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Introdução N este artigo proponho-me reflectir sobre a formação deste ano lectivo, integrada no projecto de Investigação/Formação no âmbito do Modelo Pedagógico do Movimento da Escola Moderna (MEM). Depois da comunicação de um grupo de co- legas acerca de um projecto sobre o sistema so- lar, o José disse: “Gostei muito de ter apren- dido coisas com eles, acerca dos planetas.” Esta frase ficou na minha cabeça desde o ano pas- sado, pois percebi a importância de partilha- rem as aprendizagens uns com os outros. Assim, surgiu a ideia de investigar/reflectir acerca dos circuitos de comunicação: formas de difusão e partilha dos produtos culturais do trabalho (MEM, sd.). Visto o educador desempenhar um papel fundamental no grupo, no sentido em que “alarga as oportunidades educativas, ao favo- recer uma aprendizagem cooperada em que a criança se desenvolve e aprende, contribuindo para o desenvolvimento e aprendizagem das outras,” (Lopes da Silva, 1997, p. 35) gostava de perceber quais as aprendizagens que fazem, uns com os outros, e se é possível motivar e di- namizar o tempo das comunicações, estabele- cendo diálogos, com perguntas e troca de opi- niões entre as crianças. Pretendia investigar como é que o tempo das comunicações poderia motivar os pares para novas descobertas e experiências. Interessava-me perceber se aprendem, no sentido de melhorar as suas produções, através do que vêem e ouvem e como é que as comu- nicações motivam os pares para novas expe- riências, como podem melhorar o trabalho au- tónomo e enriquecer outras áreas de activi- dade, como a escrita e a matemática. Com esse propósito, utilizarei algumas transcrições do relato de práticas do Diário de formação integrado no Programa de Investiga- ção/Formação do MEM que tenho vindo a fa- zer semanalmente deste Outubro até final do 2.º período. Fundamentação teórica Ao escolher este tema procurei fazer algu- mas leituras que servissem de base para funda- mentar a minha investigação/reflexão. Inicial- mente foi difícil, por ser um tema ainda pouco estudado, no entanto, citando Sérgio Niza (1998) gostaria de referir que A comunicação é um dos mecanismos cen- trais da pedagogia do MEM enquanto factor de desenvolvimento mental e de formação social. Decorre da condição de se aceitar, na escola, como fundamental, a criação de um clima de li- vre expressão dos alunos, para que se não sin- tam policiados nas suas falas, nos seus escritos ou nas actividades representativas e artísticas em que se envolvem (p. 78). 5 ESCOLA MODERNA Nº 37•5ª série•2010 As comunicações das crianças Nadeia Oliveira* * Educação Pré-Escolar. REVISTA N.º 37 08/07/10 12:48 Page 5

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Introdução

Neste artigo proponho-me reflectir sobre a formação deste ano lectivo, integrada no

projecto de Investigação/Formação no âmbitodo Modelo Pedagógico do Movimento daEscola Moderna (MEM).

Depois da comunicação de um grupo de co-legas acerca de um projecto sobre o sistema so-lar, o José disse: “Gostei muito de ter apren-dido coisas com eles, acerca dos planetas.” Estafrase ficou na minha cabeça desde o ano pas-sado, pois percebi a importância de partilha-rem as aprendizagens uns com os outros.

Assim, surgiu a ideia de investigar/reflectiracerca dos circuitos de comunicação: formasde difusão e partilha dos produtos culturais dotrabalho (MEM, sd.).

Visto o educador desempenhar um papelfundamental no grupo, no sentido em que“alarga as oportunidades educativas, ao favo-recer uma aprendizagem cooperada em que acriança se desenvolve e aprende, contribuindopara o desenvolvimento e aprendizagem dasoutras,” (Lopes da Silva, 1997, p. 35) gostavade perceber quais as aprendizagens que fazem,uns com os outros, e se é possível motivar e di-namizar o tempo das comunicações, estabele-cendo diálogos, com perguntas e troca de opi-niões entre as crianças.

