão Universitária, 1935. Separata de Cursos e Conferências, v. II. 746 A “Sala do Brasil”, segundo Vieira (1991), foi inaugurada em 7 de dezembro de 1937 com o propósito de encorajar estudos brasileiros em Coimbra e fortalecer a amizade luso-brasileira. Recebeu uma doação de livros do governo brasileiro em 12 de dezembro de 1940, que foram expostos no Pavilhão Brasileiro na Exposição do Mundo Português do mesmo ano. Mais tarde, tornou-se “Instituto de Estudos Brasileiros” subordinado à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, editando entre os anos de 1942 e 1958, o periódico Brasília, inserindo artigos eruditos no tocante a estudos luso-brasileiros. Diante do exposto pelo autor e com as informações obtidas na documentação, a informalidade da “Sala” criada pelos estudantes em 1934 foi alçada à categoria de instituto de uma faculdade da Universidade de Coimbra. Para mais informações, consultar: VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 140. 747 “A poetisa brasileira D. Cecília Meireles falará hoje na Biblioteca da Universidade sobre a poesia do seu país”. Diário de Coimbra, Coimbra, sexta-feira, 14 de dezembro de 1934. p. 1.

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desenhos, músicas, pintura, artes e, enfim, de tudo que possa demonstrar ao mundo que somos, afinal, um povo culto e capaz. Com o fim de conseguir a concorrência de todo o Brasil a este certame cultural, trago a missão de fazer um apelo a todos os brasileiros, de norte a sul no sentido de enviarem para a “Sala do Brasil”, na Faculdade de Direito de Coimbra, o que tiverem feito a fim de tornar o Brasil conhecido.748

Ela também solicitou aos amigos, como Fernando de Azevedo, que

contribuíssem com doações, em carta do dia 22 de fevereiro de 1935. Mas

lamentava-se ao amigo da pouca acolhida que a idéia encontrara junto ao diretor do

Departamento de Educação, Anísio Teixeira:

O Anísio tinha-se interessado pela sala do Brasil: no momento em que lhe falei nisso, na última vez que estivemos juntos, depois do meu regresso. Desconfio que já se terá esquecido do que me disse: - e não vai nisso nenhum reparo a algum defeito, pois estou convencida da inexistência de defeitos e qualidades humanas: não temos mais que "propriedades", como qualquer substância. Quando as "propriedades" do Anísio são essas, que posso eu esperar da maioria daqueles de quem depende a pobre sala do Brasil?749

Na coluna “Notas da Semana” do Diário de Lisboa foram ressaltadas, em

tom igualmente laudatório como o dos outros jornais e revistas, a excelência, a

eloqüência, a graça e a delicada espiritualidade da verdadeira embaixatriz da poesia

atual das terras de Santa Cruz. Ao final da nota, o colunista lembrou-se de

agradecer aos estudantes brasileiros por terem convidado a poetisa:

A distinta poetisa brasileira D. Cecília Meireles, veio trazer-nos nesta semana de dias chuvosos, enervantes, pardacentos, de noites sem estrelas e alvoreceres velados, uma hora de sol, de luz, de suavidade, de graça, de delicada espiritualidade a sua “Notícia sobre a poesia brasileira”. (...) A poetisa fez brilhar como constelações radiosas, vibrar como hinos vitoriosos, cantar como fio de água em fonte de caminho e murmurar como o refluar de asas em floresta solitária, as produções poéticas dos seus irmãos na Dor, na Sentimentalidade, na Beleza.750

748 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935. 749 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1935. (FA - Cp. Cx. 21, 77/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 750 “Notas da Semana. Conferência duma poetisa brasileira. Correia Dias, o moço acadêmico e artista”. Diário de Coimbra, Coimbra, 18 de dezembro de 1934.

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Entre todas as reportagens colecionadas no álbum “Diário de Bordo” e que

se referem à visita do casal a Lisboa, somente o Diário de Lisboa dedicou

comentários sobre Correia Dias, o antigo estudante e artista, querido e admirado

pelos acadêmicos da sua época. Referiam-se ao seu trabalho como colaborador das

revistas acadêmicas, ressaltando a qualidade, as suas graciosas e originais

caricaturas e os seus belos desenhos:

‘A Rajada’, revista acadêmica onde Correia Dias marcou a sua individualidade, é bem a afirmação das nossas palavras. Um dia o moço estudante e artista sedento de maior glória, se era possível, desejoso de mais largos horizontes para a sua Arte, partiu para o Brasil deixando a Coimbra dos seus sonhos, da sua mocidade, magoada da sua ausência. Veio agora acompanhando sua esposa a ilustre conferencista que aludimos na nota anterior e encontrou-a, certamente, remoçada, modernizada, com outra expressão de vida, sem aquele lindo e verde chorão do Largo da Feira que enfrentava a janela do seu quarto... Mas Coimbra é que ainda terá sentido a alegria da sua visita. Deve ao seu lápis de artista, às tintas da sua paleta, aos seus pincéis, tanta exaltação da sua beleza, dispersa em quadros, em páginas de revista, Arte um dia levada para além do Atlântico com essa mocidade plena de sonhos, de românticos desejos, de lindos ideais. Voltou a esta terra Correia Dias e tantos que ainda cá estão e saudosamente o viram partir, tiveram o prazer de o abraçar nesta mesma cidade onde ele já foi moço, estudante e artista.751

Antes da conferência, Cecília visitou a Faculdade de Letras e a

Universidade de Coimbra e no dia 16 de dezembro, visitou a Junta Geral do Distrito,

o Sanatório de Celas e o Hospital Sanatório da Colônia Portuguesa do Brasil, nos

Covões, em companhia do seu marido, Correia Dias e do Dr. Bissaya Barreto,

presidente daquela instituição.752

Durante a tarde estiveram na Quinta das Lágrimas, acompanhados do Dr.

Miranda de Vasconcelos, de onde seguiram para o Preventório de Penacova. Outra

751 “Notas da Semana. Conferência duma poetisa brasileira. Correia Dias, o moço acadêmico e artista”. Diário de Coimbra, Coimbra, 18 de dezembro de 1934. 752 Em 17 de outubro o Diário de Coimbra publicou uma nota onde revelava que a poetisa e pedagogista brasileira, Cecília Mendes (e aqui há um equívoco do jornal, que grifa Mendes ao invés de Meireles) visitaria Coimbra onde deveria focar “in loco”, a obra de assistência da Junta Geral do Distrito. Provavelmente, essa visita já fazia parte da programação da visitante por parte do SPN, conforme pude verificar nos arquivos. Para cada visitante, era estabelecido um programa de visitas, dentro do espírito de levar ao seu conhecimento o que de mais arrojado ou representativo do país havia para ser mostrado. In: “A poetisa brasileira Cecília Mendes em Portugal”. Diário de Coimbra, 17 de outubro de 1934.

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visita foi feita ao “Ninho dos Pequenitos”, como era denominada outra das obras de

assistência aos menos favorecidos do Dr. Bissaya Barreto.753

Cecília expressou o seu reconhecimento pela recepção que tivera e

declarou quando entrevistada por um periódico local a sua surpresa e admiração

pela obra realizada, prometendo dedicar a elas artigos especiais nos jornais

brasileiros em que colaborava. Na sua despedida de Coimbra estiveram presentes

professores e representantes dos organismos acadêmicos, entre eles o reitor da

Universidade de Coimbra, João Duarte de Oliveira, Providência e Costa, Carlos

Dias, Agostinho de Campos, António de Sousa e Miranda de Vasconcelos. Ao

jornalista do Diário de Coimbra confessou antes de embarcar: vou de Coimbra sem

saber se fiquei gostando mais da terra, se das pessoas com quem tive a honra de

privar. Em seguida, voltou a Lisboa, para dar continuidade às conferências.754

No Club Brasileiro, numa tarde do dia 17 de dezembro de 1934, tratou do

folclore brasileiro e apresentou aquarelas feitas por ela que retratavam os costumes

da população de origem africana no Brasil. Esse material já havia sido apresentado

em 15 de abril de 1933 no Rio de Janeiro. O jornal A Nação de quinta-feira, 13 de

abril de 1933, noticiou a “Noite de Samba” na Pró-Arte, no Rio de Janeiro, que se

realizaria no sábado de Aleluia, que teria como atrações principais a “Escola

Portela”. Na abertura da exposição podia ser vista uma grande coleção de

desenhos, aquarelas e estudos, bem como as figuras típicas da baiana e do bamba,

feitos por Cecília.

Destacamos a originalidade da temática apresentada na exposição no Rio

de Janeiro e na conferência em Lisboa, assim como são também inovadoras,

segundo Conduru (2008), as reflexões gráficas e textuais (...) no campo de estudos

753 Fernando Baeta Bissaya Barreto Rosa concluiu em 1913 a licenciatura em Medicina em Coimbra. Foi professor da mesma faculdade e também atuou na política participando, como deputado eleito na 1ª sessão da Assembléia Nacional Constituinte, que decretou a abolição da Monarquia. Em 1927 presidiu a Junta da Província do Distrito de Coimbra. Atuou ainda como procurador da Câmara Corporativa e foi precursor de uma ação de filantropia, de assistência e promoção da cultura. Destacou-se no campo social e da saúde pública criando sanatórios, leprosários, casas da criança, refúgios para idosos, institutos maternais, bairros econômicos, campos de férias, colônias balneares, estando à frente da campanha de luta contra a tuberculose, a lepra e a loucura. Fundou em 1937, em Coimbra, a segunda instituição de ensino superior privado do país – a Escola Normal Social (mais tarde denominada Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra), direcionada à formação especializada nas áreas da educação e da assistência social. Em 1940 criou o Portugal dos Pequenitos e em 1958 a Fundação, em Coimbra, que tem o seu nome, justamente na casa onde viveu. Após o 25 de Abril foi exonerado de todos os seus cargos, morrendo em Lisboa a 16 de Setembro de 1974. Sobre a Junta Geral do Distrito de Coimbra foi consultado: “Uma grande obra que se deve à Junta Geral do Distrito de Coimbra. Portugal Feminino, ano IV, n. 44, setembro de 1933. p. 21. 754 “A poetisa brasileira Cecília Meireles visitou a obra da Junta Geral do Distrito e retirou à noite para a capital”. Diário de Coimbra, 16 de dezembro de 1934.

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sobre a cultura negra, apresentadas no seu livro Samba, Batuque e Macumba. De

acordo com esse autor,

(...) ainda que não tenha se constituído como uma pesquisadora específica da cultura afro-descendente no Brasil, seus desenhos e o texto a eles correspondente estão entre as realizações pioneiras nesse campo, como as de Modesto Brocos, Nina Rodrigues e Artur Ramos, que abriram caminho para outras tantas desde então.755

A conferência ou recital de sabor literário exótico foi amplamente divulgada

pela imprensa portuguesa.756 Segundo um dos cronistas do Diário de Notícias, a

distinta poetisa do Brasil era entre todos os brasileiros que visitaram Portugal uma

das mais brilhantes e de mais rica e sugestiva personalidade.757 Seus versos eram

também exaltados como o que havia de mais moderno e atual na poesia luso-

brasileira. Mereciam e deveriam ser mencionados pela sua transcendência e pela

sua manifesta superioridade. Quanto ao tema tratado naquela noite, afirmava o

cronista:

(...) deu-nos essa grande poetisa uma hora do “folclore” de além-Atlântico. Mas o “folclore” tratado pelas mãos de artista, quase recitado com exaltação, desenhado em cores vibrantes, musical e plástico. Assim, o batuque, o friso popular e carnavalesco dos “blocos”, a terra da Bahia pitoresca e o Rio de Janeiro quando se veste à maneira da baiana, os movimentos da samba erótica 758 e os largos ritmos da macumba dos sortilégios e dos feitiços, tudo isso foi, por Cecília de Meireles, evocado, tratado com um sentido artístico notável.759

Para Viana de Almeida, em crônica do Diário de Lisboa de 13 de março de

1935, Cecília Meireles tinha um estilo sóbrio, sintético e expressivo de descrever a

manifestação animada e colorida das danças de origem africana:

755 CONDURU, Roberto. Sedução gráfica. Jornal Eletrônico “Educação e Imagem” (Seção “Arte e Imagem”), janeiro de 2008 (no prelo). 756 Sobre a referida conferência consultamos também: “O folclore dos negros do Brasil numa conferência e em alguns desenhos de Cecília Meireles. 17 de dezembro de 1934. (recorte sem informação da fonte); e “As danças indígenas brasileiras. Foi o tema duma nova conferência de Cecília Meireles no Club Brasileiro, de Lisboa”. Diário Português, Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1934. 757 “Conferências – Batuque, samba e macumba, pela poetisa brasileira Cecília Meireles”. Diário de Notícias, Lisboa, 18 de dezembro de 1934. Observação: aspas do autor do texto. 758 Está grafado “da samba erótica”, no original. 759 “Conferências – Batuque, samba e macumba, pela poetisa brasileira Cecília Meireles”. Diário de Notícias, Lisboa, 18 de dezembro de 1934. Observação: aspas do autor do texto.

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Ao apelo da sua prosa levantam-se vultos e vemos passar à noite, a baiana velha, vendedeira de doces e especiarias pelas ruas do Rio de Janeiro. Os trajes legítimos de baiana desapareceram com o tempo, mas as modernas cabrochas do Rio recompõem-nos em disfarces estilizados. Escutamos o repique dos tambores, pandeiros, cuicos 760 e chocalhos e introduzimo-nos na sombra da noite, assistindo às cerimônias de uma liturgia misteriosa nas macumbas.761

Todos os desenhos e aquarelas da nobre e apaixonada servidora da

beleza762 permaneceram expostos no salão do Club Brasileiro por mais três dias.

Mais tarde, em 1935, o texto dessa conferência foi publicado pela revista Mundo

Português, com o título de Batuque, Samba e Macumba, juntamente com as

ilustrações que representam o folclore brasileiro.763

Na conferência O Brasil e a sua obra de educação,764 na Faculdade de

Letras de Lisboa, Cecília Meireles fez uma detalhada exposição da organização do

ensino no Brasil, discorreu sobre a reforma de Fernando de Azevedo, de um modo

geral, e da fundação do Centro de Cultura do Pavilhão Mourisco, em particular.765

Na assistência estavam professores, estudantes, membros da colônia brasileira e

grande número de personalidades portuguesas, entre as quais o embaixador do

Brasil, Guerra Duval, o secretário da Embaixada, Teixeira Soares, o poeta e

professor da Faculdade de Letras, Hernani Cidade, o escritor José Osório de

Oliveira, o jornalista Viana de Almeida e António Ferro.

760 O substantivo feminino “cuíca” foi grafado como “cuíco” no original. 761 ALMEIDA, Viana de. “Cecília Meireles conferencista”. Temas Literários. Diário de Lisboa, Lisboa, 13 de março de 1935, p. 8. 762 “Conferências”. Diário de Notícias, Lisboa, 18 de dezembro de 1934. Outras matérias consultadas: “O Brasil e a sua educação. Conferência de Cecília Meireles na Faculdade de Letras”. Diário de Lisboa, 18 de dezembro de 1934; “O Brasil e a sua obra de educação. Foi o interessante tema da conferência de Cecília Meireles, na Faculdade de Letras de Lisboa”. Diário de Notícias, 19 de dez. de 1934. 763 Esse livro só foi publicado em novembro de 1983 pela Funarte e Banco Crefisul, com tiragem reduzida, não-comercial, em comemoração aos cinqüenta anos de sua primeira exposição artística, em 1933. Em 2003, foi publicado pela Editora Martins Fontes, sob o mesmo título, apenas acrescido do período em que os desenhos foram produzidos, ou seja, “Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo, 1926-1934”. Para mais detalhes, consultar: OLIVEIRA, Márcia Ramos de. Batuque, samba e macumba nas palavras e pincéis de Cecília Meireles. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, n. 6, 2006. Disponível em: <http://nuevomundo.revues.org/document1555.html>; e ainda CONDURU, Roberto. Sedução gráfica. Jornal Eletrônico “Educação e Imagem” (Seção “Arte e Imagem”), janeiro de 2008 (no prelo). 764 Apresentada em 18 de novembro de 1934. 765 Sobre o Pavilhão Mourisco consultar: PIMENTA, Jussara Santos. Leitura e encantamento: a biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco. In: NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.) Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001, p. 105-119.

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A conferencista, grande embaixatriz da feminilidade culta de Além-

Atlântico,766 foi apresentada a uma numerosa e seleta platéia pelo reitor da

Faculdade de Letras de Lisboa, o professor João da Silva Correia, que a elogiou

pelo seu trabalho, ressaltando a sua obra de educadora e a beleza da sua arte

literária.767 O professor de filologia portuguesa discorreu sobre alguns poemas do

livro Nunca mais... ressaltando a beleza, a energia e a novidade de algumas

comparações, imagens e metáforas. Também destacou a atuação da espiritual

artista da Renúncia como robusta educadora da Ação, salientando algumas

passagens da conferência “Compromisso de educar”,768 proferida na Escola Normal

do Rio de Janeiro e ainda a arte de suas aquarelas. Sobre a artista e educadora

multifacetadas, afirmou ainda:

A Sra. D. Cecília Meireles, artista de várias formas de beleza é distinta aquarelista dos coloridos trajes baianos; etnógrafa especializada na rítmica coreográfica dos negros e na doçura da canção de berço; escritora amorosa de crianças, que ao Brasil deu um livro – Menino Jesus, Criança, meu amor769 -; comentadora de fatos pedagógicos – durante anos, no grande jornal fluminense “Diário de Notícias”, cuja página educacional dirigiu, analisou o caso do dia nos domínios da instrução pública; colaboradora das últimas grandes reformas de ensino lançadas pela geração nova, a um tempo universalista no saber e nacionalista ao realizar – a ilustre fundadora e diretora do Centro de Cultura Infantil, do Rio de Janeiro, reúne todas as condições para falar a professores que são, e a professores que hão-de ser, do palpitante assunto que constitui tema da sua conferência – O Brasil e a sua obra de educação.770

Durante a conferência Cecília demonstrou que não só entendia de literatura

mas também de educação e conhecia as propostas dos renovadores e participava

ativamente das discussões em torno da Escola Nova no Distrito Federal. Essa longa

experiência profissional fizera com que se tornasse uma profunda conhecedora das

766 CORREIA, João da Silva. Discurso pronunciado em 18 de Dezembro de 1934 ao apresentar a poetisa brasileira D. Cecília Meireles na conferência que esta realizou na Faculdade de Letras. Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, n. 4, 1937. p. 328-334. 767 CORREIA, João da Silva. Discurso pronunciado em 18 de Dezembro de 1934 ao apresentar a poetisa brasileira D. Cecília Meireles na conferência que esta realizou na Faculdade de Letras. Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, n. 4, 1937. p. 328-334. 768 Sobre a conferência, consultar: MEIRELES, Cecília. O compromisso de educar. Rio de Janeiro, Boletim de Educação Pública, ano II, n. 1 e 2, janeiro/junho de 1932. p. 66-74. 769 Há um equívoco do palestrante ao citar o nome do livro. MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 770 CORREIA, João da Silva. Discurso pronunciado em 18 de Dezembro de 1934 ao apresentar a poetisa brasileira D. Cecília Meireles na conferência que esta realizou na Faculdade de Letras. Revista da Faculdade de Letras, 4(1/2), 1937, p. 328-334.

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questões educacionais que se propunha a debater. Esse conhecimento advinha de

sua atividade como professora de escolas públicas cariocas; como articulista da

“Página de Educação” do Diário de Notícias; como organizadora e diretora da

Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco, uma experiência que criara e desenvolvia

no Distrito Federal. Ao iniciar a sua preleção, Cecília foi enfática ao afirmar que a

sua conferência seria um retrato significativo do Brasil, que deixaria em troca da bela

imagem de Portugal e que projetaria quando retornasse. Depois de se referir às

suas conferências anteriores sobre literatura e folclore brasileiros, afirmou:

O Brasil alcançou, desde há alguns anos, uma fase construtiva que excede o interesse passivo da tradição acumulada e o ritmo vigoroso, mas incerto, da inspiração que acena para vagos horizontes. A sua fisionomia mais nítida, a sua atitude mais robusta, encontram-se na grande obra de educação que um pequeno grupo de homens de coragem empreendeu, despertando-o [o Brasil] a tempo da rotina em que se iam desfalecendo os seus poderes de terra jovem, sacrificada pela mentalidade estacionária e até retrógrada de sucessivas gerações administrativas.771

Cecília foi enfática ao traçar um panorama político e administrativo no

período anterior a 1930, fazendo uma dura crítica aos vícios que impediam a

organização burocrática do Brasil. Segundo ela, existia no país um número

excessivo de bacharéis e doutores, no entanto, a conquista do grau não

representava uma conclusão de estudos úteis, mas um meio mais fácil de justificar

pretensões a cargos que o mecanismo político distribuía generosamente, de acordo

com os seus interesses particulares. Num país onde o diploma resolvia tudo, essa

distribuição de cargos era um conchavo que antecipava todo o tipo de cumplicidades

futuras e de infortúnios, pois os negócios do Estado não paravam nunca nas mãos

de quem os pudesse resolver com dignidade e sabedoria, a ponto de se ver

afastarem com repugnância da política, a maioria dos homens de pensamento e dos

homens de bem, finalizava.772

Na oportunidade, Cecília foi enfática ao enaltecer o valor da reforma de

Fernando de Azevedo, que desde 1927, buscara o aperfeiçoamento do ensino

primário e criara à volta de si um grupo de educadores e intelectuais engajados e

771 “O Brasil e a sua educação. Conferência de Cecília Meireles na Faculdade de Letras”. Diário de Lisboa, 18 de dezembro de 1934 e Diário de Notícias, 19 de dez. de 1934. 772 “O Brasil e a sua educação. Conferência de Cecília Meireles na Faculdade de Letras”. Diário de Lisboa, 18 de dezembro de 1934 e Diário de Notícias, 19 de dez. de 1934.

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que batalhavam pelo sucesso daquela reforma. Por ter uma base de gratuidade,

obrigatoriedade, laicidade e co-educação – a reforma, segundo Cecília, garantia a

estabilidade social. Por ser gratuito, o ensino podia e devia ser obrigatório. Esses

fatores segundo a conferencista salvavam a criança de trabalhos inconciliáveis com

o seu desenvolvimento biológico. Outros dois aspectos foram também enfatizados, a

laicidade escolar, imprescindível num país em que todos os cultos se respeitavam; e

a co-educação, numa terra em que os homens e mulheres têm sabido lutar juntos

para conservação da vida e dos seus ideais. Tais aspectos representavam a

coerência do plano de educação que tinha a fisionomia característica do povo a que

se destinou.773 Entre aplausos calorosos da audiência, Cecília terminou dirigindo, em

nome dos professores brasileiros uma saudação ao professorado português.

Essas conferências foram bastante concorridas e tiveram ampla repercussão

por parte da imprensa, o que colaborou para o prestígio e a admiração que a poeta

despertou entre os portugueses. Também contribuíram para que os educadores

locais voltassem os olhos para as experiências que vinham sendo efetivadas no

Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro. O Diário de Lisboa foi o jornal que

proporcionou maior cobertura e divulgação dos eventos e das temáticas debatidas.

Em novembro publicou “Algumas poesias inéditas de Cecília Meireles”; em

dezembro “O Brasil e a sua educação, conferência de Cecília Meireles na Faculdade

de Letras” e “Cecília Meireles trouxe-nos notícias da poesia brasileira”. O Diário de

Coimbra também prestigiou a poeta com a reportagem “A ilustre poetisa brasileira d.

Cecília Meireles, que falou ontem na Biblioteca da Universidade, obteve um grande

triunfo”. No Diário de Notícias, de Lisboa, foi destaque a matéria “A poesia

contemporânea do Brasil, evocada brilhantemente por Cecília Meireles”. Em 1935,

depois de Cecília ter retornado ao Brasil os seus poemas e suas conferências

continuaram a ser lembradas e foram publicadas algumas matérias em jornais

portugueses. O cronista Viana de Almeida publicou “Cecília Meireles conferencista”

no Diário de Lisboa774 e José Osório de Oliveira escreveu “Cecília Meireles –

Inéditos” na revista Fradique:

773 “O Brasil e a sua educação. Conferência de Cecília Meireles na Faculdade de Letras”. Diário de Lisboa, 18 de dezembro de 1934 e Diário de Notícias, 19 de dez. de 1934. 774 O referido artigo encontra-se transcrito no início da parte 2.1 do presente capítulo. Sobre o assunto consultar: ALMEIDA, Viana de. “Cecília Meireles conferencista”. Temas Literários. Diário de Lisboa, Lisboa, 13 de março de 1935, p. 8;

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Esta mulher do Brasil não é uma poetisa brasileira. A melhor maneira de definir Cecília Meireles é dizer o que ela não é, porque os seus versos vivem precisamente da ausência de certas coisas. A poesia parece ser para ela uma forma de se despojar. Sente-se que para escrever um poema se liberta primeiro de tudo o que é terreno, de tudo o que a prende ao mundo: sentimentos definidos, idéias concretas, visão das coisas reais, sensações físicas. As palavras, mesmo quando designam objetos, não tem para ela o valor estabelecido mas uma significação especial, misteriosa. Não é uma poesia da vida, a de Cecília Meireles, mas uma poesia de além, dum país ignoto, sem contorno, sem substância, um país imaterial, perdido no ar. Nada tem, por conseguinte, de brasileiro os seus versos sem pátria, sem nacionalidade, sem ecos de alma coletiva. Individuais como nenhum outros, os seus poemas constituem um caso pessoalíssimo no seu país oficial e na língua de que se serve. É uma poesia desencarnada a sua, sem corpo, quase inumana; a poesia dum espírito e não duma pessoa com existência material. Irmã de Rainer Maria Rilke!775

As conferências de Cecília Meireles e toda a programação executada em

Lisboa e Coimbra obtiveram ampla repercussão na imprensa portuguesa, como por

exemplo, nos jornais Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Jornal do Comércio e das

Colônias, Diário de Coimbra; e nas revistas Sempre Fixe, Fradique e Portugal

Feminino. Na revista Sempre Fixe, na coluna semanal “Ecos da Semana” a

presença da poeta brasileira ficou registrada nas charges do artista plástico e

caricaturista Carlos Botelho em meio a outros acontecimentos políticos e culturais da

sociedade portuguesa.776

Ilustração 42. Cecília Meireles em charge de uma revista portuguesa. Lisboa, Sempre Fixe, 13 de dezembro de 1934.

