artigos feminismo negro e pensamento interseccional

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Educ. Soc., Campinas, v. 42, e239933, 2021 1 FEMINISMO NEGRO E PENSAMENTO INTERSECCIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA AS PESQUISAS DAS CULTURAS INFANTIS Flavio Santiago 1 Ana Lúcia Goulart de Faria 2,3 https://doi.org/10.1590/ES.239933 ARTIGOS RESUMO: O presente artigo tem por objetivo, a partir  do pensamento feminista negro, contribuir com os estudos da produção das culturas infantis, referentes à participação das crianças desde a pequena infância na construção da realidade social,  trazendo para a cena as crianças com idade entre 0 a 3 anos, do coletivo infantil de uma creche pública, e as suas reinterpretações a respeito das intersecções entre as práticas racistas e sexistas. Traremos para discussão as crianças pequenininhas, negras e brancas, suas resistências e suas transgressões, que tensionam as hierarquias patriarcais e racistas. Construindo outros modos de se viver no mundo, por meio de suas brincadeiras, elas lançam outros olhares para as relações vigentes na sociedade e desafiam o poder adultocêntrico que pretende calá-las. Palavras-chave: Feminismo Negro. Racismo. Culturas infantis. Creche. Crianças pequenininhas. BLACK FEMINISM AND INTERSECTIONAL THOUGHT: CONTRIBUTIONS TO PEER CULTURES RESEARCH ABSTRACT: e purpose of this article is, based on the black feminist thought, to contribute to the studies on the production of peer cultures, regarding the participation of children since early childhood in the construction of social reality, bringing to the scene children aged 0 to 3 from the child collective of a public ECEC (early childhood education and care) and their reinterpretations towards the intersections between racist and sexist practices. We will bring to discussion the tiny young children, black and white, their resistance and transgressions, which tension the patriarchal and racist hierarchies. By building other ways of living in the world, through their games, they cast other perspectives at the relationships in force in society and defy the adult-centric power that intends to silence them. Keywords: Black Feminism. Racism. Peer cultures. ECEC. Tiny young children. Este estudo foi apoiado financeiramente pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)/CAPES, pelo fomento ao processo n. 15/02464-0. Como resultado da pesquisa, temos a tese Eu quero ser o sol!: (re) interpretações das intersecções entre as relações raciais e de gênero nas culturas infantis entre as crianças de 0 a 3 anos em creche, escrita por Flávio Santiago, disponível em: http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/347293 1.Universidade de São Paulo – Faculdade de Educação – São Paulo (SP), Brasil. E-mail: santiagofl[email protected] 2.Universidade Estadual de Campinas – Faculdade de Educação – Campinas (SP), Brasil. E-mail: [email protected] 3.Università Degli Studi Milano Bicocca – Faculdade de Ciência da Formação – Milão, Itália. E-mail: [email protected] Editor de Seção: Luana Costa Almeida

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Page 1: ARTIGOS FEMINISMO NEGRO E PENSAMENTO INTERSECCIONAL

Educ Soc Campinas v 42 e239933 2021 1

FEMINISMO NEGRO E PENSAMENTO INTERSECCIONAL CONTRIBUICcedilOtildeES PARA AS PESQUISAS DAS CULTURAS INFANTIS

Flavio Santiago1

Ana Luacutecia Goulart de Faria23

httpsdoiorg101590ES239933 ARTIGOS

RESUMO O presente artigo tem por objetivo a partir do pensamento feminista negro contribuir com os estudos da produccedilatildeo das culturas infantis referentes agrave participaccedilatildeo das crianccedilas desde a pequena infacircncia na construccedilatildeo da realidade social trazendo para a cena as crianccedilas com idade entre 0 a 3 anos do coletivo infantil de uma creche puacuteblica e as suas reinterpretaccedilotildees a respeito das intersecccedilotildees entre as praacuteticas racistas e sexistas Traremos para discussatildeo as crianccedilas pequenininhas negras e brancas suas resistecircncias e suas transgressotildees que tensionam as hierarquias patriarcais e racistas Construindo outros modos de se viver no mundo por meio de suas brincadeiras elas lanccedilam outros olhares para as relaccedilotildees vigentes na sociedade e desafiam o poder adultocecircntrico que pretende calaacute-las

Palavras-chave Feminismo Negro Racismo Culturas infantis Creche Crianccedilas pequenininhas

BLACK FEMINISM AND INTERSECTIONAL THOUGHT CONTRIBUTIONS TO PEER CULTURES RESEARCH

ABSTRACT The purpose of this article is based on the black feminist thought to contribute to the studies on the production of peer cultures regarding the participation of children since early childhood in the construction of social reality bringing to the scene children aged 0 to 3 from the child collective of a public ECEC (early childhood education and care) and their reinterpretations towards the intersections between racist and sexist practices We will bring to discussion the tiny young children black and white their resistance and transgressions which tension the patriarchal and racist hierarchies By building other ways of living in the world through their games they cast other perspectives at the relationships in force in society and defy the adult-centric power that intends to silence them

Keywords Black Feminism Racism Peer cultures ECEC Tiny young children

Este estudo foi apoiado financeiramente pela Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Pesquisa do Estado de Satildeo Paulo (FAPESP)CAPES pelo fomento ao processo n 1502464-0 Como resultado da pesquisa temos a tese Eu quero ser o sol (re) interpretaccedilotildees das intersecccedilotildees entre as relaccedilotildees raciais e de gecircnero nas culturas infantis entre as crianccedilas de 0 a 3 anos em creche escrita por Flaacutevio Santiago disponiacutevel em httprepositoriounicampbrhandleREPOSIP3472931Universidade de Satildeo Paulo ndash Faculdade de Educaccedilatildeo ndash Satildeo Paulo (SP) Brasil E-mail santiagoflavio2206gmailcom2Universidade Estadual de Campinas ndash Faculdade de Educaccedilatildeo ndash Campinas (SP) Brasil E-mail cripequnicampbr3Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca ndash Faculdade de Ciecircncia da Formaccedilatildeo ndash Milatildeo Itaacutelia E-mail anagoulartunimibitEditor de Seccedilatildeo Luana Costa Almeida

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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Introduccedilatildeo

E ste artigo busca contribuir a partir do Feminismo Negro com os estudos das culturas infantis explorando os aspectos relativos agraves (re)interpretaccedilotildees das crianccedilas pequenininhas negras e brancas de 0 a 3 anos de um coletivo infantil em uma creche puacuteblica da regiatildeo metropolitana

de Campinas (SP) acerca das intersecccedilotildees das praacuteticas racistas e sexistas Os dados aqui apresentados foram coletados durante a realizaccedilatildeo de uma pesquisa etnograacutefica em que o pesquisador esteve junto agraves crianccedilas pequenininhas brancas e negras durante um ano indo quatro vezes no periacuteodo da manhatilde e uma vez no periacuteodo da tarde

O fazer etnograacutefico exige um estado de alerta constante no tocante a metodologias relativas ao controle sendo sempre necessaacuterio nos recordarmos da maacutexima de estranhar o familiar e familiarizar-se com o estranho (VELHO 1978) de modo a experienciar diferentes encontros no campo de pesquisa Nem sempre o estar em campo se faz de modo tranquilo vivemos intensamente as inconstacircncias presentes em quaisquer relaccedilotildees existentes na sociedade o processo de estranhamento do familiar demora tempo e exige leituras teoacutericas e disposiccedilatildeo para perceber movimentos gestos e relaccedilotildees de afeto de vaacuterios tipos antes naturalizados

Nossa argumentaccedilatildeo adotaraacute os seguintes caminhos traremos agrave cena as crianccedilas pequenininhas negras e brancas e suas resistecircncias Buscaremos compreender de que modo as meninas pequenininhas e os meninos pequenininhos percebem reinventam e reinterpretam a intersecccedilatildeo entre as praacuteticas racistas e as praacuteticas sexistas Para tal anaacutelise partiremos da perspectiva do Feminismo Negro destacando suas indagaccedilotildees e contribuiccedilotildees para o campo da educaccedilatildeo em especial para a educaccedilatildeo infantil primeira etapa da educaccedilatildeo baacutesica Por meio dos estudos de feministas negras pretendemos demonstrar a importacircncia de se pensar uma articulaccedilatildeo entre os marcadores sociais de diferenccedila raccedila e gecircnero com as mulheres negras como as principais protagonistas que alavancam tal discussatildeo seja no campo acadecircmico seja na luta social por equidade1

Os dados nos quais nossas reflexotildees se baseiam resultam de uma pesquisa etnograacutefica realizada em uma creche puacuteblica da regiatildeo metropolitana de Campinas (SP) com um coletivo de crianccedilas

FEMINISMO NEGRO E PENSAMIENTO INTERSECCIONAL CONTRIBUCIONES PARA LA INVESTIGACIOacuteN CON

CULTURAS INFANTILES

RESUMEN El propoacutesito de este artiacuteculo es basado en el pensamiento feminista negro contribuir a los estudios de la produccioacuten de culturas infantiles refirieacutendose a la participacioacuten de nintildeos y nintildeas desde la primera infancia en la construccioacuten de la realidad social llevando a la escena a nintildeos y nintildeas de 0 a 3 antildeos del colectivo infantil de una escuela infantil puacuteblica y sus reinterpretaciones sobre las intersecciones entre las praacutecticas racistas y sexistas Traeremos a discusioacuten a los nintildeos chiquititos y nintildeas chiquititas blancos y negros su resistencia y transgresiones que tensan las jerarquiacuteas patriarcales y racistas Al construir otras formas de vivir en el mundo a traveacutes de sus juegos lanzan otra mirada sobre las relaciones vigentes en la sociedad y desafiacutean el poder adultoceacutentrico que intenta silenciarlos

Palabras clave Feminismo Negro Racismo Culturas infantiles Centros infantile Nintildeos y nintildeas chiquititos(as)

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pequenininhas de 0 a 3 anos Eacute importante destacar que ldquoa escolha por uma denominaccedilatildeo especiacutefica como lsquopequenininhasrsquo para estas crianccedilas natildeo pretende ocultar seu lugar no diminutivo pelo contraacuterio busca demarcara sua existecircncia naquilo que satildeo e na grandeza do que representamrdquo (PRADO 1999 p 111) Independente de nossa idade cronoloacutegica construiacutemos relaccedilatildeo para com um mundo somos atores e atrizes sociais desde o primeiro choro modificando as relaccedilotildees ao nosso entorno ldquoConsideramos os bebecircs como cidadatildeos(atildes) de pouca idade (cf BENJAMIN 1984) crianccedilas pequenininhas natildeo como uma categoria agrave parte mas como integrantes do que denominamos crianccedilas e da categoria infacircnciardquo (MACEDO 2016 p 12)2 A pesquisa com crianccedilas pequenininhas se caracteriza como um grande desafio pois natildeo basta se sentar com as crianccedilas no chatildeo e brincar eacute necessaacuterio ser aceito(a) criar caminhos de aproximaccedilatildeo e compreender outras linguagens sentir e falar Conveacutem frisar a relevacircncia das pesquisas com crianccedilas negras e educaccedilatildeo para as infacircncias em nosso paiacutes uma vez que os estudos que trazem como foco as crianccedilas negras muitas vezes ainda recaem em uma perspectiva hegemocircnica ao analisar as experiecircncias tanto no vieacutes da pesquisa educacional quanto no cotidiano das creches e preacute-escolas nas quais as crianccedilas negras estatildeo em maior nuacutemero (GOMES 2019)

Quando realizamos pesquisa sobre as culturas infantis eacute fundamental mantermos alerta nossos olhos e ouvidos jaacute adultos em muitos momentos eles natildeo nos permitem captar com maestria aquilo que os meninos e as meninas fazem concretamente (SANTIAGO 2019a) agraves vezes podemos interpretar de modo adultocecircntrico3 um abraccedilo caindo na armadilha de interpretar a infacircncia ldquoem periacuteodo temporal de incapacidade generalizada eou de preparo para a aquisiccedilatildeo de capacidades por vir []rdquo (MIGUEL 2015 p 39) Paralelamente a esse aspecto tambeacutem temos de estar atentos ao nosso local de fala pois tudo o que escrevemos e observamos estaacute inserido no contexto histoacuterico e num lugar singular o que escrevemos estaacute situado posicionado Nesse sentido nosso local de fala neste artigo eacute de pessoas brancas comprometidas com a luta antirracista

Este artigo natildeo pertence ao campo epistemoloacutegico do Feminismo Negro pois como argumenta Collins (1990) viver a vida como uma mulher negra eacute preacute-requisito para produzir o pensamento feminista negro Assim somos aliados agraves principais agendas poliacuteticas reivindicadas pelas mulheres negras o que inclui tambeacutem uma autocriacutetica constante do nosso lugar como pesquisador branco e pesquisadora branca bem como um reconhecimento de nossos privileacutegios no contexto estruturante das relaccedilotildees raciais Quando destacamos os pontos de partida das interpretaccedilotildees ao longo do artigo natildeo estamos nos referindo somente agraves experiecircncias individuais mas procurando entender o lugar social de onde falamos localizando-nos nas redes de poder as quais interferem diretamente nas experiecircncias do mundo bem como no reconhecimento da humanidade das pessoas (RIBEIRO 2017)

Para cumprir tal intento o artigo estaacute organizado da seguinte maneira inicialmente seratildeo apresentadas algumas inquietaccedilotildees propostas pelo Feminismo Negro e posteriormente traremos fragmentos do diaacuterio de campo da pesquisa de Santiago (2019a) tambeacutem autor deste artigo Analisaremos os fragmentos desse caderno de campo a partir das criacuteticas e dos esforccedilos realizados e expressos no pensamento das feministas negras no intuito de evidenciar a necessidade de se pensar para aleacutem de uma ideia abstrata de relaccedilotildees de gecircnero Destacaremos tambeacutem as reverberaccedilotildees das mazelas postas pelos sistemas de opressatildeo na infacircncia O Feminismo Negro como destaca Pereira ldquoeacute um grande aliado para o entendimento das opressotildees e silenciamentos que tanto a meninamulher negra quanto o meninohomem negro sofrem na sociedaderdquo (2020 p 94-95) Na sequecircncia traremos para discussatildeo a importacircncia de se ater tambeacutem ao protagonismo infantil tomando as crianccedilas pequenininhas como atrizes sociais as quais redesenham e resistem agraves formas de imposiccedilatildeo e predeterminaccedilotildees estabelecidas pelos estereoacutetipos de gecircnero e raccedila

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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Feminismo Negro Rompendo com o Legado Eurocecircntrico

O conceito de Feminismo Negro vem sendo desenvolvido por mulheres negras ativistas haacute mais de um seacuteculo as resistecircncias seja pelos abortos dos filhos frutos dos estupros dos senhores seja pela militacircncia acadecircmica atualmente satildeo exemplo desse movimento O ponto de vista das mulheres negras desafia o que eacute normalmente tomado como verdade e ao mesmo tempo questiona o processo por meio do qual as Ciecircncias Sociais vecircm sendo produzidas haacute anos

A singularidade da condiccedilatildeo racial da mulher negra e a categoria raccedila serviram no momento inicial como moeda simboacutelica para frente agraves feministas ldquobrancasrdquo criar a diferenciaccedilatildeo ndash moeda da condiccedilatildeo mulher (gecircnero) como instrumento de questionamento ao movimento negro a respeito das posiccedilotildees secundaacuterias assumidas e impostas agraves lideranccedilas femininas no seio das entidades dos vaacuterios segmentos do movimento negro (MOREIRA 2011 p 116-117)

O Feminismo Negro a partir das deacutecadas de 1970 e 1980 tem sua expressatildeo mais acentuada com a produccedilatildeo intelectual de feministas negras a exemplo no Brasil de Leacutelia Gonzalez (1983) Essas produccedilotildees denunciam a invisibilidade das mulheres negras no feminismo rompendo com a ideia de uma mulher geneacuterica construiacuteda pelo proacuteprio legado do sexismo e do patriarcado ocidental ndash e ldquoisso acontecia devido ao fato de natildeo se identificarem com um movimento branco e de classe meacutedia e pela falta de empatia em perceber que mulheres negras possuem pontos de partida diferentes []rdquo (RIBEIRO 2018 p 74) Assim as feministas negras nos alertam em relaccedilatildeo a assumir posiccedilotildees que parecem representaccedilotildees da totalidade pois essas acabam por reproduzir inuacutemeras vezes epistemologias que policiam qualquer posiccedilatildeo que se desvie da experiecircncia oficial do que seja mulher branca cis heterossexual O racismo e sexismo se combinam e criam barreiras nocivas entre as mulheres (hooks 2018) As mulheres negras ao questionarem a loacutegica de pensamento ateacute entatildeo legitimada dentro do feminismo branco cisgecircnico e eurocentrado revolucionaram o modo com o qual o proacuteprio movimento construiacutea sua agenda poliacutetica e compartilhava suas experiecircncias no que tange a ser mulher e agraves suas lutas pela desconstruccedilatildeo do patriarcado e do machismo

O Feminismo Negro eacute um campo epistemoloacutegico e poliacutetico que pode ser vinculado ao espaccedilo da negritude natildeo apenas desafiando as formas de dominaccedilatildeo de uma sociedade tradicionalmente branca e masculina como tambeacutem colocando em tensionamento a produccedilatildeo de conhecimento desse grupo (WESCHENFELDER FABRIS 2019) De acordo com Carneiro (2011) as mulheres negras se constituem e lutam em duas frentes uma de ldquoenegrecerrdquo a agenda do movimento feminista e outra de ldquosexualizarrdquo as pautas do movimento social de negras e negros trazendo olhares para as diferenccedilas nas discussotildees e nas praacuteticas poliacuteticas desses segmentos Cria-se assim uma dupla percepccedilatildeo tanto na afirmaccedilatildeo de novos sujeitos poliacuteticos quanto na reivindicaccedilatildeo de um reconhecimento da diversidade e das desigualdades existentes entre os sujeitos

O feminismo traz uma contribuiccedilatildeo importantiacutessima do ponto de vista de uma visatildeo de mundo Mas as feministas tambeacutem satildeo formadas para desconhecer as desigualdades raciais Formadas para pensar o Brasil como uma democracia racial E aiacute contraditoriamente ainda que o movimento feminista consiga perceber em que niacutevel a diferenccedila de sexo eacute utilizada na reproduccedilatildeo das desigualdades natildeo consegue perceber como as diferenccedilas raciais satildeo trabalhadas na perspectiva da recriaccedilatildeo constante dos mecanismos de discriminaccedilatildeo racial (BAIRROS 2008 s p)

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Nenhuma intervenccedilatildeo conforme aponta hooks (2018) mudou mais a agenda poliacutetica do feminismo do que reconhecer a realidade do racismo nas vidas das mulheres e meninas negras enquanto apenas era priorizado o gecircnero as mulheres brancas assumiam o palco das discussotildees e pautas natildeo havendo uma sororiedade entre as vivecircncias e experiecircncias As hierarquias raciais tambeacutem se faziam dentro do movimento

No campo teoacuterico um dos desdobramentos das criacuteticas trazidas pelas feministas negras leacutesbicas e mulheres de paiacuteses colonizados e colonizadores foi o desenvolvimento da teoria interseccional que procura captar a complexidade da articulaccedilatildeo entre gecircnero e outras diferenccedilas sociais (FACCHINI 2018) O feminismo tem contribuiacutedo para transformar a ciecircncia enriquecendo tanto a discussatildeo da questatildeo racial quanto a questatildeo de gecircnero na sociedade brasileira (RIBEIRO 2018) Como destaca Moreira ldquoa luta das mulheres negras eacute comprometida com o resgate das suas histoacuterias recriando em suas potencialidades a tentativa de buscar mudanccedilas que permitam novas experiecircncias relacionais de poder na sociedaderdquo (2017 p 12)

Uma das principais contribuiccedilotildees do Feminismo Negro foi questionar a visatildeo eurocecircntrica ocidental e universal das mulheres na qual o feminismo branco se fundamentava isso natildeo significa que os termos ldquomulherrdquo e ldquomeninardquo tenham deixado de ser uacuteteis porque eacute indispensaacutevel que sejam entendidos como conceitos que referenciam muacuteltiplas vivecircncias (KYRILLOS 2020)

As experiecircncias que marcam as histoacuterias das meninas brancas e negras bem como meninos negros e brancos satildeo distintas existindo vivencias diferenciadas na estrutura hieraacuterquica racista sexista e de classe (SANTIAGO 2019b) Nessa perspectiva as diferenccedilas entre brancos(as) e negros(as) natildeo estatildeo em suas essecircncias mas se apresentam como ldquo[] diferenccedila de condiccedilotildees sociaisrdquo (BRAH 2006 p 341) Assim no contexto de pensar as especificidades das infacircncias a perspectiva feminista negra aponta Pereira ldquotraz na sua pauta de lutas a importacircncia de se discutir essas questotildees que evoco no sentido de desconstruir e derrubar padrotildees socialmente naturalizados [] que na maioria das vezes satildeo sutis e que natildeo reconhecemosrdquo (2020 p 95)

O conceito de interseccionalidade natildeo tem sua origem ldquoacademicistardquo no Brasil mas nos Estados Unidos e ganhou popularidade na Conferecircncia Mundial contra Racismo Discriminaccedilatildeo Racial Xenofobia e Formas Conexas de Intoleracircncia em Durban na Aacutefrica do Sul em 2001 Crenshaw (2002) foi uma de suas criadoras e afirma que as intersecccedilotildees entre raccedila e gecircnero contribuem de maneira efetiva para estruturar a vida de mulheres negras e homens negros sobretudo pelas praacuteticas racistas e sexistas A autora tambeacutem destaca que o machismo e o racismo natildeo satildeo os uacutenicos marcadores sociais de diferenccedila que podem ser pautados em uma discussatildeo interseccional Ademais pode-se afirmar que esse conceito ldquo[] eacute uma sensibilidade analiacutetica pensada por feministas negras cujas experiecircncias e reivindicaccedilotildees intelectuais eram inobservadas tanto pelo feminismo branco quanto pelo movimento antirracista a rigor focado nos homens negrosrdquo (AKOTIRENE 2018 p 13)

De acordo com esses pressupostos a perspectiva da interseccionalidade na medida em que captura ldquo[] as consequecircncias estruturais e dinacircmicas da interaccedilatildeo entre dois ou mais eixos de subordinaccedilatildeordquo (CRENSHAW 2002 p 177) eacute indispensaacutevel agrave anaacutelise das hierarquias produzidas e reproduzidas nas diferentes esferas da vida social inclusive quando pensamos as culturas infantis pois as relaccedilotildees construiacutedas refletem problemas oriundos da inter-relaccedilatildeo de diferentes categorias as crianccedilas desde que nascem estatildeo inseridas na sociedade (SANTIAGO 2020) Assim a interseccionalidade como aponta Akotirene (2018) visa dar instrumentalidade teoacuterico-metodoloacutegica agrave inseparabilidade estrutural de racismo capitalismo e ldquocisheteropatriarcadordquo permitindo-nos enxergar a colisatildeo das estruturas a interaccedilatildeo simultacircnea das opressotildees aleacutem do fracasso do feminismo branco eurocentrado no sentido de contemplar as mulheres negras

As mulheres negras quando reivindicaram uma nova forma de se olhar para as relaccedilotildees de gecircnero ensinaram que as opressotildees estabelecidas pelos sistemas sexistas e patriarcais natildeo satildeo elementos que devem

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ser pensados de modo isolado ndash a vida natildeo se faz apenas por meio de uma faceta social Os marcadores como classe raccedila e idade tambeacutem influenciam diretamente as vivecircncias e os modos pelos quais os sujeitos estabelecem sua relaccedilatildeo na sociedade tornando fundamental pensarmos o contexto social de um modo interseccional ldquoAs feministas negras brasileiras entatildeo inauguram no paiacutes um debate em que eacute possiacutevel [] articular distintas formas de dominaccedilatildeo e posiccedilotildees de desigualdade acionadas nos discursos regulatoacuteriosrdquo (OLIVEIRA 2018 p 35)

A interseccionalidade como destaca Santiago visa destacar como ldquoas relaccedilotildees historicamente contingentes e especiacuteficas a determinada conjuntura constroem modos de vida e legitimam processos de hierarquizaccedilatildeordquo (2019a p 6) desse modo ldquonatildeo se pode explicar o racismo abstraindo-o das outras relaccedilotildees sociaisrdquo (MELLINO 2019 p 117) Em especial neste artigo o olhar feminista negro nos forneceu aportes para problematizar e questionar algumas accedilotildees docentes e brincadeiras das crianccedilas pequenininhas observadas durante o trabalho de campo possibilitando-nos fazer interpretaccedilotildees dos dados obtidos por meio de novas lentes que favorecessem pensar os processos de intersecccedilatildeo e suas correlaccedilotildees histoacutericas

As Crianccedilas Pequenininhas Rabiscam as Fronteiras das Praacuteticas Racistas e Sexistas

As crianccedilas pequenininhas natildeo satildeo apenas produzidas pelas culturas tambeacutem satildeo produtoras de cultura As diferenccedilas entre os meninos pequenininhos e as meninas pequenininhas e entre elas e eles e os(as) adultos(as) natildeo satildeo quantitativas mas qualitativas a crianccedila natildeo sabe menos sabe outras coisas (COHN 2005) As crianccedilas quando brincam com os brinquedos ou de faz de conta experimentam e representam papeacuteis que estatildeo para aleacutem das convenccedilotildees sociais e determinaccedilotildees de gecircnero Por isso eacute preciso que as instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil compreendam o potencial transformador e transgressor das crianccedilas permitindo-lhes manifestarem suas linguagens nos diferentes tempos e espaccedilos de conviacutevio e interaccedilatildeo (SAYAtildeO 2016)