Pretendia investigar como é que o tempo

das comunicações poderia motivar os parespara novas descobertas e experiências.

Interessava-me perceber se aprendem, nosentido de melhorar as suas produções, atravésdo que vêem e ouvem e como é que as comu-nicações motivam os pares para novas expe-riências, como podem melhorar o trabalho au-tónomo e enriquecer outras áreas de activi-dade, como a escrita e a matemática.

Com esse propósito, utilizarei algumastranscrições do relato de práticas do Diário deformação integrado no Programa de Investiga-ção/Formação do MEM que tenho vindo a fa-zer semanalmente deste Outubro até final do2.º período.

Fundamentação teórica

Ao escolher este tema procurei fazer algu-mas leituras que servissem de base para funda-mentar a minha investigação/reflexão. Inicial-mente foi difícil, por ser um tema ainda poucoestudado, no entanto, citando Sérgio Niza(1998) gostaria de referir que

A comunicação é um dos mecanismos cen-trais da pedagogia do MEM enquanto factor dedesenvolvimento mental e de formação social.Decorre da condição de se aceitar, na escola,como fundamental, a criação de um clima de li-vre expressão dos alunos, para que se não sin-tam policiados nas suas falas, nos seus escritosou nas actividades representativas e artísticasem que se envolvem (p. 78).

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Nadeia Oliveira*

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Para as crianças esta dimensão social dasaprendizagens, feita através das comunica-ções, da troca de saberes e produções, leva auma construção cultural dos saberes e de com-petências, motivando o trabalho de cada um.

De acordo com Sérgio Niza, citado por Fol-que (1999) a “comunicação e trocas entre oprofessor e as crianças e entre as crianças, sãouma maneira de construir a aprendizagematravés de processos cooperativos, todos ensi-nam e todos aprendem” (Niza, 1996). O co-nhecimento nas salas de aula do MEM não évisto como propriedade privada. Longe disso,a aprendizagem individual é sistematicamenteestendida a todo o grupo onde as crianças sãoencorajadas a comunicar.

Assim, a comunicação tem uma dupla fun-ção. Primeiro, a comunicação pode ser vistacomo activadora de uma função cognitiva queocorre quando se pede às crianças para falaremsobre as suas acções ou experiências. Nestecaso, tem início um processo metacognitivoque lhes permite perceberem melhor o quetêm a comunicar (Vigotsky, 1987). Em segundolugar, a comunicação também tem uma funçãosocial quando a informação é partilhada e dis-seminada de modo a que possa ser utilizadapela “comunidade” e pelo escrutínio públicodo conhecimento.

As perguntas que as crianças fazem sobre asexperiências dos outros podem levar os seusautores a questionarem-se e a sentirem a ne-cessidade de serem mais explícitos. “O impor-tante papel da linguagem, no desenvolvimentocognitivo foi sublinhado por Vigotsky que con-siderava que o significado social dava sentido aesta prática” (Niza, 1995, citado por Folque,1999).

As comunicações pressupõem a transmis-são de uma mensagem e de conhecimentosque promovem as aprendizagens ao nível dodesenvolvimento cognitivo, relacionado com aárea de formação pessoal e social, no sentidoem que aumenta a auto estima das crianças e opensamento, assim como permite desenvolvero domínio da linguagem oral.

A informação que se partilha através doscircuitos de comunicação tem um valor socialuma vez que os saberes e as produções que osalunos fazem dão sentido à partilha desses sa-beres e produções.

Contextualização

O Jardim de Infância (JI) de Casais Robus-tos que funciona na antiga escola do 1.º Ciclo,pertence ao concelho de Alcanena e ao agrupa-mento de Minde.

Este trabalho desenvolveu-se numa turmade JI, com um grupo de 10 crianças, uma dasquais com Necessidades Educativas Especiais(NEE), com idades entre os três e os cinco anos.

