artigo rubens machado junior eca 2008

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Plano em grande angular de uma São Paulo Fugidia Rubens Machado Jr. 192 Plano em grande angular de uma São Paulo fugidia RUBENS MACHADO JÚNIOR Professor de cinema da ECA-USP E-mail: [email protected] Wide angle plan of a fleeting São Paulo Se fizermos um esforço de lembrança, não parece ter tido maior repercussão histórica a fisionomia paulistana que o cinema nos traz. Essa fisionomia possui uma evidência tão controversa e difícil quanto a memória que em geral guardamos dessa metrópole. O que diferencia nesse caso a capital paulista dos grandes centros urbanos contemporâneos? Estaríamos talvez há um século vendo convergir nos filmes as particularidades paulistanas que nos afastariam daquelas fortes visões de conjunto que caracterizam bem e com mais verossimilhança as imagens cariocas, nova-iorquinas, parisienses ou napolitanas? Se tomarmos este rumo, toparemos por toda parte com cidades muito mais identificáveis por seu cinema do que a polimorfa São Paulo. Este problema começa pelo fato de ter historicamente o cinema paulistano, de par com o brasileiro, mesmo em seus melhores momentos, pouquíssimo público em comparação com o estrangeiro. De outro lado, ao que parece, mesmo os filmes paulistanos que foram bastante vistos Resumo São Paulo tem sido filmada há mais de um século, e o presente texto procura sintetizar uma série de preocupações presentes na história das relações entre a cidade e o cinema. Em particular estão aqui tratados os problemas de representação da cidade no cinema, sob vários aspectos, que vão da paisagem física à humana. Para compor este amplo panorama é forçoso o recurso às formulações sintéticas aqui esboçadas, tentando-se contemplar pesquisas retomadas do autor, sempre que possível referida em nota. Aborda-se a São Paulo cinematográfica por períodos históricos, em pequenos quadros sincrônicos, circunstanciados por vezes de certas considerações diacrônicas, ensaiando possibilidades de se pensar transformações, permanências, rupturas e tradições. Palavras-chave: São Paulo, cinema, representação. Resumé La ville de São Paulo est prise au cinéma il-y-a plus d'un siècle, et en ce texte on cherche des synthèses pour une série de questions concernant les rapports ville- cinéma. En particulier, disons qu'il sont ici traités les problèmes de réprésentation de la ville au cinéma sous des aspects divers, du paysage humain au paysage physique. Pour composer un tel grand panorama il nous faut ébaucher des formulations synthètiques qui rélèvent des recherches antérieures de l'auteur, toujours reprises, et mentionnées en notes tout au long du texte. Cette São Paulo cinémathographique vient cadrée en ces périodes historiques, ensembles synchroniques, circonstanciées parfois par des considérations diachroniques, en essayant des possibilités de refléxir sur ses transformations, pemanences, ruptures et traditions. Mots-clé: histoire du cinéma ; Ville de São Paulo ; cinema pauliste ; représentation cinématographique de la ville ; esthétique du cinéma ; paysage et cinéma ; l'image urbaine. Prise de vue en grand-angulaire d'une São Paulo fuyante

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Page 1: Artigo Rubens Machado Junior ECA 2008

Plano em grande angular de uma São Paulo FugidiaRubens Machado Jr.192

Plano em grande angular de uma São Paulo fugidia

RUBENS MACHADO JÚNIORProfessor de cinema da ECA-USP

E-mail: [email protected]

Wide angle plan of a fleeting São Paulo

Se fizermos um esforço delembrança, não parece ter tido maiorrepercussão histórica a fisionomiapaulistana que o cinema nos traz. Essafisionomia possui uma evidência tãocontroversa e difícil quanto a memóriaque em geral guardamos dessametrópole.

O que diferencia nesse caso acapital paulista dos grandes centrosurbanos contemporâneos? Estaríamostalvez há um século vendo convergirnos filmes as particularidadespaulistanas que nos afastariamdaquelas fortes visões de conjunto que

caracterizam bem e com maisverossimilhança as imagens cariocas,nova-iorquinas, parisienses ounapolitanas? Se tomarmos este rumo,toparemos por toda parte com cidadesmuito mais identificáveis por seucinema do que a polimorfa São Paulo.

