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Page 1: Artigo1 disparos de armas e adulteração de veículos

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 24, NOVEMBRO 2006

17Aatuação das forças policiaisno combate ao crime no Bra-sil dá-se de um modo geral

em três vias concomitantes: 1) opoliciamento ostensivo, realizado pe-las forças policiais militares de cadaEstado, o qual compreende o con-fronto físico direto com os criminosos;2) a investigação policial, realizada pe-la polícia civil; 3) a pesquisa de vestí-gios em cenas de crime, realizadapela polícia científica.

Neste terceiro setor, a coleta eanálise de vestígios encontrados emcenas de crime é de responsabilidadedo perito criminal, um policial atuantejunto ao instituto de criminalística decada Estado. Em locais de crimescontra a pessoa, onde existe a pre-sença de cadáveres (homicídio, sui-cídio etc.), cabe também ao perito cri-minal a análise superficial dos corpos,visando a coleta de possíveis elemen-tos que forneçam correlação com ofato criminoso, sendo tais exames co-nhecidos por perinecroscópicos. Acausa mortis, bem como a descriçãodetalhada dos ferimentos internospresentes no cadáver, é de responsa-bilidade do médico legista, o qual ésubordinado ao Instituto Médico Le-gal.

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Recebido em 10/3/06; aceito em 10/10/06

A análise da cena de crimeOs locais de crime, bem como os

elementos de interesse pericial nelecontidos devem ser fotografados domodo como foram encontrados peloperito ou levantados por meio dedesenhos esquemáticos, plantas quesão previstas no código de processopenal.

Os vestígios encontrados na cenado crime (peças, instrumentos de cri-me, substâncias químicas etc.)devem ser analisados e interpretadospelo perito e reportados de mododescritivo em um relatório denomina-do laudo técnico-pericial. Assim,entende-se por levantamento técnico-pericial do local do fato a reproduçãofiel e minuciosa do espaço físico ondeocorreu um evento de interesse judi-ciário, bem como da importância decada vestígio coletado e sua relaçãocom o fato criminoso (Block, 1979;Else, 1934).

Os exames laboratoriaisApós a etapa de coleta de vestí-

gios, cabe ao perito criminal procederà análise laboratorial dos mesmos. Taisanálises podem ser realizadas utili-zando-se métodos físicos e químicos.Como exemplos de métodos físicos,

podem ser citados: a pesagem de pe-ças e amostras, a determinação deponto de fusão de substâncias sólidas,visualização de elementos ocultosutilizando-se lentes de aumento (lupase microscópios óticos) e fontes deluzes especiais (ultravioleta e polari-zada), dentre outros.

Quando a determinação da natu-reza de uma substância química tor-na-se necessária, ou quando existea necessidade de detecção de traçosde determinadas substâncias quími-cas de interesse forense, torna-seimprescindível a utilização de méto-dos químicos de análise, sendo taisanálises químicas o tema principaldeste trabalho.

Química Forense

ConceitoSegundo Zarzuela (1995), denomi-

na-se Química Forense o ramo daQuímica que se ocupa da investiga-ção forense no campo da químicaespecializada, a fim de atender as-pectos de interesse judiciário. Talramo da Química atende basicamen-te as áreas de estudos da Criminalís-tica e da Medicina Forense.

São exemplos de análises quími-cas de interesse forense possíveis as

Marcelo Firmino de Oliveira

Neste artigo, uma breve introdução à área de Química Forense é realizada, bem como busca-se mostrar aimportância da Química na elucidação de crimes. Neste contexto, são descritos como exemplos doisprocedimentos experimentais realizados nos laboratórios de Química Forense, compreendendo as reaçõesquímicas empregadas nas análises de disparos de armas de fogo e na identificação de adulterações emveículos.

Química Forense, Química Legal, exames periciais

Química Forense

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reações empregadas nas análises dedisparos de armas de fogo (Zarzuela,1995; Reis et al., 2004), identificaçãode adulterações em veículos (Stum-voll e Quintela, 1995), revelação deimpressões digitais (Ho, 1990), iden-tificação de sangue em locais decrime e peças relacionadas a estes(Zarzuela, 1995; Ho, 1990), bemcomo constatação de substânciasentorpecentes como maconha ecocaína (Ho, 1990; CEBRID, 2005;Gaensslen, 1983a e 1983b). Destas,constituem objeto de estudo destetrabalho os exames de análise dedisparo de arma de fogo e examesde verificação de adulteração de veí-culos.

Disparos de armas de fogoNa utilização de armas de fogo em

episódios de crime, são produzidosvestígios de disparo, os quais são ex-pelidos pela expansão gasosa oriun-da da combustão da carga explosivapresente nos cartuchos que com-põem a munição dessas armas. Talexpansão gasosa dá-se preferencial-mente através da região anterior docano da arma, orientada para a frente;porém, uma parcela desse fluxo demassa gasosa é também expelidapela região posterior da arma, emdecorrência da presença de orifíciosda culatra (para revólveres) ou doextrator (no caso de pistolas), confor-me visualizado na Figura 1.