O espaço está organizado em várias áreasde actividade, consideradas desafiadoras eadequadas às crianças em idade pré-escolar.É o caso da área do faz de conta, da área dos jo-gos de mesa, da área da expressão plástica, daárea da biblioteca, da área da escrita, da mate-mática e das ciências, da área das construçõese garagem e da área da reunião (mesa grande),para o planeamento, comunicações, avaliaçãoe discussão.

Foi necessário estabelecer, logo desde o iní-cio do ano lectivo, a organização da rotina se-manal, para que o grupo começasse, desdecedo, a interiorizar algumas das rotinas.

No fim das actividades da manhã e antes doalmoço, têm lugar as comunicações, tempo re-servado para a partilha de saberes e aquisiçõesfeitas individualmente, a pares ou em grupo.

Alguns instrumentos de monitorização e deregulação implementados (diário, plano do dia,mapa de presenças, mapa do tempo, mapa deactividades, mapa de tarefas) também se reve-laram de grande importância para a organiza-ção do grupo e interiorização de regras.

Em relação à avaliação do grupo, este revelaalgumas dificuldades ao nível da Área de For-mação Pessoal e Social. De forma geral, todo ogrupo precisa de trabalhar as questões relacio-nadas com o respeito pelo outro e o cumpri-

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mento de algumas regras da sala, nomeada-mente arrumar os instrumentos e materiais.Algumas têm pouca capacidade de atenção econcentração.

Neste grupo existem algumas crianças comdificuldades ao nível da área de expressão e co-municação – domínio da linguagem oral. Hátrês crianças com três anos que frequentampela primeira vez o JI, uma com NecessidadesEducativas Especiais, fundamentalmente ao ní-vel da linguagem, uma que revela algumas di-ficuldades ao nível na articulação de algumaspalavras e construção de frases, e muitas sãoainda tímidas e introvertidas.

Reflexão sobre as comunicações e o “aprender a aprender”

Depois de dois momentos distintos de en-trevista às crianças, um em grande grupo logono início deste estudo, para saber o que pensa-vam em relação às comunicações (o que são?

e para que servem?), verifiquei que para elescomunicar é mostrar para ensinar aos outros,para explicar aos mais novos. Na segundarecolha, que foi feita no início do segundoperíodo, desta vez a pares, verifiquei que asopiniões em relação às comunicações se man-tiveram.

Para a apresentação das comunicações, ascrianças têm folhas de registo nas quais fazema sua inscrição, escrevem o nome e qual é otipo de trabalho que vão mostrar. Podem apre-sentar todo o tipo de actividades que fizeramnas respectivas áreas e no tempo de trabalhoautónomo, pelo que, normalmente, destina-mos entre quinze a vinte minutos. Numa ma-nhã, podem inscrever-se cinco crianças e, sehouver mais inscrições, estas passam para operíodo da tarde ou para o dia seguinte.

Este tempo aparece na organização da ro-tina semanal. As crianças partilham com aturma o trabalho realizado, descrevendo aogrupo aquilo que fizeram, aprenderam ou des-cobriram.

Ao longo do tempo das comunicações, ametodologia utilizada baseou-se na recolhadiária de notas de campo para numa grelha deregisto de observação, onde constava, nome edata, o que cada criança mostrava/dizia/des-crevia/explicava, quais as questões e comentá-rios dos colegas, a avaliação e depois, caso sur-gissem, quais a ideias para melhorar.

Para fazer a análise das notas de campo quecoleccionei, resolvi fazer um gráfico que exem-plificasse os dados recolhidos nas diversas gre-lhas de observação, relativamente ao tipo decomunicação e ao número de vezes que cadacriança comunicava (ver Gráfico 1).

Ao fazer a análise deste gráfico, podemosconcluir que as áreas que envolveram mais co-municações foram: as invenções, a modelageme a matemática, aparecendo depois as ciências,a descrição do que fazem no “faz de conta” ena biblioteca, tendo estas duas surgido porqueforam propostas por mim. Se assim não fosse,também no fim estavam os projectos e a pin-tura.