775 OLIVEIRA, José Osório. “Cecília Meireles – Inéditos”. Fradique, Lisboa, n. 95, 28 de novembro de 1935, p. 1. 776 BOTELHO, Carlos. Lisboa, Sempre Fixe, 13 e 20 de dezembro de 1934.

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As conferências foram noticiadas até mesmo na imprensa brasileira, por

meio das agências de notícias e de artigos de correspondentes dos principais jornais

da Bahia e do Distrito Federal: A Tarde e O Estado da Bahia; O Globo, A Nação, O

Radical, Diário de Notícias, Jornal do Commercio, Diário Português, A Vanguarda e

Gazeta de Notícias, respectivamente.

Ilustração 43. Cecília Meireles em charge de uma revista portuguesa. Lisboa, Sempre Fixe, 20 de dezembro de 1934.

Cecília deveria realizar uma conferência na Universidade Popular

Portuguesa, no dia 08 de dezembro, mas por motivos de saúde, foi adiada e acabou

cancelada da programação.777 A universidade havia sido fundada em 1919 por um

grupo de intelectuais e de trabalhadores, por iniciativa do Dr. Ferreira de Macedo e

tinha como objetivo difundir a instrução e a cultura no bairro de Campo de Ourique,

onde foi criada.778 Possuía relações com o “Bureau International du Travail”, “Bureau

777 A poetisa brasileira Cecília Meireles adiou para quarta-feira próxima, por se achar ligeiramente doente, a conferência que devia realizar esta noite na Universidade Popular Portuguesa. “A poetisa Cecília Meireles está ligeiramente enferma”. Lisboa, 8 de dezembro de 1934. (sem informação da fonte). 778 Em uma conferência proferida na Sociedade de Estudos Pedagógicos em 10 de Abril de 1935, Bento Caraça definiu como fazendo parte do plano de ação da Universidade Popular: 1º Conferências sintéticas e harmoniosas sobre assuntos que possam interessar o indivíduo como homem moderno, qualquer que seja a sua profissão ou posição na sociedade; 2º Sessões de cinema na sede e fora da sede nas sucursais da Universidade; 3º Uma Biblioteca, que chegou a ter 10 mil volumes; 4º Bibliotecas móveis que circulam nas sucursais ou departamentos estabelecidos nos meios operários; 5º Leituras para as crianças e para os adultos; 6º Excursões, teatro, sessões musicais e sinfônicas; 7º Orfeons populares; 8º Laboratório de psicologia experimental; 9º Conselho pedagógico para orientação de leitura. Consultar: DORES, Armando Myre Dores. Boletim O Erro. Lisboa, Escola

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International d’Education” e “Ligue International pour L’Education Nouvelle” e editava

a revista “Educação Popular”. Participavam da Universidade Popular Portuguesa

educadores como Bento de Jesus Caraça,779 António Faria de Vasconcelos, Virgínia

de Castro e Almeida, Adolfo Lima, António Sérgio e Jaime Cortesão. Não se pode

afirmar categoricamente, mas talvez o cancelamento da conferência tenha sido

motivado por questões políticas. O levantamento de tal hipótese encontra respaldo

se atentarmos para o fato do convite ter-se originado dentro de um órgão de relevo

dentro do governo salazarista e a universidade possuir em seus quadros elementos

e diretrizes contrárias ao regime, sofrendo perseguições até à paralisação

progressiva da sua atividade a partir de 1939, vindo a ser fechada em 1944.780

Ao deixar o Brasil, Cecília Meireles possuía uma carreira profissional de

destaque e projeção. O seu trabalho na “Página de Educação” lhe garantira o

contato com alguns dos maiores nomes da educação do Brasil e do exterior e

também das suas realizações: escolas e publicações. Ao menos no universo

educacional podemos pensar que ainda que as idéias defendidas em seus trabalhos

fossem um tanto quanto distantes e ousadas para o tempo, ainda assim

encontravam leitores ou não teria garantido uma página inteira de um jornal de

circulação na capital federal do país por mais de três anos consecutivos. É de se

pensar que ainda que houvesse trabalhado em outros projetos também importantes,

como as revistas Terra de Sol, Árvore Nova e Festa, estas eram lidas por um público

de poder econômico e intelectual diferenciado do da “Página de Educação”. Esta

possuía um público mais eclético e mais dilatado, encontrando leitores entre os

profissionais da educação (administradores, inspetores e professores), estudantes e

suas famílias e atingindo leitores de outros extratos sociais e intelectuais, ou seja,

leigos interessados nas questões da educação. Outro fator que pode ter

potencializado a leitura da “Página de Educação” foi, provavelmente, o teor das

Profissional Bento de Jesus Caraça, nº 1, abril 2001; Sobre as universidades populares consultar: PINTASSILGO Joaquim António de Sousa. Imprensa de educação e ensino, universidades populares e renovação pedagógica. Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006; BANDEIRA, Filomena. A Universidade Popular Portuguesa nos anos 20. Os intelectuais e a educação do povo: entre a salvação da República e a revolução social. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1994. 779 Bento de Jesus Caraça (1901-1948): matemático português, foi militante do Partido Comunista Português. Escreveu livros técnicos e colaborou nas revistas Técnica, Gazeta da Matemática, Seara Nova, Vértice e Revista de Economia. 780 DORES, Armando Myre Dores. Boletim O Erro. Lisboa, Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, n. 1, abril 2001.

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crônicas de Cecília que não se resumiam a tratar, pura e simplesmente, de assuntos

técnicos, tendo um enfoque muito mais amplo e envolvente.

Pode-se pensar que fosse essa importância profissional, essa segurança

em tratar dos temas da educação aliada às colaborações nos projetos mais

audaciosos realizados no Distrito Federal, é que tenham norteado Cecília a levar as

conquistas daquele grupo de educadores com quem vinha colaborando e as suas

próprias para tratar nas conferências em Portugal. A poesia, mesmo que sendo uma

fonte importante e de certo destaque no país, ainda não lhe garantira um lugar de

tanto destaque entre os seus pares na cidade e no país, como acontecera em

relação à educação. Sendo assim, no seu planejamento para as conferências em

Portugal, tudo leva a crer que a educação tivesse o maior destaque e a poesia

ocupasse um plano secundário. Mesmo que os reiterados convites feitos por

Fernanda de Castro tenham sido feitos em função do conhecimento e da admiração

que os seus versos e a sua poesia despertaram.

Nessa época, Cecília publicou os livros Criança, meu amor (1923)781 e O

Espírito Vitorioso (1929),782 sendo o primeiro aprovado e adotado em 1924 pela

Diretoria de Instrução Pública e pelo Conselho Superior de Ensino dos estados de

Minas Gerais e Pernambuco. Provavelmente, Criança, meu amor tenha alcançado

uma tiragem maior do que o segundo, uma vez que aquele tinha sido adotado como

livro escolar e o segundo tratava-se de uma tese defendida num concurso público.

Quanto aos livros, Espectros,783 Nunca mais... e Poema dos Poemas784 e Baladas

para El-Rei785 tiveram uma circulação mais restrita entre os leitores, por vários

motivos, entre os quais a tiragem limitada com que foram editados. Todos esses

indícios nos levam a supor que a sua faceta de educadora era mais difundida e mais

visível, tanto por meio da “Página de Educação” quanto pelos dois livros citados

acima. Se considerarmos o volume de crônicas escritas e a tiragem diária do jornal

durante os quase três anos de existência,786 comparada à tiragem limitada das

revistas e livros publicados, sejam de educação ou poesia, pelo menos

quantitativamente, aquelas suplantavam os segundos. 781 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 782 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, s.d., 1929. 783 MEIRELES, Cecília. Espectros. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurillo, 1919. 784 MEIRELES, Cecília. Nunca mais... e poemas dos poemas. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1923. 785 MEIRELES, Cecília. Baladas para El-Rei. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira Lux, 1925. 786 Cecília Meireles esteve à frente da “Página de Educação” durante 32 meses, ou seja, de 12 de junho de 1930 a 12 de janeiro de 1933 e escreveu cerca de 960 crônicas de educação na coluna intitulada “Comentários”.

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Uma vez em Portugal aconteceu o oposto. Cecília foi divulgada pela sua

poesia, enquanto a educadora e jornalista foram colocadas num plano secundário.

Os portugueses reconheceram na sua poesia ecos de um portuguesismo, de uma

lírica lusitana, num momento em que interessava ao regime de Salazar e o

Secretariado da Propaganda Nacional a exaltação do país e da cultura portuguesa

no mundo. A identificação da elite intelectual portuguesa com a obra de Cecília

Meireles foi imediata e fez com que atingisse até mesmo outros extratos da

população, uma vez que foram publicados diversos poemas em jornais de Lisboa e

Coimbra.

Ainda que fosse uma das atribuições do cargo que desempenhava no

Secretariado da Propaganda Nacional o de convidar artistas e personalidades do

exterior para visitarem Portugal, aliado ao fato de Cecília se corresponder com

Fernanda de Castro, há que convir que a poeta carioca estava longe de ser uma

personalidade que pudesse se enquadrar aos projetos e modelos requeridos pelo

regime em vigor. A sua luta intransigente na imprensa pelo ideário escolanovista não

deve ter passado despercebido ao seu divulgador, Osório de Castro, nem muito

menos aos autores do convite para as conferências.

Talvez por esse motivo a faceta da educadora tenha sido um pouco

atenuada em Portugal e ressaltada e aplaudida a sua poesia, afinal de contas,

Cecília não fazia uma poesia engajada, uma poesia política. Tanto melhor para o

regime, para o qual a poesia ceciliana não representava nenhum inconveniente nem

representava risco algum. A sua pedagogia e as suas idéias sim, opunham-se

radicalmente a tudo o que vinha sendo construído (ou destruído) em matéria de

educação naquele país, ou seja, a corrente que a educadora se identificara e se

tornara porta-voz, apresentava inúmeras inconveniências. O viés sempre ressaltado

nos jornais portugueses foi, assim, o da universalidade e do portuguesismo de seus

versos. A poeta foi exaltada e considerada européia por Osório de Oliveira, na sua

crônica de apresentação do Diário de Lisboa787 e por Carlos Queiroz em seu artigo

intitulado “Cecília Meireles, poetisa européia”.788

Parece ter havido uma inflexão proposital na importância dos assuntos a

serem debatidos nas conferências. Notamos que em diversas entrevistas

787 OLIVEIRA, José Osório de. Viajantes ilustres, a poetisa do Brasil. Cecília Meireles chega amanhã a Lisboa. Diário de Lisboa, 9 de outubro de 1934, p. 4. 788 QUEIROZ, Carlos. Cecília Meireles, poetisa européia. Lisboa, Diário de Lisboa, 21 de dezembro de 1934.

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concedidas por Cecília aos jornais portugueses e nas cartas que escreveu para

Fernando de Azevedo e José Osório de Oliveira, ela destacava e sobrelevava a

importância que as conferências pedagógicas teriam em sua programação.

Entretanto, a conferência oficial, ou seja, aquela que foi proferida na sede do

Secretariado da Propaganda Nacional e que contou com a presença de várias

personalidades da política e da intelectualidade portuguesa foi onde ela tratou

justamente de literatura. As suas conferências pedagógicas foram relegadas a um

segundo plano, sendo primeiramente proferida num liceu, longe do aparato e do

destaque que foi dado à conferência literária. Mais tarde apresentou outra

conferência na Faculdade de Letras de Lisboa e mesmo contando com a presença

massiva de intelectuais e professores não recebeu, por parte da imprensa o mesmo

destaque que as conferências literárias encontraram. Proposital ou involuntário?

Estariam os portugueses mais interessados em poemas do que em educação?

Observamos que muitos daqueles intelectuais a quem Cecília foi

apresentada eram, além de poetas também educadores e/ou se interessavam pelos

assuntos da educação. Entretanto, a educação mereceu um lugar secundário no

tratamento que os jornais e revistas portuguesas ofereceram e ofereceriam ao tema,

ou seja, não interessava uma divulgação mais ampla num país que se fechava aos

preceitos da Escola Nova, ou melhor, que mesclava ao ideário escolanovista um

viés conservador e nacionalista, característico de um regime autoritário.

De acordo com Nóvoa (1995) essa inflexão aconteceu justamente na visita

de Adolph Ferrière,789 em 1930, quando o pedagogo suíço esteve em Portugal e foi

recebido pela imprensa situacionista com críticas e ataques contundentes. Na

véspera da partida esteve com o Ministro da Educação, Gustavo Cordeiro Ramos e

depois dessa audiência cessaram os ataques à sua pedagogia feitos pela imprensa.

Como resultado, o autor afirma que surgiu uma nova imagem da Educação Nova,

conectada com correntes pedagógicas religiosas e conservadoras, até aí

789 Adolphe Ferrière ((1879-1960) foi um dos principais propagadores dos ideais pedagógicos, alicerçados às graduais transformações ocorridas na concepção da criança e das sociedades. Integrado no movimento da Educação Nova, considerava indissociável a vida intelectual da social: ar puro, agricultura e horticultura, ginástica ao ar livre, entre outros, eram os elementos integrantes de uma diversidades de atividades que se iriam manter em congruência com o exercício da atividade escolar. Por sua vez, esta teria como prioridade a iniciativa individual e a diferenciação no ensino. MONTEIRO, Lígia Cláudia Gonçalves. Educação e direitos da criança: perspectiva histórica e desafios pedagógicos. Mestrado (História da Educação), Universidade do Minho, Portugal, 2006.

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desconhecidas em Portugal ao invés das características laica e progressista que

assumira no país.790

Apesar do clima político adverso, Cecília conseguiu divulgar muitos autores

brasileiros e suas obras, por meio de conferências, entrevistas e matérias publicadas

nos jornais e, provavelmente, nas conversas com os amigos, possibilitando que se

tornassem conhecidos e lidos pelos intelectuais portugueses. Em um trecho de uma

das cartas enviadas pelo poeta e professor Afonso Duarte, em outubro de 1935,

existem indícios desse intercâmbio quando Duarte revela que conhecia a obra de

Fernando de Azevedo e Lourenço Filho:

Tasso interessa-me muito pela universalidade de seu pensamento como Poeta, quanto a Fernando de Azevedo li-o com aquela satisfação que nos dá um encontro de pensamentos, palavras e obras. É um homem firme. Eu conhecia-o já de “Pour l´ere nouvelle”. A ele e Lourenço Filho – que aqui vai tendo leitores depois que abriu a Sala Brazil da Faculdade de Letras. Obra sua – Cecília Meireles. A sua vinda aqui valeu por todas as Academias e Diplomacias: conquistou-nos.791

Se Portugal foi uma presença marcante na vida de Cecília a recíproca

também é verdadeira: Cecília foi uma presença marcante em Portugal. Em um

levantamento preliminar, segundo Gouvêa (2001), compreendendo o período de

1930-1998, foi possível encontrar cerca de cinqüenta autores portugueses que

escreveram sobre a poesia ceciliana, perfazendo um total aproximado a cem

estudos.792 Seus livros Viagem,793 Solombra794 e Romanceiro da Inconfidência795

tiveram grande acolhida pelos leitores portugueses. No entanto, afirma, Mar

Absoluto796 é um dos livros mais estudados em Portugal. A autora identificou, ainda,

três momentos de ênfase da presença de Cecília Meireles em Portugal: o primeiro

momento aconteceu a partir da sua visita e das conferências realizadas em Lisboa e

790 NÓVOA, António. Uma educação que se diz “nova”. In: CANDEIAS, António, NÓVOA, António, FIGUEIRA, Manuel Henrique. Sobre a Educação Nova: cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de Lemos (1923-1941). Lisboa: EDUCA, 1995. p. 38. 791 Carta com assinatura ilegível: apesar de ter sido identificada como possuindo assinatura ilegível, é possível atribuir a correspondência em questão ao professor Afonso Duarte, em primeiro lugar pela semelhança da caligrafia e também pela referência à solicitação de publicação sobre desenho (Duarte era professor de desenho). Em sua carta de 7 de fevereiro de 1939, esta catalogada como sua, ele também faz referência à essa temática. 792 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 85. 793 MEIRELES, Cecília. Viagem. Lisboa: Editorial Império, 1939. 794 MEIRELES, Cecília. Solombra. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1963. 795 MEIRELES, Cecília. Romanceiro da inconfidência. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. 796 MEIRELES, Cecília. Mar absoluto e outros poemas. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1945.

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Coimbra, em 1934; o segundo em 1939, quando da publicação do seu livro Viagem,

em Lisboa e de Olhinhos de Gato797 em capítulos, na revista Ocidente;798 e o

terceiro sucedeu à publicação da antologia Poetas novos de Portugal,799 em 1944,

organizado e prefaciado por Cecília.800 O livro contém o primeiro estudo crítico sobre

Fernando Pessoa escrito no Brasil e apresenta a produção do modernismo lusitano

aos brasileiros e até mesmo aos portugueses, trazendo autores como Adolfo Casais,

Afonso Duarte, Alberto de Serpa, Alfredo Pedro Guisado, Ângelo de Lima, António

Botto, Carlos Queiroz, Fernanda de Castro, João de Castro Osório, José Régio, Luís

de Montalvor, Miguel Torga, Natércia Freire, Vitorino Nemésio e Armando Côrtes-

Rodrigues, que se tornou a partir da década de 1940 o maior interlocutor epistolar

português da poeta brasileira.

Ilustração 44. Exemplar e dedicatória do livro Viagem impresso em Portugal e presenteado a Afonso Duarte por Cecília Meireles, em 1939.

Fonte: Biblioteca Municipal da Casa de Cultura de Coimbra.

797 MEIRELES, Cecília. Olhinhos de gato. 8a ed. São Paulo, Editora Moderna, 1983. 798 Sobre o livro Olhinhos de Gato consultar: NEVES, Margarida de Souza. Paisagens secretas: memórias da infância. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 23-29. 799 Meireles, Cecília. Poetas novos de Portugal. Rio de Janeiro: Dois Mundos, 1944. 800 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 22.

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Segundo Mota (2002), Cecília manteve laços íntimos com Portugal, que

haveriam de dar os seus frutos, quer no modo como a sua obra foi recepcionada,

quer na existência de possíveis repercussões na poesia feita por portugueses.801 A

predisposição em acolher e refletir sobre a obra ceciliana foi se intensificando ao

longo do tempo. De acordo com a autora a unanimidade em torno da qualidade da

escritora tornou-se evidente pela quantidade.802 Dezenas de textos críticos podem

ser encontrados dispersos em publicações, em que se evidencia o pertencimento

estético e ideológico dos seus autores:

E note-se a heterogeneidade das revistas que se ocupam de Cecília: algumas direcionadas para todas as áreas da cultura como ‘Colóquio/Letras’ ou ‘Ocidente’, dedicadas exclusivamente à literatura, como ‘Revista de Portugal’, ou a poéticas individuais, como ‘Persona’; revistas de várias orientações como ‘Cidade Nova’ (de tendência conservadora e católica) ou ‘Vértice’ (cuja filiação estética passa pelo neo-realismo), revistas que não se identificam com uma corrente específica, como ‘Távola Redonda’; e revistas preocupadas com a divulgação dos valores literários estrangeiros, como ‘Presença’ (algumas especificamente vocacionadas para o intercâmbio luso-brasileiro, casos da ‘Atlântico’, da ‘Insulana’ ou da ‘Terceira Margem’), outras mais direcionadas para a realidade local, como ‘Arquipélago’. Assim se propiciou a intimidade do público português com a escritora carioca. E mesmo depois da sua morte, não passa despercebido o destaque dado a Cecília Meireles por revistas como ‘Nova Renascença e ‘Colóquio’ (nomeadamente ‘Colóquio/Letras’), confirmando que a recepção da obra ceciliana se fez em espaços e tempos diversificados.803

A presença de Cecília em Portugal extrapolou o campo literário, podendo

ser evidenciada, de acordo com Mota (2002) até mesmo nos Parâmetros

Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Básico:

“Ou Isto ou Aquilo”, coletânea de poesia para crianças, está incluída na lista de obras previstas para leitura orientada no quinto ano de escolaridade, numa primeira abordagem à literatura dos países lusófonos. No sétimo ano, devem ser estudados poemas selecionados, sendo por isso possível encontrar um leque considerável de textos cecilianos nos respectivos manuais. Ou seja,

801 Em seu estudo, MOTA (2002) reúne toda bibliografia de e sobre Cecília Meireles encontrada durante a sua pesquisa e insere ao final do trabalho. Consultar: MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 98. 802 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 100. 803 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 100.

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Cecília, que nos primeiros tempos da sua produção literária se dedicou à elaboração de livros escolares para as crianças brasileiras (...) tem atualmente um lugar privilegiado no âmbito dos “curricula” escolares portugueses.804

Os laços estreitados durante a primeira viagem nunca mais se desfizeram.

O retorno a Portugal só aconteceria 17 anos depois, em 1951, quando Cecília

finalmente realizou um de seus grandes sonhos: conhecer os Açores, a terra de

seus antepassados. Durante essa visita foi homenageada em cerimônia realizada no

Museu João de Deus, no dia 7 de dezembro. Estiveram presentes autoridades,

poetas e professores, entre eles João de Deus Ramos, que presidiu a mesa, Diogo

de Macedo, diretor do Museu de Arte Contemporânea e João de Barros, o fervoroso

apóstolo da aproximação inter-cultural luso-brasileira que cumprimentou a poeta

ausente por motivos de saúde.805

Ilustração 45. Convite para uma tarde de poesia no Museu João de Deus, em dezembro de 1951. Fonte: Biblioteca do Museu João de Deus, Lisboa, Portugal.

A seguir os poetas Adolfo Casais Monteiro, Alberto de Lacerda,806 Sofia de

Melo Breyner807 e David Mourão Ferreira808 exaltaram a obra da poeta no seu

804 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 114-115. 805 “A tarde da poetisa Cecília Meireles no Museu João de Deus”. Açores, Ponta Delgada, n. 2020, ano oitavo, 11 de dezembro de 1951. p. 1-3. 806 Alberto Correia de Lacerda (1928-2007): poeta português, foi um dos fundadores da revista de poesia Távola Redonda, juntamente com Ruy Cinatti, António Manuel Couto Viana e David Mourão-Ferreira.

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sentido espiritual e na sua feiticeira beleza. Os discursos foram seguidos de um

recital de poemas por Maria Germana Tanger,809 que entusiasmaram a assistência e

mereceram calorosos aplausos.810

Anos mais tarde, durante a “Festa da Poesia” em Lisboa, em uma saudação

feita a poeta brasileira, David Mourão Ferreira afirmou:

No concerto de poetas brasileiros seus contemporâneos, a voz de Cecília Meireles é uma voz solitária. Em Portugal, sempre a sua obra obteve uma maior audiência – não porque ela seja mais portuguesa que brasileira, como insinuaram alguns críticos, decerto bem intencionados, mas obcecados por uma quase nacionalização de valores. Cecília Meireles é tão portuguesa como um Rilke ou um Juan Ramón Jiménez, como um Valéry ou um Eliot. Ou custar-nos-á, muito reconhecer a existência de poetas do universo? – A extraordinária categoria poética de Cecília Meireles foi mais cedo reconhecida entre nós, principalmente porque uma geração literária – a geração da ‘Presença’ – havia criado, em Portugal, um ambiente propício à aceitação de mensagens líricas como a sua.811

Em janeiro de 1965, por despacho de 25 de dezembro de 1964 da Câmara

Municipal de Lisboa e por sugestão do jornal Diário de Notícias, o nome da poeta

brasileira que foi uma grande e sincera amiga de Portugal, foi dado a uma rua de

Lisboa, cidade onde a voz da poeta está permanentemente viva na alma dos que

escutaram o seu canto.812

807 Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004): poeta portuguesa e primeira mulher a receber o mais importante prêmio literário da língua portuguesa, o Prêmio Camões, em 1999. 808 David de Jesus Mourão-Ferreira (1927-1996): escritor e poeta português, foi professor da Faculdade de Letras de Lisboa e trabalhou em periódicos, entre os quais a Seara Nova e o Diário Popular. Foi um dos fundadores da revista Távola Redonda. 809 Maria Germana Tânger (1920-): declamadora portuguesa, foi professora de dicção no Conservatório Nacional durante 25 anos. 810 “A tarde da poetisa Cecília Meireles no Museu João de Deus”. Açores, Ponta Delgada, n. 2020, ano oitavo, 11 de dezembro de 1951. p. 1-3. 811 FERREIRA, David Mourão. Cecília Meireles em Portugal. Revista Padrão, Rio de Janeiro, n. 8, fev. de 1952. Saudação proferida por David Mourão Ferreira, uma das mais personalidades da nova poesia portuguesa, na “Festa da Poesia” realizada em Lisboa em honra da poeta brasileira, em 1952. Segundo Freire (2005) Cecília foi considerada uma voz solitária porque ao contrário dos demais modernistas brasileiros ter se engajado à vertente conservadora, ligada à revista “Festa”, que buscava a renovação da literatura brasileira, mas não abria mão das heranças culturais. Acolhia os recursos da métrica e do verso livre decadentista, distanciando-se das propostas da vanguarda modernista da Semana de Arte Moderna de 1922. Dessa forma, é possível entender o perfil da poesia de Cecília Meireles, entre o modernismo e a herança da tradição romântica, acenando com os dilemas do homem moderno e manejando os metros tradicionais e produzindo uma obra relevante para as letras nacionais, sendo considerada uma das maiores expressões do cânone literário brasileiro do século XX. FREIRE, Eunice Rocha. A tradição romântica na construção das imagens de Cecília Meirelles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal do Ceará, 2005. 812 “Cecília Meireles consagrada em Lisboa”. Lisboa, Diário de Notícias, quarta-feira, 20 de janeiro de 1965. p.1.

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3.2.1. A bordo do “Bagé” e de volta ao Brasil

Cecília Meireles e seu marido Fernando Correia Dias pretendiam visitar

também a França e a Espanha, mas os compromissos fizeram com que

permanecessem em Portugal por pouco mais de três meses. Dessa forma,

regressaram ao Brasil, a bordo do “Bagé”, nos primeiros dias do ano de 1935.