Tal fluxo gasoso carrega em suacomposição os gases oriundos dacombustão (CO2 e SO2), bem comouma ampla gama de compostosinorgânicos, tais como nitrito, nitrato,

cátions de metais como chumbo eantimônio e particulados metálicosoriundos do atrito e da subseqüentefragmentação dos projéteis metálicosdisparados. Quando o fluxo gasosoemitido pela região traseira da armaatinge a superfície da mão do atirador,tais partículas sólidas aderem àsuperfície da pele. Um teste comu-mente utilizado para a detecção devestígios de disparo de arma de fogonas mãos de um possível suspeitoconsiste na pesquisa de íons ou frag-mentos metálicos de chumbo, emdecorrência da maior quantidadedesta espécie metálica em relação aoutras.

O chumbo presente nos vestígiosde disparo pode ser proveniente doagente detonador da espoleta, naqual encontra-se presente na formade trinitroresorcinato de chumbo; dacarga de espoleteamento, na formade estifinato de chumbo; bem comopode ser gerado pelo atritamento docorpo dos projéteis de chumbo comas paredes internas do cano da arma.

A análise química de chumbo con-siste na coleta prévia de amostra dasmãos do suspeito, mediante aplica-ção de tiras de fita adesiva do tipoesparadrapo nas mesmas e subse-qüente imobilização dessas tiras emsuperfície de papel de filtro. As referi-das tiras, ao serem borrifadas comsolução acidificada de rodizonato desódio, se apresentarem um espalha-mento de pontos de coloração aver-melhada, indicam resultado positivopara o disparo. Tal exame é conheci-do como residuográfico (Figura 2).

A reação química envolvida noprocesso consiste na complexaçãode íons chumbo pelos íons rodizona-to:

O complexo resultante apresentacoloração avermelhada intensa, dife-rentemente da solução inicial derodizonato de sódio, a qual apresen-ta-se amarelada, nas concentraçõesutilizadas pelos laboratórios de Quí-mica Forense.

Identificação de adulterações emveículos

Os veículos envolvidos em episó-dios de furto ou roubo (automóveis,motocicletas, caminhões etc.) apre-sentam comumente duas opções dedestino: 1) desmanche ilegal e subse-qüente comercialização de peças; 2)remarcação de seus sinais de identi-ficação (placas, numeração de chas-si, de motor etc.) para utilização dosmesmos como clones.

Considerando-se o fato de que asnumerações de chassi e motor apre-sentam-se gravadas para a maioriados modelos nacionais em baixo rele-vo nas superfícies metálicas dos auto-móveis, por cunhagem a frio (salvoos casos em que estas se apresen-tam na forma de plaquetas metálicasafixadas por rebites), constitui-se co-mo um tipo muito comum de adulte-ração a remoção da numeração origi-nal da peça, mediante desgastemecânico e polimento, e subseqüenteaplicação de nova numeração porpunção, obviamente diferente da ori-ginal.

O processo de gravação dos ca-racteres originais dos veículos, pro-duzidos ainda na linha de montagem,produz uma compactação diferencia-da na região da estrutura cristalinaabaixo e adjacente aos referidos ca-racteres. Após a remoção da numera-ção original por desgaste mecânicodo tipo lixa, tais imperfeições produzi-das na estrutura cristalina da peçametálica, decorrentes da gravaçãooriginal, permanecem na mesma,porem são invisíveis à vista desarma-da.

Neste caso, a identificação da pre-sença de sinais de adulteração pode

Química Forense

Figura 1: Durante um disparo, gases sãoexpelidos também para a região poste-rior da arma, depositando resíduos namão do atirador.

Figura 2: No exame residuográfico, apósfixação em tiras de papel, vestígios dechumbo na mão do atirador podem serrevelados como solução ácida de rodizo-nato de sódio.

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ser feita realizando-se um ataque quí-mico na referida superfície metálica,utilizando agentes reveladores apro-priados (Figura 3). Um reagenteamplamente empregado no estudode revelações de numerações emchassi constitui-se de uma soluçãoaquosa alcalina de hexacianoferratode potássio, denominado reagente deMurikami. Nessas condições, a apli-cação da referida solução à superfíciemetálica adulterada possibilita a reve-lação da numeração original previa-mente removida.

A explicação para o contraste vi-sual observado consiste na diferençade reatividade dos sítios da referidasuperfície metálica, sendo observadauma maior velocidade de reação (nocaso, precipitação de hexacianofer-rato de ferro III, ou Azul da Prússia)na região da numeração original re-movida.

Referências bibliográficas

BLOCK, E.B., Science vs. crime: Theevolution of the police lab. São Fran-cisco: Cragmont Publications, 1979.

