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O Movimento da Escola Moderna (MEM) é um colectivo de profissionais de educa- ção que convergem na rejeição da pedagogia tradicional, unidos pelo compromisso de trans- formação continuada das suas práticas peda- gógicas. Por esta razão, esse contexto media- dor do desenvolvimento profissional alimenta- -se do dizer, contar e mostrar as coisas que acontecem nas suas vidas profissionais, onde, cada um se constitui como recurso para os de- mais. E, como consequência desse processo contínuo de negociação de significados a partir da experiência vivida (autoformação coope- rada) desenvolvem formas compartilhadas de exercer a profissão. 1. Construção Social da Profissão Apresentamos, de seguida, a história de au- toformação cooperada de uma comunidade es- pecífica de profissionais de educação – o Mo- vimento da Escola Moderna – que em mais de quarenta anos da sua existência têm vindo a «partilhar com tanta determinação este propó- sito de construir a profissão construindo a ci- dadania; construir a escola construindo a de- mocracia; instituir-se como quem, critica- mente, se interroga e se confirma, na busca dialógica do contrato social a que chamamos Contrato Educativo» (Niza, 1999, p. 3). Trata-se, portanto, do projecto de uma co- munidade de profissionais que proporciona aos seus membros a construção cooperada da pro- fissão docente, por retroacção do acto pedagó- gico, que se (re)constrói continuadamente, por meio da reflexão crítica e avaliativa de práticas no colectivo, de onde resulta, consequente- mente, a construção de uma pedagogia. Tal significa que os avanços profissionais, ou seja, a transformação de práticas, ocorre por interacção solidária de colegas que, livremente e em movimento fraterno, trocam as experiên- cias de cada um, discutindo e reflectindo em conjunto o trabalho que, diariamente, realizam com os alunos e acerca do qual trocam entre si ideias e dão opiniões no sentido de encontra- rem a melhor forma de o fazer evoluir. Por isso, à medida que negoceiam significados constroem tanto um discurso pedagógico como o conhecimento profissional. Assistimos, assim, à construção cooperada de um saber profissional autêntico e significa- tivo, ao ser resultado quer das necessidades reais sentidas na profissão quer das dificulda- des concretas com que cada um se foi depa- rando durante o acto educativo, bem como de seus desejos e ansiedades que ao serem parti- lhadas com a comunidade de colegas puderam ser por ela geridas, isto é, transformadas em conhecimento. A este propósito, refere Wells (2001), que tal Como os grupos de iguais que resolvem pro- blemas na aula, os professores que oferecem 5 ESCOLA MODERNA Nº 35•5ª série•2009 Caracterização do Movimento da Escola Moderna Filomena Serralha* * 1.º Ciclo do Ensino Básico. REVISTA N.º 35 (monográfico) 09/07/09 19:20 Page 5

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OMovimento da Escola Moderna (MEM)é um colectivo de profissionais de educa-

ção que convergem na rejeição da pedagogiatradicional, unidos pelo compromisso de trans-formação continuada das suas práticas peda-gógicas. Por esta razão, esse contexto media-dor do desenvolvimento profissional alimenta--se do dizer, contar e mostrar as coisas queacontecem nas suas vidas profissionais, onde,cada um se constitui como recurso para os de-mais. E, como consequência desse processocontínuo de negociação de significados a partirda experiência vivida (autoformação coope-rada) desenvolvem formas compartilhadas deexercer a profissão.

1. Construção Social da Profissão

Apresentamos, de seguida, a história de au-toformação cooperada de uma comunidade es-pecífica de profissionais de educação – o Mo-vimento da Escola Moderna – que em mais dequarenta anos da sua existência têm vindo a«partilhar com tanta determinação este propó-sito de construir a profissão construindo a ci-dadania; construir a escola construindo a de-mocracia; instituir-se como quem, critica-mente, se interroga e se confirma, na buscadialógica do contrato social a que chamamosContrato Educativo» (Niza, 1999, p. 3).

Trata-se, portanto, do projecto de uma co-munidade de profissionais que proporciona aosseus membros a construção cooperada da pro-fissão docente, por retroacção do acto pedagó-gico, que se (re)constrói continuadamente, pormeio da reflexão crítica e avaliativa de práticasno colectivo, de onde resulta, consequente-mente, a construção de uma pedagogia.

Tal significa que os avanços profissionais,ou seja, a transformação de práticas, ocorre porinteracção solidária de colegas que, livrementee em movimento fraterno, trocam as experiên-cias de cada um, discutindo e reflectindo emconjunto o trabalho que, diariamente, realizamcom os alunos e acerca do qual trocam entre siideias e dão opiniões no sentido de encontra-rem a melhor forma de o fazer evoluir. Porisso, à medida que negoceiam significadosconstroem tanto um discurso pedagógicocomo o conhecimento profissional.

Assistimos, assim, à construção cooperadade um saber profissional autêntico e significa-tivo, ao ser resultado quer das necessidadesreais sentidas na profissão quer das dificulda-des concretas com que cada um se foi depa-rando durante o acto educativo, bem como deseus desejos e ansiedades que ao serem parti-lhadas com a comunidade de colegas puderamser por ela geridas, isto é, transformadas emconhecimento. A este propósito, refere Wells(2001), que tal

Como os grupos de iguais que resolvem pro-blemas na aula, os professores que oferecem

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* 1.º Ciclo do Ensino Básico.

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mutuamente um apoio «horizontal» podemconstruir novas soluções para os problemas queenfrentam que são mais adequadas para as suascircunstâncias particulares do que as práticasnormais recomendadas por especialistas alheiosà aula; desta maneira, por um lado põem em dú-vida o modelo «vertical» tradicional do desen-volvimento do professor e, por outro, ampliame diversificam o reportório de estratégias dispo-níveis para apoiar a aprendizagem (p. 331).

É, portanto, a partir do vivido dos professo-res e da reflexão sociocentrada e contextuali-zada que essa mesma experiência passada de-sencadeia, que decorre a aprendizagem da pro-fissão. Sustentada, pois, por aquele dispositivode metacognição, é, no entanto, alimentadapor redes múltiplas de cooperação que se esta-belecem entre colegas que, sistematicamente,se apoiam na resolução negociada de proble-mas reais com que se confrontam no desem-penho da profissão. Com efeito, a ajuda mútuaque é prestada com vista à compreensão e en-riquecimento das práticas analisadas, faz nas-cer no grupo de colegas novas aprendizagens,ou seja, desencadeia alterações nas práticas an-teriores, transformando-as, por meio da to-mada de consciência que essas «pausas críti-cas» (Niza, 1997, p. 22) desencadeiam.

Na verdade, como defende Wells (2001),«[a]prender na zdp não requer que haja umprofessor designado; quando várias pessoascolaboram numa actividade, cada uma delaspode ajudar as outras e cada uma delas podeaprender com as descobertas das outras» (pp.334 e 335). Ora, isto também se aplica à for-mação de professores. É o que acontece no sis-tema de autoformação cooperada do MEM.Compreende-se, pois, que neste, por se tratarde um modelo sociocentrado, haja, permanen-temente, uma actuação na zdp comunitária.Logo, o grupo «é ao mesmo tempo o lugar emque se satisfazem as necessidades pessoaiscom as suas ansiedades, dúvidas e desejos pri-vados, e um instrumento de solução dos pro-blemas sociais» (Joyce e Weil, 1985, citadospor Niza, 1997, p. 30).

Deste modo, cada um dos co-participantesnuma sessão de troca de práticas é ao mesmotempo a sede e a fonte onde se vai saciar, istoé, formando e formador. É sempre assim, emqualquer uma das várias modalidades pratica-das no Movimento. Nesse contexto de sociali-zação pela fala, em que se aprende a arte doofício e se constrói uma cultura pedagógica, nofundo, «privilegia-se a prática sem, no entanto,se desprezar a teoria. Esta completa e enri-quece a primeira» (Serralha, 1999, p. 37). Defacto, o caminho escolhido para construir aprofissão foi, fundamentalmente, o de dizeremuns aos outros, mas sempre mostrando os pro-cessos, na medida em que essa reconstituiçãodas práticas que se comunicam obriga a umolhar retrospectivo para o vivido pedagógicodaquele que as reorganiza para as mostrar, per-mitindo-lhe por isso, em primeiro lugar, umatomada de consciência da caminhada percor-rida e, em segundo lugar, o olhar crítico dogrupo coloca-o em confronto com eventuaiserros ou lacunas, fazendo daí nascer novasaprendizagens. Isto de construir a profissão di-zendo-a requer, tal como vimos, que cada umdo colectivo se mostre aos demais enquantoprofissional, emergindo daí um processo denegociação de significados compartilhadosque tornam complexa esta autoformação coo-perada, ao reflectir um esforço intelectual con-junto, que decorre de um compromisso mú-tuo. Porém, afirmam os sócios com maior mi-litância pedagógica, que têm vindo a fazeravançar ainda mais as suas práticas tornando-as mais coerentes e fundamentadas a partir doscontributos teóricos de outras pessoas. Querdizer, a leitura de textos serve então de ali-mento à reflexão cooperada da experiênciaprofissional dos seus associados, pois essestêm plena consciência de que à luz da teoriapodem explicar melhor a realidade e ter delauma maior compreensão. A este propósito, dizNiza em entrevista a González (2002),

precisamos da teoria como uma pessoa comsede precisa de água. Só se formos conseguindodizer o real, dizer a realidade do acto pedagó-

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gico, dizer cada vez mais, e alargar cada vezmais o conhecimento sobre o acto pedagógico,podemos conduzir melhor a nossa profissão.É indispensável a teorização sobre o acto peda-gógico. É tão importante como o valor que da-mos à prática. Até porque não podemos avançarna prática se não tivermos maneiras de pensar,de pensá-la (p. 161).

Além do mais, do ponto de vista da funda-mentação das práticas pedagógicas, isto é, dapedagogia, há outro aspecto de relevo quetambém não tem sido descurado pelo Movi-mento. É que «na realidade, o grau de desen-volvimento da maioria das ciências pode ava-liar-se na medida em que se interessam pelateoria» (Hayman, 1984, p. 19) e no MEM nãotêm ficado indiferentes a isso. Neste sentido,sublinha Nóvoa (1992),

... um movimento pedagógico com carac-terísticas únicas, que se tem destacado na pro-dução de práticas inovadoras de formação deprofessores e de acção educativa. Herdeiro damelhor tradição pedagógica portuguesa, o Movi-mento da Escola Moderna tem procurado investira experiência dos professores, do ponto de vistateórico e conceptual, contribuindo para o desen-volvimento científico da profissão docente. Osdispositivos de auto-formação participada, pa-cientemente construídos e alimentados no seiodo Movimento da Escola Moderna, constituem omais importante capital de «reflexão na prática esobre a prática» disponível no sistema educativo(p. 25).

Ora, como diz um dos seus fundadores eprincipal teorizador, Sérgio Niza (1992), «a pe-dagogia é feita dessas coisas do quotidiano,das pequenas coisas» (p. 33). Em rigor, têmsido as coisas simples, naturais e autênticasdos seus quotidianos profissionais que lhespermitiram chegar onde chegaram no desen-volvimento quer da profissão quer da pedago-gia. A fórmula é tão clara como simples: dizemo que fazem no passado para melhorar o fu-turo. «Sempre que fugimos do nosso viver, apedagogia não se afirma, não se realiza, nãofaz avançar a cultura» (p. 33).

Como tal, existem vários momentos insti-tuídos, previstos tanto nos seus Estatutoscomo no Regulamento Interno da Associação,onde se podem dizer e mostrar as coisas queatravessam as suas vidas profissionais. SérgioNiza defende que é nisso que consiste a auto-formação cooperada do MEM. A este propó-sito, sublinha o autor:

O Movimento da Escola Moderna é na Peda-gogia realizada em Portugal um espaço de perma-nente experimentação e de sucessivos encontros, ondea formação acontece por múltiplas partilhas en-tre graus de ensino, áreas disciplinares e de in-tervenção diversa. Prosseguimos a busca cultu-ral que é a construção pedagógica (Niza, 1992,p. 39).

E esta vai-se desenvolvendo e aperfei-çoando através dos muitos e variados encon-tros de partilha e entreajuda ao trabalho reali-zado nas escolas. Começando por ser um en-contro de sábado, esta estrutura cultural desuporte à formação, como lhe chamam no in-terior do Movimento, foi evoluindo e, por isso,ampliando e acrescentando novas formas deapoio aos seus associados, assim o dizem osprincipais sócios fundadores (Rosalina Gomesde Almeida e Sérgio Niza) em entrevista con-cedida a González (2002). A este propósito, re-fere a primeira:

Juntávamo-nos na casa de Maria Amália(Borges Medeiros)... Todos os sábados íamos auma reunião de avaliação em que todos trazía-mos pequenas coisas e com os livros que man-dávamos vir de fora fazíamos uma exposiçãodas técnicas todas para que, se viesse alguém denovo, pudesse tomar contacto. Havia sempreuma pessoa que estava a receber os novos e asoutras iam trocando aquelas coisas... (p. 130).

Por seu lado, Sérgio Niza explica como sur-giram e têm vindo a evoluir esses encontros deaferição das práticas pedagógicas no interiordo Movimento, referindo que

... o movimento vive de estruturas simplicís-simas que existem desde a primeira hora. Nós,no princípio quando éramos poucos, encontrá-

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vamo-nos nos sábados e encontrávamo-nospara mostrarmos o que estávamos a fazer e aju-dar-nos uns aos outros a progredir (cada um le-vava um lanche e depois púnhamos em cima damesa a parte de cada um. Ficava um lanche co-lectivo e lanchávamos em conjunto) e a seguirdiscutíamos ideias e coisas que se ligavam à prá-tica, ou coisas que estavam a acontecer na edu-cação... Esta estrutura, este padrão cultural mí-nimo, depois reproduziu-se, e compôs-se de vá-rias maneiras (p. 212).

De facto, os Sábados são a estrutura funda-mental, o modelo que permitiu desenhar no-vos espaços, tendo sempre aquele como ma-triz inspiradora. Por isso, hoje, para além dosSábados Pedagógicos, que continuam sendo umimportante espaço de divulgação e reflexão dotrabalho daqueles que praticam o Modelo pe-dagógico do MEM, existem outras estruturassemelhantes de apoio à formação: os GruposCooperativos, o Encontro Nacional da Páscoa, oCongresso Nacional, os Encontros de Especialidade(do Pré-Escolar, do 1.º Ciclo, do Ensino porDisciplinas, do Ensino Superior, dos Apoios eda Formação, todos eles de âmbito nacional),os Cursos de Iniciação ao Modelo Pedagógico doMEM (Oficina e Estágio) e as Tardes de Conse-lho de Coordenação Pedagógica (CCP) (Pessoa,1999). Porém, no início do ano lectivo de2003/2004, foram criados, no Núcleo Regionalde Lisboa, dois novos espaços de encontro: osColóquios Mensais e os Encontros de Pedagogia eMultimédia, pelo que os sócios têm reveladoparticular interesse, não só pelo ambiente deconstrução dialógica da profissão, mas, sobre-tudo, pelo clima de amizade e afecto, e, comotal, o ambiente é de partilha em família. Muitorapidamente, faremos uma descrição sucintade cada uma dessas estruturas formativas, co-meçando por aquela que foi a estrutura pri-meira, como já referimos anteriormente.

1.1. Os Sábados Pedagógicos

São sessões mensais que ocupam toda atarde de sábado, tendo sido instituídos no iní-cio da década de setenta. Destinam-se aos pro-

fessores de todos os níveis de ensino (do Pré-Escolar ao Superior), quer sejam ou não sócios,pois estão abertos a todos os interessados.A sua divulgação e dinamização é da respon-sabilidade de cada Núcleo Regional. Aí, a cons-trução das aprendizagens faz-se no interior dogrupo de pares. Por isso, decorrem ao mesmotempo várias sessões, em salas diferentes, porníveis de ensino. Constam de dois tempos,tendo cada um a duração de hora e meia. Numprimeiro momento, os comunicadores dessedia apresentam aos colegas alguns dos seuspercursos que consideram mais significativos,quer porque foram muito bem sucedidos, ouse, pelo contrário, com eles não atingiram osresultados que esperavam. Após essa mostrade práticas pedagógicas segue-se um períodode eventuais pedidos de esclarecimento. Jácom dúvidas e incompreensões clarificadas,passa-se ao debate colectivo tendo esse emvista o aperfeiçoamento daquelas. Por essa ra-zão, os percursos apresentados são sempreacompanhados de todo o processo que lhe deuforma. Daí que os materiais subjacentes aoprocesso, desde os instrumentos de pilotagemaos produtos dos alunos, se encontrem afixa-dos nas paredes da sala onde está a decorrer asessão, servindo, portanto, de cenário pedagó-gico àquele espaço. É que dessa forma ficamais facilitada a compreensão daquilo que secomunica e, por outro lado, constituem-secomo detonador de novas sugestões e opiniõesque contribuem para o seu melhoramento, fa-zendo-as evoluir. Num segundo momento,reunem-se todos os grupos em plenário. Aí,debatem ou um tema das Ciências da Educa-ção, que seja do interesse de todos, porque osinquieta nesse momento, ou então, dá-se a co-nhecer investigações recentemente concluídas,que incidam sobre aspectos do Modelo Peda-gógico do MEM, por constituirem importantescontributos para melhor reflectir as práticas.Deste modo, vai-se articulando teoria e prá-tica, tentando-se avançar no sentido de umamelhor fundamentação pedagógica do que sefaz no dia a dia da profissão. Depois, logo após

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um breve intervalo, esses profissionais reú-nem-se em Conselho de Núcleo. Antes de des-crevermos esta estrutura reguladora, que equi-vale ao Conselho de Cooperação Educativa desexta-feira com os alunos, faremos uma apre-sentação dos grupos cooperativos, por serem omotor do Conselho, que correspondem no seuModelo Pedagógico, aos projectos dos alunos.Por isso, tal como estes, também os professo-res têm que prestar contas ao grupo de colegasda forma como aqueles estão a decorrer.

1.2. Os Grupos Cooperativos

São um espaço por excelência de autofor-mação cooperada, a alma do Movimento,como os próprios associados lhe chamam.Neste sentido, refere Niza (1999): «[o]s gruposde trabalho cooperativo nos Núcleos são a estru-tura central da autoformação cooperada. Se osdeixarmos desaparecer, extinguir-se-á, a ener-gia que sustenta o nosso Movimento» (p. 3).

Têm uma função muito forte de apoio àspráticas pedagógicas concretas, desenvol-vendo-se, nesse sentido, quer projectos de in-vestigação que as façam avançar, quer projec-tos de estudo que visam o seu aprofunda-mento teórico, de forma a que aquelas possamacompanhar os avanços que ocorrem nasCiências da Educação. Organizam-se no Con-selho de Núcleo do primeiro sábado pedagó-gico de cada ano lectivo, a partir dos interessese das necessidades manifestadas pelas pessoasali presentes, tal como acontece com os pro-jectos dos alunos. Por exemplo, só no NúcleoRegional de Lisboa, durante o ano lectivo de2003/2004, existiram cinco grupos de trabalhocooperativo: Expressões (Pré-Escolar); Mate-mática (1.º Ciclo); Ficheiros (1.º Ciclo); Listasde Verificação (1.º Ciclo) e o Projecto de Apro-fundamento do Modelo Pedagógico da EscolaModerna Portuguesa (Ensino Superior). Aindaa este propósito, vale a pena salientar umaperspectiva mais ampla da dinâmica que segera, ou seja, darmos um retrato dessa estru-tura de cooperação formativa ao nível nacio-

nal. Cremos que dessa forma só o número nospode então ajudar a melhor compreendermoso efeito multiplicador e potenciador da acçãoreflexiva e de aprofundamento dos saberesprofissionais aí desenvolvidos. Neste sentido,sublinha Marcelino (2002), que no decurso doano lectivo 2000/2001,

funcionaram sessenta e um grupos, organi-zados por níveis de ensino: doze no Pré-escolar,vinte e cinco no Primeiro Ciclo do Ensino Bá-sico, oito nos Segundo e Terceiro Ciclos do En-sino Básico e Secundário e dois no Ensino Supe-rior, e ainda sete formados por professores quetrabalham nos Apoios Educativos, seis forma-dos por professores de dois ou mais níveis dife-rentes e um que inclui professores de diversosNúcleos Regionais (p. 59).

É esta participação activa dos professoresno desenvolvimento e aprofundamento dassuas próprias práticas que faz existir estes pro-fissionais em Movimento, através desses com-promissos publicamente celebrados em Con-selho. E como pretendem dar maior sentido àcooperação, fazem da partilha uma constante,multiplicando os canais de comunicação. (Essegosto de partilhar os saberes profissionais en-tão construídos é uma das marcas deixada, noMEM, por João dos Santos). Por isso, em Con-selho de Núcleo se vai dando conta do desen-rolar dos projectos, o que permite reflectir numgrupo mais alargado de colegas as dificuldadessentidas, implicando a todos na procura de so-luções.

É também esse circuito de comunicação rea-limentado pelo Conselho que dinamiza e sus-tenta a motivação e o interesse dos formandos edos formadores: pela energia que acrescenta aoprocesso; pela participação activa para que mo-biliza; pela auto-determinação que confere; pe-los afectos e solidariedade que explicita; pela in-terajuda e partilha que revela.