Penso que, ao descobrirem a área das in-venções, que consiste num espaço onde ascrianças desenvolvem projectos de produção,utilizando material de desperdício e de des-gaste, ficaram motivados por terem a liberdadede criarem e de decidirem, levando a queaquela fosse uma das áreas mais escolhidas pe-las crianças mais velhas.

Quanto ao facto da modelagem ser tambémuma das áreas mais escolhidas para as criançasfazerem as suas comunicações, penso quedeve ter sido por, a certa altura do ano, numacomunicação, alguém ter perguntado: … e fi-zeste com quê? … foi modelagem… Chamei aatenção de que modelagem era o nome daárea, pois podíamos fazer modelagem complasticina, barro, massa… e combinámos, en-tão, que na semana seguinte iríamos pôr, naárea da modelagem, para além de plasticina,terracota. Daí em diante, esta área era muitasvezes planeada no mapa de actividades e sur-giram por isso muitas comunicações, como re-

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firo no Diário de Formação de 19 de Fevereiro2010.

Em relação aos projectos, do meu ponto devista, este ano desenvolvemos bastantes, noentanto, um projecto de investigação demora oseu tempo a ser concretizado, para depois sercomunicado ao grande grupo.

Normalmente as comunicações são indivi-duais, mesmo as de projecto de investigação.No entanto, sempre que as comunicaçõeseram a pares eram valorizadas e registava-seno diário, na coluna do “Gostámos”.

Neste gráfico podemos observar também,que existe uma criança com poucas comunica-ções, o que se deve ao facto de esta faltar mui-tas vezes, por apresentar um estado de saúdedébil e por ser esta a criança com NEE.

Outra das estratégias que utilizei para fazera análise dos dados foi criar um gráfico ondepudesse observar se o número de comunica-ções aumentara ao longo dos meses em que

houve observações e quais as crianças que co-municaram mais (ver Gráfico 2).

Após a análise de dados, foi interessanteobservar, por um lado, o número de vezes quecada criança comunicou e, por outro, verificarque não foram as crianças mais velhas a comu-nicar mais vezes.

Em relação ao aumento das comunicaçõespor meses, penso que o grupo começou a termais consciência do que eram e para que ser-viam, daí que tenham aumentado à medidaque cada mês passava. Também me pude aper-ceber que as comunicações observadas emcada mês oscilavam de acordo com a avaliaçãomensal do mapa de actividades, pois existiaa tendência e a tomada de consciência para pla-near as áreas onde tinham estado menos vezes.

Para concluir, penso que, das observaçõesque fiz e dos registos que recolhi, as criançasmais novas aprendem porque tentam copiar,indo para as mesmas áreas e apresentando o

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que viram aos mais velhos. Os mais velhos sãomais críticos uns com os outros, no entantotambém se copiam. Todos tiram ideias uns pe-los outros.

Todos estão muito participativos e comuni-cativos, pelo que aproveitamos as ideias quealguns apresentam para desenvolver outrasactividades e enriquecer outras áreas.

Gostaria de destacar uma das comunica-ções que registei no meu diário de formação eque exemplifica o que disse anteriormente.Esta comunicação foi importante pelo facto deesta criança apresentar algumas dificuldadesao nível da linguagem oral, nomeadamente, aonível da articulação das palavras.

O Daniel (4:7) esta semana quis apresentar umtrabalho que tinha feito com as letras e o quadromagnético na escrita, e começou por dizer:

– São nomes…disse ele. Então e de quem? Per-guntei eu.

– Leu, Tomás, Mateus, Briana, Paulo, Simão,Daniel e uma “casinha”

Continuei: Então não tens aí só nomes, pois não?

– Não tá esta “casinha”– E também não são só letras, tens aí um nú-

mero, Sabes qual é? Perguntei– É o oito… disse ele (mas não pronunciou muito

bem o número)– E porque puseste aí um oito? (notei que ficou

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um bocado atrapalhado) Será que são os anos doTomás?

