artigo publicado teorias sociológicas contemporâneas

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Revista FACISA ON-LINE. Barra do Garças MT, vol. 03, n. 02, p. 87 - 99, jan./jul.2014. (ISSN 2238-8524) Página87 Página87 TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS Eder Aparecido de Carvalho 1 RESUMO: O presente texto - não esquecendo as concepções durkheiminianas, marxistas e weberianas - traz a discussão levantada pelos pensadores contemporâneos. Quem prevalece na condução da história, indivíduo ou sociedade? Dessa maneira, confrontará o pensamento dos diversos autores, dentro de uma das discussões fundamentais, no interior da sociologia: a relação entre indivíduo e sociedade, discutindo ainda a relação entre os corpos e as identidades sociais. Coloca-se como eixo central do debate a obra de Norbert Elias ( Os Estabelecidos e os Outsiders), buscando, a partir daí, o confronto (ou a relação) ideológico com outros autores (Anthony Giddens, Anselm Strauss, Georg Simmel, George Mead, Michel Foucault e Pierre Bourdieu) da sociologia. PALAVRAS-CHAVE: Indivíduo. Sociedade. Corpos e Identidades Sociais. SOCIOLOGICAL THEORIES CONTEMPORARY ABSTRACT: The present text not forgeting Durkheimians, Marxists and Weberians’ conceptions brings the rise discussion from contemporaries thinkers. Who prevails in history conduction? Individual or society? In this way, we will confront the thought of many authors, inside one of fundamental discussions, in the interior of sociology: the relationship between individual and society still discussing the relation between bodies and the social identities. Put with central axis of debate the Norbert Elias’ work ( The Established and the Outsiders) fetching from this the ideological confront (or the relation) with other sociology authors (Anthony Giddens, Anselm Strauss, Georg Simmel, George Mead, Michel Foucault e Pierre Bourdieu). KEYWORDS: Individual. Society. Bodies and Social Identities. 1 Assistente Social do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) - Campus Votuporanga. Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Também é docente em IES. E-mail: [email protected]. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9443185069485662.

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    TEORIAS SOCIOLGICAS CONTEMPORNEAS

    Eder Aparecido de Carvalho1

    RESUMO: O presente texto - no esquecendo as concepes durkheiminianas, marxistas e

    weberianas - traz a discusso levantada pelos pensadores contemporneos. Quem prevalece na

    conduo da histria, indivduo ou sociedade? Dessa maneira, confrontar o pensamento dos

    diversos autores, dentro de uma das discusses fundamentais, no interior da sociologia: a relao

    entre indivduo e sociedade, discutindo ainda a relao entre os corpos e as identidades sociais.

    Coloca-se como eixo central do debate a obra de Norbert Elias (Os Estabelecidos e os Outsiders),

    buscando, a partir da, o confronto (ou a relao) ideolgico com outros autores (Anthony

    Giddens, Anselm Strauss, Georg Simmel, George Mead, Michel Foucault e Pierre Bourdieu) da

    sociologia.

    PALAVRAS-CHAVE: Indivduo. Sociedade. Corpos e Identidades Sociais.

    SOCIOLOGICAL THEORIES CONTEMPORARY

    ABSTRACT: The present text not forgeting Durkheimians, Marxists and Weberians conceptions brings the rise discussion from contemporaries thinkers. Who prevails in history conduction? Individual or society? In this way, we will confront the thought of many authors,

    inside one of fundamental discussions, in the interior of sociology: the relationship between

    individual and society still discussing the relation between bodies and the social identities. Put

    with central axis of debate the Norbert Elias work (The Established and the Outsiders) fetching from this the ideological confront (or the relation) with other sociology authors (Anthony

    Giddens, Anselm Strauss, Georg Simmel, George Mead, Michel Foucault e Pierre Bourdieu).

    KEYWORDS: Individual. Society. Bodies and Social Identities.

    1 Assistente Social do Instituto Federal de So Paulo (IFSP) - Campus Votuporanga. Mestrado em Cincias Sociais pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar). Tambm docente em IES. E-mail: [email protected]. Currculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9443185069485662.

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    INTRODUO

    A presente pesquisa se revela oportuna (justifica-se) justamente porque ir propiciar

    reflexes e discusses entre as concepes dos pensadores considerados clssicos e dos cientistas

    contemporneos. Em outras palavras, debates entre aqueles que demonstram oposio s

    percepes materialistas (Durkheim, Elias e Bourdieu) e aqueles que defendem uma figurao

    social, em termos de diferenciais econmicos (Marx). H tambm os pensadores que ilustram o

    indivduo moldado pela coletividade (Durkheim), contrapondo-se s questes sociolgicas que se

    apoiam no indivduo e no no coletivo. O conceito de determinismo trabalhado por Bourdieu

    tambm est presente. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo discutir, sobretudo, as

    relaes de poder: indivduo ou sociedade? Ao lado da violncia real, existiria uma violncia

    simblica? A submisso s regras grupais seria o preo a ser pago para se beneficiar da cultura

    social?

    Nesta senda, existem os pensadores que trabalham com a defesa, no sentido de que a

    estrutura o resultado de pessoas que vo interagindo e formando a configurao social (Elias).