Nele se aprofundam implicações que o nãodito e o explícito da cooperação proporcionam eque a negociação das decisões desenvolve até aociclo seguinte marcado pelo Conselho. As aspi-rações e os desejos sustentam os motivos queganham em cooperação, progressivamente, no-

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vos sentidos sociais e mais democráticos (Niza,1997, p. 32).

De igual modo, quando as ComissõesCoordenadoras dos Núcleos Regionais apre-sentam em Conselho de Coordenação Pedagó-gica (CCP) o trabalho realizado nos Núcleos,podem, então, pôr à discussão, naquela instân-cia reguladora da actividade pedagógica doMEM, essas dificuldades com que se deparamos grupos de trabalho cooperativo, tendo emvista uma reflexão cooperada que aponte no-vas estratégias para o prosseguimento dos pro-jectos. Com efeito, é no último sábado peda-gógico do ano, que se realiza o balanço do tra-balho desenvolvido pelos grupos cooperativos,fazendo esses, aí, uma primeira apresentaçãodos saberes então construídos. Porém, para darmaior sentido social a essas aprendizagens, sãotambém comunicadas em congresso e poste-riormente, divulgadas na revista da Associação(Escola Moderna), de forma a que possam con-tribuir para a formação de todos os associados.No entanto, o trabalho destes grupos não seesgota aí. Mais tarde, podem voltar a ocupar ocentro das reflexões cooperadas em tardes deConselho de Coordenação Pedagógica. Dessaforma, pretende-se, por um lado, fazer circularaqueles saberes e, por outro, a sua reelabora-ção. É verdade que desde a primeira hora, tam-bém se têm revelado num importante espaçode reflexão e construção de instrumentos demonitoragem e outros materiais de apoio àspráticas, mostra-o, claramente, o grupo daslistas de verificação e dos ficheiros, atrás refe-ridos.

O Centro propulsor dessa estrutura é, po-rém, o Conselho mensal de desenvolvimentodos projectos de trabalho cooperativo de cadaNúcleo. O Conselho de Núcleo desempenha afunção de cooperação formativa (Conselho deCooperação Formativa) e constitui-se como umdispositivo de agregação das experiências reali-zadas pelos associados e pelos grupos de traba-lho cooperativo. É a instância fundamental deinter-regulação das acções dos Núcleos, o ins-trumento multiplicador das ideias e a plata-

forma colectiva de coordenação da pesquisa eda formação. Nele se articula e sustenta o pla-neamento e a avaliação cooperados. Nele se ali-menta a comunicação e se dinamiza o processointeractivo e motivacional que alicerça todo oMovimento da Escola Moderna (Niza, 1999,p. 3).

1.3. O Encontro Nacional da Páscoa

É um espaço de reflexão interna. Significaisso que durante dois dias, todos os olhares sevoltam para dentro da comunidade profissio-nal que formam, interrogando-se como mem-bros que a fazem existir, isto é, um tempo debalanço da vida do Movimento. É por essa ra-zão, o único espaço reservado apenas a sócios.Ora, ao ser um momento de análise, é, natu-ralmente, também de desenvolvimento doMEM. Pois, como sublinha Bolívar (1999), «aavaliação é um instrumento para proporcionarinformação com vista aos reajustes necessáriosno processo...» para o fazer evoluir (p. 51).Como tal, essa co-avaliação tem como objec-tivo perspectivar a vida futura da Associação.No entanto, para responder a necessidadespontuais dos sócios, há já alguns anos que temvindo a integrar nestes encontros a reflexão dealguns aspectos da vida das escolas e a formacomo os profissionais do Movimento se si-tuam em relação a eles, ou seja, como os geremnas suas turmas de acordo com a cultura doMEM. Destacam-se, por exemplo, as Necessi-dades Educativas Especiais de Educação, a Au-tonomia e Gestão das Escolas, o Resultado dasProvas Aferidas em Turmas que utilizaram oModelo do MEM, a Área Escola, a Gestão Fle-xível dos Currículos, como realizar uma Edu-cação Inclusiva no Modelo do MEM, a Reorga-nização Curricular no Ensino Básico e o Pro-jecto Curricular de Turma, entre outros.

1.4. Os Encontros Nacionais de Especialidade

São um tempo de discussão e reflexão sobreproblemas muito específicos que vão aconte-cendo nos diferentes graus de ensino. Por isso,durante todo o dia, os professores ali reunidos

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dizem uns aos outros tudo aquilo que os in-quieta no quotidiano do seu trabalho com osalunos. A partir dessa análise-diagnóstico dasdificuldades sentidas nas escolas, reflectem assuas práticas concretas e em colectivo elabo-ram estratégias cooperadas que lhes permitamultrapassar essas dificuldades, porque esse é oseu objectivo: com os demais encontrar res-postas para os problemas que estão a ser vivi-dos em contexto escolar pelos associados. Apropósito destes, pode ler-se no Jornal do Con-selho de Novembro (2003):

é importante que estes encontros permitamresponder aos problemas que vamos identifi-cando no nosso trabalho (ao invés de visarem otratamento de assuntos que decorrem da buro-cracia das instituições escolares). Tal opção su-põe que os Núcleos tenham dinâmicas de traba-lho ricas. Fundamental é também que com-preendamos que não podemos avançar semsermos francos uns com os outros e que o ob-jectivo não é estabelecermos normas morais co-muns a todos, mas fazermos reflexões éticas so-bre a nossa intervenção..

1.5. O Congresso Nacional

É um dos momentos altos no sistema de au-toformação cooperada do MEM. Realiza-seanualmente no mês de Julho, sendo o local es-colhido pela Direcção da Associação, no con-gresso precedente, obedecendo a selecção aum critério de rotatividade, em relação às cida-des onde estão sedeados os dezassete NúcleosRegionais. Quanto ao figurino, segue o mesmodos sábados pedagógicos, verificando-se ape-nas uma diferença de ordem temporal, poisnão ocupa uma tarde como aqueles, mas simquatro dias. A este propósito, diz Sérgio Niza:

a estrutura do congresso, no fundo, é a es-trutura mínima de sábado alargado. É só isso.Tem sessões de hora e meia para as pessoasapresentarem o seu trabalho aos outros e discu-tirem. Tem momentos de hora e meia em pai-néis, em debates alargados... e o congresso éisto... Como nem todas as pessoas podem dizernaqueles dias (do congresso) das coisas que le-

varam temos uma grande exposição de traba-lhos dos alunos (González, 2002, p. 212).

De facto, esta espelha toda a sua cultura pe-dagógica. Pois, como sublinha Daniels (2003),«as exposições artísticas formam parte do sis-tema de signos que constituem a cultura dasescolas e que mediante esses actos de publici-dade se dá a conhecer os princípios que regu-lam o currículo» (p. 224).

Contudo, para darmos uma ideia mais pró-xima do que na realidade ali se passa, importadizer que, normalmente, se fazem naquelecontexto umas noventa comunicações distri-buídas pelos quatro dias do congresso, atravésdas quais os profissionais do Movimento mos-tram as suas práticas e a partir delas reflectemcom os colegas a melhor maneira de poderemajudar os alunos, de modo a que estes alcan-cem o êxito desejado. Para além destas, de re-ferir também, um momento diário de traba-lhos em colectivo. Assim sendo, o primeiro diaé marcado pela conferência de abertura, atra-vés da qual, houve em determinada altura,uma tentativa de rememorizar pedagogos ecorrentes que inspiraram o MEM, tendo já sidolembrados: Maria Amália Borges, Álvaro Vianade Lemos, Freinet, Rui Grácio, João dos Santose, ainda, a Escola Nova. Assistimos, também, aum painel tanto no segundo como no terceirodia, que se destina, sobretudo, à divulgação deinvestigações desenvolvidas no âmbito demestrados e doutoramentos que incidam sobreaspectos do MEM ou então, sobre práticas es-pecíficas de trabalho com os alunos. Final-mente, realiza-se na segunda parte do últimodia, um fórum para debate livre da pedagogiado MEM, que decorre da leitura e discussão doDiário do Congresso. Como se constata, tam-bém aqui se vai articulando teoria e prática.Note-se, no entanto, que o congresso é muitomais do que uma montra gigante de pedago-gia. É, de facto, um dar conta do trabalho doano e da forma como se realizou, porque se en-tende que essa transparência, ou seja, a avalia-ção é fundamental, enquanto fonte de pro-

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gresso e ponto de partida de um novo trabalhoque permita completar ou reparar qualquer fa-lha então detectada. Na verdade, o trabalho deaperfeiçoamento cooperado das práticas é paraestes profissionais uma constante, isto é, umadas suas características, aquilo que os juntou epara que se encontram. Como diz Sérgio Nizaa González (2002), «toda a história do movi-mento parte da necessidade de os professoresse encontrarem para, nesse encontro, sustentara sua vida profissional e melhorar as práticasprofissionais» (p. 107). Concretamente, o con-gresso consiste num balanço público e anualda pedagogia do MEM, onde se dá destaqueaos progressos então alcançados.

1.6. Os Cursos de Iniciação ao Modelo

Destinam-se a todos aqueles que desejaminiciar o modelo pedagógico do MEM, bemcomo aos seus associados com uma práticapouco consolidada da sua pedagogia. Sãoorientados pelos sócios com mais experiênciae decorrem numa sala de aula de um profissio-nal do Movimento, para que a interacção per-manente dos formandos com o cenário alimontado lhes proporcione uma familiarizaçãoda sua organização. A iniciação dos recém-chegados aos MEM vem contemplada no art.º43 do seu Regulamento Interno, que diz:

1 – A iniciação dos novos sócios no modelopedagógico do Movimento da Escola Modernafar-se-á, nomeadamente, através de:

a) Cursos de iniciação;b) Estabelecimento de um contrato de for-

mação de pelo menos um ano, que estabeleça asresponsabilidade assumidas por cada uma daspartes;

c) Acompanhamento sistemático por um dossócios mais antigos do Núcleo Regional;

d) Integração dos mesmos na vida associa-tiva regional e nacional (p. 13).

São duas as modalidades: oficina e estágio.A primeira é uma porta de entrada no modelo,tratando-se, por isso, como diz Sérgio Niza, deum curso de atelier, onde se fazem os primei-

ros ensaios em relação a esse. É, fundamental-mente, uma entrada assistida na sua culturapedagógica, enquanto suporte para a imple-mentação do modelo pedagógico. Bem pelocontrário, o estágio é já um compromisso deaplicação integral daquele, tratando-se, assim,de um contrato em que uma das partes se res-ponsabiliza por integrá-lo na sua prática peda-gógica e a outra a fazer a sua supervisão aolongo de todo o ano, acompanhando todo oprocesso de experimentação efectiva do apren-dente, tendo assim, uma função reguladora doprocesso de formação. Em qualquer uma des-tas duas modalidades a formação vai sendoapoiada com a participação dos formandos nasrestantes actividades de formação realizadasno MEM.

1.7. As Tardes de Conselho de Coordenação1.7. Pedagógica

Têm como finalidade discutir e aprofundaro modo como se trabalha com os alunos nomodelo pedagógico do MEM, a partir de te-máticas específicas já reflectidas no interior degrupos cooperativos, estando, por isso, a cargodestes a dinamização dessas discussões coope-radas. No fundo, o Conselho de CoordenaçãoPedagógica pretende apoiar essas aprendiza-gens, reconstruindo-as, em função de andai-mes que negociadamente vai estabelecendo.Como tal, constituem-se num instrumento dedesenvolvimento profissional daquele colec-tivo. Nesse contexto comunitário, «a aprendi-zagem e o ensino na zdp oferecem ao mesmotempo a garantia de um grau de continuidadecultural e a oportunidade de uma transforma-ção criativa e de desenvolvimento ulterior»(Wells, 2001, p. 335).

Em suma, trata-se, portanto, de uma forma-ção que privilegia a práxis pedagógica radicadaem valores democráticos. Desenvolve-se pelaanálise das práticas profissionais efectivas, pelareflexão e aprofundamento teórico em coope-ração formativa, no contexto histórico-culturalde uma instituição que se constrói com os pro-

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fissionais de educação nela integrados. Nestesentido, sublinha Niza (1992c).

Não somos uma corporação, não é a um «es-pírito de corpo» que aspiramos. Constituímosantes um Colégio colaborante onde em comumtrabalhamos sobre as nossas obras. O tudo quenos vai espantando por sermos vários, multipli-cando cada coisa, é o deslumbrante movimentode cultura pedagógica que assim vamos er-guendo. Insatisfeitos. Mas sempre renovada-mente curiosos e críticos. Continuamos olhandono espelho poliédrico do Movimento as nossaspráticas. São as nossas vidas profissionais queco-avaliamos. Nessa reflexão cooperada recons-tituimos e damos forma às vivências pedagógi-cas. Este esforço de dizer as coisas da profissãopara a tornar partilhável, acrescenta-lhe sentidosocial e diminui a insegurança com que nos con-frontamos com o indizível do acto educativo(p. 40).

Na verdade, a obra de (re)construção perma-nente da profissão que este colectivo vem de-senvolvendo, através do seu sistema de auto-formação cooperada, foi ganhando a con-fiança, quer dos seus pares, quer mesmo porinstituições universitárias ligadas à formaçãode professores, hoje, por elas reconhecidocomo um modelo de referência. A esse propó-sito diz Estrela (1992).

Como associação de «formação cooperada»o Movimento da Escola Moderna tem sido emPortugal a organização mais coerente na Forma-ção de Professores. Este Movimento, pelas suascaracterísticas próprias tem dado origem a umaverdadeira dinâmica formativa. Nunca houve e,será difícil, num futuro próximo encontrar outraestrutura que tenha proporcionado uma práticamais coerente daquilo que actualmente sechama a formação contínua e/ou formação emserviço (p. 19).

Como vimos anteriormente, Nóvoa (1992)também partilha da mesma opinião. Não obs-tante, enquanto Vice-Presidente da SociedadePortuguesa de Ciências da Educação, sublinhanas comemorações dos 25 anos do MEM:

É raro que os movimentos pedagógicos man-tenham a sua vitalidade durante largos períodos,prolongando-se para além da geração que osfundou. Ao comemorar os seus 25 anos, o Mo-vimento da Escola Moderna anuncia um grandedinamismo, alicerçado em ideias e em valoresque têm marcas profundas. As ciências da edu-cação devem tudo a estes homens e mulheres, aestes colectivos organizados, que sempre se ba-teram pela valorização de um pensamento crí-tico feito pelos e com os professores. Eles são por-tadores do que há de melhor na pedagogia por-tuguesa (p. 26).

Nesta mesma linha, situa-se Formosinho(1998), quando diz a propósito das comemora-ções dos trinta anos de vida desta Associação:

queria fazer dois grandes elogios ao MEM.Primeiro, pelo feito de ter vivido, ter resistido eter-se afirmado num modelo que sempre sus-peita de tudo o que não vem do centro, pelofeito que são, em si mesmos, os trinta anos devivência numa cultura burocrática. Segundo,pelo contributo que deu para, na educação pré-escolar e no primeiro ciclo, se superar um certoatomismo, uma certa fragmentação, uma certabalcanização, e se dar um sentido às práticas dosprofessores que estão isolados, que não contac-tam uns com os outros. Através do MEM, edu-cadores e professores conseguem partilhar ex-periências e dar um sentido à sua actuação nosjardins de infância e nas escolas primárias.Nisto, não têm realmente paralelo em Portugal(p. 22).

De modo análogo, Trindade (2003), quepara a elaboração da sua tese de doutoramentoseleccionou o MEM para nesse contexto estu-dar os discursos inovadores no 1.º CEB, tendojustificado a sua escolha apoiando-se no reco-nhecimento público da instituição, dizendo,então, a esse propósito:

– O MEM é um movimento detentor de umacultura pedagógica e de uma história que sãopublicamente reconhecidas. Não estamos, porisso, perante uma manifestação efémera de umqualquer modismo pedagógico;

– O MEM é, também, um movimento quedesenvolve discursos didácticos em torno da

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afirmação de um projecto de transformação daEscola e do modelo de educação escolar. Não es-tamos, assim, perante uma qualquer manifesta-ção que expressa um investimento pedagógicoparcelar, feito a partir da transformação de umcampo disciplinar, o que constitui uma razãocom um peso particular num trabalho dedicadoao 1.º CEB;

– O MEM é, finalmente, um movimento cujareflexão é sustentada em função do desenvolvi-mento de intervenções concretas nas escolas enas salas de aula deste país. Não estamos, então,perante a produção de discursos em que a suadimensão praxeológica constitui, sobretudo,um factor de legitimação, algo circunscrito, doprocesso de construção teórica dos mesmos(p. 457).

Com efeito, no seu olhar de esperança pelofuturo da Educação em Portugal, João dos San-tos intuira já que por intermédio deste Movi-mento (de que ele fazia parte integrante) se po-deria esperar um importante e valioso contri-buto para essa tão desejada transformação daEducação, por forma a que os seus efeitos, fos-sem, de facto, aquilo a que, hoje, assistimoscom a pedagogia construída e praticada pelosassociados do MEM: um respeito integral e au-têntico por todas as crianças deste país, sem ex-cepção. Um inegável contributo para a constru-ção de uma sociedade mais justa e melhor, umcaminho para o enriquecimento da humani-dade com que João dos Santos sempre sonhoue por ele sempre lutara até às últimas das suasforças. Di-lo de uma outra forma uma sua estu-diosa, Carvalho Branco (2002), quando refere:

... sei do justo apreço que João dos Santosnutria pela Escola Moderna e pela sua impor-tância e papel que desempenha no panorama daEducação e da Pedagogia em Portugal... quandoSérgio Niza funda a Escola Moderna, apoia-o,torna-se seu sócio e nunca mais deixa de subli-nhar a missão que cabe à Escola Moderna natransformação, na crítica e na vivificação cons-tantes da Educação em Portugal (pp. 5 e 10).

Transformação essa que decorre deste pro-cesso continuado em que cada um ensina ou-tros. Esse é o motor do desenvolvimento pro-

fissional destas pessoas que se juntaram paraem comum se formarem uns aos outros. Pois,tal como afirmava Bruner (1996) a melhor ma-neira de aprender é ensinar. Ora, esta é tam-bém a razão dos avanços acabados de proferirpor figuras de tão grande prestígio, quer em re-lação ao Modelo de Formação, quer em relaçãoao Modelo Pedagógico do Movimento. Na me-dida em que esse colectivo está permanente-mente a formar-se, daí, sistematicamente, vãobrotando novas práticas, ou seja, outros profis-sionais, e, consequentemente, outra escola. Éassim que se afirmam civicamente, atravésdesse efeito multiplicador que os mantêm emconstante evolução, com reflexos directos nasociedade em que intervêm.

Evidentemente que ao iniciarmos uma ca-racterização do MEM começando pela descri-ção do seu sistema de autoformação coope-rada, quisemos, deste modo, dar uma visãoclara e natural da forma como essa comuni-dade de profissionais de educação se vai cons-truindo a si própria, através das vivências efec-tivas na profissão docente dos seus membrosem movimento. Nesse sentido, dissemos queconstruíam a profissão dizendo e mostrandouns aos outros aquilo que durante o seu de-sempenho realizavam em colaboração com osalunos, e que era por meio dessas pausas refle-xivas que, sistematicamente, iam então desen-volvendo uma cultura pedagógica específica, adeles, ou, melhor dito, a do MEM. Pois, comodiz Niza (1992b), «uma formação permanentede professores obriga à construção perma-nente de uma escola outra, sempre outra»(p. 36). Aí está uma boa razão que justifica ofacto de se afirmarem como uma comunidadeem Movimento, porque se (re)constrói conti-nuadamente.

Depois, pretendíamos também, ao darmosdestaque à sua matriz fundadora – ao sistemade autoformação cooperada – proporcionaruma compreensão mais facilitada daquilo que,ao nível internacional, os diferencia dos res-tantes Movimentos da Escola Moderna, porser essa a razão que está por detrás dos avan-

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ços pedagógicos que tem conseguido alcançarem relação aqueles. Assim, e segundo Niza(1992b),

Só o nosso grupo tem como matriz funda-mental a promoção dos professores, a constru-ção autogerida da sua formação. É essa forma-ção que construirá as pedagogias possíveis nascidades reais, mas sempre as pedagogias maisambiciosas para fazer progredir os homens e asmulheres (em criança, enquanto se estão a criar).Essa é uma diferença radical em relação a Frei-net que quis construir uma escola (p. 36).

Eis aqui aquilo que distingue o MEM, o quefaz com que a sua pedagogia seja coerente,acrescentando à sua estrutura organizativa(cooperação) maior sentido social, porque osseus membros se juntam para resolver os pro-blemas efectivos da comunidade. A formacomo o fazem contribui para o seu desenvolvi-mento profissional, porque ao utilizarem naintervenção um dispositivo metacognitivo,este, confere um sentido ético à profissão deprofessor, enquanto esforço constante que essecolectivo vai desenvolvendo para a tornar orapartilhável ora cada vez melhor, porque maisjusta e eficaz. Ao fazê-lo, partem do pressu-posto de que a construção democrática do actode educar tem reprecuções futuras na nossa so-ciedade. A este propósito, sublinha Nóvoa(1998):

O que melhor caracteriza o Movimento daEscola Moderna é a sua cultura pedagógica. Ba-seada em valores democráticos, esta cultura as-senta numa forte responsabilização profissionale num compromisso com a educação de todasas crianças. É uma cultura partilhada, construídano esforço de pensar as práticas e de dar um sen-tido ético ao trabalho educativo (p. 15).