– É (disse ele) (O Tomás é o irmão)– Mas, também vejo que leste bem Mateus, mas

falta uma letra. Já viste Mateus, sabes qual é a le-tra que falta no teu nome?

– É o “S” – disse o Mateus– Daniel, porque não puseste o “S” no nome do

Mateus? Perguntei– Já não havia… disse ele– Mas tinhas números… porque não puseste

também a idade nos outros nomes, não sabes?– Sei, sei, (voltou para si o jogo e pôs os números

à frente de cada nome)– Mostra lá… Boa! – Mateus e Daniel ficaram

com o 4 no meio, Briana e Paulo com o 5 e o Simãocom o 3

– Gostei muito desse trabalho que comunicaste!Para não te esqueceres, que tal passares para umafolha o que descobriste?

– Aceitou e ficou combinado que no dia seguinteia fazer o registo.

Sempre que possível aproveitamos as co-municações de projectos de investigação ououtras para enriquecer a área da escrita, acres-centando palavras no ficheiro das imagens, ounos cadernos ou no dossiê com listas de pala-vras. Como, por exemplo, no caso desta co-municação que passo a descrever retirada dodiário de formação.

O Francisco (4:5) é uma das crianças mais cu-riosas da sala, passando a vida a fazer perguntas ea querer saber coisas. Interessa-se por questões re-lacionadas com certos fenómenos da natureza.Como por exemplo, porque saía lava dos vulcões.Esta foi uma das muitas questões que o Franciscome colocou, daí eu lhe ter proposto que fizesse umprojecto, para descobrir esse problema.

Propus ao Francisco que planeasse a área dasCiências para que pudesse fazer com ele a expe-riência do vulcão.

No fim da manhã, o Francisco quis comunicar aogrupo a experiência. Foi muito interessante, pois co-meçámos por dizer o que era preciso, depois fez aexperiência e o grupo pôde observar o vinagre a su-

bir, dando mesmo a ideia da lava a sair, por ter co-rante alimentar vermelho.

Esta comunicação permitiu-me perceber que al-gumas crianças do grupo têm a noção do som daspalavras, porque às tantas surgiu o seguinte diá-logo:

Júlia – Então o vulcão é a mesma coisa que o fu-ração?

Ed. – Não, Francisco, sabes explicar à Júlia oque é um furacão?

Francisco – Então… um furacão é um remoinhode vento…

Júlia – Mas vulcão e furacão têm cão… e fura-cão também tem fura, de furar…

Ed. – Também existe uma coisa na sala que tema palavra fura lá dentro. Há pouco, quando eu es-tava com o P., estive a utilizar…

Paulo – Foi o furadorJúlia – Mas furador também tem dor…Ed – Estou a lembrar-me que temos outra coisa

na sala, que está ali, ao pé do furador, que tambémtem dor…

Francisco – É o agrafador…”Registámos todas estas palavras no quadro preto

para depois vermos o que poderíamos fazer comelas.

No dia seguinte, conversámos acerca destas pa-lavras e resolvemos fazer o caderno das “palavras

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dentro de palavras”, tendo surgido mais duas pois,a propósito do projecto das cobras, o Mateus disse:– Serpente acaba como parapente…

Uma outra comunicação que nos permitiudesenvolver outras actividades foi a que o Ma-teus (4:5) fez, relacionada com a modelagem,e que também descrevi no diário de formação.

Neste dia, no tempo de trabalho curricular com-participado, dedicado à linguagem oral e aborda-gem à escrita, aproveitei para propor que fizéssemosa história com o sol, que o Mateus tinha comunicadohá algum tempo e que tinha feito, na área da mode-lagem, com plasticina.

Esta actividade decorreu muito bem, pois cadacriança fez uma frase e assim construímos uma pe-quena história. Propus que cada um ilustrasse, emplasticina, a frase que tinha dito, e colámos, comcola branca, cada uma das ilustrações num rectân-gulo de cartolina, para assim construirmos o nosso li-vro com a história: “O Sol”.

