artigo_eduardo natalino_as tradiçoes historicas indigenas diante da conquista_mesoamerica e andes

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  • REVISTA DE

    HISTRIA

  • Maria Cristina Cortez Wissenbach / Revista de Histria 150 (1 - 2004), xxx-xxx

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULOReitor: Prof. Dr. Adolpho Jos MelfiVice-Reitor: Prof. Dr. Hlio Nogueira da Cruz

    FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANASDiretor: Prof. Dr. Sedi HiranoVice-Diretor: Profa. Dra. Sandra Margarida Nitrini

    DEPARTAMENTO DE HISTRIAChefe: Prof. Dr. Osvaldo Luiz Angel CoggiolaSuplente: Prof. Dr. Carlos Alberto Ribeiro de Moura Zeron

    REVISTA DE HISTRIANmero 150 (Terceira Srie) 1 semestre de 2004 ISSN 0034-8309Conselho EditorialProfa. Dra. Maria Helena P.T. Machado (Editora)Prof. Dr. Elias Thom SalibaProf Dr Ceclia Helena L. Salles OliveiraProf Dr Maria Inez Machado Borges PintoProf. Dr. Julio Cesar Pimentel Pinto Filho

    rgo Oficial do Departamento de Histria da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas USPFundada em 1950 pelo Professor Eurpedes Simes de Paula, seu Diretor at seu falecimento em 1977

    Endereos para correspondncia:Comisso Executiva:Av. Professor Lineu Prestes, 338 Cidade Universitria05508-900 So Paulo SP BrasilCaixa Postal 8.105 FAX: (011) 3032-2314Tel.: (011) 3091-3701 3091-3731 ramal 229e-mail: [email protected]

    Compras:Humanitas Livraria FFLCHRua do Lago, 717 Cidade Universitria05508-900 So Paulo SP BrasilFone/fax: (011) 3091-4589e-mail: [email protected]

    Copyright 2004 dos autores. Os direitos de publicao desta edio so daUniversidade de So Paulo Humanitas Publicaes FFLCH/USP dezembro/2004

    ProduoSecretrio: Joceley Vieira de SouzaDiagramao, Projeto Grfico do miolo: JoceleyVieira de Souza ([email protected])

    Conselho ConsultivoBraz A. Aquino Brancato (PUC-RS)Caio Boschi (PUC-MG)Ciro Flamarion Cardoso (UFF)Emanuel Araujo (UnB)Euclides Marchi (UFPA)Frederico Alexandre de Moraes Hecker (UNESP/Assis)Gilberto Luis Alves (UFMTS)Holien Bezerra (UFGO)Janice Theodoro (DH-USP)Jean-Claude Schmitt (EHESS)

    Jean-Louis Flandrin (Sorbonne)Jos Carlos Sebe Bom Meihy (DH-USP)Laura Mello e Souza (DH-USP)Leila Mezan Algranti (UNICAMP)Luis Henrique Dias Tavares (UFBA)Marco Antonio Villa (UFSCar)Serge Gruzinsky (EHESS)Sergio Miceli (USP)Tefilo Ruiz (Brooklyn College)Vavy Pacheco Borges (UNICAMP)

    Este nmero contou com o apoio financeiro doPrograma de Ps-Graduao em Histria Social - FFLCH/USP

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    REVISTA DE

    HISTRIA

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    Servio de Biblioteca e Documentao da Faculdade de Filosofia, Letras eCincias Humanas da Universidade de So Paulo

    Revista de Histria / Departamento de Histria. Faculdade de Filosofia, Letrase Cincias Humanas. Universidade de So Paulo. n. 1 (1950). So Paulo:Humanitas / FFLCH / USP, 1950-

    Nova Srie - 1 Semestre, 1983 Terceira Srie - 1 Semestre, 1998.

    Semestral ISSN 0034-8309

    1. Histria I. Universidade de So Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas. Departamento de Histria

    CDD 900

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    EDITORIAL07

    DOSSISo Paulo - 450 anos

    Maria Cristina Cortez Wissenbach 11 A Mercantilizao da Magia naUrbanizao de So Paulo, 1910-1940

    James P. Woodard 41 Regionalismo Paulista e Poltica Partidrianos Anos Vinte

    Petrnio Domingues 57 "Paladinos da Liberdade". A Experinciado Clube Negro de Cultura Social emSo Paulo (1932-1938)

    Damio Duque de Farias 81 Representaes Historiogrficas Catlicaspor ocasio da Comemorao do IVCentenrio da Cidade de So Paulo

    ARTIGOSCielo G. Festino 99 A Histria nas Estrias das Mulheres

    do Raj

    Mrcia de Almeida Gonalves 129 Narrativa Biogrfica e Escrita da Histria:Octvio Tarqunio de Sousa e seu tempo

    Eduardo Natalino dos Santos 157 As Tradies Histricas Indgenas dianteda Conquista e Colonizao da Amrica:Transformaes e Continuidades entreNahuas e Incas

    Lincoln Secco 209 Biblioteca Gramsciana: os Livros daPriso de Antonio Gramsci

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    EDITORIAL

    Fazendo eco s comemoraes dos quatro sculos e meio de fundao dacidade de So Paulo, o nmero 150 da Revista de Histria abre com o DossiSo Paulo 450 anos, cuja composio reflete a variedade de temas e aborda-gens que hoje enriquecem a historiografia paulistana interessada no estudoda cidade no sculo XX. Contando com os artigos de Maria Cristina CortezC. Wissenbach, James P. Woodard, Petrnio Domingues e Damio Duque deFarias, os textos apontam para diferentes perspectivas historiogrficas, apre-sentando estudos sobre temas tais como a insero das prticas mgicas e docurandeirismo na cidade que se aburguesava nos anos de 1910 a 1940 (A Mer-cantilizao da Magia na Urbanizao de So Paulo, 1910-1940), a questoda formao poltica dos grupos paulistanos e sua projeo no cenrio nacionalda dcada de 1920 (Regionalismo Paulista e Poltica Partidria nos AnosVinte), a ecloso de uma pioneira experincia de movimento e imprensa negrana So Paulo na dcada de1930 (Paladinos da Liberdade. A Experinciado Clube Negro de Cultura Social em So Paulo, 1932-1938) e, finalmente,o quarto artigo (Representaes Historiogrficas Catlicas por ocasio daComemorao do IV Centenrio da Cidade de So Paulo) enfoca asrepresentaes produzidas por um imaginrio paulistano catlico e conserva-dor, de vis bandeirista e empresarial, cujo escopo tm agora, em torno dos450 anos da cidade, sido objeto de uma merecida crtica historiogrfica.

    A seo de artigos da Revista de Histria nmero150 se inicia com o textode Cielo Festino sobre a literatura de lngua inglesa na ndia do Raj (A Histrianas Estrias das Mulheres do Raj) e cujo objetivo foi o de apontar as ligaesentre a literatura, gnero e imperialismo. A seguir encontramos o artigo decunho historiogrfico de autoria de Mrcia de Almeida Gonalves (NarrativaBiogrfica e Escrita da Histria: Octvio Tarqunio de Sousa e seu Tempo)que enfoca a questo da construo narrativa da biografia na obra de OtvioTarqunio de Sousa. O artigo de Eduardo Natalino dos Santos (As TradiesIndgenas diante da Conquista e Coloniazao da Amrica: Transforma-es e Continuidades entre Nahuas e Incas), ao se deter sobre a questo dahistria indgena frente conquista, apresenta perspectivas analticas de um tema

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    to rico quanto carente de abordagens em nosso meio acadmico. Por ltimo,na tradio da histria das idias, Lincoln Secco (Biblioteca Gramsciana: osLivros da Priso de Antonio Gramsci) aborda a construo do pensamentogramsciano por meio da anlise de sua biblioteca no crcere.

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    DOSSI

    So Paulo450 anos

  • Resumo

    Abstract

    Palavras-Chave

    Keywords

    A MERCANTILIZAO DA MAGIA NAURBANIZAO DE SO PAULO, 1910-1940*

    Maria Cristina Cortez WissenbachDepto. de Histria - FFLCH/USP

    Com base em processo movidos contra rus incursos nos artigos quecriminalizavam o curandeirismo, o espiritismo, a feitiaria e outras pr-ticas similares, o texto busca o significado histrico de crenas religio-sas na perspectiva de um universo citadino em transformao. Contem-pla questes como a propagao do espiritismo, diferenas entre rituaisdo baixo e do alto espiritualismo e o tratamento dado ao tema pelaimprensa e pelas autoridades que lideravam as campanhas antimagia.

    Religiosidade popular Espiritismo Urbanizao Ritos e Crenas Afro-brasileiros So Paulo

    Based on legal proceedings against those who practised withcraft andsorcery, spiritism, healings rituals and other practices considered as cri-me by the Legal Code of 1890, this article seeks the historical meanningsof religious faiths in a changing urban context. The study focuses onquestions such as the propagation of spiritism, the differences betweenlow and high spiritual rituals, and the way in which these thems weretreated by the press and by the leadership of the campaigns against magic.

    Popular religions Spiritism Urbanization Afro-brazilian rituals andcults So Paulo

    * Este artigo parte de uma pesquisa mais ampla, financiada pelo Capes/CNPq, que re-

    sultou na tese de doutorado Ritos de magia e sobrevivncia. Sociabilidades e prticasmgico-religiosas no Brasil, 1890-1940. Departamento de Histria, USP, sob orienta-o da Profa. Dra. Maria Odila Leite da Silva Dias, 1998.

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    "Fao milagres. Sim, fao milagres ! Mas milagres ... cientficos!!"(Ariosto Palombo, ou Mahatma Patiala, ou Joo de Minas, Diretorda Academia Brasileira de Cincia Divina, So Paulo, 1939)

    No Brasil dos primeiros anos da Repblica, sob os auspcios de novos tem-pos e de um novo sculo que se aproximava, assistiu-se a ecloso de uma sriede movimentos sociais nos quais a religiosidade popular, o misticismo e o pro-fetismo apresentaram-se como elementos capazes de levantar as populaessertanejas. Tais foram os movimentos de Canudos, do Contestado e de Juazeiroque chegaram a abalar os alicerces do regime que se implantava e a atemorizaruma sociedade que nascia sob o signo das profundas modificaes sociais epolticas ocorridas nas ltimas dcadas do sculo XIX. Fenmeno que traduziuanseios, o descontentamento e a viso de mundo de populaes afastadas doscentros de modernizao, o poder mobilizador das crenas religiosas no semanifestou somente nas regies que constituam o Brasil das reas do interior.

