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05. Pedagogia Histórico-Crítica
AS CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
PARA O ENSINO DAS CIÊNCIAS NATURAIS: TEORIA DA
EVOLUÇÃO X DOUTRINA CRIACIONISTA
Hugo Rodrigues da Silva (SEEDUC e SEMED)1
Resumo: As influências das instituições religiosas, principais veículos de disseminação
da doutrina criacionista, na mediação do conhecimento ligado às Ciências Naturais
esvaziam os conteúdos ministrados nas escolas de Educação Básica, ao considerar o aluno
como um ser desprovido de história e crítica. Esse trabalho aponta as contribuições da
Pedagogia Histórico-Crítica na mediação dos conhecimentos das Ciências Naturais, haja
vista que ela reúne as categorias da historicidade, da materialidade e da totalidade,
também presente nos conhecimentos mediados pelos professores, sobretudo a teoria da
evolução darwiniana que se estrutura com bases científicas, históricas e materiais no
sentido oposto ao da hipótese ou doutrina criacionista e sua forma atualizada denominada
de Design Inteligente. Para isso utilizamos os referenciais presentes nas teorias de Marx&
Engels e Darwin, especialmente seus métodos de pesquisa que convergem para os três
elementos que denominam o materialismo histórico e dialético, os primeiros referentes
as relações político-econômico-sociais entre os seres humanos e o segundo referente as
relações existentes entre os seres na economia do mundo natural. Para a compreensão das
influências na constituição do pretenso sistema de ensino brasileiro foram de suma
importância os escritos de Dermeval Saviani, que também é o principal formulador da
teoria pedagógica presente no trabalho. Na análise dos projetos de lei em tramitação no
poder legislativo foi possível apontar como a potencialidade das teorias que fundamentam
a elaboração dos conteúdos referentes às Ciências Naturais e a mediação dos mesmos nas
escolas, está se reduzindo a suposta neutralidade, tirando a finalidade prática social dos
mesmos.
Palavras-chave: Ciências Naturais; Escola; Pedagogia Histórico-Crítica, Doutrina
Criacionista.
1Hugo Rodrigues da Silva, Secretaria de Estado da Educação e Secretaria Municipal de Educação,
Maranhão, Brasil, [email protected].
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Introdução
A compreensão do mundo natural e do humano como parte dele, é fundamental
para a humanidade viver plenamente as potencialidades que cada ser do mundo natural
apresenta. No decorrer da história do pensamento humano muitos estudiosos se
debruçaram no sentido de empreender esforços para esse fim, no entanto para a
fundamentação e desenvolvimento dessa pesquisa nos pautamos em um modo e método
específico de analisar o mundo que parte da apreensão dos elementos presentes nele e das
múltiplas determinações e relações entre eles para ter a dimensão de sua totalidade.
Utilizamos três categorias fundamentais para a compreensão do nosso objeto de pesquisa:
a historicidade, como elemento que prescinde a existência dos seres do mundo natural,
incluindo os seres humanos e todos os elementos não vivos; a materialidade ou base
material da existência, como pressuposto para a existência dos seres vivos; e a totalidade,
como elemento que engloba todas as determinações, das mais simples às mais complexas,
de todos os seres e dos elementos do universo em que eles vivem.
Como orientação dos estudos, utilizaremos principalmente os escritos de
Marx&Engels, Darwin e Saviani. Com exceção de Saviani, que é contemporâneo ao
nosso trabalho e compartilha do mesmo método de análise dos outros, os referidos
estudiosos fizeram uso do que havia de mais avançado em suas épocas no campo do
conhecimento científico e desenvolveram em suas pesquisas um método peculiar de
análise. Karl Marx e Friedrich Engels formaram uma dupla de pesquisadores, em que
parece ter havido uma divisão de tarefas entre os dois, cabendo a Engels realizar
investigações no campo das ciências naturais, como afirma Lombardi (2010):
Como se sabe, coube à Engels dar à concepção materialista e dialética
um caráter de elaboração não particularizada dos fatos, processos e
relações sociais dos homens, mas também das relações do homem com
a natureza e, enfim, das relações existentes na própria natureza.
(LOMBARDI, 2010, p. 51)
Ambos tinham clareza do vínculo necessário entre o que produziam e a
transformação do mundo real, para isso trataram de se ancorar no que havia de mais
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desenvolvido nas ciências, especialmente nas áreas de contribuição para sua pesquisa,
conforme aponta Lombardi (2010):
[...] Partilho, portanto, do entendimento de que foi a partir da crítica à
filosofia clássica alemã, do socialismo anglo-francês e da economia
política clássica inglesa, que se deu a construção dos fundamentos
ontológicos, gnosiológicos e axiológicos de uma nova concepção que
fazia uma contundente análise crítica do modo capitalista de produção,
ao mesmo tempo em que colocava em relevo o revolucionar da
sociedade em direção a novos padrões societários. (LOMBARDI, 2010,
p.48)
Na escrita de suas obras, Marx e Engels inauguraram um novo modo e método de
fazer ciência, que incorporou as contribuições do materialismo, presente nas ciências
naturais e em filósofos como Ludwig Feuerbach, da dialética, cujos elementos já estavam
presentes em Heráclito, Sócrates e mais desenvolvidos em Hegel, e a análise histórica das
atividades humanas e do modo como os homens se organizaram socialmente para
produzir suas vidas. Assim, a síntese do método produzido e utilizado por eles, mas pouco
exposto em suas obras, foi o que ficou conhecido como materialismo histórico e dialético.
Esse método se constitui como ferramenta para analisar a realidade tal como ela é, com
suas contradições e suas múltiplas determinações, das mais simples às mais complexas.