Em entrevista concedida em Lisboa ao correspondente do jornal O Globo,

do Rio de Janeiro, pouco antes de regressar ao Brasil, Cecília fez um pequeno

balanço de suas atividades:

É muito difícil concentrar em algumas linhas, entre as naturais preocupações de uma véspera de viagem, o que pude ver numa estadia de três meses em Portugal. Essas impressões deverão, aliás, aparecer em sucessivos artigos de que estou encarregada para a imprensa do meu país, e nas quais tratarei da fisionomia geográfica e humana desta linda e hospitaleira terra, ademais, tão conhecida já em todo o mundo. Farei o possível por dizer alguma coisa mais que um simples turista, dado o profundo interesse com que observei a vida do povo em cidades e aldeias onde de detive. (...) Além dos artigos que preparo para os jornais do Brasil, espero poder, em lá chegando, realizar várias conferências, como as que realizei em Lisboa e Coimbra sobre educação, literatura e folclore.813

Em carta enviada de bordo, com o timbre da “Cia. de Navegação Lloyd

Brasileiro”, Cecília escreveu a José Osório.814 Na mensagem que seria enviada

quando aportassem em Recife, revelava que Correia Dias se encontrava enfermo e

que por esse motivo estavam praticamente reclusos na cabine. Contava que sonhou

com Salazar e sua mãe, que lhe mostrava a barateza da vida em Portugal e ficava

imaginando que o mesmo deveria estar acontecendo com ele que devia sonhar que

ela ainda estava lá fazendo conferências. Temia que o amigo acordasse banhado

em suor, gracejava. A carta não foi enviada como anunciado por Cecília, mas

continuou a ser escrita e nela foram inseridos outros assuntos acontecidos após o

desembarque no Rio de Janeiro. O desentendimento havido entre os sócios do A

813 “Três meses em Portugal. A poetisa Cecília Meireles colecionou oitocentas cantigas populares”. O Globo, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1935. 814 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Observação: foi permitida a consulta e leitura mas não a cópia das cartas inéditas de Cecília Meireles a José Osório de Oliveira, apenas de pequenos trechos das mesmas. Consultadas em junho de 2007, durante o estágio de doutorado na Universidade de Lisboa.

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Nação, onde trabalhavam ela e Correia Dias, fizera com que perdessem os seus

lugares no jornal. Segundo Cecília, eles ainda tiveram que pagar as despesas da

viagem, para assim se verem livres da (quantia) que nos deviam, que ia além de

5.000$, lamentava-se. Na mesma carta, revela que encontrou o Rio de Janeiro

tumultuado – mais pela política que pelo carnaval,815 referindo-se à perseguição que

Anísio Teixeira e outros educadores vinham sofrendo, acusados de professarem

idéias comunistas.

Na carta, Cecília também informava que entraria em contato com o jornal A

Noite para ver se publicavam o que trouxera, apesar de saber que não havia o

menor interesse por parte desse jornal em relação a esse material. Apesar disso,

afirmava, a tentativa seria feita mais em nome das obrigações com Portugal do que

para resolver a sua vida. Até me sinto constrangida, às vezes, em ter feito essa

viagem, não pensem o mesmo de mim, que só tive prejuízos.816 Ainda assim,

pretendia publicar os artigos, mesmo de graça, só para vê-los publicados e que faria

conferências quando o ano letivo iniciasse para a entrega da mensagem do Liceu

Maria Amália, sobre o Jardim-Escola e sobre a obra de Afonso Duarte.817

Durante a escala que o “Bagé” fez em Salvador, o jornal A Tarde entrevistou

a educadora que voltava ao Rio de Janeiro onde reassumiria as suas atividades de

redatora do jornal A Nação e de diretora do Centro de Cultura Infantil.818 Cecília

relatou aos jornalistas baianos algumas das atividades que desenvolvidas em

Portugal: as conferências, a exposição sobre o folclore brasileiro, as recepções,

homenagens e publicações que surgiram e surgiriam daquele primeiro encontro com

a terra dos seus avós. Entre essas publicações destacava a página dedicada à

poesia brasileira que o Diário de Lisboa publicou e que acentuou mais ainda o

interesse de todos e a conferência “Notícia da Poesia Brasileira” que seria publicada,

na revista da Universidade de Coimbra.819

Porém ressaltava, logo no início da entrevista, que a sua atuação ali fora

dedicada, na sua maior parte, à propaganda do (...) Brasil, que, dolorosamente era

quase desconhecido ainda! (...) Ali chegando, pude observar como o nosso país é

815 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1934. 816 Idem, ibidem. 817 Idem, ibidem. 818 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935. 819 Idem, ibidem.

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ignorado!820 Na bagagem trazia uma coleção de desenhos do professor Afonso

Duarte, que seria motivo de uma de suas conferências no Rio de Janeiro e solicitava

ao jornal que fizesse chegar aos ouvidos de todos o seu apelo para que enviassem

o que fosse possível à exposição brasileira, em abril, na Universidade de Coimbra,

na “Sala do Brasil”.821

Ilustração 46. Correia Dias e Cecília Meireles em Salvador. “Em trânsito pela Bahia”. O Estado da Bahia, Salvador, 10 de janeiro de 1935. (em cima e a lápis, anotações feitas por Cecília Meireles incluem a data e o

jornal que publicou a nota).

Cecília concluiu a entrevista revelando que durante o tempo em que

permaneceu em Moledo da Penajóia, uma aldeia do Alto Douro, organizara uma

coletânea de cerca de 800 cantigas populares, que oferecera ao Secretariado da

Propaganda Nacional, como lembrança de sua passagem por Portugal, que

considerava muito insignificante, comparada às amabilidades recebidas de toda

gente, em toda parte, e que só não (...) surpreenderam porque tinha sempre

820 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935. 821 Idem, ibidem.

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presente dirigirem-se mais ao Brasil do que a si própria.822 O SPN providenciou a

impressão da coleção sob o título de “Cancioneirinho de Moledo da Penajóia”, da

qual António Ferro escreveu uma introdução a propósito da expressão literária da

autora nas letras brasileiras.823

Outros jornais brasileiros destacaram o retorno do casal de artistas ao

Brasil. O jornal carioca A Nação, onde Cecília e Correia Dias trabalhavam, também

divulgou, em 13 de janeiro de 1935, uma pequena nota onde informavam a chegada

do artista do lápis e da emotiva poetisa, vindos de uma brilhantíssima excursão pelo

velho país amigo.824 No dia 18 do mesmo mês, O Radical também dava as boas

vindas ao admirável casal de artistas:

A poetisa encantadora que é Cecília Meireles e o artista magnífico das cores que é Correia Dias, tiveram oportunidde de fazer a maior propaganda do Brasil, em conferências e palestras feitas no pais das quinas 825 e das caravelas. Esse casal de artistas que conta, no Rio, as maiores simpatias, regressou de Lisboa, anteontem, sendo festivamente recebido pelos nossos altos meios sociais e mundanos. (...) Tamanha a ação desenvolvida pelos dois em Portugal, em favor do nosso país que o embaixador Guerra Duval oficiou ao Itamaraty relatando o proveito, para o intercâmbio luso-brasileiro, da auspiciosa visita feita pelos dois dignos intelectuais.826

Em carta a Fernando de Azevedo, Cecília diz que essa entrevista exprimia

apenas parte do seu pensamento e que o resto apareceria lá mesmo, um destes

dias, sob a forma de artigo ou entrevista.827 Em 28 de janeiro de 1935, enviou outra

carta, desta vez para falar da viagem e das saudades que tinha do mar:

É certo que deixei ótimos amigos, que me ofereceram um ambiente inexcedível de gentileza. Mas sou suficientemente conhecedora de mim mesma para desconfiar que, se em lugar de três meses, o nosso convívio se prolongasse um pouco mais, a triste fadiga que vence os belos entusiasmos desfaria esse ambiente de emoção que

822 “Três meses em Portugal. A poetisa Cecília Meireles colecionou oitocentas cantigas populares”. O Globo, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1935. 823 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935; e Nota do jornal O Radical, Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1935. 824 “Depois de uma excursão brilhante Correia Dias e Cecília Meireles regressam de Portugal”. A Nação, Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1934. 825 Quina: grupo dos cinco escudetes das armas de Portugal. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0 – Dezembro de 2001. 826 “Dois dignos artistas que regressam de Portugal”. O Radical, Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1935. 827 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1935. (FA - Cp. Cx. 21, 77/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).

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em redor de mim se formou. Eu ando a procura de alguma coisa perdurável. E o mar perdura. Noites e noites, dias e dias éramos os dois sozinhos, existindo um diante do outro, sem desencanto possível. Isso consolou-me de tudo.828

Assim que chegou ao Brasil, Cecília reiniciou seu trabalho no Centro de

Cultura, que já tinha mais de 600 crianças inscritas, mas apresentava alguns

problemas. Não tenho pessoal para o serviço, mas espero vir a tê-lo, e então talvez

possa apresentar resultados interessantes, comentava em carta a Fernando de

Azevedo, em 28 de janeiro de 1935.829 Mas encontrou o Brasil desvairado, sem

sentido, num tumulto que não entendia. Que tristeza ter pátria! E eu que, mau grado

todos os intuitos estóicos, tinha chegado a sentir uma ternura saudosa por essa terra

e esta gente! E perguntava ao amigo: Dr. Fernando de Azevedo: o sr. ainda acredita

na obra de educação?830 Cecília se referia à campanha de difamação contra a

pessoa e a obra de Anísio Teixeira, que culminaram na sua demissão em dezembro

do mesmo ano. Na próxima carta enviada ao educador, em 22 de fevereiro de 1935,

indagava sobre o verdadeiro significado da luta que haviam empreendido:

Quando lhe perguntei: "Ainda acredita nestas coisas de educação?" e esperava uma resposta de flamejante entusiasmo, senti que a minha pergunta era um eco de outras que a si mesmo já deve ter formulado. Não teremos sido de todo inúteis; e, se o fossemos, talvez pudéssemos dizer com a ironia orgulhosa da Condessa de Novailles: "inúteis, mas indispensáveis". Não será porém, afinal, essa a única legenda para a nossa existência transitória? Inúteis para tudo quanto foi nosso propósito mais consciente; indispensáveis, talvez, ou decerto, para essa ordem abstrata a que servimos, nesse universo desconhecido em que a nossa órbita segue um deslocamento geometricamente fiel. Tenhamos a doçura de aceitar que a vida nos faça oportunos e inoportunos, conforme lhe seja necessário.831

Em março de 1935, Tasso da Silveira publicou na revista Festa uma

entrevista que Cecília e Correia Dias lhe concederam em sua casa, um lugar

surpreendente e pitoresco, no morro de São Cláudio, mais incolor, mais urbano, um

morro autêntico, com as suas macumbas e escolas de samba. Da residência onde o 828 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1935. (FA – Cp. Cx. 21, 76). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 829 Idem, ibidem. 830 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1935. (FA – Cp. Cx. 21, 76). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 831 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1935. FA - Cp, Cx. 21, 77/1. Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).

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casal morava e tinha uma oficina de trabalho, descortinava-se todo o Rio de Janeiro.

Segundo Silveira, dentro de algumas gavetas estavam os numerosos livros inéditos

da poeta, enquanto que centenas de croquis, de gravuras, cartões para tapetes,

cartazes, estudos para cerâmica, iluminuras, todo o mundo mágico e sereno da

imaginação plástica do insigne português Correia Dias estavam guardadas em

grandes pastas.832 Durante a entrevista Cecília referiu-se às singularidades de

Portugal: um luar e o passado íntegro e conservado de Lamego, a paisagem

primitiva que lembrava a tradição druídica de Guimarães e uma ardente geração

moça – o belo grupo da revista Presença, de Coimbra.

Encontro Cecília Meireles de retorno de viagem longa: algumas capitais do norte, o Atlântico de ocidente a oriente, o velho jardim à beira-mar. A viagem é um renascimento, todos sabem. (...) O caminho que ela percorreu, percorre-nos por sua vez. As paisagens, os seres, as cidades vem a nós. Vêm iluminados do deslumbramento da poetisa. Ou deformadas de ironia. Uma ronda de sonho e pitoresco. Águas surdas de encantamento correndo no âmago do que somos. E diante do nosso olhar, que voltou da adolescência, o espetáculo da chama que perenemente nasce e renasce de si mesmo, propondo-nos, num símbolo visível, a alma aturdida, o enigma fundo do espírito criador. No instante em que fala, Cecília Meireles como que chama a si toda a beleza que já produziu. Os poemas de dez anos atrás ou de ontem acorrem com o seu prestígio fascinante, e de momento a momento acendem mais a labareda. Vêm as imagens herméticas ou límpidas, as ressonâncias estranhas, os ritmos ardentemente novos, os pensamentos inesperados de todos os seus cânticos de alegria, de sofrimento ou de amor e tombam como um oxigênio dentro da chama, e desfazem-se em fagulhas inumeráveis. E a chama cresce e queima, e sufoca em torno o último alento e destrói a última fibra de tudo o que não seja o sonho que ela evoca, ou antes, que prodigiosamente recria, para encher outra vez o vazio do mundo.833

Entretanto, o retorno ao Brasil foi tumultuado. A doença do marido Fernando

Correia Dias agravou-se. Além dos problemas familiares somavam-se os

profissionais, com a perseguição que Anísio Teixeira e seus colaboradores vinham

recebendo. Em dezembro de 1935, sob a alegação de conspiração contra o governo

Vargas e já incapaz resistir à campanha de difamação Anísio pediu demissão do

cargo de Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal. A posição liberal de

832 SILVEIRA, Tasso. Meia hora com Cecília Meireles e Correia Dias. Revista Festa, Rio de Janeiro, n. 7, março 1935. p. 9. 833 SILVEIRA, Tasso. Meia hora com Cecília Meireles e Correia Dias. Revista Festa, Rio de Janeiro, n. 7, março 1935. p. 9.

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Anísio Teixeira representou uma ruptura com padrões autoritários emergentes na

conjuntura política da época, conforme afirmado por Xavier (2007):

Mesmo depois de promulgada a Constituição, em 1934, a situação política do país permanecia instável, culminando com a Intentona Comunista de 1935, liderada por Luis Carlos Prestes. Após reprimir a Intentona, o Governo Vargas sancionou a Lei de Segurança Nacional e lançou uma forte campanha contra o que ele denominou de “ameaça comunista”. Essa campanha foi utilizada pelos opositores de Anísio Teixeira, que associavam a suas idéias e realizações à influência comunista, principalmente em razão dele defender a educação pública e partilhar o entendimento de que cabia ao Estado a responsabilidade de garantir um modelo de educação pública, leiga, gratuita e aberta a todos, independente de crença, raça ou classe social.834

Os ataques políticos que se iniciaram naqueles primeiros meses do ano de

1935 iriam dentro de pouco tempo interromper a obra dos renovadores, sofrendo

descaracterizações até ser praticamente desmantelada. Esse foi um período difícil

para Cecília. Com o acirramento do regime político até o Centro de Cultura Infantil

tinha os seus dias contados, vindo a ser definitivamente fechado em 1937.

3.3. Aspectos portugueses da Educação

Desde o final da década de 1920 Cecília Meireles participava das

discussões próprias do campo educacional. Nessa época ela já buscava estar a par

das inovações que eram disseminadas e difundidas por pedagogos oriundos dos

grandes centros difusores de concepções e modelos pedagógicos, como Genebra,

principalmente pelo Instituto Jean-Jacques Rousseau. A partir do momento em que

conheceu essas concepções, a educadora se integrou nessa rede de produção e

circulação de idéias, apropriando-se e contribuindo para que essa difusão se

efetivasse. Podemos considerar, inegavelmente, a Página de Educação” um dos

principais órgãos difusores dessas idéias e inovações pedagógicas brasileiras e

estrangeiras entre os anos de 1930 e 1933.

834 XAVIER, Libânia Nacif. A reforma do ensino no Distrito Federal (1930-1935): experimentalismo e liberalismo em Anísio Teixeira. Cadernos de História da Educação, n. 6, jan. /dez. 2007. p. 156.

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A inserção da educadora no movimento escolanovista teve o seu início nos

anos finais da década de 1920. Em sua tese, já referida anteriormente, para o

concurso da Escola Normal, O Espírito Vitorioso,835 a educadora já trazia fortes

indícios de que procurava se colocar a par das novas concepções educativas que

vinham se desenvolvendo no exterior, principalmente nos países europeus. Cecília

não citava autores, nem mencionava exemplos. Segundo ela, não havia exemplos,

mas experiências de certas épocas, realizadas por certas criaturas, em certas

circunstâncias e que jamais seria possível reproduzi-los, sem forçar a própria

natureza, uma vez que o processo da vida não permitia repetições. As experiências,

podiam apenas valer como elemento de cultura, como o histórico da humanidade

que nos precedeu, servindo para contemplar, na alternativa de todas as variantes, a

lei de movimento que imperativamente as determina. Convidava os educadores ao

exercício da sinceridade e da humildade, diante da sucessiva destruição de teorias e

doutrinas e da impossibilidade de resolver definitivamente os absorventes enigmas

que nos cercavam.836 A escola moderna, afirmava, era uma resposta às

inquietações e uma conseqüência dessa visão de responsabilidade e desse desejo

de acertar:

A ânsia espiritual formulada nas aspirações da escola nova não pertence já, e cada vez pertencerá menos, a uma limitada plêiade. Dos nomes radiosos que esta renascença educativa reuniu num momento, desgalharam-se as idéias a todos os ventos, e multiplicaram-se em todas as direções, tão realmente oportuna era a transformação, tão aguardada já nos mais obscuros e distantes silêncios.837

Para Cecília, seriam ou deveriam ser considerados heróis todos os

educadores que mesmo vindo da pedagogia tradicional, tivessem a coragem de

arriscar-se à aventura desta era nova,838 pois a reforma que deveriam tentar exigiria

deles uma transformação profunda:

Não pode imprimir às vidas em formação uma íntegra noção do seu próprio sentimento de liberdade, não pode receber com encanto a infância nova, nem fazê-la despertar livre de tiranias e dogmatismos

835 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro, 1929. 836 Idem, ibidem. 837 Idem, ibidem. 838 Idem, ibidem.

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quem não esteja numa situação análoga a essa que deseja criar, quem não tenha, espontânea ou voluntariamente, abdicado das idéias feitas, dos moldes de pensamento já encontrados, quem não esteja, enfim, construindo todos os dias a sua personalidade, com essa religiosa inquietude de acompanhar a marcha dos homens, surpreendendo-lhe o ritmo oculto, compreendendo-o, e obedecendo-lhe com alegria.839

Cecília argumentava que o ideal da escola moderna não estava mais

circunscrito a uma pequena plêiade, estendia-se a todos aqueles homens e

mulheres que se dispusessem a desvestir a sua velha aparência de transmissor de

conhecimentos imóveis e como artistas e como homens, criassem largamente com

tudo que houvesse de preclaro na sua inteligência, de puro no seu sentimento, e de

nobre na sua atividade.840

Ao mesmo tempo em que era consumidora desses modelos, Cecília

também participava da rede de circulação de idéias, gerando-as, já que as

disseminava por meio da sua produção intelectual, principalmente no período mais

rico dessa produção, entre 1930 e 1933, quando esteve no Diário de Notícias, onde

por meio dos seus artigos a educadora-jornalista discutiu, criticou, debateu, apontou

e estimulou a mudança dos rumos da educação entre educadores, intelectuais e

opinião pública cariocas. Nesse espaço privilegiado, Cecília tratou de afirmar suas

posições ideológicas e filosóficas, preocupando-se em difundir o ideário da Escola

Nova e marcar a posição dos principais reformadores do momento. Escreveu sobre

temáticas diferenciadas: arte, feminismo, fraternidade universal, revolução,

nacionalismo, leitura, livros e literatura infantil.

Discutiu o estado em que se encontrava a educação no Distrito Federal e a

situação de suas escolas: o abandono, a escassez, a precariedade da estrutura

física e até mesmo a banalidade da sua decoração. Destacando a necessidade de

compatibilizar a transformação do ambiente físico à mudança de atitude dos

professores, encorajava os educadores a agirem simultânea e solidariamente na

obra de reconstrução pedagógica. Também analisou, naquelas páginas, como as

transformações implementadas no âmbito da Reforma Anísio Teixeira (entre 15 de

outubro de 1931 e 2 de dezembro de 1935) repercutiam no espaço escolar do

Distrito Federal: como foram concebidas, como se efetivou essa política de

839 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro, 1929. 840 Idem, ibidem.

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edificações escolares, como esse novo modelo escolar se adequou às conquistas

pedagógicas que a escola passava agora a exigir, como foram realizadas e

recebidas pela comunidade educacional do período.841 Mais tarde, ainda que de

forma mais atenuada, deu seqüência à difusão das concepções dos educadores

escolanovistas e as suas próprias por meio da coluna “Professores e Estudantes” do

jornal carioca A Manhã, de 1941 a 1943.842

Nas páginas do Diário de Notícias, também estabeleceu um vigoroso

intercâmbio entre educadores de diversas partes do Brasil, da América e da Europa.

Vale lembrar que esse intercâmbio de experiências era parte das estratégias que

esses educadores encontraram para disseminar e discutir as novas concepções que

vinham sendo elaboradas, ou seja, por meio dessas trocas intelectuais – palestras,

debates, entrevistas e publicações – cada educador tinha oportunidade de

desenvolver e elaborar suas críticas, sugestões e adaptações dos modelos que ora

eram difundidos pelos grandes centros educacionais e pelos grandes educadores de

então. Aqui o conceito de rede se aplica com bastante propriedade, uma vez que os

educadores teceram uma verdadeira malha de contatos que lhes possibilitou, ao

mesmo tempo, conhecer o que vinha sendo proposto nas diversas partes do mundo,

como também de levar as suas contribuições até onde esses modelos estavam

sendo colocados em prática.

Segundo Houssaye (2007) é impossível produzir uma história dos

pedagogos de cada país sem fazer referência aos pedagogos dos outros países e

não é mais possível conceber a pedagogia a não ser sob o ângulo internacional,

considerando que os pedagogos sempre foram viajantes, fisicamente,

intelectualmente, coletivamente.843 Entretanto, apesar de reconhecer que a

circulação de idéias aconteça, o autor destaca os limites desses intercâmbios,

resultante da própria constituição da pedagogia, ou seja, para que a pedagogia se

estabeleça e possa gerar os seus frutos, é necessário que o pedagogo também se

estabeleça em tempo e espaço determinados. Requer, ainda, que essa pedagogia

conteste, denuncie, recuse e/ou apague outras pedagogias, sob o risco de ela

mesma se apagar ou não se afirmar. A ação pedagógica é definida pela

841 Sobre o assunto, consultar: PIMENTA, Jussara Santos. O espaço escolar: ambiente e ambiências nas crônicas da “Página de Educação” (1930-1933), Cadernos do CEOM, Chapecó, n. 23, 2006 ("Cultura Material"). 842 MEIRELES, Cecília. Estudantes e professores. Rio de Janeiro, A Manhã, 1941-1943. 843 HOUSSAYE, Jean. Pedagogias: importação-exportação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (org.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 298.

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enraizamento do pedagogo ao seu contexto histórico, às influências pedagógicas,

políticas, filosóficas, científicas, psicológicas e sociais, uma gama de influências que

vão determinar o pensamento e a ação do pedagogo e a constituir a sua pedagogia.

Houssaye atenta para a especificidade das pedagogias e o que contribui para a sua

força e a sua fraqueza. A força de uma pedagogia seria o que concorre para a sua

identidade e é essa singularidade que a torna exeqüível em termos de exportação. A

sua fraqueza, por outro lado, impossibilita a exportação, uma vez que as suas

singularidades limitam a sua difusão em outros tempos e espaços, ou seja, o

enraizamento que permitiu que essa pedagogia pudesse vingar, também foi

responsável pela dificuldade que ela vai ter de ser transplantada para outros tempos

e espaços, uma vez que esse enraizamento lhe conferiu qualidades só aceitas,

aplicáveis àquela realidade onde se desenvolveu. Essa é a fraqueza de uma

pedagogia, a sua especificidade, que lhe garantem e oferecem, assim, vantagens e

desvantagens.

Continuando a sua reflexão sobre o fenômeno da importação-exportação

das pedagogias, Houssaye (2007) revela as justificativas que os pedagogos

oferecem para as suas escolhas. Segundo esse autor, quando se importa uma

pedagogia, os pedagogos utilizam a perspectiva historicista, na qual comparam, na

maioria da vezes de forma negativa as outras pedagogias à sua própria pedagogia.

No caso da exportação das pedagogias, os pedagogos justificam as suas escolhas a

partir de uma referência fundada na ciência.

Quando se pretende fornecer ‘o’ bom método ‘comprovado’, não há mais razão, é claro, para apoiar-se numa especificidade nacional ou local. Ao contrário disso, o que é particular só pode desvalorizar.844

Esse autor discute ainda a forma como os pedagogos utilizam para afirmar

as suas pedagogias a partir de estratégias de continuidade e descontinuidade e

pertencimento a uma tradição ou negação/originalidade em relação às condições da

época. Assim, o discurso da renovação é afirmado e reafirmado para que essa

pedagogia venha a ser acreditada e consolidada.

844 HOUSSAYE, Jean. Pedagogias: importação-exportação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (org.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 303-304.

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(...) os pedagogos precisam torná-los críveis, o que exige bastante carisma e circunstâncias favoráveis. Terão que construir ‘imagens’ capazes de encontrar um eco, para que a mensagem passe e seja difundida.845

Esta foi, afirma o autor, a estratégia de afirmação da Escola Nova, frente a

outras pedagogias que lhe antecederam. Tradicional, retrógrada, totalitária, foram

alguns dos qualificativos atribuídos às pedagogias precedentes, que contribuiu para

afirmar e conseguir prosélitos para a “nova” pedagogia. Para Houssaye (2007) os

difusores das novas pedagogias assumem uma dupla tarefa: fazer esquecer o

contexto de uma dada pedagogia e, posteriormente, apresentar as suas intuições

sob a forma de um sistema, dissociando esse sistema da sua figura. Isto equivale a

efetivar a despersonalização de um pedagogo para que a sua pedagogia tome vulto

ou seja difundida. Para tanto, é necessário que o pedagogo seja, efetivamente, a

figura central da sua pedagogia. Por mais paradoxal que seja esta afirmação,

Houssaye considera que a pedagogia vai ser coroada de sucesso, quanto mais o

pedagogo seja a figura central do movimento e tanto mais houver a

despersonalização de sua figura. Ele aponta o caso da Escola Nova em que os seus

mais característicos atores se tornaram anônimos ao longo do tempo. Traduzindo, a

apropriação massiva de uma pedagogia parece ser a fonte de despersonalização de

seus criadores. Interessa a teoria e não o personagem. Para ser apropriado e

transformado, ele precisa ser negado, substituído, apagado, em nome das

sucessivas adaptações que são feitas da sua pedagogia.846

Apesar da sua grande experiência com os assuntos educacionais, Cecília,

certamente não pode fazer, por causa das limitações de tempo e do programa

ampliado, averiguações, pesquisas e visitas às escolas portuguesas como ela

tencionava fazer. Entretanto, é possível que durante o tempo que passou em

Portugal tenha tido oportunidade de visitar diferentes espaços: livrarias, exposições,

museus, sindicatos, associações, clubes, universidades, asilos, lactários, escolas

primárias, secundárias, profissionalizantes e jardins de infância. Quanto às escolas

de formação de professores, não foi possível visitá-las, uma vez que as mesmas

tinham sido fechadas em virtude do regime salazarista, em princípios dos anos de

845 HOUSSAYE, Jean. Pedagogias: importação-exportação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (org.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 307. 846 Idem, p. 309.