    Por outro lado, tambm h os defensores da estrutura pronta (Durkheim). Foucault, por sua vez,

    no aceita a ideia de que indivduo tem que aceitar a identidade proposta socialmente. Simmel,

    embora diferente de Elias, no aspecto da historicidade, entende que a sociedade flexvel e suas

    normas e regras so formuladas a partir das relaes de interdependncia. Nesse caminho, o

    trabalho aparece como ferramenta (instrumento) para compreender, mesmo que minimamente, a

    sociedade.

    ESTUDO COMPARATIVO: DIFERENCIAO E RELAO

    As crises econmicas que provocaram conflitos entre a classe trabalhadora e

    proprietrios dos meios de produo foram vivenciadas por Emile Durkheim (1858-1917), no

    final do sculo XIX e incio do sculo XX. Naquele momento, as crises sofridas pela comunidade

    europeia eram frutos dos fatos econmicos segundo o ideal socialista. Durkheim no

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    concordava com esse ideal, uma vez que acreditava que os problemas eram de ordem moral, em

    virtude da fragilidade da poca, e no de ordem econmica2.

    Norbert Elias (1897-1997) deixou claro que, durante o desenvolvimento da sua

    pesquisa3, houve um deslocamento do objeto, ou seja, a delinquncia a ser estudada, a princpio,

    foi paulatinamente substituda por outro objeto diferenas de carter dos bairros e para as

    relaes entre eles. A mudana se d ao tempo em que vai se estendendo a investigao, como

    processo, isto , o objeto um processo em construo, existindo um ir e vir entre a teoria e o

    empirismo.

    Elias compreende uma diferena de poder, que no percebida pelas classificaes

    objetivas, entre os residentes antigos e recm-chegados. Parece existir uma relao entre Elias e

    Durkheim no que diz respeito a uma oposio s percepes materialistas. Elias faz uma

    figurao social no em termos de diferenciais econmicos, mas d nfase sociabilidade. Ope-

    se s percepes materialistas, buscando uma explicao qualitativa para entender a relao entre

    os estabelecidos e outsiders em Winston Parva4.

    Para Elias est ntido que Karl Marx (1818-1883) no enxergou as diferenas no

    interior da prpria classe (tnica ou racial, credo religioso, cultural, da prpria nacionalidade,

    dentre outros). Naquela comunidade, cabia estudar a estratificao social (referindo-se aos

    conceitos intraclasse) e no necessariamente a estrutura das classes, uma vez que, ali, no havia

    uma distino de classes.

    Elias se mostra no s contra a viso marxista, mas contra todos os que do enfoque

    ao econmico, j que, em relao ao poder econmico, os moradores de Winston Parva eram

    iguais. Quebrando clssicos, nos quais, de um lado, est o indivduo e, de outro, as classes, Elias

    relaciona a trajetria das pessoas por meio de um processo histrico, mostrando a relao

    indivduo grupo, isto , para ele no tem como separar o eu do ns. Mostra um modelo do ns

    2 Para Karl Marx (1818-1883) a economia formula a sociedade enquanto para Durkheim a sociedade que

    formula a economia. Quando Marx faz esse pensamento toma a parte pelo todo diria Durkheim (2002). 3 Pesquisa realizada junto aos habitantes do povoado industrial de Winston Parva (nome fictcio) que se

    transformou num laboratrio para anlise sociolgica e que serviu de base ao livro Os Estabelecidos e os

    Outsiders. 4Os estabelecidos seriam os residentes antigos de Winston Parva, enquanto os outsiders seriam os e recm-chegados.

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    (sociedade) e um modelo do eu, no qual o eu construdo a partir do ns ( assim que eu gero

    minha personalidade).

    Para Durkheim, o indivduo arrastado pela coletividade. Contrape-se s questes

    sociolgicas que se apoiam no indivduo. A sociologia individualista, segundo pensamento

    durkheiminiano, explica o complexo pelo simples, o superior pelo inferior, o todo pela parte. J

    para Anselm Strauss (1916-1996), o valor moral est no indivduo, na identidade, no interior.

    Para Strauss o entendimento das identidades individuais est vinculado ao compreender da

    atividade coletiva. Dessa forma, nota-se que Strauss prioriza o aspecto da identidade.

    George Mead (1863 -1931)5, um dos fundadores (americanos) da sociologia emprica

    e sistemtica, tambm envolvido na temtica do que diz respeito s relaes entre individuo e

    sociedade, investiga a gnese do eu no processo da interao social o que veio a ser conhecido

    como Escola de Chicago. Atribui responsabilidade ao indivduo na montagem do coletivo. A

    coletividade gerada por indivduos orientados para si prprios e para o outro. Mead valoriza o

    indivduo na costura social (FIGUEREDO, 2004) e, para ele, o eu que d a identidade,

    diferentemente de Elias, segundo o qual o outro que d a identidade.