Fernandes (2004) realizou uma pesquisa pioneira no Brasil a respeito das culturas infantis no bairro do Bom Retiro em Satildeo Paulo na deacutecada de 1940 Em sua pesquisa o socioacutelogo afirma que as crianccedilas natildeo apenas imitam mas tambeacutem modificam a sociedade por meio da cultura infantil No acircmago da experiecircncia direta e concreta elas compreendem ldquocomo agir em cada circunstacircncia na qualidade de parceiro e membro de dado agrupamento social haacute um tempordquo (FERNANDES 2004 p 207) Eacute importante destacar que Florestan Fernandes utilizou o conceito de cultura infantil no singular o que reflete o contexto sociocultural da eacutepoca e uma escolha teoacuterica que generaliza a dimensatildeo simboacutelica da infacircncia Entretanto noacutes autor e coautora deste artigo partimos dos estudos da Pedagogia da Infacircncia na interface com as Ciecircncias Sociais Portanto utilizamos o conceito de cultura infantil no plural para demarcar a existecircncia de diferentes infacircncias e a pluralidade de experiecircncias no fazer das crianccedilas quando estatildeo juntas Pensar uma infacircncia universal e geneacuterica eacute um equiacutevoco como bem apontam as feministas negras toda generalizaccedilatildeo eacute uma forma de dominaccedilatildeo encobrindo uma realidade soacutecio-histoacuterica4

Santiago (2019a) destaca em sua tese de doutorado que em um dia no iniacutecio da primavera de 2016 todos(as) na turma (incluindo as docentes e ele pesquisador) se animaram para brincar no espaccedilo externo de modo a poder tambeacutem pegar um pouco do sol da manhatilde Uma das docentes propocircs levar um fogatildeozinho e algumas panelinhas para as crianccedilas pequenininhas brincarem A ideia natildeo era criar uma brincadeira especiacutefica mas deixar que elas construiacutessem as proacuteprias relaccedilotildees com aqueles objetos Nesse dia os meninos pequenininhos negros e brancos assumiram o comando da brincadeira soacute posteriormente as meninas pequenininhas negras e brancas foram convidadas por eles para participar

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Inquieto com a forma com que estruturaram a brincadeira Santiago resolveu se aproximar e perguntar ldquoO que vocecircs estatildeo fazendo de gostoso Eu posso comerrdquo (2019a p 68) Imediatamente um menino pequenininho branco respondeu ldquoEstamos fazendo comida da forccedila Comida pra trabalhar Vocecirc natildeo pode comer Eacute pra Afy Baina e Dofi5 elas vatildeo trabalharrdquo Apoacutes essa afirmaccedilatildeo o pesquisador ficou na duacutevida do que era considerado trabalho e perguntou ldquoMas eu tambeacutem vou trabalhar natildeo trabalhordquo Sem hesitar o menino pequenininho branco respondeu ldquoNatildeo vocecirc fica aqui brincando com a gente Elas vatildeo trabalhar em outro lugarrdquo (SANTIAGO 2019a p 68) Depois dessa resposta as crianccedilas pequenininhas voltaram a brincar entre elas e natildeo permitiram que o pesquisador continuasse a participar da brincadeira

Na busca por conhecer e reconhecer as relaccedilotildees de gecircnero entre meninas e meninos na educaccedilatildeo infantil eacute fundamental observar a crianccedilada e suas criaccedilotildees (GOBBI 2015 p 159) Isso requer construir uma escuta autecircntica que busque observar natildeo as ideias preacute-concebidas a respeito da infacircncia ou os projetos sociais que meninos e meninas desempenham na sociedade mas os modos capazes de perceber as crianccedilas nos seus proacuteprios pensamentos (SOCI 2015) No caso descrito anteriormente nota-se a ironia dos meninos na inversatildeo dos papeacuteis de gecircnero tradicionais em que o homem come a forccedila pois vai trabalhar fora de casa Ali eram as meninas que iam trabalhar O pesquisador ficaria brincando com os meninos sem comer

Nem tudo do universo adulto tem o mesmo sentido para as crianccedilas pequenininhas por isso eacute fundamental estarmos atentos e natildeo deixarmos que nossos estereoacutetipos limitem a experienciaccedilatildeo do mundo de meninos e meninas As crianccedilas pequenininhas nos mostram que haacute inuacutemeras possibilidades de existir e construir as infacircncias bem como de vivenciar as relaccedilotildees de gecircnero

[] quando a gente estava fazendo ensaio da muacutesica da sementinha quando eu levei a muacutesica para as crianccedilas eu propus eu falei ldquovamos fazer uma representaccedilatildeo dessa muacutesica com as crianccedilas corporalmente vamos representar a muacutesicardquo E aiacute que eu sugeri confeccionar as nuvens e fazer o sol E aiacute todas as vezes que a gente brincava com a muacutesica que eu falo que era uma brincadeira natildeo tinha personagens fixos mas a Layla [menina negra pequenininha] ela sempre pediu ldquodeixa eu ser o solrdquo Eu achei o maacuteximo assim neacute ldquodeixa eu serrdquo E aiacute ela foi muito enfaacutetica porque na realidade as crianccedilas querem ser as coisas porque elas querem experimentar os papeacuteis e ela foi muito enfaacutetica porque eu acho que ela sempre foi o sol eu acho que o sol foi o uacutenico elemento que natildeo teve rotatividade de crianccedilas ldquodeixa eu quero serrdquo e ela pedia muito ldquoEntatildeo taacute bom vai laacute ser o sol vai falar para a Dacia te dar o solrdquo Zarina docente branca informaccedilatildeo verbal (SANTIAGO 2019a p 85)

Layla quer ser o sol brilhar Transcende o processo de racializaccedilatildeo que marca a subjetividade das meninas negras com elementos do racismo e sexismo durante o ensaio e a apresentaccedilatildeo da peccedila Ela pode ser a responsaacutevel por fazer as flores crescerem durante a primavera tomando em suas matildeos a produccedilatildeo da vida Como destaca Silva (1998) as mulheres negras querem deixar de ser apenas estatiacutesticas e ter o protagonismo na vida ser representadas querem se fazer ver e conhecer tal como satildeo As meninas pequenininhas negras querem ser almejam ter o protagonismo de tal modo como tecircm apontado historicamente as feministas negras em relaccedilatildeo agraves mulheres negras na construccedilatildeo da histoacuteria e da sociedade

Assim como Layla (menina negra pequenininha) outras meninas pequenininhas em diferentes momentos na pesquisa de Santiago (2019a) produziram formas de experimentaccedilatildeo do seu protagonismo e criaram formas de organizaccedilatildeo da vida Como exemplo tambeacutem temos a cena em que Chioma (menina negra pequenininha) e Dalila (menina branca pequenininha) decidem levar os cavalos para passear em um ato de amizade e ruptura com a ideia de feminilidade ligada agrave maternagem expressa muitas vezes pelo cuidado com as bonecas Como aponta Santiago (2019a) as meninas pequenininhas natildeo apenas empurravam os cavalos

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mas tambeacutem se tornaram liacutederes de um pequeno rebanho de trecircs animais com eles Chioma e Dalila subiam os morros da creche e guerreavam com aquelesas que desejavam roubaacute-los A ideia de menina delicada recatada e submissa estava borrada pela potencialidade intempestiva de duas pastoras fortes decididas e autocircnomas

Culturas Infantis e Relaccedilotildees Afetivas o Olhar da Colonialidade6 para as Brincadeiras das Crianccedilas Pequenininhas

A forma com que concebemos as relaccedilotildees afetivas e sexuais entre as pessoas adultas prioriza a heterossexualidade por meio de um dispositivo que a naturaliza e ao mesmo tempo tornando-a compulsoacuteria expressando expectativas demandas e obrigaccedilotildees sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e portanto fundamento da sociedade (MISKOLCI 2009)7

Um exemplo desse olhar pode ser percebido em uma conversa que o pesquisador Santiago teve com a docente Adeola enquanto observavam as crianccedilas brincando no ambiente externo da creche em que era realizada a pesquisa

ndash Vocecirc jaacute viu como a Farisa [menina branca pequenininha] e o Ife [menino branco pequenininho] brincam sempre juntos Acho que eles satildeo um casalzinho vivem juntos sempre Ele chega e jaacute procura ela eacute uma coisa impressionante Ano passado ele batia muito nela e acho que ela acabou gostando porque hoje natildeo desgruda ndash Fragmento do diaacuterio de campo de Flaacutevio Santiago agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 79)

Durante a realizaccedilatildeo das entrevistas com Santiago as docentes retomaram o tema de as duas crianccedilas pequenininhas brincarem juntas motivo sempre de um olhar normativo

ndash Farisa e Ife satildeo brancos homem e mulher entatildeo natildeo haacute muita mistura de cor nos casais da sala Informaccedilatildeo verbal Adeola docente negra entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 80)

ndash A Farisa [menina branca pequenininha] eu sempre vejo com o Ife [menino branco pequenininho] mas aiacute eu natildeo sei as meninas dizem que essa afinidade vem do ano anterior e diz que eles estavam juntos no berccedilaacuterio e que o Ife batia muito nela e que ela sempre aceitou neacute receber as agressotildees Eu vejo que eles brincam muito juntos mas eu natildeo sei se eacute porque foi reforccedilada essa relaccedilatildeo entre eles Informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 82)

Nesse contexto eacute importante pensarmos qual imagem se tem das meninas pois ldquo[q]uando falamos do mito da fragilidade feminina que justificou historicamente a proteccedilatildeo paternalista dos homens sobre as mulheres de que mulheres estamos falandordquo (CARNEIRO 2011 p 50) Teriacuteamos o mesmo discurso das docentes se fossem duas crianccedilas negras pequenininhas Ou se a menina pequenininha fosse negra

Em contrapartida satildeo acionadas nesse contexto as tramas do racismo que reforccedilam os ideais de brancura e naccedilatildeo amalgamando relaccedilotildees afetivas entre pessoas brancas de sexo oposto Jaacute para as pessoas negras satildeo interditadas essas mesmas experiecircncias afetivas e consequentemente natildeo compotildeem a imagem de formaccedilatildeo de uma famiacutelia normativa burguesa alicerccedilada na ideia do amor romacircntico (SANTIAGO 2019a) Os traccedilos fenotiacutepicos e a esteacutetica satildeo codificados como elementos que obstruem as preferecircncias afetivas

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Nesse contexto as praacuteticas racistas dividem e recortam relaccedilotildees colaborando para o isolamento afetivo (PACHECO 2008)

As relaccedilotildees matrimoniais no Brasil como apontam as feministas negras satildeo marcadas diretamente pela hierarquizaccedilatildeo racial dos sujeitos um exemplo ilustrativo desse processo eacute o quadro do pintor espanhol Modesto Brocos y Goacutemez A Redenccedilatildeo de Cam (1895) (Fig 1)

Fonte Site Alma Petra

Figura 1 Quadro de Modesto Brocos y Goacutemez (A Redenccedilatildeo de Cam 1885)

O quadro representa uma constituiccedilatildeo familiar ideal no contexto do branqueamento que rege as relaccedilotildees raciais no panorama brasileiro trazendo trecircs geraccedilotildees marcadas pela gradaccedilatildeo de cor A obra foi pintada enquanto Modesto Brocos y Goacutemez espanhol branco radicado no Brasil lecionava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro O afeto entre pessoas negras natildeo corresponde a um ideal presente no projeto racial do nosso paiacutes

A obra de Modesto como apontam Lotierzo e Schwarcz (2013) na medida em que retrata uma crianccedila pequenininha e o pai como brancos do sexo masculino constroacutei uma narrativa em que existe ruptura tanto de raccedila quanto de gecircnero

Se eacute verdade que o movimento percorrido pela obra vai do negro ao branco em conformidade com as projeccedilotildees de uma vertente do pensamento racista do periacuteodo que apostava no branqueamento eacute possiacutevel pensar que o quadro tem gecircnero definido uma vez que o futuro racial da famiacutelia em cena eacute um menino branco o quadro procura exprimir atraveacutes da configuraccedilatildeo raccedilagecircnero um certo olhar masculino de cumplicidade entre cavalheiros assentado no impulso a confirmar a paternidade (branca) da crianccedila (LOTIERZO SCHWARCZ p 5)

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

Page 2: ARTIGOS FEMINISMO NEGRO E PENSAMENTO INTERSECCIONAL

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Introduccedilatildeo

E ste artigo busca contribuir a partir do Feminismo Negro com os estudos das culturas infantis explorando os aspectos relativos agraves (re)interpretaccedilotildees das crianccedilas pequenininhas negras e brancas de 0 a 3 anos de um coletivo infantil em uma creche puacuteblica da regiatildeo metropolitana

de Campinas (SP) acerca das intersecccedilotildees das praacuteticas racistas e sexistas Os dados aqui apresentados foram coletados durante a realizaccedilatildeo de uma pesquisa etnograacutefica em que o pesquisador esteve junto agraves crianccedilas pequenininhas brancas e negras durante um ano indo quatro vezes no periacuteodo da manhatilde e uma vez no periacuteodo da tarde

O fazer etnograacutefico exige um estado de alerta constante no tocante a metodologias relativas ao controle sendo sempre necessaacuterio nos recordarmos da maacutexima de estranhar o familiar e familiarizar-se com o estranho (VELHO 1978) de modo a experienciar diferentes encontros no campo de pesquisa Nem sempre o estar em campo se faz de modo tranquilo vivemos intensamente as inconstacircncias presentes em quaisquer relaccedilotildees existentes na sociedade o processo de estranhamento do familiar demora tempo e exige leituras teoacutericas e disposiccedilatildeo para perceber movimentos gestos e relaccedilotildees de afeto de vaacuterios tipos antes naturalizados

Nossa argumentaccedilatildeo adotaraacute os seguintes caminhos traremos agrave cena as crianccedilas pequenininhas negras e brancas e suas resistecircncias Buscaremos compreender de que modo as meninas pequenininhas e os meninos pequenininhos percebem reinventam e reinterpretam a intersecccedilatildeo entre as praacuteticas racistas e as praacuteticas sexistas Para tal anaacutelise partiremos da perspectiva do Feminismo Negro destacando suas indagaccedilotildees e contribuiccedilotildees para o campo da educaccedilatildeo em especial para a educaccedilatildeo infantil primeira etapa da educaccedilatildeo baacutesica Por meio dos estudos de feministas negras pretendemos demonstrar a importacircncia de se pensar uma articulaccedilatildeo entre os marcadores sociais de diferenccedila raccedila e gecircnero com as mulheres negras como as principais protagonistas que alavancam tal discussatildeo seja no campo acadecircmico seja na luta social por equidade1

Os dados nos quais nossas reflexotildees se baseiam resultam de uma pesquisa etnograacutefica realizada em uma creche puacuteblica da regiatildeo metropolitana de Campinas (SP) com um coletivo de crianccedilas

FEMINISMO NEGRO E PENSAMIENTO INTERSECCIONAL CONTRIBUCIONES PARA LA INVESTIGACIOacuteN CON

CULTURAS INFANTILES

RESUMEN El propoacutesito de este artiacuteculo es basado en el pensamiento feminista negro contribuir a los estudios de la produccioacuten de culturas infantiles refirieacutendose a la participacioacuten de nintildeos y nintildeas desde la primera infancia en la construccioacuten de la realidad social llevando a la escena a nintildeos y nintildeas de 0 a 3 antildeos del colectivo infantil de una escuela infantil puacuteblica y sus reinterpretaciones sobre las intersecciones entre las praacutecticas racistas y sexistas Traeremos a discusioacuten a los nintildeos chiquititos y nintildeas chiquititas blancos y negros su resistencia y transgresiones que tensan las jerarquiacuteas patriarcales y racistas Al construir otras formas de vivir en el mundo a traveacutes de sus juegos lanzan otra mirada sobre las relaciones vigentes en la sociedad y desafiacutean el poder adultoceacutentrico que intenta silenciarlos

Palabras clave Feminismo Negro Racismo Culturas infantiles Centros infantile Nintildeos y nintildeas chiquititos(as)

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pequenininhas de 0 a 3 anos Eacute importante destacar que ldquoa escolha por uma denominaccedilatildeo especiacutefica como lsquopequenininhasrsquo para estas crianccedilas natildeo pretende ocultar seu lugar no diminutivo pelo contraacuterio busca demarcara sua existecircncia naquilo que satildeo e na grandeza do que representamrdquo (PRADO 1999 p 111) Independente de nossa idade cronoloacutegica construiacutemos relaccedilatildeo para com um mundo somos atores e atrizes sociais desde o primeiro choro modificando as relaccedilotildees ao nosso entorno ldquoConsideramos os bebecircs como cidadatildeos(atildes) de pouca idade (cf BENJAMIN 1984) crianccedilas pequenininhas natildeo como uma categoria agrave parte mas como integrantes do que denominamos crianccedilas e da categoria infacircnciardquo (MACEDO 2016 p 12)2 A pesquisa com crianccedilas pequenininhas se caracteriza como um grande desafio pois natildeo basta se sentar com as crianccedilas no chatildeo e brincar eacute necessaacuterio ser aceito(a) criar caminhos de aproximaccedilatildeo e compreender outras linguagens sentir e falar Conveacutem frisar a relevacircncia das pesquisas com crianccedilas negras e educaccedilatildeo para as infacircncias em nosso paiacutes uma vez que os estudos que trazem como foco as crianccedilas negras muitas vezes ainda recaem em uma perspectiva hegemocircnica ao analisar as experiecircncias tanto no vieacutes da pesquisa educacional quanto no cotidiano das creches e preacute-escolas nas quais as crianccedilas negras estatildeo em maior nuacutemero (GOMES 2019)

Quando realizamos pesquisa sobre as culturas infantis eacute fundamental mantermos alerta nossos olhos e ouvidos jaacute adultos em muitos momentos eles natildeo nos permitem captar com maestria aquilo que os meninos e as meninas fazem concretamente (SANTIAGO 2019a) agraves vezes podemos interpretar de modo adultocecircntrico3 um abraccedilo caindo na armadilha de interpretar a infacircncia ldquoem periacuteodo temporal de incapacidade generalizada eou de preparo para a aquisiccedilatildeo de capacidades por vir []rdquo (MIGUEL 2015 p 39) Paralelamente a esse aspecto tambeacutem temos de estar atentos ao nosso local de fala pois tudo o que escrevemos e observamos estaacute inserido no contexto histoacuterico e num lugar singular o que escrevemos estaacute situado posicionado Nesse sentido nosso local de fala neste artigo eacute de pessoas brancas comprometidas com a luta antirracista

Este artigo natildeo pertence ao campo epistemoloacutegico do Feminismo Negro pois como argumenta Collins (1990) viver a vida como uma mulher negra eacute preacute-requisito para produzir o pensamento feminista negro Assim somos aliados agraves principais agendas poliacuteticas reivindicadas pelas mulheres negras o que inclui tambeacutem uma autocriacutetica constante do nosso lugar como pesquisador branco e pesquisadora branca bem como um reconhecimento de nossos privileacutegios no contexto estruturante das relaccedilotildees raciais Quando destacamos os pontos de partida das interpretaccedilotildees ao longo do artigo natildeo estamos nos referindo somente agraves experiecircncias individuais mas procurando entender o lugar social de onde falamos localizando-nos nas redes de poder as quais interferem diretamente nas experiecircncias do mundo bem como no reconhecimento da humanidade das pessoas (RIBEIRO 2017)

Para cumprir tal intento o artigo estaacute organizado da seguinte maneira inicialmente seratildeo apresentadas algumas inquietaccedilotildees propostas pelo Feminismo Negro e posteriormente traremos fragmentos do diaacuterio de campo da pesquisa de Santiago (2019a) tambeacutem autor deste artigo Analisaremos os fragmentos desse caderno de campo a partir das criacuteticas e dos esforccedilos realizados e expressos no pensamento das feministas negras no intuito de evidenciar a necessidade de se pensar para aleacutem de uma ideia abstrata de relaccedilotildees de gecircnero Destacaremos tambeacutem as reverberaccedilotildees das mazelas postas pelos sistemas de opressatildeo na infacircncia O Feminismo Negro como destaca Pereira ldquoeacute um grande aliado para o entendimento das opressotildees e silenciamentos que tanto a meninamulher negra quanto o meninohomem negro sofrem na sociedaderdquo (2020 p 94-95) Na sequecircncia traremos para discussatildeo a importacircncia de se ater tambeacutem ao protagonismo infantil tomando as crianccedilas pequenininhas como atrizes sociais as quais redesenham e resistem agraves formas de imposiccedilatildeo e predeterminaccedilotildees estabelecidas pelos estereoacutetipos de gecircnero e raccedila

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Feminismo Negro Rompendo com o Legado Eurocecircntrico

O conceito de Feminismo Negro vem sendo desenvolvido por mulheres negras ativistas haacute mais de um seacuteculo as resistecircncias seja pelos abortos dos filhos frutos dos estupros dos senhores seja pela militacircncia acadecircmica atualmente satildeo exemplo desse movimento O ponto de vista das mulheres negras desafia o que eacute normalmente tomado como verdade e ao mesmo tempo questiona o processo por meio do qual as Ciecircncias Sociais vecircm sendo produzidas haacute anos

A singularidade da condiccedilatildeo racial da mulher negra e a categoria raccedila serviram no momento inicial como moeda simboacutelica para frente agraves feministas ldquobrancasrdquo criar a diferenciaccedilatildeo ndash moeda da condiccedilatildeo mulher (gecircnero) como instrumento de questionamento ao movimento negro a respeito das posiccedilotildees secundaacuterias assumidas e impostas agraves lideranccedilas femininas no seio das entidades dos vaacuterios segmentos do movimento negro (MOREIRA 2011 p 116-117)

O Feminismo Negro a partir das deacutecadas de 1970 e 1980 tem sua expressatildeo mais acentuada com a produccedilatildeo intelectual de feministas negras a exemplo no Brasil de Leacutelia Gonzalez (1983) Essas produccedilotildees denunciam a invisibilidade das mulheres negras no feminismo rompendo com a ideia de uma mulher geneacuterica construiacuteda pelo proacuteprio legado do sexismo e do patriarcado ocidental ndash e ldquoisso acontecia devido ao fato de natildeo se identificarem com um movimento branco e de classe meacutedia e pela falta de empatia em perceber que mulheres negras possuem pontos de partida diferentes []rdquo (RIBEIRO 2018 p 74) Assim as feministas negras nos alertam em relaccedilatildeo a assumir posiccedilotildees que parecem representaccedilotildees da totalidade pois essas acabam por reproduzir inuacutemeras vezes epistemologias que policiam qualquer posiccedilatildeo que se desvie da experiecircncia oficial do que seja mulher branca cis heterossexual O racismo e sexismo se combinam e criam barreiras nocivas entre as mulheres (hooks 2018) As mulheres negras ao questionarem a loacutegica de pensamento ateacute entatildeo legitimada dentro do feminismo branco cisgecircnico e eurocentrado revolucionaram o modo com o qual o proacuteprio movimento construiacutea sua agenda poliacutetica e compartilhava suas experiecircncias no que tange a ser mulher e agraves suas lutas pela desconstruccedilatildeo do patriarcado e do machismo

O Feminismo Negro eacute um campo epistemoloacutegico e poliacutetico que pode ser vinculado ao espaccedilo da negritude natildeo apenas desafiando as formas de dominaccedilatildeo de uma sociedade tradicionalmente branca e masculina como tambeacutem colocando em tensionamento a produccedilatildeo de conhecimento desse grupo (WESCHENFELDER FABRIS 2019) De acordo com Carneiro (2011) as mulheres negras se constituem e lutam em duas frentes uma de ldquoenegrecerrdquo a agenda do movimento feminista e outra de ldquosexualizarrdquo as pautas do movimento social de negras e negros trazendo olhares para as diferenccedilas nas discussotildees e nas praacuteticas poliacuteticas desses segmentos Cria-se assim uma dupla percepccedilatildeo tanto na afirmaccedilatildeo de novos sujeitos poliacuteticos quanto na reivindicaccedilatildeo de um reconhecimento da diversidade e das desigualdades existentes entre os sujeitos

O feminismo traz uma contribuiccedilatildeo importantiacutessima do ponto de vista de uma visatildeo de mundo Mas as feministas tambeacutem satildeo formadas para desconhecer as desigualdades raciais Formadas para pensar o Brasil como uma democracia racial E aiacute contraditoriamente ainda que o movimento feminista consiga perceber em que niacutevel a diferenccedila de sexo eacute utilizada na reproduccedilatildeo das desigualdades natildeo consegue perceber como as diferenccedilas raciais satildeo trabalhadas na perspectiva da recriaccedilatildeo constante dos mecanismos de discriminaccedilatildeo racial (BAIRROS 2008 s p)

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Nenhuma intervenccedilatildeo conforme aponta hooks (2018) mudou mais a agenda poliacutetica do feminismo do que reconhecer a realidade do racismo nas vidas das mulheres e meninas negras enquanto apenas era priorizado o gecircnero as mulheres brancas assumiam o palco das discussotildees e pautas natildeo havendo uma sororiedade entre as vivecircncias e experiecircncias As hierarquias raciais tambeacutem se faziam dentro do movimento

No campo teoacuterico um dos desdobramentos das criacuteticas trazidas pelas feministas negras leacutesbicas e mulheres de paiacuteses colonizados e colonizadores foi o desenvolvimento da teoria interseccional que procura captar a complexidade da articulaccedilatildeo entre gecircnero e outras diferenccedilas sociais (FACCHINI 2018) O feminismo tem contribuiacutedo para transformar a ciecircncia enriquecendo tanto a discussatildeo da questatildeo racial quanto a questatildeo de gecircnero na sociedade brasileira (RIBEIRO 2018) Como destaca Moreira ldquoa luta das mulheres negras eacute comprometida com o resgate das suas histoacuterias recriando em suas potencialidades a tentativa de buscar mudanccedilas que permitam novas experiecircncias relacionais de poder na sociedaderdquo (2017 p 12)

Uma das principais contribuiccedilotildees do Feminismo Negro foi questionar a visatildeo eurocecircntrica ocidental e universal das mulheres na qual o feminismo branco se fundamentava isso natildeo significa que os termos ldquomulherrdquo e ldquomeninardquo tenham deixado de ser uacuteteis porque eacute indispensaacutevel que sejam entendidos como conceitos que referenciam muacuteltiplas vivecircncias (KYRILLOS 2020)