Uma das poucas referências diretas a esse método se encontra na obra “Contribuição
para a Crítica da Economia Política” (1999), já em “O Capital” (1982), encontra-se a
utilização do método na análise de processos históricos e na exposição da pesquisa sobre
a gênese, desenvolvimento, consolidação e condições de crise do sistema capitalista.
Sobre o método utilizado em sua pesquisa Marx dá um exemplo, afirmando que
para analisar um dado país, do ponto de vista da Economia Política, uma de suas âncoras
teóricas, começamos pela população e outras dimensões mais gerais e ao aprofundar essa
análise chegamos a determinações como estados, cidades, campo, divisão em classes, mas
sem estabelecer relações, essas determinações deixam a população vazia de sentido.
Então aponta:
Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação
caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de
uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do
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concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até
atingirmos determinações mais simples. Chegados a esse ponto,
teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo
com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de
um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações
diversas. (MARX, 1999, p.39)
Para Marx a base material do pensamento está fora dele, haja vista que ele se
constitui como a reprodução ideal do concreto existente no mundo real. Sintetiza tal
compreensão com a seguinte passagem:
O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto
é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como
o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida
também, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto
de partida também da intuição e da representação. (MARX, 1999, p.39-
40)
Ao analisar o modo como a humanidade se organizou, especialmente no nosso
tempo, o tempo do capitalismo, Marx e Engels utilizaram a ótica da historicidade da
constituição e formação humana a partir da base material ou da materialidade como
pressuposto da existência e da produção e reprodução cotidiana da vida. E num esforço
para compreender que esses elementos estabeleciam inúmeras relações com o universo
de determinações do mundo, consideraram a dimensão da totalidade no sentido de
aproximar-se da leitura do movimento real da humanidade, tal como ele se apresenta,
diferente do método positivista que isola determinado objeto ou fenômeno das várias
determinações que o determinam para assim analisá-los.
A maior afinidade e curiosidade de Engels em relação ao campo das Ciências
Naturais levou-o a apresentar alguns autores a Marx, dentre eles o inglês Charles Darwin,
que como um típico pesquisador de seu país no seu tempo, analisava meticulosamente o
seu objeto de estudo, com a precisão e rigor que a ciência exige. Assim como a dupla
alemã, Darwin incorporou as contribuições de várias áreas do conhecimento das Ciências
Naturais, dentre elas a Geologia, a Botânica e a Zoologia, aliado aos estudos da economia
das populações de Thomas Malthus. Diferente dos historiadores naturais que o
antecederam, Darwin ao estudar as relações entre as espécies do mundo natural e a luta
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pela vida utilizou a historicidade como elemento fundamental para a compreensão de
suas constituições físicas e do papel que ocupam na Economia Natural, admitindo o
desenvolvimento e evolução das espécies por meio de um mecanismo que ele denominou
de seleção natural, na qual o ambiente seleciona os indivíduos mais adequados ao
conjunto de elementos presentes nele como luminosidade, quantidade de recursos
disponíveis, temperatura, bem como o resultado geral da luta das espécies na busca por
esses recursos e na melhor adequação a esse ambiente.
Essa síntese superava a concepção aristotélica de constituição das espécies, que
admitia uma linha linear no processo de evolução das mesmas em busca da perfeição,
haja vista que o processo evolutivo, segundo Darwin não é unidirecional, ou seja, os
indivíduos das espécies não se aperfeiçoam com o tempo, mas se adequam ao ambiente
em que vivem, podendo inclusive serem extintos, caso o ambiente não selecione suas
características como as mais adequadas para o tempo e o espaço em que vivem. Além da
seleção feita pelo ambiente os próprios seres do mundo natural, realizam suas seleções
sexuais para fins reprodutivos, bem como o homem, como ocupa um papel de destaque
na Economia Natural seleciona as características das espécies que utiliza na sua
alimentação e outras finalidades por meio da domesticação dessas espécies.
A concepção aristotélica influenciou o estudo das espécies vivas até os dias que
antecederam a publicação de um artigo de autoria de Darwin e de um jovem historiador
natural inglês Alfred Russel Wallace. Na sua obra “A origem das espécies por meio da
seleção natural” (2008) Darwin afirma que na luta pela vida as espécies perpetuam suas
características e as relações estabelecidas com os seres da sua e de outras espécies,
conforme suas necessidades e o papel que ocupam na Economia Natural, que é a base
material ou a materialidade que proporciona a sua existência, dando continuidade ao que
era denominado no seu tempo de História Natural.
O norte-americano Stephen Jay Gould, adepto da teoria sintética da evolução, uma
atualização da teoria da evolução das espécies de Darwin, fez o seguinte apontamento na
obra “Darwin e os grandes enigmas da vida” (1999):
Os mais ardentes materialistas do século 19, Marx e Engels, não
tardaram em reconhecer o que Darwin tinha concluído e em explorar
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seu conteúdo radical. Em 1869, Marx escreveu a Engels sobre The
origin, de Darwin:
Embora desenvolvido no rústico estilo inglês, este é o livro que contém
a base, em história natural, para nossa tese.
Mais tarde, Marx ofereceu-se para dedicar o volume 2 de Das Kapital
(O Capital) a Darwin que rejeitou a oferta, dizendo que não gostaria de
sugerir seu apoio a um livro que não tinha lido. (Vi o exemplar de
Darwin do volume 1 em sua biblioteca, em Down House. Tem uma
dedicatória de Marx, que se assina um “admirador sincero” de Darwin.