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1930. 847 Algumas dessas visitas não ficaram documentadas, portanto, não foi

possível estabelecer onde, com quem e quando realizou tais excursões. Em suas

cartas a educadores e amigos, especialmente a Fernando de Azevedo, ela se detém

nos pontos turísticos visitados no país: a Alfama, a Mouraria, os Jerônimos, a Torre

de Belém, etc. À diretora do Centro de Cultura Infantil devia interessar a visita às

bibliotecas portuguesas, por isso foram incluídas no roteiro as de Mafra e do Palácio

Fronteira.848 Entretanto, em se referindo à educação, foi possível encontrar

distribuídas em entrevistas e cartas, o que realmente chamou a atenção da

educadora em termos de educação e experiências pedagógicas, quando esta se

refere às conferências que pretendia realizar no Brasil sobre os aspectos

observados em Portugal.

A educadora pretendia realizar algumas conferências um mês após o seu

regresso ao Brasil. Como a programação estabelecida para ser apresentada em

Portugal, a que Cecília esperava realizar no Brasil também não se encontrava bem

definida. Se acompanharmos as suas declarações sobre o projeto das conferências,

veremos que este foi se alterando com o passar do tempo e das circunstâncias. As

conferências foram mencionadas em várias oportunidades, em cartas e entrevistas,

entretanto o teor das mesmas sofreu algumas alterações. A programação dependia

de um conjunto de fatores e também das instituições em que as mesmas seriam

apresentadas.

Em carta de 31 de dezembro de 1934 para José Osório de Oliveira, ela

revela que planejava realizar três conferências: a primeira para entregar a

mensagem do Liceu Maria Amália e duas outras, uma sobre o Jardim-Escola e a

outra sobre a obra de Afonso Duarte.849 Na entrevista de 4 de janeiro de 1935,

concedida ao jornal O Globo, Cecília informava, vagamente, que faria conferências

sobre educação, literatura e folclore como as que realizara em Lisboa e Coimbra,

porém não detalhava o conteúdo das mesmas e nem de que autores e experiências

discorreria.850

847 FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 124. 848 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934 (FA - Cp. Cx. 21, 75). 849 Carta inédita de Cecília Meireles a José Osório de Oliveira. MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Consultada em junho de 2007. Observação: foi permitida a leitura mas não cópia das cartas, apenas de pequenos trechos das mesmas. 850 “Três meses em Portugal. A poetisa Cecília Meireles colecionou oitocentas cantigas populares”. O Globo, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1935.

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Em carta a Fernando de Azevedo de 22 de fevereiro de 1935, participava ao

amigo que proferiria quatro conferências: uma sobre o Liceu Maria Amélia Vaz

Carvalho, para entrega de uma mensagem de que era portadora, no Instituto de

Educação do Rio de Janeiro; na segunda trataria dos aspectos da educação em

Portugal; em outra dissertaria sobre a poesia portuguesa da atualidade e na última

apresentaria a experiência pedagógica do poeta Afonso Duarte:

Espero que o sr. tenha a sorte de não assistir nenhuma. E o demônio sopra-me agora ao ouvido: "Em todo caso, seria a maneira de pores à prova a sua admiração..." Mas eu olho para o demônio e (não ria!) o demônio... foge.851

Pouco depois, em 24 de junho, Cecília informava a Osório de Oliveira já ter

realizado uma conferência sobre Portugal e que achava que tinha sido a sua melhor

conferência.852 Comentava ainda que aguardava o retorno de Lourenço Filho dos

Estados Unidos para agendar a conferência sobre o Liceu Maria Amália, que

recebera o convite da colônia portuguesa de São Paulo e do diretor do Instituto de

Educação de São Paulo, Fernando de Azevedo, para fazer conferências naquelas

instituições. A conferência realizada no Instituto de Educação, intitulada

“Preferências literárias da criança” e baseada na experiência do Centro de Cultura

Infantil, foi apresentada em 28 de setembro de 1935. Cecília referia-se, ainda, a

mais uma conferência que realizaria intitulada “Notícia da poesia portuguesa”, mas

não encontramos mais informações sobre a sua concretização.853

Em julho, Cecília comentou que realizara a conferência sobre o Liceu Maria

Amália Vaz de Carvalho no Instituto de Educação do Distrito Federal e que

preparava mais três conferências: a referida anteriormente, “Notícia da Poesia

Portuguesa” e mais outras duas: uma versando sobre a obra de Faria de

Vasconcelos e o seu instituto e a segunda sobre a experiência artístico-pedagógica

do poeta Afonso Duarte.854 Quanto aos artigos que planejava escrever, um versaria

sobre a “Sala Brasil”, informava a Fernando de Azevedo em carta de 23 de maio do

mesmo ano: 851 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1935. (FA - Cp. Cx. 21, 77/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 852 Não foi possível encontrar mais informações sobre o teor e nem o local onde a conferência foi realizada. 853 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 24 de junho de 1935. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Consultada em junho de 2007. 854 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, julho de 1935. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Consultada em junho de 2007.

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Estou para escrever todos os dias um artigo sobre a Sala Brasil, mas não há tempo. Ainda nem pude fazer as conferências! O Instituto de Educação nem sequer encontrou ainda oportunidade para receber uma mensagem de que me fizeram portadora...855

Escreveria ainda dois ou três artigos sobre a cultura portuguesa, dizia em

carta de julho do mesmo ano a Osório de Oliveira. Informava o assunto mas não

mencionava o conteúdo que os artigos teriam.856

Dos trechos extraídos da entrevista e da correspondência de Cecília

Meireles com os dois interlocutores, Fernando de Azevedo e José Osório de

Oliveira, foi possível estabelecer que experiências foram consideradas pela

educadora como as mais importantes e significativas em termos de pedagogia: a de

Afonso Duarte, a de Faria de Vasconcelos e os Jardim-Escola de João de Deus.

Com essa opção, Cecília trouxe para o debate educacional brasileiro uma série de

experiências educacionais não-oficiais como contribuições do movimento

escolanovista português e omitiu uma das experiências oficiais de educação do

regime salazarista: os “Parques Infantis”, de Fernanda de Castro.

Uma das vitrines do regime, os “Parques Infantis” foram concebidos para

amparar a criança pobre, dentro de uma concepção assistencialista da educação.

Cecília preferiu não escrever nem discorrer sobre essa experiência em nenhuma

conferência, omitindo a suas impressões, talvez em nome da hospitalidade com que

fora recebida pelo governo de Portugal e pela própria Fernanda de Castro e seu

marido António Ferro.857

A idéia de fundar os “Parques Infantis” surgiu durante uma viagem a Paris,

quando Fernanda de Castro conheceu a obra de assistência à criança que a

milionária americana Miss Stern organizara, que se chamava “Square d´enfants” e

855 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1935. FA - Cp. Cx. 21, 78. Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 856 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, julho de 1935. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Consultada em junho de 2007. 857 Na literatura acadêmica da área de educação foram encontradas as seguintes referências aos Parques Infantis: PEREIRA, Sara Marques. Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena. (Dir.). Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003; e ainda OLIVEIRA, Salomé. Fernanda de Castro e os parques infantis. Cadernos de Educação de Infância, n. 24, 1992, p. 4-7; Sobre Fernanda de Castro consultar: FERRO, Mafalda, FERRO, Rita. Retratos de uma família. Lisboa: Círculo de Leitores, 1999; Ó, Jorge Ramos do. "Ferro, Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros". In Dicionário de História do Estado Novo, Lisboa, volume I, 1996. p. 357-358; e FERREIRA, David Mourão, FERREIRA João Palma. Contemporâneos. In: Dicionário de Literatura Portuguesa (org. de Jacinto do Prado Coelho). Porto. 3ª edição, 1976. p. 198-199.

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se distribuíra por cinco ou seis bairros da capital francesa. Visitou, mas não gostou

do que viu:

Os pequenos edifícios eram de cimento, cor de cimento, os bibes858 das crianças de cores escuras que davam a impressão de mal lavados e, cúmulo de incompreensível mau gosto, nem uma árvore, nem uma flor, nem nada que pudesse reter um raio de sol. As crianças, às dezenas, brincavam sem alegria nuns terrenos vazios, sem um relva ou brinquedo. Brincavam sim, isto é, corriam dum lado para o outro, mas como que obrigadas por uma disciplina talvez boa para soldados mas não para crianças entre os três e os dez anos.859

Assim que se despediu de Miss Stern, Fernanda não pensou em outra coisa

a não ser em fazer o mesmo em Lisboa, mas de uma forma completamente

diferente: as casas seriam pintadas de tons garridos, os bibes teriam as sete cores

do arco-íris, as crianças brincariam na relva, haveria árvores, pássaros e sol.860

Ilustração 47. Nos jardins de São Pedro de Alcântara, onde começou a obra dos Parques Infantis. Fonte: Maria Archer. Os Parques Infantis. Lisboa, 1943. (Legenda transcrita do original).

858 Regionalismo: Portugal. Tipo de avental com mangas, abotoado ou atado nas costas, que as crianças usam para proteger as roupas. Obs.: cf. babadouro. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0. Dezembro de 2001. 859 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 240. 860 Idem, ibidem.

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Surgiram assim os “Parques Infantis Portugueses” um tanto diferentes dos

parisienses em sua concepção e que contaram inicialmente com a ajuda monetária

de amigos e familiares. O primeiro “Parque Infantil” ou Parque Infantil No 1 foi

construído no Jardim de São Pedro de Alcântara, num espaço cedido por Luís

Pastor Macedo, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e inaugurado em

18 de novembro de 1933.

Ilustração 48. O bendito trabalho da agulha aprende-se cedo, ao ar livre, como quem brinca.... Aspecto de uma sala de aula dos Parques Infantis. Fonte: Maria Archer. Os Parques Infantis. Lisboa, 1943. (Legenda transcrita

do original).

Em seguida foi criada a Associação dos “Parques Infantis”, entidade

concebida para amparar, proteger, igualar perante a sorte, vestir e alimentar as

crianças oriundas da população de baixa renda de Lisboa com idades entre três e

dez anos. Depois desse primeiro Parque Infantil outros foram criados por toda a

Lisboa: o Parque do Campo Grande, o Parque das Necessidades e o Parque de

Santa Catarina, freqüentados, ao todo, por 750 crianças de ambos os sexos.861

Também foram criadas outras instituições vinculadas aos “Parques Infantis”,

entre as quais a “Colméia” cujo objetivo era o de oferecer ensino profissionalizante

às crianças egressas dos “Parques Infantis”. Mais que um parque infantil, registrou

Fernanda de Castro em suas memórias, a “Colméia” era uma escola de artes e

ofícios: 861 ARCHER, Maria. Os Parques Infantis. Lisboa: Associação Nacional dos Parques Infantis. 1943.

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(...) chegamos a ter doze seções a funcionar ao mesmo tempo: costura, alta costura, bordados à mão, bordados à máquina, malhas à mão, malhas à máquina, flores, brinquedos, culinária, sapataria, carpintaria e marcenaria. Estas seções funcionavam em salas sem muros, isto é, salas cujos muros eram de vidro transparente. (...) Todas estas seções eram dirigidas por mestras muito competentes. Logo que as crianças completavam a sua instrução primária, passavam automaticamente para a Colméia, onde cada uma aprendia o ofício que mais lhe interessava. No primeiro ano não ganhavam nada. Mas a partir do segundo começavam a receber por semana algumas dezenas de escudos, poucas, porque isto era mais estímulo do que pagamento, visto que continuavam a receber gratuitamente aprendizagem, alimentação, assistência médica e medicamento e ainda uma espécie de fardamento que usavam na escola (...).862

O projeto “Pássaro Azul”,863 que funcionou em uma das sedes dos “Parques

Infantis”, proporcionou educação artística e musical a cerca de 100 crianças.

Segundo Fernanda, a experiência tinha como finalidade oferecer educação artística

a crianças em ‘estado puro’, ainda completamente libertas dos malefícios do mau

gosto e de modas efêmeras.864

Ilustração 49. O pão do espírito. Aspecto de uma sala de aula dos Parques Infantis. Fonte: Maria Archer. Os Parques Infantis. Lisboa, 1943. (Legenda transcrita do original).

862 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 262. 863 Nome dado, provavelmente, em homenagem ao dramaturgo, poeta e ensaísta belga Maurice Maeterlinck (1862-1949), autor da obra Pássaro Azul (L’Oiseau bleu - 1909), amigo de Fernanda de Castro e António Ferro. 864 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 264.

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Sob a orientação de professoras de renome artístico,865 o projeto teve

resultados surpreendentes: fizeram-se dois programas na televisão, duas

representações no Teatro da Estufa Fria866 e as críticas excederam tudo o que se

podia esperar num momento de otimismo.867 A experiência foi encerrada devido ao

corte do subsídio de 50 contos que a Santa Casa de Misericórdia concedia

mensalmente.868

Ilustração 50. A saída das aulas, no Parque Infantil No 3 (Necessidades). Fonte: Maria Archer. Os Parques

Infantis. Lisboa, 1943. (Legenda transcrita do original).

Em seu livro intitulado Os Parques Infantis, Maria Archer elogiou a iniciativa

de Fernanda de Castro, registrando:

Quem vê as crianças andrajosas, abandonadas a si mesmo, esmolando pelas ruas, vítimas inocentes duma época de inquietações e ódios universais - se pensar em que a criação dum Parque Infantil e duma Escola-Oficina em cada freguesia de Lisboa ataca duma forma resoluta o nosso problema da assistência infantil,

865 Foram professoras do “Pássaro Azul”: Nina Marques Pereira, Arminda Correia, Júlia de Almendra, Eunice Muñoz, Carmem Dolores, Sarah Afonso, Inês Guerreiro, Maria Germana Tanger, Ana Máscolo e Águeda Sena. CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 264. 866 Teatro localizado na cidade de Lisboa, Portugal. 867 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 264. 868 Idem, ibidem.

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não recusa decerto o seu óbolo para a obra meritória, e dá aos pobres emprestando a Deus.869

As crianças eram atendidas nas suas necessidades mais básicas: comida,

roupas, sapatos, remédios, vacinas, injeções, radiografias, regras de higiene, de

moral e de religião.

Segundo Archer (1943) essa era uma obra das mais baratas – se não a

mais barata – das modalidades nacionais de proteção à infância considerando-se os

resultados obtidos.870 Os princípios que regiam a instituição eram ideologicamente

nacionalistas e conservadores e a educação concebida como uma ferramenta capaz

de moldar, moralizar e civilizar, defendendo da rua, guardando nas horas em que os

pais e mães andam no trabalho871 socorrendo-as da pobreza e ignorância dos

pais.872 Após 40 anos de existência, os “Parques Infantis” foram definitivamente

entregues à Santa Casa de Misericórdia.

Conquanto o idealismo com que foram criados, a instituição tinha como

princípio recuperar da pobreza e transformar crianças do povo e que provavelmente

se perderiam, em cidadãos dóceis, educados e instrumentalizados para a melhoria

do lar e mais tarde da sociedade.

É certo, as crianças dos Parques regressam às 6 horas da tarde para o tugúrio paterno. Estiveram todo o dia numa ambiente garrido, limpo e farto, e regressam à noite para a casa maltrapilha, onde tudo falta. É um bem? É um mal? Os critérios divergem ao considerar o fato. Mas todos aqueles que aceitam o princípio de ser a família a base da sociedade não podem deixar de concordar com este aspecto da assistência dos Parques Infantis.873

Enquanto a concepção pedagógica conservadora, católica e nacionalista

que embasava os “Parques Infantis” florescia e era amparada pela mão do Estado,

assistia-se à repressão, a censura, à perseguição e ao silenciamento da pedagogia

renovadora e progressista.

Os anos 1930 foram, segundo Nóvoa (1995), tempos difíceis para os

educadores portugueses, principalmente para aqueles vinculados ao ideário

escolanovista. De acordo com esse autor, num primeiro momento os interesses da 869 ARCHER, Maria. Os Parques Infantis. Lisboa: Associação Nacional dos Parques Infantis. 1943. p. 29. 870 Idem, p. 8. 871 Idem, p. 10. 872 Idem, p. 11. 873 Idem, p. 14.

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política do Estado Novo colidiram com as concepções dos educadores

escolanovistas: muitos foram afastados dos seus cargos. Enquanto alguns desses

educadores inovadores foram perseguidos e marginalizados, assistiu-se à edificação

de uma pedagogia nacionalista que mergulhava algumas das suas raízes em idéias

da Educação Nova.874 De acordo com esse autor, o afastamento dessa primeira

geração de educadores escolanovistas foi pernicioso, pois, traduziu-se num

progressivo empobrecimento da reflexão científica na área educativa.875

Essa afirmação se expressa em revelações presentes em cartas escritas e

enviadas em duas ocasiões (em outubro de 1935 e em fevereiro de 1939) à amiga

Cecília Meireles, onde o poeta Afonso Duarte denuncia a perseguição que sofreu

por parte do Estado Novo. Ainda assim, o poeta e educador confirma a sua

convicção no ideário escolanovista, quando menciona o fato de que permanece

produzindo e publicando, ou seja, continua fiel aos ideais que eram também os da

sua amiga carioca:

Quanto aos meus trabalhinhos – escolares – não seria possível publicar aí o Álbum dos desenhos acompanhado de palavras minhas – suas? E não seria possível publicar aí ‘o Ciclo do Natal na literatura oral portuguesa’ – trabalho folclórico? Aqui não há editores senão para o aprovado oficialmente...876 A sua carta veio encontrar-me em Coimbra em vésperas da Aposentação. Atiraram-me para o cesto dos papéis velhos: foi uma solução. Apesar de nunca ter exercido atividade alguma política partidarista vim para o olho da rua em 1932 por virtude das minhas simpatias pela ‘Seara Nova’, segundo palavras do próprio senhor diretor geral de ensino. Eu queria perdoar-lhes, por mim, mas eles não tem perdão perante a obrasinha realizada, toda ela feita de ternura, dedicação, portuguesismo. Agora? Resta-me uma casita na aldeia onde nasci e um quintal com só árvores de fruto; a consciência do dever cumprido e um vazio enorme diante dos materiais acumulados – o sonho duma grande obra apenas iniciada. Quando estava no ponto preciso de me aproveitar dos estudos feitos, das observações anotadas, achei-me desligado dos meus colaboradores e das crianças! Precisava de ir controlando muita coisa... e esperei! Esperei 7 anos. Desiludido, tenciono aproveitar o que salvei do meu arquivo em pequenos estudos. (...) No próximo no

874 NÓVOA, António. Uma educação que se diz “nova”. In: CANDEIAS, António, NÓVOA, António, FIGUEIRA, Manuel Henrique. Sobre a Educação Nova: cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de Lemos (1923-1941). Lisboa: EDUCA, 1995. p. 39. 875 Idem, ibidem. 876 Grifos de Afonso Duarte. Carta de Afonso Duarte a Cecília Meireles. DAMASCENO, Darci. Fotocópias. Carta a Cecília Meireles sobre Tasso da Silveira e Fernando de Azevedo e suas obras poéticas. Coimbra, 1935. Cópia. Manuscrito. Assinatura ilegível. Reg. 250/1990 DMSS-BN. 26,4,28. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil.

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da ‘Seara’ trago outro estudosinho sôbre a ‘Gênese do desenho infantil’. 877 Pecados velhos...878

Como tantos outros educadores portugueses silenciados e perseguidos por

lutarem por uma escola nova e um ensino democrático, a educadora Irene Lisboa

também teve que recorrer a artifícios para continuar a publicar seus escritos

pedagógicos, adotando o pseudônimo de Manuel Soares, como afirma Fernandes

(1979). Segundo esse autor, outros educadores, embora menos envolvidos na

atividade política da oposição democrática, viram as suas potencialidades cerceadas

por um meio político e pedagógico hostil e medíocre.879

Ilustração 51. Decreto No 21.014 de 19 de março de 1932 e Relação de frases a serem inseridas nos livros de leitura da 4ª classe do ensino primário elementar. Fonte: Casimiro Amado. História da Pedagogia e da

Educação. Universidade de Évora, 2006.

877 O educador se refere ao artigo publicado na revista Seara Nova. DUARTE, Afonso. Gênese do desenho infantil. Seara Nova: Revista de Doutrina e Crítica. Lisboa, ano XVIII, n. 601, sábado, 18 de fevereiro de 1939. p. 3-9. 878 Carta de Afonso Duarte a Cecília Meireles. DAMASCENO, Darci. Fotocópias. Carta a Cecília Meireles sobre política e censura à obra de Afonso Duarte. Coimbra, 7/2/1939. Cópia. Manuscrito. Reg. 250/1990 DMSS-BN. 26,4,29. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. 879 FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. Disponível em: <http://www.instituto-camoes.pt/cvc/bdc/index_pensamento.html>

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A prática dos professores e a sala de aula foram invadidas pelos valores

oficiais, que por meio de decretos e orientações determinavam regras, entre as

quais a de proporcionar aos seus alunos ensinamentos de ordem moral e patriótica,

contidos em frases curtas, fáceis de compreender e reter, que seriam também,

obrigatoriamente, inseridas em livros de leitura oficiais.880

Além disso, as reformas promovidas pelo regime autoritário de Salazar,

instituíram a seleção político-ideológica na admissão dos funcionários públicos, entre

os quais os professores, que estavam sujeitos à informação da polícia política e

estavam obrigados, a partir de 1936, a fazer um juramento anticomunista para

poderem exercer o magistério.881 De acordo com Pessoa (2005), sob o ponto de

vista educativo:

(...) o Estado Novo conseguiu desmantelar a escola republicana com a diminuição da escolaridade mínima, a reestruturação dos conteúdos, a divulgação quase exclusiva de ideais cristãos, e não aceitando a igualdade republicana de acesso à instrução. O encerramento em 1930 das Escolas Normais Superiores e das Escolas do Magistério Primário em 1936 vai representar um retrocesso em relação à vontade política e educativa republicana.882

Dentre as alterações introduzidas, Pessoa (2005) ressalta, ainda, o Decreto

Lei de 24 de novembro de 1936 que alterou os programas do Ensino Primário e

criou o regime de separação dos sexos, a interferência do Estado no casamento das

professoras883 e das enfermeiras dos Hospitais Civis, pelo decreto-lei de março de

1942.884 Apesar de conceder o direito de voto às mulheres e funções políticas a

algumas delas, o regime salazarista foi responsável pela criação de organizações

femininas aparentemente autônomas mas efetivamente subordinadas à orientação

política do Estado:

Muitas vezes, a defesa do ideal da mulher/mãe em casa, ajudando o marido que trabalha forma, numa concepção tradicional da família

880 Decreto No 21.014 de 19 de março de 1932 e Relação de frases a serem inseridos nos livros de leitura da 4ª classe do ensino primário elementar. Apud Casimiro Amado. História da Pedagogia e da Educação. Universidade de Évora, 2006. 881 PESSOA, Ana Maria Pires. A educação das mães e das crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. 4v. Tese (Doutorado em Ciências da Educação). Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. 2005. p. 153. 882 Idem, p. 151. 883 Idem, ibidem. 884 Idem, p. 164.

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era defendida em certas publicações ao mesmo tempo que, também de dentro do regime, se ensinava as mulheres a lidar com novas situações em que havia que saber gerir o tempo a prestar ao lar, a dedicar aos filhos e à atividade profissional.885

Enquanto em grande parte dos países europeus se verificaram consistentes

experiências escolares, tanto do ponto de vista técnico quanto pedagógico, todas

elas realizadas em escolas ou colégios privados, espécie de instituições-modelo,

nas quais era possível concretizar formas alternativas de praticar o ensino e a

aprendizagem, não se pode detectar a existência de instituições semelhantes em

Portugal, de acordo com Nóvoa (1995).886 A não existência destas instituições-

modelo naquele país não significa que não existissem experiências pedagógicas

institucionalmente consistentes. Para Nóvoa (1995), elas ocorreram, embora de

forma difusa no interior do sistema educativo. No caso português a Educação Nova

foi, segundo o autor, efetivada sobretudo em escolas da rede oficial de ensino,

adquiriu uma dimensão significativa nas instituições de formação de professores, e

não apenas em círculos pedagógicos restritos, articulando-se com o movimento

associativo dos professores de forma harmoniosa.887 Essa falta de consistência

teórica e de rigor conceitual da experiência escolanovista portuguesa favoreceram,

apesar disso, a sua difusão entre vários setores do professorado.

Diante do apontado por Nóvoa (1995), que experiências foram significativas

a ponto de impressionar e motivar a educadora a apresentar palestras e

conferências sobre o assunto e a produzir relatos em publicações da área ou em

jornais? Cecília Meireles visitou o que havia a ser visitado, tanto as instituições

oficiais quanto as não-oficiais, para poder se inteirar das várias experiências, das

quais as de Afonso Duarte, Faria de Vasconcelos e de João de Deus Ramos foram

as mais representativas segundo o seu ponto de vista. Ficaram relegadas a um

segundo plano as experiências verificadas em outras instituições, entre as quais a

dos “Parques Infantis” de Fernanda de Castro, que não se tratava de uma

experiência escolanovista e que possuía um caráter conservador e assistencialista.

885 PESSOA, Ana Maria Pires. A educação das mães e das crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. 4v. Tese (Doutorado em Ciências da Educação). Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. 2005. p. 164. 886 NÓVOA, António. Uma educação que se diz “nova”. In: CANDEIAS, António, NÓVOA, António, FIGUEIRA, Manuel Henrique. Sobre a Educação Nova: cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de Lemos (1923-1941). Lisboa: EDUCA, 1995. p. 34-35. 887 Idem, p. 35.

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Diante disso, que experiências Cecília destacou como representativas a

ponto de serem apropriadas por ela ou simplesmente transmitidas aos brasileiros?

Quais delas poderiam ser consideradas modelos pedagógicos e poderiam contribuir

para o acervo pedagógico comum? Ou ainda, quais dessas experiências se

assemelhavam com as suas próprias concepções sobre a educação e quais

estavam de acordo com a sua prática pedagógica? Onde deixou inscritas essas

impressões? Como Cecília difundiu as suas reflexões advindas da viagem? Como,

quando, onde, para quem?