As experiecircncias que marcam as histoacuterias das meninas brancas e negras bem como meninos negros e brancos satildeo distintas existindo vivencias diferenciadas na estrutura hieraacuterquica racista sexista e de classe (SANTIAGO 2019b) Nessa perspectiva as diferenccedilas entre brancos(as) e negros(as) natildeo estatildeo em suas essecircncias mas se apresentam como ldquo[] diferenccedila de condiccedilotildees sociaisrdquo (BRAH 2006 p 341) Assim no contexto de pensar as especificidades das infacircncias a perspectiva feminista negra aponta Pereira ldquotraz na sua pauta de lutas a importacircncia de se discutir essas questotildees que evoco no sentido de desconstruir e derrubar padrotildees socialmente naturalizados [] que na maioria das vezes satildeo sutis e que natildeo reconhecemosrdquo (2020 p 95)

O conceito de interseccionalidade natildeo tem sua origem ldquoacademicistardquo no Brasil mas nos Estados Unidos e ganhou popularidade na Conferecircncia Mundial contra Racismo Discriminaccedilatildeo Racial Xenofobia e Formas Conexas de Intoleracircncia em Durban na Aacutefrica do Sul em 2001 Crenshaw (2002) foi uma de suas criadoras e afirma que as intersecccedilotildees entre raccedila e gecircnero contribuem de maneira efetiva para estruturar a vida de mulheres negras e homens negros sobretudo pelas praacuteticas racistas e sexistas A autora tambeacutem destaca que o machismo e o racismo natildeo satildeo os uacutenicos marcadores sociais de diferenccedila que podem ser pautados em uma discussatildeo interseccional Ademais pode-se afirmar que esse conceito ldquo[] eacute uma sensibilidade analiacutetica pensada por feministas negras cujas experiecircncias e reivindicaccedilotildees intelectuais eram inobservadas tanto pelo feminismo branco quanto pelo movimento antirracista a rigor focado nos homens negrosrdquo (AKOTIRENE 2018 p 13)

De acordo com esses pressupostos a perspectiva da interseccionalidade na medida em que captura ldquo[] as consequecircncias estruturais e dinacircmicas da interaccedilatildeo entre dois ou mais eixos de subordinaccedilatildeordquo (CRENSHAW 2002 p 177) eacute indispensaacutevel agrave anaacutelise das hierarquias produzidas e reproduzidas nas diferentes esferas da vida social inclusive quando pensamos as culturas infantis pois as relaccedilotildees construiacutedas refletem problemas oriundos da inter-relaccedilatildeo de diferentes categorias as crianccedilas desde que nascem estatildeo inseridas na sociedade (SANTIAGO 2020) Assim a interseccionalidade como aponta Akotirene (2018) visa dar instrumentalidade teoacuterico-metodoloacutegica agrave inseparabilidade estrutural de racismo capitalismo e ldquocisheteropatriarcadordquo permitindo-nos enxergar a colisatildeo das estruturas a interaccedilatildeo simultacircnea das opressotildees aleacutem do fracasso do feminismo branco eurocentrado no sentido de contemplar as mulheres negras

As mulheres negras quando reivindicaram uma nova forma de se olhar para as relaccedilotildees de gecircnero ensinaram que as opressotildees estabelecidas pelos sistemas sexistas e patriarcais natildeo satildeo elementos que devem

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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ser pensados de modo isolado ndash a vida natildeo se faz apenas por meio de uma faceta social Os marcadores como classe raccedila e idade tambeacutem influenciam diretamente as vivecircncias e os modos pelos quais os sujeitos estabelecem sua relaccedilatildeo na sociedade tornando fundamental pensarmos o contexto social de um modo interseccional ldquoAs feministas negras brasileiras entatildeo inauguram no paiacutes um debate em que eacute possiacutevel [] articular distintas formas de dominaccedilatildeo e posiccedilotildees de desigualdade acionadas nos discursos regulatoacuteriosrdquo (OLIVEIRA 2018 p 35)

A interseccionalidade como destaca Santiago visa destacar como ldquoas relaccedilotildees historicamente contingentes e especiacuteficas a determinada conjuntura constroem modos de vida e legitimam processos de hierarquizaccedilatildeordquo (2019a p 6) desse modo ldquonatildeo se pode explicar o racismo abstraindo-o das outras relaccedilotildees sociaisrdquo (MELLINO 2019 p 117) Em especial neste artigo o olhar feminista negro nos forneceu aportes para problematizar e questionar algumas accedilotildees docentes e brincadeiras das crianccedilas pequenininhas observadas durante o trabalho de campo possibilitando-nos fazer interpretaccedilotildees dos dados obtidos por meio de novas lentes que favorecessem pensar os processos de intersecccedilatildeo e suas correlaccedilotildees histoacutericas

As Crianccedilas Pequenininhas Rabiscam as Fronteiras das Praacuteticas Racistas e Sexistas

As crianccedilas pequenininhas natildeo satildeo apenas produzidas pelas culturas tambeacutem satildeo produtoras de cultura As diferenccedilas entre os meninos pequenininhos e as meninas pequenininhas e entre elas e eles e os(as) adultos(as) natildeo satildeo quantitativas mas qualitativas a crianccedila natildeo sabe menos sabe outras coisas (COHN 2005) As crianccedilas quando brincam com os brinquedos ou de faz de conta experimentam e representam papeacuteis que estatildeo para aleacutem das convenccedilotildees sociais e determinaccedilotildees de gecircnero Por isso eacute preciso que as instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil compreendam o potencial transformador e transgressor das crianccedilas permitindo-lhes manifestarem suas linguagens nos diferentes tempos e espaccedilos de conviacutevio e interaccedilatildeo (SAYAtildeO 2016)

Fernandes (2004) realizou uma pesquisa pioneira no Brasil a respeito das culturas infantis no bairro do Bom Retiro em Satildeo Paulo na deacutecada de 1940 Em sua pesquisa o socioacutelogo afirma que as crianccedilas natildeo apenas imitam mas tambeacutem modificam a sociedade por meio da cultura infantil No acircmago da experiecircncia direta e concreta elas compreendem ldquocomo agir em cada circunstacircncia na qualidade de parceiro e membro de dado agrupamento social haacute um tempordquo (FERNANDES 2004 p 207) Eacute importante destacar que Florestan Fernandes utilizou o conceito de cultura infantil no singular o que reflete o contexto sociocultural da eacutepoca e uma escolha teoacuterica que generaliza a dimensatildeo simboacutelica da infacircncia Entretanto noacutes autor e coautora deste artigo partimos dos estudos da Pedagogia da Infacircncia na interface com as Ciecircncias Sociais Portanto utilizamos o conceito de cultura infantil no plural para demarcar a existecircncia de diferentes infacircncias e a pluralidade de experiecircncias no fazer das crianccedilas quando estatildeo juntas Pensar uma infacircncia universal e geneacuterica eacute um equiacutevoco como bem apontam as feministas negras toda generalizaccedilatildeo eacute uma forma de dominaccedilatildeo encobrindo uma realidade soacutecio-histoacuterica4

Santiago (2019a) destaca em sua tese de doutorado que em um dia no iniacutecio da primavera de 2016 todos(as) na turma (incluindo as docentes e ele pesquisador) se animaram para brincar no espaccedilo externo de modo a poder tambeacutem pegar um pouco do sol da manhatilde Uma das docentes propocircs levar um fogatildeozinho e algumas panelinhas para as crianccedilas pequenininhas brincarem A ideia natildeo era criar uma brincadeira especiacutefica mas deixar que elas construiacutessem as proacuteprias relaccedilotildees com aqueles objetos Nesse dia os meninos pequenininhos negros e brancos assumiram o comando da brincadeira soacute posteriormente as meninas pequenininhas negras e brancas foram convidadas por eles para participar

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Inquieto com a forma com que estruturaram a brincadeira Santiago resolveu se aproximar e perguntar ldquoO que vocecircs estatildeo fazendo de gostoso Eu posso comerrdquo (2019a p 68) Imediatamente um menino pequenininho branco respondeu ldquoEstamos fazendo comida da forccedila Comida pra trabalhar Vocecirc natildeo pode comer Eacute pra Afy Baina e Dofi5 elas vatildeo trabalharrdquo Apoacutes essa afirmaccedilatildeo o pesquisador ficou na duacutevida do que era considerado trabalho e perguntou ldquoMas eu tambeacutem vou trabalhar natildeo trabalhordquo Sem hesitar o menino pequenininho branco respondeu ldquoNatildeo vocecirc fica aqui brincando com a gente Elas vatildeo trabalhar em outro lugarrdquo (SANTIAGO 2019a p 68) Depois dessa resposta as crianccedilas pequenininhas voltaram a brincar entre elas e natildeo permitiram que o pesquisador continuasse a participar da brincadeira

Na busca por conhecer e reconhecer as relaccedilotildees de gecircnero entre meninas e meninos na educaccedilatildeo infantil eacute fundamental observar a crianccedilada e suas criaccedilotildees (GOBBI 2015 p 159) Isso requer construir uma escuta autecircntica que busque observar natildeo as ideias preacute-concebidas a respeito da infacircncia ou os projetos sociais que meninos e meninas desempenham na sociedade mas os modos capazes de perceber as crianccedilas nos seus proacuteprios pensamentos (SOCI 2015) No caso descrito anteriormente nota-se a ironia dos meninos na inversatildeo dos papeacuteis de gecircnero tradicionais em que o homem come a forccedila pois vai trabalhar fora de casa Ali eram as meninas que iam trabalhar O pesquisador ficaria brincando com os meninos sem comer

Nem tudo do universo adulto tem o mesmo sentido para as crianccedilas pequenininhas por isso eacute fundamental estarmos atentos e natildeo deixarmos que nossos estereoacutetipos limitem a experienciaccedilatildeo do mundo de meninos e meninas As crianccedilas pequenininhas nos mostram que haacute inuacutemeras possibilidades de existir e construir as infacircncias bem como de vivenciar as relaccedilotildees de gecircnero

[] quando a gente estava fazendo ensaio da muacutesica da sementinha quando eu levei a muacutesica para as crianccedilas eu propus eu falei ldquovamos fazer uma representaccedilatildeo dessa muacutesica com as crianccedilas corporalmente vamos representar a muacutesicardquo E aiacute que eu sugeri confeccionar as nuvens e fazer o sol E aiacute todas as vezes que a gente brincava com a muacutesica que eu falo que era uma brincadeira natildeo tinha personagens fixos mas a Layla [menina negra pequenininha] ela sempre pediu ldquodeixa eu ser o solrdquo Eu achei o maacuteximo assim neacute ldquodeixa eu serrdquo E aiacute ela foi muito enfaacutetica porque na realidade as crianccedilas querem ser as coisas porque elas querem experimentar os papeacuteis e ela foi muito enfaacutetica porque eu acho que ela sempre foi o sol eu acho que o sol foi o uacutenico elemento que natildeo teve rotatividade de crianccedilas ldquodeixa eu quero serrdquo e ela pedia muito ldquoEntatildeo taacute bom vai laacute ser o sol vai falar para a Dacia te dar o solrdquo Zarina docente branca informaccedilatildeo verbal (SANTIAGO 2019a p 85)

Layla quer ser o sol brilhar Transcende o processo de racializaccedilatildeo que marca a subjetividade das meninas negras com elementos do racismo e sexismo durante o ensaio e a apresentaccedilatildeo da peccedila Ela pode ser a responsaacutevel por fazer as flores crescerem durante a primavera tomando em suas matildeos a produccedilatildeo da vida Como destaca Silva (1998) as mulheres negras querem deixar de ser apenas estatiacutesticas e ter o protagonismo na vida ser representadas querem se fazer ver e conhecer tal como satildeo As meninas pequenininhas negras querem ser almejam ter o protagonismo de tal modo como tecircm apontado historicamente as feministas negras em relaccedilatildeo agraves mulheres negras na construccedilatildeo da histoacuteria e da sociedade

Assim como Layla (menina negra pequenininha) outras meninas pequenininhas em diferentes momentos na pesquisa de Santiago (2019a) produziram formas de experimentaccedilatildeo do seu protagonismo e criaram formas de organizaccedilatildeo da vida Como exemplo tambeacutem temos a cena em que Chioma (menina negra pequenininha) e Dalila (menina branca pequenininha) decidem levar os cavalos para passear em um ato de amizade e ruptura com a ideia de feminilidade ligada agrave maternagem expressa muitas vezes pelo cuidado com as bonecas Como aponta Santiago (2019a) as meninas pequenininhas natildeo apenas empurravam os cavalos

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mas tambeacutem se tornaram liacutederes de um pequeno rebanho de trecircs animais com eles Chioma e Dalila subiam os morros da creche e guerreavam com aquelesas que desejavam roubaacute-los A ideia de menina delicada recatada e submissa estava borrada pela potencialidade intempestiva de duas pastoras fortes decididas e autocircnomas

Culturas Infantis e Relaccedilotildees Afetivas o Olhar da Colonialidade6 para as Brincadeiras das Crianccedilas Pequenininhas

A forma com que concebemos as relaccedilotildees afetivas e sexuais entre as pessoas adultas prioriza a heterossexualidade por meio de um dispositivo que a naturaliza e ao mesmo tempo tornando-a compulsoacuteria expressando expectativas demandas e obrigaccedilotildees sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e portanto fundamento da sociedade (MISKOLCI 2009)7

Um exemplo desse olhar pode ser percebido em uma conversa que o pesquisador Santiago teve com a docente Adeola enquanto observavam as crianccedilas brincando no ambiente externo da creche em que era realizada a pesquisa

ndash Vocecirc jaacute viu como a Farisa [menina branca pequenininha] e o Ife [menino branco pequenininho] brincam sempre juntos Acho que eles satildeo um casalzinho vivem juntos sempre Ele chega e jaacute procura ela eacute uma coisa impressionante Ano passado ele batia muito nela e acho que ela acabou gostando porque hoje natildeo desgruda ndash Fragmento do diaacuterio de campo de Flaacutevio Santiago agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 79)

Durante a realizaccedilatildeo das entrevistas com Santiago as docentes retomaram o tema de as duas crianccedilas pequenininhas brincarem juntas motivo sempre de um olhar normativo

ndash Farisa e Ife satildeo brancos homem e mulher entatildeo natildeo haacute muita mistura de cor nos casais da sala Informaccedilatildeo verbal Adeola docente negra entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 80)

ndash A Farisa [menina branca pequenininha] eu sempre vejo com o Ife [menino branco pequenininho] mas aiacute eu natildeo sei as meninas dizem que essa afinidade vem do ano anterior e diz que eles estavam juntos no berccedilaacuterio e que o Ife batia muito nela e que ela sempre aceitou neacute receber as agressotildees Eu vejo que eles brincam muito juntos mas eu natildeo sei se eacute porque foi reforccedilada essa relaccedilatildeo entre eles Informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 82)

Nesse contexto eacute importante pensarmos qual imagem se tem das meninas pois ldquo[q]uando falamos do mito da fragilidade feminina que justificou historicamente a proteccedilatildeo paternalista dos homens sobre as mulheres de que mulheres estamos falandordquo (CARNEIRO 2011 p 50) Teriacuteamos o mesmo discurso das docentes se fossem duas crianccedilas negras pequenininhas Ou se a menina pequenininha fosse negra

Em contrapartida satildeo acionadas nesse contexto as tramas do racismo que reforccedilam os ideais de brancura e naccedilatildeo amalgamando relaccedilotildees afetivas entre pessoas brancas de sexo oposto Jaacute para as pessoas negras satildeo interditadas essas mesmas experiecircncias afetivas e consequentemente natildeo compotildeem a imagem de formaccedilatildeo de uma famiacutelia normativa burguesa alicerccedilada na ideia do amor romacircntico (SANTIAGO 2019a) Os traccedilos fenotiacutepicos e a esteacutetica satildeo codificados como elementos que obstruem as preferecircncias afetivas

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Nesse contexto as praacuteticas racistas dividem e recortam relaccedilotildees colaborando para o isolamento afetivo (PACHECO 2008)

As relaccedilotildees matrimoniais no Brasil como apontam as feministas negras satildeo marcadas diretamente pela hierarquizaccedilatildeo racial dos sujeitos um exemplo ilustrativo desse processo eacute o quadro do pintor espanhol Modesto Brocos y Goacutemez A Redenccedilatildeo de Cam (1895) (Fig 1)

Fonte Site Alma Petra

Figura 1 Quadro de Modesto Brocos y Goacutemez (A Redenccedilatildeo de Cam 1885)

O quadro representa uma constituiccedilatildeo familiar ideal no contexto do branqueamento que rege as relaccedilotildees raciais no panorama brasileiro trazendo trecircs geraccedilotildees marcadas pela gradaccedilatildeo de cor A obra foi pintada enquanto Modesto Brocos y Goacutemez espanhol branco radicado no Brasil lecionava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro O afeto entre pessoas negras natildeo corresponde a um ideal presente no projeto racial do nosso paiacutes

A obra de Modesto como apontam Lotierzo e Schwarcz (2013) na medida em que retrata uma crianccedila pequenininha e o pai como brancos do sexo masculino constroacutei uma narrativa em que existe ruptura tanto de raccedila quanto de gecircnero

Se eacute verdade que o movimento percorrido pela obra vai do negro ao branco em conformidade com as projeccedilotildees de uma vertente do pensamento racista do periacuteodo que apostava no branqueamento eacute possiacutevel pensar que o quadro tem gecircnero definido uma vez que o futuro racial da famiacutelia em cena eacute um menino branco o quadro procura exprimir atraveacutes da configuraccedilatildeo raccedilagecircnero um certo olhar masculino de cumplicidade entre cavalheiros assentado no impulso a confirmar a paternidade (branca) da crianccedila (LOTIERZO SCHWARCZ p 5)

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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pequenininhas de 0 a 3 anos Eacute importante destacar que ldquoa escolha por uma denominaccedilatildeo especiacutefica como lsquopequenininhasrsquo para estas crianccedilas natildeo pretende ocultar seu lugar no diminutivo pelo contraacuterio busca demarcara sua existecircncia naquilo que satildeo e na grandeza do que representamrdquo (PRADO 1999 p 111) Independente de nossa idade cronoloacutegica construiacutemos relaccedilatildeo para com um mundo somos atores e atrizes sociais desde o primeiro choro modificando as relaccedilotildees ao nosso entorno ldquoConsideramos os bebecircs como cidadatildeos(atildes) de pouca idade (cf BENJAMIN 1984) crianccedilas pequenininhas natildeo como uma categoria agrave parte mas como integrantes do que denominamos crianccedilas e da categoria infacircnciardquo (MACEDO 2016 p 12)2 A pesquisa com crianccedilas pequenininhas se caracteriza como um grande desafio pois natildeo basta se sentar com as crianccedilas no chatildeo e brincar eacute necessaacuterio ser aceito(a) criar caminhos de aproximaccedilatildeo e compreender outras linguagens sentir e falar Conveacutem frisar a relevacircncia das pesquisas com crianccedilas negras e educaccedilatildeo para as infacircncias em nosso paiacutes uma vez que os estudos que trazem como foco as crianccedilas negras muitas vezes ainda recaem em uma perspectiva hegemocircnica ao analisar as experiecircncias tanto no vieacutes da pesquisa educacional quanto no cotidiano das creches e preacute-escolas nas quais as crianccedilas negras estatildeo em maior nuacutemero (GOMES 2019)

Quando realizamos pesquisa sobre as culturas infantis eacute fundamental mantermos alerta nossos olhos e ouvidos jaacute adultos em muitos momentos eles natildeo nos permitem captar com maestria aquilo que os meninos e as meninas fazem concretamente (SANTIAGO 2019a) agraves vezes podemos interpretar de modo adultocecircntrico3 um abraccedilo caindo na armadilha de interpretar a infacircncia ldquoem periacuteodo temporal de incapacidade generalizada eou de preparo para a aquisiccedilatildeo de capacidades por vir []rdquo (MIGUEL 2015 p 39) Paralelamente a esse aspecto tambeacutem temos de estar atentos ao nosso local de fala pois tudo o que escrevemos e observamos estaacute inserido no contexto histoacuterico e num lugar singular o que escrevemos estaacute situado posicionado Nesse sentido nosso local de fala neste artigo eacute de pessoas brancas comprometidas com a luta antirracista

Este artigo natildeo pertence ao campo epistemoloacutegico do Feminismo Negro pois como argumenta Collins (1990) viver a vida como uma mulher negra eacute preacute-requisito para produzir o pensamento feminista negro Assim somos aliados agraves principais agendas poliacuteticas reivindicadas pelas mulheres negras o que inclui tambeacutem uma autocriacutetica constante do nosso lugar como pesquisador branco e pesquisadora branca bem como um reconhecimento de nossos privileacutegios no contexto estruturante das relaccedilotildees raciais Quando destacamos os pontos de partida das interpretaccedilotildees ao longo do artigo natildeo estamos nos referindo somente agraves experiecircncias individuais mas procurando entender o lugar social de onde falamos localizando-nos nas redes de poder as quais interferem diretamente nas experiecircncias do mundo bem como no reconhecimento da humanidade das pessoas (RIBEIRO 2017)

Para cumprir tal intento o artigo estaacute organizado da seguinte maneira inicialmente seratildeo apresentadas algumas inquietaccedilotildees propostas pelo Feminismo Negro e posteriormente traremos fragmentos do diaacuterio de campo da pesquisa de Santiago (2019a) tambeacutem autor deste artigo Analisaremos os fragmentos desse caderno de campo a partir das criacuteticas e dos esforccedilos realizados e expressos no pensamento das feministas negras no intuito de evidenciar a necessidade de se pensar para aleacutem de uma ideia abstrata de relaccedilotildees de gecircnero Destacaremos tambeacutem as reverberaccedilotildees das mazelas postas pelos sistemas de opressatildeo na infacircncia O Feminismo Negro como destaca Pereira ldquoeacute um grande aliado para o entendimento das opressotildees e silenciamentos que tanto a meninamulher negra quanto o meninohomem negro sofrem na sociedaderdquo (2020 p 94-95) Na sequecircncia traremos para discussatildeo a importacircncia de se ater tambeacutem ao protagonismo infantil tomando as crianccedilas pequenininhas como atrizes sociais as quais redesenham e resistem agraves formas de imposiccedilatildeo e predeterminaccedilotildees estabelecidas pelos estereoacutetipos de gecircnero e raccedila

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Feminismo Negro Rompendo com o Legado Eurocecircntrico

O conceito de Feminismo Negro vem sendo desenvolvido por mulheres negras ativistas haacute mais de um seacuteculo as resistecircncias seja pelos abortos dos filhos frutos dos estupros dos senhores seja pela militacircncia acadecircmica atualmente satildeo exemplo desse movimento O ponto de vista das mulheres negras desafia o que eacute normalmente tomado como verdade e ao mesmo tempo questiona o processo por meio do qual as Ciecircncias Sociais vecircm sendo produzidas haacute anos

A singularidade da condiccedilatildeo racial da mulher negra e a categoria raccedila serviram no momento inicial como moeda simboacutelica para frente agraves feministas ldquobrancasrdquo criar a diferenciaccedilatildeo ndash moeda da condiccedilatildeo mulher (gecircnero) como instrumento de questionamento ao movimento negro a respeito das posiccedilotildees secundaacuterias assumidas e impostas agraves lideranccedilas femininas no seio das entidades dos vaacuterios segmentos do movimento negro (MOREIRA 2011 p 116-117)

O Feminismo Negro a partir das deacutecadas de 1970 e 1980 tem sua expressatildeo mais acentuada com a produccedilatildeo intelectual de feministas negras a exemplo no Brasil de Leacutelia Gonzalez (1983) Essas produccedilotildees denunciam a invisibilidade das mulheres negras no feminismo rompendo com a ideia de uma mulher geneacuterica construiacuteda pelo proacuteprio legado do sexismo e do patriarcado ocidental ndash e ldquoisso acontecia devido ao fato de natildeo se identificarem com um movimento branco e de classe meacutedia e pela falta de empatia em perceber que mulheres negras possuem pontos de partida diferentes []rdquo (RIBEIRO 2018 p 74) Assim as feministas negras nos alertam em relaccedilatildeo a assumir posiccedilotildees que parecem representaccedilotildees da totalidade pois essas acabam por reproduzir inuacutemeras vezes epistemologias que policiam qualquer posiccedilatildeo que se desvie da experiecircncia oficial do que seja mulher branca cis heterossexual O racismo e sexismo se combinam e criam barreiras nocivas entre as mulheres (hooks 2018) As mulheres negras ao questionarem a loacutegica de pensamento ateacute entatildeo legitimada dentro do feminismo branco cisgecircnico e eurocentrado revolucionaram o modo com o qual o proacuteprio movimento construiacutea sua agenda poliacutetica e compartilhava suas experiecircncias no que tange a ser mulher e agraves suas lutas pela desconstruccedilatildeo do patriarcado e do machismo

O Feminismo Negro eacute um campo epistemoloacutegico e poliacutetico que pode ser vinculado ao espaccedilo da negritude natildeo apenas desafiando as formas de dominaccedilatildeo de uma sociedade tradicionalmente branca e masculina como tambeacutem colocando em tensionamento a produccedilatildeo de conhecimento desse grupo (WESCHENFELDER FABRIS 2019) De acordo com Carneiro (2011) as mulheres negras se constituem e lutam em duas frentes uma de ldquoenegrecerrdquo a agenda do movimento feminista e outra de ldquosexualizarrdquo as pautas do movimento social de negras e negros trazendo olhares para as diferenccedilas nas discussotildees e nas praacuteticas poliacuteticas desses segmentos Cria-se assim uma dupla percepccedilatildeo tanto na afirmaccedilatildeo de novos sujeitos poliacuteticos quanto na reivindicaccedilatildeo de um reconhecimento da diversidade e das desigualdades existentes entre os sujeitos