As páginas não tinham sido cortadas. Darwin não era devotado à língua
alemã.). (GOULD, 1999, p.16)
Numa carta de Darwin escrita a Marx, ele relata sua preocupação com a
compreensão e o impacto de sua pesquisa, como relata Gould (1999):
Parece-me (certo ou errado) que os argumentos diretos contra o
Cristianismo e o Teísmo não têm praticamente efeito algum sobre o
público, e que a liberdade de pensamento será melhor promovida com
o esclarecimento gradativo da compreensão humana que se segue ao
progresso da ciência. Por isso sempre evitei escrever sobre religião,
limitando-me a falar de ciência. (GOULD, 1999, p. 17-18)
Ainda que Darwin houvesse evitado o embate direto com a igreja e os defensores
da hipótese criacionista, ele se viu obrigado a defender a teoria por ele elaborada. Os
desdobramentos práticos desse embate foram expressos ao longo de suas obras.
Como parte de um movimento para produção de conhecimento e reprodução de
tudo o que a humanidade já havia produzido, incluindo as descobertas de Marx&Engels
e Darwin, no campo da educação, emergiu no Brasil nos anos 1970 e 1980 uma teoria
pedagógica intitulada Pedagogia Histórico-Crítica, que tem como principal formulador
Dermeval Saviani. A produção dessa teoria ainda está em andamento, com recentes
descobertas e desdobramentos nas áreas da psicologia histórico-cultural e dos
fundamentos da educação. Ela se fundamenta na categoria de trabalho como princípio
educativo definido por Saviani como:
O ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um
lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser
assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem
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humanos, e, de outro lado e, concomitantemente, à descoberta das
formas mais adequadas para atingir esse objetivo. (SAVIANI, 2003,
p.13)
Os movimentos de influxo da pós-graduação nas universidades brasileiras nos
finais dos anos 1970 e inícios dos anos 1980 combinavam com a ascensão do movimento
operário no Brasil, momento em que as principais organizações de trabalhadores
surgiram, como o Partido dos Trabalhadores, a Central Única dos Trabalhadores e o
Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra. Essa combinação repercutiu,
no interior das universidades, na produção de uma teoria que instrumentalizasse os
trabalhadores da educação no sentido de mediarem às novas gerações, especialmente aos
filhos da classe trabalhadora e demais desfavorecidos, todo o conhecimento já elaborado
pela humanidade, a fim de criar as condições para a transformação social rumo a
emancipação humana, que segundo a teoria só será alcançada numa sociedade sob outras
bases de produção da existência humana.
Para atingir esse objetivo a Pedagogia Histórico-Crítica entende que o método
adotado deve ser como o descrito a seguir por Saviani (1995):
O movimento que vai da síncrese (“a visão caótica do todo”) à síntese
(“uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”), pela
mediação da análise (“as abstrações e determinações mais simples”)
constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de
novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de
transmissão-assimilação de conhecimento (o método de ensino)
(SAVIANI, 1995, p. 83)
A coincidência do modus operandi dos dois métodos (o científico e o método de
ensino) revela a intrínseca relação entre o processo de descoberta de novos conhecimentos
e o processo de transmissão-assimilação do conhecimento, considerando que ambos
partem do empírico e pela mediação da análise, alcançam o concreto pensado. A
Pedagogia Histórico-Crítica assume a defesa da escola pública, universal e gratuita e o
compromisso com o processo ensino-aprendizagem das camadas populares, tendo em
vista que esse segmento foi historicamente discriminado e alienado da apropriação do
saber. Nesse sentido, consideramos que a Pedagogia Histórico-Crítica é a teoria
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pedagógica com maior potencialidade para difundir o conhecimento elaborado, uma vez
que ela se propõe a articular num todo as diversas dimensões fragmentadas.
Propõe, a luz da categoria da historicidade que a produção do conhecimento
humano é um resultado de trabalho coletivo, social e histórico que tornou e ainda torna o
homem um ser ao mesmo tempo singular e genérico, o único capaz de reproduzir
idealmente todo o mundo a sua volta, bem como de transformá-lo num lugar que
proporcione sua perpetuação enquanto espécie, constituindo-se num dos pólos de uma
relação triádica com a natureza e o conhecimento, produzindo a tecnologia, a filosofia, a
ciência e as artes.
Essa teoria pedagógica se propõe explicitar a relação orgânica entre o
conhecimento e a sociedade que o produziu, visto que esse conhecimento, como toda
produção humana é histórico e carrega na sua constituição parte do espaço e do tempo
em que foi produzido, logo, assim como ele foi produzido socialmente, deve ser
apropriado socialmente, bem como seus desdobramentos tecnológicos e aplicações.
Nesse sentido, é possível inferir que a Pedagogia Histórico-Crítica é seguramente a teoria
pedagógica que possibilita a mediação dos conhecimentos que buscam a compreensão do
mundo natural na perspectiva da totalidade, sem cair no idealismo de defender que a
simples mudança do trabalho educativo em sala de aula, por si só, seja uma solução para
os dilemas educacionais, ao contrário, tais dilemas são decorrência intrínseca da
sociedade que vivemos. A mudança de que se trata é mais ampla e atinge o conjunto das
instituições sociais e a própria base material de produção da existência humana, ou a
assim denominada materialidade, nas suas dimensões objetiva e subjetiva.
Os estudos e escritos desses quatro cientistas, que exerceram e continuam
exercendo grande influência no campo científico nos dias atuais, só foi possível pelas
condições de desenvolvimento das ciências sociais e naturais em suas épocas. O número
de referências e citações presentes em suas obras mostra o caráter coletivo da produção
do pensamento humano em todos os tempos históricos, que carrega em cada trabalho os
traços de identidade do tempo e espaço em que foi produzido.