Neste contexto, parece-nos ter chegado omomento ideal para darmos uma definiçãooperacional do que, ao nível interno do próprioMovimento, se entende por Escola Moderna:

o que chamamos de Escola Moderna não épara nós uma instituição educativa, mas um de-

vir pedagógico. É uma forma de pensar e de agirna educação escolar que decorre da construçãoem desenvolvimento da nossa Profissão de Edu-cadores, pelo trabalho de reflexão e de aprendi-zagem que, em cooperação, vamos edificandono interior do Movimento (Niza, 2003, p. 3).

2. Raízes Históricas e fundação 2. do Movimento da Escola Moderna 2. em Portugal

Porém, antes de nos centrarmos nos efeitosda construção cooperada da profissão docente,que se constituem no seu património cultural,com destaque para o Modelo Pedagógico, fare-mos uma apresentação, embora breve, daque-les que são, hoje, as suas raízes históricas, porterem sido o seu ponto de partida, aqueles re-ferenciais que vivem nas suas memórias comoum modelo que lhes permitiu avançar para aconstrução do seu próprio modelo, o suporteteórico deste nas primeiras horas. Se o faze-mos, é porque sabemos o quanto prezam o seuexemplo de prática pedagógica, pela importân-cia que sempre deram à cultura, como o pude-mos já constatar. Mas também, porque nosdão a conhecer a sua descendência pedagógica,proporcionando-nos esta uma visão mais am-pla e mais completa da história cultural que sefoi desenvolvendo nessa comunidade deaprendentes e das marcas profundas que umabase de apoio sempre deixa na obra em cons-trução. Assim, e segundo Nóvoa (1998)

O Movimento da Escola Moderna percebeu,desde o princípio, que não há educação (nempedagogia) sem raízes, que o futuro de qualquermovimento associativo se conquista, antes demais, na capacidade para criar alicerces notempo histórico. E o MEM criou um passado.Pacientemente, desvendou as filiações e juntouas teias de homens e mulheres que marcaram apedagogia portuguesa, sobretudo na primeirametade do século XX. A partir de Rui Grácio, deMaria Amália Borges de Medeiros e de João dosSantos foram descobrindo António Sérgio, Ál-varo Viana de Lemos, Adolfo Lima e Faria deVasconcelos, encontraram a Escola Nova e cer-

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tas correntes da pedagogia liberal republicana.O Movimento da Escola Moderna inventou, as-sim, um passado. Do qual se fez, legitimamente,herdeiro (p.14).

Com certeza que falamos de um passadoque se foi construindo de encontros, de fortesligações pelo trabalho pedagógico e da passa-gem de uns para os outros de testemunhos en-tão vividos no plano da pedagogia. Esses, iamdando origem a muitos outros, era uma explo-são de encontros que se sucediam em espiral.Pois, tal como diz Niza (1992b), «uma culturarequer uma tradição, requer uma repetição degestos, de hábitos que se transmitem empirica-mente» (p. 34). Neste sentido, como acaba dereferir Nóvoa, o seu passado mais distante liga--os aos pedagogos da 1.ª República, inspiradospela corrente internacional da Educação Nova.

Aqui, sobressaem quatro grandes pedago-gos enquanto construtores dos seus alicercesno tempo histórico. Neste sentido, queremosentão realçar, em primeiro lugar, Adolfo Lima,figura de grande dinamismo que esteve ligadoàs principais experiências pedagógicas do iní-cio do século XX, e que veio a ser o primeiroresponsável português da Liga InternacionalPró-Educação Nova. Em segundo lugar, apraz-nos distinguir Faria de Vasconcelos, o nosso em-baixador pedagógico além fronteiras, que sedestacou como fundador da Escola Nova deBierges-Leswavre, na Bélgica, e ainda, comoprofessor do Instituto Jean-Jacques Rousseau,na Suíça, onde teve o privilégio de ter traba-lhado «ao lado de Claparède, Bovet e Ferrière»(Fernandes, 1998, p. 27). Do seu currículo des-taca ainda Fernandes (1998), o facto de ter co-laborado, em parceria com António Sérgio, noprojecto de reforma de João Camoesas. Mas,não podíamos deixar de referir outro aspectode relevo na reconstituição da história culturalque se vem desenhando, o ele ter sido profes-sor de Maria Amália Borges, na Universidadede Lisboa, pela influência que exerceu nestenome tão ligado à história do MEM. Contudo,urge lembrarmos, em terceiro lugar, uma da-quelas personalidades que deixou profundas

marcas no que é, hoje, o Movimento, é claroque nos referimos a António Sérgio, com quemalguns dos fundadores do MEM se relaciona-ram. De salientar, que este esteve à frente daliga após a prisão de Adolfo Lima, por indicaçãode Adolphe Ferrière. Por último, merece queseja posto em relevo o esforçado trabalho de-senvolvido por Álvaro Viana de Lemos, o qual setornou o grande animador pedagógico daépoca, criando, por isso, à sua volta, um amplocircuito de comunicações que tornavam co-nhecidas as práticas inovadoras que então sur-giam em diversos lugares. Dessa rede de rela-ções que estabeleceu, destaca-se ao nível inter-nacional, a sua ligação a Célestin Freinet, queviria a ser, nos primeiros tempos de vida doMEM, a sua matriz de trabalho. Graças à cor-respondência que ambos trocaram, pode entãointroduzir em Portugal, quer dizer, na Escolado Magistério Primário de Coimbra onde eradocente, algumas das técnicas desenvolvidaspor aquele prestigiado pedagogo francês, dequem se havia tornado amigo, sobretudo, umaimprensa escolar, que o próprio Freinet lhe en-viara. De notar que essa, bem como todo o seuespólio, onde se destaca, a este propósito, acorrespondência que trocou com Freinet e al-gumas produções e cadernos dos alunos queesse reconhecido pedagogo francês lhe enviou,são hoje pertença do Movimento da EscolaModerna, que guarda no seu Centro de Recur-sos da Rua do Açúcar. Lembra ainda Fernandes(1998), que apesar de todo o esforço que Ál-varo Viana de Lemos fez para divulgar a im-prensa Freinet e restantes técnicas, com vista àsua implementação em algumas escolas donosso país, como também salienta Nóvoa(1998), foi um trabalho que o Estado Novo nãodeixou que desse frutos.

Por isso, só volvidas cerca de três décadas(1958), é que uma educadora de infância (Ma-ria Isabel Pereira) redescobre em França Celes-tin Freinet e o Movimento da Escola ModernaFrancesa. De regresso a Portugal partilha comMaria Amália Borges as novidades entusiásti-cas que então trouxera de França, isto é, o seu

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encontro com a pedagogia freineteana (Henri-que, 1992).

Esta, que desde a sua adolescência vinha de-fendendo uma escola que respeitasse a criança ea ajudasse a descobrir as suas tendências, apon-tando como estratégia indispensável a criaçãode um ambiente estimulante e compreensivo,na tentativa de promover o desenvolvimento in-tegral da sua personalidade, não podia deixar deficar deslumbrada com o relato que a sua amigalhe fizera sobre as Técnicas de Freinet (Serralha,1999, p. 30).

De tal forma que, a partir desse momento,essas, passaram então a orientar todo o traba-lho pedagógico de Maria Amália. Primeiro, naescolinha que abrira dentro da sua própriacasa, em parceria com Rosalina Gomes de Al-meida e Graça Baraona Fernandes. Depois,dando-lhe continuidade já no Centro InfantilHelen Keller, que ela mesma fundara junta-mente com Henrique Moutinho (Oftalmolo-gista) e João dos Santos (Pedopsiquiatra). Nãoobstante, mais tarde, mas ainda à frente destainstituição, desenvolve esforços para que asTécnicas Freinet chegassem ao conhecimentode maior número de educadoras, para que as-sim, estas, as pudessem então vir a adoptar,promovendo, nesse sentido, acções de forma-ção, cuja coordenação ficou a cargo de SérgioNiza. Essa época, corresponde, de facto, a umafase de intensa divulgação da Pedagogia Frei-net.

Houve, de facto, uma relação estreita entreos principais fundadores do MEM (Sérgio Nizae Rosalina Gomes de Almeida) e algumas dasfiguras que integram essa tradição pedagógicaportuguesa, das quais se destacam, por exem-plo, Rui Grácio e Maria Amália Borges, por te-rem sido o seu elo de ligação a muitos outrosnomes de grande prestígio pedagógico ao nívelinternacional. Pois, não há dúvida, de queaqueles foram, de facto, a porta de acesso paraum convívio que lhes permitiu tomar contactocom as experiências pedagógicas mais signifi-cativas que, na época, ocorriam tanto no nossopaís como por toda a Europa.

É, então, por intermédio de Rui Grácio, queSérgio Niza veio a conhecer não só a obra deAntónio Sérgio como a ele pessoalmente. Asua nova concepção de escola: o Município Es-colar – Escola de Trabalho deixou profundasmarcas no MEM. Assim sendo, lembre-se en-tão, que

o fundamental na doutrina Sergiana, é quena escola os educandos se possam organizarcomo os adultos num município, e assim vãoaprendendo, na prática, a desempenhar os pa-peis sociais da cidadania, a conhecer pela suaprópria experiência como funciona a sociedade,e a assumir cada vez mais a responsabilidadedos seus actos e decisões, até a plenitude da-quilo porque responde o cidadão; treinam-separa tomar decisões e, nas assembleias, as deli-berações que a todos eles interessam como sereshumanos que se vão realizando. Este jogo de pa-péis sociais não diz respeito tão só à vida cívica,porquanto a escola é também oficina (se quiser-mos, fábrica, banco, empresa, em suma), e as-sim as suas relações escolares serão igualmenterelações de trabalho. Aliás este trabalho é tantocientífico como manual, em ambos os casos res-ponsabilizador; além da formação artística ecorpórea que a escola lhes dá ainda (Godinho,1984, p.6).

Assim, no essencial, Sérgio (1984) entendeque, na escola, os alunos se formam na «acção,pela acção» (Godinho, 1984, p.12), dando, porisso, especial destaque às vivências que aque-les fazem em conjunto com os demais, já queé por seu intermédio que adquirem competên-cias várias e se apropriam dos valores demo-cráticos, nas «inter-acções» que realizam. É,portanto, por meio dessa vida e trabalho emcomum (cooperação), que cada um aprende aser cidadão, isto é, que os alunos se formam.Resumidamente, podemos dizer, que AntónioSérgio concebe a escola como sendo um es-paço de formação ética, a qual resulta de umaprática reflexiva em torno da acção comunita-riamente desenvolvida (Godinho, 1984). Essa,garante então a sociabilidade ao grupo, apoiadanuma lei que autónoma e livremente eles esta-belecem e defendem, pois é aquilo que os go-

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verna, isto é, o elo de ligação e consolidaçãodas relações humanas, cimentadas pela solida-riedade que nasce e cresce dessa vida e traba-lho em comum. Daí, o apelo que faz à coope-ração, tendo em vista o desenvolvimento so-ciomoral da comunidade que formam. Nestesentido, sublinha:

se a escola lhe não fornece condições paragenuínos actos sociais, semelhantes às que de-pois, adulto, encontrará, a doutrina moral re-sulta oca, verbalista, cadavérica e, pelo tantoineficaz; é de necessidade absoluta que o alunose habitue a cooperar pelo bem de uma comuni-dade, e que a escola reproduza e mais possível aestrutura da vida social adulta.

Por outro lado, o hábito escolar de obedecera uma governação de que o estudante não parti-cipa amolda um futuro cidadão que aguentaráapaticamente todas as bandalheiras, todos osabusos, todas as traficâncias dos políticos deprofissão (Suas Excelências os profissionais queme perdoem, mas é isto mesmo) (Sérgio, 1984,pp. 40 e 41).

Pois bem, importa notar que, foi SérgioNiza quem primeiro transpôs para a práticaessa nova concepção de escola criada e descritapor António Sérgio, que tal como dissemos,lhe chega pelas mãos de Rui Grácio quandofora seu professor, em Lisboa, no Liceu FrancêsCharles Lepierre. Estávamos então no ano de1963, quando a experiência teve lugar numaescola de Évora. E, em consequência, ainda du-rante esse ano, Sérgio Niza viu-se forçado atrocar Évora por Lisboa, ao ter sido «impedidode ensinar pelo Conselho de Ministros» (Niza,1992b, p. 31). Ela corresponde, fundamental-mente, ao lançamento da primeira pedra naconstrução efectiva do Movimento. Porém, éimportante salientar aqui outra experiência derelevo, na medida em que ajudou a alicerçar asbases que fundam esta comunidade de profis-sionais de educação. Referimo-nos, pois, aosCursos de Aperfeiçoamento Profissional noSindicato dos Professores do Ensino Particular,organizados entre 1963 e 1966 por Rui Grácio,tendo esses ficado a cargo de Sérgio Niza que

os coordenou. Estava com isto lançada uma se-gunda pedra na construção do MEM.

Foi ainda nesse grupo inicial de promo-ção/provocação pedagógica do Sindicato queIsabel Pereira descobriu a minha angústia e meconvidou a ir para o Helen Keller... Eu, que em1963 tinha construído com os meus alunos emÉvora, um município escolar, provavelmente oprimeiro no ensino público, a partir do que An-tónio Sérgio tinha descrito, encontro no CentroInfantil Helen Keller uma organização coopera-tiva. Imaginam o que foi o meu deslumbra-mento. Era a continuação do percurso (Niza,1992b, p. 33).

Com efeito, a entrada de Sérgio Niza (1965)no Centro Infantil Helen Keller, é, historica-mente, um aspecto marcante, por correspon-der a uma nova fase de difusão das TécnicasFreinet, que operacionaliza através de Estágiosde Formação de Professores, organizados paraesse efeito, com a designação de «Métodos eTécnicas de Pedagogia Activa». No fundo, as-sentavam, sobretudo, numa troca de experiên-cias entre os participantes. Nesse sentido, cadaum dos elementos do grupo expunha para osdemais o trabalho que desenvolvera com osalunos. Após esse relato de práticas, todos osoutros participantes contribuíam com as suasideias, dando sugestões que pudessem ajudar amelhorar o trabalho pedagógico que acabarade ser exposto ao grupo em formação. Na ver-dade, faziam-se ali os primeiros ensaios do queviria a ser, mais tarde, a autoformação coope-rada atrás descrita, um sistema de formaçãocom que Sérgio Niza sonhava há já algumtempo, pois tinha

a convicção de que a melhor formação se fazentre pares, cooperando, caminhando em con-junto. Só transitoriamente as relações verticaisnos podem ajudar, nos primeiros tempos devida (ou até em momentos mais frágeis do per-curso), porque as verdadeiras interacções educa-tivas, as mais fundas, as determinantes, cum-prem-se na relação entre iguais (Niza, 1992b,p. 32).

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Uma tal obsessão para juntar os professoresnuma estrutura cooperada de organização so-cial das aprendizagens profissionais, resultouda relação cultural que este pedagogo estabele-ceu, por um lado, como ele explica a Abrantes(2002),

Com João dos Santos, no Helen Keller e noClaparéde. João dos Santos tinha muito a ideiade que o mais urgente, nessa altura, era preparartécnicos. Tinha uma visão do futuro e passou-me essa prioridade. É por esse motivo que tenhotrabalhado, desde muito cedo, na formação deprofessores, sem ter de assumir necessaria-mente o papel de formador desses professores,mas sim num sistema de cooperação ou, comonós lhe chamamos, de auto-formação coope-rada (p. 15).

Por outro lado, há também aqui, sem dú-vida, como é evidente, uma forte influênciatanto de Rui Grácio, sobretudo, pelo trabalhoque com ele desenvolveu no Sindicato dos Pro-fessores como de António Sérgio. Esclarece-oem conversa com González (2002), subli-nhando então:

O trabalho que fiz com os colegas, primeirono Helen Keller para se constituírem em grupode cooperação... que decorria da minha expe-riência associativa, de mobilização dos meus co-legas, da necessidade que sentia que os profes-sores vivessem em grupo e discutissem as suascoisas... há aí muita influência de uma certadoutrina cooperativista de António Sérgio (p.204).

Finalmente, parece-nos essencial, destacarainda a influência que Freinet exerceu sobreesta urgência de juntar os professores numa es-trutura cooperada que faça avançar a práxis pe-dagógica. Aliás, mais uma vez, é Sérgio Nizaquem o salienta, numa entrevista que conce-deu à Noesis (1997), no primeiro centenário donascimento daquele pedagogo, referindo entãoque um

contributo indispensável de Freinet é termostrado que os avanços na pedagogia só se po-

dem fazer se os professores se juntarem e fize-rem em cooperação progressos nas suas práti-cas. Normalmente, os professores são muito in-dividualistas. Chegam a convencer-se que po-dem ser bons professores sozinhos.

Freinet mostrou como rompermos o isola-mento construindo partilhadamente a profissão(p. 72).

Em suma, foi o encontro daquelas três prá-ticas inovadoras a base essencial em que as-sentou o MEM. Primeiro, «a concepção de ummunicípio escolar, numa escola de Évora, apartir da proposta de Educação Cívica de An-tónio Sérgio, 1963/64» da autoria de SérgioNiza. Segundo, «a prática de integração educa-tiva de crianças deficientes visuais do CentroInfantil Helen Keller apoiada nas técnicas Frei-net» em que participaram Isabel Pereira, Rosa-lina Gomes de Almeida e Sérgio Niza. Ter-ceiro, «a organização, por Rui Grácio, dos Cur-sos de Aperfeiçoamento Profissional noSindicato Nacional dos Professores do EnsinoParticular, entre 1963 e 1966» (Niza, 1994) nosquais participaram alguns dos membros fun-dadores do MEM, relativamente aos quaislembra um deles:

Recordo que não passávamos de meia dúziade descontentes da profissão, os que animadospelo Sérgio Niza demos origem a este primeiroNúcleo criado durante o II Curso de Aperfeiçoa-mento do então Sindicato dos Professores, cujoorganizador fora o saudoso Dr. Rui Grácio (Al-meida, 1992, p. 27).

Eis que assim acaba de nascer (1965) oMEM. No entanto, o seu grande momento his-tórico dá-se em 1966, em Perpignan (França),onde teve lugar o Congresso organizado pelaFédération Internationale des Mouvementsd’École Moderne (FIMEM), então criada porFreinet, onde participaram alguns membros dogrupo português, sendo esse, aí, reconhecidopela FIMEM como seu grupo filiado, tendo en-tão sido nomeados Rosalina Gomes de Al-meida e Sérgio Niza delegados do Movimentoportuguês naquela Federação. De salientar, no

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entanto, que essa era uma época particular-mente difícil para o Movimento francês, quesem ter superado o luto em que os deixou amorte do seu fundador (Freinet morrera nessemesmo ano), vive então um período marcadopor uma profunda crise interna, provocada pordivergências tanto de ordem teórica como me-todológica, que deu origem a uma divisão en-tre os seus associados. Assim, uns, permanece-ram fieis à Pedagogia Freinet, enquanto outros,liderados pelo Fernand Oury fundaram ogrupo da Pedagogia Institucional, que desdeentão muito tem vindo a influenciar o Movi-mento português. De tal forma que logo em1966 se faziam sentir fortes repercussões nasideias do grupo português, por inspiração dosinstitucionalistas. Assim sendo, por sua in-fluência foram-se distanciando daquela quefora até então a sua matriz de trabalho – a Pe-dagogia Freinet. Como consequência, sublinhaNiza (González, 2002), que em 1970 já tinhamfeito a deslocação de um modelo pedocêntricopara um modelo sociocêntrico (p. 123).

Nesta época, por razões de ordem política oMovimento português ia-se construindo naclandestinidade, desenvolvendo o seu trabalhoapenas com professores do ensino particular.Como diz Sérgio Niza a González (2002),

Estávamos numa fase da vida portuguesaque precisávamos estar em entreajuda mais vivado que, provavelmente, noutro (momento)...também era um risco, e quem se arriscava já seauto-seleccionava... os professores teriammedo, e os que ousavam fazê-lo já constituíamuma fratria (p. 52).

É então, talvez por isso, que ainda hoje sediz que o MEM é formado por um grupo deamigos. De facto, quem deles se aproximasente-se logo num ambiente de família. A estepropósito, sublinha Nóvoa (1998):

O Movimento da Escola Moderna construiu-se como uma família de pares e de iguais, umafamília de partilha e de convívio, de muitas falase diálogos. A pouco e pouco, foi sendo vistocomo um colectivo de profissionais, a vários tí-

tulos exemplar, e, deste modo, foi influenciandopráticas de trabalho e formas de associação nocampo educativo (p. 15).

Como entretanto se deu o 25 de Abril, issopermitiu ao MEM, por um lado, criar condi-ções para a sua institucionalização legal. Dequalquer forma, a sua formalização jurídicacomo associação só aconteceu mais tarde, em1976, tendo sido publicada no Diário da Repú-blica n.º 265, III Série, de 12 de Novembro de1976. Por outro lado, pode, finalmente, alargara sua acção aos professores do ensino oficial,registando-se, nessa época, um crescimentosignificativo do número de associados.