Por meio da documentação colecionada no álbum “Diário de Bordo” alguns

aspectos da visita de Cecília Meireles às principais instituições educacionais em

Portugal são revelados. Enquanto determinados aspectos da viagem são trazidos a

partir dessa documentação, outros tantos continuam ignorados e/ou omitidos.

Entretanto, não há um detalhamento minucioso do período em que passou em terra,

como o que foi realizado enquanto durou a travessia de navio, cronologicamente

marcado por meio das suas crônicas. Não foi possível acessar o diário pessoal de

viagem de Cecília, onde ela deve detalhar os acontecimentos mais representativos

da sua viagem. Ainda assim, a organização que Cecília fez dos recortes de jornal no

álbum “Diário de Bordo” foram suficientes para estabelecer uma cronologia e

oferecer uma mostra das atividades que ela teve oportunidade de participar.

Prestam-se, ainda para tornar visíveis ao pesquisador o quanto a sua presença foi

importante para a intelectualidade portuguesa.

Ao retornar ao Brasil, Cecília organizou essas impressões em forma de

conferências. Para tanto deve ter feito anotações, um texto, ou mesmo um pequeno

relatório onde cotejou os detalhes, as diferenças, as semelhanças, as

particularidades e as contribuições de cada uma das experiências que conheceu em

Portugal. Entretanto, não foi possível localizar essa documentação, nem saber quais

as conferências realmente realizadas.

Que experiências foram dignas de nota e mereceram ser apontadas como

modelos a serem considerados, quais deveriam/poderiam ser ignoradas, recusadas,

silenciadas e/ou esquecidas? Por quê? Quando Cecília omite determinadas

experiências ela acaba revelando/explicitando as suas próprias convicções. O

conhecimento que ela detinha das questões educacionais serviu de suporte para

que confrontasse e elegesse as experiências vistas em Portugal. Foi suficiente para

que elegesse as experiências de Afonso Duarte, Faria de Vasconcelos e de João de

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Deus Ramos como dignas de nota e deixado de mencionar das experiências oficiais

de instituições como os “Parques Infantis”, de Fernanda de Castro. Talvez essas

experiências carregassem, ao seu modo de ver, os estigmas negativos do

autoritarismo do regime militar e outra coisa não fossem que vitrines desse mesmo

governo. Vale ressaltar que Cecília tinha uma certa aversão pelo autoritarismo, que

segundo ela, não combinava com educação.

Os pedagogistas portugueses destacados por Cecília – Afonso Duarte,

Faria de Vasconcelos e João de Deus Ramos – tornaram-se importantes a partir do

momento em que a educadora conheceu, verdadeiramente, as suas atuações no

campo da educação. Dessa forma, é possível que ela tenha destacado, além da

consistência teórica dos autores, também de que forma essas experiências foram

implementadas em relação à arquitetura, ambiente, espaço e mobiliário escolar,

programas e currículos, formação dos professores, bibliotecas, materiais

pedagógicos e disciplina escolar, etc. Além disso, deve ter registrado a contribuição

dessas experiências para a educação portuguesa e para o debate educacional do

momento, as qualidades que poderiam ser apropriadas, os problemas que

apresentavam e que poderiam ser equacionados ou evitados.

Ilustração 52. Gênese do desenho infantil, artigo de Afonso Duarte na revista Seara Nova. Fonte: Seara Nova: Revista de Doutrina e Crítica. Lisboa, fevereiro de 1939.

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Apesar das indicações oficiais, Cecília viu e visitou instituições que eram

experiências não oficiais em termos de educação, ou seja, não eram experiências

patrocinadas pelo governo, não eram “cartões de visita” do regime político em vigor

na época. Foram justamente as experiências desses educadores que chamaram a

atenção de Cecília. Foram tão significativas que ela fez referências nas cartas a

Osório de Oliveira com quem comentou que iria tratar delas quando chegasse ao

Brasil e também comentou em entrevista concedida ao jornal A Tarde, de Salvador,

onde referiu-se aos trabalhos do professor Afonso Duarte que lhe oferecera uma

coleção dos seus desenhos que será motivo de uma conferência (...) no Rio.888

Entre as experiências que Cecília Meireles destacou como as mais

representativas em termos de pedagogia portuguesa está o trabalho artístico-

pedagógico de Afonso Duarte. O poeta e educador que trabalhara com Fernando

Correia Dias nas revistas Rajada e A Águia, tornou-se um amigo dileto da poeta

brasileira. Era o amigo por quem Cecília guardava uma consideração e admiração

especial.889

Afonso Duarte concluiu o curso de Ciências Físico-Naturais, na

Universidade de Coimbra época que coincide com o início da sua atividade literária e

a publicação de Cancioneiro de Pedras e a direção literária da revista Rajada, em

1912. Freqüentou a Escola Normal Superior de Lisboa e passou a lecionar no Liceu

Gil Vicente, na mesma cidade. Mais tarde voltou a Coimbra onde exerceu a

docência na Escola Normal Primária, no Liceu D. Maria e no Liceu José Falcão.

O vínculo que Afonso Duarte estabeleceu com a formação de normalistas e

com o movimento escolanovista aliado às suas relações de amizade com

professores e intelectuais (Adolfo Lima, Álvaro Viana de Lemos) sustentam, segundo

Paulo (1991), as formas e os modos pelos quais se efetivou a sua reflexão

educacional: em primeiro lugar, associada à colaboração na imprensa de educação

por meio dos textos editados em Educação Nova, A Escola Primária e em periódicos

ligados à Escola Normal de Coimbra (Escola Renovada e Os Novos).890

888 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935. 889 Joaquim Afonso Fernandes Duarte (1884-1958) iniciou os seus estudos em Alfarelos, indo posteriormente estudar em Coimbra no Colégio Mondego e no Liceu José Falcão. Consultar: PAULO, João Carlos. Joaquim Afonso Fernandes Duarte. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena. (Dir.). Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 890 PAULO, João Carlos. Joaquim Afonso Fernandes Duarte. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena. (Dir.). Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.

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Ainda que estas últimas obras e alguma da poesia de Afonso Duarte mantenham relações significativas com problemas educativos e a representação do universo infantil e popular, são as matérias associadas à inovação pedagógica, mormente por ação do trabalho escolar relativo ao desenho, que constituem um dos pontos fulcrais da sua intervenção neste domínio, especialmente nos anos vinte e início dos anos trinta.891

Por razões políticas e ideológicas, o educador foi afastado dessas funções

em 1932, sendo colocado em disponibilidade e mais tarde obrigado a se aposentar.

Depois de aposentado, Afonso Duarte dedicou-se exclusivamente à produção

poética e literária alternada com a publicação de dois trabalhos etnográficos sobre a

literatura oral e do cancioneiro popular. Segundo Fernandes (1979), a extinção das

escolas normais durante a Ditadura inutilizou a obra de Afonso Duarte, a quem se

deve a renovação profunda do ensino da disciplina de desenho. Entretanto, os seus

princípios pedagógicos ficaram perpetuados em publicações como a Carta

Metodológica e em revistas como Presença e Seara Nova.892

Outra experiência pedagógica destacada por Cecília foi a do poeta e

pedagogo João de Deus Ramos, filho do também poeta e pedagogo João de Deus e

da professora Guilhermina Battaglia. João de Deus Ramos conviveu desde cedo

com intelectuais das letras e da cultura, que freqüentavam o círculo do seu pai, o

criador da Cartilha Maternal.893 Entre 1897 e 1902, cursou direito em Coimbra, onde

conheceu João de Barros,894 aquele que viria a ser o seu companheiro dileto na

longa e empenhada luta cívica em prol da instrução e da educação populares.895

Três linhas de ação ficaram evidenciadas na trajetória de João de Barros:

(...) a ação política propriamente dita, desenvolvida no quadro da militância republicana, que incluiu o desempenho de relevantes cargos políticos; a ação cívica, em prol da elevação cultural do povo, através de escritos (livros e artigos na imprensa) e de conferências;

891 PAULO, João Carlos. Joaquim Afonso Fernandes Duarte. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena. (Dir.). Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 892 FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 124. 893 DEUS, João de. Cartilha maternal. Lisboa: Fernando Pereira, [D.L. 1986]. 894 João de Barros desempenhou importantes funções no Ministério da Instrução até ao golpe de 28 de Maio, tendo sido inclusive seu secretário-geral, deixou uma obra consagrada à consolidação da educação republicana. As experiências estrangeiras no âmbito do ensino infantil, primário e secundário, que teve ocasião de conhecer numa viagem de estudo (...), forneceram-lhe ocasião para traçar linhas de rumo ajustadas às (...) necessidades e às condições específicas do sistema escolar português. FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 125. 895 FIGUEIRA, Manuel Henrique. João de Deus Ramos. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.

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a ação pedagógica, em torno da divulgação da Cartilha Maternal e do Método de João de Deus, da concretização do projeto das Escolas Móveis, da criação do modelo português de Jardim-Escola e da fundação de uma Escola Nova portuguesa (o Bairro Escolar do Estoril).896

João de Deus Ramos foi deputado (1911 e 1913), governador civil (1912 e

1913), ministro da Instrução Pública (1920) e do Trabalho (1924-1925). Ao lado de

João de Barros e Joaquim Manso publicou artigos no Diário de Lisboa em defesa do

povo à instrução. Colaborou em jornais de educação e de ensino, como o

Académico Figueirense, Atlântida, A Escola Nova, A Higiene Popular, Ecos do Bairro

e Jornal do Bairro Escolar do Estoril.897

Ilustração 53. Fachada do Jardim-Escola João de Deus no Bairro Estrela, Lisboa – Portugal. Fonte: Museu João de Deus.

Preocupou-se em divulgar a Cartilha Maternal, e o método de alfabetização

criado por seu pai em Portugal e em outros países. Viajou a países como França,

Inglaterra, e Espanha e visitou o Brasil em 1928 para conferências sobre educação e

896 FIGUEIRA, Manuel Henrique. João de Deus Ramos. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 897 Idem, ibidem.

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para investigar as diferenças entre as culturas brasileira e espanhola e compará-las

com a cultura portuguesa.898

A despeito de não ter teorizado sobre as questões educacionais, João de

Deus Ramos materializou as suas concepções com a criação de instituições entre

as quais os Jardins-Escolas. Para Ramos, a escola era a preparação para a vida e

as crianças tinham direito a ela. Com essa concepção Ramos criou os Jardins-

Escolas, local propício para dar continuidade ao trabalho do pai. Outras instituições

foram criadas, entre as quais o Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e

Artístico com o objetivo de homenagear a obra paterna e um centro de cultura e

biblioteca para consulta e leitura para a população; o Lar Educativo João de Deus,

criado em 1939, em Lisboa; e o Bairro Escolar do Estoril, em 1928.

Ilustração 54. Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico. Fonte: Sítio do Museu João de Deus.

Segundo Barreto (2006) não se pode considerar os Jardins-Escolas como

uma experiência escolanovista, sob o ponto de vista do rigor de princípios. Porém,

afirma, pode-se encontrar em sua essência algumas coincidências com muitas

práticas difundidas pelo movimento da Escola Nova. A contribuição de João de Deus

Ramos ao movimento da Escola Nova deu-se, assegura ainda, com a criação, em

898 BARRETO, Graziela. João de Deus Ramos e a Educação Nova. In: PINTASSILGO, Joaquim. História da Escola em Portugal e no Brasil. Lisboa: Edições Colibri, 2006. p. 116.

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1928, do Bairro Escolar do Estoril,899 inspirado na École des Roches.900 Ainda que

influenciado por uma experiência internacional, o pedagogo procurou manter a

identidade nacional, manifestada na concepção arquitetónica inspirada no modelo

da "casa portuguesa", a cargo da arquiteto Raul Lino, tal como acontecera com os

primeiros jardins-escolas.901 Essa iniciativa, o Bairro Escolar do Estoril, perdurou até

o ano de 1935 e é provável que Cecília o tenha visitado, uma vez que a educadora

escolhera esta entre outras experiências portuguesas para trazer aos brasileiros sob

a forma de conferências.

Ilustração 55. Grupo de alunos e professores do Jardim-Escola João de Deus no Bairro Estrela, Lisboa – Portugal. Fonte: Museu João de Deus.

899 O Bairro Escolar do Estoril foi fundado por João de Deus Ramos e João Soares, pai do futuro presidente Mário Soares, que cursou o ensino primário na instituição entre 1931 e 1935. Com o final do Bairro Escolar do Estoril em 1936, João Soares fundou o Colégio Moderno, em 1936, no Campo Grande, em Lisboa, que existe até os dias de hoje. 900 BARRETO, Graziela. João de Deus Ramos e a Educação Nova. In: PINTASSILGO, Joaquim. História da Escola em Portugal e no Brasil. Lisboa: Edições Colibri, 2006. p. 116. Observação: L'école des Roches: escola situada na Normandia (região do Norte da França) criada no ano de 1899, por Edmond Demolins. Trata-se da primeira escola privada francesa com ótima qualidade de ensino. Inspirada nos métodos ativos experimentados em escolas inglesas de Abbotsholme e Bedales, foi durante muito tempo uma referência e exemplo de alto valor em pedagogia, tendo entre seus professores Adolphe Ferrière e Gustave Monod. Atualmente, a escola é um internato com grande renome mundial e oferece uma educação e atenção diferenciada aos alunos. 901 FIGUEIRA, Manuel Henrique. João de Deus Ramos. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.

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Ao desembarcar, em 12 de outubro de 1934, durante a entrevista concedida

ao jornal Diário de Lisboa, Cecília manifestou um grande interesse em conhecer, nos

seus pormenores, os processos de educação portugueses, especialmente os de

orientação profissional, para o que contava visitar os diversos estabelecimentos de

ensino.902 Isso denota que a educadora já obtivera referências sobre as principais

instituições e experiências educacionais portuguesas. A simples alusão às

instituições e experiências que existiam à época em Portugal em orientação

profissional é um indício de que Cecília sabia da existência e pretendia visitar o

Instituto de Orientação Profissional “Maria Luisa Barbosa de Carvalho”, criado em

1926 pelo pedagogo Faria de Vasconcelos.903

António Sena Faria de Vasconcelos Cabral Azevedo concluiu seus estudos

secundários no Liceu de Castelo Branco, em Coimbra onde se licenciou Direito em

1901. Doutorou-se na Bélgica, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade

Nova de Bruxelas, onde permaneceu até 1914, desenvolvendo atividade docente na

área da psicologia, da pedagogia e da investigação, como assistente de laboratório

de Guilherme De Greef e de Claparède no Laboratório de Psicologia Experimental.

Fundou em outubro de 1912 e dirigiu a Escola Nova de Bierges-lez-Wavre, no

Chateau des Vallées, até o ano de 1914, experiência que foi suficiente para a

publicação de seu livro Actualités Pédagogiques, com prefácio de Adolphe Ferrière.

Esteve na América Latina – Cuba (1917) e Bolívia (1920) – encarregado de missões

técnicas e ainda visitou o Uruguai, Argentina e Estados Unidos.904

No início de 1921 Faria de Vasconcelos retornou a Portugal, onde

permaneceu até a sua morte, em 1939. O pedagogo português

era desejado pela elite pedagógica mais ativa, conhecido entre os intelectuais progressistas empenhados em projetos reformistas e possuía o que as instituições educativas portuguesas mais careciam: cultura científica, domínio da prática pedagógica e experiência administrativa para reformar a educação nacional. Tinha, além do mais, um espírito empreendedor, atribuía à elite um papel diretor e radicava na educação moderna as possibilidades mais duradouras e efetivas de transformação das sociedades. O grupo ‘Seara Nova’, em gestação desde 1919, assentava-lhe na justa medida. A ele aderiu, sendo um dos fundadores e

902 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. 903 Idem, ibidem. 904 FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 117.

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desempenhando no grupo, juntamente com Ferreira de Macedo, a função do especialista que sobre as questões educativas se deveria pronunciar.905

Em Lisboa, ajudou a criar a revista Seara Nova, publicando, no primeiro ano

do periódico, uma série de 13 artigos sobre educação. Nesse período foi rica a sua

participação em congressos em Portugal e no exterior, destacando-se ao colaborar

ao lado de intelectuais como António Sérgio, Adolfo Lima, Jaime Cortesão, Raul

Proença, Leonardo Coimbra, Afonso Lopes Vieira e João Camoesas906 nas

atividades da Universidade Popular. Vale destacar, no período, a sua intensa

participação em conferências. Em outubro de 1921 Faria de Vasconcelos assumiu o

cargo de professor de Pedagogia na Escola Normal Superior de Lisboa e em 1922,

assumiu a cátedra de Psicologia Geral na Faculdade de Letras de Lisboa.

Ilustração 56. Obras pedagógicas de Faria de Vasconcelos. À esquerda: Lições de pedagogia e pedologia experimental, de 1909. Á direita: As Escolas de Wirth, de Hetherington, de Johnson e de Grundtwig, de 1934.

Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.

905 BANDEIRA, Filomena. António Sena Faria de Vasconcelos Cabral Azevedo. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 906 João José da Conceição Camoesas (1887-1951): médico, jornalista e político português, publicou, em 1927, O Trabalho Humano, considerado o primeiro trabalho de divulgação científica, em Portugal, do taylorismo, enquanto teoria da fisiologia do esforço. Foi titular por duas vezes da pasta da instrução durante a República. Foi obrigado a exilar-se nos EUA onde faleceu. A Reforma Camoesas atribuiu um papel relevante ao Ensino Técnico-Profissional, onde não estiveram ausentes preocupações relacionadas com a difusão do taylorismo.

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Após deixar a direção da Seara Nova, dirigiu a Revista Escolar, entre

outubro de 1925 e abril de 1931, onde permaneceu escrevendo artigos sobre

educação. Inaugurou em 30 de junho de 1926 o Instituto de Orientação Profissional

“Maria Luisa Barbosa de Carvalho” e em 1930 o Instituto de Reeducação Mental e

Pedagógica, encerrado dois anos depois. Como afirma Bandeira (2003), o trabalho

de Faria de Vasconcelos na primeira instituição, resume o seu percurso profissional

e científico, no qual foi inscrevendo as abordagens científicas a par das

preocupações com a democratização da escola e a orientação dos alunos.907

Segundo Cruz (2000), Faria de Vasconcelos não chegou a ser incomodado

pelo regime salazarista, uma vez que só depois do seu falecimento é que os

professores universitários foram considerados perigosos e perseguidos pelo

regime.908 Para Bandeira (2003) entre os sujeitos da reflexão sobre a ciência de

educar e o ofício de ensinar Faria de Vasconcelos encontra-se:

(...) entre aquele grupo, restrito a meia dúzia de nomes na história de educação portuguesa, a que chamamos pedagogos. No século que acabou de findar, terá sido mesmo uma das figuras mais significativas na introdução, estudo, experimentação e divulgação de orientações e práticas educativo-pedagógicas realizadas no horizonte das experiências das novas correntes pedagógicas internacionais e das ciências que largamente contribuem para as fundações da "nova educação", como a Biologia, a Antropologia, a Psicologia e a Sociologia. Diferencia-se igualmente pelo fato de ter feito a sua formação fora de Portugal, bem como por uma parte relevante do trabalho desenvolvido ocorrer no seio do movimento internacional Educação Nova, cujas primeiras experiências partilha com Adolphe Ferrière, Edouard Claparède, Pierre Bovet ou Ovide Decroly.909

Analisando o livro de visitantes do Instituto de Orientação Profissional, Diniz

(2002) verificou o registro de opiniões recolhidas de diversas personalidades

oriundas de várias partes do mundo. Entre uma maioria de portugueses figuram os

nomes de: Adolphe Ferrière; Gerardo Seguel; Manuel Cícero, da Faculdade de

Direito do Rio de Janeiro; Antenor da Costa, do Instituto de Educação do Rio de

907 BANDEIRA, Filomena. António Sena Faria de Vasconcelos Cabral Azevedo. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 908 CRUZ, Maria Gabriel Moreno Bulas. Faria de Vasconcelos e a Escola Nova. [S.L.]: Cadernos do Caos Editores, 2000. p. 25. 909 BANDEIRA, Filomena. António Sena Faria de Vasconcelos Cabral Azevedo. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.

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Janeiro; Afrânio Peixoto e Cecília Meireles.910 Este é um dos indícios de que Cecília

esteve naquela instituição, em 1934, conhecendo de perto a experiência do

pedagogo Faria de Vasconcelos.

É difícil entender os verdadeiros motivos que levaram a poeta brasileira a

ser convidada para também proferir conferências pedagógicas em Portugal, uma vez

que eram tempos de intransigência política e as idéias que Cecília professava em

termos educacionais não eram as mais caras pelo regime salazarista. Quanto aos

amigos e interlocutores portugueses deve-se acrescentar que estavam bastante

enfronhados com a literatura, mesmo atuando como professores, ou seja, mesmo os

educadores como Afonso Duarte, Fernanda de Castro, João de Deus Ramos e João

de Barros eram também poetas. Esse fato fez toda a diferença, pois se em Portugal

Cecília só contatasse educadores, se suas conferências fossem apenas de temas

pedagógicos, talvez não obtivesse qualquer destaque. Quanto aos autores,

propostas, iniciativas, experiências e reflexões apresentadas pela educadora ao

retornar ao Brasil ajudaram a incrementar o intercâmbio entre os dois países e a

estimular o interesse em se conhecer as experiências, a cultura, a literatura e a

pedagogia dos dois países unidos pelo Atlântico.

Em virtude desse intercâmbio que começou a ser esboçado em 1934,

Cecília se apresentava, em 30 de setembro de 1935, ao também poeta Mário de

Andrade, solicitando colaboração para um periódico português:

Mário de Andrade: eu não sei se você me conhece – como se diz no carnaval – mas isso não tem importância nenhuma. Andei há pouco por Portugal, e fiz uma propagandazinha da poesia brasileira, que deu certos resultados. Um deles foi uma grande simpatia por você e pelos seus livros; e, em conseqüência, o pedido que acabo de receber, da parte de Luís de Montalvor, que é sobretudo, um esteta e um espírito encantador de amigo, para obter alguns inéditos seus – a carta diz “dois, ao menos” – a serem publicados numa revista que por lá vai aparecer com o nome de Poesia. Pelo que eu conheço do Montalvor, deve ser, graficamente, maravilhosa, essa publicação. Pelo que você conhece de si mesmo, eu lhe pediria que correspondesse carinhosamente ao pedido, para vermos se a revista sai, bergsonianamente, Matéria = Espírito.911

910 DINIZ, Aires Antunes. Faria de Vasconcelos – um educador da escola nova nas sete partidas do mundo. II Congresso Brasileiro de História da Educação. Natal, 4 de novembro de 2002. 911 MEIRELES, Cecília. Carta a Mário de Andrade. MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 289.

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A partir dessa primeira viagem, Cecília Meireles estabeleceu ligações ainda

mais profundas com os intelectuais portugueses e foi também, nesse momento que

a poeta estreitou a sua amizade que se transformou em uma frutífera rede epistolar.

Foram inúmeras as suas contribuições em revistas lusitanas como: Presença,

Revista de Portugal, Pensamento, Távola Redonda, Primeiro de Janeiro, Lusíada,

Ocidente, Mundo Português, Atlântico, Colóquio Letras, Colóquio Artes, Açores, A

Águia, Insulana, Jornal de Letras, Seara Nova, Litoral, Mundo Literário, Orpheu,

Portugal Futurista, A Rajada, entre tantas outras.

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Considerações Finais

De todos os aspectos analisados pudemos observar que a primeira viagem

de Cecília Meireles a Portugal representou um ponto de inflexão na sua obra e em

sua carreira. Da sua passagem pelo Diário de Notícias, no início dos anos 1930, até

a coluna Professores e Estudantes do jornal A Manhã, nos anos 1940, constatamos

a perseverança da educadora em difundir as suas próprias concepções

educacionais, a propagar o ideário escolanovista entre o seu público leitor e a

divulgar as transformações que acreditava que a educação e a escola deveriam

alcançar. A crença nos ideais da Escola Nova foi projetada mais tarde em outras

atividades e espaços educativos: a atividade em congressos de folclore,

conferências sobre literatura infanto-juvenil, conferências culturais no Brasil e no

exterior e o trabalho com o teatro de fantoches na Sociedade Pestalozzi.912

O que se coloca em questão quando se afirma que houve uma inflexão, é

que Cecília não abandonou a educação, inclusive voltando à escola pública para

completar o período que restava para a sua aposentadoria. O que é possível

ressaltar é que a educação não era mais o centro da sua atividade profissional, essa

centralidade havia sido ocupada pela poesia. O embate público para difundir os

ideais da Escola Nova deixou de existir, ainda que Cecília fosse convocada, uma

vez mais, a assinar o segundo Manifesto dos Educadores, ao lado de educadores e

intelectuais, em 1959.913 O desenrolar dos acontecimentos políticos também se

encarregou de forçar essa inflexão. Estamos nos referindo ao predomínio que a

poeta acabou exercendo sobre a educadora, entendida aqui como a profissional da

educação, uma vez que Cecília jamais declinou de sua condição de educadora. A

profissional da educação sofreu revezes: primeiro com o desmoronamento da obra

912 Sobre o trabalho de Cecília Meireles na Sociedade Pestalozzi, consultar: SOUZA, Ida Vicenzia Dias de. Cecília Meireles - de liberdade e outros assuntos. 1999. 169 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 913 O Manifesto dos Educadores “Mais uma vez convocados”, reafirmação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932, foi publicado em 1° de julho de 1959 e mais uma vez redigido por Fernando de Azevedo, contou com 189 assinaturas, entre as quais as de Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Darci Ribeiro, Álvaro Vieira Pinto e Cecília Meireles. Resgata o ideário liberal definido no primeiro manifesto, o “Mais uma vez convocados” se posiciou contra o discurso da Igreja Católica sobre a liberdade de ensino. O manifesto prossegue reafirmando a educação como bem público e dever do Estado. Reaparece nele a proposta dos pioneiros da educação nova, de uma escola pública, laica, obrigatória e gratuita. Consultar: MAIS UMA VEZ CONVOCADOS: Manifesto ao povo e ao Governo (1959). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, vol. 31, n. 74, p. 3-24, abril/jun.

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educacional da qual foi uma importante colaboradora, com a demissão de Anísio

Teixeira do Departamento de Educação, e teve todos os projetos encerrados. Em

1937 viu ser desmantelado o Centro de Cultura Infantil e, em 1939, o golpe

definitivo, com o fechamento da Universidade do Distrito Federal, da qual era uma

das professoras. Naquele curto espaço de tempo ruiu todo o investimento que os

educadores escolanovistas tentaram construir. No plano pessoal foi atingida pela

morte trágica do marido Fernando Correia Dias, sofreu crises financeiras e teve a

saúde abalada.