Este problema começa pelo fatode ter historicamente o cinemapaulistano, de par com o brasileiro,mesmo em seus melhores momentos,pouquíssimo público em comparaçãocom o estrangeiro. De outro lado, aoque parece, mesmo os filmespaulistanos que foram bastante vistos

Resumo

São Paulo tem sido filmada há mais de um século, e o presente texto procura sintetizaruma série de preocupações presentes na história das relações entre a cidade e ocinema. Em particular estão aqui tratados os problemas de representação da cidadeno cinema, sob vários aspectos, que vão da paisagem física à humana. Para comporeste amplo panorama é forçoso o recurso às formulações sintéticas aqui esboçadas,tentando-se contemplar pesquisas retomadas do autor, sempre que possível referidaem nota. Aborda-se a São Paulo cinematográfica por períodos históricos, em pequenosquadros sincrônicos, circunstanciados por vezes de certas considerações diacrônicas,ensaiando possibilidades de se pensar transformações, permanências, rupturas etradições.Palavras-chave: São Paulo, cinema, representação.

Resumé

La ville de São Paulo est prise au cinéma il-y-a plus d'un siècle, et en ce texte oncherche des synthèses pour une série de questions concernant les rapports ville-cinéma. En particulier, disons qu'il sont ici traités les problèmes de réprésentation dela ville au cinéma sous des aspects divers, du paysage humain au paysage physique.Pour composer un tel grand panorama il nous faut ébaucher des formulationssynthètiques qui rélèvent des recherches antérieures de l'auteur, toujours reprises,et mentionnées en notes tout au long du texte. Cette São Paulo cinémathographiquevient cadrée en ces périodes historiques, ensembles synchroniques, circonstanciéesparfois par des considérations diachroniques, en essayant des possibilités de refléxirsur ses transformations, pemanences, ruptures et traditions.Mots-clé: histoire du cinéma ; Ville de São Paulo ; cinema pauliste ; représentationcinématographique de la ville ; esthétique du cinéma ; paysage et cinéma ; l'imageurbaine.

Prise de vue en grand-angulaire d'une São Paulo fuyante

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não teriam marcado o suficiente. Porfim, o acervo de imagens emmovimento é escasso, sobretudo noque se refere aos primeiros decênios;e o mais prolífico, referente às últimasquatro ou cinco décadas, não foiconservado o que seria desejável, eem todo caso circula relativamentepouco. Nas reconstituições de época,em documentários, telenovelas ou nosfilmes recentes há de fato poucamargem de opção nas imagens dearquivo.

Existem, porém, sinais de que estequadro tem mudado ultimamente. Etambém cresce o interesse do públicoem ver a história de sua cidade nesteque é um dos meios mais formidáveise adequados. Isso na verdade segeneraliza e se coloca para toda equalquer cidade que não tenha sidofundada ontem, independente de seusarquivos audiovisuais existirem e deterem sido bem conservados. Rico eminformação e reflexão, o cinema - nasua multiplicidade de formatos,abordagens e estilos - nos traria aexperiência histórica da cidade e deseus moradores. Se tomarmos ocinema em sentido amplo, enquantoum conjunto de suportes e meiosaudiovisuais, teremos aí a base de uminestimável museu da cidade - e dasincontáveis experiências que elaproporcionou, conflitos que ela acolheu.

Tal memória tanto mais importanteem uma metrópole algo amnésicacomo São Paulo, maior cidadebrasileira, marcada pela suacapacidade de transformaçãoconstante, e - o que é lastimável -apagando-se quase que sistematica-mente os seus traços anteriores. Apujança furiosa que moderniza,arrasando o que é tradicional, foi aquia tradição que afinal se consagrou.

Isso explicaria a vocação, tambémno cinema, do predomínio de uma SãoPaulo recentemente construída - atradição de filmar o não-tradicional, eos espaços há pouco erigidos. Mas a

origem desta cidade sempre recentenão está apenas numa noção selvagemde modernização, "des-historicizante".Conflui nesta imagem a idéia de umacidade que não pára, sempre em obras,a São Paulo do trabalho, que nodizer do poeta, "destrói e constróicoisas belas". Esta perpétua renovaçãomantém a possibilidade de se depararcom o não-visto, o não-frequentado,ou seja, a possibilidade de exercitar avisão mais voltada para o futuro,esperançosa, e algo exótica. UmaCanaã rediviva permanece acolhendonovos anseios, novas cidadanias,habituada a solicitar a mirada exóticapara a manutenção do seu própriomito.