    Nas cidades brasileiras, sobretudo nas capitais do Sudeste, convulsionadaspelas transformaes trazidas pela Abolio e pela imigrao, por ritmos inu-sitados de crescimento populacional e de urbanizao, assistiu-se igualmenteuma onda de religiosidade difusa, que se manifestou sob outras formas e tevesignificados sociais diferenciados. Conduzido por crenas variadas e veiculadopela proliferao de prticas de cura, de adivinhao e rituais de proteo, estemovimento esteve marcado por um encontro sugestivo entre antigas tradiese prticas mgicas e as correntes do pensamento espiritualista que se firmavamna poca, entre elas especialmente o espiritismo que, nascido na segunda me-tade do sculo XIX, aqui rapidamente se projetou.

    Na cidade de So Paulo, onde a propagao das diferentes vertentes do pen-samento espiritualista por meio de rituais e de aes individuais rapidamenterecebeu a designao de o comrcio da iluso, proliferaram, desde os inciosdo sculo, consultrios de videntes, quiromantes e cartomantes que, em suamaioria, se apresentavam como madames de origem estrangeira (francesas,srias, espanholas e ciganas, entre outras), e de curandeiros, mdiuns ebenzedeiras. Posteriormente, ao lado desse atendimento individualizado e aolongo do perodo de 1920 a 1940, surgiram tambm centros e institutosdestinados ao tratamento de doenas para as quais a cincia mdica ofereciapoucas chances de cura tuberculose, lepra, sfilis, doenas da pele, entre outros

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    males e ao desenvolvimento de novas teraputicas para as doenas de fundonervoso, em meio a recursos magnticos passes ou aparelhos , e tcnicas deexorcismo associadas ao sonambulismo e ao hipnotismo.

    difcil dar conta da extenso do fenmeno, tal a profuso de consultrios,centros e institutos que foram se formando na cidade destinados a atender umaclientela cada vez maior, ansiosa em aliviar as tenses prprias aos momentoshistricos em que viviam. Na documentao criminal, no noticirio de jornaise na linguagem comum, foram, a princpio, distinguidas entre correntes e expe-rimentaes ligadas ao alto espiritismo e prticas e rituais catalogados comosendo de baixo espiritismo. Enquanto o termo alto espiritismo designava algu-mas das vertentes do pensamento espiritualista, especialmente o espiritismocientfico ou o kardecismo, ramos do ocultismo oriental e a fenomenologiaexperimental do sonambulismo, do hipnotismo e do magnetismo animal, otermo baixo espiritismo era atribudo a uma multiplicidade de prticas deorigens e caractersticas diversas mas, no geral, destinadas ao diagnstico ecura das doenas do corpo e da alma e resoluo das adversidades da vida,especialmente daquelas trazidas pelo estilo de vida urbano e moderno. Prticascriminalizadas j pelo Cdigo Penal de 1890, entre os acusados de exercer obaixo espiritismo poderiam ser encontrados curandeiros de diferentes tipos ocultistas, magnetizadores, hipnotizadores, mdiuns receitistas , benzedeirasque praticavam as simpatias da medicina mgica e do catolicismo popular equiromantes, cartomantes e pitonisas versadas em adivinhaes. E, principal-mente, feiticeiros e macumbeiros, denominao que recebiam os indivduosenvolvidos nos rituais e nas crenas oriundos da populao de afro-descen-dentes da cidade1

    .

    De pouco adiantaram as campanhas progressivamente travadas contra osdiversos tipos sociais ligados a essas prticas. Em So Paulo, nas dcadasiniciadas em 1920 e em 1930, s fizeram acentuar a tendncia instituciona-lizao de suas agremiaes, fazendo aumentar progressivamente o nmero

    1 Neste sentido, a documentao bsica sobre o tema so processos criminais de rus

    indiciados nos artigos do Cdigo Penal de 1890 que criminalizavam o exerccio ilegalda medicina (artigo 156), o uso do espiritismo, da magia e de seus sortilgios para iludiros incautos (artigo 157) e a prescrio de frmulas medicamentosas (artigo 158). No pre-sente artigo a documentao citada foi localizada no Arquivo do Poder Judicirio do Esta-do de So Paulo (no extinto Arquivo da Vila Leopoldina).

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    daquelas registradas junto s autoridades policiais. Presso das autoridadesque demandou, igualmente, uma melhor definio das doutrinas e dos pressu-postos que as norteavam: alm de oferecerem lenitivos para as doenas docorpo e da alma, os dirigentes das agremiaes espritas e ocultistas passarama buscar a comprovao emprica dos fenmenos naturais e sobrenaturais em-blemticos das teses de Mesmer e de Allan Kardec; procuraram estabeleceras distines entre os verdadeiros espiritualistas e os charlates e, principal-mente, contestar os limites entre as cincias da aparncia e o conhecimentooculto. Atestando a busca de uma racionalidade cientificista em meio a crenasespirituais, constituam expresses de uma nova mentalidade que procuravaeliminar a ciso entre magia e cincia; ou ao menos reverter o racionalismopositivista em proveito das prticas mgicas.

    Pela intensidade com que se manifestou na sociedade urbana e pelasdiscusses mais profundas que envolveu, a presena do tema se fez notar tam-bm na literatura e na imprensa da poca e entre os homens ligados aos vriosramos da cincia oficial. Os jornais, da mesma forma que destinavam espaosnas sees de anncios para os proclamas de ocultistas srios, de cartomantesrenomadas e das publicaes das editoras espiritualistas, guardavam igual-mente amplos espaos para noticiar, de maneira sensacionalista, as campanhaspoliciais movidas contra feiticeiros e bruxos. A partir de outro ponto de vista,os expoentes da medicina legal, da antropologia criminal, da psiquiatria social,os modernistas e os botnicos entre outros, observavam os transes medinicose os poderes paranormais, estabeleciam as relaes entre misticismo e doenamental, penetravam nas influncias da msica nas possesses mgicas, inven-tariavam o valor teraputico das ervas da farmacopia popular e, em linhasgerais, procuravam aprisionar tais conhecimentos e manifestaes nos quadrosde explicaes intelectualistas e sistmicas.

    Tendo em mente o alastramento das correntes mgico-religiosas no contex-to das sociedades urbanas, para os cientistas que lideravam as campanhas anti-mgicas, a permanncia da magia e das supersties era a prova cabal da equi-parao dos incautos, dos ingnuos e de seus mistificadores aos estgios maisprimitivos da evoluo humana. Utilizavam-se vontade das teorias evolucio-nistas de Gustave Le Bon, indicando a equivalncia entre a magia antiga e suasformas revividas no mundo moderno:

    A magia antiga devia, ainda uma vez, reaparecer, mudando de nomesem sofrer notvel modificao. Chama-se hoje ocultismo e espiritis-

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    mo, os augures se denominam mdiuns, os deuses inspiradores dosorculos se intitulam espritos, as evocaes dos mortos tm o nomede materializaes (Le Bon, apud Csar, 1939: 50-1).

    E, a partir da correspondncia evolutiva, adequavam a lgica dos credos entoem voga s chamadas leis da magia e s do pensamento primitivo, nas formulaesdesenvolvidas por James Frazer e por Lucien Lvy-Brulh2. Assim, por exemplo,sob a inspirao culturalista deste ltimo, Arthur Ramos estabelecia a equiparaodos curandeiros ao shaman e ao medicine-man das tradies indgena e africanae propunha uma nova forma de abordagem ao problema social do curandeirismopois, dentro de sua formulao, a lgica do primitivo no pode ser idntica dohomem branco, adulto e civilizado (Ramos, 1931: 979).

    Em particular, os representantes da psiquiatria social, membros dosinstitutos mdico-legais que ento se afirmavam, ao lado dos telogos do cato-licismo, travavam intenso debate com o espiritismo, tentando invalidar a pre-tenso da doutrina de Allan Kardec de se erigir enquanto categoria de verdade,cientificamente demonstrada, e focalizaram as experimentaes realizadaspelos espritas como sendo simples embustes de charlates. Acusando tambmo espiritismo como um dos grandes responsveis pelo desencadeamento daloucura, consideraram, na perspectiva dos avanos da cincia mdica, os fun-damentos das doutrinas medinicas. J nas primeiras dcadas do sculo XX,quando as teorias sobre a natureza das doenas mentais e sobre o inconscientedifundiam-se na Europa, os intelectuais brasileiros puderam observar aspossesses mgicas e os transes na perspectiva dos ensinamentos de Charcote de Freud. luz dessas teorias, afirmavam que os transes nada mais eram doque estados de sugesto induzida nos quais, sob o efeito de bebidas, danas ecnticos, e de repeties montonas, manifestava-se o inconsciente de indi-vduos portadores de personalidades cindidas ou dissociadas, isto , de esquizo-frnicos quando os incorporadores eram homens , e de histricas quando

    2 Sobre a extenso da influncia das teorias de Frazer entre etnlogos, socilogos, historia-

    dores, juristas e telogos e a polmica que se estabelecia, j nos finais do sculo passa-do, referente s relaes entre cincia e magia, magia e religio, ver Gurvitch, G. (1950),esp. cap. VII, "La magie, la religion et le droit".

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    mulheres (Ribeiro/Campos, 1931: 30 e seguintes)3. As crenas na reencarnaoe na transmigrao da alma premissas centrais das correntes medinicas eram, por sua vez, explicadas como desejos inconscientes de regresso ao pa-rasitismo uterino. No depoimento dado ao inqurito conduzido por LeondioRibeiro, afirmava Jlio Porto Carrero, catedrtico de Medicina Pblica daFaculdade de Direito do Rio de Janeiro:

    O espiritismo, com a sua doutrina da actividade do esprito dos mortose de reencarnao opportuna e repetida, vem ao encontro desse desejoque dorme no fundo de todos os conscientes a nsia pela volta ao parasi-tismo uterino (Carrero, apud Ribeiro/Campos, 1931: 162-63).

    Tambm da psicanlise se retirava a correspondncia evolutiva da magia fase narcsica, quando se manifesta o princpio da onipotncia das idias,quando o pensamento infantil julga submeter o mundo a seus desejos(Ramos, 1932: 43)4.