O feminismo traz uma contribuiccedilatildeo importantiacutessima do ponto de vista de uma visatildeo de mundo Mas as feministas tambeacutem satildeo formadas para desconhecer as desigualdades raciais Formadas para pensar o Brasil como uma democracia racial E aiacute contraditoriamente ainda que o movimento feminista consiga perceber em que niacutevel a diferenccedila de sexo eacute utilizada na reproduccedilatildeo das desigualdades natildeo consegue perceber como as diferenccedilas raciais satildeo trabalhadas na perspectiva da recriaccedilatildeo constante dos mecanismos de discriminaccedilatildeo racial (BAIRROS 2008 s p)

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Nenhuma intervenccedilatildeo conforme aponta hooks (2018) mudou mais a agenda poliacutetica do feminismo do que reconhecer a realidade do racismo nas vidas das mulheres e meninas negras enquanto apenas era priorizado o gecircnero as mulheres brancas assumiam o palco das discussotildees e pautas natildeo havendo uma sororiedade entre as vivecircncias e experiecircncias As hierarquias raciais tambeacutem se faziam dentro do movimento

No campo teoacuterico um dos desdobramentos das criacuteticas trazidas pelas feministas negras leacutesbicas e mulheres de paiacuteses colonizados e colonizadores foi o desenvolvimento da teoria interseccional que procura captar a complexidade da articulaccedilatildeo entre gecircnero e outras diferenccedilas sociais (FACCHINI 2018) O feminismo tem contribuiacutedo para transformar a ciecircncia enriquecendo tanto a discussatildeo da questatildeo racial quanto a questatildeo de gecircnero na sociedade brasileira (RIBEIRO 2018) Como destaca Moreira ldquoa luta das mulheres negras eacute comprometida com o resgate das suas histoacuterias recriando em suas potencialidades a tentativa de buscar mudanccedilas que permitam novas experiecircncias relacionais de poder na sociedaderdquo (2017 p 12)

Uma das principais contribuiccedilotildees do Feminismo Negro foi questionar a visatildeo eurocecircntrica ocidental e universal das mulheres na qual o feminismo branco se fundamentava isso natildeo significa que os termos ldquomulherrdquo e ldquomeninardquo tenham deixado de ser uacuteteis porque eacute indispensaacutevel que sejam entendidos como conceitos que referenciam muacuteltiplas vivecircncias (KYRILLOS 2020)

As experiecircncias que marcam as histoacuterias das meninas brancas e negras bem como meninos negros e brancos satildeo distintas existindo vivencias diferenciadas na estrutura hieraacuterquica racista sexista e de classe (SANTIAGO 2019b) Nessa perspectiva as diferenccedilas entre brancos(as) e negros(as) natildeo estatildeo em suas essecircncias mas se apresentam como ldquo[] diferenccedila de condiccedilotildees sociaisrdquo (BRAH 2006 p 341) Assim no contexto de pensar as especificidades das infacircncias a perspectiva feminista negra aponta Pereira ldquotraz na sua pauta de lutas a importacircncia de se discutir essas questotildees que evoco no sentido de desconstruir e derrubar padrotildees socialmente naturalizados [] que na maioria das vezes satildeo sutis e que natildeo reconhecemosrdquo (2020 p 95)

O conceito de interseccionalidade natildeo tem sua origem ldquoacademicistardquo no Brasil mas nos Estados Unidos e ganhou popularidade na Conferecircncia Mundial contra Racismo Discriminaccedilatildeo Racial Xenofobia e Formas Conexas de Intoleracircncia em Durban na Aacutefrica do Sul em 2001 Crenshaw (2002) foi uma de suas criadoras e afirma que as intersecccedilotildees entre raccedila e gecircnero contribuem de maneira efetiva para estruturar a vida de mulheres negras e homens negros sobretudo pelas praacuteticas racistas e sexistas A autora tambeacutem destaca que o machismo e o racismo natildeo satildeo os uacutenicos marcadores sociais de diferenccedila que podem ser pautados em uma discussatildeo interseccional Ademais pode-se afirmar que esse conceito ldquo[] eacute uma sensibilidade analiacutetica pensada por feministas negras cujas experiecircncias e reivindicaccedilotildees intelectuais eram inobservadas tanto pelo feminismo branco quanto pelo movimento antirracista a rigor focado nos homens negrosrdquo (AKOTIRENE 2018 p 13)

De acordo com esses pressupostos a perspectiva da interseccionalidade na medida em que captura ldquo[] as consequecircncias estruturais e dinacircmicas da interaccedilatildeo entre dois ou mais eixos de subordinaccedilatildeordquo (CRENSHAW 2002 p 177) eacute indispensaacutevel agrave anaacutelise das hierarquias produzidas e reproduzidas nas diferentes esferas da vida social inclusive quando pensamos as culturas infantis pois as relaccedilotildees construiacutedas refletem problemas oriundos da inter-relaccedilatildeo de diferentes categorias as crianccedilas desde que nascem estatildeo inseridas na sociedade (SANTIAGO 2020) Assim a interseccionalidade como aponta Akotirene (2018) visa dar instrumentalidade teoacuterico-metodoloacutegica agrave inseparabilidade estrutural de racismo capitalismo e ldquocisheteropatriarcadordquo permitindo-nos enxergar a colisatildeo das estruturas a interaccedilatildeo simultacircnea das opressotildees aleacutem do fracasso do feminismo branco eurocentrado no sentido de contemplar as mulheres negras

As mulheres negras quando reivindicaram uma nova forma de se olhar para as relaccedilotildees de gecircnero ensinaram que as opressotildees estabelecidas pelos sistemas sexistas e patriarcais natildeo satildeo elementos que devem

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ser pensados de modo isolado ndash a vida natildeo se faz apenas por meio de uma faceta social Os marcadores como classe raccedila e idade tambeacutem influenciam diretamente as vivecircncias e os modos pelos quais os sujeitos estabelecem sua relaccedilatildeo na sociedade tornando fundamental pensarmos o contexto social de um modo interseccional ldquoAs feministas negras brasileiras entatildeo inauguram no paiacutes um debate em que eacute possiacutevel [] articular distintas formas de dominaccedilatildeo e posiccedilotildees de desigualdade acionadas nos discursos regulatoacuteriosrdquo (OLIVEIRA 2018 p 35)

A interseccionalidade como destaca Santiago visa destacar como ldquoas relaccedilotildees historicamente contingentes e especiacuteficas a determinada conjuntura constroem modos de vida e legitimam processos de hierarquizaccedilatildeordquo (2019a p 6) desse modo ldquonatildeo se pode explicar o racismo abstraindo-o das outras relaccedilotildees sociaisrdquo (MELLINO 2019 p 117) Em especial neste artigo o olhar feminista negro nos forneceu aportes para problematizar e questionar algumas accedilotildees docentes e brincadeiras das crianccedilas pequenininhas observadas durante o trabalho de campo possibilitando-nos fazer interpretaccedilotildees dos dados obtidos por meio de novas lentes que favorecessem pensar os processos de intersecccedilatildeo e suas correlaccedilotildees histoacutericas

As Crianccedilas Pequenininhas Rabiscam as Fronteiras das Praacuteticas Racistas e Sexistas

As crianccedilas pequenininhas natildeo satildeo apenas produzidas pelas culturas tambeacutem satildeo produtoras de cultura As diferenccedilas entre os meninos pequenininhos e as meninas pequenininhas e entre elas e eles e os(as) adultos(as) natildeo satildeo quantitativas mas qualitativas a crianccedila natildeo sabe menos sabe outras coisas (COHN 2005) As crianccedilas quando brincam com os brinquedos ou de faz de conta experimentam e representam papeacuteis que estatildeo para aleacutem das convenccedilotildees sociais e determinaccedilotildees de gecircnero Por isso eacute preciso que as instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil compreendam o potencial transformador e transgressor das crianccedilas permitindo-lhes manifestarem suas linguagens nos diferentes tempos e espaccedilos de conviacutevio e interaccedilatildeo (SAYAtildeO 2016)

Fernandes (2004) realizou uma pesquisa pioneira no Brasil a respeito das culturas infantis no bairro do Bom Retiro em Satildeo Paulo na deacutecada de 1940 Em sua pesquisa o socioacutelogo afirma que as crianccedilas natildeo apenas imitam mas tambeacutem modificam a sociedade por meio da cultura infantil No acircmago da experiecircncia direta e concreta elas compreendem ldquocomo agir em cada circunstacircncia na qualidade de parceiro e membro de dado agrupamento social haacute um tempordquo (FERNANDES 2004 p 207) Eacute importante destacar que Florestan Fernandes utilizou o conceito de cultura infantil no singular o que reflete o contexto sociocultural da eacutepoca e uma escolha teoacuterica que generaliza a dimensatildeo simboacutelica da infacircncia Entretanto noacutes autor e coautora deste artigo partimos dos estudos da Pedagogia da Infacircncia na interface com as Ciecircncias Sociais Portanto utilizamos o conceito de cultura infantil no plural para demarcar a existecircncia de diferentes infacircncias e a pluralidade de experiecircncias no fazer das crianccedilas quando estatildeo juntas Pensar uma infacircncia universal e geneacuterica eacute um equiacutevoco como bem apontam as feministas negras toda generalizaccedilatildeo eacute uma forma de dominaccedilatildeo encobrindo uma realidade soacutecio-histoacuterica4

Santiago (2019a) destaca em sua tese de doutorado que em um dia no iniacutecio da primavera de 2016 todos(as) na turma (incluindo as docentes e ele pesquisador) se animaram para brincar no espaccedilo externo de modo a poder tambeacutem pegar um pouco do sol da manhatilde Uma das docentes propocircs levar um fogatildeozinho e algumas panelinhas para as crianccedilas pequenininhas brincarem A ideia natildeo era criar uma brincadeira especiacutefica mas deixar que elas construiacutessem as proacuteprias relaccedilotildees com aqueles objetos Nesse dia os meninos pequenininhos negros e brancos assumiram o comando da brincadeira soacute posteriormente as meninas pequenininhas negras e brancas foram convidadas por eles para participar

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Inquieto com a forma com que estruturaram a brincadeira Santiago resolveu se aproximar e perguntar ldquoO que vocecircs estatildeo fazendo de gostoso Eu posso comerrdquo (2019a p 68) Imediatamente um menino pequenininho branco respondeu ldquoEstamos fazendo comida da forccedila Comida pra trabalhar Vocecirc natildeo pode comer Eacute pra Afy Baina e Dofi5 elas vatildeo trabalharrdquo Apoacutes essa afirmaccedilatildeo o pesquisador ficou na duacutevida do que era considerado trabalho e perguntou ldquoMas eu tambeacutem vou trabalhar natildeo trabalhordquo Sem hesitar o menino pequenininho branco respondeu ldquoNatildeo vocecirc fica aqui brincando com a gente Elas vatildeo trabalhar em outro lugarrdquo (SANTIAGO 2019a p 68) Depois dessa resposta as crianccedilas pequenininhas voltaram a brincar entre elas e natildeo permitiram que o pesquisador continuasse a participar da brincadeira

Na busca por conhecer e reconhecer as relaccedilotildees de gecircnero entre meninas e meninos na educaccedilatildeo infantil eacute fundamental observar a crianccedilada e suas criaccedilotildees (GOBBI 2015 p 159) Isso requer construir uma escuta autecircntica que busque observar natildeo as ideias preacute-concebidas a respeito da infacircncia ou os projetos sociais que meninos e meninas desempenham na sociedade mas os modos capazes de perceber as crianccedilas nos seus proacuteprios pensamentos (SOCI 2015) No caso descrito anteriormente nota-se a ironia dos meninos na inversatildeo dos papeacuteis de gecircnero tradicionais em que o homem come a forccedila pois vai trabalhar fora de casa Ali eram as meninas que iam trabalhar O pesquisador ficaria brincando com os meninos sem comer

Nem tudo do universo adulto tem o mesmo sentido para as crianccedilas pequenininhas por isso eacute fundamental estarmos atentos e natildeo deixarmos que nossos estereoacutetipos limitem a experienciaccedilatildeo do mundo de meninos e meninas As crianccedilas pequenininhas nos mostram que haacute inuacutemeras possibilidades de existir e construir as infacircncias bem como de vivenciar as relaccedilotildees de gecircnero

[] quando a gente estava fazendo ensaio da muacutesica da sementinha quando eu levei a muacutesica para as crianccedilas eu propus eu falei ldquovamos fazer uma representaccedilatildeo dessa muacutesica com as crianccedilas corporalmente vamos representar a muacutesicardquo E aiacute que eu sugeri confeccionar as nuvens e fazer o sol E aiacute todas as vezes que a gente brincava com a muacutesica que eu falo que era uma brincadeira natildeo tinha personagens fixos mas a Layla [menina negra pequenininha] ela sempre pediu ldquodeixa eu ser o solrdquo Eu achei o maacuteximo assim neacute ldquodeixa eu serrdquo E aiacute ela foi muito enfaacutetica porque na realidade as crianccedilas querem ser as coisas porque elas querem experimentar os papeacuteis e ela foi muito enfaacutetica porque eu acho que ela sempre foi o sol eu acho que o sol foi o uacutenico elemento que natildeo teve rotatividade de crianccedilas ldquodeixa eu quero serrdquo e ela pedia muito ldquoEntatildeo taacute bom vai laacute ser o sol vai falar para a Dacia te dar o solrdquo Zarina docente branca informaccedilatildeo verbal (SANTIAGO 2019a p 85)

Layla quer ser o sol brilhar Transcende o processo de racializaccedilatildeo que marca a subjetividade das meninas negras com elementos do racismo e sexismo durante o ensaio e a apresentaccedilatildeo da peccedila Ela pode ser a responsaacutevel por fazer as flores crescerem durante a primavera tomando em suas matildeos a produccedilatildeo da vida Como destaca Silva (1998) as mulheres negras querem deixar de ser apenas estatiacutesticas e ter o protagonismo na vida ser representadas querem se fazer ver e conhecer tal como satildeo As meninas pequenininhas negras querem ser almejam ter o protagonismo de tal modo como tecircm apontado historicamente as feministas negras em relaccedilatildeo agraves mulheres negras na construccedilatildeo da histoacuteria e da sociedade

Assim como Layla (menina negra pequenininha) outras meninas pequenininhas em diferentes momentos na pesquisa de Santiago (2019a) produziram formas de experimentaccedilatildeo do seu protagonismo e criaram formas de organizaccedilatildeo da vida Como exemplo tambeacutem temos a cena em que Chioma (menina negra pequenininha) e Dalila (menina branca pequenininha) decidem levar os cavalos para passear em um ato de amizade e ruptura com a ideia de feminilidade ligada agrave maternagem expressa muitas vezes pelo cuidado com as bonecas Como aponta Santiago (2019a) as meninas pequenininhas natildeo apenas empurravam os cavalos

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mas tambeacutem se tornaram liacutederes de um pequeno rebanho de trecircs animais com eles Chioma e Dalila subiam os morros da creche e guerreavam com aquelesas que desejavam roubaacute-los A ideia de menina delicada recatada e submissa estava borrada pela potencialidade intempestiva de duas pastoras fortes decididas e autocircnomas

Culturas Infantis e Relaccedilotildees Afetivas o Olhar da Colonialidade6 para as Brincadeiras das Crianccedilas Pequenininhas

A forma com que concebemos as relaccedilotildees afetivas e sexuais entre as pessoas adultas prioriza a heterossexualidade por meio de um dispositivo que a naturaliza e ao mesmo tempo tornando-a compulsoacuteria expressando expectativas demandas e obrigaccedilotildees sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e portanto fundamento da sociedade (MISKOLCI 2009)7

Um exemplo desse olhar pode ser percebido em uma conversa que o pesquisador Santiago teve com a docente Adeola enquanto observavam as crianccedilas brincando no ambiente externo da creche em que era realizada a pesquisa

ndash Vocecirc jaacute viu como a Farisa [menina branca pequenininha] e o Ife [menino branco pequenininho] brincam sempre juntos Acho que eles satildeo um casalzinho vivem juntos sempre Ele chega e jaacute procura ela eacute uma coisa impressionante Ano passado ele batia muito nela e acho que ela acabou gostando porque hoje natildeo desgruda ndash Fragmento do diaacuterio de campo de Flaacutevio Santiago agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 79)

Durante a realizaccedilatildeo das entrevistas com Santiago as docentes retomaram o tema de as duas crianccedilas pequenininhas brincarem juntas motivo sempre de um olhar normativo

ndash Farisa e Ife satildeo brancos homem e mulher entatildeo natildeo haacute muita mistura de cor nos casais da sala Informaccedilatildeo verbal Adeola docente negra entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 80)

ndash A Farisa [menina branca pequenininha] eu sempre vejo com o Ife [menino branco pequenininho] mas aiacute eu natildeo sei as meninas dizem que essa afinidade vem do ano anterior e diz que eles estavam juntos no berccedilaacuterio e que o Ife batia muito nela e que ela sempre aceitou neacute receber as agressotildees Eu vejo que eles brincam muito juntos mas eu natildeo sei se eacute porque foi reforccedilada essa relaccedilatildeo entre eles Informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 82)

Nesse contexto eacute importante pensarmos qual imagem se tem das meninas pois ldquo[q]uando falamos do mito da fragilidade feminina que justificou historicamente a proteccedilatildeo paternalista dos homens sobre as mulheres de que mulheres estamos falandordquo (CARNEIRO 2011 p 50) Teriacuteamos o mesmo discurso das docentes se fossem duas crianccedilas negras pequenininhas Ou se a menina pequenininha fosse negra

Em contrapartida satildeo acionadas nesse contexto as tramas do racismo que reforccedilam os ideais de brancura e naccedilatildeo amalgamando relaccedilotildees afetivas entre pessoas brancas de sexo oposto Jaacute para as pessoas negras satildeo interditadas essas mesmas experiecircncias afetivas e consequentemente natildeo compotildeem a imagem de formaccedilatildeo de uma famiacutelia normativa burguesa alicerccedilada na ideia do amor romacircntico (SANTIAGO 2019a) Os traccedilos fenotiacutepicos e a esteacutetica satildeo codificados como elementos que obstruem as preferecircncias afetivas

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Nesse contexto as praacuteticas racistas dividem e recortam relaccedilotildees colaborando para o isolamento afetivo (PACHECO 2008)

As relaccedilotildees matrimoniais no Brasil como apontam as feministas negras satildeo marcadas diretamente pela hierarquizaccedilatildeo racial dos sujeitos um exemplo ilustrativo desse processo eacute o quadro do pintor espanhol Modesto Brocos y Goacutemez A Redenccedilatildeo de Cam (1895) (Fig 1)

Fonte Site Alma Petra

Figura 1 Quadro de Modesto Brocos y Goacutemez (A Redenccedilatildeo de Cam 1885)

O quadro representa uma constituiccedilatildeo familiar ideal no contexto do branqueamento que rege as relaccedilotildees raciais no panorama brasileiro trazendo trecircs geraccedilotildees marcadas pela gradaccedilatildeo de cor A obra foi pintada enquanto Modesto Brocos y Goacutemez espanhol branco radicado no Brasil lecionava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro O afeto entre pessoas negras natildeo corresponde a um ideal presente no projeto racial do nosso paiacutes

A obra de Modesto como apontam Lotierzo e Schwarcz (2013) na medida em que retrata uma crianccedila pequenininha e o pai como brancos do sexo masculino constroacutei uma narrativa em que existe ruptura tanto de raccedila quanto de gecircnero

Se eacute verdade que o movimento percorrido pela obra vai do negro ao branco em conformidade com as projeccedilotildees de uma vertente do pensamento racista do periacuteodo que apostava no branqueamento eacute possiacutevel pensar que o quadro tem gecircnero definido uma vez que o futuro racial da famiacutelia em cena eacute um menino branco o quadro procura exprimir atraveacutes da configuraccedilatildeo raccedilagecircnero um certo olhar masculino de cumplicidade entre cavalheiros assentado no impulso a confirmar a paternidade (branca) da crianccedila (LOTIERZO SCHWARCZ p 5)

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

Page 4: ARTIGOS FEMINISMO NEGRO E PENSAMENTO INTERSECCIONAL

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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Feminismo Negro Rompendo com o Legado Eurocecircntrico

O conceito de Feminismo Negro vem sendo desenvolvido por mulheres negras ativistas haacute mais de um seacuteculo as resistecircncias seja pelos abortos dos filhos frutos dos estupros dos senhores seja pela militacircncia acadecircmica atualmente satildeo exemplo desse movimento O ponto de vista das mulheres negras desafia o que eacute normalmente tomado como verdade e ao mesmo tempo questiona o processo por meio do qual as Ciecircncias Sociais vecircm sendo produzidas haacute anos

A singularidade da condiccedilatildeo racial da mulher negra e a categoria raccedila serviram no momento inicial como moeda simboacutelica para frente agraves feministas ldquobrancasrdquo criar a diferenciaccedilatildeo ndash moeda da condiccedilatildeo mulher (gecircnero) como instrumento de questionamento ao movimento negro a respeito das posiccedilotildees secundaacuterias assumidas e impostas agraves lideranccedilas femininas no seio das entidades dos vaacuterios segmentos do movimento negro (MOREIRA 2011 p 116-117)

O Feminismo Negro a partir das deacutecadas de 1970 e 1980 tem sua expressatildeo mais acentuada com a produccedilatildeo intelectual de feministas negras a exemplo no Brasil de Leacutelia Gonzalez (1983) Essas produccedilotildees denunciam a invisibilidade das mulheres negras no feminismo rompendo com a ideia de uma mulher geneacuterica construiacuteda pelo proacuteprio legado do sexismo e do patriarcado ocidental ndash e ldquoisso acontecia devido ao fato de natildeo se identificarem com um movimento branco e de classe meacutedia e pela falta de empatia em perceber que mulheres negras possuem pontos de partida diferentes []rdquo (RIBEIRO 2018 p 74) Assim as feministas negras nos alertam em relaccedilatildeo a assumir posiccedilotildees que parecem representaccedilotildees da totalidade pois essas acabam por reproduzir inuacutemeras vezes epistemologias que policiam qualquer posiccedilatildeo que se desvie da experiecircncia oficial do que seja mulher branca cis heterossexual O racismo e sexismo se combinam e criam barreiras nocivas entre as mulheres (hooks 2018) As mulheres negras ao questionarem a loacutegica de pensamento ateacute entatildeo legitimada dentro do feminismo branco cisgecircnico e eurocentrado revolucionaram o modo com o qual o proacuteprio movimento construiacutea sua agenda poliacutetica e compartilhava suas experiecircncias no que tange a ser mulher e agraves suas lutas pela desconstruccedilatildeo do patriarcado e do machismo

O Feminismo Negro eacute um campo epistemoloacutegico e poliacutetico que pode ser vinculado ao espaccedilo da negritude natildeo apenas desafiando as formas de dominaccedilatildeo de uma sociedade tradicionalmente branca e masculina como tambeacutem colocando em tensionamento a produccedilatildeo de conhecimento desse grupo (WESCHENFELDER FABRIS 2019) De acordo com Carneiro (2011) as mulheres negras se constituem e lutam em duas frentes uma de ldquoenegrecerrdquo a agenda do movimento feminista e outra de ldquosexualizarrdquo as pautas do movimento social de negras e negros trazendo olhares para as diferenccedilas nas discussotildees e nas praacuteticas poliacuteticas desses segmentos Cria-se assim uma dupla percepccedilatildeo tanto na afirmaccedilatildeo de novos sujeitos poliacuteticos quanto na reivindicaccedilatildeo de um reconhecimento da diversidade e das desigualdades existentes entre os sujeitos

O feminismo traz uma contribuiccedilatildeo importantiacutessima do ponto de vista de uma visatildeo de mundo Mas as feministas tambeacutem satildeo formadas para desconhecer as desigualdades raciais Formadas para pensar o Brasil como uma democracia racial E aiacute contraditoriamente ainda que o movimento feminista consiga perceber em que niacutevel a diferenccedila de sexo eacute utilizada na reproduccedilatildeo das desigualdades natildeo consegue perceber como as diferenccedilas raciais satildeo trabalhadas na perspectiva da recriaccedilatildeo constante dos mecanismos de discriminaccedilatildeo racial (BAIRROS 2008 s p)

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Nenhuma intervenccedilatildeo conforme aponta hooks (2018) mudou mais a agenda poliacutetica do feminismo do que reconhecer a realidade do racismo nas vidas das mulheres e meninas negras enquanto apenas era priorizado o gecircnero as mulheres brancas assumiam o palco das discussotildees e pautas natildeo havendo uma sororiedade entre as vivecircncias e experiecircncias As hierarquias raciais tambeacutem se faziam dentro do movimento

No campo teoacuterico um dos desdobramentos das criacuteticas trazidas pelas feministas negras leacutesbicas e mulheres de paiacuteses colonizados e colonizadores foi o desenvolvimento da teoria interseccional que procura captar a complexidade da articulaccedilatildeo entre gecircnero e outras diferenccedilas sociais (FACCHINI 2018) O feminismo tem contribuiacutedo para transformar a ciecircncia enriquecendo tanto a discussatildeo da questatildeo racial quanto a questatildeo de gecircnero na sociedade brasileira (RIBEIRO 2018) Como destaca Moreira ldquoa luta das mulheres negras eacute comprometida com o resgate das suas histoacuterias recriando em suas potencialidades a tentativa de buscar mudanccedilas que permitam novas experiecircncias relacionais de poder na sociedaderdquo (2017 p 12)

Uma das principais contribuiccedilotildees do Feminismo Negro foi questionar a visatildeo eurocecircntrica ocidental e universal das mulheres na qual o feminismo branco se fundamentava isso natildeo significa que os termos ldquomulherrdquo e ldquomeninardquo tenham deixado de ser uacuteteis porque eacute indispensaacutevel que sejam entendidos como conceitos que referenciam muacuteltiplas vivecircncias (KYRILLOS 2020)