Desde as fitas dos anos 20, o quese constrói é esta ideação de umametrópole que abrigue tal anseio derealizações. Vimos já com os filmesde José Medina, ExemploRegenerador (1919) e Fragmentosda Vida (1929), e de AdalbertoKemeny e Rodolfo Rex Lustig, SãoPaulo, A Sinfonia da Metrópole(1929), a concepção de uma cidade àimagem das grandes metrópoles dosmais desenvolvidos países1. E o fervordesta idealidade engendra uma cidadeque mal repara em seus aspectos maisespecíficos, sem o tempo de destilar asua vivência íntima de um espaço malinaugurado, e mesmo no afã comumde dispor no foro público os seusdesígnios - tão ideológicos, aliás, quantoreveladores de desejos efetivos everdadeiros. Parâmetros nova-iorquinos ou berlinenses do entreguerras são adotados sem nenhumreconhecimento do viés quiméricodesse gesto, mas com um entusiasmocaracterístico do humor eufóricoexperimentado talvez nasconversações ao pé de um bule decafé, tal como se enxerga na Sinfonia,num rápido plano de convivas na portade um bar na Praça Antonio Prado.Lugar que, é óbvio, já não existe mais.Dez anos depois se erigiu ali justamente

1 Proponho neste ar tigo planosgerais sobre São Paulocinematográfica feitos, por assimdizer, com a objetiva grande angula,na tentativa de abarcar um conjuntopor demais amplo de temas. Talespécie de vista panorâmica veioexigir a proposição de novassínteses a par tir de diversostrabalhos meus, aqui mencionadosem notas. Para o período entre-guerras, veja-se: Machado Jr.,Rubens. São Paulo em movimento:A representação cinematográfica dametrópole nos anos 20,disser tação de mestrado, SãoPaulo, ECA-USP, 1989.

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o Prédio do Banespa, lançando aoscéus este emblema absoluto da SãoPaulo vertical2.

Se entre o café e a indústria, ogosto art nouveau, caminhandoapressadamente para o art déco destecinema paulista mais caprichado,demorando a desvencilhar-se de umalentado espírito parnasiano, veremosque o vigor desta paisagemmodernizante da capital só secompletaria na modernidade dosregistros mais elaborados de BeneditoJunqueira Duarte, dos anos 30 aos 503.Com as cartadas industriais nos anos50, o cinema paulista volta-se para apesquisa de personagens brasileirosmediante técnicas e gêneros defilmes mais ou menos calcados emmodelos ideais presentes nomercado internacional. Este padrãointernacional de qualidade mostra-sepesadamente artificioso para obter osresultados mais imediatos de queprecisava. Mas não deixou de esboçaruma galeria de tipos urbanos, como sevê em Simão, O Caolho (1952), deAlberto Cavalcanti, ou nos primeirosfilmes de Mazzaropi, realizados porAbilio Pereira de Almeida - Sai dafrente (1951), Nadando em dinheiro(1952) e Candinho (1953) -, e trazerà luz uma elaboração mais aproximadada paisagem paulistana, mesmo semabandonar aqueles propósitosanteriores verificados, de se desenharcom as melhores tintas a urbeacolhedora do progresso. Apenas queagora os personagens reivindicavamum estatuto mais específico, mesmodentro dos padrões genéricos dapropugnada fatura industrial, forçandoconteúdos humanos candidamenteespelhados na mesma esperança emque se apoiavam também os projetosmaiores da cidade4. A Esquina daIlusão (1953), de Ruggero Jacobbi, esobretudo O Amanhã será melhor(1952), de Armando Couto, trazembastante daquele Novo Mundo, estaCanaã do pós-guerra.