    Amplamente debatido, o recrudescimento do espiritualismo e a propagaode prticas mgicas, nos incios do sculo XX, no era experincia particular So Paulo. A imprensa paulistana faz questo de reafirmar, a todo momentoe no sem uma ponta de orgulho que, sob esse aspecto em especial, comparti-lhava-se de caractersticas presentes nas cidades as mais modernas, modelosde nossa civilizao:

    Paris considerada um expoente da civilizao moderna e, como ela,nenhuma outra grande metrpole prolifera em adivinhos, mgicos, so-nmbulos, quiromantes, ocultistas, augures e iluminados de toda a sorte.O viveiro dessa classe de industriais sem matrcula a capital orgulhosada Europa, a ville-lumire, que o bero do Pensamento e da Idia(O comrcio da iluso, Correio Paulistano, 27/05/1913).

    3 Correspondncias similares entre os estados de transe, o sonambulismo e a histeria so

    encontradas no estudo pioneiro de Nina Rodrigues, publicado em 1896 na Revista Bra-sileira e, em 1900, na edio francesa. Nina Rodrigues, O animismo fetichista dos ne-gros bahianos, 1935: 109.4 Na raiz das formulaes de Arthur Ramos sobretudo em Os horizontes mythicos do

    negro na Bahia, 1932 , encontrava-se o trabalho de Freud, Totem e tabu, especialmenteparte III, Animismo, magia e a onipotncia de pensamentos, de 1913.

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    O mesmo fenmeno alastrava-se pelas demais capitais do mundo ocidental:

    a epidemia ocultista grassa publicamente em Londres e Nova York, medrando sombra dos positivismos do dlar e da libra, vicejando maravilhosamenteentre as flanelas de Oxford e os algodes do Kentucky ... (idem).

    Num processo de urbanizao marcado pela afluncia de imigrantes devrias nacionalidades, acentuava-se a feio multi-tnica de So Paulo querecebia constantemente levas de populaes que mantinham as crenas da so-ciedade de origem. Para os contemporneos, o comrcio da iluso era assim,em parte, explicado pela cobia asfixiante daqueles que os grandes transa-tlnticos diariamente despejam nos nossos portos e para os quais a crendicepopular oferece-lhes palco cmodo para as suas escamoteaes (Cartoman-tes e feiticeiros, Comrcio de So Paulo, 27/05/1913). No entanto, os mesmosarticulistas eram obrigados a reconhecer que uma parte considervel dessasprticas era, genuinamente, de nossa responsabilidade:

    Feiticeiros, porm, negros de carapinha cosmeticada danando ao redorde um pobre Cristo mergulhado num caneco de esprito de vinho comarruda ou carobinha, privilgio nosso, que temos nas veias um poucodo sangue dos tocadores do Congo, e muito dos costumes dos homensde yatagan recurvado, l das bandas de Benguela (Uma cabeleira noestomgo. A feitiaria em So Paulo. A Capital, 18/11/1915).

    impossvel no associar este aspecto em particular da vida da cidade aum contexto marcado por rupturas e mudanas radicais, pelas crises sociaisque acompanharam a histria de So Paulo desta poca. Pelo contrrio, pos-svel afirmar que traduziam, numa outra linguagem, o custo social dos pro-cessos ocorridos desde os finais do sculo XIX, indicando as inferncias queos fatos histricos entre eles a Abolio, a Repblica, a imigrao e as novascondies de vida urbana impingiram organizao da vida de largos con-tingentes populacionais. O estudo das prticas mgicas de So Paulo dos inciosdo sculo XX, permite que sejam desvendados fragmentos dos anseios, dasexpectativas e dos dramas cotidianos de uma sociedade que, ao fazer uso deconcepes algumas delas seculares, demonstrava a necessidade de umasustentao a mais para enfrentar as condies de instabilidade e de mudanapresentes na poca em questo.

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    De outra parte, indicada pela documentao repressiva, a expanso dasprticas de cura, de adivinhao e de proteo na sociedade citadina deve seravaliada no interior de uma poltica disciplinar que acompanhou a urbanizaoe que, conforme tem sido avaliada pela historiografia social sobre as primeirasdcadas da Repblica, fazia avolumar os ndices de contravenes como a em-briaguez e a vadiagem (Fausto, 1984), aumentar a excluso dos chamadosdemi-fou das ruas da cidade (Cunha, 1984), ou a regular o comrcio da pros-tituio (Rago, 1991). Poltica que procurava coibir, na tica da criminologiae do alienismo, os desatinos e a desordem social, vista esta como necessidadeimperiosa da civilizao diante da exploso urbana.

    As instituies disciplinares visavam no somente as formas consideradascomo as mais evidentes de desajustamento social. Conforme deixa claroFernandes, em consonncia com o processo de urbanizao, passavam tambma dirigir uma presso mais drstica contra os elementos culturais que perpetua-vam o estado de ignorncia e incultura, herdados do passado e da mestiagemdo povo brasileiro, processo que entendiam numa tica extremamente exclu-dente e preconceituosa (Fernandes, 1979). Entre estes, ressaltavam aspectosda cultura e da religiosidade popular, repleta de contedos e formas organiza-cionais autnomos, contra os quais se empenhou tambm a Igreja Catlicaem sua poltica de neutralizar as irmandades e os rituais do catolicismo popular,especialmente a partir da segunda metade do sculo XIX (Oliveira, 1980;Monteiro, 1978). Assim, iniciadas j nos ltimos anos do sculo XIX e pri-meiros do XX, as campanhas repressivas contra as prticas mgicas e oexerccio ilegal da medicina notabilizaram-se por mobilizar diversos setoresdesse poder disciplinar, coadunando-se autoridades policiais, fiscais do ServioSanitrio, representantes da Medicina Legal, psiquiatras das instituies asi-lares e membros da Igreja oficial. Campanhas estas que, a partir de 1928, pas-saram a ser coordenadas pelo Servio de Represso ao Baixo Espiritismo,anexo Delegacia de Costumes5.

    5 Conforme o Relatrio do Chefe de Polcia do Estado de So Paulo, de 1928, localizado

    no DAESP, tais perseguies foram conduzidas, inicialmente pelo Servio de Inspeodos Costumes, anexo 2 Delegacia Auxiliar (1914), depois, pela Delegacia de Costu-mes e Fiscalizao de Jogos do Gabinete de Investigaes e Capturas (1924), e final-mente pelo Servio de Represso ao Baixo Espiritismo (1928), organismos que, suces-sivamente, especializaram-se na represso aos crimes em questo.

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    Na perspectiva da histria social de So Paulo desta poca, o processo deurbanizao, marcado por ritmos inusitados de aumento populacional, mostrou-se incapaz de absorver, nos setores da economia formal, os largos contingentesatrados pelo crescimento da cidade. E, conseqentemente, como tem sido comfreqncia apontado por Maria Odila da Silva Dias, criava formas noconvencionais de sobrevivncia ligadas s atividades informais, no limiar demeios considerados como infraes e crimes (Dias, 1984; Dias, 1985; Pinto,1994). Uma primeira observao na caracterizao social dos rus envolvidosnos processos criminais consultados revela que grande parte deles era consti-tuda por indivduos provenientes dos setores populares e remediados da socie-dade que procuravam improvisar a sobrevivncia ou buscar uma determinadaascenso social. Nos termos da documentao: imigrantes recm-chegados cidade; filhos de imigrantes vidos por enriquecimento fcil; homens negrosque deixaram de lado seus ofcios manuais para se dedicarem inteiramente explorao de um centro esprita ou dos dons de cura h pouco tempo revela-dos; vivas encarregadas de prover o sustento do lar, versadas na leitura decartas ou das linhas das mos; ex-militares desmobilizados ou expulsos das suascorporaes que investiam algum tempo no estudo dos fatos ocultos e sobrenatu-rais homens e mulheres que, apesar da longa itinerncia e da infixidez prprias dinmica daquele tempo, mantinham tradies culturais, frmulas mgicas emilagrosas, crenas e fetiches que pareciam encantar uma sociedade predispostaa aceitar o que lhe era oferecido.

    Uma vez estabelecidos, rapidamente formavam suas clientelas medianteinformaes que circulavam entre as pessoas das ruas, nas vizinhanas debairros como o Cambuci, o Brs ou a Barra Funda, no interior de grupos tnicosou profissionais determinados. As investigaes criminais indiciaram imigran-tes acusados de exercer ilegalmente a medicina junto aos grupos de sua nacio-nalidade de origem: o enfermeiro Carlos Stosicka que, em 1936, atendia acomunidade germnica; Schokichi Itow que, desde 1914, assistia aos imi-grantes japoneses com autorizao das autoridades sanitrias da poca. Comoaparece nos noticirios da imprensa, alguns grupos sociais elegiam tambmsuas pitonisas prediletas, como Fortunata Barbatte, especializada no atendi-mento s mooilas da fbrica Penteado, Maria Cauwinsky, cartomante dascozinheiras, Mme Thebas, a protegida do escol da sociedade paulistana.Mobilizando laos solidrios que as adversidades da urbanizao e da insta-bilidade acabavam por solidificar, para qualquer infortnio haveria sempre umadeterminada simpatia, qualquer desesperana poderia ser sanada com um jogo

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    dos baralhos, uma leitura das mos, com um ch, uma mezinha, um passemagntico, um transe hipntico. E logicamente, pessoas especializadas nestetipo de atendimento.

    Enquanto alguns curandeiros transformavam-se em ambulantes, comoAmaro Issa, imigrante srio que podia ser visto, em 1933, andando pelas ruascom uma valise, contendo medicamentos e objetos da magia (Justia e Amarode Almeida Issa, 1933), outros preferiam oferecer seus servios por meio defolhetos impressos ou em anncios publicados nos jornais da cidade. Utilizan-do-se de um codinome com acento afrancesado, Pedro dos Santos Boemerprometia, em 1918, receitas magnticas para aqueles que o procurassem:

    Para serdes feliz o que deveis fazer e tentar? Ide rua Canind, 123,ou escrevei a Pedro Casnot, com selo para resposta (Justia e Pedrodos Santos Boemer, 1918).