As experiecircncias que marcam as histoacuterias das meninas brancas e negras bem como meninos negros e brancos satildeo distintas existindo vivencias diferenciadas na estrutura hieraacuterquica racista sexista e de classe (SANTIAGO 2019b) Nessa perspectiva as diferenccedilas entre brancos(as) e negros(as) natildeo estatildeo em suas essecircncias mas se apresentam como ldquo[] diferenccedila de condiccedilotildees sociaisrdquo (BRAH 2006 p 341) Assim no contexto de pensar as especificidades das infacircncias a perspectiva feminista negra aponta Pereira ldquotraz na sua pauta de lutas a importacircncia de se discutir essas questotildees que evoco no sentido de desconstruir e derrubar padrotildees socialmente naturalizados [] que na maioria das vezes satildeo sutis e que natildeo reconhecemosrdquo (2020 p 95)

O conceito de interseccionalidade natildeo tem sua origem ldquoacademicistardquo no Brasil mas nos Estados Unidos e ganhou popularidade na Conferecircncia Mundial contra Racismo Discriminaccedilatildeo Racial Xenofobia e Formas Conexas de Intoleracircncia em Durban na Aacutefrica do Sul em 2001 Crenshaw (2002) foi uma de suas criadoras e afirma que as intersecccedilotildees entre raccedila e gecircnero contribuem de maneira efetiva para estruturar a vida de mulheres negras e homens negros sobretudo pelas praacuteticas racistas e sexistas A autora tambeacutem destaca que o machismo e o racismo natildeo satildeo os uacutenicos marcadores sociais de diferenccedila que podem ser pautados em uma discussatildeo interseccional Ademais pode-se afirmar que esse conceito ldquo[] eacute uma sensibilidade analiacutetica pensada por feministas negras cujas experiecircncias e reivindicaccedilotildees intelectuais eram inobservadas tanto pelo feminismo branco quanto pelo movimento antirracista a rigor focado nos homens negrosrdquo (AKOTIRENE 2018 p 13)

De acordo com esses pressupostos a perspectiva da interseccionalidade na medida em que captura ldquo[] as consequecircncias estruturais e dinacircmicas da interaccedilatildeo entre dois ou mais eixos de subordinaccedilatildeordquo (CRENSHAW 2002 p 177) eacute indispensaacutevel agrave anaacutelise das hierarquias produzidas e reproduzidas nas diferentes esferas da vida social inclusive quando pensamos as culturas infantis pois as relaccedilotildees construiacutedas refletem problemas oriundos da inter-relaccedilatildeo de diferentes categorias as crianccedilas desde que nascem estatildeo inseridas na sociedade (SANTIAGO 2020) Assim a interseccionalidade como aponta Akotirene (2018) visa dar instrumentalidade teoacuterico-metodoloacutegica agrave inseparabilidade estrutural de racismo capitalismo e ldquocisheteropatriarcadordquo permitindo-nos enxergar a colisatildeo das estruturas a interaccedilatildeo simultacircnea das opressotildees aleacutem do fracasso do feminismo branco eurocentrado no sentido de contemplar as mulheres negras

As mulheres negras quando reivindicaram uma nova forma de se olhar para as relaccedilotildees de gecircnero ensinaram que as opressotildees estabelecidas pelos sistemas sexistas e patriarcais natildeo satildeo elementos que devem

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ser pensados de modo isolado ndash a vida natildeo se faz apenas por meio de uma faceta social Os marcadores como classe raccedila e idade tambeacutem influenciam diretamente as vivecircncias e os modos pelos quais os sujeitos estabelecem sua relaccedilatildeo na sociedade tornando fundamental pensarmos o contexto social de um modo interseccional ldquoAs feministas negras brasileiras entatildeo inauguram no paiacutes um debate em que eacute possiacutevel [] articular distintas formas de dominaccedilatildeo e posiccedilotildees de desigualdade acionadas nos discursos regulatoacuteriosrdquo (OLIVEIRA 2018 p 35)

A interseccionalidade como destaca Santiago visa destacar como ldquoas relaccedilotildees historicamente contingentes e especiacuteficas a determinada conjuntura constroem modos de vida e legitimam processos de hierarquizaccedilatildeordquo (2019a p 6) desse modo ldquonatildeo se pode explicar o racismo abstraindo-o das outras relaccedilotildees sociaisrdquo (MELLINO 2019 p 117) Em especial neste artigo o olhar feminista negro nos forneceu aportes para problematizar e questionar algumas accedilotildees docentes e brincadeiras das crianccedilas pequenininhas observadas durante o trabalho de campo possibilitando-nos fazer interpretaccedilotildees dos dados obtidos por meio de novas lentes que favorecessem pensar os processos de intersecccedilatildeo e suas correlaccedilotildees histoacutericas

As Crianccedilas Pequenininhas Rabiscam as Fronteiras das Praacuteticas Racistas e Sexistas

As crianccedilas pequenininhas natildeo satildeo apenas produzidas pelas culturas tambeacutem satildeo produtoras de cultura As diferenccedilas entre os meninos pequenininhos e as meninas pequenininhas e entre elas e eles e os(as) adultos(as) natildeo satildeo quantitativas mas qualitativas a crianccedila natildeo sabe menos sabe outras coisas (COHN 2005) As crianccedilas quando brincam com os brinquedos ou de faz de conta experimentam e representam papeacuteis que estatildeo para aleacutem das convenccedilotildees sociais e determinaccedilotildees de gecircnero Por isso eacute preciso que as instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil compreendam o potencial transformador e transgressor das crianccedilas permitindo-lhes manifestarem suas linguagens nos diferentes tempos e espaccedilos de conviacutevio e interaccedilatildeo (SAYAtildeO 2016)

Fernandes (2004) realizou uma pesquisa pioneira no Brasil a respeito das culturas infantis no bairro do Bom Retiro em Satildeo Paulo na deacutecada de 1940 Em sua pesquisa o socioacutelogo afirma que as crianccedilas natildeo apenas imitam mas tambeacutem modificam a sociedade por meio da cultura infantil No acircmago da experiecircncia direta e concreta elas compreendem ldquocomo agir em cada circunstacircncia na qualidade de parceiro e membro de dado agrupamento social haacute um tempordquo (FERNANDES 2004 p 207) Eacute importante destacar que Florestan Fernandes utilizou o conceito de cultura infantil no singular o que reflete o contexto sociocultural da eacutepoca e uma escolha teoacuterica que generaliza a dimensatildeo simboacutelica da infacircncia Entretanto noacutes autor e coautora deste artigo partimos dos estudos da Pedagogia da Infacircncia na interface com as Ciecircncias Sociais Portanto utilizamos o conceito de cultura infantil no plural para demarcar a existecircncia de diferentes infacircncias e a pluralidade de experiecircncias no fazer das crianccedilas quando estatildeo juntas Pensar uma infacircncia universal e geneacuterica eacute um equiacutevoco como bem apontam as feministas negras toda generalizaccedilatildeo eacute uma forma de dominaccedilatildeo encobrindo uma realidade soacutecio-histoacuterica4

Santiago (2019a) destaca em sua tese de doutorado que em um dia no iniacutecio da primavera de 2016 todos(as) na turma (incluindo as docentes e ele pesquisador) se animaram para brincar no espaccedilo externo de modo a poder tambeacutem pegar um pouco do sol da manhatilde Uma das docentes propocircs levar um fogatildeozinho e algumas panelinhas para as crianccedilas pequenininhas brincarem A ideia natildeo era criar uma brincadeira especiacutefica mas deixar que elas construiacutessem as proacuteprias relaccedilotildees com aqueles objetos Nesse dia os meninos pequenininhos negros e brancos assumiram o comando da brincadeira soacute posteriormente as meninas pequenininhas negras e brancas foram convidadas por eles para participar

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Inquieto com a forma com que estruturaram a brincadeira Santiago resolveu se aproximar e perguntar ldquoO que vocecircs estatildeo fazendo de gostoso Eu posso comerrdquo (2019a p 68) Imediatamente um menino pequenininho branco respondeu ldquoEstamos fazendo comida da forccedila Comida pra trabalhar Vocecirc natildeo pode comer Eacute pra Afy Baina e Dofi5 elas vatildeo trabalharrdquo Apoacutes essa afirmaccedilatildeo o pesquisador ficou na duacutevida do que era considerado trabalho e perguntou ldquoMas eu tambeacutem vou trabalhar natildeo trabalhordquo Sem hesitar o menino pequenininho branco respondeu ldquoNatildeo vocecirc fica aqui brincando com a gente Elas vatildeo trabalhar em outro lugarrdquo (SANTIAGO 2019a p 68) Depois dessa resposta as crianccedilas pequenininhas voltaram a brincar entre elas e natildeo permitiram que o pesquisador continuasse a participar da brincadeira

Na busca por conhecer e reconhecer as relaccedilotildees de gecircnero entre meninas e meninos na educaccedilatildeo infantil eacute fundamental observar a crianccedilada e suas criaccedilotildees (GOBBI 2015 p 159) Isso requer construir uma escuta autecircntica que busque observar natildeo as ideias preacute-concebidas a respeito da infacircncia ou os projetos sociais que meninos e meninas desempenham na sociedade mas os modos capazes de perceber as crianccedilas nos seus proacuteprios pensamentos (SOCI 2015) No caso descrito anteriormente nota-se a ironia dos meninos na inversatildeo dos papeacuteis de gecircnero tradicionais em que o homem come a forccedila pois vai trabalhar fora de casa Ali eram as meninas que iam trabalhar O pesquisador ficaria brincando com os meninos sem comer

Nem tudo do universo adulto tem o mesmo sentido para as crianccedilas pequenininhas por isso eacute fundamental estarmos atentos e natildeo deixarmos que nossos estereoacutetipos limitem a experienciaccedilatildeo do mundo de meninos e meninas As crianccedilas pequenininhas nos mostram que haacute inuacutemeras possibilidades de existir e construir as infacircncias bem como de vivenciar as relaccedilotildees de gecircnero

[] quando a gente estava fazendo ensaio da muacutesica da sementinha quando eu levei a muacutesica para as crianccedilas eu propus eu falei ldquovamos fazer uma representaccedilatildeo dessa muacutesica com as crianccedilas corporalmente vamos representar a muacutesicardquo E aiacute que eu sugeri confeccionar as nuvens e fazer o sol E aiacute todas as vezes que a gente brincava com a muacutesica que eu falo que era uma brincadeira natildeo tinha personagens fixos mas a Layla [menina negra pequenininha] ela sempre pediu ldquodeixa eu ser o solrdquo Eu achei o maacuteximo assim neacute ldquodeixa eu serrdquo E aiacute ela foi muito enfaacutetica porque na realidade as crianccedilas querem ser as coisas porque elas querem experimentar os papeacuteis e ela foi muito enfaacutetica porque eu acho que ela sempre foi o sol eu acho que o sol foi o uacutenico elemento que natildeo teve rotatividade de crianccedilas ldquodeixa eu quero serrdquo e ela pedia muito ldquoEntatildeo taacute bom vai laacute ser o sol vai falar para a Dacia te dar o solrdquo Zarina docente branca informaccedilatildeo verbal (SANTIAGO 2019a p 85)

Layla quer ser o sol brilhar Transcende o processo de racializaccedilatildeo que marca a subjetividade das meninas negras com elementos do racismo e sexismo durante o ensaio e a apresentaccedilatildeo da peccedila Ela pode ser a responsaacutevel por fazer as flores crescerem durante a primavera tomando em suas matildeos a produccedilatildeo da vida Como destaca Silva (1998) as mulheres negras querem deixar de ser apenas estatiacutesticas e ter o protagonismo na vida ser representadas querem se fazer ver e conhecer tal como satildeo As meninas pequenininhas negras querem ser almejam ter o protagonismo de tal modo como tecircm apontado historicamente as feministas negras em relaccedilatildeo agraves mulheres negras na construccedilatildeo da histoacuteria e da sociedade

Assim como Layla (menina negra pequenininha) outras meninas pequenininhas em diferentes momentos na pesquisa de Santiago (2019a) produziram formas de experimentaccedilatildeo do seu protagonismo e criaram formas de organizaccedilatildeo da vida Como exemplo tambeacutem temos a cena em que Chioma (menina negra pequenininha) e Dalila (menina branca pequenininha) decidem levar os cavalos para passear em um ato de amizade e ruptura com a ideia de feminilidade ligada agrave maternagem expressa muitas vezes pelo cuidado com as bonecas Como aponta Santiago (2019a) as meninas pequenininhas natildeo apenas empurravam os cavalos

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mas tambeacutem se tornaram liacutederes de um pequeno rebanho de trecircs animais com eles Chioma e Dalila subiam os morros da creche e guerreavam com aquelesas que desejavam roubaacute-los A ideia de menina delicada recatada e submissa estava borrada pela potencialidade intempestiva de duas pastoras fortes decididas e autocircnomas

Culturas Infantis e Relaccedilotildees Afetivas o Olhar da Colonialidade6 para as Brincadeiras das Crianccedilas Pequenininhas

A forma com que concebemos as relaccedilotildees afetivas e sexuais entre as pessoas adultas prioriza a heterossexualidade por meio de um dispositivo que a naturaliza e ao mesmo tempo tornando-a compulsoacuteria expressando expectativas demandas e obrigaccedilotildees sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e portanto fundamento da sociedade (MISKOLCI 2009)7

Um exemplo desse olhar pode ser percebido em uma conversa que o pesquisador Santiago teve com a docente Adeola enquanto observavam as crianccedilas brincando no ambiente externo da creche em que era realizada a pesquisa

ndash Vocecirc jaacute viu como a Farisa [menina branca pequenininha] e o Ife [menino branco pequenininho] brincam sempre juntos Acho que eles satildeo um casalzinho vivem juntos sempre Ele chega e jaacute procura ela eacute uma coisa impressionante Ano passado ele batia muito nela e acho que ela acabou gostando porque hoje natildeo desgruda ndash Fragmento do diaacuterio de campo de Flaacutevio Santiago agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 79)

Durante a realizaccedilatildeo das entrevistas com Santiago as docentes retomaram o tema de as duas crianccedilas pequenininhas brincarem juntas motivo sempre de um olhar normativo

ndash Farisa e Ife satildeo brancos homem e mulher entatildeo natildeo haacute muita mistura de cor nos casais da sala Informaccedilatildeo verbal Adeola docente negra entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 80)

ndash A Farisa [menina branca pequenininha] eu sempre vejo com o Ife [menino branco pequenininho] mas aiacute eu natildeo sei as meninas dizem que essa afinidade vem do ano anterior e diz que eles estavam juntos no berccedilaacuterio e que o Ife batia muito nela e que ela sempre aceitou neacute receber as agressotildees Eu vejo que eles brincam muito juntos mas eu natildeo sei se eacute porque foi reforccedilada essa relaccedilatildeo entre eles Informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 82)

Nesse contexto eacute importante pensarmos qual imagem se tem das meninas pois ldquo[q]uando falamos do mito da fragilidade feminina que justificou historicamente a proteccedilatildeo paternalista dos homens sobre as mulheres de que mulheres estamos falandordquo (CARNEIRO 2011 p 50) Teriacuteamos o mesmo discurso das docentes se fossem duas crianccedilas negras pequenininhas Ou se a menina pequenininha fosse negra

Em contrapartida satildeo acionadas nesse contexto as tramas do racismo que reforccedilam os ideais de brancura e naccedilatildeo amalgamando relaccedilotildees afetivas entre pessoas brancas de sexo oposto Jaacute para as pessoas negras satildeo interditadas essas mesmas experiecircncias afetivas e consequentemente natildeo compotildeem a imagem de formaccedilatildeo de uma famiacutelia normativa burguesa alicerccedilada na ideia do amor romacircntico (SANTIAGO 2019a) Os traccedilos fenotiacutepicos e a esteacutetica satildeo codificados como elementos que obstruem as preferecircncias afetivas

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Nesse contexto as praacuteticas racistas dividem e recortam relaccedilotildees colaborando para o isolamento afetivo (PACHECO 2008)

As relaccedilotildees matrimoniais no Brasil como apontam as feministas negras satildeo marcadas diretamente pela hierarquizaccedilatildeo racial dos sujeitos um exemplo ilustrativo desse processo eacute o quadro do pintor espanhol Modesto Brocos y Goacutemez A Redenccedilatildeo de Cam (1895) (Fig 1)

Fonte Site Alma Petra

Figura 1 Quadro de Modesto Brocos y Goacutemez (A Redenccedilatildeo de Cam 1885)

O quadro representa uma constituiccedilatildeo familiar ideal no contexto do branqueamento que rege as relaccedilotildees raciais no panorama brasileiro trazendo trecircs geraccedilotildees marcadas pela gradaccedilatildeo de cor A obra foi pintada enquanto Modesto Brocos y Goacutemez espanhol branco radicado no Brasil lecionava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro O afeto entre pessoas negras natildeo corresponde a um ideal presente no projeto racial do nosso paiacutes

A obra de Modesto como apontam Lotierzo e Schwarcz (2013) na medida em que retrata uma crianccedila pequenininha e o pai como brancos do sexo masculino constroacutei uma narrativa em que existe ruptura tanto de raccedila quanto de gecircnero

Se eacute verdade que o movimento percorrido pela obra vai do negro ao branco em conformidade com as projeccedilotildees de uma vertente do pensamento racista do periacuteodo que apostava no branqueamento eacute possiacutevel pensar que o quadro tem gecircnero definido uma vez que o futuro racial da famiacutelia em cena eacute um menino branco o quadro procura exprimir atraveacutes da configuraccedilatildeo raccedilagecircnero um certo olhar masculino de cumplicidade entre cavalheiros assentado no impulso a confirmar a paternidade (branca) da crianccedila (LOTIERZO SCHWARCZ p 5)

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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Nenhuma intervenccedilatildeo conforme aponta hooks (2018) mudou mais a agenda poliacutetica do feminismo do que reconhecer a realidade do racismo nas vidas das mulheres e meninas negras enquanto apenas era priorizado o gecircnero as mulheres brancas assumiam o palco das discussotildees e pautas natildeo havendo uma sororiedade entre as vivecircncias e experiecircncias As hierarquias raciais tambeacutem se faziam dentro do movimento

No campo teoacuterico um dos desdobramentos das criacuteticas trazidas pelas feministas negras leacutesbicas e mulheres de paiacuteses colonizados e colonizadores foi o desenvolvimento da teoria interseccional que procura captar a complexidade da articulaccedilatildeo entre gecircnero e outras diferenccedilas sociais (FACCHINI 2018) O feminismo tem contribuiacutedo para transformar a ciecircncia enriquecendo tanto a discussatildeo da questatildeo racial quanto a questatildeo de gecircnero na sociedade brasileira (RIBEIRO 2018) Como destaca Moreira ldquoa luta das mulheres negras eacute comprometida com o resgate das suas histoacuterias recriando em suas potencialidades a tentativa de buscar mudanccedilas que permitam novas experiecircncias relacionais de poder na sociedaderdquo (2017 p 12)

Uma das principais contribuiccedilotildees do Feminismo Negro foi questionar a visatildeo eurocecircntrica ocidental e universal das mulheres na qual o feminismo branco se fundamentava isso natildeo significa que os termos ldquomulherrdquo e ldquomeninardquo tenham deixado de ser uacuteteis porque eacute indispensaacutevel que sejam entendidos como conceitos que referenciam muacuteltiplas vivecircncias (KYRILLOS 2020)

As experiecircncias que marcam as histoacuterias das meninas brancas e negras bem como meninos negros e brancos satildeo distintas existindo vivencias diferenciadas na estrutura hieraacuterquica racista sexista e de classe (SANTIAGO 2019b) Nessa perspectiva as diferenccedilas entre brancos(as) e negros(as) natildeo estatildeo em suas essecircncias mas se apresentam como ldquo[] diferenccedila de condiccedilotildees sociaisrdquo (BRAH 2006 p 341) Assim no contexto de pensar as especificidades das infacircncias a perspectiva feminista negra aponta Pereira ldquotraz na sua pauta de lutas a importacircncia de se discutir essas questotildees que evoco no sentido de desconstruir e derrubar padrotildees socialmente naturalizados [] que na maioria das vezes satildeo sutis e que natildeo reconhecemosrdquo (2020 p 95)

O conceito de interseccionalidade natildeo tem sua origem ldquoacademicistardquo no Brasil mas nos Estados Unidos e ganhou popularidade na Conferecircncia Mundial contra Racismo Discriminaccedilatildeo Racial Xenofobia e Formas Conexas de Intoleracircncia em Durban na Aacutefrica do Sul em 2001 Crenshaw (2002) foi uma de suas criadoras e afirma que as intersecccedilotildees entre raccedila e gecircnero contribuem de maneira efetiva para estruturar a vida de mulheres negras e homens negros sobretudo pelas praacuteticas racistas e sexistas A autora tambeacutem destaca que o machismo e o racismo natildeo satildeo os uacutenicos marcadores sociais de diferenccedila que podem ser pautados em uma discussatildeo interseccional Ademais pode-se afirmar que esse conceito ldquo[] eacute uma sensibilidade analiacutetica pensada por feministas negras cujas experiecircncias e reivindicaccedilotildees intelectuais eram inobservadas tanto pelo feminismo branco quanto pelo movimento antirracista a rigor focado nos homens negrosrdquo (AKOTIRENE 2018 p 13)

De acordo com esses pressupostos a perspectiva da interseccionalidade na medida em que captura ldquo[] as consequecircncias estruturais e dinacircmicas da interaccedilatildeo entre dois ou mais eixos de subordinaccedilatildeordquo (CRENSHAW 2002 p 177) eacute indispensaacutevel agrave anaacutelise das hierarquias produzidas e reproduzidas nas diferentes esferas da vida social inclusive quando pensamos as culturas infantis pois as relaccedilotildees construiacutedas refletem problemas oriundos da inter-relaccedilatildeo de diferentes categorias as crianccedilas desde que nascem estatildeo inseridas na sociedade (SANTIAGO 2020) Assim a interseccionalidade como aponta Akotirene (2018) visa dar instrumentalidade teoacuterico-metodoloacutegica agrave inseparabilidade estrutural de racismo capitalismo e ldquocisheteropatriarcadordquo permitindo-nos enxergar a colisatildeo das estruturas a interaccedilatildeo simultacircnea das opressotildees aleacutem do fracasso do feminismo branco eurocentrado no sentido de contemplar as mulheres negras

As mulheres negras quando reivindicaram uma nova forma de se olhar para as relaccedilotildees de gecircnero ensinaram que as opressotildees estabelecidas pelos sistemas sexistas e patriarcais natildeo satildeo elementos que devem

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ser pensados de modo isolado ndash a vida natildeo se faz apenas por meio de uma faceta social Os marcadores como classe raccedila e idade tambeacutem influenciam diretamente as vivecircncias e os modos pelos quais os sujeitos estabelecem sua relaccedilatildeo na sociedade tornando fundamental pensarmos o contexto social de um modo interseccional ldquoAs feministas negras brasileiras entatildeo inauguram no paiacutes um debate em que eacute possiacutevel [] articular distintas formas de dominaccedilatildeo e posiccedilotildees de desigualdade acionadas nos discursos regulatoacuteriosrdquo (OLIVEIRA 2018 p 35)

A interseccionalidade como destaca Santiago visa destacar como ldquoas relaccedilotildees historicamente contingentes e especiacuteficas a determinada conjuntura constroem modos de vida e legitimam processos de hierarquizaccedilatildeordquo (2019a p 6) desse modo ldquonatildeo se pode explicar o racismo abstraindo-o das outras relaccedilotildees sociaisrdquo (MELLINO 2019 p 117) Em especial neste artigo o olhar feminista negro nos forneceu aportes para problematizar e questionar algumas accedilotildees docentes e brincadeiras das crianccedilas pequenininhas observadas durante o trabalho de campo possibilitando-nos fazer interpretaccedilotildees dos dados obtidos por meio de novas lentes que favorecessem pensar os processos de intersecccedilatildeo e suas correlaccedilotildees histoacutericas

As Crianccedilas Pequenininhas Rabiscam as Fronteiras das Praacuteticas Racistas e Sexistas

As crianccedilas pequenininhas natildeo satildeo apenas produzidas pelas culturas tambeacutem satildeo produtoras de cultura As diferenccedilas entre os meninos pequenininhos e as meninas pequenininhas e entre elas e eles e os(as) adultos(as) natildeo satildeo quantitativas mas qualitativas a crianccedila natildeo sabe menos sabe outras coisas (COHN 2005) As crianccedilas quando brincam com os brinquedos ou de faz de conta experimentam e representam papeacuteis que estatildeo para aleacutem das convenccedilotildees sociais e determinaccedilotildees de gecircnero Por isso eacute preciso que as instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil compreendam o potencial transformador e transgressor das crianccedilas permitindo-lhes manifestarem suas linguagens nos diferentes tempos e espaccedilos de conviacutevio e interaccedilatildeo (SAYAtildeO 2016)

Fernandes (2004) realizou uma pesquisa pioneira no Brasil a respeito das culturas infantis no bairro do Bom Retiro em Satildeo Paulo na deacutecada de 1940 Em sua pesquisa o socioacutelogo afirma que as crianccedilas natildeo apenas imitam mas tambeacutem modificam a sociedade por meio da cultura infantil No acircmago da experiecircncia direta e concreta elas compreendem ldquocomo agir em cada circunstacircncia na qualidade de parceiro e membro de dado agrupamento social haacute um tempordquo (FERNANDES 2004 p 207) Eacute importante destacar que Florestan Fernandes utilizou o conceito de cultura infantil no singular o que reflete o contexto sociocultural da eacutepoca e uma escolha teoacuterica que generaliza a dimensatildeo simboacutelica da infacircncia Entretanto noacutes autor e coautora deste artigo partimos dos estudos da Pedagogia da Infacircncia na interface com as Ciecircncias Sociais Portanto utilizamos o conceito de cultura infantil no plural para demarcar a existecircncia de diferentes infacircncias e a pluralidade de experiecircncias no fazer das crianccedilas quando estatildeo juntas Pensar uma infacircncia universal e geneacuterica eacute um equiacutevoco como bem apontam as feministas negras toda generalizaccedilatildeo eacute uma forma de dominaccedilatildeo encobrindo uma realidade soacutecio-histoacuterica4