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Metodologia da pesquisa
O mundo natural e a especificidade dele, o mundo criado pelos homens, é rico de
elementos e fenômenos. A medida em que os homens buscam compreendê-los, inúmeras
questões são feitas. Na tentativa de respondê-las, eles analisam parte dessa realidade,
determinando objetos de análise e/ou pesquisa. A análise de qualquer objeto de pesquisa
requer a adoção de um método com categorias que articulam os elementos presentes nele.
O presente trabalho adota o método do materialismo histórico e dialético que denomina
de determinações os elementos presentes no objeto de pesquisa. Esses, por sua vez, têm
intrínseca relação com o universo em que ele está inserido e utiliza categorias para melhor
compreender o objeto e o movimento real e concreto da realidade onde ele se manifesta.
Dentre as categorias de análise, a totalidade é utilizada para relacionar as
múltiplas determinações presentes no objeto, bem como as relações dele com o mundo
real. Nesse mundo, as espécies do mundo natural satisfazem suas necessidades e os
homens, especificamente, são seres capazes de produzir e reproduzir sua existência
cotidiana com uma base real e material: a satisfação da fome, da sede e proteção ao frio
e às intempéries do ambiente, da necessidade sexual e de reprodução. O objeto de
pesquisa para o método apontado tem essa base material ou a denominada materialidade
como um dos pressupostos de análise. Os homens organizados em sociedade descobrem
as melhores formas de satisfazer suas necessidades e as transmitem para as novas
gerações num processo histórico que também faz parte da produção de sua existência e
perpetuação enquanto espécie, por isso outra categoria fundamental para análise é a
historicidade, para não perder de vista a continuidade do processo de formação das
espécies naturais e da espécie humana em particular ao longo da história de sua existência.
O presente trabalho analisou a maneira como o objeto das Ciências Naturais é
mediado nas escolas, por meio do cotidiano do trabalho do autor em escolas da educação
básica, bem como de um levantamento de trabalhos de análise dos livros didáticos das
disciplinas de Ensino Religioso, a fim de verificar como os referidos materiais didáticos
abordam temas que se constituem como objeto de estudo típicos das Ciência Naturais. A
partir de evidências históricas e levantamento bibliográfico, é demonstrada a importância
da ligação da teoria darwiniana com a marxiana, como sínteses de estudos que utilizaram
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um método e categorias de análise em comum para apreender e explicar seus objetos de
estudo e pesquisa, bem como a utilização da teoria da Pedagogia Histórico-Crítica como
orientação na mediação desses conhecimentos para as novas gerações.
Escola, Ciências Naturais e Ensino Religioso no Brasil
O ensino das Ciências Naturais, especialmente os conhecimentos referentes à área
da Biologia, mediados historicamente nas escolas, tem sofrido bastante influência da
visão de mundo pautada no criacionismo, disseminada sobretudo pelas instituições
religiosas, que tem articulado os ensinamentos presentes nas escrituras sagradas,
mesclando as passagens bíblicas com as recentes descobertas científicas, algo que nos
Estados Unidos e Reino Unido foi denominado de Design Inteligente. Essa nova forma
de apresentar a hipótese ou, como alguns de seus adeptos afirmam, doutrina criacionista,
que tem milênios de elaboração, destaca que há uma intencionalidade dirigida na
evolução e desenvolvimento das espécies naturais pautadas no seguinte pressuposto:
A forma de informação que observamos é produzida por uma ação
inteligente, e assim indica seguramente o design, que é geralmente
verificado por características como a “complexidade especificada” ou a
“informação complexa e especificada” (ICE). Um objeto ou evento é
complexo se ele for improvável, e especificado se corresponder a algum
padrão independente. (EBERLIN, 2014, p. 1)2
Ainda que utilizando argumentos pretensamente científicos o pressuposto se
fundamenta numa regra geral de funcionamento dos organismos para determinar suas
características, essas, por sua vez, se manifestariam como parte de uma “complexidade
especificada”. Ora, o que é complexo, constitui-se por um sistema de elementos que se
relacionam interna e externamente com o universo, reduzir a determinação de
complexidade especificada à qualidade de ser improvável, não o define, apenas o
qualifica. Além disso, o caráter improvável da complexidade dos seres ou dos eventos
ocorridos nele ou fora dele, depõem contra a afirmação primeira da hipótese criacionista,
2 O link para acesso a essa informação encontra-se aqui http://www.criacionismo.com.br/2014/10/o-que-e-
teoria-do-design-inteligente.html
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que afirma ser o mundo um produto da criação de um ser com capacidades e habilidades
superiores aos seres humanos. Tudo no mundo, portanto, seria criado com uma
intencionalidade, sendo por isso previsível e não improvável.
Percebendo o avanço e a institucionalização desse movimento, um grupo de 30
cientistas organizou um manifesto reivindicando a mediação dos conhecimentos da teoria
científica da evolução biológica das espécies para crianças desde os cinco anos de idade
(O GLOBO, 2011)3. Isso possibilitaria que as novas gerações, desde a mais tenra idade
compreendessem a natureza, o mundo a sua volta e eles mesmos sob uma ótica científica,
afim de evitar o “pensamento mágico” disseminado pela doutrina criacionista, que mais
encanta e divinamente ilude os seus leitores e adeptos do que explica os fenômenos
naturais.