    As cartomantes destacavam sua origem estrangeira, a tradio da magiacigana, a ligao com o ocultismo oriental. De um cortio da rua Bresser, pro-pagava tambm Idalina Tairovitch, natural da Srvia, pertencente raa ci-gana, seus conhecimentos mgicos utilizados no sustento do lar e de seus oitofilhos, complementando os parcos rendimentos do marido, vendedor ambulantede bugigangas:

    Quiromancia Grafologia Interessa a qualquer pessoa. Acha-se nes-ta bela Capital Mme Naime a clebre cientista, professora de quiroman-cia, com sua famlia, que se acha residindo Rua Bresser n. 1550.Compromete-se a fazer qualquer trabalho sobre qualquer fim. Temviajado por diversos pases da Europa, visitando as Capitais e percor-rendo vrios Estados do Brasil. (Justia e Idalina Tairovich, 1939)

    Outros, como o caso do ocultista professor Ba Miguel Ruiz da SilvaBassuraa, brasileiro, mulato, que agia tanto em So Paulo quanto no Rio deJaneiro preferiam anunciar aos leitores dos jornais da poca seus talisms,provenientes de seitas indianas:

    Assombrosa Maravilha! 1996 curas em menos de 90 dias!! Casamen-tos realizados! Uma sorte grande na loteria a um possuidor dos talisms!ltimos dias de distribuio dos pssaros Inhaburs e dos Talisms,

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    proclamava o ocultista, no sem antes advertir aos interessados de que se tratavade uma prorrogao que fazia do prazo, tendo em vista o justo pedido da classeoperria e funcionrios que somente recebem seus salrios e ordenados noprincpio do ms (Folheto anexo Justia e Bento de Paula Souza e Jos Furtado,1910). Ao lado destes, curandeiros negros, como Benedito Antnio da Silva,vulgo Benedito Garfudo, limitavam-se a proclamos mais simples, ofertando:Curas gratuitas pelos meios simpticos, homeopticos e cpias alopticas(Justia e Benedicto Antonio da Silva, 1927).

    As possibilidades de sobrevivncia e em alguns casos de ascenso socialdos que transformavam o comrcio da iluso em ganha-po estavam direta-mente relacionadas a uma sociedade afeita a tais apelos, vida em solucionarpor meio de recursos mgicos, fossem quais fossem, questes amorosas, insu-cessos econmicos, problemas familiares e principalmente a cura de doenas.Assim, confirmando o grande temor dos cientistas que lideravam as campanhasanti-mgicas, as prticas mgicas, muitas vezes provenientes das classes nfi-mas da sociedade, consideradas pelos observadores como manifestaes deprocessos de involuo das camadas populares, demonstravam, no entanto,possuir uma capacidade extrema em se expandir, em contaminar e fascinar asociedade como um todo6.

    Descrevendo, em 1912, a ante-sala de um famoso ocultista de So Paulo,o articulista do Comrcio de So Paulo, pde observar:

    [...] ao lado da costureirinha gentil e ingnua, em transes dubitativos sobrea fidelidade do namorado, via-se a mundana devorada pela paixo, cheiade zelos e cold-cream. A supersticiosa siciliana, de cabelos entrancadosna garibaldina touca, acotovelava repetidas vezes a aristocrtica repre-sentante de nosso patriciado, recendendo a ociosidade e a opopenax (Ocomrcio da iluso, O Correio Paulistano, 24/09/1912).

    6 Segundo as teorias de Gustave Le Bon, expressa em sua obra Psychologia das multi-

    des, um dos autores mais citados nos inquritos da poca, a degenerao era uma ameaasocial pois continha os germes da contaminao, podendo fazer com que a multido,mediante sugesto quase que hipntica, regredisse a um estgio atvico e primitivo. As-pecto indicado pela leitura do trabalho de Dain Borges, Puffy, Ugly, Slothful and Inert:Degeneration in Brazilian Social Thought, 1880-1940, 1993: 237.

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    s portas do templo da rua Guarani, onde atendia o quiromante professorSchiloch e oferecia aos consulentes as maravilhosas pedras de Cevar, prove-nientes do Sudo, que emprestavam vigor e energia aos seus possuidores, ojornalista via chegar no s os indivduos oriundos das nfimas camadas, ondea instruo ainda no penetrou, como tambm representantes das classes abas-tadas da cidade:

    No eram somente os bondes que ali vazavam a populao rude e in-culta; tambm os automveis e as carruagens particulares tomavam comfreqncia o caminho da Cabala, em procura de um pouco desta Ilu-so, sem a qual a vida no seria possvel. (Idem).

    Cidade de mltiplas etnias, onde se mesclavam lnguas e tradies culturaisdiversas, em que se procurava a todo custo improvisar meios de obter sobre-vivncia, a proliferao das prticas mgicas relaciona-se chegada de levasde imigrantes das mais variadas nacionalidades. Os credos de suas culturasde origem vinham se acrescentar a um caudal de tradies fortemente arrai-gadas na sociedade brasileira, provenientes das crenas africanas e das fr-mulas da magia ibrica e indgena.

    Liana Trindade, ao estudar a religiosidade popular na cidade de So Paulodos incios do sculo, pde estabelecer a presena de cinco vertentes s quaisse encontrariam referidos os credos em voga: as correntes do ocultismo, mag-netismo e esoterismo; centros espritas kardecistas; curandeiros, benzedorese milagreiros; a magia europia; os cultos africanos, entre eles especialmentea macumba (Trindade, 1991: 164-173). No entanto, conforme ela prpria assi-nala, a magia urbana esteve marcada por sucessivos processos de sincretismo,entendidos como reelaboraes culturais e religiosas ocorridas diante das con-dies peculiares da cidade na poca; no seu dizer, construes mticas queforam se moldando aos diversos contextos presentes na histria da cidade dosculo XVIII s pocas mais recentes. Desta maneira, nos processos criminaisaqui indicados, nas acusaes de prticas de baixo espiritismo esto presentes sob o crivo das autoridades e enredados por preconceitos simbologias, tc-nicas de cura e rituais retirados das vrias correntes.

    Afirmada pelos estudiosos das tradies religiosas brasileiras, os movi-mentos sincrticos dominavam a feio da magia urbana (Bastide, 1983). Emdinmicas que se orientavam nas mais diferentes direes: crenas afro-bra-sileiras ou de origem banto que se aproximavam do espiritismo; combinaes

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    entre as tradies da magia europia e as simpatias das benzedeiras do mundorural; do prprio espiritismo com as formas que lhe deram origem do hip-notismo, do sonambulismo clarividente e do magnetismo animal, ou mesmocom o ocultismo de origem oriental. Nada mais compreensvel se for consi-derado o ecletismo da magia, sua ateno na eficcia e, sobretudo, levando-se em conta o processo de mercantilizao que ocorreu no mundo urbano destapoca. Nada mais revelador, tambm, do que o caso relatado por OswaldoXidieh sobre o marceneiro italiano que, uma vez estabelecido em Mogi dasCruzes nas primeiras dcadas do sculo XX, rapidamente transformou sua pro-duo de bonecos de madeiras em imagens para os rituais afro-brasileiros, rea-lizando, conforme denota o ttulo de seu artigo, uma fuso entre elementostalo-brasileiro-africanos (Xidieh, 1944). Envolvendo na maior parte das vezescrenas no cristalizadas, as prticas mgicas enquanto espaos reveladoresdas experincias sociais dos setores pobres e remediados da sociedade nocontexto da urbanizao traduzem, acima de tudo, um amplo movimento dereadequaes, de re-significaes e de trocas.

    Alguns processos criminais consultados so exemplares para ilustrar esse aspectopois que envolviam, j na dcada de 1930, centros espritas que, a pretexto de nopossurem licena, foram investigados em razo da condio social e tnica de seusintegrantes. Em 1931, foi acusado textualmente de praticar bruxarias, AmaroCardoso, diretor do Centro Esprita Sociedade Democrtica Maria Caridade, estabe-lecido no Cambuci e com filiados em sua maioria provenientes dos setores negrosda populao, como informam as testemunhas do caso:

    que pode afirmar que a casa de Amaro freqentada somente porhomens e mulheres de cor preta, os quais ali faziam com Amaro cenasque surpreendiam a depoente ... (Justia e Amaro Cardoso, 1931).

    Das descries infere-se que o acusado praticava rituais que combinavampasses magnticos e frmulas de exorcismo para o combate de feitios. Apresena de espritos invocados justificava, por outro lado, junto aos pontosde riscado, o uso de plvora e de facas de ponta para proteo dos participantesda reunio: que verdade que, durante suas sesses, costuma fincar punhaisnas paredes que circundam o Centro, para evitar que seus associados sejamvitimas da magia negra (Justia e Amaro Cardoso, 1931).

    Embora fato ainda no explicitado no contexto das investigaes criminais,trata-se provavelmente de centros nos quais se realizava o encontro entre os

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    elementos do espiritismo e as crenas afro-brasileiras, do qual se originariamas vertentes da umbanda e da quimbanda (Trindade, 1991: esp. parte V). Assim,revelando tendncias mais amplas, a mesma mescla se encontra presente noCentro Esprita Na. Sra. da Aparecida, onde atendia Francelino Incio da Silva,preto, sapateiro, chamado pelos filiados de Pai Francelino, acusado de aliara religio, o espiritismo e a macumba e de ser homem ignorante. Especiali-zado, segundo ele prprio declarou, no tratamento de mordidas de cobras,males da cabea, feridas bravas, atendia sobretudo clientes que se apresenta-vam com o corpo desacorsoado, com doenas que o acusado identificava comomal contrado (Justia e Francellino Igncio da Silva, 1939). Numa direodiferenciada, no Centro Esprita So Miguel Arcanjo, Jos Francisco do Monte,ex-militar, coadjuvado por sua mulher, dedicava-se leitura da sorte em umabola de cristal e recebia seus consulentes vestido com um quimono roxo,desenhado com sinais cabalsticos, segundo informam as autoridades policiais:onde se nota o sol, a lua e as estrelas (Justia e Jos Francisco do Monte, 1933).

    O exemplo mais esclarecedor precede no tempo os acima referidos e dizrespeito s aes de Bento de Paula Souza, curandeiro negro-ocultista-esprita,indiciado em 1910 (Justia e Bento de Paula Souza, 1910; Trindade, 1991: 147-150; Koguruma, 2001: 139). Proveniente do Rio de Janeiro, ex-tipgrafo e ex-combatente das foras patriticas do marechal Hermes da Fonseca, Paula Souzaestabeleceu na cidade uma entidade denominada Grmio Ocultista de So Paulo,da qual constavam, entre outros objetivos, o de fazer uso das cincias ocultas,de realizar sesses do espiritismo cientfico e psiquismo, de promover escolaspara a educao crist, de fornecer tratamento para os obsedados, consultasmedinicas e, por fim, impedir as desavenas desavergonhadas nas famlias.A esses objetivos heterogneos coadunavam suas prticas de curandeirismo, nasquais se evidenciam explicitamente os elementos de religiosidade negra, pro-vavelmente relacionados macumba, florescente tanto no Rio de Janeiro quantoem So Paulo. Elementos que haviam sido indicados no s pelos objetos efetiches encontrados em sua casa, como tambm pelas descries de seus proce-dimentos, feitas pelas testemunhas. Utilizando-se de uma valise que o acom-panhava quando atendia domiclio,

    de dentro retirou um rosrio grande, trs facas de ponta, um pedao degiz e outros objetos [...] e com eles dizia algumas coisas que a depo-ente no entendia por serem ditas em lngua de Congo, conforme eleprprio declarava,

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    afirmava Maria Isabel Siqueira de Figueiredo, que colocou sob seus cuidadosuma filha que padecia de ataques desde os sete anos. Diante das presses dasautoridades policiais, afirmava ainda a testemunha, de nacionalidade portuguesa,que no pode classificar as prticas a que j se referiu, mesmo porque a depoentenunca viu iguais; estranheza em que depositava suas esperanas, depois de haverpassado por quase todos os curandeiros de So Paulo e de Santos.