CEBRID - Centro Brasileiro de Infor-mações sobre Drogas Psicotrópicas.Efeitos físicos agudos da cocaína. http://www.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/quest_drogas/cocaina.htm#7 (acessoem 14/10/2006).

ELSE, W.M. e GARROW, J.M. The de-tection of crime. Londres: Office of thePolice Journal, 1934.

GAENSSLEN, R.E. (Ed.). Sourcebookin forensic serology. Unit IX: Translationsof selected contributions to the originalliterature of medicolegal examination ofblood and body fluids. Washington: Na-tional Institute of Justice, 1983a.

Abstract: Forensic Chemistry: The Use of Chemistry in The Research of Crime Vestiges – In this paper, a brief introduction to the area of forensic chemistry is given, as well as to show the importanceof chemistry in the elucidation of crimes. In this context, two experimental procedures carried out in forensic-chemistry laboratories are described as examples, involving the chemical reactions usedin the analysis of gunshot residues and in the identification of vehicle adulterations.Keywords: forensic chemistry, legal chemistry, forensic exam

2Fe0 + 3O2 → Fe2O3

2K3[Fe(CN)6] + Fe2O3 → 2Fe[Fe(CN)6]solução alaranjada precipitado azul intenso

Por se tratar de um exame destru-tivo, em decorrência do processo decorrosão empregado na referidasuperfície, as revelações de caracte-res originais presentes nas superfíciesmetálicas estudadas apresentam-sevisíveis por um intervalo de tempolimitado, devendo ser prontamentefotografadas.

Considerações finaisConforme se pôde observar no

presente trabalho, as reações quími-cas constituem importantes ferramen-tas utilizadas no campo das ciênciasforenses, na elucidação de crimes.Em decorrência dos exames reporta-dos constituírem reações colorimé-

tricas e de fácil reprodutibilidade, bemcomo de fácil preparo das soluçõesdos reagentes empregados, tais exa-mes podem culminar em possíveisatividades de laboratório de Químicajunto aos alunos do nível médio.

Para a realização dos exames me-talográficos de revelação de caracte-res, pode-se utilizar como peça deexame a superfície de lâminas defacas de cozinha, as quais freqüen-temente apresentam inscrições embaixo relevo referentes à marca e aofabricante. Tais superfícies podem serpreviamente desgastadas na regiãodas inscrições, podendo ser realiza-dos posteriormente os exames meta-lográficos descritos neste trabalho.

AgradecimentosO autor agradece o suporte finan-

ceiro da FAPESP, bem como o apoiologístico da EPC de São Carlos e doCEIC - Departamento de Química daFFCLRP-USP.

Marcelo Firmino de Oliveira ([email protected]), bacharel, licenciado em Química e mestreem Ciências (Química) pela USP, doutor em Químicapela Unesp, é perito criminal do Instituto deCriminalística “Perito Criminal Dr. Octávio de BritoAlvarenga” – Equipe de Perícias Criminalísticas deSão Carlos, SP.

GAENSSLEN, R.E. Sourcebook in foren-sic serology, immunology and biochemis-try. Washington: U.S. Government PrintingOffice, 1983b.

HO, M. H. Analytical methods in foren-sic chemistry. Nova Iorque: Ellis Horwood,1990.

REIS, E.L.T; SARKIS, J.E.S.; RODRI-GUES, C.; NETO, O. N. e VIEBIG, S.Identificação de resíduos de disparosde armas de fogo por meio da técnicade espectrometria de massas de altaresolução com fonte de plasma indu-tivo. Química Nova, v. 27, p. 409-413,2004.

STUMVOLL, V.P. e QUINTELA, V. Crimi-nalística. Em: TOCHETTO, D. (Coord.).Tratado de perícias criminalísticas. PortoAlegre: Ed. Sagra-DC Luzzatto, 1995.p. 47-52.

ZARZUELA, J.L. Química Legal. Em:TOCHETTO, D. (Coord.). Tratado de perí-cias criminalísticas. Porto Alegre: Ed.Sagra-DC Luzzatto, 1995. p. 164-169.

Para saber maisDI MAIO, V.J.M. Gunshot wounds:

Practical aspects of firearms, ballistics,and forensic techniques. 2ª ed. Boca Ra-ton: CRC Press, 1999.

ROWE, W.F. Firearms/residues. Em:SIEGEL, J.; KNUPFER, G. e SUAKKO, P.(Eds.). Encyclopedia of forensic sci-ences. Nova Iorque: Academic Press,2000. p. 953-961.

Na InternetSítio da American Academy of Foren-

sic Sciences: http://www.aafs.org (aces-so em 18/9/2006).

Química Forense

Figura 3: A adulteração na numeração original de uma peça de automóvel pode serconstatada com o uso de agentes reveladores.