Por último, queremos ainda referir algunsnomes ligados às Ciências da Educação quetêm vindo a exercer uma grande influência namentalidade do MEM, e, consequentemente,no trabalho que desenvolve. Entre esses, mere-cem especial destaque: Dewey, Vygotsky, Bru-ner e, mais recentemente, o grupo dos posvy-gotskianos (Cole, Wertsch, Rogoff, mas sobre-tudo, Wells e Daniels), porque representammarcas de viragem na história das ideias, assi-nalando, por isso, saltos qualitativos que foramdados na sua Pedagogia.

Nós, no Movimento, prezamos muito aconstrução de uma cultura pedagógica, por issoAntónio Sérgio, Freinet, Rui Grácio, MariaAmália Borges, são-nos queridos na memória,permitiram-nos chegar até hoje, foram uma re-ferência...

O percurso que vamos construindo é duro, édifícil, mas é exaltante. É deslumbrante. Nãochega para vida de cada um, extravasa semprepara além de tudo que nós somos, porque é umavontade que faz parte da vontade de muitos, deuma escolha, de uma história. Hoje, portanto, jánão somos António Sérgio, já não somos RuiGrácio, já não somos Maria Amália Borges, jánão somos Freinet. Somos aquilo que pudemosconstruir a partir deles e, quantas vezes, contraeles. Mas já não somos também nem eu, nem aRosalina; somos uma dinâmica muito forte econtraditória, com muitas áreas de luz e muitasáreas de penumbra, tal como a vida real, autên-tica, para sermos autênticos e verdadeiros (Niza,1992b, pp. 34 e 35).

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3. Organização da Vida Associativa 3. do MEM

Obviamente, que após o 25 de Abril esta-vam reunidas as condições que possibilitavamao MEM alargar o âmbito do seu trabalho a ou-tros profissionais, sobretudo, aos professoresdo ensino oficial. Neste sentido, realizou denorte a sul do país vários «Estágios» tanto deiniciação ao modelo como de aprofundamento.Inicialmente, o sector que registou maior ade-rência ao MEM foi o então ensino primário. Noentanto, rápido se juntaram a este outros secto-res. Hoje, é quantitativamente uma realidadebem diferente daquela que fora, por exemplo,quando se realizou a primeira assembleia cons-tituinte do Movimento (1976) com pouco maisde cinquenta pessoas. Na actualidade, este co-lectivo reúne um total de 2.500 sócios de todosos níveis de ensino (do pré-escolar ao superior),espalhados por todo o país e Regiões Autóno-mas dos Açores e da Madeira. Com efeito, con-tinua a ser o primeiro ciclo o sector que reúnemaior número de associados. Porém, aconteceque tem sido no litoral e no sul do país que oMovimento mais tem crescido.

A sua expansão obrigou a que se repensassea organização, mantendo, no entanto, aqueleaspecto estruturante que desde a primeira horaos caracteriza, um grupo de amigos que se en-contra para reflectir e partilhar práticas, dúvi-das e inseguranças vividas na profissão. Comojá eram muitos, e alguns de longe, tornava-seimpossível continuarem a juntar-se todos aofim de tarde, como até ali, cada vez que as suasvivências pedagógicas o suscitassem. Por isso,estruturaram-se em Núcleos Regionais que as-seguraram a continuidade daquela mesma me-todologia.

Assim, existem espalhados por todo o paíse ilhas dezassete Núcleos Regionais com sedesem: Vila Real, Porto, Aveiro, Coimbra, Bene-dita/Leiria, Tomar, Seixal/Almada, Setúbal,Lisboa, Portalegre, Évora, Beja, Fundão, Vianado Castelo, Faro, Angra do Heroísmo (Açores)e Funchal (Madeira).

Como atrás notámos, em cada Núcleo re-gional os sócios organizam-se em torno deprojectos de investigação (grupos coopera-tivos), que tanto podem traduzir, ou não,problemas comuns vividos na profissão, ou,simplesmente, serem do interesse de todos osparticipantes, que então se juntam para mu-tuamente se ajudarem na procura de uma res-posta cooperada para os mesmos, tendo aque-les em vista o desenvolvimento da práxispedagógica pela reconstrução da acção ante-riormente desenvolvida e posteriormente co-municada à comunidade. Assim, os profes-sores, tal como os alunos, constroem-se a sipróprios juntamente com os demais dandosentido ao vivido pedagógico.

A animação dessa dinâmica de autoforma-ção cooperada e contextualizada é feita, emcada Núcleo Regional, por uma ComissãoCoordenadora eleita pelos sócios. Além disso,tem esta, também, a responsabilidade de re-presentar o seu Núcleo em Conselho de Coor-denação Pedagógica – órgão colegial consti-tuído por todas as Comissões Coordenadoras,pelas Comissões Pedagógicas Especializadas epela Direcção que lhe preside. Correspon-dendo ao Conselho de Cooperação Educativados alunos, tem este Conselho como finali-dade, por um lado, fazer a regulação da vidado MEM, e, por outro, elaborar e validar as li-nhas norteadoras da formação.

Em suma, pode então dizer-se que a energiaque dá vida e sustém esta instituição coope-rada (MEM) é a participação activa dos sóciosde cada Núcleo Regional nesses compromissos(grupos cooperativos) que publicamente (Con-selho de Núcleo) assumem e solidariamenteneles se empenham em busca de formas maisjustas de educar – o motor que os faz existirem movimento, sempre à procura de uma pro-fissão mais eficaz.

Neste sentido, esclarece Sérgio Niza a JoséCarlos Abrantes (2002), que uma organizaçãodeste tipo apresenta enormes vantagens, pois

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permite ter mensalmente um ponto da situa-ção do sistema educativo, a nível nacional. Istoporque, mensalmente, no primeiro sábado decada mês, os representantes de cada núcleo reú-nem-se na sede, em conselho (tal como se fazcom os alunos), para fazer o balanço do trabalhodesenvolvido, a regulação dos projectos emcurso. Provavelmente, poucas instituições –nem mesmo o Ministério da Educação – terão apossibilidade, tal como nós temos, de ter acessoa informação sistemática e regular, a nível men-sal, daquilo que está a acontecer nas escolas. Istopermite-nos estar muito vivamente na acção pe-dagógica e dentro do sistema, o que nos dá apossibilidade, tal como é legítimo em democra-cia, de influenciar o próprio sistema (p. 16).

4. Dimensão Formativa do Modelo 4. Curricular do MEM

Conforme já afirmámos, foi um sentimentoprofundo de transformar a prática pedagógica,compartilhado por alguns profissionais de edu-cação, que os levou à criação daquele contextocooperado de apoio à profissão, na urgência delhe dar sentido e lhe acrescentar valor moral.Pois ao se associarem numa comunidade deprofessores, tal como Wells (2001), tinham aconvicção de que uma acção conjunta se cons-tituiria num potencial transformador dosmembros que dela participam. Além do mais,aspiravam a que essa estrutura mediadora dodesenvolvimento profissional fosse promotorade uma transformação continuada da práxispedagógica, pelo que adoptaram a reflexãocooperada dos problemas reais que dela decor-rem como seu procedimento privilegiado parao desenvolvimento da compreensão profissio-nal pela construção negociada de significados,o que lhes permitiu, em simultâneo, a constru-ção de uma ética profissional comum a todosos membros da comunidade. A essa obra co-lectiva, que se (re)cria e (re)constrói na reflexãosobre a acção, chamam-lhe de modelo pedagó-gico. Trata-se, em essência, de uma pedagogiaem permanente reelaboração, que devido aoseu carácter evolutivo, mantém todos os acto-

res implicados num processo de desenvolvi-mento que não tem fim.

4.1. Cooperação e Comunicação 4.1. – as bases que sustentam o Modelo

As bases em que assenta esse modelo, são,por um lado, a cooperação educativa, en-quanto estrutura organizativa do trabalho nasala de aula – o seu contexto de formação so-cial – que concebe a aprendizagem de formadinâmica, pois tudo na escola é aprendido emcolaboração com outros e posto em comum.Mais concretamente, a apropriação dos conhe-cimentos decorre do envolvimento das crian-ças em projectos cooperados de investigaçãoque elas próprias desencadeiam para dar conti-nuidade à experiência vivida, ampliando-lhes acompreensão que têm desses saberes que tra-zem do quotidiano. Dessa forma, passam ocurrículo para as mãos dos estudantes, que vaiemergindo dos projectos e fazem dele umagestão cooperada, que dá responsabilidade aosalunos. Ao contrário do que normalmenteacontece, aqui o currículo só surge à posteriori,porque o substancial são os projectos dascrianças. Quer isto dizer, que a aprendizagemadquire um carácter de urgência para os alu-nos, que decorre do facto de eles trabalharemos conteúdos de uma forma integrada. Daí queas aprendizagens ganhem sentido e se tornemsignificativas e úteis à vida de cada um. Emparte, a sua relevância tem muito a ver com apertinência dos conteúdos que desencadeiamo processo de apropriação dos conhecimentos,mas, sobretudo, porque as crianças tendo comaqueles uma relação próxima, ou seja, maiorcompreensão acerca deles, participam activa-mente dessa construção colectiva. No fim decontas, essa relação, é, naturalmente, motiva-dora dos alunos, que vendo respeitada a suacultura, ao ser-lhe permitido trabalhar os pro-blemas autênticos nela vividos, isso constitui,então, um convite à sua participação empe-nhada e comprometida no projecto comumque desenvolvem (aprendizagem). E como

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numa gestão cooperativa todos são responsá-veis por todos, isso confere um sentido éticoao trabalho de aprender. Mas, para além deavaliarem e planificarem juntos as actividadesque desenvolvem, compartilham ideias e re-cursos e oferecem-se uns aos outros comoapoio à resolução cooperada de problemascom que se enfrentam no trabalho e nas rela-ções sociais que naturalmente se estabelecemna acção conjunta que realizam, o que lhespossibilita uma «formação autêntica», que se-gundo Davydov (1995), resulta dessa colabora-ção entre professor(a) e alunos. Assim, ao ac-tuarem, sistematicamente, não só na zdp decada criança, mas também, na zdp comunitá-ria, fazem avançar o rendimento escolar dosalunos para níveis que vão além das suas capa-cidades efectivas, graças ao apoio que a coope-ração pressupõe. Tais avanços, são uma cons-tante neste modelo, onde as crianças, solida-riamente, se completam umas às outras nessafraternal entreajuda que alimenta qualqueruma das cinco estruturas que compõem o mo-delo. Este, enquanto sistema de organização egestão cooperada do espaço, dos materiais, dotempo, das actividades de aprendizagem e dasrelações, constitui-se num potencial transfor-mador do grupo, onde, continuadamente, atémesmo o construído se completa, o que tornacada vez mais forte o elo que os une, uma so-lidariedade que, entre eles, não pára de crescer.Desta forma, esse valor de coesão grupal pos-sibilita-lhes a criação de uma comunidade deaprendizagem autossustentada pela constru-ção cooperada de produtos sócio-culturais, queganham sentido comum quando comunicadosaos demais e postos a circular na turma, po-dendo, qualquer um recorrer a essas «obras»colectivas, sobretudo, para suporte teórico denovos projectos, adquirindo assim, esses, sen-tido social ao serem postos ao serviço da co-munidade. Esse tornar público e partilhável otrabalho realizado nos pequenos grupos, per-mite-lhes o aparecimento de uma voz comum,ou seja, de um pensamento colectivo que dáunidade, coesão e identidade àquele grupo,

onde, naturalmente, todos os aprendizes sesentem incluídos pela cooperação.

Por outro lado, o estar em colectivo a nego-ciar e desenvolver actividades conjuntas, doseu próprio interesse, implica um diálogo vivoentre participantes, quer seja para argumentaras escolhas de cada um na hora do planea-mento, quer seja para explicitar durante a ava-liação porque fez de uma forma e não de outra,ou então, para discutirem, entre eles, aquiloque estão a fazer, e, sobretudo, para comuni-carem aos companheiros os produtos daí re-sultantes. Desta forma, ao tornarem público oraciocínio de cada um dão à comunidade apossibilidade de todos os seus membros cres-cerem através da fala social, que os vai tor-nando cada vez mais autónomos. Isto porque,na acção conjunta, a linguagem verbal dosmembros que dela participam dá a cada um aoportunidade de adquirir um conhecimentoque vai para além da sua própria perspectiva,tal como o demonstrou Vygotsky (1978/1996)com a sua metáfora da zdp.

Esses saltos qualitativos no desenvolvi-mento de cada um acontecem como conse-quência de enfrentarem sucessivos conflitos,que lhes ocorrem pelo confronto de pontos devista diferentes que surgem das várias vozesque participam de uma actividade conjunta.Essas controvérsias de origem social vão tendolugar tanto nos pequenos como no grandegrupo, e desencadeiam entre os seus membrosdiscussões orientadas para o entendimentomútuo entre participantes, que empenhada-mente se esforçam por encontrar uma soluçãoconsensuada para os problemas que enfren-tam. Assim, tal como propõe Puig (1995), tam-bém estes utilizam o diálogo para mediar as di-ferentes vozes que se cruzam e entrecruzamna acção conjunta que realizam e nas relaçõesque aí se estabelecem. Como é óbvio, é pormeio da linguagem, ou seja, falando uns comos outros que resolvem as muitas situaçõesque, naturalmente, decorrem da vida e do tra-balho em comum, existindo no modelo umaestrutura cooperada com essa finalidade. Es-

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sencialmente, é esta conversa continuada quevai tendo lugar no interior do grupo, que dá àscrianças a possibilidade de se organizarem in-teriormente, isto é, de se socializarem, sobre-tudo, quando a turma se transforma num Con-selho, onde a palavra responsabiliza e compro-mete. Trata-se, portanto, de uma construçãopela linguagem, pois é através da discussão crí-tica – racional dos incidentes vividos no quoti-diano escolar, que as crianças vão desenvol-vendo um discurso argumentativo, pela cons-trução de consensos, de onde decorrem asregras de vida e de funcionamento do grupo.No entanto, esse mecanismo de resolução coo-perada de conflitos possibilita-lhes ainda oaparecimento de um novo conhecimento – ometaconhecer – que se funda na análise refle-xiva dos comportamentos dos alunos sinaliza-dos como responsáveis pelas ocorrências nega-tivas então levadas a Conselho, procurando-se,com isso, melhorar o comportamento dos alu-nos para que se sintam mais integrados nogrupo, uma inclusão pela linguagem. De facto,como defende Sérgio Niza, o Conselho é a ins-tituição que melhor produz a socialização,tendo em conta, como salienta Puig (1995), deque «dialogar é de certo modo a busca fraternalde modos de convivência equitativos» (p. 18).

Mas isto acontece, porque neste modelo sedefende a criação de um clima de livre expres-são dos alunos, que ao ser multiplicador das in-teracções comunicativas, se torna, por isso, fa-cilitador da ocorrência de choques entre posi-ções conflituais no grupo, que, tal como vimos,constituem grandes oportunidades de cresci-mento para as crianças, pela discursividadeque a sua resolução desencadeia, enquantoporta de acesso para a aquisição de certas ati-tudes e valores. Esta, para além de fazer baixara tensão dos implicados, constitui-se num po-tencial transformador do grupo. Assim sendo,as ocorrências negativas, ou seja, o que corremal na escola, torna-se neste modelo, numamais valia formadora tanto dos alunos comodo(a) professor(a). Daí que então se considerea linguagem natural como o grande meca-

nismo de desenvolvimento no modelo. Destaforma, a fala surge como instrumento de regu-lação social. Neste sentido, sublinham Fer-reira–Alves e Gonçalves (2001), de que

A criança usa a linguagem em primeira ins-tância com funções comunicativas, utilizando-adepois para orientar e regular o seu própriocomportamento. E é a utilização ou fruição queela faz da linguagem e de outros instrumentosque contribui decisivamente para a mudançadas suas capacidades e da sua forma de conhe-cimento, em suma, do seu desenvolvimento(p. 86).

Compreende-se, então, que neste modelose considerem todos esses fluxos de comunica-ção natural que, livremente, se desenvolvementre indivíduos que cooperam entre si, comosendo o melhor caminho para atingir o desen-volvimento humano, tendo em conta que du-rante o percurso tudo aquilo que cada um dizaos outros vai ganhando significação. Queristo dizer, que as conversações mantidas naturma, entre uns e outros, se constituem noagente transformador dos alunos. Daí que odiscurso linguístico assuma um papel essencialna aprendizagem, tendo em conta, como jáafirmámos, de que é nos espaços de diálogoque a aprendizagem acontece. Sendo, por-tanto, o «“Discurso” entendido como a lingua-gem utilizada para dar corpo à vida social e in-telectual de uma comunidade (Mercer, 1997,pp. 92 e 93). Assim, e como conclusão, salien-tamos o que a este propósito diz Mercer(2001):

Para que um professor ensine e um estu-dante aprenda, devem empregar a conversaçãoe a actividade conjunta para criar um espaço decomunicação compartilhada, uma “Zona de De-senvolvimento Intermental” (ZDI) sobre a basecontextual de seus conhecimentos e seus objec-tivos comuns. Nesta zona intermental, que sereconstitui constantemente à medida queavança o diálogo, o professor e o aluno nego-ceiam o desenvolvimento da actividade em queestão participando. Se esta zona se mantémcom êxito, o professor pode ajudar o estudante

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a ser capaz de operar justo mais além de suas ca-pacidades actuais e consolidar esta experiênciaem forma de uma nova capacidade ou com-preensão. Se o diálogo não permite que as men-tes estejam em mútua sintonia, a ZDI desva-nece-se e a associação de andaime se detêm (p.181).

No fundo, do que temos estado a falar é daforma como neste modelo as turmas se trans-formam numa ZDI. E, em consequência dosreforços cognitivos que esta desencadeia, podeentão considerar-se o modelo pedagógico doMEM não só promotor do desenvolvimentocognitivo como também do desenvolvimentosociomoral, através dos processos que tais re-forços ocasionam. Trata-se, portanto,

de reconhecer no diálogo algo mais que ummero procedimento de inter-relação humana...

Pensamos que no diálogo estão presentespelo menos dois valores que actuam como guiasde todo o processo: referimo-nos à justiça e à so-lidariedade. Quem dialoga com ânimo de en-tendimento fá-lo buscando soluções justas paracom todos os implicados (Puig, 1995, p. 18).

E porque se trata de um modelo altamentedialógico, na medida em que as cinco estrutu-ras que o compõem são todas elas facilitadorasdo diálogo, sobretudo, o «ler, contar e mos-trar», por ser uma estrutura essencialmente co-municativa; as «Comunicações» que tal comoo nome indica, é um espaço destinado à divul-gação e partilha dos conhecimentos construí-dos noutra estrutura cooperada, designada por«Projectos». Não obstante, a estrutura dialógicapor excelência no modelo é, de facto, o «Con-selho de Cooperação Educativa». Nesse espaçode gestão comunitária, ou seja, de transforma-ção dialógica, que decorre do debate e da re-flexão cooperada sobre a convivência e o tra-balho entre os membros da comunidade, em-bora sobressaiam aqueles valores, o diálogovai dando origem a muitos mais. Como acres-centa Puig (1995), de acordo com Cortina(1989, 1990),

Se olharmos o processo de diálogo commaior detalhe, distinguiremos também outrosvalores, que por sua vez supõem atitudes e há-bitos pessoais concretos, e dos que dificilmenteninguém pode prescindir se quer comprometer-se num diálogo com ânimo de entendimento.Atitudes como a autorrenuncia aos próprios in-teresses quando não são universalizáveis, o re-conhecimento do direito de todos a expressar-selivremente e a receber justificação das opiniõesemitidas, o compromisso moral de buscar solu-ções justas e solidárias para com todos, e final-mente a esperança de poder chegar a alcançartais soluções e a capacidade crítica para ir ava-liando as progressivas aproximações (pp. 18 e 19).

Assim, tal como no MEM, também Puig(1995) atribui um papel essencial ao diálogo naeducação das crianças e dos jovens, ao en-tendê-lo «como princípio ético, como procedi-mento democrático e como conjunto de habi-lidades de inter-relação» (p. 7).

Razão porque neste modelo se considerafundamental a participação dos estudantes emtudo o que à vida de aprendizes diz respeito,enquanto caminho que os conduz a uma for-mação para a vida democrática, pelo desempe-nho de papéis vários que sustentam uma co-munidade de aprendentes e, sobretudo, peladialogicidade que desencadeia.

Até aqui, temos vindo a pôr em relevo duasdimensões da participação: uma pela acção e aoutra pela linguagem. Enquanto que a partici-pação para a acção assenta na estrutura da co-operação, isto é, essa participação estrutural,do domínio da acção valoriza a estrutura, tra-tando-se, na outra, de um aspecto interactivo.Assim, foi emergindo das bases aquela que éconsiderada a terceira grande dimensão destemodelo.

4.2. Participação Democrática Directa

Os professores do MEM entendem-nacomo fundamental, ao afirmarem que só peloreconhecimento desse direito, pode a escola,devolver à sociedade «cidadãos intervenientese democratas críticos e fraternalmente activos»

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(Niza, 1999, p.3), que se formam por meio dopoder partilhado que efectivamente exercemparticipando livremente na organização e ges-tão da comunidade. Sendo essas vivências oque lhes assegura, que a par do desenvolvi-mento cognitivo, possam também crescercomo cidadãos aprendizes que são. E assim,por intermédio da negociação em que se fundaa participação (Lave e Wenger, 1991) cons-troem, na escola, uma democracia em directo,imprimindo, por isso, a participação, direcçãoe sentido a este modelo.