No Brasil, a forma como os conhecimentos referentes a origem do universo e da
vida são abordados tem forte influência da doutrina criacionista, sobretudo num contexto
em que a disciplina de Ensino Religioso é obrigatória e a matrícula dos alunos é
facultativa de acordo com o artigo 210 da Constituição Federal Brasileira de 1988, a lei
9.394/96 (a LDB) e a alteração ocorrida em 1997, no artigo 33 dessa lei. Segundo Diniz
et.al. (2010):
[...] o artigo 33 da LDB, em desarmonia com o conjunto das legislações
sobre o ensino fundamental que prevê diretrizes curriculares nacionais
para a educação básica, permite que o conteúdo do ensino religioso seja
definido pelos sistemas de ensino sem que haja formas de regulação ou
acompanhamento pelo Ministério da Educação. Em nenhuma outra
disciplina da educação básica o Estado abriu mão de seu poder
fiscalizador ou de definições de conteúdo. (DINIZ et.al, 2010, p. 18)
Como expressão do processo ainda em andamento de escolarização do ensino
religioso, já tramita no legislativo federal o Projeto de Lei 309/2011, de autoria do
deputado federal e pastor Marcos Feliciano, que busca incluir “o ensino da doutrina
criacionista”, como afirma o pastor, na estrutura curricular das escolas de Educação
Básica4. Além desse PL, há também os de nº7180/2014, 7181/2014 e 867/2015 que
3Dentre os cientistas que assinam o manifesto estão Richard Dawkins e David Attenborough. Para consultar
a notícia acesse http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/um-manifesto-contra-criacionismo-2696439. 4Para consultar o PL309/2011 acesse:
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tramitam no Congresso Nacional e referenciam-se nos postulados do Movimento
Associação Escola Sem Partido, criado em 2004 e transformado em Associação em 2015,
inspirada no movimento norte americano de pais de alunos intitulado No Indoctrination
(Sem Doutrinação), propõem alterações no currículo escolar e a instituição do Programa
Escola Sem Partido (PESP) mediante alteração da LDB.
Acrescido a estes, os PL 1411/2015 e 2731/2015 referem-se à criação de leis de
disciplinamento e punição dos docentes que praticarem ações consideradas por seus
autores como “doutrinação ideológica”, segundo o Sindicato Nacional dos Docente de
Ensino Superior (ANDES-SN, 2016, p. 15). Esses PLs pretendem alterar a LDB e os
PCN´s no sentido de dar precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação
escolar, respeitando a convicção dos alunos, pais e responsáveis e proibir a
transversalidade ou similares no currículo escolar, prevendo pena de detenção de três
meses a um ano e multa, conforme aponta o ANDES-SN.
De acordo com a Cartilha Projeto do Capital para a educação: análise e ações
para a luta, o ANDES-SN afirma:
O substitutivo ao PL nº 7.180/14 propõe em seu artigo primeiro a
inclusão do Programa Escola Sem Partido nas diretrizes e bases da Lei
9.394/96 e, no artigo 2º, estabelece novos princípios para a estruturação
da educação nacional, quais sejam: “I- neutralidade política, ideológica
e religiosa do Estado; II- pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;
III- liberdade de consciência e de crença; IV- reconhecimento da
vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de
aprendizado; V- educação e informação dos estudantes quanto aos
direitos compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;
VI- direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que
esteja de acordo com suas próprias convicções. (ANDES-SN, 2016,
p.16)
E argumenta que:
Tais argumentos expressam a forte perspectiva conservadora do PL,
uma vez que compreendemos como inaceitável a defesa da neutralidade
do conhecimento e da ausência de componentes político-ideológicos no
exercício do trabalho docente. A análise contida na justificativa do PL
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1286780&filename=PL+8099/
2014.
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desconsidera os determinantes históricos, sociais, culturais e
ideológicos que perpassam a produção e transmissão do conhecimento,
bem como as contradições sociais concretas que se manifestam nas
diferenças de classe, gênero, etnia, etc. Nega-se, também, a educação
como práxis humana e como um ato político e a escola como um espaço
de disputa de projetos, de construção de potencialidades, de
conhecimentos críticos e do exercício da cidadania das crianças e
adolescentes. Assim, coloca-se o falso dilema de uma educação sem
ideologia, residindo aí as suas fragilidades e seu anacronismo.
(ANDES-SN, 2016, p.16)
Ainda na análise desse PL, observa-se o tratamento dado às instituições
confessionais e particulares, sendo permitido a elas explicitar em suas práticas educativas
orientações de concepções, de princípios e valores morais, desde que haja ciência e o
consentimento expressos dos pais ou responsáveis pelos estudantes.
Se esses PLs forem aprovados, a mediação dos conhecimentos das Ciências
Naturais, e mais especificamente aqueles referentes à Biologia Evolutiva, poderá ser feita
a partir da perspectiva do criacionismo, agora com amparo legal. Sobre esse tema DINIZ
et. al. (2010) afirma:
[...] Assim como as questões relativas à origem da vida e a controvérsia
entre criacionismo e evolucionismo, a sexualidade é um tema cuja
indefinição de conteúdo é o ponto de partida. As diretrizes deveriam ser
claras sobre como o ensino religioso deve discutí-la: se em uma
perspectiva laica, tal como previsto nos Parâmetros Curriculares
Nacionais para os temas transversais, ou se como uma questão moral
sob a ótica das confissões religiosas. (DINIZ et al, 2010, p. 73)
Assim ao mediar o eixo interdisciplinar referente à Educação Sexual e
Sexualidade, previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM,
1998), tanto a ciência, produção humana elaborada histórica e coletivamente,
fundamentada na elaboração de problemas, hipóteses, comprovações materiais, teorias e
modelos, quanto a religião, produção também humana, fundamentada em revelações
divinas oriundas de criaturas divinas e divindades não humanas, estariam dando suas
contribuições, agradando todos os públicos, mas empobrecendo a escola que deixaria de
cumprir o seu papel específico, que segundo Saviani (2003) é assegurar a cada aluno, por
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meio da apropriação do conhecimento, a sua humanização, assimilando os elementos da
cultura sistematizada, ou seja, as ciências, a filosofia, as artes.