    No encontro de credos, de correntes e de simbologias revelado pela docu-mentao, o espiritismo aparece como elemento catalisador. A influncia consi-dervel que exercia repetidamente assinalada pelos estudos feitos na poca.

    No possvel pegar a feio de nossa gente, conhecer a moral e a relesformao espiritual dela, pondo de parte os centros onde se ensina ese pratica a doutrina que, sobretudo nas cidades, exerce sobre o povoa ascendncia do baixo catolicismo supersticioso e macumbeiro detempos atrs,

    considerava Antnio de Alcntara Machado, num inqurito realizado em 1930sobre o que ele qualificava como sendo o comrcio e a indstria do espiritismono Estado de So Paulo (Machado apud Ribeiro e Campos 1931: 126). Nestemesmo inqurito, avaliou os nmeros que indicavam tal expanso: em menosde um ano, de outubro de 1929 a junho de 1930, haviam sido legalizados juntos autoridades policiais do Estado cerca de 20 centros espritas, crescimentoque se manteve na mesma razo, no perodo subseqente de julho de 1930 asetembro de 31, conforme continua Leondio Ribeiro.

    De outra parte, analisando os estatutos anexados aos processos de legaliza-o dessas agremiaes, Alcntara Machado fez questo de destacar, em pas-sagens irnicas, o semi-analfabetismo de seus redatores e a confuso de dou-trinas a apresentadas. Diante do fato generalizado, concluiu sua investigao,afirmando que a pajelana est sendo desbancada pelo espiritismo. Fato in-dicativo nos processos criminais, preciso notar que muitas das agremiaesque se legitimavam como centros espritas apresentavam de fato outras tradiesque, possivelmente buscavam proteo sob o rtulo do espiritismo. Neste sentido,usando dos prprios termos de Alcntara Machado, possvel afirmar que a paje-lana e o catolicismo popular imiscuam-se no interior dos centros espritas.

    A histria do espiritismo no Brasil esteve marcada por um lento processode legitimao junto aos rgos oficiais, sobretudo nas batalhas travadas nosfruns do Rio de Janeiro por juristas renomados como Viveiros de Castro e

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    Macedo Soares (Maggie, 1992; Machado, 1983).7 Mediante o seu reconheci-mento enquanto religio, os defensores do espiritismo esperavam abrandar asdisposies do artigo 157 do Cdigo Criminal de 1890 que, textualmente, cri-minalizava as prticas do espiritismo. E, em contraposio, fazer valer os direi-tos constitucionais previstos no artigo 72 da Constituio da Repblica, quedeterminava a liberdade de cultos. Incongruncias do novo regime tambm fre-qentemente notadas pelos setores populares nos seus embates com as autori-dades pblicas; em nome da liberdade de culto agiam os profissionais ligadosaos vrios ramos do comrcio da iluso; em nome das reformas educacionaisapelavam tambm para contestar a no validade de seus ttulos, nas acusaesde exerccio ilegal das profisses: - E a lei Rivadvia, meu caro senhor, [...] se questo de diploma, amanh lhe apresentarei um, dizia, em 1913, a espanholaMme

    Carmem, cartomante e parteira nas horas vagas, ao delegado Cantinho Filho,referindo-se reforma Rivadvia Corra que havia retirado o ensino profissiona-lizante da tutela pblica, fazendo proliferar institutos particulares (O comrcioda iluso, O Comrcio de So Paulo, 19/06/1913).

    No entanto, imaginar uma pureza doutrinria ou fidelidade s premissasespritas compartilhada entre os inmeros centros que se formavam, ignorara feio aberta da doutrina esprita e a dinmica que as tradies da religiosi-dade popular tomavam na poca. Segundo colocam os estudiosos do assunto,o espiritismo apresentava-se, a um tempo, como religio, filosofia e cincia,aliando essa feio doutrinria a propostas pragmticas voltadas caridadecrist, formao de entidades que tinham muito em comum com as sociedadesde auxlio mtuo dos incios da industrializao, orientadas ao atendimento,nos hospitais e nas curas medinicas, dos setores desprotegidos da sociedadeurbana (Ferreira, 1973: esp. parte IV). Filosofia, religio e cincia, o espiritismoembora considerado hertico pelas bulas papais e pelas pastorais dos bisposbrasileiros, no se colocava frontalmente contra as tradies do catolicismoprofundamente enraizadas nas populaes brasileiras e nos imigrantes latinos,

    7 De acordo com Yvonne Maggie (em Medo do feitio) e Ubiratan Machado (em Os in-

    telectuais e o espiritismo) tratava-se de um movimento que procurava, de fato, isolar dochamado espiritismo cientfico as prticas consideradas como sendo prprias ao baixoespiritismo. Alm disso ambos defendem a tese de que os artigos do Cdigo de 1890,especialmente o art. 157, em seus sub-textos, denotavam o endosso s crenas pois par-tiam do reconhecimento e da aceitao da eficcia e do poder que tinham as prticas damagia em curar e seduzir aqueles que as procuravam.

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    propondo antes uma convivncia pacfica.8 Finalmente, diante das demais cor-rentes religiosas do contexto brasileiro, o espiritismo guardava tambm ele-mentos em comum: a possibilidade de comunicao direta com as entidadessobrenaturais por meio da mediunidade e dos transes, a crena na imortalidadeda alma, a utilizao de magnetismos para os processos de diagnstico e exor-cismo dos infortnios e das doenas ncleos em comum que possibilitavamas aproximaes.

    Defendido nos incios do sculo pelos expoentes da ideologia positivista,em nome da liberdade de cultos, das religies e do exerccio profissional, oespiritismo agiu rapidamente entre os setores mdios das populaes urbanas.A penetrao na classe mdia veio tanto de sua proposta cientificista quantodas experincias e demonstraes pblicas que freqentemente eram realiza-das, no Brasil, na Frana e nos Estados Unidos, para a comprovao da vera-cidade de suas crenas. Com esse discurso cientificista, o espiritismo realizaamplas converses entre intelectuais, mdicos, funcionrios pblicos e mili-tares, alguns deles j anteriormente convertidos ao positivismo9.

    De fato, pouco importava se a comunidade cientfica e catlica teimasseem contestar meticulosamente cada uma dessas experimentaes, pois confor-me aponta Keith Thomas, uma vez aceitas, as crenas religiosas prescindemde comprovao, passando a ter uma qualidade autoconfirmatria indiscutvele inabalvel (Thomas, 1991: 522). Tendo em vista a mentalidade do homemdesta poca, impossvel minimizar os efeitos de reclamos que prometiam aequiparao de fenmenos mticos a procedimentos cientficos: Fao mila-gres. Sim! fao milagres! Mas milagres ... cientficos!!, expressava umocultista que agia em So Paulo, desenvolvendo seus poderes em sesses es-pritas ao sistema indiano e no kardecista, recebendo ondas magnticas ema-

    8 Neste sentido, no contexto das doutrinas espritas no Brasil, prevaleceram as vertentes

    preconizadas por Roustaing que, aliando os ensinamentos de Alan Kardec ao texto do Evan-gelho, enfatizava a configurao de um espiritismo evanglico-catlico. Sobre Roustaing esua influncia sobretudo no pensamento de Bezerra de Menezes um dos principais teri-cos do espiritismo brasileiro ver: Hess, David. The Many Rooms of Spiritism in Brazil,1987; Warren, Donald. A terapia esprita no Rio de Janeiro por volta de 1900, 1984.9 Entre as converses nova religio, junto comunidade cientfica internacional, os

    estudiosos do espiritismo ressaltam a de Csar Lombroso, terico da Antropologia Cri-minal que aqui fez escola. Csar Lombroso, Hipnotismo e mediunidade, 1975.

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    nadas do Santurio Violeta, Terceira Montanha, Hymalaia, ndias Inglesas,e onde havia recebido o grau de Mahatma (Justia e Ariosto Palombo, vulgoJoo de Minas e outros, 1939).

    De outra parte, a penetrao do espiritismo nas camadas populares e por-tanto, como diriam os espritas cientficos, sua converso em prticas do baixoespiritismo veio, sem dvida, do ecletismo de sua doutrina que permitiaadequaes s tradies religiosas da cultura popular. Mas, principalmente,conforme apontam os estudiosos do assunto, o elemento responsvel pelosucesso do espiritismo esteve localizado no em sua nfase intelectualista masna prtica taumatrgica dos mdiuns curadores (Damazio, 1994: 152-4;Trindade, 1991: 142; Hess, 1987: 19-21; Warren, 1984). Acoplando-se figurados curandeiros em converses reais ou aproximadas, a prtica de cura dosmdiuns ia ao encontro dos anseios de uma sociedade profundamente ator-doada por um mundo em transformao, mas nem por isso capaz de responderas angstias criadas por ele mesmo.

    Se uma parte dos trabalhos feitos junto aos homens da magia destinou-se endireitar vidas atrapalhadas, grande parte dos que procuravam os curan-deiros, magnetizadores, ocultistas e espritas buscavam as prticas da medicinaespiritualista e da cura medinica, afligidos pelos males fsicos para os quaisa cincia mdica no encontrava soluo. Diante de diagnsticos mdicosconclusivos em doenas como a sfilis, a tuberculose, a lepra, ou mesmo frente incapacidade da cincia de minimizar a ao das epidemias que com fre-qncia grassavam nas cidades, a populao urbana continuava a preferir asconcepes mgicas das doenas e dos infortnios, atribuindo-os depuraesvindas dos cus, feitiaria, encostos, ao mau-olhado, ao de espritosque obsedavam os mortais e, portanto, vistos como males que seriam diag-nosticados pela clarividncia de mdiuns ou de incorporadores e por eles exor-cizados10. Alm do mais, a prpria linguagem da medicina oficial poderia sertambm traduzida em cdigos fetichistas, reelaborados pelos setores sociaisque dela faziam uso. Muitas vezes, diante da linguagem hermtica dos diag-

    10 Entre os males exorcizados pelos mdiuns curadores, sobressaam-se as doenas cha-

    madas de fundo nervoso, consideradas como estado mrbido induzido por ao fludicade influncias estranhas, inteligentes, segundo Adolpho Bezerra de Menezes, em sua obrade 1893, A loucura sob um novo prisma: estudo psiquico-fisiolgico, cf. Donald Warren,A terapia esprita no Rio de Janeiro por volta de 1900, 1984. Concepes de doenas ede males prximos, sem dvida, das vises de africanos e afro-descendentes.