Entretanto, a viagem contribuiu para reforçar o seu prestígio profissional e

Cecília obteve um maior reconhecimento público: especialmente em Portugal. A

faceta que ficou mais evidenciada naquele país foi, certamente, a de poeta,

provavelmente porque a grande maioria dos seus amigos portugueses eram

literatos, ainda que alguns fossem também educadores e se interessassem pelos

assuntos educacionais, como Afonso Duarte, João de Deus Ramos, João de Barros,

Fernanda de Castro e Ana de Castro Osório. A imprensa portuguesa publicou

diversas matérias, muitas delas em estilo laudatório, pois os portugueses

reconheciam em Cecília um certo portuguesismo literário que os encantou. Ao

mesmo tempo em que era exaltada em Portugal era esquecida pelos seus pares, no

Brasil, mesmo depois de sua obra ter obtido o reconhecimento com o prêmio da

Academia Brasileira de Letras, em 1939.

Dos três momentos de ênfase da presença de Cecília Meireles em Portugal

destacamos o primeiro a partir da sua visita e das conferências realizadas em Lisboa

e Coimbra, em 1934; o segundo em 1939, quando da publicação do seu livro

Viagem,914 em Lisboa e de Olhinhos de Gato915 em capítulos, na revista Ocidente;916

e o terceiro que ocorreu após a publicação da antologia Poetas novos de

Portugal,917 em 1944, organizado e prefaciado por Cecília.918 Toda a obra de Cecília

Meireles sempre foi bem recepcionada entre os leitores portugueses, entre os quais

os livros Viagem, Solombra,919 Romanceiro da Inconfidência920 e, sobretudo, Mar

914 MEIRELES, Cecília. Viagem. Lisboa: Editorial Império, 1939. 915 MEIRELES, Cecília. Olhinhos de gato. 8a ed. São Paulo, Editora Moderna, 1983. 916 Sobre o livro Olhinhos de Gato consultar: NEVES, Margarida de Souza. Paisagens secretas: memórias da infância. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 23-29. 917 Meireles, Cecília. Poetas novos de Portugal. Rio de Janeiro: Dois Mundos, 1944. 918 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 22. 919 MEIRELES, Cecília. Solombra. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1963.

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Absoluto,921 que tiveram grande acolhida, sendo o último um dos livros mais

estudados em Portugal.

Dentro do projeto de intercâmbio pretendido por Cecília com intelectuais do

outro lado do Atlantico, ressaltamos a concretização de inúmeras obras, entre os

quais o livro Poetas novos de Portugal.922 Esse livro, além de conter o primeiro

estudo crítico sobre Fernando Pessoa escrito no Brasil, apresentou a produção do

modernismo lusitano aos brasileiros e até mesmo aos portugueses, trazendo autores

como Adolfo Casais, Afonso Duarte, Alberto de Serpa, Alfredo Pedro Guisado,

Ângelo de Lima, António Botto, Carlos Queiroz, Fernanda de Castro, João de Castro

Osório, José Régio, Luís de Montalvor, Miguel Torga, Natércia Freire, Vitorino

Nemésio e Armando Côrtes-Rodrigues. Também podemos lembrar das inúmeras

contribuições de Cecília em revistas lusitanas como: Presença, Revista de Portugal,

Pensamento, Távola Redonda, Primeiro de Janeiro, Lusíada, Ocidente, Mundo

Português, Atlântico, Colóquio Letras, Colóquio Artes, Açores, A Águia, Insulana,

Jornal de Letras, Seara Nova, Litoral, Mundo Literário, Orpheu, Portugal Futurista, A

Rajada, entre tantas outras.

Cecília Meireles estreitou a sua rede de relações e esta amizade se

transformou em uma frutífera rede epistolar, com diferentes intelectuais portugueses:

Adolfo Casais Monteiro, Afonso Duarte, Armando Côrtes-Rodrigues, Carlos Queiroz,

Diogo de Macedo, Fernanda de Castro, Irene Lisboa, Jaime Cortesão, João Afonso,

João de Barros, José Osório de Oliveira e Raquel Bastos, José Régio, Maria Dulce

Lupi Cohen Osório de Castro (Maria Valupi), Maria Helena Vieira da Silva e Arpad

Szenes, Natércia Freire, Manuel Mendes, Luis de Montalvor, João de Barros e

Vitorino Nemésio, entre tantos outros. A amizade e o apreço integraram-se e

transformaram-se dedicatórias de diversos poemas. Ressaltamos a existência de

inúmeros textos de Cecília oferecidos aos amigos portugueses, entre os quais

podemos citar: Cancioneirinho de Moledo da Penajóia (1934), dedicado a Fernanda

de Castro; Viagem (1939), dedicado aos amigos portugueses; Vaga Música (1942)

com poemas dedicados a Diogo de Macedo, João de Castro Osório, José Osório de

Oliveira, Afonso Duarte, Alberto de Serpa, Maria Dulce (Maria Valupi), Maria Helena

Vieira da Silva e Carlos Queiroz; Mar Absoluto e Outros Poemas (1945), um poema

920 MEIRELES, Cecília. Romanceiro da inconfidência. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. 921 MEIRELES, Cecília. Mar absoluto e outros poemas. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1945. 922 Meireles, Cecília. Poetas novos de Portugal. Rio de Janeiro: Dois Mundos, 1944.

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dedicado a Raquel Bastos e em vários outros livros editados e em poemas

dispersos.

Os portugueses também escreveram sobre e para Cecília Meireles. Entre os

anos de 1930-1998, foram encontrados textos de cerca de cinqüenta autores que

escreveram sobre a poesia de Cecília Meireles, perfazendo um total aproximado a

cem estudos.923 Além disso, realçamos também a existência de inúmeros textos de

autores portugueses dedicados a ela. Entre os autores destacamos: Alberto de

Serpa, Afonso Duarte, Armando Côrtes-Rodrigues, José Bruges, David Mourão

Ferreira, João Afonso, Sophia de Mello Breyner, Maria Germana Tanger, Vitorino

Nemésio, Fernanda de Castro e José Augusto Seabra.

Quanto à interlocução com educadores portugueses, entre os quais Afonso

Duarte, Fernanda de Castro, Irene Lisboa, Armando Côrtes-Rodrigues,924 João de

Barros, Fernanda de Castro e outros, salientamos que muito ainda poderá ser

descoberto e conhecido após a abertura dos arquivos (e o da própria Cecília) aos

pesquisadores. As cartas e outros documentos que até o presente momento estão

sob a guarda de familiares, herdeiros e particulares, serão úteis no estabelecimento

de outros diálogos cruzados entre Cecília e os educadores portugueses. O acesso a

essa documentação também poderá oferecer mais informações sobre a organização

ibero-americana que ela fundou na Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco no

momento da criação da biblioteca e antes mesmo de viajar a Portugal, em agosto de

1934. Certamente Cecília aprendeu com a experiência portuguesa e soube extrair

alguma contribuição para a sua reflexão profissional, levando-a aos seus leitores,

aos professores e estudantes brasileiros. Através de palestras e conferências que

proferiu ao retornar ao Brasil, sob a forma de crônicas e de artigos publicados na

imprensa, informou sobre as experiências pedagógicas que vinham sendo

desenvolvidas do outro lado do Atlântico.

Consideramos que em todas essas colaborações Cecília Meireles procurou

concretizar e conseguiu criar uma ponte entre os dois povos a partir da

compreensão de qual era ou deveria ser o papel da cultura, da educação e dos

923 A esse respeito consultar: GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 85. 924 O poeta açoriano também foi professor e trabalhou no Liceu Antero de Quental em Ponta Delgada, nos Açores. Em muitas das 246 cartas trocadas com Cecília Meireles entre os anos de 1946 e 1964 os correspondentes tratam de assuntos relativos à educação, diálogo que poderá ser o foco de outros estudos. Consultar: MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998.

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educadores na consecução desse objetivo. De acordo com Mota (2002) a obra de

Cecília Meireles oscilou entre a sua vivência brasileira e o desejo de Portugal:

Talvez seja por isso que Cecília ancore o seu anseio utópico de fundar um reino de poesia, espécie de ‘margem intermediária’ onde se dedicaria ao labor poético, no meio do Atlântico (na Ilha de Nanja?). O reino, não o fundou, mas construiu uma ponte através da obra que deixou. Fundiu modos e imaginários poéticos, explorou vetores estruturantes do caráter lusitano, olhando, não inocentemente, para um passado sobremaneira marcado pela saudade.925

O trabalho com as fontes e com a produção acadêmica sobre Cecília

Meireles bem como os demais assuntos pesquisados e analisados foram

importantes e suficientes para que ficasse nítida a contribuição e a importância da

poeta e da educadora no Brasil e em Portugal. Oportunizaram ainda o entendimento

de como essa primeira viagem da educadora brasileira contribuiu para a troca de

informações do que vinha sendo elaborado e discutido em educação e como Cecília

vislumbrou e concretizou o seu projeto de intercâmbio educacional entre os povos

dos dois lados do Atlântico. Algumas indagações e/ou constatações permitiram

compreender essa viagem como um instante dentro desse grande movimento de

aproximação entre Brasil e Portugal e ajudaram a entrever a presença das idéias

dos escolanovistas brasileiros naquele país e de como os intelectuais vislumbraram

o estabelecimento de uma articulação entre o pensamento educacional brasileiro e

português.

Do outro lado do Atlântico e mais precisamente em Portugal estavam as

raízes familiares de Cecília Meireles e também os amigos com quem estabeleceu o

início de uma rede de amizade e de relações profissionais que se estenderia pelas

próximas três décadas de sua vida. Em resposta às cartas enviadas pelos amigos

que a convidaram para as conferências outras mais seriam escritas e atravessariam

o oceano. Cecília ainda escreveria e receberia centenas de cartas das mais diversas

personalidades do mundo cultural português. Aquele convite recebido em meados

de 1930 contribuiu para a concretização de um sonho antigo da educadora:

conhecer a terra de seus avós e de seu marido Fernando Correia Dias e materializar

o seu projeto de integração entre os povos dos dois lados do Atlântico.

925 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 133.

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Com o sucesso alcançado em Portugal, possivelmente a poesia tenha sido

responsável pelas importantes conquistas pessoais que aconteceram nos anos

seguintes. Perdidos os sonhos, esquecidas e expurgadas as idéias renovadoras na

educação, a educadora foi chamada a atuar num nível de maior liberdade de

criação, onde pode se expressar e educar a sensibilidade dos homens. Ou pelo

menos tentar. Sensibilidade esta que foi trazida pela sua poesia, pela sua lírica

invulgar, livre de regras, de leis, de limites e barreiras que pudessem oferecer

obstáculos ao seu pleno desenvolvimento. Tudo foi possível em termos de poesia

em confronto do que foi negado (ou por pouco tempo permitido) em termos de

educação. Cecília agora era apenas poeta, mas no seu mais pleno significado:

tornara-se uma educadora da alma.

Muitas questões embora estivessem entre as inquietações que

atravessaram a construção deste trabalho, não puderam ser respondidas, mas

poderão ser averiguadas em trabalhos futuros: como os intelectuais portugueses

receberam os relatos da experiência brasileira? Quais os pontos de articulação entre

o pensamento educacional brasileiro e português e quem eram os seus

representantes? Que concepções de educação emergiram, direta ou indiretamente,

dessa mútua influência, se é que esta realmente existiu? Que elementos históricos e

sociais influenciaram essas concepções a respeito da educação nos dois países?

De que forma essa permuta de idéias proporcionou a circulação bibliográfica entre

Brasil e Portugal?

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ACCÁCIO, Liéte de Oliveira. Docentes e catedráticos: os concursos para professor da Escola Normal do Distrito Federal (1928-1930). Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação. Tese de Doutorado, 2001. ALVES, Maria da Conceição Marques Matos. A expansão do método da Cartilha Maternal João de Deus em Portugal: no período de 1910-1925. Tese mestrado. Psicologia Educacional, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2003. BANDEIRA, Filomena A Universidade Popular Portuguesa nos anos 20. Os intelectuais e a educação do povo: entre a salvação da República e a revolução social. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1994. BARRETO, Laís Karla da Silva. Cecília Meireles: mulher ao espelho, imaginário poético e metafísica do amor em Viagem e Mar absoluto. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2006. CARUSO, Andrea. “Traço de União” como vitrine: educação feminina, ideário católico e práticas escolanovistas no periódico do Colégio Jacobina. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ – Faculdade de Educação, 2006. CARVALHO, Walkiria Pinto de. A ludicidade em Cecília Meireles como sensibilização para a Leitura na Educação Fundamental. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade Federal da Paraíba, 2006. CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. CHEOLA, Maria Laura van Boekel. Infância e Folclore: as Crônicas de Cecília Meireles sob o Estado Novo. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira), Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2004. CORRÊA, Luciana Vial B. Infância, escola e literatura infantil em Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. DUCATI, Cássia. Viagem à Índia: crônicas de Cecília Meireles. 2002. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Departamento de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Letras. FERNANDES JUNIOR, Elidio. A poesia de Cecília Meireles no contexto do livro didático. 2004. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. FERNANDES, Moíza de Castro. Emily Dickinson e Cecília Meireles: entre o eterno e o efêmero, duas vozes femininas em dois diferentes séculos de poesia. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2006. FERREIRA, Rosângela Veiga Júlio. No veio da esperança a essência etérea da criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade de Juiz de Fora, 2007. FREIRE, Eunice Rocha. A tradição romântica na construção das imagens de Cecília Meirelles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal do Ceará, 2005.

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GOUVEIA, Maria Margarida de Maia. Cecília Meireles: uma poética do “Eterno Instante". Tese de Doutoramento. Estudos Luso-Brasileiros, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993. LOPES, Sonia Maria de Castro Nogueira. A oficina de mestres do Distrito Federal: história, memória e silêncio sobre a Escola de Professores do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (l932/39). 2003. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Melo. Lições de casa: discursos pedagógicos destinados à família no Brasil. Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense, UFF, 2001. MARQUEZI, Rosangela Aparecida. Um estudo sobre poemas de “Ou isto ou aquilo” de Cecília Meireles. 01/12/2000. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Marília. Departamento de Educação. MELO, Ana Maria de Oliveira. A Sombra, o Sangue e o Sonho no Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal do Ceará, 2006. MENDES, Maria Madalena Cabrita. As faces de Janus: as políticas educativas em matéria de cidadania nos anos 90 em Portugal. Dissertação de Mestrado (Ciências da Educação), Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2004. MENDONÇA, Ana Waleska. Universidade e formação de professores: uma perspectiva integradora : a "universidade de educação", de Anísio Teixeira. 1993. 352f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. 1997. 326f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. MONTEIRO, Lígia Cláudia Gonçalves. Educação e direitos da criança: perspectiva histórica e desafios pedagógicos. Mestrado (História da Educação), Universidade do Minho, Portugal, 2006. MOREIRA, Maria Edinara Leão. Estética e Transcendência em O Estudante Empírico, de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade de Passo Fundo, 2006. MORENO, Inácia Maria Vasconcellos Godoy. Poesia e Teatro no Romanceiro da Inconfidência de Cecilia Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005. MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. NEVES, Maria de Fátima de Barros. A Representação da Natureza na poesia de Emily Dickinson e Cecília Meireles e uma proposta de leitura na Internet. Tese de Doutorado. Departamento de Letras, Universidade Federal da Paraíba, 2006. NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Rio de Janeiro: Puc/Departamento de Educação, 1991. (Tese de Doutorado).

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PAIVA, Kelen Benfenatti. Histórias de Vida e Amizade: as cartas de Mário, Drummond e Cecília para Henriqueta Lisboa. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. PARAENSE, Silvia Carneiro Lobato. Introdução ao Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1991. PEREIRA, Isolina Rosa Prior Ladeira Alves. História de um paradigma: o método de João de Deus e as Escolas Móveis. Tese de Doutorado. História das Idéias, Universidade Nova de Lisboa, 1998. PESSOA, Ana Maria Pires. A educação das mães e das crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. 4v. Tese (Doutorado em Ciências da Educação). Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. 2005. PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo. De viagens e de narrativas: viajantes brasileiros no além-mar (1913-1957). 1998. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, Departamento de História. REZENDE, Jussara Neves. A simbolização nas imagens Cronotopos poéticos em Cecília Meireles e Sophia de Mello Breyner Andresen: tempo e espaço. Tese de Doutorado. Departamento de Letras, Universidade de São Paulo, 2006. SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. 2002. 225 f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. SILVA, Luzia Batista de Oliveira. O imaginário poético-pedagógico de Cecília Meireles. 2004. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, Departamento de Educação. SOUZA, Aline Vieira de. Cecília Meireles no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Monografia. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2007. SOUZA, Anlene Gomes de. O estrangeiro e a cidade: o Rio de Janeiro e o imaginário da viagem na primeira metade do século XX. 1995. 173f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. SOUZA, Ida Vicenzia Dias de. Cecília Meireles - de liberdade e outros assuntos. 1999. 169 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. SOUZA, Ida Vicenzia Dias de. O Teatro Poético de Cecília Meireles. Tese de Doutorado. Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2006. STRANG, Bernadete de Lourdes Streisky. Sob o signo da reconstrução: os ideais da Escola Nova divulgados pelas Crônicas de Educação de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003.

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TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Fernando de Azevedo e a Cultura Brasileira ou as Aventuras e Desventuras do Criador e da Criatura. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 1995. VALLADÃO, Tânia Cristina Tavares Corrêa. Canção da flor da infância: Cecília Meireles. Tese de Doutorado, Departamento de Letras Vernáculas/UFRJ, 1997. VENANCIO, Giselle Martins. A trama do arquivo: análise da trajetória de Oliveira Vianna (1883-1951). 2003. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Doutorado em História Social. VIEIRA, Maurício Baptista. A música da perda em Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade de São Paulo, 2005. XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo sobre o manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). 1993. 88f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação.

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ANEXOS

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Anexo 1 Instituições de Pesquisa 1. Brasil Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro;

Arquivo Histórico de Bagé (RS);

Arquivo Nacional;

Arquivo Público da Cidade do Rio de Janeiro;

Biblioteca "Carmem Jordão" da Associação Brasileira de Educação (ABE);

Biblioteca da Academia Brasileira de Letras;

Biblioteca da Associação Brasileira de Imprensa (ABI);

Biblioteca da Fundação Casa de Rui Barbosa;

Biblioteca da PUC-Rio;

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;

Biblioteca Pública de Rio Grande (RS);

Centro de Pesquisas e Documentação de História Contemporânea do Brasil –

CPDOC/FGV;

Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP);

Museu Hipólito José da Costa – Porto Alegre;

PROEDES/Faculdade de Educação/UFRJ;

Real Gabinete Português de Leitura.

2. Portugal Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

Biblioteca da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de

Lisboa;

Biblioteca da Fundação Arpad Szénes - Vieira da Silva;

Biblioteca do Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico;

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra;

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Biblioteca Municipal da Casa de Cultura de Coimbra;

Biblioteca Municipal do Porto;

Biblioteca Nacional de Portugal;

Casa Fernando Pessoa;

Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema;

Hemeroteca Municipal de Lisboa;

Museu Acadêmico da Universidade de Coimbra;

Torre do Tombo.

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Anexo 2

Teses e Dissertações sobre Cecília Meireles – Banco de Teses da CAPES (em ordem alfabética)

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE

CONHECIMENTO ORIENTADOR

1. Ana Maria de Oliveira Melo

A Sombra, o Sangue e o Sonho no

Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles

01/02/2006 M Universidade Federal do Ceará

Letras Letras -

2. Ana Maria Domingues de

Oliveira

Estudo crítico da bibliografia sobre Cecília Meirelles

01/02/1988 M Universidade Estadual de Campinas

Letras Teoria Literária -

3. Ana Maria Domingues de

Oliveira

De Caravelas, Mares e Forcas: um estudo de

Mensagem e Romanceiro da Inconfidência

01/04/1995 D Universidade de São Paulo

Letras Est. Comp. de Liter. De Língua Portuguesa

Benjamin Abdala Junior

4. Ana Maria Gouveia

Cavalcante Aguilar

Imagem e Poesia em Cecília Meireles: Uma

Leitura de Viagem

01/12/2002 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R

Preto

Letras Letras Arnaldo Franco Junior

5. Ana Maria Ziccardi

A Busca de Sentidos no Texto - Estudo Aplicado sobre a

Produção de Inferências em Textos

Escritos

01/03/2003 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Língua Portuguesa

Língua Portuguesa Anna Maria Marques Cintra

6. Antonio Rodrigues Belon

O Tempo na Poesia de Cecília Meireles

01/03/1993 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R

Preto

Letras Letras Zequi Elias

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

7. Antonio Rodrigues Belon

A Poesia de Cecília Meireles em Solombra

01/12/2001 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis

Letras Literatura Brasileira Ana Maria Domingues de

Oliveira 8. Bernadete de Lourdes Streisky

Strang

Sob o signo da reconstrução - os

ideais da escola nova divulgados pelas

crônicas de educação de Cecília Meireles

01/08/2003 M Universidade Federal do Paraná

Educação Educação Carlos Eduardo Vieira

9. Cássia Ducati Viagem à Índia: crônicas de Cecília

Meireles

01/01/2002 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Letras Literatura Brasileira Ana Maria Lisboa de Mello

10. Christianne Barbosa Coelho

Ecos da lírica trovadoresca em

poesias de Cecília Meireles

01/08/2002 M Universidade Federal de Pernambuco

Letras Literatura Brasileira Sônia Lúcia Ramalho de Farias

11. Chrystiane Carla Silva

Nunes

"Argumentação Ideológica na Linguagem

Literária:Produção e Recepção"

01/09/1995 M Universidade Federal de Pernambuco

Letras Letras Yaracilda Oliveira Farias

12. Cladismari Zambon de

Moraes

Do retrato ao epitáfio de Cecília Meireles: a identidade feminina na

literatura e na psicanálise

01/07/2004 M Universidade Estadual de Londrina

Letras Literatura Brasileira Henrique Manuel Ávila

13. Delvanir Lopes

A Poética de Cecília Meireles e a Relação

com a Filosofia da Existência - Ou da

angústia e transcendência em

Metal Rosicler

01/03/2004 M Universidade Est.Paulista Júlio de

Mesquita Filho/Araraquara

Letras Literatura Brasileira Guacira Marcondes Machado Leite

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

14. Denilson Albano Portácio

Romanceiro da Inconfidência:

resíduos poéticos do ouro das Minas Gerais

01/12/1999 M Universidade Federal do Ceará

Letras Letras Francisco Roberto Silveira de Pontes

Medeiros

15. Eduardo Kanemoto

Tempo e Memória nos Poemas de Cecília

Meireles

01/10/2004 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Letras Teoria Literária Fernando Segolin

16. Eliane Patrícia Grandini

Serrano

Em que tela eu perdi a minha face? Cecília e

Vincent

01/02/2003 D Universidade Est.Paulista Júlio de

Mesquita Filho/Araraquara

Letras Teoria Literária Nelyse Apparecida Melro Salzedas

17. Elidio Fernandes Junior

A poesia de Cecília Meireles no contexto

do livro didático

01/08/2004 M Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letras Literatura Brasileira Rosa Maria de Carvalho Gens

18. Elinor de Oliveira Carvalho

A Metonímia No Romanceiro da Inconfidência

01/05/1988 M Universidade Federal de Minas Gerais

Letras Letras -

19. Eunice Rocha Freire

A tradição romântica na construção das imagens de Cecília

Meirelles

01/05/2005 M Universidade Federal da Bahia

Letras e Lingüística

Teoria Literaria Lígia Guimarães Telles

20. Fernanda Ribeiro Queiroz

de Oliveira

Canto e Corte – o épico e o drama nas

vozes de Cecília Meireles e João

Cabral de Melo Neto

01/03/2002 M Universidade Federal de Goiás

Letras Letras e Lingüística Manoel de Souza e Silva

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

21. Flavia Brocchetto

Ramos

Leitura do livro de poesia infantil

brasileira: a gangorra entre a obra e a

criança

01/08/2001 D Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Letras Teoria Literária Vera Teixeira de Aguiar

22. Glória Mercedes

Valdívia Kirinus

Meia volta - Volta e meia - em torno das cantigas de roda de Cecília Meireles e Gabriela Mistral

01/03/1999 D Universidade de São Paulo

Letras (Teoria Literária e Literatura

Comparada)

Literatura Brasileira Lígia Chiappini Moraes Leite

23. Hiudea Tempesta Rodrigues

Boberg

O Canto e a Lida - Percurso Esotérico a Místico da Poesia de Fernando Pessoa e

Cecília Meireles

01/04/1990 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis

Letras Letras -

24. Humberto Mendonça da

Costa

Cecília e Florbela aquém e além mar:

Aproximações e Distâncias Imagéticas

01/11/2004 M Centro de Ensino Superior de Juiz de

Fora

Letras Literatura Brasileira Maria de Lourdes Abreu De Oliveira

25. Ida Vicencia Dias de Souza.

O Teatro Poético de Cecília Meireles

01/04/2006 D Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro

Letras Literatura Brasileira Marília Rothier Cardoso

26. Ida Vicenzia Dias de Souza

Cecília Meireles - de Liberdade e Outros

Assuntos

25/02/1999 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro

Letras Literatura Brasileira Pina Maria Arnoldi Coco

27. Iêdo de Oliveira Paes

Ecos do Arcadismo No Romanceiro da

Inconfidência: uma Leitura Transtextual

01/05/2002 M Universidade Federal da Paraíba/João

Pessoa

Letras Letras Milton Marques Júnior

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

28. Inácia Maria Vasconcellos

Godoy Moreno

Poesia e Teatro no Romanceiro da Inconfidência de Cecilia Meireles

01/11/2005 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Literatura e Crítica Literatura Brasileira Maria José Pereira Gordo Palo

29. Iolanda Cristina dos

Santos

Minas: Seus Tropeiros Risonhos, Um Herói

Descoroado

01/12/1995 M Universidade Federal de Juiz de Fora

Letras Letras Nancy Campi de Castro

30. Irene da Silva Coelho

A Lavra da Palavra na Crônica de Cecília

Meireles: discurso e Estilo

01/04/2002 M Universidade de São Paulo

Língua Portuguesa

Língua Portuguesa Norma Seltzer Goldstein

31. Isalino Silva de Albergaria

Um Altar Na Neblina: Ouro Preto e o

Imaginário Moderno

01/03/2002 D Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais

Letras Letras Ivete Lara Camargos Walty

32. Isolda Maria Santos Bezerra

Um Pouso em Viagem: o efêmero em

Cecília Meireles

01/06/1999 M Universidade Federal da Paraíba/João

Pessoa

Letras Literatura Brasileira João Batista Barbosa de Brito

33. Ivanise Maria de Oliveira

Rossini

As Recorrências Sonoras e Cromáticas

em "Ou Isto Ou Aquilo" de Cecília

Meireles

01/04/2002 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis

Letras Literatura Brasileira Ana Maria Domingues de

Oliveira

34. José Carlos Zambolli

A Poeta ao Espelho (Cecília Meireles e o

Mito de Narciso)

01/03/2002 M Universidade de São Paulo

Literatura Brasileira

Literatura Brasileira Luiz Dagobert de Aguirra Roncari

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

35. José Maria Rodrigues Filho

O Barão, de Branquinho da

Fonseca: de sua fortuna crítica a um Estudo Temático-

Comparativo

01/02/2001 D Universidade de São Paulo

Letras (Est.Comp. de Liter. de

Língua Portuguesa)

Literatura Comparada Maria Aparecida de Campos Brando

Santilli

36. Jurema Teixeira

Singularidades Femininas: Tecendo Alguns Fios do Devir-

Feminino

01/05/1995 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Psicologia (Psicologia

Clínica)

Tratamento e Prevenção Psicológica

Luis Cláudio Mendon Figueiredo

37. Jussara Neves Rezende

A simbolização nas imagens Cronotopos poéticos em Cecília

Meireles e Sophia de Mello Breyner

Andresen: tempo e espaço.