Santiago (2019a) destaca em sua tese de doutorado que em um dia no iniacutecio da primavera de 2016 todos(as) na turma (incluindo as docentes e ele pesquisador) se animaram para brincar no espaccedilo externo de modo a poder tambeacutem pegar um pouco do sol da manhatilde Uma das docentes propocircs levar um fogatildeozinho e algumas panelinhas para as crianccedilas pequenininhas brincarem A ideia natildeo era criar uma brincadeira especiacutefica mas deixar que elas construiacutessem as proacuteprias relaccedilotildees com aqueles objetos Nesse dia os meninos pequenininhos negros e brancos assumiram o comando da brincadeira soacute posteriormente as meninas pequenininhas negras e brancas foram convidadas por eles para participar

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Inquieto com a forma com que estruturaram a brincadeira Santiago resolveu se aproximar e perguntar ldquoO que vocecircs estatildeo fazendo de gostoso Eu posso comerrdquo (2019a p 68) Imediatamente um menino pequenininho branco respondeu ldquoEstamos fazendo comida da forccedila Comida pra trabalhar Vocecirc natildeo pode comer Eacute pra Afy Baina e Dofi5 elas vatildeo trabalharrdquo Apoacutes essa afirmaccedilatildeo o pesquisador ficou na duacutevida do que era considerado trabalho e perguntou ldquoMas eu tambeacutem vou trabalhar natildeo trabalhordquo Sem hesitar o menino pequenininho branco respondeu ldquoNatildeo vocecirc fica aqui brincando com a gente Elas vatildeo trabalhar em outro lugarrdquo (SANTIAGO 2019a p 68) Depois dessa resposta as crianccedilas pequenininhas voltaram a brincar entre elas e natildeo permitiram que o pesquisador continuasse a participar da brincadeira

Na busca por conhecer e reconhecer as relaccedilotildees de gecircnero entre meninas e meninos na educaccedilatildeo infantil eacute fundamental observar a crianccedilada e suas criaccedilotildees (GOBBI 2015 p 159) Isso requer construir uma escuta autecircntica que busque observar natildeo as ideias preacute-concebidas a respeito da infacircncia ou os projetos sociais que meninos e meninas desempenham na sociedade mas os modos capazes de perceber as crianccedilas nos seus proacuteprios pensamentos (SOCI 2015) No caso descrito anteriormente nota-se a ironia dos meninos na inversatildeo dos papeacuteis de gecircnero tradicionais em que o homem come a forccedila pois vai trabalhar fora de casa Ali eram as meninas que iam trabalhar O pesquisador ficaria brincando com os meninos sem comer

Nem tudo do universo adulto tem o mesmo sentido para as crianccedilas pequenininhas por isso eacute fundamental estarmos atentos e natildeo deixarmos que nossos estereoacutetipos limitem a experienciaccedilatildeo do mundo de meninos e meninas As crianccedilas pequenininhas nos mostram que haacute inuacutemeras possibilidades de existir e construir as infacircncias bem como de vivenciar as relaccedilotildees de gecircnero

[] quando a gente estava fazendo ensaio da muacutesica da sementinha quando eu levei a muacutesica para as crianccedilas eu propus eu falei ldquovamos fazer uma representaccedilatildeo dessa muacutesica com as crianccedilas corporalmente vamos representar a muacutesicardquo E aiacute que eu sugeri confeccionar as nuvens e fazer o sol E aiacute todas as vezes que a gente brincava com a muacutesica que eu falo que era uma brincadeira natildeo tinha personagens fixos mas a Layla [menina negra pequenininha] ela sempre pediu ldquodeixa eu ser o solrdquo Eu achei o maacuteximo assim neacute ldquodeixa eu serrdquo E aiacute ela foi muito enfaacutetica porque na realidade as crianccedilas querem ser as coisas porque elas querem experimentar os papeacuteis e ela foi muito enfaacutetica porque eu acho que ela sempre foi o sol eu acho que o sol foi o uacutenico elemento que natildeo teve rotatividade de crianccedilas ldquodeixa eu quero serrdquo e ela pedia muito ldquoEntatildeo taacute bom vai laacute ser o sol vai falar para a Dacia te dar o solrdquo Zarina docente branca informaccedilatildeo verbal (SANTIAGO 2019a p 85)

Layla quer ser o sol brilhar Transcende o processo de racializaccedilatildeo que marca a subjetividade das meninas negras com elementos do racismo e sexismo durante o ensaio e a apresentaccedilatildeo da peccedila Ela pode ser a responsaacutevel por fazer as flores crescerem durante a primavera tomando em suas matildeos a produccedilatildeo da vida Como destaca Silva (1998) as mulheres negras querem deixar de ser apenas estatiacutesticas e ter o protagonismo na vida ser representadas querem se fazer ver e conhecer tal como satildeo As meninas pequenininhas negras querem ser almejam ter o protagonismo de tal modo como tecircm apontado historicamente as feministas negras em relaccedilatildeo agraves mulheres negras na construccedilatildeo da histoacuteria e da sociedade

Assim como Layla (menina negra pequenininha) outras meninas pequenininhas em diferentes momentos na pesquisa de Santiago (2019a) produziram formas de experimentaccedilatildeo do seu protagonismo e criaram formas de organizaccedilatildeo da vida Como exemplo tambeacutem temos a cena em que Chioma (menina negra pequenininha) e Dalila (menina branca pequenininha) decidem levar os cavalos para passear em um ato de amizade e ruptura com a ideia de feminilidade ligada agrave maternagem expressa muitas vezes pelo cuidado com as bonecas Como aponta Santiago (2019a) as meninas pequenininhas natildeo apenas empurravam os cavalos

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mas tambeacutem se tornaram liacutederes de um pequeno rebanho de trecircs animais com eles Chioma e Dalila subiam os morros da creche e guerreavam com aquelesas que desejavam roubaacute-los A ideia de menina delicada recatada e submissa estava borrada pela potencialidade intempestiva de duas pastoras fortes decididas e autocircnomas

Culturas Infantis e Relaccedilotildees Afetivas o Olhar da Colonialidade6 para as Brincadeiras das Crianccedilas Pequenininhas

A forma com que concebemos as relaccedilotildees afetivas e sexuais entre as pessoas adultas prioriza a heterossexualidade por meio de um dispositivo que a naturaliza e ao mesmo tempo tornando-a compulsoacuteria expressando expectativas demandas e obrigaccedilotildees sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e portanto fundamento da sociedade (MISKOLCI 2009)7

Um exemplo desse olhar pode ser percebido em uma conversa que o pesquisador Santiago teve com a docente Adeola enquanto observavam as crianccedilas brincando no ambiente externo da creche em que era realizada a pesquisa

ndash Vocecirc jaacute viu como a Farisa [menina branca pequenininha] e o Ife [menino branco pequenininho] brincam sempre juntos Acho que eles satildeo um casalzinho vivem juntos sempre Ele chega e jaacute procura ela eacute uma coisa impressionante Ano passado ele batia muito nela e acho que ela acabou gostando porque hoje natildeo desgruda ndash Fragmento do diaacuterio de campo de Flaacutevio Santiago agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 79)

Durante a realizaccedilatildeo das entrevistas com Santiago as docentes retomaram o tema de as duas crianccedilas pequenininhas brincarem juntas motivo sempre de um olhar normativo

ndash Farisa e Ife satildeo brancos homem e mulher entatildeo natildeo haacute muita mistura de cor nos casais da sala Informaccedilatildeo verbal Adeola docente negra entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 80)

ndash A Farisa [menina branca pequenininha] eu sempre vejo com o Ife [menino branco pequenininho] mas aiacute eu natildeo sei as meninas dizem que essa afinidade vem do ano anterior e diz que eles estavam juntos no berccedilaacuterio e que o Ife batia muito nela e que ela sempre aceitou neacute receber as agressotildees Eu vejo que eles brincam muito juntos mas eu natildeo sei se eacute porque foi reforccedilada essa relaccedilatildeo entre eles Informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 82)

Nesse contexto eacute importante pensarmos qual imagem se tem das meninas pois ldquo[q]uando falamos do mito da fragilidade feminina que justificou historicamente a proteccedilatildeo paternalista dos homens sobre as mulheres de que mulheres estamos falandordquo (CARNEIRO 2011 p 50) Teriacuteamos o mesmo discurso das docentes se fossem duas crianccedilas negras pequenininhas Ou se a menina pequenininha fosse negra

Em contrapartida satildeo acionadas nesse contexto as tramas do racismo que reforccedilam os ideais de brancura e naccedilatildeo amalgamando relaccedilotildees afetivas entre pessoas brancas de sexo oposto Jaacute para as pessoas negras satildeo interditadas essas mesmas experiecircncias afetivas e consequentemente natildeo compotildeem a imagem de formaccedilatildeo de uma famiacutelia normativa burguesa alicerccedilada na ideia do amor romacircntico (SANTIAGO 2019a) Os traccedilos fenotiacutepicos e a esteacutetica satildeo codificados como elementos que obstruem as preferecircncias afetivas

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Nesse contexto as praacuteticas racistas dividem e recortam relaccedilotildees colaborando para o isolamento afetivo (PACHECO 2008)

As relaccedilotildees matrimoniais no Brasil como apontam as feministas negras satildeo marcadas diretamente pela hierarquizaccedilatildeo racial dos sujeitos um exemplo ilustrativo desse processo eacute o quadro do pintor espanhol Modesto Brocos y Goacutemez A Redenccedilatildeo de Cam (1895) (Fig 1)

Fonte Site Alma Petra

Figura 1 Quadro de Modesto Brocos y Goacutemez (A Redenccedilatildeo de Cam 1885)

O quadro representa uma constituiccedilatildeo familiar ideal no contexto do branqueamento que rege as relaccedilotildees raciais no panorama brasileiro trazendo trecircs geraccedilotildees marcadas pela gradaccedilatildeo de cor A obra foi pintada enquanto Modesto Brocos y Goacutemez espanhol branco radicado no Brasil lecionava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro O afeto entre pessoas negras natildeo corresponde a um ideal presente no projeto racial do nosso paiacutes

A obra de Modesto como apontam Lotierzo e Schwarcz (2013) na medida em que retrata uma crianccedila pequenininha e o pai como brancos do sexo masculino constroacutei uma narrativa em que existe ruptura tanto de raccedila quanto de gecircnero

Se eacute verdade que o movimento percorrido pela obra vai do negro ao branco em conformidade com as projeccedilotildees de uma vertente do pensamento racista do periacuteodo que apostava no branqueamento eacute possiacutevel pensar que o quadro tem gecircnero definido uma vez que o futuro racial da famiacutelia em cena eacute um menino branco o quadro procura exprimir atraveacutes da configuraccedilatildeo raccedilagecircnero um certo olhar masculino de cumplicidade entre cavalheiros assentado no impulso a confirmar a paternidade (branca) da crianccedila (LOTIERZO SCHWARCZ p 5)

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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ser pensados de modo isolado ndash a vida natildeo se faz apenas por meio de uma faceta social Os marcadores como classe raccedila e idade tambeacutem influenciam diretamente as vivecircncias e os modos pelos quais os sujeitos estabelecem sua relaccedilatildeo na sociedade tornando fundamental pensarmos o contexto social de um modo interseccional ldquoAs feministas negras brasileiras entatildeo inauguram no paiacutes um debate em que eacute possiacutevel [] articular distintas formas de dominaccedilatildeo e posiccedilotildees de desigualdade acionadas nos discursos regulatoacuteriosrdquo (OLIVEIRA 2018 p 35)

A interseccionalidade como destaca Santiago visa destacar como ldquoas relaccedilotildees historicamente contingentes e especiacuteficas a determinada conjuntura constroem modos de vida e legitimam processos de hierarquizaccedilatildeordquo (2019a p 6) desse modo ldquonatildeo se pode explicar o racismo abstraindo-o das outras relaccedilotildees sociaisrdquo (MELLINO 2019 p 117) Em especial neste artigo o olhar feminista negro nos forneceu aportes para problematizar e questionar algumas accedilotildees docentes e brincadeiras das crianccedilas pequenininhas observadas durante o trabalho de campo possibilitando-nos fazer interpretaccedilotildees dos dados obtidos por meio de novas lentes que favorecessem pensar os processos de intersecccedilatildeo e suas correlaccedilotildees histoacutericas

As Crianccedilas Pequenininhas Rabiscam as Fronteiras das Praacuteticas Racistas e Sexistas

As crianccedilas pequenininhas natildeo satildeo apenas produzidas pelas culturas tambeacutem satildeo produtoras de cultura As diferenccedilas entre os meninos pequenininhos e as meninas pequenininhas e entre elas e eles e os(as) adultos(as) natildeo satildeo quantitativas mas qualitativas a crianccedila natildeo sabe menos sabe outras coisas (COHN 2005) As crianccedilas quando brincam com os brinquedos ou de faz de conta experimentam e representam papeacuteis que estatildeo para aleacutem das convenccedilotildees sociais e determinaccedilotildees de gecircnero Por isso eacute preciso que as instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil compreendam o potencial transformador e transgressor das crianccedilas permitindo-lhes manifestarem suas linguagens nos diferentes tempos e espaccedilos de conviacutevio e interaccedilatildeo (SAYAtildeO 2016)

Fernandes (2004) realizou uma pesquisa pioneira no Brasil a respeito das culturas infantis no bairro do Bom Retiro em Satildeo Paulo na deacutecada de 1940 Em sua pesquisa o socioacutelogo afirma que as crianccedilas natildeo apenas imitam mas tambeacutem modificam a sociedade por meio da cultura infantil No acircmago da experiecircncia direta e concreta elas compreendem ldquocomo agir em cada circunstacircncia na qualidade de parceiro e membro de dado agrupamento social haacute um tempordquo (FERNANDES 2004 p 207) Eacute importante destacar que Florestan Fernandes utilizou o conceito de cultura infantil no singular o que reflete o contexto sociocultural da eacutepoca e uma escolha teoacuterica que generaliza a dimensatildeo simboacutelica da infacircncia Entretanto noacutes autor e coautora deste artigo partimos dos estudos da Pedagogia da Infacircncia na interface com as Ciecircncias Sociais Portanto utilizamos o conceito de cultura infantil no plural para demarcar a existecircncia de diferentes infacircncias e a pluralidade de experiecircncias no fazer das crianccedilas quando estatildeo juntas Pensar uma infacircncia universal e geneacuterica eacute um equiacutevoco como bem apontam as feministas negras toda generalizaccedilatildeo eacute uma forma de dominaccedilatildeo encobrindo uma realidade soacutecio-histoacuterica4

Santiago (2019a) destaca em sua tese de doutorado que em um dia no iniacutecio da primavera de 2016 todos(as) na turma (incluindo as docentes e ele pesquisador) se animaram para brincar no espaccedilo externo de modo a poder tambeacutem pegar um pouco do sol da manhatilde Uma das docentes propocircs levar um fogatildeozinho e algumas panelinhas para as crianccedilas pequenininhas brincarem A ideia natildeo era criar uma brincadeira especiacutefica mas deixar que elas construiacutessem as proacuteprias relaccedilotildees com aqueles objetos Nesse dia os meninos pequenininhos negros e brancos assumiram o comando da brincadeira soacute posteriormente as meninas pequenininhas negras e brancas foram convidadas por eles para participar

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Inquieto com a forma com que estruturaram a brincadeira Santiago resolveu se aproximar e perguntar ldquoO que vocecircs estatildeo fazendo de gostoso Eu posso comerrdquo (2019a p 68) Imediatamente um menino pequenininho branco respondeu ldquoEstamos fazendo comida da forccedila Comida pra trabalhar Vocecirc natildeo pode comer Eacute pra Afy Baina e Dofi5 elas vatildeo trabalharrdquo Apoacutes essa afirmaccedilatildeo o pesquisador ficou na duacutevida do que era considerado trabalho e perguntou ldquoMas eu tambeacutem vou trabalhar natildeo trabalhordquo Sem hesitar o menino pequenininho branco respondeu ldquoNatildeo vocecirc fica aqui brincando com a gente Elas vatildeo trabalhar em outro lugarrdquo (SANTIAGO 2019a p 68) Depois dessa resposta as crianccedilas pequenininhas voltaram a brincar entre elas e natildeo permitiram que o pesquisador continuasse a participar da brincadeira

Na busca por conhecer e reconhecer as relaccedilotildees de gecircnero entre meninas e meninos na educaccedilatildeo infantil eacute fundamental observar a crianccedilada e suas criaccedilotildees (GOBBI 2015 p 159) Isso requer construir uma escuta autecircntica que busque observar natildeo as ideias preacute-concebidas a respeito da infacircncia ou os projetos sociais que meninos e meninas desempenham na sociedade mas os modos capazes de perceber as crianccedilas nos seus proacuteprios pensamentos (SOCI 2015) No caso descrito anteriormente nota-se a ironia dos meninos na inversatildeo dos papeacuteis de gecircnero tradicionais em que o homem come a forccedila pois vai trabalhar fora de casa Ali eram as meninas que iam trabalhar O pesquisador ficaria brincando com os meninos sem comer

Nem tudo do universo adulto tem o mesmo sentido para as crianccedilas pequenininhas por isso eacute fundamental estarmos atentos e natildeo deixarmos que nossos estereoacutetipos limitem a experienciaccedilatildeo do mundo de meninos e meninas As crianccedilas pequenininhas nos mostram que haacute inuacutemeras possibilidades de existir e construir as infacircncias bem como de vivenciar as relaccedilotildees de gecircnero

[] quando a gente estava fazendo ensaio da muacutesica da sementinha quando eu levei a muacutesica para as crianccedilas eu propus eu falei ldquovamos fazer uma representaccedilatildeo dessa muacutesica com as crianccedilas corporalmente vamos representar a muacutesicardquo E aiacute que eu sugeri confeccionar as nuvens e fazer o sol E aiacute todas as vezes que a gente brincava com a muacutesica que eu falo que era uma brincadeira natildeo tinha personagens fixos mas a Layla [menina negra pequenininha] ela sempre pediu ldquodeixa eu ser o solrdquo Eu achei o maacuteximo assim neacute ldquodeixa eu serrdquo E aiacute ela foi muito enfaacutetica porque na realidade as crianccedilas querem ser as coisas porque elas querem experimentar os papeacuteis e ela foi muito enfaacutetica porque eu acho que ela sempre foi o sol eu acho que o sol foi o uacutenico elemento que natildeo teve rotatividade de crianccedilas ldquodeixa eu quero serrdquo e ela pedia muito ldquoEntatildeo taacute bom vai laacute ser o sol vai falar para a Dacia te dar o solrdquo Zarina docente branca informaccedilatildeo verbal (SANTIAGO 2019a p 85)

Layla quer ser o sol brilhar Transcende o processo de racializaccedilatildeo que marca a subjetividade das meninas negras com elementos do racismo e sexismo durante o ensaio e a apresentaccedilatildeo da peccedila Ela pode ser a responsaacutevel por fazer as flores crescerem durante a primavera tomando em suas matildeos a produccedilatildeo da vida Como destaca Silva (1998) as mulheres negras querem deixar de ser apenas estatiacutesticas e ter o protagonismo na vida ser representadas querem se fazer ver e conhecer tal como satildeo As meninas pequenininhas negras querem ser almejam ter o protagonismo de tal modo como tecircm apontado historicamente as feministas negras em relaccedilatildeo agraves mulheres negras na construccedilatildeo da histoacuteria e da sociedade

Assim como Layla (menina negra pequenininha) outras meninas pequenininhas em diferentes momentos na pesquisa de Santiago (2019a) produziram formas de experimentaccedilatildeo do seu protagonismo e criaram formas de organizaccedilatildeo da vida Como exemplo tambeacutem temos a cena em que Chioma (menina negra pequenininha) e Dalila (menina branca pequenininha) decidem levar os cavalos para passear em um ato de amizade e ruptura com a ideia de feminilidade ligada agrave maternagem expressa muitas vezes pelo cuidado com as bonecas Como aponta Santiago (2019a) as meninas pequenininhas natildeo apenas empurravam os cavalos

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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mas tambeacutem se tornaram liacutederes de um pequeno rebanho de trecircs animais com eles Chioma e Dalila subiam os morros da creche e guerreavam com aquelesas que desejavam roubaacute-los A ideia de menina delicada recatada e submissa estava borrada pela potencialidade intempestiva de duas pastoras fortes decididas e autocircnomas

Culturas Infantis e Relaccedilotildees Afetivas o Olhar da Colonialidade6 para as Brincadeiras das Crianccedilas Pequenininhas

A forma com que concebemos as relaccedilotildees afetivas e sexuais entre as pessoas adultas prioriza a heterossexualidade por meio de um dispositivo que a naturaliza e ao mesmo tempo tornando-a compulsoacuteria expressando expectativas demandas e obrigaccedilotildees sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e portanto fundamento da sociedade (MISKOLCI 2009)7

Um exemplo desse olhar pode ser percebido em uma conversa que o pesquisador Santiago teve com a docente Adeola enquanto observavam as crianccedilas brincando no ambiente externo da creche em que era realizada a pesquisa

ndash Vocecirc jaacute viu como a Farisa [menina branca pequenininha] e o Ife [menino branco pequenininho] brincam sempre juntos Acho que eles satildeo um casalzinho vivem juntos sempre Ele chega e jaacute procura ela eacute uma coisa impressionante Ano passado ele batia muito nela e acho que ela acabou gostando porque hoje natildeo desgruda ndash Fragmento do diaacuterio de campo de Flaacutevio Santiago agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 79)

Durante a realizaccedilatildeo das entrevistas com Santiago as docentes retomaram o tema de as duas crianccedilas pequenininhas brincarem juntas motivo sempre de um olhar normativo

ndash Farisa e Ife satildeo brancos homem e mulher entatildeo natildeo haacute muita mistura de cor nos casais da sala Informaccedilatildeo verbal Adeola docente negra entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 80)

ndash A Farisa [menina branca pequenininha] eu sempre vejo com o Ife [menino branco pequenininho] mas aiacute eu natildeo sei as meninas dizem que essa afinidade vem do ano anterior e diz que eles estavam juntos no berccedilaacuterio e que o Ife batia muito nela e que ela sempre aceitou neacute receber as agressotildees Eu vejo que eles brincam muito juntos mas eu natildeo sei se eacute porque foi reforccedilada essa relaccedilatildeo entre eles Informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 82)

Nesse contexto eacute importante pensarmos qual imagem se tem das meninas pois ldquo[q]uando falamos do mito da fragilidade feminina que justificou historicamente a proteccedilatildeo paternalista dos homens sobre as mulheres de que mulheres estamos falandordquo (CARNEIRO 2011 p 50) Teriacuteamos o mesmo discurso das docentes se fossem duas crianccedilas negras pequenininhas Ou se a menina pequenininha fosse negra

Em contrapartida satildeo acionadas nesse contexto as tramas do racismo que reforccedilam os ideais de brancura e naccedilatildeo amalgamando relaccedilotildees afetivas entre pessoas brancas de sexo oposto Jaacute para as pessoas negras satildeo interditadas essas mesmas experiecircncias afetivas e consequentemente natildeo compotildeem a imagem de formaccedilatildeo de uma famiacutelia normativa burguesa alicerccedilada na ideia do amor romacircntico (SANTIAGO 2019a) Os traccedilos fenotiacutepicos e a esteacutetica satildeo codificados como elementos que obstruem as preferecircncias afetivas

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Nesse contexto as praacuteticas racistas dividem e recortam relaccedilotildees colaborando para o isolamento afetivo (PACHECO 2008)

As relaccedilotildees matrimoniais no Brasil como apontam as feministas negras satildeo marcadas diretamente pela hierarquizaccedilatildeo racial dos sujeitos um exemplo ilustrativo desse processo eacute o quadro do pintor espanhol Modesto Brocos y Goacutemez A Redenccedilatildeo de Cam (1895) (Fig 1)

Fonte Site Alma Petra

Figura 1 Quadro de Modesto Brocos y Goacutemez (A Redenccedilatildeo de Cam 1885)

O quadro representa uma constituiccedilatildeo familiar ideal no contexto do branqueamento que rege as relaccedilotildees raciais no panorama brasileiro trazendo trecircs geraccedilotildees marcadas pela gradaccedilatildeo de cor A obra foi pintada enquanto Modesto Brocos y Goacutemez espanhol branco radicado no Brasil lecionava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro O afeto entre pessoas negras natildeo corresponde a um ideal presente no projeto racial do nosso paiacutes

A obra de Modesto como apontam Lotierzo e Schwarcz (2013) na medida em que retrata uma crianccedila pequenininha e o pai como brancos do sexo masculino constroacutei uma narrativa em que existe ruptura tanto de raccedila quanto de gecircnero

Se eacute verdade que o movimento percorrido pela obra vai do negro ao branco em conformidade com as projeccedilotildees de uma vertente do pensamento racista do periacuteodo que apostava no branqueamento eacute possiacutevel pensar que o quadro tem gecircnero definido uma vez que o futuro racial da famiacutelia em cena eacute um menino branco o quadro procura exprimir atraveacutes da configuraccedilatildeo raccedilagecircnero um certo olhar masculino de cumplicidade entre cavalheiros assentado no impulso a confirmar a paternidade (branca) da crianccedila (LOTIERZO SCHWARCZ p 5)

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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Inquieto com a forma com que estruturaram a brincadeira Santiago resolveu se aproximar e perguntar ldquoO que vocecircs estatildeo fazendo de gostoso Eu posso comerrdquo (2019a p 68) Imediatamente um menino pequenininho branco respondeu ldquoEstamos fazendo comida da forccedila Comida pra trabalhar Vocecirc natildeo pode comer Eacute pra Afy Baina e Dofi5 elas vatildeo trabalharrdquo Apoacutes essa afirmaccedilatildeo o pesquisador ficou na duacutevida do que era considerado trabalho e perguntou ldquoMas eu tambeacutem vou trabalhar natildeo trabalhordquo Sem hesitar o menino pequenininho branco respondeu ldquoNatildeo vocecirc fica aqui brincando com a gente Elas vatildeo trabalhar em outro lugarrdquo (SANTIAGO 2019a p 68) Depois dessa resposta as crianccedilas pequenininhas voltaram a brincar entre elas e natildeo permitiram que o pesquisador continuasse a participar da brincadeira