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    nsticos mdicos, os leigos transformavam os resultados dos exames em sinaismgicos: que os mdicos dizem que ele tem trs cruzes, explicava Jorge Jos,tuberculoso e sifiltico, no s sua doena como tambm, homem marcadopor tais sinais, sua predestinao e sua converso s artes da quiromancia (Jus-tia e Jorge Jos, 1939).

    Enquanto o espiritismo agia como elemento agregador das diversas cor-rentes da magia urbana, um grande poder continuava a emanar do feitio negro,estivesse ou no protegido sob a capa dos centros espritas. Por isso mesmo,tendo em vista o temor e o preconceito que circundavam as avaliaes de seusrituais, a maior parte das acusaes registradas nos processos criminais incidiasobre os setores negros e mestios que se dedicavam ao que era qualificadocomo baixo espiritismo. Alis, para o curandeiro negro de pouca valia repre-sentava o simulacro esprita, legalizado ou no. O critrio que norteava asinvestigaes dos centros era absolutamente discricionrio, conforme revelao texto dos relatrios dos chefes da polcia da poca. Em 1928, relatava-se:

    foram fechados vrios centros espritas onde se verificou no ser oseu intuito a caridade, mas sim o aproveitamento da ignorncia dosincautos que os freqentavam. Na concesso de licenas para a organi-zao de centros espritas foi adotado o critrio de estudar e investigarno s a moralidade seno tambm a capacidade intelectual dos seusdirigentes (Relatrio do Chefe de Polcia, 1928).

    O vis discriminatrio duplicava-se quando se tratava de investigar ou no-ticiar as aes de curandeiros negros; sinnimo de baixo espiritismo, eramestes, no geral, aprioristicamente chamados de feiticeiros e macumbeiros; seusrituais eram rapidamente associados a festivais de depravaes e de lascividadee as descries de suas moradias e de seus locais de atendimento, enfatizavamntida e ironicamente o primitivismo dos objetos rituais e seus odores:

    O feiticeiro habitava o ltimo cmodo desse grande cortio [na Ruados Imigrantes]. O seu cubculo estava repleto de razes, ervas em con-fuso, peles de vboras, cornos de boi, de carneiros e de cabras, cou-ros de lagarto, de jibia, um turbilho de ossos, um fmur inteiro, umatbia partida, fragmentos de ossos humanos, um crnio solto, dois maxi-lares desdentados, guizos de cascavel, tranas louras, negras e casta-nhas, um chumao encarapinhado, dentes esparsos...

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    tudo isso sendo observado por: um S. Onofre, de braos cruzados, metidonum boio de banha (O comrcio da iluso. Cartomantes e feiticeiros, OComrcio de So Paulo, 27/05/1913).

    De fato, porm, embora avessa a qualquer conotao intelectualista oucientificista, evocando crenas afro-brasileiras vindas do passado escravista,a magia dos negros exercia uma atrao sem medidas. No levantamento feitopor Maynard Arajo sobre abuses populares, o homem negro, na cultura po-pular e na medicina mgica do Vale do Paraba, visto por excelncia comoum homem mgico (Arajo, 1958). Dos que portam em sua bagagem culturalamuletos e rituais de cura, de proteo e tambm de malefcios, ele tambmo mais temido. Seus talisms exercem um efeito considervel. Permanecemintocados at hoje, aps mais de meio sculo, em envelopes lacrados e anexa-dos aos processos criminais; as autoridades judicirias no ousaram examinara prova que constava dos autos, limitando-se a ler as descries feitas pelosescrives policiais: composto de um pedao de gesso com inscries, umafiga, um cavalo marinho, dois guizos de cobra, objetos que se acham misturadoscom um p cinza. (Justia e Maria Aurora, 1939). Os pesquisadores tambmsouberam respeitar os lacres que os protegem de possveis efeitos. No interiordos patus podem ser encontradas rezas ou oraes protetoras, que revelam aviolncia que se mantinha acoplada vida dos setores negros da populao.Poderosas so tambm suas infuses, preparadas com ervas e produtos da far-macopia popular, que dominam com destreza.

    Esse poder que emana dos feiticeiros, e sobre o qual a documentao dapoca fez questo de pontuar, advm da fora de crenas e de rituais secularesnuma sociedade aparentemente convertida aos argumentos cientificistas. Parasetores da clientela que buscam suas estratgias de cura, de feitio e de contra-feitio, ou a ao protetora de seus patus, talisms e amuletos, so eles porvezes o ltimo recurso, talvez o mais poderoso entre as frmulas de magiaexistentes. A imagem mtica do homem negro na posse de poderes ocultos se-duz tambm os imigrantes recm-chegados, que vislumbram, por detrs deuma certa estranheza que sentem, ilimitadas possibilidades.

    Embora os sinais do passado escravista tenham sido pulverizados pelapenetrao vertiginosa de imigrantes; embora muitas das tradies culturaise sociais dos negros paulistas possam ter se diludo na convivncia entre elese os estrangeiros, compartilhando os mesmos cortios e os mesmos bairrosde So Paulo, manteve-se aparentemente ntegra a fora de sua magia. As pr-ticas sociais da magia facultavam aos homens negros espaos de reconheci-

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    mento num universo social que acima de tudo os discriminava. Respeitadoscomo indivduos portadores de atributos mgicos, as causas deste prestgiodevem ser consideradas sob a perspectiva de um passado de explorao que,para o bem ou para o mal, havia exacerbado a utilizao de artifcios variadosna luta contra a dominao escravista. Provavelmente guardava-se na memria,dos tempos no muito longnquos, as histrias dos enfeitiamentos praticadospelos negros escravos contra seus algozes. Num artigo sobre a feitiaria negra,Arthur Ramos remarcou os complexos processos cognitivos entranhados nosenvenenamentos causados por escravos, demonstrando que por detrs de cadauma das poes disponveis, encontrava-se a escolha de agonias diferenciadas.Entre as ervas utilizadas existia uma predileo pelo pipi ou titi, chamadatambm de herva da Guin ou de amansa senhor, pois caracterizava-se poruma ao insidiosa e lenta, causando estados de letargia que precediam a morte.Alm disso, acreditando no ordlio africano de que se o veneno age, unica-mente porque a vitima ter sido condenada, os escravos transferiam o julga-mento final de seus atos s entidades que eram por eles evocadas (Ramos,1935). Os procedimentos religiosos e mgicos, independentemente de suasorigens, pressupunham aprendizados e escolhas muito mais profundas, plenosde significados sociais.

    O espao da magia como possibilidade de projeo de individualidadesoprimidas estendia-se em direo a outros setores sobre os quais incidiam opreconceito, o descrdito e a moralidade estreita da sociedade da poca: ci-ganos, portadores de defeitos fsicos, doentes estigmatizados e, sobretudo mu-lheres. As mulheres transformavam tambm os espaos das prticas mgicasem experincias libertadoras, entendidas como desforras: se a mulher umser impotente e passivo no domnio da religio, ela se vinga no domnio damagia, onde particularmente apta s obras da feitiaria, dizem os etnlogos(Arago, 1980). Ou, como j sinalizavam os observadores da poca, criava-se nessas esferas a possibilidade da vingana de Eva. Ao contrrio do queocorria, por exemplo, na hierarquia eclesistica do catolicismo, tanto no espi-ritismo quanto nos demais cultos de possesso, as mulheres passaram a exercerum papel incontestvel: dirigindo centros espritas, chefiando as largas comu-nidades do candombl, recebendo santos ou incorporando os espritos, a figurafeminina projetava-se e expunha suas qualidades sensitivas e de liderana nosdomnios da espiritualidade, mesmo que estas estivessem contidas nos marcosde sua vida domstica e rotineira.

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    Entre as que se dedicavam arte de curar, as peas criminais destacaram afigura das benzedeiras que, tal como os curandeiros negros, estabeleciam linhasde continuidade com as tradies da medicina mgica e do catolicismo popularda histria colonial e imperial brasileira. Florestan Fernandes pontuou acomplexidade dos poderes e dons das benzedeiras que escondiam, sob uma apa-rente simplicidade e domesticidade, uma arte conduzida por frmulas especiais,evocaes e exorcismos advindos de um saber transmitido em geraes delinhagens femininas (Fernandes, 1979: 344-46). Na cultura popular e nasociedade da poca foram conhecidas pela eficcia de seus benzimentos e sim-patias para determinados males: ningum melhor do que elas para a cura de doresde cabea e doenas infantis ocasionadas por quebrantos ou mau olhado, esobretudo para as bicheiras. Tambm reconhecia-se o poder de suas infuses, epor isso mesmo eram por vezes descritas imagem das bruxas medievais, comseus grandes caldeires: que Rosalina tem um grande caldeiro, onde preparaum caldo com ossos diversos, que o caldo vendido aos mesmos doentes,descreviam as testemunhas sobre os preparados da espanhola Rosinha Maiorque, alm destes, administrava a seus pacientes outros mtodos de cura: queoutros doentes ela declarante tem curado com rezas e salivas, pois tem o poderde curar com sua prpria saliva a doentes acometidos de molstias de somenosgravidade (Justia e Rosinha Cinero Carrion Mayor, 1927; 1931).

    Numa sociedade marcada por concepes morais estreitas, que aprisionavamas mulheres em papis sociais pr-determinados e rgidos, e impregnada pela idiade culpa e de pecado vinda da tradio judaico-crist, as pitonisas exerciam umaao social positiva. O afluxo aos consultrios das videntes de pessoas das maisvariadas camadas e a projeo que muitas delas conquistaram no mundo urbanorevelam mecanismos liberadores das amarras do tradicionalismo social.