Entretanto, o processo mobilizadona construção desta imagem otimistaencerrava os fatores de sua queda alipelos anos finais da década de 50.Diagnósticos mais problemáticos,como os trazidos por O GrandeMomento (1957), de Roberto Santos,ou Moral em Concordata (1959), deFernando de Barros, prenunciam oCinema Novo e o surgimento de umolhar mais exigente e progressiva-mente moderno sobre a vida urbana.Com a derrocada dos estúdios e oacirramento do perfil crítico daprodução cultural no país, as novaspropostas de sociedade forjadas nobojo do desenvolvimentismo populistaecoam na produção de uma cidadecada vez mais ambígua e conflituosa.A roda da fortuna larga o posto dodeus ex machina e os personagenspassam a viver dramas maisembebidos da dura realidade. Ganhardinheiro e realizar anseios começa atraduzir-se em dificuldades e amargasdisputas pela sobrevivência. E no topodo pódio social um vazio de sentidoacedia os mais afortunados. Odesengano matiza de conteúdosexistenciais as sombras de umametrópole problemática e a cidade sepermite abrigar vivências mais densas,angustiadas - capazes de situar tantoa solidão do indivíduo quanto certascoordenadas da compreensãohumanista da vida urbana5. Tal quadrodos anos 60 é balizado por São PauloS.A. (1965), de Luis Sergio Person, eO Quarto (1969), de Rubem Biáfora,ao longo de uma evolução notável dosfilmes que Walter Hugo Khoury vinhafazendo desde os anos 50.

Com a chegada do CinemaMarginal a cidade ganha uma óticainusitada, pois o seu ponto de vista nãoé mais o que vimos prevalecer noentre guerras e nos anos 50, ou aindaentão nos anos 60. Não é mais aótica de quem procura difundir osonho dominante e hegemônico decidadania nela produzido, nem de

2 Machado Jr., Rubens. São Paulo,uma imagem que não pára, RevistaD'Art n°9/10: Arte e Cultura: a Cida-de como Lugar, São Paulo, Divisãode Pesquisas do Centro Cultural SãoPaulo, novembro 2002, pp. 59-66.

3 Machado Jr., Rubens. São Paulo eo seu cinema: para uma história dasmanifestações cinematográficaspaulistanas (1899-1954) in: Por-ta, Paula. (org.) História da Cidadede São Paulo, v. 2. São Paulo: Paz eTerra, 2004, pp. 456-505.

4 Para o debate de tal noção demodernidade e progresso, veja-se:Arruda, Maria Arminda do Nasci-mento. Metrópole e Cultura: SãoPaulo no meio do século XX. Bauru:EDUSC, 2001, 484 p.

5 Para os períodos posteriores aosanos 50, consultar: Machado Jr.,Rubens. Imagens brasileiras dametrópole: A presença da cidadede São Paulo na história do cinema,tese de Livre Docência, São Paulo,ECA-USP, 2007, XI-254 p.

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amargar o reverso dos seus correlatosdescaminhos sociais ou existenciais.Trata-se de assumir o ângulo dosexcluídos desta cidadania6. Sejaatravés da instauração de um olharcândido ou avesso às abstraçõesconvencionadas na gramática culturale cinematográfica, seja peloestilhaçamento de todas asconvenções acumuladas7. É,respectivamente, o que eclode n'AMargem (1967), de Ozualdo Candeias,e n'O Bandido da Luz Vermelha(1968), de Rogério Sganzerla. Paraficar apenas nestes dois autores,teríamos a metrópole caipira deCandeias8 em Zezero (1974) e OCandinho (1975), e o espalhafatosoweek end à paulista de Sganzerla emA Mulher de Todos (1969)8, filmeapontado também como o início daPornochanchada. Ou, para citar algocompletamente esquecido dessa urbemarginal fabricada na Boca do Lixo,Fantastikon, Os Deuses do Sexo(1970), de Tereza Trautman e J.Marreco.