Combinei que ia passar o texto no computador eque no dia seguinte colávamos o texto. Houve logoalguém que disse que era preciso paginar, fazer alombada, a capa e a contracapa.

Sempre que possível e como era meu objec-tivo neste trabalho de investigação, a comuni-cação dos projectos de investigação foi diversi-ficada.

E chegou finalmente o dia da Júlia (5:5)apresentar a seu projecto sobre as cobras e oscaracóis. Este projecto demorou algum tempoa ser concluído, por isso a sua apresentação foipreparada comigo e feita pela primeira vez empower-point, apenas com as imagens do pro-jecto.

A Júlia mostrou também as duas palavrasnovas (cobra e caracol) que fez para o ficheirode imagens da escrita. O Mateus disse que co-meçavam as duas por “c”.

Também já temos, na área da escrita, umdossiê, onde estão palavras que começam pelamesma letra.

No fim desta comunicação, todos fizeram oregisto pictórico do que aprenderam com esteprojecto e registámos algumas observações.

Para o Paulo (5:6) e o Mateus (4:5) apresen-tarem o projecto dos carros, motas e jipes,pedi-lhes para trazerem de casa os brinquedosque tivessem e combinámos que iam pô-lospor tipos de transporte. Havia vários, terres-tres, aéreos e aquáticos…

Esta apresentação correu bem. As outrascrianças escreveram no diário que gostaram,porque aprenderam coisas e a seguir ao al-moço estiveram a brincar com os brinquedosdo Mateus e do Paulo.

A Briana (5:10) já tinha acabado o projectodela sobre as flores e planeámos, entre as duas,como o poderia apresentar aos colegas.

Fizemos um cartaz com a informação maisimportante e combinámos que na sexta-feiraseria a apresentação.

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Todas as crianças estavam sentadas nas ca-deiras, com bostik colámos o cartaz nas costasde um armário…

Preparamos um registo, para o resto dogrupo, onde teriam de registar com lápis decarvão o que aprenderam. Depois foi a vez doresto do grupo comunicar o que tinha apren-dido/registado…

De todas as comunicações que foram feitasao longo do tempo gostaria de destacar estaque foi feita por uma das crianças mais novasda sala.

O Simão (3:1) mostrou um jogo de encaixede letras, que tinha estado a fazer na área da es-crita e que considero particularmente difícil paraestas idades, no entanto, ele conseguiu fazê-lo.

– Porque estás a mostrar isso? perguntou a Júlia.– Porque fiz sozinho, disse ele.O Paulo perguntou:– Em que área?

– Na escrita, disse o Simão.– Com quê, legos, madeira… (não respondeu).Depois de fazer algumas perguntas ao Si-

mão percebi que fez este jogo, não por identi-ficar o som das letras à imagem, mas porqueassociou as cores e os furinhos que existem naspeças com as letras e que têm um sítio certopara encaixarem, na minha opinião uma estra-tégia utilizada pelo Simão.

No fim desta comunicação estivemos a fa-zer a divisão silábica das palavras.

Depois de várias comunicações, posso dizer

que já todas as crianças identificam as áreasexistentes na sala, descrevem o processo e osmateriais utilizados, embora uns com mais fa-cilidade que outros porque explicam logo tudosem ser preciso perguntar.

Também é possível, através do tempo paraMostrar/Contar/Escrever, desenvolver activi-dades que depois possam gerar comunicaçõesinteressantes, como no caso do Daniel (4:7),que trouxe dois pedaços de esferovite e disseque queria fazer alguma coisa nas invenções…

Depois de planear as invenções, o Danielfoi para esta área e fui ter com ele para ver se jáestava a registar na folha o que ia fazer. Comoqueria fazer um Ferrari, eu ajudei-o a dar formaà parte da frente e às rodas, porque era neces-sário usar o x-acto, mas ele colou e pintou asrestantes partes.

Quando começou a comunicar, disse quefez um Ferrari, com esferovite (o Daniel temalguma dificuldade ao nível da articulação daspalavras).