    A feiticeira s poder ser substituda por outra feiticeira, porque os desa-bafos que a sociedade levava confiantemente quela e levar que lhevier tomar o lugar em nada se parecem com o assunto das sagradasconfisses da Igreja,

    observava um articulista no elogio fnebre dedicado Mme Zizinha Hermniade Lacerda Nascimento Cmara clebre pitonisa do Rio de Janeiro,pertencente conhecida famlia da sociedade carioca, mas, conforme lembrao mesmo, portadora de um defeito fsico desde a infncia que, segundo ele,procurou compensar com os estudos ocultistas (Oscar Lopes, Necrolgio a

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    Mme. Zizinha, O Pas, 5/12/1915). Nos consultrios das cartomantes e dasquiromantes, as cartas e as linhas da mo colocavam-se como mediaes querevelavam o ntimo das almas de pecadores, pretextos de confisses alternativasnas quais homens e mulheres podiam relatar suas pequenas e grandes faltas,seus casos amorosos e seus defeitos, livres de qualquer pr-julgamento.

    Nicolau Sevcenko, em seu estudo sobre a So Paulo dos anos vinte, pro-jetou numa imagem sensvel o impacto de processos histricos vertiginosossobre os habitantes da cidade:

    Essa cidade que brotou sbita e inexplicavelmente, como um colossalcogumelo depois da chuva, era um enigma para seus prprios habitan-tes, perplexos, tentando entend-lo como podiam, enquanto lutavampara no serem devorados (Sevcenko, 1992: 21).

    No contexto de um mundo em ebulio, cadenciado por uma relao am-bivalente entre adversidades e promessas de progresso, em que o olhar do imi-grante desgarrado e o do homem negro esgarado dos laos escravistas spoderiam focar o futuro, a diversidade de formas e o contedo mesmo damagia, tal como esteve configurada nesta poca, devem ser igualmente refe-ridos s exigncias que eram impostas pela economia de mercado, pelo mundoda concorrncia e pela indstria.

    Conforme deixaram claro em seus depoimentos, para os homens destetempo a aproximao a qualquer uma das correntes ento em voga, o perten-cimento a centros espritas ou a institutos esotricos deveria se traduzir emresultados diretos e imediatos, objetivando-se o contedo transformador a pro-posto como ferramenta capaz de proteg-los da ameaa de serem devorados.Tendo em vista a concorrncia desleal que era imposta por uma economiainstvel, as vicissitudes da vida, averbadas na percepo que faziam das causasdos infortnios, eram, quase sempre, projetadas no outro. Dos conflitos amoro-sos casos no resolvidos, desarranjos de lares aos insucessos profissionaisou financeiros, as suas vidas atrapalhadas eram vaticinadas inveja alheia,ao mau-olhado, a feitios feitos por adversrios ou rivais. A luta pela sobre-vivncia questo que se colocou em ltima instncia na interpretao dasprticas mgicas implicava tambm em vencer a concorrncia, projetando-se individualmente atravs, quem sabe, das frmulas de sucesso que eramoferecidas pelo comrcio da iluso.

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    A modernidade, palavra-fetiche que encerra um universo de evocaesno dizer de Sevcenko, esteve acompanhada pela instalao de institutosespiritualistas, ocultistas e de magnetizao, como o Instituto Humanitrio deRadiao Mental (1937), a Academia Brasileira de Cincia Divina (1939), oGrmio Ocultista de So Paulo (1910), a Unio Beneficiente Espiritualista(1939), a Cruzada de Reavivamento Moral. Nestes locais desenvolviam-secursos que prometiam o acesso aos Segredos de Rasputin, e aos dos Faras,s receitas de como desenvolver o magnetismo latente em cada um dos assis-tentes e, desta maneira, poder atuar diretamente sobre as pessoas [...] domi-nando-as por tal maneira, a torna-las verdadeiras escravas de nossa vontade,conforme o folheto Segredos da Magia, de autoria de Pedro Casnot (Justia ePedro dos Santos Boemer, 1918).

    De outra parte, a pedagogia que conduzia estes cursos adequava-se igual-mente aos ritmos da modernidade: racionalmente prticos, com um ensinonu, rpido, sem palavras difceis e complicaes cabalsticas, em que seriamdivulgados, entre outros, os ensinamentos de um ocultismo vital, biolgico,cientfico, o ocultismo-alavanca para se vencer na vida terrestre (Justia eAriosto Palombo e outros, 1939). Ensinamentos estes que poderiam sercomplementados em conferncias ou leitura das publicaes da editora OPensamento, prolixa em ttulos at os dias de hoje: A vida triunfante, O homemcompleto, O caminho da iniciao, Regras para o viajar etc.11. Alm doalmanaque O Pensamento que acompanhava o homem urbano nas rotinas dodia-a-dia, poder-se-ia acessar, na Emissora de Rdio Esotrica, projeto deAriosto Palombo, ondas magnticas que do longnquo Oriente trariam aosouvintes Fortuna, Harmonia, Paz, Sade, Felicidade e Juventude.

    Ao lado da divulgao dos ramos alternativos da cincia mdica,especialmente da homeopatia e da medicina naturalista, que realizavam amplasaproximaes s receitas da farmacopia popular, surgiam tambm terapu-ticas renovadas que propagavam os cuidados com o corpo, com a alimentaoe com o clima, como por exemplo aqueles difundidos pelo Instituto Psicote-

    11 Alm dos ttulos mencionados, a editora O Pensamento, de So Paulo, contribua tam-

    bm com a divulgao das chamadas cincias ocultas, em publicaes como: Magnetis-mo e hypnotismo (1940); Radiopatia, cincias hermticas e psicologia experimental;Dicionrio de scincias occultas (1937); Fisiognomia e frenologia; Os mystrios damaonaria e das sociedades secretas (1937), entre outras.

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    rpico Salus, de Francisco Fritelli (1930), ou pelo sistema, batizado por MouraLacerda, de Autocura Fsica de Piroterapia Brasileira. Dizendo-se professorhigienista, Moura Lacerda ensinava aos que o procuravam os meios para selivrarem dos males fsicos que os afligem, recomendando-lhes sol, ginstica,regimens alimentares, curas por clima e chs de plantas comuns (Justia eFrancisco Xavier Galvo de Moura Lacerda, 1930). Alm da divulgao dosesportes, da ginstica e dos espetculos pblicos, a nova sensibilidade emrelao ao corpo vinha inscrita tambm em novas maneiras de trat-lo(Sevcenko, 1992: esp. cap. 1).

    Cursos, conferncias, leituras, atendimentos individuais e filiao aosinstitutos conformavam algumas das mltiplas alternativas que poder-se-iaencontrar difundidas na cidade, para se aperfeioar diante das exigncias queeram feitas pelo mundo urbano. O ritmo da cidade e as presses multivariadasproduziam, uma sociedade nervosa, sensvel e atenta aos temas relacionadosao psiquismo. Uma parte das aes desenvolvidas e catalogadas como sendode exerccio ilegal da medicina ou de uso da magia envolveu indivduos quese diziam psiquistas e se especializavam no tratamento das doenas nervosas,por meio de novas teraputicas a elas associadas. Em 1938, talo Benassi erainvestigado por oferecer tratamentos para psicoses comuns e espiritides,fobias, tics nervosos, desnimo, gagueira, vcios e embriaguez, por meio demtodos igualmente numerosos: sugesto, magnetismo, hipnotismo, clarivi-dncia sonamblica, receitas de banhos com guin, arruda, alecrim, saco-saco,dentes de alho etc (Justia e talo Benassi e outros, 1938). Tambm as teoriaspsicanalticas que aqui se difundiram de maneira tardia, poderiam se popula-rizar na forma de exerccios destinados a ensinar o homem moderno a maneiracomo deve respirar, pensar e [...] dialeticamente viver (Justia e AmandusQuart Siloe Schoen, 1931). Nos marcos da cidade das primeiras dcadas dosculo, magia e cincia gravitavam por vezes em crculos concntricos, emtorno de procedimentos e crenas similares.

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    indiciado.1931. A Justia Pblica, autora; Amandus Henry Quart Siloe Schoen, indiciado.1931. A Justia Pblica, autora; Amaro Cardoso, indiciado.1933. A Justia Pblica, autora; Amaro de Almeida Issa, indiciado.1933. A Justia Pblica, autora; Jos Francisco do Monte e Sylvia Pinfildi,

    indiciados.1938. A Justia Pblica, autora; talo Benassi e outros, indiciados.1939. A Justia Pblica, autora; Ariosto Palombo, vulgo Joo de Minas, e outros,

    indiciados.1939. A Justia Pblica, autora; Francellino Igncio da Silva, indiciado.1939. A Justia Pblica, autora; Idalina Tairovitch, indiciada.1939. A Justia Pblica, autora; Jorge Jos, indiciado.1939. A Justia Pblica, autora; Maria Aurora, indiciada.

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    O commrcio da illuso, O Comrcio de So Paulo, So Paulo, 19/06/1913. Uma cabelleira no estmago. A feitiaria em So Paulo. Danas, rezas, drogas

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  • Resumo

    Abstract

    Palavras-Chave

    Keywords

    REGIONALISMO PAULISTA E POLTICAPARTIDIRIA NOS ANOS VINTE*

    James P. WoodardBrown University

    Os conflitos polticos do final dos anos vinte entre o Partido Republica-no Paulista e o Partido Democrtico de So Paulo tiveram um papel mui-to maior no cenrio poltico dos anos 30 do que a historiografia atual temapontado. Em particular, estes conflitos possibilitaram a mobilizao doestado de So Paulo contra o governo federal chefiado por Getlio Vargas,pois encorajaram a especie de identidade regionalista/nacionalista que ser-viria de grito de protesto para os rebeldes paulistas de 1932.

    So Paulo Regionalismo Poltica

    The political conflicts of the late 1920s between the Paulista RepublicanParty and the Democratic Party of So Paulo played a much larger role inthe politics of the 1930s than indicated by the existing historiography. Inparticular, these conflicts helped to lay the groundwork for the mobiliza-tion of the state of So Paulo against the federal government headed byGetlio Vargas by encouraging the kind of regionalist-cum-nationalist iden-tification that would serve as a rallying cry for the Paulista rebels of 1932.

    So Paulo (Brazil - State) Regionalism Politics

    * Este trabalho uma adaptao de um paper que apresentei ao congresso da Associao

    de Estudos Brasileiros em abril de 2002 deve muito s pesquisas que fiz para minhatese de doutoramento, defendida em setembro de 2003. Gostaria de expressar meus agra-decimentos banca examinadora: Thomas E. Skidmore, Barbara Weinstein, e R. DouglasCope. Devo tambm agradecer a contribuio valiosa do meu amigo Joo Felipe Gonal-ves, que leu e corrigiu uma traduo preliminar deste artigo.