01/04/2006 D Universidade de São Paulo

Letras (Est.Comp. de Liter. de

Língua Portuguesa)

Outras Literaturas Vernáculas

Hélder Garmes

38. Jussara Santos Pimenta

Fora do Outono Certo Nem as Aspirações

Amadurecem - Cecília Meireles e a Criação da Biblioteca Infantil

do Pavilhão Mourisco - (1934-1937

)

01/06/2001 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro

Educação Educação Ana Waleska Pollo Campos Mendonça

39. Karin Lilian Hagemann

Backes

Natureza e Transcendência Na

Lírica de Cecília Meireles: Abordagem

Fenomenológica

01/01/2004 M Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Lingüística e Letras

Teoria Literária Maria da Gloria Bordini

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

40. Kelen Benfenatti Paiva

Histórias de vida e amizade: as cartas de Mário, Drummond e

Cecília para Henriqueta Lisboa

01/11/2006 M Universidade Federal de Minas Gerais

Estudos Literários Literatura Brasileira Constancia Lima Duarte

41. Laís Karla da Silva Barreto

Cecília Meireles: mulher ao espelho, imaginário poético e

metafísica do amor em Viagem e Mar

absoluto

01/08/2006 M Universidade Federal do Rio Grande do

Norte

Estudos da Linguagem

Literatura Comparada Ilza Matias de Sousa

42. Leila Carolina Vilas-Boas

Gouvêa

Pensamento e Lirismo Puro na Poesia de

Cecília Meireles

01/06/2003 D Universidade de São Paulo

Literatura Brasileira

Literatura Brasileira Alcides Celso Oliveira Villaça

43. Lícia Cristina Dalcin de Almeida

Poesia de Cecília Meireles: a Posição

Significante d'o Aeronauta

01/03/1999 M Universidade Federal de Santa Maria

Letras Letras Robson Pereira Gonçalves

44. Lucia Helena Alves de Sá

A Poesia-Imagem de Cecília Meireles

01/08/1997 M Universidade de Brasília

Literatura (Teoria Liter. e Literat.

Brasileira)

Lingüística, Letras e Artes Ana Maria Lisboa de Mello; Rita de Cassi Pereira dos Santos

45. Luciana Borgerth Vial

Corrêa

Infância, Escola e Literatura Infantil em

Cecília Meireles

01/05/2001 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro

Educação Educação Sonia Kramer

46. Luis Hellmeister de

Camargo

Poesia Infantil e Ilustração: Estudo Sobre 'Ou Isto Ou Aquilo' de Cecília

Meireles

01/08/1998 M Universidade Estadual de Campinas

Teoria e História Literária

Teoria e História Literária Marisa Philbert Lajolo

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

47. Luzia Batista de Oliveira Silva

O Imaginário Poético-Pedagógico de Cecília

Meireles

01/10/2004 D Universidade de São Paulo

Educação Educação Maria Cecília Sachez Teixeira

48. Maria Aparecida da

Silva Lima

Hipertextualidade No Romanceiro da Inconfidência

01/12/1996 M Universidade Federal da Paraíba/João

Pessoa

Letras Letras Andrea Ciacchi; Maurice Joseph

Felix Van Woensel

49. Maria de Fátima de Barros

Neves

A Representação da Natureza na poesia de

Emily Dickinson e Cecília Meireles e uma proposta de leitura na

Internet

01/04/2006 D Universidade Federal da Paraíba

Letras Letras João Batista Barbosa de Brito

50. Maria Deosdedite

Giaretta Chaves

Do Fundo da Memória Extrai-de o Metal

Rosicler - Um Estudo da Poesia de Cecília

Meireles

01/10/2000 M Universidade de São Paulo

Filologia e Língua Portuguesa

Língua Portuguesa Norma Seltzer Goldstein

51. Maria Edinara Leão Moreira

Estética e Transcendência em O Estudante Empírico, de Cecília Meireles

01/04/2006 M Universidade de Passo Fundo

Letras Letras Paulo Ricardo Becker

52. Maria Helena Miscow Ferraz de

Mendonça

A Crônica e as Cronistas Brasileiras: Questão de Gêneros

01/07/2002 D Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letras (Letras Vernáculas)

Literatura Brasileira Elodia Carvalho de Formiga Xavier

53. Maria Laura van Boekel

Cheola

Infância e Folclore: as Crônicas de Cecília

Meireles sob o Estado Novo

01/03/2004 M Universidade Federal Fluminense

Letras Literatura Brasileira Claudia Neiva de Matos

Page 342: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

54. Maria Rejane Araújo Tito

Tempo de Flor: os Motivos da Rosa de

Cecília Meireles

01/03/2001 M Universidade de São Paulo

Literatura Brasileira

Literatura Brasileira Alcides Celso Oliveira Villaça

55. Maurício Baptista Vieira

A música da perda em Cecília Meireles

01/04/2005 M Universidade de São Paulo

Letras (Teoria Literária e Literatura

Comparada)

Literatura Brasileira Viviana Bosi

56. Miriam Bauab Puzzo

A Condição Feminina Na Literatura

Brasileira: Cecília Meireles e Adélia

Prado

01/12/1997 M Universidade de São Paulo

Literatura Brasileira

Literatura Brasileira Nádia Battella Gotlib

57. Miriam Bauab Puzzo

O Problemático Não-Lugar do Fazer

Poético de Cecília Meireles

01/08/2004 D Universidade de São Paulo

Letras Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada)

Maria Augusta Bernardes Fonseca

Weber Abramo

58. Miriam Silvia Schuartz

O Mistério e a Medida: Um Estudo da

Metamorfose na Poesia de Cecília

Meireles

01/05/2002 M Universidade Presbiteriana

Mackenzie

Letras Letras Elisa Guimarães Pinto

59. Moíza de Castro

Fernandes

Emily Dickinson e Cecília Meireles: entre o eterno e o efêmero, duas vozes femininas

em dois diferentes séculos de poesia

01/01/2006 M Centro de Ensino Superior de Juiz de

Fora

Letras Letras William Valentine Redmond

60. Murilo Marcondes de

Moura

Três Poetas Brasileiros e a

Segunda Guerra Mundial: Carlos Drummond de

Andrade, Cecília Meireles e Murilo

Mendes

01/09/1998 D Universidade de São Paulo

Letras (Teoria Literária e Literatura

Comparada)

Literatura Brasileira Davi Arrigucci Júnior

Page 343: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

61. Paola Maria Felipe dos Anjos

Cecília Meirelles: O Modernismo Em Tom

Maior

01/06/1996 M Universidade Estadual de Campinas

Letras (Teoria Literária)

Letras (Teoria Literária) Berta Waldman

62. Raquel Maria Carvalho Naveira

Maria Egipcíaca: Prostituta e Santa

Penitente - um Caso de Intertextualidade na

Literatura Brasileira

01/06/2001 M Universidade Presbiteriana

Mackenzie

Letras Letras José João Cury

63. Rosana Rodrigues da

Silva

A Contemplação Em "Viagem": um Estudo de Olhar na Poesia de

Cecília Meireles

01/08/1997 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Letras Literatura Brasileira Ana Maria Lisboa de Mello

64. Rosana Rodrigues da

Silva

A Face Velada: Estudo Sobre a Poesia

Religiosa no Modernismo

01/03/2003 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R

Preto

Letras Letras Antonio Manoel dos Santos Silva

65. Rosangela Aparecida Marquezi

Um Estudo Sobre Poemas de Ou Isto Ou

Aquilo de Cecília Meireles

01/12/2000 M Universidade Est.Paulista Júlio de

Mesquita Filho/Marilia

Educação Educação Maria do Rosário Longo Mortatti

66. Rosângela Veiga Júlio

Ferreira

No veio da esperança a essência etérea da

criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico

de Cecília Meireles

01/05/2007 M Universidade de Juiz de Fora

Educação Educação Marlos Bessa Mendes da Rocha

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

67. Rosenice Pagliarim Crestani

Leitura de Um Percurso Erótico na Poesia de Manuel Bandeira e Cecília

Meireles

01/06/1996 M Universidade Federal de Santa Maria

Letras Letras José Luiz Foureaux de Souza Júnior

68. Rosiane Maria Soares de

Andrade

A Vida Só é Possível Reinventada: as

Representações da Morte na Obra Poética

de Cecília Meireles

01/04/2004 M Universidade Federal de Pernambuco

Letras Literatura Brasileira Luzilá Gonçalves

69. Satira Pereira Machado

Os Poemas Animados Pelo Castelo Rá-Tin-Bum: Aproveitamento da Poesia Infantil na

Televisão

01/08/2000 M Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Lingüística e Letras

Lingüística E Letras Vera Teixeira de Aguiar

70. Silvia Carneiro Lobato

Paraense

Introdução ao Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles

01/03/1991 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Letras Letras Flávio Loureiro Chaves

71. Silvia Craveiro Gusmão

Garcia

A Poesia na Escola: 'Viva' a Poesia

01/12/2002 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R

Preto

Letras Letras Antonio Manoel dos Santos Silva

72 Sílvia Helena Miguel Trevisan

"Sobrevivências Românticas na Poesia de Florbela Espanca e

Cecília Meireles"

01/11/2001 M Universidade de São Paulo

Letras (Est.Comp. de Liter. de

Língua Portuguesa)

Literatura Comparada Maria Aparecida de Campos Brando

Santilli

73. Silvia Maria Eleuterio

O Ato Poético e o Ato Analítico (Alguns

Poemas de Cecília Meireles)

01/10/1988 M Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letras (Letras Vernáculas)

Letras Nome Não Informado

74. Tânia Cristina T. Corrêa Valadão

Canção da Flor da Infância: Cecília

Meireles

01/07/1997 D Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letras (Letras Vernáculas)

Literatura Brasileira Gilda Salem Szklo

Page 345: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

75. Valeria Fernandes

Lamego

A Farpa na Lira - O Jornalismo de Cecília

Meireles na Revolucao de 30

01/06/1995 M Universidade Federal do Rio de Janeiro

Comunicação Comunicação Heloisa Buarque de Holanda

76. Valéria Lice de Oliveira

O Universo Imagético Na Palavra de Cecília

Meireles

01/12/2003 M Universidade Est.Paulista Júlio de

Mesquita Filho/Araraquara

Estudos Literários Teoria Literária Laura Beatriz Fonseca de Almeida

77. Walkiria Pinto de Carvalho

A Ludicidade em Cecília Meireles como Sensibilização para a Leitura na Educação

Fundamental

01/05/2006 M Universidade Federal da Paraíba

Educação Educação Ed Porto Bezerra

Fonte: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/Teses.do. (Quadro atualizado em 26/03/2008).

Page 346: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

Anexo 3

Teses e Dissertações sobre Cecília Meireles – Banco de Teses da CAPES (por data de defesa)

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE

CONHECIMENTO ORIENTADOR

1. Ana Maria Domingues de

Oliveira

Estudo crítico da bibliografia sobre Cecília Meirelles

01/02/1988 M Universidade Estadual de Campinas

Letras Teoria Literária -

2. Elinor de Oliveira Carvalho

A Metonímia No Romanceiro da Inconfidência

01/05/1988 M Universidade Federal de Minas Gerais

Letras Letras -

3. Silvia Maria Eleuterio

O Ato Poético e o Ato Analítico (Alguns

Poemas de Cecília Meireles)

01/10/1988 M Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letras (Letras Vernáculas)

Letras Nome Não Informado

4. Hiudea Tempesta Rodrigues

Boberg

O Canto e a Lida - Percurso Esotérico a Místico da Poesia de Fernando Pessoa e

Cecília Meireles

01/04/1990 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis

Letras Letras -

5. Silvia Carneiro Lobato Paraense

Introdução ao Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles

01/03/1991 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Letras Letras Flávio Loureiro Chaves

6. Antonio Rodrigues Belon

O Tempo na Poesia de Cecília Meireles

01/03/1993 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R

Preto

Letras Letras Zequi Elias

7. Ana Maria Domingues de

Oliveira

De Caravelas, Mares e Forcas: um estudo de

Mensagem e Romanceiro da Inconfidência

01/04/1995 D Universidade de São Paulo

Letras Est. Comp. de Liter. De Língua Portuguesa

Benjamin Abdala Junior

Page 347: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

8. Jurema Teixeira

Singularidades Femininas: Tecendo Alguns Fios do Devir-

Feminino

01/05/1995 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Psicologia (Psicologia

Clínica)

Tratamento e Prevenção Psicológica

Luis Cláudio Mendon Figueiredo

9. Valeria Fernandes

Lamego

A Farpa na Lira - O Jornalismo de Cecília

Meireles na Revolucao de 30

01/06/1995 M Universidade Federal do Rio de Janeiro

Comunicação Comunicação Heloisa Buarque de Holanda

10. Chrystiane Carla Silva

Nunes

"Argumentação Ideológica na Linguagem

Literária:Produção e Recepção"

01/09/1995 M Universidade Federal de Pernambuco

Letras Letras Yaracilda Oliveira Farias

11. Iolanda Cristina dos

Santos

Minas: Seus Tropeiros Risonhos, Um Herói

Descoroado

01/12/1995 M Universidade Federal de Juiz de Fora

Letras Letras Nancy Campi de Castro

12. Paola Maria Felipe dos Anjos

Cecília Meirelles: O Modernismo Em Tom

Maior

01/06/1996 M Universidade Estadual de Campinas

Letras (Teoria Literária)

Letras (Teoria Literária) Berta Waldman

13. Rosenice Pagliarim Crestani

Leitura de Um Percurso Erótico na Poesia de Manuel Bandeira e Cecília

Meireles

01/06/1996 M Universidade Federal de Santa Maria

Letras Letras José Luiz Foureaux de Souza Júnior

14. Maria Aparecida da

Silva Lima

Hipertextualidade No Romanceiro da Inconfidência

01/12/1996 M Universidade Federal da Paraíba/João

Pessoa

Letras Letras Andrea Ciacchi; Maurice Joseph

Felix Van Woensel

15. Tânia Cristina T. Corrêa Valadão

Canção da Flor da Infância: Cecília

Meireles

01/07/1997 D Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letras (Letras Vernáculas)

Literatura Brasileira Gilda Salem Szklo

16. Lucia Helena Alves de Sá

A Poesia-Imagem de Cecília Meireles

01/08/1997 M Universidade de Brasília

Literatura (Teoria Liter. e Literat.

Brasileira)

Lingüística, Letras e Artes Ana Maria Lisboa de Mello; Rita de Cassi Pereira dos Santos

Page 348: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

17. Rosana Rodrigues da

Silva

A Contemplação Em "Viagem": um Estudo de Olhar na Poesia de

Cecília Meireles

01/08/1997 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Letras Literatura Brasileira Ana Maria Lisboa de Mello

18. Miriam Bauab Puzzo

A Condição Feminina Na Literatura

Brasileira: Cecília Meireles e Adélia

Prado

01/12/1997 M Universidade de São Paulo

Literatura Brasileira

Literatura Brasileira Nádia Battella Gotlib

19. Luis Hellmeister de

Camargo

Poesia Infantil e Ilustração: Estudo Sobre 'Ou Isto Ou Aquilo' de Cecília

Meireles

01/08/1998 M Universidade Estadual de Campinas

Teoria e História Literária

Teoria e História Literária Marisa Philbert Lajolo

20. Murilo Marcondes de

Moura

Três Poetas Brasileiros e a

Segunda Guerra Mundial: Carlos Drummond de

Andrade, Cecília Meireles e Murilo

Mendes

01/09/1998 D Universidade de São Paulo

Letras (Teoria Literária e Literatura

Comparada)

Literatura Brasileira Davi Arrigucci Júnior

21. Ida Vicenzia Dias de Souza

Cecília Meireles - de Liberdade e Outros

Assuntos

25/02/1999 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro

Letras Literatura Brasileira Pina Maria Arnoldi Coco

22. Glória Mercedes

Valdívia Kirinus

"Meia volta - Volta e meia - em torno das cantigas de roda de Cecília Meireles e Gabriela Mistral"

01/03/1999 D Universidade de São Paulo

Letras (Teoria Literária e Literatura

Comparada)

Literatura Brasileira Lígia Chiappini Moraes Leite

23. Lícia Cristina Dalcin de Almeida

Poesia de Cecília Meireles: a Posição

Significante d'o Aeronauta

01/03/1999 M Universidade Federal de Santa Maria

Letras Letras Robson Pereira Gonçalves

Page 349: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

24. Isolda Maria Santos Bezerra

Um Pouso em Viagem: o efêmero em

Cecília Meireles

01/06/1999 M Universidade Federal da Paraíba/João

Pessoa

Letras Literatura Brasileira João Batista Barbosa de Brito

25. Denilson Albano Portácio

Romanceiro da Inconfidência:

resíduos poéticos do ouro das Minas Gerais

01/12/1999 M Universidade Federal do Ceará

Letras Letras Francisco Roberto Silveira de Pontes

Medeiros

26. Satira Pereira Machado

Os Poemas Animados Pelo Castelo Rá-Tin-Bum: Aproveitamento da Poesia Infantil na

Televisão

01/08/2000 M Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Lingüística e Letras

Lingüística E Letras Vera Teixeira de Aguiar

27. Maria Deosdedite

Giaretta Chaves

Do Fundo da Memória Extrai-de o Metal

Rosicler - Um Estudo da Poesia de Cecília

Meireles

01/10/2000 M Universidade de São Paulo

Filologia e Língua Portuguesa

Língua Portuguesa Norma Seltzer Goldstein

28. Rosangela Aparecida Marquezi

Um Estudo Sobre Poemas de Ou Isto Ou

Aquilo de Cecília Meireles

01/12/2000 M Universidade Est.Paulista Júlio de

Mesquita Filho/Marilia

Educação Educação Maria do Rosário Longo Mortatti

29. José Maria Rodrigues Filho

O Barão, de Branquinho da

Fonseca: de sua fortuna crítica a um Estudo Temático-

Comparativo

01/02/2001 D Universidade de São Paulo

Letras (Est.Comp. de Liter. de

Língua Portuguesa)

Literatura Comparada Maria Aparecida de Campos Brando

Santilli

30. Maria Rejane Araújo Tito

Tempo de Flor: os Motivos da Rosa de

Cecília Meireles

01/03/2001 M Universidade de São Paulo

Literatura Brasileira

Literatura Brasileira Alcides Celso Oliveira Villaça

31. Luciana Borgerth Vial

Corrêa

Infância, Escola e Literatura Infantil em

Cecília Meireles

01/05/2001 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro

Educação Educação Sonia Kramer

Page 350: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

32. Jussara Santos Pimenta

Fora do Outono Certo Nem as Aspirações

Amadurecem - Cecília Meireles e a Criação da Biblioteca Infantil

do Pavilhão Mourisco - (1934-1937)

01/06/2001 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro

Educação Educação Ana Waleska Pollo Campos Mendonça

33. Raquel Maria Carvalho Naveira

Maria Egipcíaca: Prostituta e Santa

Penitente - um Caso de Intertextualidade na

Literatura Brasileira

01/06/2001 M Universidade Presbiteriana

Mackenzie

Letras Letras José João Cury

34. Flavia Brocchetto

Ramos

Leitura do livro de poesia infantil

brasileira: a gangorra entre a obra e a

criança

01/08/2001 D Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Letras Teoria Literária Vera Teixeira de Aguiar

35. Sílvia Helena Miguel Trevisan

"Sobrevivências Românticas na Poesia de Florbela Espanca e

Cecília Meireles"

01/11/2001 M Universidade de São Paulo

Letras (Est.Comp. de Liter. de

Língua Portuguesa)

Literatura Comparada Maria Aparecida de Campos Brando

Santilli

36. Antonio Rodrigues Belon

A Poesia de Cecília Meireles em Solombra

01/12/2001 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis

Letras Literatura Brasileira Ana Maria Domingues de

Oliveira 37. Cássia Ducati Viagem à Índia:

crônicas de Cecília Meireles

01/01/2002 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Letras Literatura Brasileira Ana Maria Lisboa de Mello

38. Fernanda Ribeiro Queiroz

de Oliveira

Canto e Corte – o épico e o drama nas

vozes de Cecília Meireles e João

Cabral de Melo Neto

01/03/2002 M Universidade Federal de Goiás

Letras Letras e Lingüística Manoel de Souza e Silva

Page 351: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

39. Isalino Silva de Albergaria

Um Altar Na Neblina: Ouro Preto e o

Imaginário Moderno

01/03/2002 D Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais

Letras Letras Ivete Lara Camargos Walty

40. José Carlos Zambolli

A Poeta ao Espelho (Cecília Meireles e o

Mito de Narciso)

01/03/2002 M Universidade de São Paulo

Literatura Brasileira

Literatura Brasileira Luiz Dagobert de Aguirra Roncari

41. Irene da Silva Coelho

A Lavra da Palavra na Crônica de Cecília

Meireles: discurso e Estilo

01/04/2002 M Universidade de São Paulo

Língua Portuguesa

Língua Portuguesa Norma Seltzer Goldstein

42. Ivanise Maria de Oliveira

Rossini

As Recorrências Sonoras e Cromáticas

em "Ou Isto Ou Aquilo" de Cecília

Meireles

01/04/2002 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis

Letras Literatura Brasileira Ana Maria Domingues de

Oliveira

43. Iêdo de Oliveira Paes

Ecos do Arcadismo No Romanceiro da

Inconfidência: uma Leitura Transtextual

01/05/2002 M Universidade Federal da Paraíba/João

Pessoa

Letras Letras Milton Marques Júnior

44. Miriam Silvia Schuartz

O Mistério e a Medida: Um Estudo da

Metamorfose na Poesia de Cecília

Meireles

01/05/2002 M Universidade Presbiteriana

Mackenzie

Letras Letras Elisa Guimarães Pinto

45. Maria Helena Miscow Ferraz de

Mendonça

A Crônica e as Cronistas Brasileiras: Questão de Gêneros

01/07/2002 D Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letras (Letras Vernáculas)

Literatura Brasileira Elodia Carvalho de Formiga Xavier

46. Christianne Barbosa Coelho

Ecos da lírica trovadoresca em

poesias de Cecília Meireles

01/08/2002 M Universidade Federal de Pernambuco

Letras Literatura Brasileira Sônia Lúcia Ramalho de Farias

Page 352: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

47. Ana Maria Gouveia

Cavalcante Aguilar

Imagem e Poesia em Cecília Meireles: Uma

Leitura de Viagem

01/12/2002 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R

Preto

Letras Letras Arnaldo Franco Junior

48. Silvia Craveiro Gusmão

Garcia

A Poesia na Escola: 'Viva' a Poesia

01/12/2002 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R

Preto

Letras Letras Antonio Manoel dos Santos Silva

49. Eliane Patrícia Grandini

Serrano

Em que tela eu perdi a minha face? Cecília e

Vincent

01/02/2003 D Universidade Est.Paulista Júlio de

Mesquita Filho/Araraquara

Letras Teoria Literária Nelyse Apparecida Melro Salzedas

50. Ana Maria Ziccardi

A Busca de Sentidos no Texto - Estudo Aplicado sobre a

Produção de Inferências em Textos

Escritos

01/03/2003 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Língua Portuguesa

Língua Portuguesa Anna Maria Marques Cintra

51. Rosana Rodrigues da

Silva

A Face Velada: Estudo Sobre a Poesia

Religiosa no Modernismo

01/03/2003 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R

Preto

Letras Letras Antonio Manoel dos Santos Silva

52. Leila Carolina Vilas-Boas

Gouvêa

Pensamento e Lirismo Puro na Poesia de

Cecília Meireles

01/06/2003 D Universidade de São Paulo

Literatura Brasileira

Literatura Brasileira Alcides Celso Oliveira Villaça

53. Bernadete de Lourdes Streisky

Strang

Sob o signo da reconstrução - os

ideais da escola nova divulgados pelas

crônicas de educação de Cecília Meireles

01/08/2003 M Universidade Federal do Paraná

Educação Educação Carlos Eduardo Vieira

Page 353: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

54. Valéria Lice de Oliveira

O Universo Imagético Na Palavra de Cecília

Meireles

01/12/2003 M Universidade Est.Paulista Júlio de

Mesquita Filho/Araraquara

Estudos Literários Teoria Literária Laura Beatriz Fonseca de Almeida

55. Karin Lilian Hagemann

Backes

Natureza e Transcendência Na

Lírica de Cecília Meireles: Abordagem

Fenomenológica

01/01/2004 M Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Lingüística e Letras

Teoria Literária Maria da Gloria Bordini

56. Delvanir Lopes

A Poética de Cecília Meireles e a Relação

com a Filosofia da Existência - Ou da

angústia e transcendência em

Metal Rosicler

01/03/2004 M Universidade Est.Paulista Júlio de

Mesquita Filho/Araraquara

Letras Literatura Brasileira Guacira Marcondes Machado Leite

57. Maria Laura van Boekel

Cheola

Infância e Folclore: as Crônicas de Cecília

Meireles sob o Estado Novo

01/03/2004 M Universidade Federal Fluminense

Letras Literatura Brasileira Claudia Neiva de Matos

58. Rosiane Maria Soares de

Andrade

A Vida Só é Possível Reinventada: as

Representações da Morte na Obra Poética

de Cecília Meireles

01/04/2004 M Universidade Federal de Pernambuco

Letras Literatura Brasileira Luzilá Gonçalves

59. Cladismari Zambon de

Moraes

Do retrato ao epitáfio de Cecília Meireles: a identidade feminina na

literatura e na psicanálise

01/07/2004 M Universidade Estadual de Londrina

Letras Literatura Brasileira Henrique Manuel Ávila

Page 354: As duas margens do Atlântico: um projeto de integração ...livros01.livrosgratis.com.br/cp081271.pdf · pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente,

AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

60. Elidio Fernandes Junior

A poesia de Cecília Meireles no contexto

do livro didático

01/08/2004 M Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letras Literatura Brasileira Rosa Maria de Carvalho Gens

61. Miriam Bauab Puzzo

O Problemático Não-Lugar do Fazer

Poético de Cecília Meireles

01/08/2004 D Universidade de São Paulo

Letras Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada)

Maria Augusta Bernardes Fonseca

Weber Abramo

62. Eduardo Kanemoto

Tempo e Memória nos Poemas de Cecília

Meireles

01/10/2004 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Letras Teoria Literária Fernando Segolin

63. Luzia Batista de Oliveira Silva

O Imaginário Poético-Pedagógico de Cecília

Meireles

01/10/2004 D Universidade de São Paulo

Educação Educação Maria Cecília Sachez Teixeira

64. Humberto Mendonça da

Costa

Cecília e Florbela aquém e além mar:

Aproximações e Distâncias Imagéticas

01/11/2004 M Centro de Ensino Superior de Juiz de

Fora

Letras Literatura Brasileira Maria de Lourdes Abreu De Oliveira

65. Maurício Baptista Vieira

A música da perda em Cecília Meireles

01/04/2005 M Universidade de São Paulo

Letras (Teoria Literária e Literatura

Comparada)

Literatura Brasileira Viviana Bosi

66. Eunice Rocha Freire

A tradição romântica na construção das imagens de Cecília

Meirelles

01/05/2005 M Universidade Federal da Bahia

Letras e Lingüística

Teoria Literaria Lígia Guimarães Telles

67. Inácia Maria Vasconcellos

Godoy Moreno

Poesia e Teatro no Romanceiro da Inconfidência de Cecilia Meireles

01/11/2005 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Literatura e Crítica Literatura Brasileira Maria José Pereira Gordo Palo

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

68. Moíza de Castro

Fernandes

Emily Dickinson e Cecília Meireles: entre o eterno e o efêmero, duas vozes femininas

em dois diferentes séculos de poesia

01/01/2006 M Centro de Ensino Superior de Juiz de

Fora

Letras Letras William Valentine Redmond

69. Ana Maria de Oliveira Melo

A Sombra, o Sangue e o Sonho no

Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles

01/02/2006 M Universidade Federal do Ceará

Letras Letras -

70. Ida Vicencia Dias de Souza.

O Teatro Poético de Cecília Meireles

01/04/2006 D Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro

Letras Literatura Brasileira Marília Rothier Cardoso

71. Jussara Neves Rezende

A simbolização nas imagens Cronotopos poéticos em Cecília

Meireles e Sophia de Mello Breyner

Andresen: tempo e espaço.