Quer isto dizer que as atitudes, os valores eas competências sociais e éticas que a democra-cia integra, se constroem enquanto os alunos,com os professores, em cooperação vão expe-rienciando e desenvolvendo a própria democra-cia na escola.

É nesta parceria moral, tecida na entreajuda eno respeito evidente, onde a livre expressãoconvida a prosseguir a comunicação, que a coo-peração se torna educativa. Mas só se tornaconstrução de humanidade, quando se lheacrescenta a dimensão ética que o devir demo-crático subentende (Niza, 1998, p. 82).

É por isso que neste modelo em vez das tra-dicionais lições se privilegia o trabalho deaprender, em que os alunos se ajudam mutua-mente, «montando os andaimes» necessáriospara que todos atinjam o sucesso, independen-temente das capacidades de cada um (Bruner,1996, p. 42). Daí darem tanta importância à or-ganização social das aprendizagens. Mas issonão significa que haja uma desresponsabiliza-ção por parte do professor, bem pelo contrário,este assume um papel determinante, enquantoorganizador desse contexto socio-cultural quevisa potenciar melhor trabalho, para que o es-forço nele desenvolvido se traduza em apren-dizagem. A este propósito, salienta Bruner(1996), «[u]m dos objectivos mais radicaisemergentes da abordagem psicológico-culturalda educação consiste em que a aula seja repen-sada justamente como essa subcomunidade dediscentes recíprocos, com o professor a or-questrar os processos» (p. 42).

Isto levou a uma estruturação do tempo demodo a permitir dar resposta a todas as crian-ças que integram o grupo/turma, ou seja, emalternativa ao método simultâneo fazem a di-ferenciação do trabalho, tendo em conta as ne-cessidades, os desejos, o ritmo e as capacidadesde cada um, como convém em democracia.

Desse modo, ao tornarem efectivos essesdireitos, respeito pelas diferenças e igualdadede oportunidades, criam condições para umaparticipação activa de todas as crianças na or-ganização e gestão cooperada do currículo, oque faz com que a escola se torne mais justa emais inclusiva, isto é, mais humana, ao reco-nhecer-lhes o direito à palavra e à participaçãoempenhada no seu projecto semanal de apren-dizagem (Plano Individual de Trabalho – PIT)que realiza em cooperação com os demaiscompanheiros. O mesmo é dizer que asseguraa todos os aprendizes a oportunidade tanto dese tornarem responsáveis como de atingirem osucesso. Pelo que estabelecem com os alunosuma relação contratual, que lhes confere liber-dade para se manifestarem directamente sobreo que mais lhes interessa fazer para ultrapassa-rem as suas necessidades, seguindo cada um,autonomamente, o seu próprio caminho,tendo o professor(a) como guia e os demaiscomo companheiros fraternos que ao longo docaminhada, caso lhe surjam dificuldades, esta-belecem com ele os andaimes que lhe permi-tam chegar até ao fim do percurso traçado, doqual fazem, em colectivo, uma avaliação parti-cipada por todos. É essa relação dialógica queassim se estabelece, que torna possível e ali-menta a diferenciação pedagógica que efecti-vamente fazem.

Para além disso, alunos e professor nego-ceiam em conjunto, quando reunidos em Con-selho, o planeamento de acções cooperadasque lhes possibilitem o cumprimento do con-trato social (programa) que a todos vincula,sendo, por isso, essa lei, o que aproxima osmembros da comunidade, sobretudo, quandoem conjunto, por recurso ao trabalho científico(Projectos), vão transformando o Currículo Na-

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cional em «obras». Como neste modelo tudo oque se faz é para pôr em comum, essas, ao se-rem apresentadas à comunidade, não só ga-nham sentido social como desencadeiam, en-tre os seus membros, uma discussão que, pelareflexão cooperada daquelas, produz uma«metacognição», que vai dando origem ao talpensamento colectivo que atrás mencionámos.«Obras e obras em processo criam maneirasparticipadas e negociadas de pensar em grupo»(Bruner, 1996, p. 44). Como é evidente, essesprodutos em trânsito pela comunidade desen-cadeiam nas crianças motivação e vontadepara fazerem cada vez mais, elevando-se, as-sim, o grau de participação quer individualquer grupal.

Tal como refere Bruner (1996), dessa forma,as crianças vão construindo na escola uma cul-tura partilhada. Um aspecto fundamental quedesta sobressai, é que ao longo do percurso,aqueles que dela participam não melhoramapenas as relações que se estabelecem entre es-ses indivíduos, como vão também, desenvol-vendo competências várias que naturalmentetransferem da escola para a vida que conti-nuam na sociedade em que estão inseridos, fi-cando assim, a escola, ao serviço da comuni-dade onde está radicada, contribuindo para asua transformação, melhorando-a, sobretudo,quando essas «obras» resultam de projectos deintervenção no meio. Além disso, apresentaainda aquela outra grande vantagem, é que apartir dos produtos partilhados o grupo vai to-mando consciência tanto dos conteúdos que jádominam como dos que ainda não estãoaprendidos. Esta reflexão cooperada acerca dassuas produções, para além de as fazer evoluir,completando-as, vai contribuindo para que ascrianças sejam cada vez mais metacognitivas,graças à participação de cada uma nessas dis-cussões colectivas que decorrem da apresenta-ção à comunidade desses produtos socio-cul-turais, como atrás o demonstrou Bruner (1996)e Daniels (2003).

Por último, queríamos ainda sublinhar umaspecto particularmente importante na partici-

pação dos aprendizes, porque nos ajuda a to-mar consciência de até onde ela pode chegar.É que, neste modelo, os alunos, quando reuni-dos em Conselho, possuem tanto o poder detomar decisões como o de qualquer um as po-der controlar, pois trata-se, como já dissemos,de uma aula cooperativa no verdadeiro sentidoda palavra.

Em suma, elegemos procedimentos promo-tores de atitudes e valores democráticos: o go-verno cooperado das aprendizagens e das rela-ções sociais que as engendram; a circulação par-tilhada da informação e das produções daaprendizagem; a livre expressão das mensagens;o controlo democrático e directo das decisões epoderes; o uso sistemático do debate e da nego-ciação de objectivos e de procedimentos; o usode estruturas de cooperação na apropriação econstrução da aprendizagem; o desenvolvi-mento constante da partilha nas coisas da cul-tura, como nos afectos.

Trata-se de gerir colegialmente, em Conse-lho, tudo o que à turma respeita (Niza, 1998,p. 83).

Seguidamente, daremos conta de um as-pecto essencialmente estruturante da vida deum grupo, ou seja, o que deixa existir aquelascrianças como tal, preparando-as por meio dassuas vivências efectivas na organização e ges-tão cooperada da comunidade que formam eentão alimentam, para que hoje, como ama-nhã, possam entre elas e os demais estabeleceruma convivência solidária e fraterna. Uma talexperiência de vida comunitária autossusten-tada, constitui-se neste modelo num disposi-tivo de integração dos seus membros tanto naescola como na sociedade, através das respon-sabilidades que os estudantes assumem no de-sempenho de diversificadas tarefas rotativasque a sustentam – os meios que lhes permitematingir os fins: transformar as crianças e os jo-vens em cidadãos democratas activos que setornem construtores da humanidade. Parece-nos que vale a pena salientarmos aqui, essaenorme força formadora que brota da sua or-ganização cooperada.

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4.3. Organização e Gestão Cooperada 4.3. do Espaço e dos Materiais

Pretendemos mostrar, quer as formas, queros efeitos formativos dessa participação dascrianças na organização, manutenção e gestãocooperada do contexto ecológico onde tem lu-gar o trabalho de aprender (sala de aula), bemcomo da utilização que cada um faz dos mate-riais comunitários que aquele mobiliza, en-quanto contexto de formação social que pre-para as crianças de hoje, e, portanto, as pessoasde amanhã, por meio desse treino constante deresponsabilidades várias, que lhes permitemsentirem-se úteis umas em relação às outras,ao mesmo tempo que lhes proporciona umatomada de consciência da sua pertença àquelecolectivo. Por seu intermédio:

A classe não é mais o lugar do saber imposto,assimilado ou não assimilado, não é mais umapeça onde o único papel que se consegue man-ter com mais ou menos virtuosismo é o papeldo aluno. Ela se torna um lugar onde se podepreencher diferentes funções, experimentarmúltiplas tarefas, manter papéis diferentes (serresponsável por um passeio, fazer a tiragem dojornal, presidir o Conselho, etc.) à medida queisso for sendo desejado e que se sinta capaz defazê-lo.

Estas actividades e estas funções múltiplassão o detonador de aprendizagens múltiplas aonível do fazer, e também ao nível de todos osconteúdos escolares que têm relação com as ta-refas que se está exercendo, e que a partir de en-tão não aparecem mais como alguma coisa quese tem que sofrer, mas adquirem o estatuto demeios para atingir os fins almejados. A classe setorna então, de verdade, um local de aquisiçãode competências (Colombier et al, 1989, p. 97).

Por isso defende-se neste modelo que é aorganização cogerida que forma, pelo que en-tão, esta, se torna na alma da sua pedagogia,como os próprios o afirmam. É que na opiniãodestes profissionais, um meio democrático decooperação influi sistematicamente no pro-cesso de socialização das crianças, fazendo-as

avançar mais rapidamente ao nível do seu de-senvolvimento sociomoral.

Como tal, torna-se necessário que se crie nasala de aula um ambiente social estruturadopor áreas de trabalho, onde os materiais e ins-trumentos pedagógicos auxiliares à organiza-ção se encontram expostos, a fim de facilita-rem a sua utilização livre e autónoma por partedas crianças.

Desta forma, ao ampliarem o campo de li-berdade procuram promover tanto a autono-mia como o sentido de responsabilidade. Issorequer que, em comum, alunos e professor as-sumam a manutenção e gestão do espaço fí-sico onde decorrem as aprendizagens. Comodizia Borges (1961), «a escola é dos alunos e acada um caberá uma tarefa específica para queo todo possa funcionar harmoniosamente(p. 5). Essa transferência do poder das mãosdo(a) professor(a) para as mãos dos alunos, dá-lhes a oportunidade de experimentarem váriospapéis, desencadeando nas crianças um pro-cesso de amadurecimento, que se alimenta,sistematicamente, de prestação de contas, aogrupo, dos desempenhos de cada um, facili-tando-lhes a passagem de um estado de de-pendência a um estado consciente de maiorautonomia. Isto porque, numa avaliação coo-perada, como é o caso, as opiniões manifesta-das pelos companheiros acerca da forma comocada um realizou a sua tarefa constituem umaimportante ajuda para que todas as criançaspossam tomar consciência de que o bom fun-cionamento do grupo depende da forma comocada um desempenha as responsabilidades en-tão assumidas. Como já Freinet (1960/1979)afirmara, «um membro consciente de uma co-munidade social é necessariamente moral»(p. 14). Além do mais, o esforço destes profis-sionais para conseguirem na escola uma educa-ção ética, exige-lhes «que toda atitude deve vol-tar à criança sob o aspecto da impressão cau-sada por sua acção sobre os circundantes. Nadanos motiva mais para a acção do que a satisfa-ção dela decorrente» (Vygotsky, 1926/2001,p. 319).

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Neste processo utilizam um instrumentoque lhes permite monitorizar a gestão coope-rada do espaço e dos materiais, é o mapa de ta-refas, que então avaliam e redefinem semanal-mente (no 1.º ciclo), quando reunidos em Con-selho. «Com essa organização o meio serevelará aquele poderoso aparelho que enviarásempre para a criança a impressão reflectida doseu acto» (Vygotsky, 1926/2001, p. 320).

Essa participação livre, voluntária e activade todos os membros do grupo em tarefas ro-tativas que sustentam a organização coope-rada, permite-lhes não só fazerem as aprendi-zagens sociais, mas também, viver em directoos valores e os problemas da vida em demo-cracia, tornando-se então a organização coo-perada num dispositivo de integração na socie-dade dos seus membros mais jovens, pois aoprepará-los pelas vivências de hoje aperfeiçoae consolida a democracia do futuro. Trata-se,portanto, tal como acabámos de constatar, dedar um sentido social à escola, ou melhor di-zendo, de uma pedagogia de intervenção nosocial.

Porém, participar livremente da organiza-ção cooperada torna-se neste modelo muitomais do que desempenho de papéis, implicaum compromisso colectivo pela ordem socialno grupo, uma disciplina que vai nascendo aoritmo dos interesses e das necessidades queemergem do confronto dessas muitas vonta-des que se cruzam durante a realização de umtrabalho comum ou da vida em comunidade,empenhando-se cada um dos seus membrospor a fazer cumprir, um esforço que se impõetanto a si próprio como aos demais, um assu-mir autêntico da sua responsabilidade. Porisso, partilhamos com Ludojoski (1967) a ideiade que «verdadeiramente responsável é so-mente aquele que segue a sua própria vontadee a dos outros» (p. 153).

Deste modo, a estruturação social do grupofaz-se a partir dos incidentes vividos nesse co-lectivo de vida e trabalho em comum, umaconstrução cooperada aceite por todos, queconverte comportamentos colectivamente ti-

dos como negativos em produtos consensua-dos (regras de vida e de funcionamento), queos deixa existir como grupo – uma ética co-mum do respeito pelo outro. «Só as pessoas ca-pazes de responder pelos seus actos podemcomportar-se racionalmente» (Habermas,2001, p. 32). Neste sentido,

As normas que regulam a vida e o trabalhodas crianças constroem-se neste modelo, no in-terior do grupo, em Conselho de Cooperação, apartir das necessidades mais fundas e das ocor-rências registadas no Diário de Turma. Daí queos empurrões, os pontapés e os murros depoisde discutidos, tomados como meio de reflexãoem Conselho se tornem em motivo de constru-ção de normas colectivas – a lei comum. É a par-tir de coisas do quotidiano, que parecem quasesem importância, que o grupo vai criando assuas próprias regras de socialização (Serralha,1999, p. 6).

Estas, quando interiorizadas convertem-seem habitus que orientam a acção e a interacçãosocial no grupo. É essa atitude reflexiva, ouseja, a análise das ocorrências negativas discu-tidas em Conselho que vai transformando ascrianças pequenas em seres racionais. Diga-mos que se exerce em Conselho um controlopor meio da razão, que proporciona aos alunosa compreensão dos seus actos e lhes dá a di-mensão ética, tornando-os pessoas moral-mente responsáveis. Desta forma, a própria or-ganização e gestão da comunidade gera emConselho «uma sociabilidade inteligível», as-sim o afirma Rouanet (1989, p. 13). Neste sen-tido, salienta Delval (1996), que «a construçãode normas morais se faz na convivência comos outros e na reflexão sobre essa convivência»(p. 51).

E para que não haja esquecimentos e todoscumpram e façam cumprir os compromissosentão tomados, o secretário regista-os por es-crito e afixa-os num local onde fiquem à vistade todos. Mas, como o primeiro ponto da or-dem de trabalhos de cada reunião de Conselhoé sempre a leitura da acta elaborada no Conse-lho anterior, isso constitui nova oportunidade

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para relembrar que existem orientações con-sensuadas instituídas pelo grupo, tendo, porisso, cada um, obrigação de as respeitar e de asfazer cumprir, na medida em que são pertençade cada um e de todos. Terminada a leitura daacta, espontaneamente, os alunos inscrevem-se para fazer comentários ao desempenho dasdecisões tomadas. No entanto, e apesar detodo este esforço para se cumprir a lei nogrupo, esses habitus caem quando deixam deter utilidade para as crianças. Nunca estão emequilíbrio, uma vez que se encontram perma-nentemente sujeitos a alterações que podemocorrer em consequência de mudanças quevão surgindo no seu interior. Quer isto dizer,que neste modelo «[n]ão há mais a ordem ou adesordem, dependendo do “pulso” do profes-sor e da maior ou menor docilidade dos alu-nos, mas uma disciplina livremente consentidaporque nascida da organização do trabalho»(Colombier et al, 1989, p. 88).

Apesar da redundância, vale a pena salien-tar, que tal como vimos, neste modelo o pro-fessor não é mais aquele que conduz e controlaos comportamentos dos alunos, mas são antes,guiados pela consciência de si próprios, isto é,por essa moral colectiva que brota do interiordo grupo. Um artefacto cultural cooperada-mente criado pelas crianças, que vai surgindode uma e outra urgência sentida, como formade resolver os incidentes por eles vividos, paraque então, se torne possível a realização desseprojecto de vida e trabalho em comum, queexige de cada um o respeito integral pelo ou-tro. É isto a (auto)nomia, como explica Ludo-joski (1967), ou seja, terem os alunos a capaci-dade de se autoregularem e de construírem,para isso, eles próprios, os seus artefactos me-diadores. O que nos permite dizer, que entãoestas crianças se autoeducam.

Pode mesmo dizer-se que é neste contextocooperado e autossustentado da aprendiza-gem humana que, por meio dessa relação con-tinuada entre uns e outros, se vão, aos poucos,tecendo os laços sociais que ligam os membrosdo grupo pela vida e o trabalho em comum. Tal

significa, como já o afirmámos, que o objectivoprimeiro desta estrutura cooperada de organi-zação social que se mantém a si própria, é, cla-ramente, a formação sociomoral dos membrosde uma comunidade que aprende na interac-ção que decorre dessa rede de múltiplas rela-ções humanas que, entre eles, se estabelecemnuma onda de solidariedade e apoio conti-nuado à apropriação dos conhecimentos, pro-tegendo uns e outros em momentos de dificul-dade que, naturalmente, lhes surgem ao longodo percurso. Mas não será esta fraternidadenatural que mantém organizado esse contextoque os recebe, onde se juntam para mutua-mente se ajudarem a aprender (cooperação) amais autêntica formação moral? Neste sentido,então

a escola deve penetrar e envolver a vida dacriança com milhares de vínculos sociais queajudem a elaborar o carácter ético. Em nenhumoutro campo é tão forte e justa a tese geral sobrea educação, segundo a qual educar significa or-ganizar a vida; sendo justa a vida as criançascrescem justas (Vygotsky, 2001, p. 318).

Em suma, é que desta forma, tal como pu-demos verificar, através da sua organização co-gerida estabelecem-se neste modelo, como de-fende Delval (1996),

relações de cooperação entre indivíduos quese vêem como iguais e que necessitam de esta-belecer regras pelas quais regem a sua conduta.Assim se constrói uma moral «autónoma», que éproduto da reflexão e das próprias práticas, maisque da coersão...

A moral da solidariedade, e a moral autó-noma, adquirem-se no exercício da cooperaçãocom outros indivíduos, na realização de tarefasconjuntas que necessitam regulações para levar-se a cabo, mas regulações das que se dotam ospróprios indivíduos (p. 50).

Pareceu-nos por bem fazermos aqui umapequena ilustração desta organização, trans-crevendo para o efeito, uma das ocorrências le-vadas a Conselho no dia dezasseis de Fevereirode 2001, que então retirámos dos nossos pro-

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tocolos. Entendemos, que deste modo, propor-cionaremos uma ideia mais próxima da formacomo na realidade se processa essa gestão coo-perada. Assim, e através de um exemplo, qui-semos dar um retrato fiel daquilo que é, na ver-dade, uma participação autêntica das criançasna organização, manutenção e gestão do es-paço e dos materiais. O que, efectivamente,nos ajuda a melhor compreendermos esse pro-cesso de autoformação das crianças. Porém, aoabrirmos esta porta, foi nossa intenção, intro-duzir o leitor no interior deste processo de au-todesenvolvimento.

Pres. – «Eu acho que se devia tirar algumascoisas da mesa de Matemática. A2»

A2 – Esta é uma proposta, é que eu sou dosficheiros de Matemática e estou a ver queaquela mesa é pequena para tantos ficheiros. Euacho que alguns ficheiros ou algumas coisas sepodiam tirar, por exemplo, o ficheiro do geo-plano, é que senão não temos espaço.

Secrt. – A11A11 – É para dizer que estou de acordo com

a A2.Secrt. – A9A9 – Eu estou de acordo com a A2, que se

devia tirar alguma coisa, só que tudo o que estáali é de Matemática e não há mais nenhum sítiopara a Matemática. E era só para dizer aos me-ninos do Plano do Dia que ali não é sítio parameter o Plano.

Secrt. – A15A15 – É que ali há algumas fichas que nós já

não utilizamos e estão ali a ocupar espaço.Aquela caixa que está ali em cima para que é?

Está ali a ocupar espaço e nós podíamos pô-lasem ser na mesa da Matemática, na mesa ondehá mais espaço, ou na de Estudo do Meio ou nada Língua Portuguesa, porque ali há mais fichei-ros do que na Língua Portuguesa.

Secrt. – A23A23 – Era para dizer que estou de acordo

com a A2 e era para responder ao A9, que alieram os ficheiros de Matemática.

Secrt. – A4A4 – Era para dizer que eu não estou de

acordo com esta proposta, de tirarmos ficheiros,pode-se tirar a caixa como a A15 disse a pô-lanoutra mesa, mas os ficheiros não, porque aA17 não sei se ainda está a fazer esses ficheiros.

E era para perguntar à professora se o geoplanoé de Língua Portuguesa se de Matemática.