A escola foi criada historicamente como o lugar onde se realizaria por excelência
a mediação do conhecimento elaborado pelo conjunto da humanidade, e a forma mais
elaborada que esse conhecimento é mediado, expresso na leitura e compreensão do
mundo real e especialmente o natural, é a ciência.
Os materiais didáticos da disciplina de Ensino Religioso utilizam estratégias para
aliar religião à ciência ou subjugar a segunda à primeira, na mediação dos conteúdos
coincidentes, como afirma Diniz et. al. (2010):
Os livros didáticos utilizam três estratégias argumentativas: a primeira
que se baseia na ciência e na religião como um ato de fé, a segunda que
se fundamenta na incerteza das descobertas científicas e a terceira que
tenta conciliar ciência e religião, sendo a primeira subjugada à ética e
valores da segunda. (DINIZ et al, 2010, p. 77)
Além disso, o resultado da avaliação de livros didáticos feita por Diniz et.al.
(2010) mostraram que há expressões de confessionalidade e etnocentrismo cristãos,
discriminação contra religiões afro-brasileiras, indígenas e exclusões sociais das pessoas
com deficiência, denotando o caráter seletivo dos conteúdos.
No que tange a forma como o Ensino Religioso é ministrado no Brasil, Diniz et.al.
(2010) aponta que o Estado brasileiro pauta-se numa suposta anterioridade do fato
religioso sobre os demais fatos sociais, delegando superioridade para as autoridades
religiosas definirem o modo como a disciplina deve ser operacionalizada. Essa disciplina
não conta com currículo mínimo nas escolas públicas, a autora afirma que na ordem
pública da sociedade brasileira seria um saber para sábios e não para especialistas em
história, arte, música ou sociologia da religião.
Diniz et.al. (2010) classificou o ensino religioso em 3 categorias analíticas em
território nacional, presentes num glossário:
a) ensino confessional: o objeto do ensino religioso é a promoção de
uma ou mais confissões religiosas. O ensino religioso é clerical e
de preferência ministrado por um representante de comunidades
religiosas. É o caso de Acre, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro;
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b) ensino interconfessional: o objetivo do ensino religioso é a
promoção de valores e práticas religiosas em um consenso
sobreposto em torno de algumas religiões hegemônicas à sociedade
brasileira. É passível de ser ministrado por representantes de
comunidades religiosas ou por professores sem filiação religiosa
declarada. É o caso de Alagoas, Amapá, Amazonas, Distrito
Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco,
Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia,
Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins;
c) ensino de história das religiões: o objetivo do ensino religioso é
instruir sobre a história das religiões, assumindo a religião como
um fenômeno sociológico das culturas. O ensino religioso é secular,
devendo ser ministrado por professores de sociologia, filosofia e ou
história. É o caso de São Paulo. (DINIZ et al, 2010, p. 45-46)
Isso demonstra que diferente das outras disciplinas do currículo escolar o ensino
religioso não apresenta um conjunto de conteúdos que oriente para o estudo e
compreensão do seu objeto de estudo, que parece não estar bem definido para a disciplina,
haja vista que ela é ministrada de diferentes formas no território brasileiro. Das três
categorias analíticas apenas o ensino de história das religiões parece contar com um objeto
de estudo bem definido com amparo nos métodos da história e nas manifestações,
costumes e valores das denominações religiosas de todo o mundo, e ela está presente
somente num estado do país, São Paulo.
Influência das instituições religiosas na constituição do sistema de ensino brasileiro
O sistema de ensino brasileiro foi primeiramente organizado pelas instituições
religiosas, especialmente as de orientação católica com base na ordem dos jesuítas,
segundo Saviani:
A primeira fase da educação jesuítica foi marcada pelo plano de
instrução elaborado por Nóbrega. O plano iniciava-se com o
aprendizado do português (para os indígenas); prosseguia com a
doutrina cristã, a escola de ler e escrever e, opcionalmente, canto
orfeônico e música instrumental; e culminava, de um lado, com o
aprendizado profissional e agrícola e, de outro lado, com a gramática
latina para aqueles que se destinavam a realização de estudos superiores
na Europa (Universidade de Coimbra). Esse plano não deixava de
16
conter uma preocupação realista, procurando levar em conta as
condições específicas da colônia. Contudo, sua aplicação foi precária,
tendo cedo encontrado oposição no interior da Ordem jesuítica, sendo
finalmente suplantado pelo plano geral de estudos organizado pela
Companhia de Jesus e consubstanciado no Ratio Studiorum.
(SAVIANI, 2007, p.43)
Na gênese da organização do sistema de ensino brasileiro a ordem jesuítica
impunha a religião, a língua, os valores e costumes dos colonos portugueses,
desvalorizando assim a cultura e toda a organização social existente antes da chegada dos
portugueses em terras brasileiras. Para Saviani:
Assim se Marx (1968, pp.90-91, nota 33;1985, p.115) pôde dizer que,
para os teólogos, a sua própria religião é considerada obra de Deus, ao
passo que a religião dos outros é obra dos homens, para os jesuítas a
religião católica era considerada obra de Deus, enquanto a religião dos
índios e dos negros vindos da África eram obra do demônio. Eis como
se cumpriu, pela catequese e pela instrução, o processo de aculturação
da população colonial nas tradições e costumes do colonizador. As
ideias pedagógicas postas em prática por Nóbrega e Anchieta,
secundados por Leonardo Nunes, Antonio Pires, Azpilcueta Navarro,
Diogo Jácome, Vicente Rijo Rodrigues, Manuel de Paiva, Afonso Braz,
Francisco Pires, Salvador Rodrigues, Lourenço Braz, Ambrósio Pires,
Gregório Serrão, Antonio Blasques, João Gonçalves e Pero Correia
configuraram uma verdadeira pedagogia brasílica, isto é uma pedagogia
formulada e praticada sob medida para as condições encontradas pelos
jesuítas nas ocidentais terras descobertas pelos portugueses.