01/04/2006 D Universidade de São Paulo

Letras (Est.Comp. de Liter. de

Língua Portuguesa)

Outras Literaturas Vernáculas

Hélder Garmes

72. Maria de Fátima de Barros

Neves

A Representação da Natureza na poesia de

Emily Dickinson e Cecília Meireles e uma proposta de leitura na

Internet

01/04/2006 D Universidade Federal da Paraíba

Letras Letras João Batista Barbosa de Brito

73. Maria Edinara Leão Moreira

Estética e Transcendência em O Estudante Empírico, de Cecília Meireles

01/04/2006 M Universidade de Passo Fundo

Letras Letras Paulo Ricardo Becker

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AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO

ORIENTADOR

74. Walkiria Pinto de Carvalho

A Ludicidade em Cecília Meireles como Sensibilização para a Leitura na Educação

Fundamental

01/05/2006 M Universidade Federal da Paraíba

Educação Educação Ed Porto Bezerra

75. Laís Karla da Silva Barreto

Cecília Meireles: mulher ao espelho, imaginário poético e

metafísica do amor em Viagem e Mar

absoluto

01/08/2006 M Universidade Federal do Rio Grande do

Norte

Estudos da Linguagem

Literatura Comparada Ilza Matias de Sousa

76. Kelen Benfenatti Paiva

Histórias de vida e amizade: as cartas de Mário, Drummond e

Cecília para Henriqueta Lisboa

01/11/2006 M Universidade Federal de Minas Gerais

Estudos Literários Literatura Brasileira Constancia Lima Duarte

77. Rosângela Veiga Júlio

Ferreira

No veio da esperança a essência etérea da

criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico

de Cecília Meireles

01/05/2007 M Universidade de Juiz de Fora

Educação Educação Marlos Bessa Mendes da Rocha

Fonte: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/Teses.do. (Quadro atualizado em 26/03/2008).

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Anexo 4

CRÔNICAS DE CECÍLIA MEIRELES NO

“DIÁRIO DE BORDO” - 1934 Data de produção Data de Publicação

21 de Setembro 14 de Outubro ** 22 e 23 de Setembro 21 de Outubro

24 de Setembro * 28 de Outubro ** 25 de Setembro 04 de Novembro

26 e 27 de Setembro 11 de Novembro 28 e 29 de Setembro 18 de Novembro **

30 de Setembro e 01 de Outubro

25 de Novembro **

02, 03 e 04 de Outubro 02 de Dezembro 05 e 06 de Outubro 09 de Dezembro **

07, 08 e 09 de Outubro 16 de Dezembro 10 e 11 de Outubro 23 de Dezembro

12 de Outubro 30 de Dezembro

* Data presumida para a escrita e a publicação dessa crônica, originalmente sem data no documento. ** Datas presumíveis de publicação das crônicas.

Tabela 1: Crônicas de Cecília Meireles: datas de produção e publicação no “Diário de

Bordo”. Anexo 5

IMAGENS DE FERNANDO CORREIA DIAS NAS

CRÔNICAS DO “DIÁRIO DE BORDO” - 1934 Data de produção Data de Publicação Número de

Imagens 21 de Setembro 14 de Outubro 1

22 e 23 de Setembro 21 de Outubro 2 24 de Setembro 28 de Outubro 3 25 de Setembro 04 de Novembro -

26 e 27 de Setembro 11 de Novembro 4 28 e 29 de Setembro 18 de Novembro 4

30 de Setembro e 01 de Outubro

25 de Novembro 4

02, 03 e 04 de Outubro 02 de Dezembro 5 05 e 06 de Outubro 09 de Dezembro 3

07, 08 e 09 de Outubro 16 de Dezembro 4 10 e 11 de Outubro 23 de Dezembro 4

12 de Outubro 30 de Dezembro 2 Total de Imagens 36

Tabela 2: Relação de Correia Dias publicados no “Diário de Bordo”.

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Anexo 6

IMAGENS DE FERNANDO CORREIA DIAS

PUBLICADAS NO “DIÁRIO DE BORDO” – 1934 Cecília

Meireles Correia Dias Passageiros Paisagens e

cidades portuárias

Cenas do cotidiano do

“Cuyabá”

Diversos

(1) No convés (21/09)

(1) Desenhando no convés

(22/09)

(1) Marechal (22/09)

(3) Vitória (s/data)

(1) *Conversinhas

no Convés (26/09)

(1) Jangadas

(27/09)

(1) Olhando estrelas (05/10)

(1) Amélia Borges (26/09)

(1) Crespúsculo em Recife

(27/09)

(1) Banhistas na piscina

(29/09)

(1) Os Retirantes

(29/09)

(1) Olhando para as vagas

e para o vento (11/10)

(1) Wolkowyski

(05/10)

(1) Marinha em Recife

(28/09)

(1) A orquestra do

“Cuyabá” (02/10)

(1) Céu estrelado (01/10)

(1) Desembarque

(12/10)

(1) Mocambos em Recife

(29/09)

(1) A sanfoninha

dos imigrantes (03/10)

(1) Carta de bordo

(02/10)

(1) Pico do Frade (30/09)

(1) *Passageiras na amurada do “Cuyabá”

(05/10)

(1) Aldeias da África (02/10)

(1) Fernando

de Noronha (30/09)

(1) Velas do navio (08/10)

(1) Marinheiro

(02/10)

(1) Rochedos

São Pedro e São Paulo

(01/10)

(1) Marujinho no mastro do navio (12/10)

(1) Louva-deus

(09/10)

(1) Fuerte Ventura (07/10)

(1) Navios portugueses

(10/10) (1) Torre de

Belém (09/10)

(1) Fundo do Mar (11/10)

(1) Rádio (11/10)

4 1 3 11 7 10

*Cecília Meireles aparece entre os demais passageiros do navio.

Tabela 3: Relação de desenhos de Correia Dias publicados no “Diário de Bordo”.

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Anexo 7

Correspondência de Cecília Meireles – Ativa

REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Cecília Meireles Adolfo Casais

Monteiro

1938-1956 4 Biblioteca

Nacional de Lisboa

Lisboa - 3 cartas manuscritas, 1

datilografada e dois

poemas manuscritos

(“Descripção” e

“Amor”).

Cecília Meireles Afonso Duarte - - - - - Não localizadas – Em

poder de familiares do

poeta português

Cecília Meireles Alberto de Serpa 1938-1957 19 Biblioteca

Municipal

do Porto

Porto - 14 cartas manuscritas e

5 datilografadas

Cecília Meireles Alfonso Reyes - - Capilla Alfonsina México - -

Cecília Meireles Armando Côrtes-

Rodrigues

1946-1964 246 - - SACHET, C. A

lição do Poema,

Ponta Delgada,

1998.

-

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Cecília Meireles Armando Côrtes-

Rodrigues

1956 1 - - Diário dos

Açores,

26/11/1964, p.2.

-

Cecília Meireles Carlos Queiroz - - - -

- Não localizadas

Cecília Meireles Diogo de Macedo 1952-1953 2 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Cecília Meireles Diogo de Macedo A partir de

1935

- - Portugal - Roberto Arruda -

Sobrinho de Diogo de

Macedo

Cecília Meireles Fernanda de Castro

1936-1939 2 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Cecília Meireles Fernanda de Castro - - Lisboa - Não localizadas – Em

poder de familiares da

poeta portuguesa

Cecília Meireles Fernando de

Azevedo

1931-1938 20 Instituto de Estudos

Brasileiros – USP

São Paulo - -

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Cecília Meireles Fernando de

Azevedo

1931-1938 9 - - LAMEGO,

Valéria. A farpa

na Lira. Rio de

Janeiro: Editora

Nova Fronteira,

1996.

-

Cecília Meireles Gabriela Mistral

- - Santiago do Chile

Chile - -

Cecília Meireles Henriqueta Lisboa 1947 1 - - Jornal Minas

Gerais,

Suplemento

Literário, 12/-

8/1967.

-

Cecília Meireles Henriqueta Lisboa

- 1 - - Jornal de Letras,

dez. 1964

-

Cecília Meireles Henriqueta Lisboa

1931-1963 42 cartas e

7 cartões

Acervo de

Escritores Mineiros

da UFMG

Belo

Horizonte

- -

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Cecília Meireles Irene Lisboa 1948-1950 3 - - - Datilografadas

Cecília Meireles Isabel do Prado - 77 Casa de Rui

Barbosa

Rio de

Janeiro

- Informações arquivo

pessoal no Rio de

Janeiro

Cecília Meireles Jaime Cortesão 1943-1949 4 cartas e

1 cartão, 1

postal, 3

envelopes

Biblioteca

Nacional de Lisboa

Lisboa - 2 cartas manuscritas, 2

datilografadas.

Cecília Meireles João Afonso 1963 1 - - Colóquio/Letras,

n. 61, Lisboa,

Maio, 1981, p.

39-40.

-

Cecília Meireles João de Barros 1936-1951 4 cartas e

2 cartões

Biblioteca Nacional

de Lisboa

Lisboa - 3 cartas, 2 cartões de

visita e 1 cartão de

Boas Festas

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Cecília Meireles João de Barros 1946 1 - - AZEVEDO,

Manuela de.

Cartas a João de

Barros. Lisboa:

Livros do Brasil,

p. 333-334.

Os originais

encontram-se sob a

guarda do Museu João

de Deus, em Lisboa.

Cecília Meireles José Osório de

Oliveira

1934-1956 48 - Porto - Em poder do Prof.

Arnaldo Saraiva -

Compradas de Raquel

Bastos em 1967 (das

48 cartas, 7 para

Raquel Bastos, 1 para

o casal e outra para os

amigos).

Cecília Meireles José Osório de

Oliveira

1934-1940 4 cartas e

4 postais

Biblioteca Nacional

de Lisboa

Lisboa - 2 cartas manuscritas, 1

datilografada e 4

postais

Cecília Meireles José Régio - - - - - Não localizadas

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Cecília Meireles Maria Dulce Lupi

Cohen Osório de

Castro (Maria

Valupi)

1937-1938 2 Gabinete Português

de Leitura

Rio de

Janeiro

Colóquio Letras,

n. 66, março

1982, p. 65-69.

-

Cecília Meireles Maria Dulce Lupi

Cohen Osório de

Castro (Maria

Valupi)

24/04/1938 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Cecília Meireles Maria Dulce Lupi

Cohen Osório de

Castro (Maria

Valupi)

- 30 - Lisboa - Espólio – Antônio

Osório, sobrinho de

Maria Dulce Lupi de

Castro Osório

Cecília Meireles Maria Dulce Lupi

Cohen Osório de

Castro (Maria

Valupi)

13 - - Valupi, Maria.

Antologia.

Lisboa: Quasi,

2007.

-

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Cecília Meireles Maria Dulce Lupi

Cohen Osório de

Castro (Maria

Valupi)

1937 e 1938 2 - - CRISTÓVÃO,

Fernando.

Cruzeiro do Sul, a

Norte. Estudos

Luso-Brasileiros.

Lisboa: Imprensa

Nacional/Casa da

Moeda, 1983. p.

507-522.

-

Cecília Meireles Maria Helena Vieira

da Silva/Arpad

Szenes

1954-1960 5 Fundação Arpad

Szenes - Vieira da

Silva

Lisboa - 2 cartas estão sem data,

as demais são de 1954,

1958 e 1960.

Cecília Meireles Mário de Andrade 1935-1945 15 - - MEIRELES,

Cecília. Cecília e

Mário. Rio de

Janeiro: Nova

Fronteira

-

Cecília Meireles Natércia Freire - - - - - Não localizadas

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Cecília Meireles Vários amigos

(Diogo de Macedo,

Manuel Mendes,

Luis de Montalvor,

José Osório de

Oliveira e Raquel

Bastos)

1936 1 - - Terceira Margem:

Revista do Centro

de Estudos

Brasileiros, Porto,

n.1, 1998. p. 57-

59.

Publicada pelo Prof.

Arnaldo Saraiva.

Cecília Meireles Vitorino Nemésio

1939-1946 5 Biblioteca Nacional

de Lisboa

Lisboa - 4 cartas manuscritas e

1 datilografada

TOTAL 565 cartas,

10 cartões,

5 postais e

3

envelopes

293 cartas publicadas

Tabela 4: Correspondência de Cecília Meireles – Ativa

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Anexo 8

Correspondência de Cecília Meireles – Passiva

REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Afonso Duarte Cecília Meireles 1939 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- ArquivoDarcy

Damasceno

Afrânio Peixoto Cecília Meireles 1939 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Alberto de Serpa

Cecília Meireles 1938-1939 5 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Alfonso Reyes Cecília Meireles 1931 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Anita Malfatti Cecília Meireles s.d. 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Assinatura

ilegível

Cecília Meireles 1935 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Provavelmente

Afonso Duarte

Augusto Meyer Cecília Meireles 1927-1928 2 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

Carlos

Drummond de

Andrade

Cecília Meireles 1939 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Carlos Queiroz Cecília Meireles

1937 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Diogo de

Macedo

Cecília Meireles 1935-1939 2 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Fernanda de

Castro

Cecília Meireles 1935 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

(anotações)

Fernanda de

Castro

Cecília Meireles - 1 - - CASTRO,

Fernanda de.

Cartas para além

do tempo,

Odivelas, 1990.

-

Fernando de

Azevedo

Cecília Meireles

1931 2 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

José Osório de

Oliveira

Cecília Meireles 1934 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

M. Fernanda Cecília Meireles 1936-1939 5 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Cartas atribuídas

a Fernanda de

Castro

Manuel Mendes Cecília Meireles 1934 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

(Anotações de

Darcy Damasceno)

Mário de

Andrade

Cecília Meireles 1935-1945 7 - - MEIRELES,

Cecília. Cecília e

Mário. Rio de

Janeiro: Nova

Fronteira

-

Michailowsky Cecília Meireles 1932 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Miroel Silveira Cecília Meireles 1939 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

Telmo Vergara Cecília Meireles 1933 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

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REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE

CARTAS

LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES

William Berrien

Cecília Meireles 1938 1 Biblioteca Nacional Rio de

Janeiro

- Arquivo Darcy

Damasceno

TOTAL 38 cartas 8 cartas

publicadas

Tabela 5: Correspondência de Cecília Meireles – Ativa

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Anexo 9

Intelectuais portugueses e a sua presença em periódicos

Intelectuais

Portugueses

Orpheu Rajada Águia Atlântida Presença Revista

Educação

Seara

Nova

Ocidente

D C D C D C D C D C D C D C D C

Adolfo

Casais

Monteiro

Afonso

Duarte

X X X X X X

Alberto de

Serpa

Almada

Negreiros

X X X

Álvaro Pinto X X X X

António

Ferro

X

António

Sérgio

X X X X

Aquilino

Ribeiro

X X X

Armando

Côrtes-

Rodrigues

X

Carlos

Queiroz

Diogo de

Macedo

X X X

Faria de

Vasconcelos

X X

D C D C D C D C D C D C D C D C

Fernando

Correia Dias

X X X

Fernando

Pessoa

X X

Jaime

Cortesão

X X X X

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Intelectuais

Portugueses

Orpheu Rajada Águia Atlântida Presença Revista

Educação

Seara

Nova

Ocidente

D C D C D C D C D C D C D C D C

João de

Barros

X X X

João de Deus

Ramos

X X X

Jorge de

Sena

X

José Osório

de Oliveira

José Régio

Luis de

Montalvor

X X

Legenda: D = direção e C = colaboradores.

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Anexo 10 Decálogo do Estado Novo Datado de 1934, este documento, da responsabilidade de António Ferro, sintetiza

em dez pontos os princípios basilares do regime. António Ferro, jornalista e político,

seria uma das personagens centrais da propaganda do novo regime,

nomeadamente durante o período (1933-1950) em que assumiu a chefia do SNI -

Secretariado Nacional de Informação.

1. O ESTADO NOVO representa o acordo e a síntese de tudo o que é permanente e

de tudo o que é novo, das tradições vivas da Pátria e dos seus impulsos mais

avançados. Representa, numa palavra, a VANGUARDA moral, social política.

2. O ESTADO NOVO é a garantia da independência e unidade da Nação, do

equilíbrio de todos os seus valores orgânicos, da fecunda aliança de todas as suas

energias criadoras.

3. O ESTADO NOVO não se subordina a nenhuma classe. Subordina, porém, todas

as classes á suprema harmonia do interesse Nacional.

4. O ESTADO NOVO repudia as velhas fórmulas: Autoridade sem liberdade,

Liberdade sem Autoridade e substitui-as por esta: Autoridade e liberdades.

5. No ESTADO NOVO o indivíduo existe, socialmente, como fazendo parte dos

grupos naturais (famílias), profissionais (corporações), territoriais (municípios) e é

nessa qualidade que lhe são reconhecidos todos os necessários direitos. Para o

ESTADO NOVO, não há direitos abstratos do Homem, há direitos concretos dos

homens.

6. “Não há Estado Forte onde o Poder Executivo o não é”. O Parlamentarismo

subordinava o Governo à tirania da assembléia política, através da ditadura

irresponsável e tumultuária dos partidos. O ESTADO NOVO garante a existência do

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Estado Forte, pela segurança, independência e continuidade da chefia do Estado e

do Governo.

7. Dentro do ESTADO NOVO, a representação nacional não é de ficções ou de

grupos efêmeros. É dos elementos reais e permanentes da vida nacional: famílias,

municípios, associações, corporações, etc.

8. Todos os portugueses têm direito a uma vida livre e digna - mas deve ser

atendida, antes de mais nada, em conjunto, o direito de Portugal à mesma vida livre

e digna. O bem geral suplanta - e contém - o bem individual. Salazar disse: “Temos

obrigação de sacrificar tudo por todos: não devemos sacrificar-nos todos por

alguns”.

9. O ESTADO NOVO quer reintegrar Portugal na sua grandeza histórica, na

plenitude da sua civilização universalista de vasto império. Quer voltar a fazer de

Portugal uma das maiores potências espirituais do mundo.

10. Os inimigos do ESTADO NOVO são inimigos da Nação. Ao serviço da Nação -

isto é: da ordem, do interesse comum e da justiça para todos - pode e deve ser

usada a força, que realiza, neste caso, a legítima defesa da Pátria.

Fonte: <http://groups.msn.com/xiconhoca/general.msnw?action=get_message&mview=0&ID_Message=11128&LastModified=4675641476373198669>

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Anexo 11 Cronologia

1901 Nasce, no Rio de Janeiro, a 7 de novembro;

1910 Recebe medalha de ouro na Escola Estácio de Sá das mãos de

Olavo Bilac, então Inspetor Escolar do Distrito;

1916 Estagia na Escola Gonçalves Dias, em São Cristóvão;

1917 Conclui o curso da Escola Normal do Distrito Federal;

1918 Leciona na Escola Municipal Deodoro, na Rua da Glória;

1919 Lança o livro de poemas Espectros;

1921 Casa-se com o artista plástico português Fernando Correia Dias

1920 Leciona desenho na Escola Normal, a convite do professor

Fernando Nerêo de Sampaio, diretor daquele departamento;

1922 Publica poemas na revista Árvore Nova;

1923 Lança os livros Nunca Mais..., Poema dos Poemas e Criança

Meu Amor;

1924 Publica poemas na revista Terra de Sol;

1925 Lança o livro Baladas para El-Rei;

1927-28 Publica poemas na revista Festa (primeira fase);

1929 Concorre com a tese O Espírito Victorioso à cadeira de Literatura

Vernácula da Escola Normal do Distrito Federal

1930-33 Escreve a “Página de Educação” (de 12/06/30 a 12/01/33) e a

“Página das Crianças” (de 22/06 a 31/08/1930 – durante apenas

11 domingos) no Diário de Notícias;

1931 Início do Inquérito sobre leituras infantis;

1932 Assina o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova;

1933 Escreve uma página do suplemento literário do jornal A Nação;

1934 É designada em 11/01 para ter exercício no Instituto de

Pesquisas Educacionais;

Poemas publicados na revista Festa (segunda fase);

Criação da Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco/Centro de

Cultura Infantil;

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Viagem a Portugal para uma série de conferências em Lisboa e

Coimbra sobre assuntos de literatura e educação, a convite do

Secretariado de Propaganda de Portugal;

1935 Publica o livro Batuque, Samba e Macumba, em Lisboa;

É nomeada professora de Literatura Luso-Brasileira da

Universidade do Distrito Federal;

Morte de Correia Dias;

1937 Transfere-se para a cadeira de Teoria e Técnica Literária;

Integra a Comissão Nacional de Folclore;

1938 Ganha o prêmio da Academia Brasileira de Letras com o livro

Viagem

1939 Publica o livro Olhinhos de Gato e Viagem, em Lisboa;

Trabalha como repórter para o jornal Observador Econômico e

Financeiro;

1940 Casa-se com o engenheiro Heitor Grillo, diretor da Universidade

Rural do Distrito Federal;

Leciona Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas,

nos Estados Unidos;

1941 Edita a revista Travel in Brazil, do Departamento de Imprensa e

Propaganda;

1941-45 Escreve uma série de artigos sobre educação no jornal A

Manhã, na coluna Professores e Estudantes;

1943 Publica o livro Vaga Música;

1944 Viaja ao Uruguai e à Argentina;

1945 Publica o livro Mar absoluto e outros poemas;

Visita o Rio Grande do Sul;

Publica crônicas intituladas Rumo ao Sul;

1946 - Ministra cursos de teatro de bonecos na Sociedade Pestalozzi;

Escreve O menino Atrasado e Nau Catarineta;

1948 Participação em Seminário sobre Educação em Minas Gerais

1949 Publica o livro Rui - pequena história de uma grande vida;

1949-51 Retorna ao magistério e se aposenta com diretora da Escola

Bahia, na Avenida Brasil;

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1951 Publica o livro Problemas da Literatura Infantil;

1952 Publica Doze Noturnos de Holanda e O Aeronauta

1953 Visita a Índia, Goa, Itália, França e Holanda;

Lança o livro Romanceiro da Inconfidência e Folclore, um estudo

sobre arte popular;

Publica Poemas Escritos na Índia;

1954 Visita a Europa e Açores;

1955 Publica Pequeno Oratório de Santa Clara, Pistóia, Cemitério

Militar Brasileiro e Panorama Folclórico dos Açores;

1957 Visita Porto Rico;

Ministra o Curso de Literatura Oriental na Fundação Dulcina;

1958 Visita Israel;

Primeira edição de Obras Completas da Editora Aguilar;

1960 Publica Metal Rosicler;

1963 Publica Solombra;

1964 Publica o livro Ou isto ou aquilo, Giroflê e Escolha o seu sonho;

Inaugura uma biblioteca com o seu nome e recebe o título de

Comendador da Ordem do Mérito no Chile;

Falece, aos 63 anos de idade, no Hospital dos Servidores do

Estado do Rio de Janeiro;

1965 A Academia Brasileira de Letras concede-lhe, post-mortem, o

prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra;

Publicação póstuma de Crônica Trovada da Cidade de San

Sebastian do Rio de Janeiro, O estudante empírico, Sonhos,

Cânticos, Morena pena de amor e Poemas 1, 2, 3.

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Créditos:

Ilustração: Bico de pena de Fernando Correia Dias Cecília Meireles no passadiço do “Cuyabá”.

(21 de Setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 14 de Outubro de 1934).

Projeto Gráfico: Thales Pimenta [email protected]

Correção lingüística e ‘Abstract’: Débora Pimenta [email protected]

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