Vários – Matemática.Prof. – Como é evidente, de Matemática!

Não temos já feito coisas no geoplano relacio-nadas com a Matemática?

A8 – Sim, as simetrias!A13 – As áreas.A8 – Aquilo dos ângulos.A21 – As superfícies.Prof. – Sim, as áreas, os ângulos.A4 – Então eu acho que não se devia tirar

nada, porque a A17 ainda faz aqueles ficheiros.Secrt. – Professora.Prof. – Eu não estou de acordo, exactamente

pela razão que o A4 disse, há ficheiros que vo-cês já não utilizam, mas que a A17 utiliza. Rela-tivamente ao geoplano, não o temos utilizadomuito ultimamente, porque se calhar, eu precisode acrescentar fichas àquele ficheiro, porqueaquelas são poucas e vocês já não se lembram.Mas o geoplano, como é evidente, é de Mate-mática. Agora, o que se calhar não é preciso éuma caixa tão grande para os elásticos, mas eunão tenho outra. Portanto, o que eu acho é quetemos que arranjar uma caixinha mais peque-nina para os elásticos. Possivelmente, aquelematerial de contagem pode sair dali, porque secalhar já nem a A17 precisa dele. Então esse,pode vir para o armário, se eventualmente forpreciso a A17 virá buscá-lo ao armário. A únicacoisa que eu acho que pode sair dali é o materialde contagem, a caixa dos elásticos pode ser maispequena, possivelmente o material das dezenase das unidades também é preciso para as salasde primeiro e segundo ano, nós é que há dias ofomos outra vez buscar por causa das décimas,mas podemos devolve-lo e é menos uma caixaque ali está.

A2 – E aquelas figuras geométricas?

Prof. – Sim, talvez também não seja preciso.Está bem, isso acho que se pode tirar. Então ficacombinado, que se vai fazer essas alterações.

Apesar da organização cogerida se revelaressencialmente formativa, do ponto de vistadas aprendizagens também oferece aos alunosvantagens muito significativas, vejamos comoestas vão emergindo do interior daquela. Emqualquer um dos dois aspectos a descentraçãodo poder é fundamental, para que se estabele-çam relações sociais no grupo que alimentem

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um e outro caso. Porém, acontece que, atravésda negociação, da repartição de tarefas, do seudesempenho e da gestão cooperada das res-ponsabilidades assumidas pelos alunos au-menta, consideravelmente, entre estes, o nú-mero de interacções sociais. Tendo em conta,que essas constituem os meios que lhes possi-bilitam a apropriação dos conhecimentos, en-tão, dessa forma, ao contribuir para elevar o ní-vel interactivo do contexto de aprendizagem,dá, por isso, aos alunos, mais oportunidades deprogresso, na medida em que têm mais hipó-teses de confronto entre pontos de vista dife-rentes, e, é aí que aprendem. Como conse-quência, digamos que assim melhoram não sóa dinâmica de trabalho naquele colectivo deaprendizes como as suas aprendizagens.

De facto, neste modelo faz-se um enormeinvestimento no social, no sentido de dar aosalunos mais oportunidades para que todosaprendam mais. É por isso que se organizamem comunidades que se sustentam e mantêma si próprias, onde a cooperação é uma cons-tante, pela importância que assume o nível in-teractivo na construção do conhecimento, jáque, tal como afirmou Vygotsky (1978/1996),«[t]odas as funções superiores originam-se dasrelações reais entre indivíduos humanos» (p. 75).

Após esta breve reflexão em torno das con-dições que se criam no modelo, para que ocontexto não seja apenas um simples facilita-dor das aprendizagens, mas que se torne, elepróprio, o agente formador dos alunos, pelaconstante implicação negociada a que a rotati-vidade dos desempenhos de manutenção obri-gam, proporcionando, desse modo, a cadacriança um estatuto muito diversificado, com-plexo e variável. Isto porque, cada tarefa dife-rente que realiza concede-lhe direitos e deve-res que se vão alterando em função dos papéisque então desempenha, sendo estes, redefini-dos todas as semanas. Uma tal mudança re-quer sistemáticos (re)ajustes de comporta-mento, em função das dificuldades com quecada um se depara sempre que dá início a umanova tarefa. Contudo, é aí que reside a força

formadora que faz avançar o crescimento dascrianças, ou seja, na adaptação social que cadaum tem que fazer em cada mudança efectuadana passagem por todas as tarefas disponíveis,permitindo-lhe desenvolver capacidades so-ciais que então decorrem da adaptação à novatarefa (Vasquez & Oury, 1977). Daí que entãoum dos critérios presentes no grupo, seja o deque nenhum dos seus membros pode desem-penhar uma tarefa mais do que uma vez, semque os restantes já tenham passado por ela.Exactamente, para dar a todos a oportunidadede se tornarem cidadãos competentes, assu-mindo a responsabilidade de participar dessesdesempenhos, intervindo assim, directamente,na comunidade que formam, gerindo-a. Umtreino constante do viver democrático, queprepara as crianças para a vida social adulta,proporcionando-lhes uma educação moralatravés desse exercício continuado de inter-venção no social.

Isto significa, que a organização e gestãocooperada do próprio contexto pedagógico, fa-zem dele um lugar privilegiado tanto para aaquisição das competências sociais como dosvalores democráticos. Resumidamente, pode-mos dizer, que ao longo do percurso de apren-dizagem, é por meio dessas vivências diáriasque cada um aprende a ser cidadão responsávele democraticamente activo, graças à liberdadeque possui para aceder ao poder no grupo.

Não quer isto dizer, que os alunos sejam en-tão deixados à deriva, não. Bem pelo contrário,pois trata-se, de um sistema cooperado de or-ganização guiada pelo membro mais capaz da-quela comunidade: o professor(a), que estásempre presente, para em rotação, ir mon-tando os andaimes necessários para fazeravançar quem precisa de ajuda, porque está emdificuldade e não pode ficar para trás, assim oexige a sua cultura de inclusão. Isso é, nestemodelo, um problema ético, que decorre deum sentimento colectivo, que se funda numprincípio de respeito ao contrato social que osliga como membros comunitários de uma ins-tituição (turma) que tem como finalidade

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aprender em comum. Por isso, toda a acção de-senvolvida é, inevitavelmente, uma co-opera-ção, e, como tal, jamais poderá decorrer deuma imposição aos alunos, mas antes de umatomada de decisão negociada no grupo para fa-zer avançar as aprendizagens das crianças, so-bretudo, das que cometem erros, e, portanto,apresentam certas fragilidades, diagnosticadaspela avaliação cooperada que continuada-mente vai tendo lugar no interior do grupo,diariamente no balanço da jornada e semanal-mente em Conselho de Cooperação.

Neste sentido, importa então mostrar, já deseguida, todo o trabalho que as crianças reali-zam para aprender, desde o planeamento, pas-sando depois pela (re)construção e ampliaçãodo que já sabem, até à regulação dessas apren-dizagens. Quer dizer, «[a] aprendizagem esco-lar é realizada por meio da actividade doaprendiz; essa actividade é concretizada pormeio de um trabalho reflexivo do aprendiz so-bre seus próprios conhecimentos em interac-ção com o saber contextualizado» (Jonnaert &Borght, 2002, p. 266).

Porém, desse processo queremos dar desta-que a algumas rotinas semanais, pela impor-tância que essas estruturas assumem na apro-priação e consolidação dos conhecimentos, emqualquer um dos seus aspectos.

4.4. Construindo as Aprendizagens: 4.4. Trabalho Semanal

Desenvolvendo em comum a sua activi-dade de aprendizes, os alunos constroem ossaberes cooperando uns com os outros, isto é,transformam-se enquanto pessoas que cres-cem culturalmente intervindo em projectos deinvestigação que vão sendo negociados em co-lectivo, entre companheiros que compartilhamos mesmos desejos e uma enorme vontade demelhorar determinados aspectos da sua cul-tura, completando-a, ou, até mesmo, modi-ficando-a, como acontece em certos casos.Posteriormente, cada grupo destes «pequenosinvestigadores» comunica aos demais os resul-

tados então alcançados. Nesse preciso mo-mento, em que uns ensinam aos outros tudoaquilo que aprenderam, aí, ciência e ética ad-quirem, exactamente, o mesmo significado.Tais processos científicos mobilizam váriasvontades, que interagem entre si, discutindopontos de vista diferentes que, por meio da re-flexão, os conduzem a um entendimento mú-tuo, que potencia, entre eles, o conhecer. Essadinâmica socioconstrutivista das aprendiza-gens requer uma regulação comunitária. É aíque a transformação acontece, pela força dia-lógica das interacções comunicativas que ali semovimentam, formando ética e moralmenteaquelas crianças e também o(a) professor(a).

Obviamente, que uma construção destetipo exige outra gestão curricular. Do que aquise trata, essencialmente, é de transferir o currí-culo para o grupo. Sem dúvida, que então osresponsáveis passam a ser todos os seus mem-bros: alunos(as) e professor(a). Temos, por-tanto, uma gestão cooperada do currículo, ocaminho que conduz as crianças à responsabi-lidade máxima e à autonomia total. Pois cadaum deverá saber o que mais precisa de fazerpara aprender, sem que haja lugar para desvios,uma competência que vão adquirindo aos pou-cos, através da experiência, regulada pelogrupo. Quer dizer, apesar da liberdade de querealmente dispõem, isso não significa que osalunos façam apenas aquilo de que mais gos-tam ou já sabem. Bem pelo contrário, gostaría-mos, por isso, de salientar, que neste modeloas escolhas de cada um incidem, preferencial-mente, naqueles conteúdos que essa criançaainda não domina, também aqui se faz um tra-balho na zdp de cada criança. Isto só é possí-vel, porque têm um sistema cooperado de ava-liação e programação das aprendizagens, quelhes permite uma tomada de consciência co-lectiva acerca das necessidades prementes decada criança. Dessa forma, o grupo trans-forma-se num observatório regulador da acçãoa desenvolver. Atento às propostas de progra-mação de cada aluno e com base nas informa-ções que possui relativamente ao trabalho que

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esse tem vindo a realizar, as crianças discutem-no em colectivo e em conjunto negoceiam amelhor forma de fazer avançar as suas apren-dizagens, regulando-as.

Importa notar, que, neste sistema, os instru-mentos de pilotagem a que o modelo recorrepara regular as aprendizagens dos alunos, sãoimportantes auxiliares tanto na hora do pla-neamento como da avaliação, isto é, orientame verificam a acção educativa. Mais ainda, es-ses mapas de monitoragem mostram ao grupoa sua própria dinâmica, devolvendo a cadaaluno a história evolutiva da sua aprendiza-gem, ajudando-o a tomar consciência do per-curso então efectuado. Como tal, estas ima-gens reflectidas do que já aprenderam, permi-tem que as crianças se situem rapidamente emrelação ao currículo, através de um simplesolhar, facilitado por um código de cores acor-dado entre alunos e professor(a). Em rigor, es-ses pontos de situação periódicos para além deconstituírem uma preciosa ajuda para melhorprojectarem o futuro, previnem o distancia-mento do programa. E isso é particularmenteimportante num modelo como este, em que osalunos aprendem com os seus próprios erros ecom a diferença de aprendizagens que existeentre eles. No fundo, estas são as origens dasua cultura de inclusão, que exige de todos orespeito integral pelo programa nacional, razãoporque diferenciam o trabalho dos alunos. Talsignifica, que o respeito pelo programa, ocupa,neste modelo, a centralidade do acto educa-tivo, acrescentando-lhe valor moral, ao pro-mover, dessa forma, a justiça na comunidade,tornando todos os seus membros iguais bene-ficiários do sucesso.

Neste sentido, esclarece Oliveira-Formosi-nho (2003):

A investigação desenvolvida por Kohlberg ea sua equipa releva o respeito pelos actores e orespeito pelo contrato social acordado como di-mensões centrais para a construção da escolacomo contexto sócio-moral...

Pude ver que, no coração da acção educativado MEM, se institui quotidianamente a comuni-

dade sócio-moral no respeito pela agência dosactores, na negociação que o contrato social es-timula (pp. 5 e 8).

Como se pode concluir, este, é aqui ogrande organizador do currículo, e, conse-quentemente, do trabalho dos aprendizes.Trata-se, portanto, de um contrato social efec-tivo negociado entre os membros da comuni-dade (alunos e professor), enquanto partes neleimplicadas, acordado no início do ano, emConselho de Cooperação Educativa. Decorreda apresentação do currículo oficial, previa-mente traduzido para uma linguagem maisacessível às crianças. É neste sentido, transfor-mado em roteiro da acção a desenvolver sob aforma de listas de verificação para cada domí-nio disciplinar do programa.

Obviamente que este é um momento fun-damental e decisivo para as crianças que ali de-sempenham o papel de alunos, não só porquelhes serão mostrados os «recursos da cultura»,isto é, aquilo que a escola espera que elesaprendam durante esse ano lectivo (Wells,2001, p. 152). Mas, sobretudo, porque a apre-sentação dos conteúdos programáticos lhestrarão à memória a lembrança de vivências quefizeram fora da escola, podendo então contá-las aos demais e integrá-las no projecto co-mum (programa), transformando-se a sala deaula num local de vida, de construção e de in-tervenção social. No essencial, esta articulaçãoda vida real aos recursos da cultura permiteque sejam respeitados os antecedentes pes-soais de cada criança. Além disso, dá tambéma possibilidade de estes compreenderem o seuvivido, porque ao despertar neles interessespara trabalho futuro, desencadeia então os pri-meiros projectos, que (re)constroem e am-pliam os conhecimentos que tinham acerca da-quele. Dessa forma, pode a escola responder àdiversidade dos alunos, que ao verem respei-tada a sua cultura se sentem nela incluídos erespeitados, o que faz com que a escola seja, defacto, um lugar para todos. Isto significa, queem geral, a organização e gestão cooperada do

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currículo se centra nos contextos onde se de-senvolvem as crianças. Por isso, ao privilegiaras suas vivências como conteúdos curricularesenriquece a cultura comunitária, a qual setorna num reflexo da cultura dos alunos.

Simultaneamente, esses mapas de duas en-tradas contendo os recursos da cultura e osprogressos que as crianças vão realizando emrelação a eles, para além de oferecerem a pos-sibilidade de leituras acerca da situação deaprendizagem em que cada um se encontra,dando o retrato pedagógico do estado actualdo grupo, constituem-se ainda como quadrosde referência inspiradores de projectos a de-senvolver pelos alunos durante o trabalho deaprendizagem curricular (Niza, 1998).

É precisamente durante a apresentação doprograma oficial que a comunidade (alunos eprofessor) negoceia a sua distribuição pelostrês períodos lectivos. É claro que não se tratade uma organização rígida, pois tudo nestemodelo está sempre sujeito a alterações, desdeque o grupo assim o entenda e caso se justi-fique.

A partir daí, a concretização daquele con-trato de trabalho tem lugar na sala de aula,através de cinco estruturas organizativas dedesenvolvimento curricular, que correspon-

dem a tempos, e, por isso, constituem a suaagenda semanal (Quadro 1). Essas rotinas detrabalho são, mais concretamente, o tempopara Ler, Contar e Mostrar textos livrementeconcebidos, outras produções e coisas muitosignificativas para as crianças; o tempo de Tra-balho em Projectos; o tempo das Comunica-ções (desdobrado para permitir a tomada deconsciência); o tempo de Estudo Autónomo nasala de aula, para um complemento de apoio àsnecessidades vitais de cada um e, finalmente,o tempo para Conselho de Cooperação. Este éo ritual de um grupo, que ocorre em dois mo-mentos diários de curta duração, logo pela ma-nhã, a fim de negociarem o planeamento daacção a desenvolver e, ao fim da tarde, para ba-lanço da mesma. Realiza-se ainda, semanal-mente, outro mais alargado, que ocupa toda atarde de sexta-feira, para resolução dos proble-mas que revertem para a comunidade.

Para além desses tempos nucleares de apro-priação dos conhecimentos integram tambéma agenda de trabalho semanal outros temposcomplementares, nomeadamente, para Traba-lho de Texto; os Livros e a Leitura; sessões co-lectivas de Matemática bem como de Expres-são Artística; de Educação Física e Actividadesde Extensão Curricular.

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As discussões colectivas que estas desenca-deiam põem em confronto grande número depontos de vista diferentes, que proporcionamavanços muito significativos em todos oselementos do grupo, por meio da clarificaçãode perspectivas e a construção negociada deconsensos, o que acrescenta ao saber de cadaum outros saberes que recebem dos compa-nheiros.

Assim, o grupo contribui não só para trans-formar o conhecimento de cada um, mas tam-bém para ampliar e aprofundar a mentalidadecomunitária. Quer dizer, no decorrer dessasdiscussões colectivas as crianças apoiam-seumas às outras montando os andaimes neces-sários que as façam avançar. É a partir das in-tervenções de cada uma que se identificam dú-vidas e incompreensões e em função disso en-sinam-se umas às outras, apoiando-se entre sinas suas zdp, o que contribui para a construçãode uma comunidade fraterna. Nesta co-produ-ção cada participante ajuda os demais, porqueno trabalho realizado em colectivo todosaprendem com a colaboração prestada por umcompanheiro. É a cooperação generalizada, fi-cando cada um dos membros do grupo comosuporte de apoio aos outros. Nesta «assistênciamútua» (Dewey, 2001), tal como vimos atrás,os irmãos Johnson (1999) dão destaque à inter-dependência positiva, segundo a qual cadauma das partes que integra aquele colectivotem então não só a responsabilidade de elaprópria aprender os conteúdos aí trabalhadoscomo também de ajudar os outros colegas aaprendê-los, o que oferece aos estudantes maisoportunidades de progresso, que decorremdesse apoio alargado que se cria por meio dareflexão com toda a turma. Vale a pena salien-tar, o contributo que dão à comunidade para ofortalecimento da sua cultura colaborativa.

Normalmente, essa construção comparti-lhada das aprendizagens radica no quotidianodos alunos, situando-se na experiência de cadaum. Razão porque ganham aquelas sentido eutilidade para as crianças, na medida em quelhes permitem resolver os problemas com que

se haviam confrontado em situações particula-res da vida diária. Uma forma partilhada de re-solver as coisas, que amplia a zdp gerando umaaprendizagem sustentada. Como se constata,

Aqui é especialmente importante a discussãoreflexiva de toda a classe porque, para além defomentar o desenvolvimento do espírito de co-laboração de uma comunidade de indagação,proporciona o marco por excelência para a cons-trução de conhecimento em que estudantes eprofessores constroem significados conjunta-mente a partir de suas respectivas experiências,complementadas pela informação procedentede outras fontes alheias à aula (Wells, 2001,p. 174).

Porém, o que sobressai do trabalho em co-lectivo é a partilha tanto de saberes como deformas encontradas para a resolução de pro-blemas, proporcionando-lhes no futuro um de-sempenho mais eficaz

4.4.1. Ler, contar e mostrar

Integrado no primeiro momento diário deConselho, este é um tempo muito forte de li-vre comunicação, de partilha de produções etroca de afectos, que nascem desse dar e rece-ber que continuamente ocorrem do acto vo-luntário de ler, uns para os outros, as suas pro-duções nas mais diversas áreas curriculares,com destaque para os textos livres, quer te-nham sido produzidos em casa ou na escola,de contar vivências e acontecimentos que con-sideram relevantes e mostrar tantos outros tra-balhos realizados por iniciativa dos própriosalunos. Despertam estes, por vezes, o interessedas crianças para o desenvolvimento de umprojecto. Lembra Bruner (1996), que o «contar»e o «mostrar» são tão humanamente universaiscomo o falar (p. 40), assim tem sido sempre noMEM, onde o «ler, contar e mostrar» corres-pondem a três coisas fundamentais da sua his-tória.

Mas a onda de solidariedade que se gera napartilha une os membros do grupo por um sen-timento fraterno que estimula e alimenta essa

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livre produção. Como é evidente, ler todos osdias os novos textos contribui para que surjammuitos mais. É o efeito de iogurte como lhechama Clanché (1977). Isto é, quando unsmostram os textos que produziram, de igualmodo, os outros também querem ter textosseus para mostrar aos companheiros, e eis queassim surge a escrita, de um desejo que desen-cadeia muitos outros desejos, queremos nósdizer, muitos outros textos, sendo esta siste-matização que a faz evoluir.

Depois de lidos e registados (pelo presi-dente que conduz a sessão) numa grelha afi-xada na área da escrita, faz-se ainda uma breveanálise dos mesmos, que constitui o primeirotrabalho de texto. Com efeito, entre esses, sãoassinalados com um código de cores todosaqueles que o grupo considera estarem incom-pletos ou a necessitarem de uma reformulação,sendo com isso reenviados para o TEA, paraserem aí trabalhados a pares ou com a profes-sora, neste caso apenas em situações pontuais,porque tal como Piaget (1932/1994), tambémos professores do Movimento preferem umapoio prestado por um dos seus companheiros.

Por último, quando esta meia hora está achegar ao fim, que é o tempo de duração destarotina, cooperadamente elaboram o plano queguia a sua acção durante esse dia. Logo após aeste acolhimento caloroso cada aluno ocupa oseu lugar no grupo de trabalho a que pertence.O dia prossegue naquele espírito de partilha, aque dão continuidade através da construçãocooperada do conhecimento.