(SAVIANI, 2007, p.47)
Na história de constituição do Brasil as elites, sejam elas de além mar, sejam elas
oriundas do próprio país, impuseram seus privilégios e interesses por meio de lutas
religiosas na base da intolerância, desrespeito e imposição de credos sobre os negros
escravizados, índios reduzidos e brancos conflitantes, como afirma Cury (2004).
De acordo com o mesmo autor:
De um país oficialmente católico pela Constituição Imperial, nos
fizemos laicos pela Carta Magna de 1891 com o reconhecimento da
liberdade de religião e de expressão religiosa, vedando-se ao Estado o
estabelecimento de cultos, sua subvenção ou formas de aliança. Essa
primeira Constituição Republicana, ao mesmo tempo em que reconhece
17
a mais ampla liberdade de cultos, pune também a ofensa a estes como
crimes contra o sentimento religioso das pessoas. O ensino oficial, em
qualquer nível de governo e da escolarização, tornou-se laico, ao
contrário do Império em que a obrigatoriedade do ensino religioso se
fazia presente. (CURY, 2004, p.188-189)
As instituições religiosas, no entanto, especialmente a igreja católica se
empenharam em reestabelecer a disciplina de Ensino Religioso nas escolas no âmbito dos
estados e em âmbito nacional nas reformas constitucionais de 1926, 1931 e 1934, quando
a disciplina foi considerada obrigatória com matrícula facultativa e assim continua até os
dias atuais. No entanto tal permanência não se deu sem conflitos, de um lado estavam as
instituições religiosas e de outro seus críticos dentro e fora do parlamento.
De um regime imperial em que o Estado contava com uma religião oficial e a
igreja católica como uma instituição que legitimava os poderes do imperador, passamos
ao regime republicano que no seu nascedouro se identificava com a laicidade do Estado
e de seu sistema de ensino, mas devido às pressões da igreja católica e com seu prestígio
entre os membros dos poderes legislativo e executivo, retomou o ensino religioso nas
instituições de ensino, constando na Constituição Federal Brasileira e na Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (nº9.394/96).
Ensino de Biologia Evolutiva e as Contribuições da Pedagogia
Histórico-Crítica
Este trabalho busca preliminarmente discutir as influências da concepção de
mundo criacionista nas escolas de Educação Básica e as contribuições da Pedagogia
Histórico-Crítica no processo ensino-aprendizagem das Ciências Naturais, especialmente
os conhecimentos referentes à Biologia Evolutiva. A atenção especial dada à Biologia
Evolutiva se justifica por ela prescindir dos conhecimentos referentes às demais áreas da
biologia, da química, da física e da matemática e por se tratar do estudo científico acerca
da transformação dos ancestrais das espécies nas espécies atuais, incluindo o homem.
No que diz respeito ao processo ensino-aprendizagem de Biologia Evolutiva, de
acordo com Almeida e Falcão (2005) a Teoria Sintética da Evolução (que é o principal
18
conteúdo da Biologia Evolutiva) é considerada a teoria mais unificadora dentre todas as
teorias biológicas, sendo responsável pelo surgimento da Biologia com o seu estatuto e
paradigmas unificadores como ciência. Considerando o caráter articulador da Biologia
Evolutiva, a escolha pela Pedagogia Histórico-Crítica se deu por se constituir numa teoria
pedagógica de fundamentação teórica marxista que trata o conhecimento na perspectiva
da totalidade. Compreende a educação como uma “atividade mediadora no seio da prática
social global”.
Objetivamos com o trabalho didático-pedagógico proposto demonstrar a
viabilidade do método de ensino da Pedagogia Histórico-Crítica no sentido de superar o
esvaziamento de conhecimento vivido pela escola pública que resulta, entre outros
aspectos, na desqualificação do trabalho de professores, subtraindo-lhes o sentido
histórico de sua atividade educativa.
Tais métodos situar-se-ão para além dos métodos tradicionais e novos,
superando por incorporação as contribuições de uns e de outros. Serão
métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir
mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos
alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de valorizar o
diálogo com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os
interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento
psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos
conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de
transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos (SAVIANI, 1995,
p. 69).
Esse diagnóstico é de fundamental importância para que o professor identifique o
estágio de desenvolvimento em que se encontram os alunos, de modo a não incorrer no
erro de organizar o ensino a revelia do que ele já sabe, por um lado, e por outro do que
ele ainda não sabe, mas é capaz de aprender mediante seu trabalho pedagógico.
No bojo do nosso trabalho é possível incorporar tal contribuição no trato dos
conteúdos abordados nas aulas de Biologia Evolutiva, uma vez que é muito relevante que
o professor saiba se o estudante domina, por exemplo, o conceito de seleção natural, base
para o entendimento da teoria evolutiva de Darwin.
Para a apreensão dos conteúdos na perspectiva da totalidade faz-se necessária a
adoção de textos clássicos, que geralmente é visto como algo impossível de ser ensinado
19
em nível médio, resguardando seu uso a etapas posteriores da formação do jovem. Em
contrapartida, esse trabalho ressalta a importância da adoção dos clássicos na escola, não
como um acessório dos livros didáticos, mas como um instrumento de mediação direta
do conhecimento, por estes trazerem um conhecimento de primeira mão (guardadas as
dificuldades oriundas das traduções), diferentemente dos “manuais didáticos” que são
uma síntese rebaixada da sistematização do saber. Portanto, não defendemos aqui a
simples inserção no livro didático de biografias dos autores clássicos (a estilo de vida e
obra, comum em vários livros de Ensino Médio), sem um estudo mais meticuloso de suas
contribuições teóricas, pelo contato direto com suas fontes originais, ou ainda pelo
contato com estudos mais elaborados de outros autores sobre as obras clássicas.