A esta altura o balizamento doolhar marginalizado remetia nãosomente ao plano da cultura e dapolítica estabelecidas e válidas para osalfabetizados como também àqueleplano que abarca o conjunto dasociedade. Neste "nivelar por baixo"se podiam confundir o CinemaMarginal e o ordinário, o maiscorriqueiro, o mainstream feito naBoca do Lixo. Emerge assim umametrópole crua e, por assim dizer, vistapelo ângulo da barbárie. Por outro lado,o que se deve dizer é que além destamimese da condição excluída, o cinemadesdobra indefinidamente o seuinteresse em várias direções,sobretudo as de maiores possibilidadescomerciais. Dá ensejo à comédiaerótica e a uma série de gradaçõesque tentariam conjuminar barbárie estatus quo - sobrevivendo aí uma frágilligação política entre os dois pólos,principalmente se considerarmos o

quadro conjunto da produçãoaudiovisual, da Pornochanchada aoSuper-8. À revelia de Glauber Rocha,a sua Estética da Fome poderia seraqui interpretada muito radicalmenteno sentido de um pragmatismopermissivo, numa espécie deTropicalismo desmesurado.

Surge na década de 80, àprimeira vista, uma situaçãoparadoxal, uma vez que enquantonada de novo parece se configuraraudiovisualmente, sente-se comonunca uma presença maciça dapaisagem urbana e de preocupaçõesquanto à vida paulistana, a ponto de,na prática, ter virado uma espéciede moda tratar de São Paulo. Pode-se lembrar, a propósito disto, dos anos20 e 50, mas a incorporação de umamultiplicidade de óticas tão grandecomo a que se legou, mesmo pelasnovas gerações, faz deste períodorecente não apenas mais um ciclode afirmação cosmopolita primeiraexplicação para este surgimento dacenografia paulistana , mas tambémde uma atenção seletiva para com opassado. Embora persista a tradiçãodo esquecimento do tradicional,vemos agora um convívio pacíficoentre os diversos impulsos deprospecção, de introspecção, ou desimples adesão ao estabelecido.

Entre muitos, podemos lembrarWilson Barros, Diversões Solitárias(1983)9 e Anjos da Noite (1987), deChico Botelho, Cidade Oculta(1986), de Carlos Reichenbach,Filme Demência (1985) e Anjos deArrabalde (1987), de Guilherme deAlmeida Prado, A dama do CineShangai (1987), de João Batista deAndrade, A Próxima Vítima (1983);de Hamilton Zini Jr., a animaçãocurta The Masp Movie - O FilmeDo Masp (1986), ou mesmo aminissérie Sampa (1989) da TVGlobo, escrita por GianfrancescoGuarnieri e dirigida por RobertoTalma. Aperfeiçoa-se a mediação da

6 Sobre a especificidade do cinemaexperimental que incide na presen-ça urbana a que me refiro, ver:Machado Jr., Rubens. “O cinema ex-perimental no Brasil e o sur tosuperoitista dos anos 70” in: Axt,Gunter. Schüler, Fernando. (orgs.)4Xs Brasil: itinerários da culturabrasileira. Porto Alegre: Ar tes eOfícios, 2005, pp. 217-231. “Lafaim et la forme: Expériencesesthétiques contre réalité sociale ?”,Cahiers du cinéma nº605, octobre2005, supplément cinéma brésilien,pp. 20-22. Marginália 70: oexperimentalismo no Super-8 bra-sileiro. São Paulo: Itaú Cultural,2001, 48 p. il.

7 Machado Jr., Rubens. "Passos edescompassos à margem" in: Cine-ma Marginal e suas fronteiras: Fil-mes produzidos nas décadas de60 e 70, orgs. E. Puppo & V.Haddad, São Paulo, CCBB, 2001,pp. 16-19.

8 Machado Jr., Rubens. “Uma SãoPaulo de revestrés: Sobre acosmologia varziana de Candeias”,Significação - Revista de culturaaudiovisual, nº28. São Paulo:Annablume, CEPPI, CTR/ECA-USP,2007, pp. 111-131.

9 Sobre Diversões Solitárias, deWilson Barros, ver: Xavier, Ismail."Corpo a corpo com o cinema",Filme & Cultura n° 43, Rio,Embrafilme, jan. abr. 1984, pp.111-113.

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indústria cultural entre produtos eprodutores da imagem paulistana,reciclando-se a bagagem da cultura demassa, enquanto se rarefazem emalguns setores a prática autoral. Restasaber se o destino desta rarefação, aopasso que difunde, com o auxílio docurta cultural e do vídeo, uma cidadecinematográfica Made in Brazil,como nunca antes se conseguiu, nãoconduziria também ao amortecimentopasteurizado do impacto estético queantes se verificava, mesmo que emcírculos mais restritos. Neste caso deestetização cosmopolita e polifacética,pós-moderna ou não, uma cidadefamiliarizada e banal passaria a sercada vez mais qualquer uma, semchances de tornar-se real e marcante.