4.4.2. Trabalho em projectos

Em escassos segundos a sala de aula trans-forma-se num centro de investigação, onde, aomesmo tempo, podemos assistir ao desenvol-vimento de sete ou oito projectos distintos.Nesta máquina do conhecimento, enquantouns comprovam hipóteses outros procuram re-solver os problemas com que o mundo e a vidaos confrontou. Quer isto dizer, que neste mo-delo a aprendizagem se centra na experiência

dos próprios alunos. Significa que têm a suavida ligada ao conhecimento, o que lhes pro-porciona maior compreensão acerca dele, namedida em que este se apoia no saber que ascrianças possuem, razão porque participam ac-tivamente da sua construção. No fim de con-tas, os estudantes esforçam-se e empenham-seseriamente, porque o projecto em que cada umparticipa tem como ponto de partida os seuspróprios interesses e visa dar resposta às suasnecessidades, daí que a apropriação do conhe-cimento seja para eles uma actividade muitogratificante, enquanto construção cooperadade soluções para problemas seus ou da comu-nidade. Assim sendo, o conhecimento surgesempre com uma função específica: produzirnos alunos melhor desempenho social, e,como consequência, estes desenvolvem entãocompetências várias, ao transferirem esses sa-beres para a vida. Quer dizer,

o que se aprende na escola deve capacitar osestudantes para actuarem de uma maneira efi-caz no mundo social e económico que se encon-tra mais além dela; o conhecimento teórico temvalor na medida em que tenha repercussões naacção (Wells, 2001, p. 172).

Compreende-se, assim, que a sua utilidadefundamente a emergência das aprendizagensdos alunos. Neste sentido, destaca Daniels(2003), que «[s]egundo Scardamalia e Bereiter(1996), a principal função da educação deveriaser a construção de conhecimentos colectivosmediante a “aprendizagem baseada em pro-blemas” e a “aprendizagem baseada em pro-jectos”» (p. 150).

É precisamente essa, a forma de organiza-ção curricular que tem vindo a ser praticadaneste modelo desde há quarenta anos atrás,permitindo-lhes que sejam os alunos a eleger eplanificar livremente, em cooperação com osdemais, os seus próprios projectos, consti-tuindo estes, uma alternativa à transmissão deconhecimentos. Trata-se, portanto, de dar aosalunos poder efectivo para construírem as suasaprendizagens, como forma de resolver situa-

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ções autênticas das suas próprias vidas. Assim,ganham sentido e motivam os estudantes aproduzirem cada vez mais, por meio do prazerde se sentirem co-produtores dessas obras co-lectivas, que ao serem resultado da cooperaçãoeducativa criam laços afectivos que se desen-volvem por meio da partilha e do apoio que aacção conjunta pressupõe.

Importa é opor, com mais veemência, ao tra-balho sem sentido de «coisas da escola», umaperspectiva de aprendizagem de um conjuntode competências para o desempenho de funçõessócio-culturais efectivas. A educação existenuma cultura situada e a ela pertence (Niza,2001, p. 3).

Assim, e segundo Lemke (1997), «[a]s expe-riências da vida quotidiana constituem um re-curso intelectual muito rico que é altamentepertinente no que respeita ao estudo da ciên-cia» (p.150).

Porém, tal não significa, que todo ou qual-quer artefacto cultural possa, em tempo pró-ximo, ser desencadeador de um projecto, aindaque esse corresponda a um grande desejo dosalunos. Na verdade, sempre que estes manifes-tam interesse por aprofundar um determinadoaspecto da sua cultura, o primeiro critério acumprir é situá-lo no programa. Admitamosque então aquele não consta desse roteiro co-munitário. Nesse caso, o seu desejo não morreali, mas tem que ser adiado até ter sido dadocumprimento ao programa. Nessa altura, seainda houver tempo, organiza-se o grupo detrabalho e desenvolve-se o projecto. Contudo,se o ano está a chegar ao fim, não sendo possí-vel atender aquele desejo, passa a uma dasprioridades de trabalho científico a ter emconta no início do próximo ano lectivo. Destemodo, a liberdade que é dada aos alunos naoperacionalização do currículo contribui paraque se tornem mais responsáveis, através doesforço que se exige de todos para não se afas-tarem do currículo comum. No fundo, preten-dem com isso que haja justiça na comunidadea que pertencem.

Contrariamente ao que possa parecer, nemmesmo crianças muito pequenas se perdem nasua liberdade. Isto porque, a produção de co-nhecimento através de projectos dos alunos énestas comunidades de aprendentes assistidopelo professor, que está em rotação como su-porte de apoio provisório para ajudar a ultra-passar obstáculos que lhes possam surgir,aquilo que Mercer (1997) e Rogoff (1998) cha-mam a construção guiada do conhecimento,que Tharp e Gallimore (1990) designam poraprendizagem assistida. Além disso, existe nomodelo um conjunto de instrumentos de pilo-tagem que funcionam como auxiliares, moni-torizando o processo, orientando e apoiandoos alunos para a acção, ajudando-os a gerir otrabalho de (re)construção da cultura.

Neste sentido, colocam então à disposiçãodaqueles dois instrumentos que têm como fun-ção recolher problemas para os quais procuramuma resposta, ou seja, um diagnóstico conti-nuado das necessidades dos alunos. Quer istodizer, que ao longo da semana, à medida que es-sas lhes surgem podem registá-las, livremente,num desses espaços, que são em contexto co-munitário os grandes organizadores dos projec-tos. Um deles é um espaço estruturado, refe-rimo-nos à coluna do «Queremos» no Diário deTurma, sendo o outro um espaço não estrutu-rado exclusivamente utilizado para esse efeito.Trata-se, mais precisamente, de um cartaz como título: «Queremos saber». Os dois são lidos aogrupo semanalmente, em Conselho de Coope-ração Educativa. Após a sua leitura o Presidentecertifica-se sempre da participação – ou não –dos seus autores em outro projecto ainda emfase de preparação. Isto porque, um dos crité-rios que regula o trabalho nesta estrutura nãolhes permite que integrem em simultâneo maisdo que um projecto, tal como não podem aban-donar um para iniciar outro.

Seguidamente, negoceiam-se e organizam-se os grupos de trabalho, normalmente consti-tuídos por três ou quatro alunos: o autor daproposta e dois ou três colegas que comparti-lham aquelas preocupações culturais. Faz-se de

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imediato, ali mesmo, um levantamento de ma-teriais de suporte à investigação. Em essência,este não é apenas um momento de partilha,em que os demais lhes oferecem obras de refe-rência que os guiem ao longo do processo, masé, sobretudo, uma forma de implicar toda a co-munidade. Daqui decorre maior entreajuda en-tre os seus membros, e, em consequência, tor-nam-se cidadãos mais solidários, ao cortaremas barreiras que separam o «eu» do «outro».Quer isto dizer, que um projecto não é apenasdo grupo que o desenvolve, mas de todos osalunos, que em cooperação educativa o plani-ficam e fazem dele uma gestão em grandegrupo. Além disso, a partir da sua calendariza-ção, que inclui a data prevista para a comuni-cação, todos se preparam para participar acti-vamente na discussão colectiva que se segue àapresentação do produto final. Nesse sentido,aproveitam o TEA para estudar matérias rela-cionadas com os projectos em curso. É quedessa forma, adquirem os alunos mais argu-mentos para melhor fundamentarem possíveiscríticas que então possam ter que vir a fazer, oque torna aquelas discussões bem mais ricas einteressantes. Com isto pretendem contribuirpara completar aquelas aprendizagens.

Em suma, trata-se, portanto, de uma cons-trução orientada por um plano (ver Quadro 2)que ao ser elaborado em espaço público (Con-

selho), desencadeia uma discussão comunitá-ria em torno daquilo que os seus membros jásabem e pensam acerca da problemática queum pequeno grupo de aprendizes se propõeestudar, fazendo-se nesse preciso momentoum registo escrito das aprendizagens préviasque servem de ponto de partida ao trabalhocientífico. Isto é fundamental, para que no finaldo projecto os alunos possam então compararo que sabiam antes com o que sabem após arealização daquele. Dessa forma, os estudan-tes tomam consciência das aprendizagens quefizeram. O que, efectivamente, se constata éque a aprendizagem baseada em projectos dosalunos, «que prosseguem o caminho de anteci-pação de respostas (as hipóteses), a montagemdos percursos de prova (experimentação) oude inquérito, até à verificação dos resultados»(Niza, 1998, p. 89), não lhes possibilita apenasa construção do conhecimento, mas o seu en-volvimento nesse processo cooperado per-mite-lhes que em simultâneo se socializem,por intermédio da interacção que se gera na ac-ção conjunta e das relações que desta decor-rem, isto é, devido à natureza activa e dialó-gica da construção (Wells, 2001), que tal comovimos, são os pilares que sustentam o modelo.

Realizada a investigação e após ter sido pas-sada a escrito, é sempre enviado um exemplar

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de cada projecto para a biblioteca de turma, abiblioteca da escola e outro para os correspon-dentes. Dessa forma, aquelas brochuras pas-sam então a fazer parte do acervo documentalda turma e da escola, ficando disponíveis paraconsulta de todos, isto é, ganham sentido so-cial quando passam a fazer parte do materialescrito que serve de fonte de informação emque se apoiam futuras investigações. Comotal, essas obras colectivas geram prazer aosseus autores, motivando-os para novas produ-ções, sentimento que contagia os restantescompanheiros, que pretendem, de igual modo,ver-se valorizados pelos produtos culturais quepõem a circular na turma, na escola e tambémna comunidade.

Não obstante, o projecto termina com a re-dacção de dois outros documentos que servemde suporte à divulgação daquele trabalho cien-tífico. Referimo-nos, em primeiro lugar, a umregisto informativo que pretende dar conta dosartefactos criados, daí que seja distribuído pe-los demais, apresentando esse, normalmente,o formato de um relatório. A partir deste, ela-boram, em segundo lugar, um questionárioque tem como função devolver-lhes a com-preensão com que ficam os ouvintes relativa-mente a esse conhecimento que querem quevenha a ser pertença de todos. Esta é a razão deser daquele certificado de garantia. Como éevidente, esses escritos oferecem-lhes a possi-bilidade de desenvolverem na escola tanto odiscurso como a escrita científica, falando e es-crevendo para informar os demais acerca dasdescobertas que fizeram. É que desse modo,exercitam habilidades de comunicação queroral quer escrita, usando termos científicosadaptados a várias situações, o que lhes pro-porciona «a apropriação das normas estilísticasda linguagem científica escrita e falada»(Lemke, 1997, p. 185). Ao recorrerem a elas deforma continuada aprendem, naturalmente, «agramática e as formas de organização usadasna escrita científica» (Lemke, 1997, p. 183).

4.4.3. Comunicações

Concluído o projecto e preparado todo omaterial necessário à apresentação dos seusprodutos culturais, a comunidade reúne na dataprevista para que os seus autores possam entãomostrar a sua obra aos restantes companheiros,aos quais se juntam, muitas vezes, os pais, ou-tras turmas da escola, vizinhos e amigos dobairro, e, ainda, em certos casos, os correspon-dentes, pondo-a, depois, a circular entre eles,como é seu desígnio. Obviamente, que ao tra-tar-se de comunidades democráticas não seriade esperar delas outra coisa que não fosse ofe-recerem a todos a possibilidade de acesso a essainformação. É por isso que têm uma estruturaque se destina a dar-lhe visibilidade, isto é, umtempo que ocupa duas horas no horário sema-nal para fazer chegar a todos o conhecimentogerado por alguns, aquilo a que Sérgio Niza(2001) chama a «socialização dos produtos escola-res» (p. 3). Até porque, «cada novo descobri-mento só chega a existir quando é comuni-cado» (Mercer, 1997, p. 78). Ao fazê-lo, cons-troem juntos uma comunidade cultural.

Não obstante, o acto de tornar público essasproduções, submetendo-as a uma análise crí-tica e reflexiva dos companheiros, gera, entreeles, uma meta-aprendizagem, ou seja, umatomada de consciência que conduz à com-preensão colectiva do significado. Em outraspalavras, «[a] produção de produtos culturais e asua mostra e utilização, como acontece com osnossos alunos, emprestam dimensão ética àaprendizagem escolar. Torna-se assim público,negociável e solidário o resultado do trabalhode aprender» (Niza, 2001, p. 4).

Em suma, trata-se, portanto, em primeirolugar, de informar a colectividade quanto àsaprendizagens que fizeram. E, em segundo lu-gar, após um período de esclarecimento de dú-vidas, sujeitar aquelas a uma avaliação colec-tiva. Pois, como diz Mercer (1997),

[u]m bom exame para saber se se com-preende bem uma coisa é ter que explicá-la aoutra pessoa. E discutir de maneira razoável

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com alguém a quem possas tratar como a umigual social e intelectualmente é um método ex-celente para avaliar e rever a tua compreensão(p. 99).

Por último, e, em terceiro lugar, é a vez dogrupo apresentador avaliar a compreensão ge-ral do significado comunicado, através de umquestionário distribuído a todos. Note-se que,esse tem como finalidade sinalizar os colegasque não captaram as suas mensagens, deforma a poderem vir a fazer com eles, no TEA,um trabalho de aprofundamento que os ajudea superar os problemas que lhes introduziramfalhas na compreensão do significado.

Porém, importa ainda sublinhar, que, talcomo acabamos de constatar, a acção desen-volvida por um grupo de alunos na estruturaanterior, é aqui completada com a reflexão co-lectiva que essa mesma experiência desenca-deia ao ser dada a conhecer aos demais mem-bros da comunidade. Quer isto dizer, que talcomo salienta Mercer (1997), «a discussão podeser uma parte importante do processo deaprendizagem» (p. 24). Neste contexto, per-mite também que os alunos vão deslocando assuas falas de um «sentido comum» para um«sentido científico» (Lemke, 1997).

Com efeito, a este tempo da responsabili-dade dos alunos segue-se-lhe outro, agora, daresponsabilidade do(a) professor(a), sendoesse, ali, um facilitador da tomada de cons-ciência do significado então construído. Comotal, centra a sua intervenção em aspectospouco claros ou fragilizados do projecto, bemcomo, em falhas que porventura possa teridentificado durante a apresentação. Quer di-zer, o seu discurso visa ampliar os saberes dosalunos, seguindo caminhos que estes não per-correriam sozinhos, isto é, as suas explicaçõessão neste contexto comunitário uma forma delevar mais longe aquelas aprendizagens.«Trata-se do que Freinet chamou lições a poste-riori para não contrariar a centralidade do tra-balho de aprendizagem dos alunos» (Niza,1998, p. 90).

Em conclusão, assim,

os estudantes aprendem que a ciência é umaforma de indagação, quer dizer, uma construçãoactiva de compreensão sobre o mundo materiale não a simples memorização de uma informa-ção que se foi acumulando mediante as indaga-ções de outras pessoas (Wells, 2001, p. 221).

Como disse um dia Fernando Pessoa, «se te-nho de sonhar, porque não sonhar os meuspróprios sonhos?» É que dessa forma, o currí-culo torna-se um reflexo dos interesses dosalunos, tornando as aprendizagens escolaressignificativas, porque construídas com a finali-dade de serem utilizadas para melhorar a vidareal dos alunos. E mais, «[a] credibilidade deum professor, assim como a sua efectividade,podem resultar seriamente afectadas se os alu-nos o percebem só como representante de umcurrículo que eles não respeitam» (Lemke,1997, p. 191).

Compreende-se, assim, a importância queassume, neste modelo, a relação entre omundo real e conhecimento, por ser o que dásentido ao mundo que comunicam.

4.4.4. Trabalho de Estudo Autónomo 4.4.4. na sala de aula

Trata-se de uma estrutura de suporte àsaprendizagens, disponibilizando-se então paraisso, no mínimo, uma hora por dia, onde cadaaluno ajuda outro colega a aprender, traba-lhando com ele conteúdos em que sente difi-culdades. Ou seja, os estudantes ajudam-seuns aos outros a realizar actividades para asquais ainda não se sentem seguros, por nãopossuirem competências suficientes que lhespermitam uma resolução autónoma. A estepropósito, diz Mercer (1997), lembrando a teo-ria de Vygotsky, que «aprender com assistência ouinstrução é uma aspecto normal, comum e impor-tante do desenvolvimento mental humano» (p. 84).E acrescenta ainda, que «o limite da habilidade deuma pessoa para aprender ou resolver problemas sepode ampliar se outra pessoa lhe proporciona aajuda cognitiva adequada» (p. 84). E, em conse-quência, os alunos podem então dar sentido às

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suas próprias dificuldades, quer seja com aajuda de um companheiro ou com o apoio doprofessor, que está em rotação para um com-plemento aos alunos que lho solicitam, porquese atrasam. Caso contrário, correriam sériosriscos de ficar para trás, podendo até mesmovir a ser o começo da exclusão.

Neste sentido, esta rotina constitui-se numdispositivo muito importante para se conse-guir na escola uma educação inclusiva, não sóporque se faz avançar as aprendizagens emque os alunos não conseguiram, de forma in-dependente, atingir o sucesso, mas, sobretudo,pela diferenciação do trabalho que as diversifi-cadas dificuldades de cada um implicam.Como tal, é um tempo de promoção conti-nuada da justiça escolar.

Assim, e segundo Bruner (1996), «[s]e à pe-dagogia compete autorizar os seres humanos air além das suas predisposições “naturais”, é seudever facultar o “estojo de ferramentas” que acultura desenvolveu para o efeito» (p. 37).

Neste contexto, o TEA é uma dessas ferra-mentas culturais concebida pelos professoresdo Movimento para ampliar a compreensãodos alunos. Daí que então coloquem a ênfasena ajuda negociada dos companheiros e noapoio directo do professor, enquanto meiosque proporcionam aos estudantes uma amplia-ção das suas capacidades intelectuais, que de-correm de um tempo diário de estudo assis-tido, por entenderem ser este o caminho maisprático para a sistematização dos conteúdoscurriculares que, a cada criança, se vão reve-lando de mais difícil consolidação. Em rigor,trabalham-se ali as necessidades vitais de cadaaluno, para que todos possam aprender tudoaquilo que ainda não dominam, ou seja, pro-porcionam a cada criança o tipo de andaimemais adequado à sua situação em particular.

A essência do conceito de andaime, tal comoBruner a utilizava, é a intervenção sensível deum professor para ajudar ao progresso de umaluno que está activamente implicado numa ta-refa específica, mas que não é capaz de realizara tarefa só. (Mercer, 1997, pp. 86 e 87).

No fundo, esse treino assistido visa melho-rar a compreensão dos alunos em áreas onde aavaliação revelou certas fragilidades, para queno futuro desenvolvam sozinhos actividadesdelas dependentes. Como tal, há aí uma redu-ção progressiva do auxílio que cada um recebedos outros, em função dos progressos que vaialcançando. «O ideal é que o estudante vá re-duzindo seu nível de dependência da estruturade apoio à medida que avança na sequência deaprendizagem» (Daniels, 2003, p. 156). Assim,e como o nome desta estrutura sugere, os alu-nos vão então conquistando a sua autonomiaquer pessoal quer moral.

Com efeito, importa ainda notar, que asaprendizagens aí realizadas, não são, de formaalguma, obra do acaso, mas são, isso sim, umaresposta às necessidades reais dos estudantes,que decorrem do seu sistema de autoavaliaçãocooperada, para dar a todos os alunos a opor-tunidade de aprenderem tudo aquilo que lhes éimposto pelo currículo nacional. Deste modo,trata-se, portanto, de uma assistência às apren-dizagens de cada criança guiada por um planoindividual de trabalho (PIT), concebido porcada aluno, em função do que ele considera seraquilo que mais precisa de aprender. Logo,orientam a sua elaboração todo o conjunto demapas de registo dos percursos dos alunos (lis-tas de verificação, mapas de registo de utiliza-ção de ficheiros, mapas de produção de textose de leituras...) e ainda as recomendações queos demais lhe fizeram durante a avaliação doseu último PIT.

Porém, este roteiro do percurso a desenvol-ver por cada um ao longo da semana, projec-tado segunda-feira de manhã, em Conselho deplaneamento semanal, não integra apenas aárea de estudo autónomo, mas a totalidade dasua acção, ou seja, a área de trabalho em Pro-jectos, as comunicações à turma, a tarefa demanutenção e organização comunitária quedesempenha essa semana, a avaliação de todoesse trabalho e, finalmente, as orientações e re-comendações dos colegas e professor(a) que

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deverá ter sempre em conta ao planear novotrabalho.

Por último, queremos ainda salientar, queexistem dois momentos para avaliação do PIT.O primeiro, tem lugar no balanço que ocorreno final de cada dia, sendo apenas da respon-sabilidade do seu autor. O segundo, é feito se-manalmente, em Conselho de CooperaçãoEducativa. Aí, cada aluno é então conduzidopelo grupo a reflectir o seu processo de apren-dizagem, sublinhando não só os progressosque fez, mas também as dificuldades que en-frentou. Isto para que todos possam ser ajuda-dos pelos demais a ultrapassar essas dificul-dades.

Assim sendo, o PIT permite-nos ter, sema-nalmente, a fotografia de toda a acção desen-volvida por um aluno, mostrando-nos tudoaquilo que fez para aprender. Neste sentido, oconjunto de Planos que ele projectou, dão-nosa história evolutiva da sua aprendizagem.