Perguntaram-lhe onde fez, ao que ele respon-deu, depois se tinha tido ajuda, ele disse sim…

Também no tempo de Mostrar/Contar/Es-crever, o Francisco (4:5) levou para mostraruma caixa de comprimidos. Disse que tinhaseis divisões e o Mateus disse que parecia da-quelas coisas para fazer gelo.

Propus ao Francisco que nos emprestasse acaixa até ao dia seguinte, para fazermos umaexperiência e ele concordou.

Então conversei com o grande grupo, parasaber o que eles pensavam que ia acontecer sepuséssemos água na caixa e depois pusésse-mos a caixa no congelador. A maioria disse queia fazer gelo.

Então pusemos água na caixa e fechámos,e depois o Francisco foi pôr a caixa no conge-lador.

Continuámos a conversar e estivemos a veros estados da água, quando pusemos a água nacaixa, estava líquida.

No dia seguinte, de manhã, o Franciscolembrou-se da caixa e foi buscá-la ao congela-dor. Estivemos a observar o que tinha aconte-

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cido: “– Fez gelo; – A água ficou congelada; – Por-que pusemos no congelador, que é muito frio;– A água congelada fica fria.” Estas foram asobservações das crianças enquanto a caixa pas-sava de mão em mão.

Tirámos então o gelo da caixa e observá-mos que saíram seis quadradinhos de gelo,mas que, passado algum tempo, começaram aderreter.

Então conversámos que os quadradinhos(de gelo) eram água, mas no estado sólido. Eque depois voltavam a ficar no estado líquido.

Penso que neste dia o Tempo de Mos-trar/Contar/Escrever foi bastante útil, para ogrupo porque tivemos a oportunidade de fazeresta experiência, que nos permitiu falar daágua sob formas e estados diferentes.

Conclusão

Ao fazer a análise dos dados e ao reflectirsobre este trabalho, percebi melhor como estátudo encadeado e como as crianças sabem tan-tas coisas. Elas são, de facto, pequenos investi-gadores, apenas necessitando de algum es-paço/tempo e pequenas ajudas do adulto napromoção de “andaimes” para desenvolveremas suas capacidades e a sua inteligência.

Assim, posso pensar que o desenvolvi-mento e a dinamização do tempo das comuni-cações, promovendo o diálogo e melhorando,interactivamente, os tipos de produtos, sãofundamentais para que possam desenvolver oconhecimento e construir conjuntamente assuas aprendizagens.

O facto de ter feito esta acção de formaçãopermitiu-me crescer dentro deste modelo peda-gógico. Fazer o diário, semanalmente, levou--me a reflectir acerca da minha prática e sobreo meu trabalho enquanto elemento do grupo.

Sempre que ouvia as comunicações delespensava numa forma de levá-los para outrasáreas como a escrita e a matemática e isto de-veu-se ao facto de estar atenta aos registos queia fazendo, pois só assim se pode perceber es-tas questões e como se pode ajudar/estimular

uma criança a melhorar, a evoluir e a crescerenquanto seres humanos.

Tenho vindo a perceber que nem sempreaproveito o tempo das comunicações, para su-gerir e desenvolver outras actividades e projec-tos, às vezes, por falta de tempo, outras porfalta de atenção e concentração do grupo, ou-tras por mim, que nem sempre estou despertapara agarrar estas oportunidades…

Percebi que o registo no diário de formação,dos acontecimentos vividos é a melhor formade investigar a nossa prática, pois tomamosconsciência do que fazemos e do que podemosmelhorar…

Sempre que investigamos e reflectimos es-tamos a avaliar, como que se tratasse de umaespiral que volta sempre ao princípio. É comoque um ciclo que começa e recomeça sempreque se quer melhorar a aprendizagem para au-mentar o conhecimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Folque, M. A. (1999). A influência de Vigotskyno modelo curricular do Movimento da Es-cola Moderna para a educação pré-escolar,Escola Moderna, 5 (5), 5-12.

Lopes da Silva, I. (1997). Orientações Curricu-lares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa:Ministério da Educação.

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