Com a retomada do cinemabrasileiro nos anos 90 as váriasvertentes anteriores parecemrecombinadas10. Sem o distancia-mento que temos das outras épocas,agora várias direções estariam emcurso, sem que a evidência de um novoolhar se imponha com clareza. Umbalanço formidável do que se realizouaté aí, incluindo toda a história docinema paulista, surge em 1994 naforma de dois ensaios fílmicos, feitoscom recuperação de arquivo, empesquisa experimental de foundfootage, e montagens elaboradas, SãoPaulo Sinfonia Cacofonia, de Jean-Claude Bernardet11, e São PauloCinemacidade de Aluísio Raulino,Marta Grostein e Regina Meyer. Se,antes da retomada, uma busca depadrões grande público e de um certopós-modernismo já corriam emparalelo com uma pesquisa maisvisceral, agora um mesmo quadroparece desdobrar-se em espectrosmaiores, trazendo um sentido maisimediato para a idéia de retomada. Asproduções de um Carlos Reichenbachou de um Guilherme de Almeida Pradoparecem neste lapso de temporecombinadas de modo semelhante,assim como os oitentistas Chico

Botelho ou Wilson Barros nãoparecem tão estranhos a Tata Amaralou Roberto Moreira. A menos queapontemos uma tendência, sem dúvidafortalecida pela virada do século, deum crescente interesse pelo realismomais radical. Esta inclinação pareceatender a uma vontade de retomar umcinema mais contundente, umavocação de impacto crítico maior. Aí,a retomada, se houver, implicaria emsalto de quatro décadas, em filmespautados na interrogação, como os deSérgio Bianchi ou de Beto Brant12.Polarizada pela força da sua periferiadesvalida, a nova São Paulomultifacética parece valer-se de umainterrogação básica sobre o quasenada que sobrou do seu espaço público,a pulverização daquela Canaã deoportunidades para a formação de umfuturo cidadão. Promessa decidadania, mais do que nunca: procura-se, viva ou morta.

Abs t r a c t

São Paulo has been filmed since morethan a century, and this article proposes asynthesis of several points concerningthe history of relations between the cityand films. We have particularly workedon problems of the representation of thecity, including various aspects, fromhuman to physical landscape. Towardsthe composition of that large panoramawe had to synthesize currentformulations, trying to review the author'sresearch, mentioned in footnoteswhenever is possible. Taking São Paulofilmed by historical periods on littlesynchronical panoramas, in diachronicalconsiderations or purposes, we try tofigure out transformations, permanency,ruptures and traditions.Key-Words: History of Cinema; City ofSão Paulo; São Paulo's Movie;Cinematographic Representation of theCity; Esthetics of Cinema; Landscape andCinema; Urban Image.

10 Machado Jr., Rubens. "Tempos decinema no Brasil", Cinemais n° 15,Rio, 1999, pp. 43-60.

11 Bernardet, Jean-Claude. "Ohomem na rua: cinema" in: Projeto.Fotografia e Cidade: um resgate docotidiano de São Paulo (Textosselecionados), org. RoselyMarchetti, São Paulo, SMC-DPH,Divisão de Iconografia e Museus,Serviço Educativo, 1999, pp. 12-17.

12 Para um cotejamento entre OInvasor (2002), de Beto Brant eSão Paulo Sociedade Anônima, ver:Xavier, Ismail, 'São Paulo no Cinema:Expansão da Cidade-Máquina,Corrosão da Cidade-Arquipélago',Sinopse nº11, ano VIII, setembro2006, pp. 18-25. Muito se temescrito sobre a presença de SãoPaulo na produção contemporânea,veja-se por exemplo: Eduardo,Cléber. "São Paulo em trânsito",Cinética, 2008 <http://www.revistacinetica.com.br/transitocleber.htm>.

Plano em grande angular de uma São Paulo FugidiaRubens Machado Jr.

Data do recebimento: 15/10/2008Data do aceite: 02/12/2008