Na busca por conhecer e reconhecer as relaccedilotildees de gecircnero entre meninas e meninos na educaccedilatildeo infantil eacute fundamental observar a crianccedilada e suas criaccedilotildees (GOBBI 2015 p 159) Isso requer construir uma escuta autecircntica que busque observar natildeo as ideias preacute-concebidas a respeito da infacircncia ou os projetos sociais que meninos e meninas desempenham na sociedade mas os modos capazes de perceber as crianccedilas nos seus proacuteprios pensamentos (SOCI 2015) No caso descrito anteriormente nota-se a ironia dos meninos na inversatildeo dos papeacuteis de gecircnero tradicionais em que o homem come a forccedila pois vai trabalhar fora de casa Ali eram as meninas que iam trabalhar O pesquisador ficaria brincando com os meninos sem comer

Nem tudo do universo adulto tem o mesmo sentido para as crianccedilas pequenininhas por isso eacute fundamental estarmos atentos e natildeo deixarmos que nossos estereoacutetipos limitem a experienciaccedilatildeo do mundo de meninos e meninas As crianccedilas pequenininhas nos mostram que haacute inuacutemeras possibilidades de existir e construir as infacircncias bem como de vivenciar as relaccedilotildees de gecircnero

[] quando a gente estava fazendo ensaio da muacutesica da sementinha quando eu levei a muacutesica para as crianccedilas eu propus eu falei ldquovamos fazer uma representaccedilatildeo dessa muacutesica com as crianccedilas corporalmente vamos representar a muacutesicardquo E aiacute que eu sugeri confeccionar as nuvens e fazer o sol E aiacute todas as vezes que a gente brincava com a muacutesica que eu falo que era uma brincadeira natildeo tinha personagens fixos mas a Layla [menina negra pequenininha] ela sempre pediu ldquodeixa eu ser o solrdquo Eu achei o maacuteximo assim neacute ldquodeixa eu serrdquo E aiacute ela foi muito enfaacutetica porque na realidade as crianccedilas querem ser as coisas porque elas querem experimentar os papeacuteis e ela foi muito enfaacutetica porque eu acho que ela sempre foi o sol eu acho que o sol foi o uacutenico elemento que natildeo teve rotatividade de crianccedilas ldquodeixa eu quero serrdquo e ela pedia muito ldquoEntatildeo taacute bom vai laacute ser o sol vai falar para a Dacia te dar o solrdquo Zarina docente branca informaccedilatildeo verbal (SANTIAGO 2019a p 85)

Layla quer ser o sol brilhar Transcende o processo de racializaccedilatildeo que marca a subjetividade das meninas negras com elementos do racismo e sexismo durante o ensaio e a apresentaccedilatildeo da peccedila Ela pode ser a responsaacutevel por fazer as flores crescerem durante a primavera tomando em suas matildeos a produccedilatildeo da vida Como destaca Silva (1998) as mulheres negras querem deixar de ser apenas estatiacutesticas e ter o protagonismo na vida ser representadas querem se fazer ver e conhecer tal como satildeo As meninas pequenininhas negras querem ser almejam ter o protagonismo de tal modo como tecircm apontado historicamente as feministas negras em relaccedilatildeo agraves mulheres negras na construccedilatildeo da histoacuteria e da sociedade

Assim como Layla (menina negra pequenininha) outras meninas pequenininhas em diferentes momentos na pesquisa de Santiago (2019a) produziram formas de experimentaccedilatildeo do seu protagonismo e criaram formas de organizaccedilatildeo da vida Como exemplo tambeacutem temos a cena em que Chioma (menina negra pequenininha) e Dalila (menina branca pequenininha) decidem levar os cavalos para passear em um ato de amizade e ruptura com a ideia de feminilidade ligada agrave maternagem expressa muitas vezes pelo cuidado com as bonecas Como aponta Santiago (2019a) as meninas pequenininhas natildeo apenas empurravam os cavalos

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mas tambeacutem se tornaram liacutederes de um pequeno rebanho de trecircs animais com eles Chioma e Dalila subiam os morros da creche e guerreavam com aquelesas que desejavam roubaacute-los A ideia de menina delicada recatada e submissa estava borrada pela potencialidade intempestiva de duas pastoras fortes decididas e autocircnomas

Culturas Infantis e Relaccedilotildees Afetivas o Olhar da Colonialidade6 para as Brincadeiras das Crianccedilas Pequenininhas

A forma com que concebemos as relaccedilotildees afetivas e sexuais entre as pessoas adultas prioriza a heterossexualidade por meio de um dispositivo que a naturaliza e ao mesmo tempo tornando-a compulsoacuteria expressando expectativas demandas e obrigaccedilotildees sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e portanto fundamento da sociedade (MISKOLCI 2009)7

Um exemplo desse olhar pode ser percebido em uma conversa que o pesquisador Santiago teve com a docente Adeola enquanto observavam as crianccedilas brincando no ambiente externo da creche em que era realizada a pesquisa

ndash Vocecirc jaacute viu como a Farisa [menina branca pequenininha] e o Ife [menino branco pequenininho] brincam sempre juntos Acho que eles satildeo um casalzinho vivem juntos sempre Ele chega e jaacute procura ela eacute uma coisa impressionante Ano passado ele batia muito nela e acho que ela acabou gostando porque hoje natildeo desgruda ndash Fragmento do diaacuterio de campo de Flaacutevio Santiago agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 79)

Durante a realizaccedilatildeo das entrevistas com Santiago as docentes retomaram o tema de as duas crianccedilas pequenininhas brincarem juntas motivo sempre de um olhar normativo

ndash Farisa e Ife satildeo brancos homem e mulher entatildeo natildeo haacute muita mistura de cor nos casais da sala Informaccedilatildeo verbal Adeola docente negra entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 80)

ndash A Farisa [menina branca pequenininha] eu sempre vejo com o Ife [menino branco pequenininho] mas aiacute eu natildeo sei as meninas dizem que essa afinidade vem do ano anterior e diz que eles estavam juntos no berccedilaacuterio e que o Ife batia muito nela e que ela sempre aceitou neacute receber as agressotildees Eu vejo que eles brincam muito juntos mas eu natildeo sei se eacute porque foi reforccedilada essa relaccedilatildeo entre eles Informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 82)

Nesse contexto eacute importante pensarmos qual imagem se tem das meninas pois ldquo[q]uando falamos do mito da fragilidade feminina que justificou historicamente a proteccedilatildeo paternalista dos homens sobre as mulheres de que mulheres estamos falandordquo (CARNEIRO 2011 p 50) Teriacuteamos o mesmo discurso das docentes se fossem duas crianccedilas negras pequenininhas Ou se a menina pequenininha fosse negra

Em contrapartida satildeo acionadas nesse contexto as tramas do racismo que reforccedilam os ideais de brancura e naccedilatildeo amalgamando relaccedilotildees afetivas entre pessoas brancas de sexo oposto Jaacute para as pessoas negras satildeo interditadas essas mesmas experiecircncias afetivas e consequentemente natildeo compotildeem a imagem de formaccedilatildeo de uma famiacutelia normativa burguesa alicerccedilada na ideia do amor romacircntico (SANTIAGO 2019a) Os traccedilos fenotiacutepicos e a esteacutetica satildeo codificados como elementos que obstruem as preferecircncias afetivas

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Nesse contexto as praacuteticas racistas dividem e recortam relaccedilotildees colaborando para o isolamento afetivo (PACHECO 2008)

As relaccedilotildees matrimoniais no Brasil como apontam as feministas negras satildeo marcadas diretamente pela hierarquizaccedilatildeo racial dos sujeitos um exemplo ilustrativo desse processo eacute o quadro do pintor espanhol Modesto Brocos y Goacutemez A Redenccedilatildeo de Cam (1895) (Fig 1)

Fonte Site Alma Petra

Figura 1 Quadro de Modesto Brocos y Goacutemez (A Redenccedilatildeo de Cam 1885)

O quadro representa uma constituiccedilatildeo familiar ideal no contexto do branqueamento que rege as relaccedilotildees raciais no panorama brasileiro trazendo trecircs geraccedilotildees marcadas pela gradaccedilatildeo de cor A obra foi pintada enquanto Modesto Brocos y Goacutemez espanhol branco radicado no Brasil lecionava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro O afeto entre pessoas negras natildeo corresponde a um ideal presente no projeto racial do nosso paiacutes

A obra de Modesto como apontam Lotierzo e Schwarcz (2013) na medida em que retrata uma crianccedila pequenininha e o pai como brancos do sexo masculino constroacutei uma narrativa em que existe ruptura tanto de raccedila quanto de gecircnero

Se eacute verdade que o movimento percorrido pela obra vai do negro ao branco em conformidade com as projeccedilotildees de uma vertente do pensamento racista do periacuteodo que apostava no branqueamento eacute possiacutevel pensar que o quadro tem gecircnero definido uma vez que o futuro racial da famiacutelia em cena eacute um menino branco o quadro procura exprimir atraveacutes da configuraccedilatildeo raccedilagecircnero um certo olhar masculino de cumplicidade entre cavalheiros assentado no impulso a confirmar a paternidade (branca) da crianccedila (LOTIERZO SCHWARCZ p 5)

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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mas tambeacutem se tornaram liacutederes de um pequeno rebanho de trecircs animais com eles Chioma e Dalila subiam os morros da creche e guerreavam com aquelesas que desejavam roubaacute-los A ideia de menina delicada recatada e submissa estava borrada pela potencialidade intempestiva de duas pastoras fortes decididas e autocircnomas

Culturas Infantis e Relaccedilotildees Afetivas o Olhar da Colonialidade6 para as Brincadeiras das Crianccedilas Pequenininhas

A forma com que concebemos as relaccedilotildees afetivas e sexuais entre as pessoas adultas prioriza a heterossexualidade por meio de um dispositivo que a naturaliza e ao mesmo tempo tornando-a compulsoacuteria expressando expectativas demandas e obrigaccedilotildees sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e portanto fundamento da sociedade (MISKOLCI 2009)7

Um exemplo desse olhar pode ser percebido em uma conversa que o pesquisador Santiago teve com a docente Adeola enquanto observavam as crianccedilas brincando no ambiente externo da creche em que era realizada a pesquisa

ndash Vocecirc jaacute viu como a Farisa [menina branca pequenininha] e o Ife [menino branco pequenininho] brincam sempre juntos Acho que eles satildeo um casalzinho vivem juntos sempre Ele chega e jaacute procura ela eacute uma coisa impressionante Ano passado ele batia muito nela e acho que ela acabou gostando porque hoje natildeo desgruda ndash Fragmento do diaacuterio de campo de Flaacutevio Santiago agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 79)

Durante a realizaccedilatildeo das entrevistas com Santiago as docentes retomaram o tema de as duas crianccedilas pequenininhas brincarem juntas motivo sempre de um olhar normativo

ndash Farisa e Ife satildeo brancos homem e mulher entatildeo natildeo haacute muita mistura de cor nos casais da sala Informaccedilatildeo verbal Adeola docente negra entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 80)

ndash A Farisa [menina branca pequenininha] eu sempre vejo com o Ife [menino branco pequenininho] mas aiacute eu natildeo sei as meninas dizem que essa afinidade vem do ano anterior e diz que eles estavam juntos no berccedilaacuterio e que o Ife batia muito nela e que ela sempre aceitou neacute receber as agressotildees Eu vejo que eles brincam muito juntos mas eu natildeo sei se eacute porque foi reforccedilada essa relaccedilatildeo entre eles Informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 a Flaacutevio Santiago (SANTIAGO 2019a p 82)

Nesse contexto eacute importante pensarmos qual imagem se tem das meninas pois ldquo[q]uando falamos do mito da fragilidade feminina que justificou historicamente a proteccedilatildeo paternalista dos homens sobre as mulheres de que mulheres estamos falandordquo (CARNEIRO 2011 p 50) Teriacuteamos o mesmo discurso das docentes se fossem duas crianccedilas negras pequenininhas Ou se a menina pequenininha fosse negra

Em contrapartida satildeo acionadas nesse contexto as tramas do racismo que reforccedilam os ideais de brancura e naccedilatildeo amalgamando relaccedilotildees afetivas entre pessoas brancas de sexo oposto Jaacute para as pessoas negras satildeo interditadas essas mesmas experiecircncias afetivas e consequentemente natildeo compotildeem a imagem de formaccedilatildeo de uma famiacutelia normativa burguesa alicerccedilada na ideia do amor romacircntico (SANTIAGO 2019a) Os traccedilos fenotiacutepicos e a esteacutetica satildeo codificados como elementos que obstruem as preferecircncias afetivas

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Nesse contexto as praacuteticas racistas dividem e recortam relaccedilotildees colaborando para o isolamento afetivo (PACHECO 2008)

As relaccedilotildees matrimoniais no Brasil como apontam as feministas negras satildeo marcadas diretamente pela hierarquizaccedilatildeo racial dos sujeitos um exemplo ilustrativo desse processo eacute o quadro do pintor espanhol Modesto Brocos y Goacutemez A Redenccedilatildeo de Cam (1895) (Fig 1)

Fonte Site Alma Petra

Figura 1 Quadro de Modesto Brocos y Goacutemez (A Redenccedilatildeo de Cam 1885)

O quadro representa uma constituiccedilatildeo familiar ideal no contexto do branqueamento que rege as relaccedilotildees raciais no panorama brasileiro trazendo trecircs geraccedilotildees marcadas pela gradaccedilatildeo de cor A obra foi pintada enquanto Modesto Brocos y Goacutemez espanhol branco radicado no Brasil lecionava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro O afeto entre pessoas negras natildeo corresponde a um ideal presente no projeto racial do nosso paiacutes

A obra de Modesto como apontam Lotierzo e Schwarcz (2013) na medida em que retrata uma crianccedila pequenininha e o pai como brancos do sexo masculino constroacutei uma narrativa em que existe ruptura tanto de raccedila quanto de gecircnero

Se eacute verdade que o movimento percorrido pela obra vai do negro ao branco em conformidade com as projeccedilotildees de uma vertente do pensamento racista do periacuteodo que apostava no branqueamento eacute possiacutevel pensar que o quadro tem gecircnero definido uma vez que o futuro racial da famiacutelia em cena eacute um menino branco o quadro procura exprimir atraveacutes da configuraccedilatildeo raccedilagecircnero um certo olhar masculino de cumplicidade entre cavalheiros assentado no impulso a confirmar a paternidade (branca) da crianccedila (LOTIERZO SCHWARCZ p 5)

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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Nesse contexto as praacuteticas racistas dividem e recortam relaccedilotildees colaborando para o isolamento afetivo (PACHECO 2008)

As relaccedilotildees matrimoniais no Brasil como apontam as feministas negras satildeo marcadas diretamente pela hierarquizaccedilatildeo racial dos sujeitos um exemplo ilustrativo desse processo eacute o quadro do pintor espanhol Modesto Brocos y Goacutemez A Redenccedilatildeo de Cam (1895) (Fig 1)

Fonte Site Alma Petra

Figura 1 Quadro de Modesto Brocos y Goacutemez (A Redenccedilatildeo de Cam 1885)

O quadro representa uma constituiccedilatildeo familiar ideal no contexto do branqueamento que rege as relaccedilotildees raciais no panorama brasileiro trazendo trecircs geraccedilotildees marcadas pela gradaccedilatildeo de cor A obra foi pintada enquanto Modesto Brocos y Goacutemez espanhol branco radicado no Brasil lecionava na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro O afeto entre pessoas negras natildeo corresponde a um ideal presente no projeto racial do nosso paiacutes

A obra de Modesto como apontam Lotierzo e Schwarcz (2013) na medida em que retrata uma crianccedila pequenininha e o pai como brancos do sexo masculino constroacutei uma narrativa em que existe ruptura tanto de raccedila quanto de gecircnero

Se eacute verdade que o movimento percorrido pela obra vai do negro ao branco em conformidade com as projeccedilotildees de uma vertente do pensamento racista do periacuteodo que apostava no branqueamento eacute possiacutevel pensar que o quadro tem gecircnero definido uma vez que o futuro racial da famiacutelia em cena eacute um menino branco o quadro procura exprimir atraveacutes da configuraccedilatildeo raccedilagecircnero um certo olhar masculino de cumplicidade entre cavalheiros assentado no impulso a confirmar a paternidade (branca) da crianccedila (LOTIERZO SCHWARCZ p 5)

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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Assim marcado por um projeto de branqueamento da naccedilatildeo o afeto entre negros(as) se torna elemento de pacircnico fato explicitado na pesquisa de campo quando um menino negro pequenininho e uma menina negra pequenininha passaram a estar mais vezes juntos brincando sempre em conjunto no espaccedilo externo Diferentemente da reaccedilatildeo sobre o par de crianccedilas brancas as docentes sempre repreendiam essa uacuteltima relaccedilatildeo dizendo que era perigosa que a Hasina natildeo gostava que o Henrique estivesse junto a ela ou entatildeo que

Henrique eacute muito carinhoso Aiacute tambeacutem tem essa questatildeo de fazer carinho em excesso e falar da Hasina [menina negra pequenininha] ele fica muito grudado com a Hasina O Henrique tem ficado ultimamente muito junto dela e ela estaacute incomodada Eu falei ldquoHenrique natildeo daacute para fazer carinho se o outro natildeo quer vocecirc perguntou se ela quer Natildeo daacute para ficar pondo a matildeo nela entatildeo Natildeo daacute Perguntou se ela querrdquo ldquoHasina fala para ele natildeordquo ela ldquonatildeordquo ela eacute toda brava a Hasina ndash informaccedilatildeo verbal Zarina docente branca entrevista concedida em 2016 (SANTIAGO 2019a p 82)

Como aponta Santiago

[] Henrique realmente poderia estar incomodando Hasina mas por que somente eacute destacado pela docente esse desconforto quanto ao excesso de carinho quando se trata de duas crianccedilas negras pequenininhas Em contrapartida a esse processo como destacou Zarina Ife menino branco pequenininho inicia a sua relaccedilatildeo de proximidade com uma colega com a agressividade e natildeo se tem a mesma percepccedilatildeo quanto ao caraacuteter agressivo da relaccedilatildeo (2019a p 83)

A masculinidade dos brancos eacute naturalmente concebida de modo agressivo e a agressividade faz parte do leque de accedilotildees determinadas aos homens e meninos brancos para a conquista de seus afetos sua propriedade Isso reforccedila o imaginaacuterio de virilidade associado a ser masculino e branco diferentemente da masculinidade negra que estaacute na chave da feminilidade ligada agravequilo que natildeo eacute humano no acircmbito do selvagem aquilo que deve ser civilizado pois natildeo eacute o padratildeo determinado pela colonialidade nem representa a figura de homem Nesse contexto o racismo interdita a vida estruturando uma morte social8 dilacerada para aleacutem do proacuteprio sentimento de luto ldquo[N]o racismo a negaccedilatildeo eacute usada para manter a legitimar estruturas violentas de exclusatildeo [] o sujeito negro torna-se entatildeo aquilo a que o sujeito branco natildeo que ser relacionadordquo (KILOMBA 2019 p 34)

O afeto tornou-se um privileacutegio nas relaccedilotildees interpessoais estando marcado pela desigualdade o amor o carinho o princiacutepio de partilha a preocupaccedilatildeo os cuidado muacutetuos e a alteridade satildeo estabelecidos com base nas estruturas hieraacuterquicas fundamentadas pelo racismo o sexismo e os privileacutegios de classe presentes nas sociedades capitalistas configurando produtos da segmentaccedilatildeo das relaccedilotildees de poder (SANTIAGO 2019a) As relaccedilotildees de afeto como pontua Silva (2017) muitas vezes reproduzem o racismo ecoando a ideia de que a humanidade natildeo pertencente a todos eacute necessaacuterio possuir determinadas caracteriacutesticas fenotiacutepicas para ter o direito a acessar determinadas praacuteticas sociais entre as quais a alteridade o carinho etc No texto ldquoVivendo de Amorrdquo hooks (2010) destaca a violecircncia que o processo de escravizaccedilatildeo exemplo maacuteximo de desumanizaccedilatildeo das pessoas causou nas relaccedilotildees afetivas deixando marcas histoacutericas que reverberam ateacute a contemporaneidade

Vale destacar que o processo de desumanizaccedilatildeo natildeo se inicia no interior das creches e preacute-escolas as praacuteticas sociais ali estabelecidas reverberam uma estrutura posta na sociedade capitalista O racismo eacute estruturante dos padrotildees estando inserido em todas os espaccedilos sociais (GOMES LARBONE 2018) As vidas negras no interior desse processo natildeo satildeo reconhecidas como merecedoras de humanidade como mostra o genociacutedio das pessoas negras ou a morte de inuacutemeras crianccedilas por balas perdidas que sempre encontram os

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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corpos negros9 Assim situaccedilotildees racistas que desumanizam as crianccedilas negras pequenininhas na educaccedilatildeo infantil satildeo reflexo desse contexto macro que estrutura a sociedade pautada em hierarquias que legitimam privileacutegios raciais

O movimento feminista negro tem discutido e lutado pela desconstruccedilatildeo do processo de desumanizaccedilatildeo Nesse cenaacuterio racista os afetos a morte social ou fiacutesica o sonho de um priacutencipe encantado ou mesmo o casamento idealizado no inconsciente patriarcal ao longo dos seacuteculos natildeo fazem parte da realidade da populaccedilatildeo negra Paralelamente a esse processo constroacutei-se a ideia de que as mulheres negras satildeo mais fortes Contudo como aponta Ribeiro

[] o fato de ela ter de ser forte guerreira eacute uma imposiccedilatildeo do Estado que eacute omisso Eu natildeo gosto de colocar a mulher negra inerentemente forte porque acho que eacute desumano Eu tambeacutem tenho direito agrave fragilidade Eu sou uma pessoa como outra qualquer tem dia que estou triste que eu me sinto fraca Noacutes somos fortes sim mas querer naturalizar isso eacute escamotear a omissatildeo do Estado A gente tem que ser forte porque as oportunidades natildeo satildeo iguais porque a realidade eacute muito violenta A mulher negra tambeacutem tem o direito de ser fraacutegil e de natildeo ter que carregar o mundo nas costas (RIBEIRO apud OLIVEIRA 2016)

Considerando esse universo de pontos de vista Santiago se inquieta com a fala da docente e levanta alguns questionamentos ldquocomo as meninas pequenininhas negras e brancas e os meninos pequenininhos negros e brancos brincam quando estatildeo juntos(as)rdquo (2019a p 82) Com o intuito de tentar olhar para essas relaccedilotildees de modo menos adultocecircntrico o pesquisador se aproxima das brincadeiras construiacutedas entre ldquocasaisrdquo e faz parte delas Nesse momento tem uma surpresa como podemos observar no diaacutelogo a seguir

ndash Farisa [menina branca pequenininha] posso brincar com vocecircs

ndash Pode tio

ndash E do que vocecircs estatildeo brincando

ndash Eu estou brincando de mandar no Ife

ndash Como assim Farisa

ndash Eu sou a matildee dele a tia dele a professora dele Eu mando nele

ndash Nossa e como brinca

ndash SENTA ALI TIO E FICA QUIETO Fragmento do diaacuterio de campo agosto de 2016 (SANTIAGO 2019a p 83 grifo dos autores)

A brincadeira das crianccedilas pequenininhas natildeo necessariamente estava relacionada aos aspectos amorosos como as(os) adultas(os) imaginavam As ldquocrianccedilas desde bem pequenas pensam organizando o pensamento de forma sofisticada e complexardquo (MELLO BARBOSA FARIA 2011 p ix) construindo e reconstruindo as relaccedilotildees sociais ldquoCrianccedilas produzem e criam seus proacuteprios mundos coletivos num sentido geneacuterico Embora sejam afetadas pelo mundo adulto (que tambeacutem afetam) as culturas de pares das crianccedilas tecircm sua proacutepria autonomiardquo (CORSARO 2011 p 275)

Essa forma de conceituaccedilatildeo possibilita a ampliaccedilatildeo do nosso olhar diante das crianccedilas especificando as muacuteltiplas relaccedilotildees que estabelecem com o mundo entre as quais estaacute seu pertencimento

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

Page 12: ARTIGOS FEMINISMO NEGRO E PENSAMENTO INTERSECCIONAL

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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racial de gecircnero e de classe social explicitando que meninas e meninos satildeo criaturas e criadores(as) da histoacuteria e da cultura Meninas e meninos negros(as) e brancos(as) no conviacutevio com as diferenccedilas satildeo capazes de estabelecer muacuteltiplas relaccedilotildees construindo saberes reproduzindo e criando significados ndash demonstrando assim as oportunidades de poder ser crianccedila e vivendo a especificidade infantil criando e recriando as culturas infantis (FARIA 2005)

O racismo tenta construir a ideia imperativa de ldquomorterdquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas pequenininhas negras gritam ldquovidardquo O mesmo poder que achata as singularidades recebe violentamente uma forccedila de resistecircncia que o impede de apagar e construir um espaccedilo homogecircneo e linear Os choros as rebeldias infantis satildeo armas de uma guerrilha a favor da vida transmutaccedilotildees concretas de resistecircncia pela natildeo pasteurizaccedilatildeo dos sujeitos (SANTIAGO 2015 p 143)

Assim retomamos o episoacutedio descrito anteriormente e perguntamos a quem serve a percepccedilatildeo das crianccedilas pequenininhas como namoradas A quem serve a legitimaccedilatildeo de algumas formas de parceria entre as crianccedilas pequenininhas e a interdiccedilatildeo dessas relaccedilotildees para outras Para ajudar a pensar essa questatildeo retomamos os escritos de Rosemberg (1976) a respeito do adultocentrismo Segundo a saudosa pesquisadora feminista uma das caracteriacutesticas dessa forma de colonialismo eacute a invisibilidade do protagonismo das crianccedilas ldquona sociedade centrada no adulto a crianccedila natildeo eacute Ela eacute um vir a ser Sua individualidade mesma deixa de existir Ela eacute potencialmente a promessardquo (ROSEMBERG 1976 p 1467)