4.4.5. Conselho de Cooperação Educativa

Trata-se, no essencial, de uma estrutura or-ganizativa da vida escolar dos alunos em todaa sua plenitude. Isto é, o espaço público de en-contro semanal do grupo/turma (alunos e pro-fessor), para em conjunto gerirem, colegial-mente, tudo o que à comunidade respeita, ouseja, as aprendizagens e as relações sociais quedecorrem tanto da sua construção colectivacomo da vida em comum.

Daqui emergem diversas funções. Porexemplo, de regulação dos percursos de aprendi-zagem dos alunos, centrando-se para o efeitoquer na avaliação do PIT e dos Projectos de-senvolvidos quer na sua programação. Porém,outra função que sobressai é a gestão cooperadade conflitos, feita a partir da leitura e análise crí-tica das ocorrências negativas registadas noDiário de Turma. Com efeito, a discussão ra-cional desses comportamentos sociais que cau-saram algum desconforto no interior do grupoe a negociação equitativa que conduz os alu-nos a uma tomada de decisão que seja do

agrado de todos, culmina pondo em evidênciaa função instituinte das regras de vida, que são re-sultado dessa intercomunicação que propor-ciona aos estudantes a compreensão comumdas relações entre os membros da comuni-dade. Isto é, um marco de referência que guiaas interacções em devir. Neste caso, destaca-seentão a sua função mediadora.

Desde logo, o que melhor o caracteriza é aprática compartilhada de comunicação sobre aacção, isto é, de reflexão sobre a vida em co-munidade. É por esta razão, um estrutura se-miótica de mediação, que regula a intervençãodos estudantes na actividade social. Ou seja,uma construção activa de cidadania, onde osprocedimentos metodológicos de aprendiza-gem da convivência são a análise crítica e re-flexiva dos incidentes que, naturalmente, re-sultam do trabalho e da vida em colectivo. As-sim sendo, nesta instância de resoluçãocooperada dos problemas comunitários, o dis-curso e o diálogo constituem-se aí como ins-trumentos privilegiados da formação ética dosalunos, que acontece contextualizadamente,como consequência de todas as sextas-feiras sesentarem em volta da mesa para melhoraremcomo fratria. Como tal, aquele espaço públicoé o que dá a dimensão ética e a responsabili-dade moral aos alunos, isto é, o que faz dogrupo uma comunidade que se vai estrutu-rando eticamente, através da regulação socialda convivência diária que, entre eles, se esta-belece, «uma formação pela relação» (p. 11),como lhe chamou Fernand Oury (1997).

Em rigor, o mecanismo que produz a trans-formação dos seus membros é a análise dasocorrências negativas em que os alunos se en-volvem ao longo da semana. Ou seja, a clarifi-cação dos comportamentos que eles própriosconsideram inadequados, durante a qual osimplicados procuram dar uma explicação aosdemais acerca do acontecido, isto é, sobre asua conduta. Ao fazê-lo, têm então a possibili-dade de racionalizar as coisas do irracional emque foram actores, como, por exemplo, os em-purrões, os pontapés e os murros. Fundamen-

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talmente, é esse trabalho de racionalização doscomportamentos que faz com que os alunos setransformem, formando-se uns aos outros.Dito isto, vale a pena salientar, que

A moral,... não é mais do que uma reflexãosobre nós mesmos e sobre os demais desde umaperspectiva particular. Esta perspectiva requerdois movimentos. O primeiro é colocarmo-nosfora de nós mesmos. O segundo, entrar namente dos demais. Colocando-nos fora de nósmesmos, convertemo-nos em algo assim comoespectadores da nossa vida e podemos ser ob-jectivos. O segundo movimento, que nos põe nolugar do outro, permite-nos ver as coisas desdeo seu ponto de vista (Alberoni e Veca, 1989,p. 154).

Assim sendo, esse debate, essa interlocuçãodos valores humanos é o que constrói o signi-ficado. Quer isto dizer, que o que corre mal naescola, ou seja, as coisas feias da relação sãoem Conselho o motor das transformações,aquilo que ajuda a evoluir os alunos, enrique-cendo-os. Isto porque, ao debruçarem-se sobreelas em colectivo, essa reflexão cooperada ofe-rece a todos a possibilidade de cada um(re)construir a sua relação com os outros. Issopressupõe então que os alunos se vão tornandocada vez mais e melhores pessoas, um esforçocolectivo que contribui para a construção deum mundo mais justo.

Em outras palavras, aquele espaço públicodemocrático com sentido para todos, propor-ciona o crescimento humano e o desenvolvi-mento sociomoral a todos os alunos, atravésda participação empenhada de cada um na re-solução cooperada de conflitos. Além disso,quem participa na resolução de problemasreais desde tenra idade, naturalmente, que seenvolve num processo de aprendizagem para avida adulta (Bronfenbrenner, 1987).

Contudo, para melhor compreender estaperspectiva “intermental” em que se defendeque «a moral deve ser pensada colectiva-mente» (Puig, 1995, p. 11), queremos agora,realçar a importância de discutirem os proble-mas de modo a acentuar esse carácter colec-

tivo. É evidente, que tal como Puig (1995),também no Movimento têm a convicção deque «os problemas éticos não são nunca unica-mente individuais» (p. 9). É por essa razão, queapesar de envolverem, na maior parte das ve-zes, apenas duas ou três pessoas, os tratamsempre como pertencendo ao colectivo. Signi-fica isto, que a partir do momento em que umaluno regista uma ocorrência no DT, essaperde de imediato o seu carácter individual,passa então para a comunidade, o que faz delaum problema comum. Isso explica a razão por-que os alunos cooperam uns com os outros nabusca desinteressada de uma solução. Quer di-zer, não desencadeiam só a solidariedade, masfazem dela a «música ambiente» ao processo,que cria condições que facilitam a todos umatomada de consciência dos efeitos que essesactos reflectidos produzem. Tal compreensão,torna-se no futuro a voz interior de cada alunoque o conduz a evitar repetir situações idênti-cas. Tal significa, portanto, que a regulação daconvivência quando é feita em colectivo todosos alunos beneficiam dela. Quer isto dizer, que«a tomada de consciência espontânea é ummodo natural de resolver problemas com oque os educadores não só devemos contar maspotenciar...» (Puig, 1995, p. 21). Porém, ao con-trário do que possa parecer ao observador quese encontra do lado exterior ao processo, essapassagem dos problemas de cada um para acomunidade não é uma forma de actuar emsentido inverso à construção pessoal da auto-nomia dos alunos. Esta adquire-se então, aqui,tal como a definiu Habermas (1997) pela capa-cidade reflexiva e argumentativa dos alunosnessas discussões racionais a que recorrem sis-tematicamente, enquanto forma de resolveraqueles conflitos que decorrem do seu quoti-diano escolar. Aliás, a sua construção só é pos-sível com os outros. Aparentemente, pode atédar essa falsa ideia de desresponsabilizaçãodos implicados. Todavia, ao assumirem publi-camente os actos que violaram a relação inter-rompida, isso contribui para que os alunostransgressores se tornem então mais responsá-

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veis e também mais autónomos. Isto porque,por meio da reflexão cooperada dos actos irra-cionais que cometeram, não só tiveram a capa-cidade de se autorregular como de criarem, apartir dessa meta-aprendizagem, «guias-de-ac-ção» (Lyons, 1990) que lhes possibilitam conti-nuar juntos, compartilhando a construção so-cial do conhecimento comunitário, enquantosistema autorregulado. Nesse processo, se-gundo Habermas:

A acção comunicativa cumpre três funções:do ponto de vista do entendimento mútuo,serve para transmitir e renovar saberes de carác-ter cultural; da perspectiva da coordenação daacção, promove a integração social e a manu-tenção da solidariedade; no que diz respeito àsocialização, estimula a formação de identida-des pessoais (Silva, 2002, p. 106).

Assim, pondo em comum os problemas vi-vidos por cada aluno em contexto escolar, épossível chegar a uma forma justa e solidária depensar a convivência entre sujeitos que dese-jam muito entender-se mutuamente. Em nossoentender, se um aluno regista uma ocorrênciano DT para a levar a Conselho, está com isso apedir aos demais que o ajudem a resolveraquela situação. Como tal, existe logo à par-tida, por parte do seu autor, um profundo pro-pósito de se querer entender com os outros im-plicados. No fundo, isso constitui um compro-misso que ali estabelece com a comunidade dediscutirem o problema em conjunto. Dá, assim,a todos os seus companheiros a possibilidadede integrarem o processo de negociação quevisa estabelecer um acordo que lhes permitachegar a um entendimento mútuo. Quer dizer,ao não o restringir apenas aos implicados, alar-gando-o aos demais como mediadores partici-pantes na busca da maior equidade possível,isso faz com que a solução encontrada sejajusta e solidária, enquanto convergência de umesforço fraterno desenvolvido por todos eles,que reúne o consenso daquele colectivo. Isto é,ao ser aceite por todos os membros da comuni-dade torna-se válida entre eles. Quer dizer, con-

verte-se então num artefacto mediador da ac-ção futura dos alunos. Logo, todos são seus be-neficiários, como defende Habermas (2001).No fundo, ela corresponde àquilo que cada es-tudante quer para si próprio, daí ser um reflexodos interesses de todos os alunos. Neste sen-tido, salienta Raws (2001), que as regras esta-belecidas para serem boas e justas têm que pro-mover o interesse comum do colectivo a que sedestinam. Assim sendo, essa articulação de in-teresses confere à organização em que co-ope-ram um sentido igualitário e inclusivo. Isto por-que, exercem colectivamente o controle, pormeio desses instrumentos mediadores que, talcomo vimos, resultam de um processo de in-terpensamento ao nível comunitário, os quaisse convertem, no futuro, na consciência dogrupo, que guia os seus membros na interacçãoque desenvolvem. Em rigor, o que explica essesentido de responsabilidade, é o facto daquelescompromissos serem assumidos publicamente,o que se traduz numa obrigação que a todoscompromete e responsabiliza, sendo, portanto,a exigência que amanhã institui o respeito pelooutro, isto é, uma construção guiada das rela-ções. Como é evidente, esta designação tempor base as investigações de Bárbara Rogoff(1998; 1993) e Mercer (1997; 2001).

Adicionalmente, para que possamos daruma imagem mais nítida deste fórum de «coo-peração no plano do pensamento» (p. 47),como Piaget (1994) chamou à discussão e à re-flexão, faremos já de seguida a sua breve des-crição.

Pois bem, à semelhança do que aconteceem qualquer outra reunião, também esta segueuma ordem de trabalhos, que inclui sempretrês pontos fundamentais: leitura e discussãoda acta; avaliação dos Planos Individuais deTrabalho e leitura e discussão do Diário deTurma.

É presidida por dois alunos, o Secretário e oPresidente, cargos distribuídos rotativamenteem Conselho de Cooperação. Porém, quandose trata de grupos de primeiro ano de escolari-dade, essa gestão começa por ser feita pelo(a)

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professor(a) com a ajuda de dois alunos, massó durante o período em que as crianças fazemas aprendizagens necessárias ao desempenhodesses papéis. Depois, transfere gradualmenteo poder para as mãos dos estudantes.

Neste sentido, cabe ao Presidente orientaros trabalhos de maneira a que decorram deuma forma disciplinada. É ele quem faz a lei-tura do Diário de Turma e conduz a discussãoque vai tendo lugar pelo confronto de pontosde vista diferentes que surgem das várias pro-postas então apresentadas para a resolução deum conflito, dando e cortando a palavra aosalunos que precisam de explicar as suas opi-niões ou quando se repetem durante a nego-ciação que visa encontrar a melhor solução, fa-zendo daí emergir orientações que sirvam deguia para o trabalho e a convivência futura.

Em todo este processo, o Secretário tem umpapel de apoio ao Presidente, ajudando-o sem-pre que necessário. Como tal, vai então regis-tando as inscrições dos colegas que pedem apalavra e tomando nota de todas as decisõesali tomadas. Caso seja preciso, é ele quemsubstitui o Presidente.

Quanto ao papel do(a) professor(a) ele éapenas um elemento do grupo, não tendo emrelação aos demais qualquer privilégio. Porisso, sempre que quer intervir nas discussõestem que seguir as regras acordadas; pedir a pa-lavra e esperar a sua vez, tendo que respeitar asdecisões tomadas. Logo, tal como os restantesfica sujeito à lei do grupo. Não obstante, du-rante o debate de uma ocorrência procura sem-pre que possível, só apresentar o seu ponto devista quando a discussão está a chegar ao fim.Isto, para que o seu poder simbólico não vá in-fluenciar a opinião dos alunos.

Todavia, assume este, discretamente, umaatitude de colaboração e apoio, quer na hora dadiscussão intervindo em situações que careçamde uma clarificação não conseguida apenas pe-las crianças, quer do seu olhar atento nos mo-mentos da tomada de decisões, de modo a as-segurar a sua viabilidade, ou seja, que essas não

vão em sentido contrário às então tomadas pelaescola e que sejam de possível aplicação.

Resumidamente, podemos dizer que oConselho atravessa toda a vida do grupo//turma. Isto porque, ele é ponto de partida e dechegada dos percursos de aprendizagem dosalunos e de regulação tanto dessa caminhadaem colectivo como das interacções que aí seestabelecem. Tal significa, portanto, que nesteespaço público democrático não há lugar pararepresentações, aí estão presentes todos osmembros da comunidade, para em conjuntoavaliar, programar, acompanhar, apoiar e regu-lar o processo de construção social do conheci-mento compartilhado e gerir as relações queemergem dessa rede de interajuda à com-preensão comum do significado.

Neste sentido, sexta-feira à tarde, logo apóso almoço, antes da campainha anunciar o se-gundo turno da jornada, o Presidente, o Secre-tário e alguns voluntários transformam a salade aula num auditório circular, de forma queofereça a todos a possibilidade de se olharemcara-a-cara.

Com o grupo ali reunido o Presidente de-clara aberto o Conselho. Procedem de ime-diato à leitura e discussão da acta elaborada nareunião anterior. Essa para além de fazer a li-gação do passado ao presente, permite avaliaro cumprimento das decisões então tomadas.Ou seja, dá oportunidade para relembrar aosalunos de que existem compromissos dosquais ninguém pode prescindir, na medida emque foram acordados e aceites por todos.

Seguidamente, é chegado o momento emque cada aluno torna pública a caminhada so-ciocultural da semana, mostrando no PIT o quehavia projectado, o que fez – ou não – e se forcaso disso, o que acrescentou ao programado.Aliás, dá a conhecer tanto obstáculos encon-trados como êxitos alcançados. Depois, quemdo colectivo o desejar pode intervir, seja paracriticar, ou então, dar sugestões, apresentarpropostas de trabalho e oferecer-lhe apoio nasactividades que mostrou não ser capaz de rea-lizar sozinho. Tal como se pode concluir, é

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uma forma natural e contextualizada de nego-ciar apoios educativos.

Finalmente, o Presidente anuncia a leitura ediscussão do Diário de Turma. É um momentocrucial da gestão comunitária. Isto porque, osconteúdos daquele registo sistemático da vidado grupo, para além de porem em destaque asrealizações mais significativas da semana, ofe-recem também aos alunos a possibilidadetanto de articular interesses e necessidadessentidas como a construção continuada das re-lações. É neste sentido, um mediador que ali-menta a regulação social do grupo.

Concretamente, referimo-nos a uma grandefolha de papel, com dimensões aproximadas auma folha de cartolina. É um espaço estrutu-rado, dividido em quatro colunas de escrita,que recolhem as vivências mais relevantes dasemana (ver Quadro 3). No essencial, alunos eprofessor(a) registam ali livremente, tudoaquilo que consideram premente levar a Con-selho. Assim, duas delas, Gostamos e Não Gos-tamos, recolhem respectivamente, as ocorrên-cias positivas e negativas com maior impor-tância para o grupo. As outras duas, Queremose Fizemos, recebem dos alunos, a primeira, su-gestões e propostas de trabalho, a segunda, asrealizações que se distinguiram. Daí que sejaminformantes significativos como auxiliares àprogramação e avaliação das actividades deaprendizagem.

Normalmente, o Presidente faz a sua leituracomeçando então pelo Gostamos, passa depoisao Fizemos, em seguida lê o Queremos e no finalo Não Gostamos. Com esta sequencialidadepretendem elevar a auto-estima dos estudan-tes (Jasmin, 1994). Desse modo, as valoriza-ções preparam o grupo para ouvir, uns dos ou-tros, o que não gostaram a seu respeito.

Assim, após ter sido lida uma crítica, o Pre-sidente dá sempre, em primeiro lugar, a pala-vra ao seu autor, para que possa explicá-la aosdemais. Em segundo lugar, é a vez do criticadoapresentar ao grupo a sua versão dos factos.Porém, se assume que errou e pede desculpa,se for aceite, fica o assunto resolvido. Caso

contrário, o Secretário aceita as inscrições doscompanheiros que pretendem apresentar o seuponto de vista acerca do problema. Ora, é na-tural que surjam, entre os alunos, distintasperspectivas para interpretar uma situação,que decorrem de formas diferentes de ver omundo. No entanto, e como vimos anterior-mente, isso é essencial à socialização dos alu-nos, pois é no confronto de ideias que fazem aaprendizagem da diferença, base que sustentaa construção sociomoral. Além do mais, issopressupõe uma conciliação de perspectivas,que requer um amplo debate e uma negocia-ção equitativa que conduz os alunos a recuarnas suas propostas para aceitar outras diferen-tes, ao compreender que são melhores que asua. Em rigor, é esse jogo de argumentação emConselho que organiza as crianças por dentro,isto é, que as socializa, ajudando-as a descen-trarem-se dos seus próprios interesses paraaderirem aos interesses da comunidade.

Em suma, nesta estrutura dialógica de coo-peração os alunos transformam, continuada-mente, conflitos do seu quotidiano escolarnum dispositivo de autorregulação da convi-vência, em permanente (re)construção. Masisto só acontece, porque neste espaço demo-crático existe um clima de livre expressão dosalunos, que lhes garante uma participação ac-tiva. Daí que possam expor as suas ideias semque isso dê lugar a julgamentos ou qualquertipo de penalização.

Por último, queremos ainda salientar, que oConselho se prolonga por quase toda a manhãde segunda-feira para planeamento em colec-tivo, do trabalho a desenvolver ao longo da se-mana.

Conclui-se, assim, que a construção com-partilhada dos saberes dos alunos e a aprendi-zagem da profissão se faz da mesma forma.Há, aqui, uma analogia estrutural. Quer dizer,em ambos os modelos actua a estrutura coo-perativa da aprendizagem. Provavelmente, adimensão isomórfica do trabalho, quer ao ní-

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vel da educação cooperada, quer ao nível daautoformação cooperada, ao reforçarem-semutuamente promoverão melhor desenvolvi-mento quer na educação quer na formação. Es-peremos que essa dimensão isomórfica venha,muito em breve, a ser estudada.

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Introdução

Neste caldo de vitórias e derrotas da mun-dialização liberal, a construção da demo-

cracia é uma tarefa cada vez mais complexa edifícil, mas é ainda uma utopia realizável. Épreciso que as pessoas continuem a acreditarnesse sonho com consciência das dificuldades,com a convicção da sua imprescindibilidade ena certeza de uma exequibilidade sustentadaatravés da realização de um trabalho perma-nentemente transformador e sempre crítico.

O Movimento da Escola Moderna (MEM)sendo

(…) uma associação de profissionais de Edu-cação que se assume como um movimento so-cial de desenvolvimento humano e de mudançapedagógica e que se propõe construir respostascontemporâneas para uma educação escolar in-trinsecamente orientada para valores democrá-ticos de participação directa, através de estrutu-ras de cooperação educativa. (Niza & Formosi-nho, 2009, p. 348)

conta com associados que sempre acredita-ram nessa utopia e por ela se têm batido inces-santemente através da co-construção de ummodelo de autoformação cooperada homó-logo a um complexo de práticas educativaspermanentemente reflectidas que constituemo seu Modelo Pedagógico.

Partindo da análise e reflexão das práticas etextos significativos e da produção de instru-mentos e materiais, ainda muito influenciadopelas «Técnicas Freinet», este grupo de profes-sores foi integrando contributos diversos e reo-rientando, dialéctica e interactivamente, o seutrabalho de diferenciação, numa perspectivasociocentrada na ambição de construir um mo-delo Sociocultural.

As marcas dessa co-construção são diversase poderão encontrar-se nos vários documentoscriados e discutidos nos Encontros Nacionaisdo MEM, nos inúmeros escritos e relatos apre-sentados em Congresso (resumos de comuni-cações, textos para a imprensa, entrevistas àComunicação Social…), nas actas das reuniõesmensais de coordenação nacional – os Conse-lhos de Coordenação Pedagógica, ou nos escri-tos da revista Escola Moderna.

Nesta publicação, são múltiplos os escritosque nos mostram como foi laboriosa esta cons-trução e que por aí passou muito da história doMEM. Foi com essa convicção que me propusfazer um esforço de pesquisa para encontraralguns marcos da evolução da própria revista epara recolher elementos que permitissem mos-trar que Escola Moderna também é um bom su-porte deste ideário em permanente construção– o Modelo Pedagógico do MEM

Escola Moderna – um produto cultural na construção de uma Cultura

Pedagógica Democrática

Francisco Marcelino*

* 1.º Ciclo do Ensino Básico.

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