Esse trabalho resultou das inquietações da minha experiência docente, vivenciada
em escolas de ensino médio da rede pública e privada. Inquietações essas decorrentes da
abordagem dos conhecimentos de Química (muito embora não estejam relacionados de
forma direta com o nosso objeto de trabalho) e Biologia que, seguindo a tradição
positivista, de compartimentação do saber, “venda nosso olhar” para a perspectiva da
totalidade, ponto de partida e de chegada da Pedagogia Histórico-Crítica.
Com isso, o trabalho pretende, mesmo modestamente, considerando as limitações
inerentes ao autor, apontar uma perspectiva teórico-prática cuja ênfase é o humano, visto
como ser capaz de desenvolver suas potencialidades, “apropriando-se do seu ser como
um ‘homem total’” (KONDER, 2007, p. 21). A compreensão da teoria que alicerça a
prática do professor é uma necessidade que antecede sua utilização, pois toda prática é
uma tomada de posição, uma vez que não é neutra, mas está sempre fundamentada
teoricamente, refletindo uma concepção de homem, de educação e de sociedade.
A Pedagogia Histórico-Crítica assume a defesa da escola pública, universal e
gratuita e o compromisso com o processo ensino-aprendizagem das camadas populares,
tendo em vista que esse segmento foi historicamente discriminado e alienado da
apropriação do saber. Nesse sentido, a importância da pesquisa está pautada na
necessidade da investigação do processo histórico de formação dos professores de
Ciências e Biologia, bem como da estruturação dos conhecimentos transmitidos nas
escolas tendo como eixos as categorias da historicidade, materialidade e totalidade,
20
relacionando áreas como as ciências sociais com as ciências naturais para que as novas
gerações compreendam o mundo e a si mesmos como sujeitos da transformação social.
Considerações Finais
As influências das instituições religiosas e os elementos que constituem o sistema
de ensino brasileiro corroboram para a resistência em mediar alguns temas ligados as
Ciências Naturais, como o estudo da origem do universo e da vida no nosso planeta, a
Sexualidade, a Educação Sexual e a teoria científica da evolução das espécies. Essa
influência não está presente apenas nas escolas, mas também nas inúmeras igrejas de
diversas denominações religiosas. Estas, por sua vez, crescem a passos largos,
especialmente nas periferias das cidades, onde as condições materiais de vida da
população são mais precárias e se constituem em terreno fértil para disseminação de suas
doutrinas.
Os projetos de lei em tramitação no poder legislativo tem em comum o objetivo
de restringir a transmissão dos conteúdos de modo pretensamente neutro, esvaziando-os
de toda a potencialidade transformadora. Em suma, isso significa neutralizar toda e
qualquer teoria que carregue essa potencialidade na sua elaboração e no uso de seus
métodos, como a teoria marxiana, darwiniana e a Pedagogia Histórico-Crítica.
Nesse sentido, é de suma importância o papel dos professores enquanto
mediadores do conhecimento humano elaborado às novas gerações, especialmente
àquelas oriundas das camadas sociais mais populares, a fim de que os indivíduos se
tornem agentes da transformação social e, a partir da mudança da base material da
existência humana, vivam na plenitude as potencialidade típicas da nossa espécie. Para
isso, faz-se necessário a tomada de posição político-pedagógica por parte desses
profissionais para que desenvolvam um trabalho com base numa fundamentação teórica
e com uma finalidade teórico-prática social.
Por entendermos que os conhecimentos das Ciências Naturais são tão fundantes
para a compreensão do mundo como são os das demais ciências elaboradas pela
humanidade ao longo da história, é que fazemos o uso da teoria pedagógica Histórico-
Crítica que articula os elementos presentes na realidade empírica dos alunos ao conjunto
21
de conteúdos elaborados nas escolas, evidenciando a finalidade social de cada um deles.
Sendo assim a compreensão do mundo natural nas escolas (por meio do método de
ensino) se dá do mesmo modo em que são feitas e expostas as descobertas científico-
tecnológicas (por meio do método científico). Para demonstrar tal afirmação podemos
tomar como ponto de partida os elementos presentes na natureza (a água, os rios, as
espécies vivas, o ar, as rochas, a vegetação, os fenômenos naturais e as relações entre as
espécies do mundo natural), para identificar e compreender as determinações presentes
em cada um desses elementos (a constituição molecular da água, a composição e as
relações tróficas presentes nos rios, os tecidos, sistemas e forma de organização presente
em cada organismo vivo, o ciclo do ar, da água, a composição das rochas e dos tipos de
vegetação, as forças químicas e físicas que atuam nos fenômenos naturais e as relações
ecológicas e evolutivas presentes entre as espécies do mundo natural), e pela mediação
das teorias, modelos e todos os desdobramentos elaborados e sistematizados nas ciências
da Biologia, da Química, da Física, apontar uma finalidade racional e socialmente
equilibrada dos recursos naturais e das riquezas produzidas por eles, com a mediação da
ação humana.
Esse movimento realizado pelos professores e alunos, típico do trabalho educativo
tal como o entendemos, pode levar as novas gerações a compreender no seu processo de
desenvolvimento que a produção da vida e do mundo, tal qual o conhecemos, é fruto da
ação coletiva humana, acumulada historicamente e não da criação mágica de divindades
e entes externos.
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