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    No final dos anos 20 o estado de So Paulo vivenciou um importante con-flito poltico entre o estabelecido Partido Republicano Paulista e o recm-fun-dado Partido Democrtico de So Paulo. Embora este conflito poltico no ten-do sido totalmente sem precendentes, e embora a organizao do partidopoltico dissidente no tenha sido to inusitada ou importante como se temacreditado, o conseqente conflito poltico foi de considervel importncia.Pela primeira vez desde o final do Imprio, viu-se um grupo poltico organizadopor todo o estado ser capaz de apresentar-se como uma oposio ideolgica,ao contrrio da poltica clientelstica do PRP.

    As interpretaes do PD tm sido mltiplas, indo desde evocaes da classemdia ascendente at as mais variadas especulaes sobre mudanas sociais, eco-nmicas e polticas. Cada uma delas contribuiu a seu modo para a historiografiado perodo, mas tem-se praticamente negligenciado o papel que o partido desempe-nhou para efetuar mudanas crticas na prtica poltica do estado. Em particular,a formao da Frente nica entre o PD e o PRP em 1932 e a persistncia de 1930como ponto crtico na periodizao da histria contempornea do Brasil tem levadoalguns historiadores a acreditar que os conflitos dos anos 20 exerceram pouca ounenhuma influncia na histria da dcada seguinte.

    Como resultado, pouca ateno tem sido dada aos efeitos deste conflito alongo prazo, isto , maneira como as lutas polticas dos anos 20 prefigurarame at prepararam o caminho para as lutas polticas subseqentes. Pesquisasnessa direo revelam que os conflitos polticos dos anos 20 tiveram um papelmuito maior no cenrio poltico dos anos 30 do que a historiografia atual temapontado. Talvez ainda mais importante seja o fato de que estes conflitos possi-bilitaram a mobilizao do estado de So Paulo na revolta contra o governofederal chefiado por Getlio Vargas, pois criaram as estruturas organizacionaisque foram essenciais para a formao da rebelio (o Centro das Indstrias doEstado de So Paulo e o prprio PD1) e encorajaram o tipo de identidade regio-

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    nalista/nacionalista que serviria de grito de protesto para os rebeldes paulistasde 1932. Em discursos, cartas, artigos de jornais e material iconogrfico, asprincipais figuras polticas do final dos anos 20, tanto da situao quanto daoposio, utilizaram-se do discurso da grandeza paulista e de imagens comoa do bandeirante para reforar suas tentativas de obter poder. Esse tipo de iden-tidade regionalista antecipou o chauvinismo paulista de 1931 a 1932, usadopor lderes estaduais na mobilizao da populao de So Paulo na rebeliocontra o governo federal.

    Os participantes do conflito poltico no final dos anos 20 certamente noinventaram este tipo de identidade (estava presente no movimento separatistado fim do Imprio, como demonstra Cssia Chrispiniano Adduci no seu livroA ptria paulista, e onipresente nos anos seguintes, segundo o que j come-a a sinalizar a atual pesquisa de Barbara Weinstein2), mas garantiram que eleestivesse na agenda poltica do final dos anos 20. Mais notavelmente, eles ofizeram no apenas em pequenas discusses internas da elite e em edies par-ticulares distribudas aos amigos e outros escritores, mas tambm no mbitoque alguns chamariam de uma esfera pblica: na crescente imprensa peri-dica do perodo, em comcios pblicos freqentados por membros das cha-madas classes conservadoras e das classes populares, e em material depropaganda direcionado a um pblico mais abrangente.3 Essa disseminaoda ideologia regionalista/nacionalista foi um dos meios pelos quais a polticapartidria divisria do final dos anos 20 e isso inicialmente pode parecercomo um paradoxo antecipou a poltica apoltica de 1932, quando perre-pistas e democrticos se uniram contra um inimigo comum. Como o uso docone do bandeirante indica, havia em jogo mais do que uma mera identificaocom um lugar geogrfico (com o que os nossos colegas mexicanistas chama-riam de uma patria chica) e conexes emocionais com este. De fato, estaidentidade inclua uma lista de qualidades associadas ao estado de So Paulo,resumidas to habilmente pelo cnsul geral dos Estados Unidos em agosto de1932: So Paulo has an extraordinary morale engendered by 20 months of

    2 ADDUCI, Cssia Chrispiano. A ptria paulista: o separatismo como resposta crise

    final do imprio brasileiro. So Paulo: Arquivo do Estado, 2000; WEINSTEIN, Barbara.Racializing regional difference: So Paulo vs. Brazil, 1932. In: Race and nation in modernLatin America. Nancy Appelbaum, Anne Macpherson e Karin Rosemblatt (orgs.). ChapelHill: University of North Carolina Press, 2003, pp. 237-262, e correspondncia com o autor.

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    humiliation and the realization that it is fighting for its political position, itswhite mans culture, and the wealth, the lives, and the homes of its citizens(So Paulo tem uma moral extraordinria gerada por 20 meses de humilhaoe pela conscincia de que est lutando por sua posio poltica, sua cultura dehomens brancos, e pela riqueza, vidas e lares de seus cidados).4 Neste mo-mento podemos lembrar o comentrio de Katia Maria Abud sobre a figura dobandeirante: O bandeirante representa, por excelncia, a entidade paulistaque se tornou sinnimo de bravura, integridade, arrojo, progresso, superiori-dade racial e at mesmo democracia.5

    Essa identificao entre oposio poltica e paulistinidade era evidenteantes mesmo da fundao do Partido Democrtico. Em uma declarao publi-cada em setembro de 1925, o futuro lder honorrio do partido, Antnio Prado,declarou: J tarda que os paulistas, filhos da terra dos verdadeiros grandeshomens que contriburam para a formao da nacionalidade brasileira, resol-vam fundar um verdadeiro partido poltico, baseado nos princpios democr-ticos da nossa Constituio 6.

    3 Com algumas reservas, uso aqui o conceito habermasiano da esfera pblica em uma

    maneira similar ao uso do conceito pela Hilda Sabato em suas pesquisas sobre a partici-pao poltica na cidade de Buenos Aires durante o sculo dezenove. SABATO, Hilda.Citizenship, political participation, and the formation of the public sphere in BuenosAires, 1850s-1880s. Past & Present. Oxford: Oxford University Press, 136, pp. 139-163, 1992; idem, The many and the few: political participation in republican Buenos Aires.Stanford: Stanford University Press, 2001.4 Carta de C. R. Cameron a Walter C. Thurston, So Paulo Political Report No. 49, So

    Paulo, 9 de agosto de 1932, United States National Archives (USNA), College Park,Maryland, Record Group 59 (RG59), 832.00/811. Cameron foi muito ligado s pessoasque ele chamava de better class Paulistas e suas reportagens refletem essa familiari-dade (citao de uma carta de C. R. Cameron a Walter C. Thurston, So Paulo PoliticalReport No. 48, So Paulo, 30 de julho de 1932, USNA, RG59, 832.00/810). Ao contrriode Cameron, o embaixador norte-americano, baseado na capital federal de Rio de Janei-ro, inclinou-se bem mais a responsabilizar os prprios paulistas pela revoluo de 1932,explicando que The fanatical attitude of the population must be broken before the nor-mal life of the city can be restored. Carta de E. V. Morgan a Secretary of State, Rio deJaneiro, 14 de otubro de 1932, USNA, RG59, 832.00/818.5 ABUD, Katia Maria. O bandeirante e o movimento de 32: alguma relao?. In: O

    imaginrio em terra conquistada, Maria Isaura Pereira de Queiroz (org.). So Paulo: Cen-tro de Estudos Rurais e Urbanos,1993, p. 36.6 O voto secreto, O Estado de S. Paulo, 1 de setembro de 1925, p. 3.

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    No primeiro comcio pblico do novo partido, os lderes se esforaram paraacentuar o nacionalismo do PD e minimizar o seu regionalismo (presumivel-mente para atrair apoio fora de So Paulo), com Luiz Augusto de Queiroz Aranhaafirmando: A nossa ao partidria comea em S. Paulo sem que tenhamos emmente o menor vislumbre de regionalismo. Daqui partem os primeiros passos,os mais custosos sem dvida, mas que no contam ainda e que s contaro quan-do a eles se ajuntarem outros passos, muitos passos, depois de longas jornadasat que trema o solo ptrio ao tropel de um grande partido nacional. .......... Ouns, os brasileiros, executaremos este programa de homens livres, altivos, cons-cios dos seus deveres para com a Ptria ou seremos indignos da soberania destaformosa terra, pela qual o Cruzeiro do Sul luminosamente vela.7

    Com a fundao do PD, uma espcie de identidade nacionalista/regionalistamenos evidente na correspondncia poltica dos lderes republicanos tornou-seuma constante na correspondncia dos aderentes ao novo partido. Apelospatriticos foram combinados com referncias preeminncia de So Paulo nafederao e a smbolos desta preeminncia, dos quais o mais importante era obandeirante. Em Altinpolis, Simplcio Ferreira, um dos primeiros aderentes,previu que o PD vai ser, em breve, o crisol da poltica nacional, especialmenteda do Estado [de So Paulo], pelo qual mais nos interessamos.8 Ferreira foi seguidopor um negociante de Bernardino de Campos que previu que com a fundao dopartido dissidente havemos de ver o reerguimento da Terra Paulista e da PtriaBrasileira.9 O comit local do PD na cidade histrica de Itu saudou a lideranacentral do partido como grandes brasileiros e lderes do grande movimento decivismo para o qual ora convergem as esperanas e o apoio populares e que, re-flectindo-se pelo Pas inteiro, abala os velhos alicerces da tradicional Terra dosBandeirantes, destinado a levar adiante os sonhos de antigos patriotas de criarUm Brasil livre, ordeiro, progressista e ipso facto, feliz.10

    7 PRADO, Nazareth (org.). Antonio Prado no imperio e na republica. Rio de Janeiro: F.

    Briguet, 1929, pp. 423-424.8 Carta de Simplcio Ferreira a Antnio Prado, Altinpolis, 24 de maro de 1926, Arqui-

    vo do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo (AIHGSP), Arquivo Partido Democr-tico (APD), pacote 33.9 Carta de Manuel Ahies [?] a Illustre Commio Diretora do Partido Democratico,

    Bernardino de Campos, 18 de abril de 1926, AIHGSP, APD, pacote 33.10

    Carta de Joaquim da Fonseca Bicudo et al. ao Diretrio Provisrio do PD, Itu, 29 dejunho de 1926, AIHGSP, APD, pacote 33.

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