O ldquodestino das crianccedilas eacute a espera ndash paciente ateacute se tornarem adultas para terem sua construtividade reconhecida o que dizer sobre assuntos sociais para ser parte da coletividade de cidadatildeosrdquo (QVORTRUP 2014 p 32) E agraves meninas pequenininhas e aos meninos pequenininhos o que cabe fazer durante todo o periacuteodo da infacircncia Esperar Obedecer Soacute lhes resta aprender a amar apenas pessoas de determinado fenoacutetipo do sexo oposto de modo a estabelecer relaccedilotildees segundo as regras normativas que os(as) adultos(as) desejam

Consideraccedilotildees Finais

O olhar das feministas negras contribui para percebermos as culturas infantis inseridas em um contexto mais amplo no qual os marcadores sociais como gecircnero classe social e raccedila estatildeo diretamente correlacionados As feministas negras tambeacutem destacam que as generalizaccedilotildees que ldquonatildeo levem em consideraccedilatildeo as estruturas interligadas de posicionamento e opressatildeo de um grupo dentro de uma economia satildeo simplesmente abrangentesrdquo (COLLINS 2016 p 120) e abstratas pois natildeo pontuam as especificidades da desigualdade dentro de um contexto macroestruturante

As crianccedilas negras desde os primeiros dias de vida jaacute convivem com o racismo Satildeo desumanizadas estatildeo sendo mortas ndash uma morte social em que se retira o direito de participarem das brincadeiras ndash ou jaacute satildeo tachadas como as mais bagunceiras agressivas ldquoo racismo tenta construir a ideia imperativa de lsquomortersquo das diferenccedilas eacutetnico-raciais contudo as crianccedilas negras gritam lsquovidarsquordquo (SANTIAGO 2015 p 143) Pensar as produccedilotildees das crianccedilas pequenininhas desassociadas dos elementos sociais que estruturam a nossa sociedade a partir dessa perspectiva torna-se um problema pois isso natildeo corresponde agrave realidade transmitindo somente uma ideia parcial daquilo que estaacute sendo estabelecido nas relaccedilotildees sociais As pesquisas relativas agraves culturas infantis ao serem inquietadas com os questionamentos do Feminismo Negro ganham novas dimensotildees epistecircmicas trazendo para o campo de estudo elementos que agrave primeira vista com um olhar canocircnico eurocecircntrico e branco podem parecer superficiais ou irrelevantes mas que em uma visatildeo natildeo branca

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

Contribuiccedilatildeo dos Autores

Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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ganham contornos em que se pode compreender praacuteticas e hierarquizaccedilotildees sociais presentes na sociedade capitalista Os movimentos sociais como destaca Gomes satildeo ldquoos produtores e articuladores dos saberes construiacutedos pelos grupos natildeo hegemocircnicos e contra-hegemocircnicos da nossa sociedaderdquo (2017 p 16) o que traz para o debate inquietaccedilotildees de extrema relevacircncia para se pensar os aportes teoacutericos e metodoloacutegicos que fundamentam nossas pesquisas

Apesar de as feministas negras muitas vezes praticarem a intersecccedilatildeo gecircnero raccedila e classe social sem tocarem na temaacutetica das crianccedilas pequenininhas e das culturas infantis o olhar por elas construiacutedo possibilita a pesquisadores e pesquisadoras das infacircncias a criancistas e a crianccediloacutelogos(as) questionarmos e desnaturalizarmos algumas visotildees ainda eurocecircntricas e abstratas que estatildeo enraizadas em nossa proacutepria aacuterea de estudo e pesquisa favorecendo assim a descolonizaccedilatildeo do nosso pensamento Outro elemento de fundamental destaque eacute o convite que as feministas negras nos fazem para olhar um pouco mais de perto as relaccedilotildees sociais jaacute que nem tudo estaacute baseado em um uacutenico sistema macroestruturante Em geral a unidade na luta contra a desigualdade ldquonatildeo depende apenas de nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela histoacuterica hegemonia masculina mas exige tambeacutem a superaccedilatildeo de ideologias complementares desse sistema de opressatildeo como eacute o caso do racismordquo (CARNEIRO 2011) Assim a pesquisadores e pesquisadoras da pequena infacircncia fica a inquietaccedilatildeo de tambeacutem olharmos as crianccedilas de modo mais proacuteximo conhecermos a microestrutura de produccedilatildeo das culturas infantis e suas correlaccedilotildees com a sociedade Como educar as crianccedilas para o feminismo a partir de uma perspectiva interseccional desde a creche

Outro aspecto que vale retomarmos nesse momento eacute pensar as culturas infantis com um olhar carregado pelo adultocentrismo e tambeacutem pelo racismo e pelo sexismo que perpassam as nossas relaccedilotildees sociais o protagonismo infantil torna-se a partir desses oacuteculos coloniais mera reproduccedilatildeo da sociedade natildeo existindo algo novo ou mesmo autoral As crianccedilas tambeacutem subvertem a loacutegica dominante criando e recriando a vida dentro das condiccedilotildees dadas Natildeo satildeo cidadatildeos de pouca idade inertes Por meio do brincar e de um modo diverso dos adultos novas formas de organizaccedilotildees e de relaccedilotildees sociais satildeo pautadas nas percepccedilotildees raciais e de gecircnero

Por fim eacute fundamental destacarmos que as feministas negras construiacuteram uma revoluccedilatildeo epistecircmica na forma de se olhar para as relaccedilotildees de opressatildeo no mundo ldquoinaugurandordquo o que conhecemos como interseccionalidade Aliados a essa nova forma de percepccedilatildeo das relaccedilotildees sociais temos realizado nossas pesquisas e convidamos os pesquisadores e as pesquisadoras a olhar o protagonismo da infacircncia em suas relaccedilotildees para com o mundo de modo a natildeo valorizar somente uma percepccedilatildeo adultocecircntrica da infacircncia mas tambeacutem outras formas de perceber a vida a partir das perspectivas das crianccedilas As crianccedilas agradecem

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Problematizaccedilatildeo e Conceituaccedilatildeo Santiago F Faria ALG Metodologia Santiago F Faria ALG Anaacutelise Santiago F Faria ALG Redaccedilatildeo Santiago F Faria ALG

Notas

1 Eacute importante destacar que a pesquisa contou com a aprovaccedilatildeo do Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa sendo emitido no dia 2 de fevereiro de 2016 Parecer n 50873015000005404 Os nomes das docentes e das crianccedilas pequenininhas tambeacutem foram substituiacutedos por pseudocircnimos a fim de preservar o anonimato e a privacidade

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

Referecircncias

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Santiago F e Faria ALG

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SANTIAGO F Eu quero ser o sol (Re)interpretaccedilotildees das intersecccedilotildees entre as relaccedilotildees raciais e de gecircnero nas culturas infantis entre crianccedilas de 0 agrave 3 anos em creche 2019 111 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 2019a

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SANTIAGO F ldquoNatildeo eacute nenecirc ela eacute pretardquo educaccedilatildeo infantil e pensamento interseccional Educaccedilatildeo em Revista Belo Horizonte v 36 e220090 2020 httpsdoiorg1015900102-4698220090

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

Page 14: ARTIGOS FEMINISMO NEGRO E PENSAMENTO INTERSECCIONAL

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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2 Vale destacar que natildeo existe um consenso em relaccedilatildeo ao uso dos termos ldquocrianccedilas pequenininhasrdquo e ldquobebecircsrdquo os seus usos estatildeo diretamente ligados agraves perspectivas teoacuterico-metodoloacutegicas que os(as) pesquisadores(as) mobilizam na construccedilatildeo dos seus estudos e pesquisas A respeito disso destacamos a discussatildeo realizada por Gabriela Guarnieri de Campos Tebet e Anete Abramowicz no artigo ldquoEstudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeordquo (2018) no qual as autoras articulam suas argumentaccedilotildees a partir de um referencial poacutes-estruturalista

3 ldquoA ciecircncia ocidental apresenta uma postura adultocecircntrica em que aquele que eacute considerado o mais forte em sociedades competitivas olha para a infacircncia como se procurasse um outro adulto o adulto que a crianccedila seraacute A biologizaccedilatildeo e naturalizaccedilatildeo da crianccedila e do bebecirc com os padrotildees adultos e de maturidade permeando a compreensatildeo do desenvolvimento retiram da infacircncia a sua historicidade e seu potencial transformadorrdquo (ROSEMBERG 1976 p 1467-1468)

4 Para maiores detalhes ler Barbosa (2014) e Muller (2006)

5 Meninas pequenininhas que posteriormente comeccedilaram a brincar com os meninos pequenininhos

6 ldquoA lsquocolonialidadersquo eacute um conceito que foi introduzido pelo socioacutelogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no iniacutecio dos anos 1990 que eu elaborei em Histoacuterias locaisprojetos globais e em outras publicaccedilotildees posteriores Desde entatildeo a colonialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de lsquodescolonizaccedilatildeorsquo (e as lutas pela libertaccedilatildeo na Aacutefrica e na Aacutesia) A colonialidade nomeia a loacutegica subjacente da fundaccedilatildeo e do desdobramento da civilizaccedilatildeo ocidental desde o Renascimento ateacute hoje da qual colonialismos histoacutericos tecircm sido uma dimensatildeo constituinte embora minimizadardquo (MIGNOLO 2017 p 2)

7 Para maior aprofundamento a respeito da temaacutetica ver Barreiro (2019)

8 Para maiores detalhes ler Mbembe (2016)

9 Para maiores detalhes ler Almeida (2014) e Marques Junior (2020)

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Educ Soc Campinas v 42 e239933 2021

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Sociais) ndash Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas 2008

PEREIRA A O Amigues um estudo interseccional das praacuteticas de amizade entre as crianccedilas pequenas na educaccedilatildeo infantil 2020 146 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 2020

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PRADO P D As crianccedilas pequenininhas produzem cultura Consideraccedilotildees sobre educaccedilatildeo e cultura infantil em creche Pro-Posiccedilotildees Campinas v 10 n 1 p 110-118 1999

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SANTIAGO F Eu quero ser o sol (Re)interpretaccedilotildees das intersecccedilotildees entre as relaccedilotildees raciais e de gecircnero nas culturas infantis entre crianccedilas de 0 agrave 3 anos em creche 2019 111 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 2019a

SANTIAGO F Branquitude e creche inquietaccedilotildees de um pesquisador branco Educar em Revista Curitiba v 35 n 76 p 305-330 ago 2019b httpsdoiorg1015900104-406066099

SANTIAGO F ldquoNatildeo eacute nenecirc ela eacute pretardquo educaccedilatildeo infantil e pensamento interseccional Educaccedilatildeo em Revista Belo Horizonte v 36 e220090 2020 httpsdoiorg1015900102-4698220090

SAYAtildeO D T Pequenos homens pequenas mulheres Meninos meninas Algumas questotildees para pensar as relaccedilotildees entre gecircnero e infacircncia Pro-Posiccedilotildees Campinas v 14 n 3 p 67-87 mar 2016 Disponiacutevel em httpsperiodicossbuunicampbrojsindexphpproposicarticleview864386211339 Acesso em 15 fev 2019

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Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

Educ Soc Campinas v 42 e239933 202118

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TEBET G C ABRAMOWICZ A Estudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeo ETD ndash Educaccedilatildeo Temaacutetica Digital Campinas v 20 n 4 p 924-946 14 out 2018 httpsdoiorg1020396etdv20i48649692

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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CARNEIRO S Enegrecer o feminismo a situaccedilatildeo da mulher negra na ameacuterica latina a partir de uma perspectiva de gecircnero A situaccedilatildeo da mulher negra na Ameacuterica Latina a partir de uma perspectiva de gecircnero Portal Geledeacutes 2011 Disponiacutevel em httpswwwgeledesorgbrenegrecer-o-feminismo-situacao-da-mulher-negra-na-america-latina-partir-de-uma-perspectiva-de-genero Acesso em 5 jun 2020

COHN C Antropologia da crianccedila Rio de Janeiro Zahar 2005

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COLLINS P H Aprendendo com a outsider within a significaccedilatildeo socioloacutegica do pensamento feminista negro Sociedade e Estado Brasiacutelia DF v 31 n 1 p 99-127 2016 httpsdoiorg101590S0102-69922016000100006

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CRENSHAW K Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminaccedilatildeo racial relativos ao gecircnero Revista Estudos Feministas Florianoacutepolis v 10 n 1 p 171-188 2002 httpsdoiorg101590S0104-026X2002000100011

FACCHINI R Feminismos e estudos sobre mulheres e gecircnero no Brasil um olhar a partir das articulaccedilotildees presentes na luta por creches In TELES M A SANTIAGO F FARIA A L (orgs) Por que a creche eacute uma luta das mulheres Inquietaccedilotildees feministas jaacute demonstram que as crianccedilas pequenas satildeo de responsabilidade de toda a sociedade Satildeo Carlos Pedro amp Joatildeo Editores 2018 p 35-64

FARIA A L G Poliacuteticas de regulaccedilatildeo pesquisa e pedagogia na educaccedilatildeo infantil primeira etapa da educaccedilatildeo baacutesica Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 26 n 92 p 1013-1038 out 2005 httpsdoiorg101590S0101-73302005000300014

FERNANDES F As trocinhas do Bom Retiro folclore e mudanccedila social na cidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Martins Fontes 2004 p 203-315

GOBBI M A Laacutepis vermelho eacute de mulherzinha vinte anos depoishellip In FINCO D GOBBI M A FARIA A L G (orgs) Creche e feminismo desafios atuais para uma educaccedilatildeo descolonizadora Campinas Ediccedilotildees Leitura CriacuteticaFundaccedilatildeo Carlos ChagasAssociaccedilatildeo de Leitura do Brasil 2015 p 137-163

GOMES N L O movimento negro educador saberes construiacutedos nas lutas por emancipaccedilatildeo Petroacutepolis Vozes 2017

GOMES N L Raccedila e educaccedilatildeo infantil agrave procura de justiccedila Revista e-Curriculum Satildeo Paulo v 17 n 3 p 1015-1044 set 2019 httpsdoiorg10239251809-38762019v17i3p1015-1044

GOMES N L LABORNE A A P Pedagogia da crueldade racismo e extermiacutenio da juventude negra Educaccedilatildeo em Revista Belo Horizonte v 34 e197406 2018 httpsdoiorg1015900102-4698197406

GONZALEZ L Racismo e sexismo na cultura brasileira Revista Ciecircncias Sociais Hoje Brasiacutelia n 2 p 223-244 1983

hooks B Vivendo de amor Portal Geledeacutes 9 mar 2010 Disponiacutevel em httpswwwgeledesorgbrvivendo-de-amor Acesso em 22 dez 2015

hooks B O feminismo eacute para todo mundo poliacuteticas arrebatadoras Rio de Janeiro Editora Rosa dos Tempos 2018

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Educ Soc Campinas v 42 e239933 202116

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LOTIERZO T H P SCHWARCZ L K M Raccedila gecircnero e projeto branqueador ldquoa redenccedilatildeo de Camrdquo de Modesto Brocos Artelogie Paris n 5 out 2013 Disponiacutevel em httpcralin2p3frartelogiespipphparticle254 Acesso em 24 out 2018

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PRADO P D As crianccedilas pequenininhas produzem cultura Consideraccedilotildees sobre educaccedilatildeo e cultura infantil em creche Pro-Posiccedilotildees Campinas v 10 n 1 p 110-118 1999

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SANTIAGO F Eu quero ser o sol (Re)interpretaccedilotildees das intersecccedilotildees entre as relaccedilotildees raciais e de gecircnero nas culturas infantis entre crianccedilas de 0 agrave 3 anos em creche 2019 111 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 2019a

SANTIAGO F Branquitude e creche inquietaccedilotildees de um pesquisador branco Educar em Revista Curitiba v 35 n 76 p 305-330 ago 2019b httpsdoiorg1015900104-406066099

SANTIAGO F ldquoNatildeo eacute nenecirc ela eacute pretardquo educaccedilatildeo infantil e pensamento interseccional Educaccedilatildeo em Revista Belo Horizonte v 36 e220090 2020 httpsdoiorg1015900102-4698220090

SAYAtildeO D T Pequenos homens pequenas mulheres Meninos meninas Algumas questotildees para pensar as relaccedilotildees entre gecircnero e infacircncia Pro-Posiccedilotildees Campinas v 14 n 3 p 67-87 mar 2016 Disponiacutevel em httpsperiodicossbuunicampbrojsindexphpproposicarticleview864386211339 Acesso em 15 fev 2019

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VELHO G Observando o familiar In NUNES E O A aventura socioloacutegica Rio de Janeiro Jorge Zahar 1978 p 36-46

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

Educ Soc Campinas v 42 e239933 202116

KILOMBA G Memoacuterias da plantaccedilatildeo episoacutedios de racismo cotidiano Rio de Janeiro Cobogoacute 2019

KYRILLOS G M Uma anaacutelise criacutetica sobre os antecedentes da interseccionalidade Revista de Estudos Feministas Florianoacutepolis v 28 n 1 p 1-12 2020 httpsdoiorg1015901806-9584-2020v28n156509

LOTIERZO T H P SCHWARCZ L K M Raccedila gecircnero e projeto branqueador ldquoa redenccedilatildeo de Camrdquo de Modesto Brocos Artelogie Paris n 5 out 2013 Disponiacutevel em httpcralin2p3frartelogiespipphparticle254 Acesso em 24 out 2018

MACEDO E E Crianccedilas pequenininhas e a luta de classes 2016 135 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 2016

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MELLINO M Notas sobre o meacutetodo de Stuart Hall Althusser Gramsci e a questatildeo da raccedila Mouro ndash Revista Marxista [S l] ano 10 n 13 p 87-124 jan 2019

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Santiago F e Faria ALG

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Sociais) ndash Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas 2008

PEREIRA A O Amigues um estudo interseccional das praacuteticas de amizade entre as crianccedilas pequenas na educaccedilatildeo infantil 2020 146 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 2020

PRADO P D Educaccedilatildeo e cultura infantil em creche um estudo sobre as brincadeiras de crianccedilas pequenininhas em um CEMEI de CampinasSP 1998 139 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 1998

PRADO P D As crianccedilas pequenininhas produzem cultura Consideraccedilotildees sobre educaccedilatildeo e cultura infantil em creche Pro-Posiccedilotildees Campinas v 10 n 1 p 110-118 1999

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RIBEIRO D O que eacute lugar de fala Belo Horizonte LetramentoJustificando 2017

RIBEIRO D Feminismo negro como perspectiva emancipatoacuteria In TELES M A A SANTIAGO F FARIA A L G (orgs) Por que a creche eacute uma luta das mulheres Inquietaccedilotildees feministas jaacute demonstram que as crianccedilas pequenas satildeo de responsabilidade de toda a sociedade Satildeo Carlos Pedro amp Joatildeo 2018 p 65-91

ROSEMBERG F Educaccedilatildeo para quem Ciecircncia e Cultura Satildeo Paulo v 28 n 12 p 1466-1471 1976

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SANTIAGO F Eu quero ser o sol (Re)interpretaccedilotildees das intersecccedilotildees entre as relaccedilotildees raciais e de gecircnero nas culturas infantis entre crianccedilas de 0 agrave 3 anos em creche 2019 111 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 2019a

SANTIAGO F Branquitude e creche inquietaccedilotildees de um pesquisador branco Educar em Revista Curitiba v 35 n 76 p 305-330 ago 2019b httpsdoiorg1015900104-406066099

SANTIAGO F ldquoNatildeo eacute nenecirc ela eacute pretardquo educaccedilatildeo infantil e pensamento interseccional Educaccedilatildeo em Revista Belo Horizonte v 36 e220090 2020 httpsdoiorg1015900102-4698220090

SAYAtildeO D T Pequenos homens pequenas mulheres Meninos meninas Algumas questotildees para pensar as relaccedilotildees entre gecircnero e infacircncia Pro-Posiccedilotildees Campinas v 14 n 3 p 67-87 mar 2016 Disponiacutevel em httpsperiodicossbuunicampbrojsindexphpproposicarticleview864386211339 Acesso em 15 fev 2019

SILVA P B G Chegou a hora de darmos a luz a noacutes mesmas Situando-nos enquanto mulheres e negras Cadernos CEDES Campinas v 19 n 45 p 7-23 jul 1998 https doiorg101590S0101-32621998000200002

SILVA P B G O sentimento a compreensatildeo de que se pertence agrave humanidade comeccedila desde sempre In SANTOS S E et al Pedagogias descolonizadoras e infacircncias por uma educaccedilatildeo emancipadora desde o nascimento Maceioacute EDUFAL 2017 p 71- 86

SOCI D Da femmina e da maschio Un progetto sullrsquoidentitagrave e le differenze di genere nella scuola dellrsquoinfanzia Riviste Erickson Trento v 13 n 3 ott 2015 Disponiacutevel em httprivistedigitaliericksonit

Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

Educ Soc Campinas v 42 e239933 202118

educazione-interculturalearchiviovol-13-n-3articleda-femmina-e-da-maschio-un-progetto-sullidentita-e-le-differenze-di-genere-nella-scuola-dellinfanzia Acesso em 17 fev 2019

TEBET G C ABRAMOWICZ A Estudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeo ETD ndash Educaccedilatildeo Temaacutetica Digital Campinas v 20 n 4 p 924-946 14 out 2018 httpsdoiorg1020396etdv20i48649692

VELHO G Observando o familiar In NUNES E O A aventura socioloacutegica Rio de Janeiro Jorge Zahar 1978 p 36-46

WESCHENFELDER V I FABRIS ET H Tornar-se mulher negra escrita de si em um espaccedilo interseccional Revista de Estudos Feministas Florianoacutepolis v 27 n 3 p 1-15 2019 httpsdoiorg1015901806-9584-2019v27n354025

Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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Educ Soc Campinas v 42 e239933 2021

Santiago F e Faria ALG

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Sociais) ndash Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas 2008

PEREIRA A O Amigues um estudo interseccional das praacuteticas de amizade entre as crianccedilas pequenas na educaccedilatildeo infantil 2020 146 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 2020

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PRADO P D As crianccedilas pequenininhas produzem cultura Consideraccedilotildees sobre educaccedilatildeo e cultura infantil em creche Pro-Posiccedilotildees Campinas v 10 n 1 p 110-118 1999

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SANTIAGO F Eu quero ser o sol (Re)interpretaccedilotildees das intersecccedilotildees entre as relaccedilotildees raciais e de gecircnero nas culturas infantis entre crianccedilas de 0 agrave 3 anos em creche 2019 111 f Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo) ndash Faculdade de Educaccedilatildeo Universidade Estadual de Campinas Campinas 2019a

SANTIAGO F Branquitude e creche inquietaccedilotildees de um pesquisador branco Educar em Revista Curitiba v 35 n 76 p 305-330 ago 2019b httpsdoiorg1015900104-406066099

SANTIAGO F ldquoNatildeo eacute nenecirc ela eacute pretardquo educaccedilatildeo infantil e pensamento interseccional Educaccedilatildeo em Revista Belo Horizonte v 36 e220090 2020 httpsdoiorg1015900102-4698220090

SAYAtildeO D T Pequenos homens pequenas mulheres Meninos meninas Algumas questotildees para pensar as relaccedilotildees entre gecircnero e infacircncia Pro-Posiccedilotildees Campinas v 14 n 3 p 67-87 mar 2016 Disponiacutevel em httpsperiodicossbuunicampbrojsindexphpproposicarticleview864386211339 Acesso em 15 fev 2019

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Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020

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Feminismo negro e pensamento interseccional Contribuiccedilotildees para as pesquisas das culturas infantis

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educazione-interculturalearchiviovol-13-n-3articleda-femmina-e-da-maschio-un-progetto-sullidentita-e-le-differenze-di-genere-nella-scuola-dellinfanzia Acesso em 17 fev 2019

TEBET G C ABRAMOWICZ A Estudos de bebecircs linhas e perspectivas de um campo em construccedilatildeo ETD ndash Educaccedilatildeo Temaacutetica Digital Campinas v 20 n 4 p 924-946 14 out 2018 httpsdoiorg1020396etdv20i48649692

VELHO G Observando o familiar In NUNES E O A aventura socioloacutegica Rio de Janeiro Jorge Zahar 1978 p 36-46

WESCHENFELDER V I FABRIS ET H Tornar-se mulher negra escrita de si em um espaccedilo interseccional Revista de Estudos Feministas Florianoacutepolis v 27 n 3 p 1-15 2019 httpsdoiorg1015901806-9584-2019v27n354025

Sobre os Autores

Flaacutevio Santiago realiza estaacutegio de poacutes-doutoramento na Universidade de Satildeo Paulo (USP) junto ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educaccedilatildeo Comparada da Faculdade de Educaccedilatildeo eacute doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP 2019) Atualmente tambeacutem eacute tutor a distacircncia do Instituto Federal de Pernambuco no curso de poacutes-graduaccedilatildeo lato sensu em Docecircncia para Educaccedilatildeo Profissional e Tecnoloacutegica Pesquisa sobre pedagogia da infacircncia relaccedilotildees raciais e de gecircnero migraccedilotildees internacionais e educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais na educaccedilatildeo baacutesica

Ana Luacutecia Goulart de Faria eacute paulistana desvairada criancista e crianccediloacuteloga antifascista marxista e feminista Eacute pedagoga professora permanente aposentada colaboradora da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Coordenadora da linha Culturas Infantis do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educaccedilatildeo e Diferenciaccedilatildeo Sociocultural (GEPEDISC) Membro do grupo gestor do Foacuterum Paulista de Educaccedilatildeo Infantil Ex-membro do Conselho Municipal de Educaccedilatildeo de Campinas Ex-membro do colegiado docente de doutorado da Faculdade de Ciecircncias da Formaccedilatildeo da Universitagrave Degli Studi Milano Bicocca e pesquisadora da mesma desde 2010 quando realizado poacutes doc com bolsa CAPES

Recebido 22 jul 2020Aceito 26 out 2020