    Enquanto a anlise freudiana, particularmente, esquece a sociedade e analisa apenas o

    indivduo, Durkheim estuda a relao entre indivduo e sociedade. Na teoria durkheiminiana a

    sociedade entra no indivduo, isto , molda-o. A diferena com Elias que Durkheim parece no

    ver poder de liberdade, enquanto Elias v, uma vez que, para ele (Elias), indivduo unido se

    engrandece. Em outras palavras estaria dizendo que a coeso propicia efeito integrador e

    reafirmador da superioridade grupal. Elias analisa a constituio do ns e dos outros. Analisa

    quando o ns (estabelecido) se constitui e tambm os outros (outsiders), ou seja, mostra-se

    preocupado com a histria. Fica claro tambm que Elias estuda as relaes de poder, bem ao p

    da letra, do que dizia, dentre outras palavras, Max Weber (1864 1920): o poder exatamente a

    possibilidade de encontrar algum para dominar enquanto a dominao o prprio uso do poder.

    Dentro dessa anlise do padro de poder, feita por Elias, nota-se ainda que o tem

    aquele que no possui, ou seja, o estabelecido citado pelo respectivo autor na pesquisa so

    outsiders em outras sociedades (mulheres e idosos). Fica notrio que a coeso feita

    5 Para Mead a identidade formada na interao (da o interacionismo simblico) contrapondo-se a um conceito anterior (iluminista) que trabalhava com identidade fixa.

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    principalmente pela fofoca, instrumento feminino. A fofoca, marco de estigmatizao, e as

    desocupadas economicamente as mulheres que saem para trabalhar ficam mais vulnerveis

    desempenham um papel fundamental, pois aparecem como guardis da cultura, principalmente,

    da tradio afetiva. Diferena se pode notar, por exemplo, em Pierre Bourdieu (1930-2002) que,

    ao estudar a sociedade cablia, para entender a dominao de fora, deixa ntido que as mulheres

    (cablias) incorporam a dominao (esta para elas era natural). Fazendo uma comparao,

    verifica-se que a mulher em Elias desempenha um papel, ao contrrio da mulher, em Bourdieu,

    uma vez que, no primeiro, a mulher no se apresenta apenas como uma domstica, mas trabalha e

    desempenha, principalmente, a fofoca embora queiramos deixar claro que ambas as mulheres

    so de sociedades tradicionais. Importante ainda frisar que Elias trabalha com as duas alternativas

    da fofoca, ou seja, a fofoca pode integrar um grupo, mas pode excluir quem no est inserido.

    Fica claro, assim, em Elias, essa alternativa da fofoca, que exclui e inclui, j que existia uma

    tendncia que trabalhava apenas a integrao, no citando a excluso.

    evidente um custo do eu para se beneficiar do ns a submisso s regras grupais

    o preo a ser pago para se beneficiar da participao na superioridade dos estabelecidos, enquanto

    os outsiders so vistos como anmicos. Como outsiders (tero seu status rebaixado dentro do

    grupo dos estabelecidos) sero aqueles (os inseridos) que no respeitarem as regras. Encontra-se

    nesse contexto, seguindo o raciocnio durkheiminiano, uma relao com a fora que os fatos

    exercem sobre os indivduos que tm que se conformar com as regras da sociedade em que

    vivem, ou seja, no seguindo regras, sofrero sanso, seja ela legal ou espontnea. importante

    no esquecer que para Durkheim existe uma estrutura pronta; as pessoas nascem e vo absorver

    isso, essa estrutura, no tendo poder para mud-la. J para Elias esse modelo de Durkheim no

    existe. A estrutura o resultado de pessoas que vo interagindo e formando a configurao

    social. No segundo, existe a ideia de ao, enquanto, no primeiro, ela est ausente.

    No que diz respeito ao conceito determinista de Bourdieu [...] o homem aparece

    rigorosamente determinado pelas estruturas sociais objetivas exteriores a ele, e pelas estruturas

    subjetivas, incorporadas nele (QUINIOU, 2000, p.51). Segundo a concepo bourdieuana, o

    homem est encarcerado numa cadeia de microdeterminismos sociais (gosto esttico, criatividade

    cultural, dentre outros fatores). As coisas esto determinadas e o homem parece no ser livre.

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    Apesar disso, afirma Bourdieu, o homem aparece como agente determinante (ativo). Bourdieu

    fixa os limites [...] de uma leitura estruturalista do determinismo social que negaria a atividade

    humana (QUINIOU, 2000, p.52). O determinismo no o fatalismo (QUINIOU, 2000, p.59),

    d para reduzir a dominao incorporada - que opera no interior do ns.

    Retornando sociedade cablia, citada acima, louvvel mencionar que, para

    Bourdieu, o gnero no algo esttico no o mesmo da cablia (muda). As relaes de gnero

    no so eternas e esto suscetveis mudana. Para ele, a estrutura estruturada e a estrutura

    estruturante ocorrem simultaneamente. Para fins didticos, pode-se dizer que a viso determinista

    traz uma concepo de uso mltiplo o que pode ser encontrado principalmente em Bourdieu.

    Bourdieu mostra a existncia de uma concordncia entre estrutura cognitiva6 e

    estrutura social. Segundo ele, a estrutura cognitiva molda a estrutura social7 - o branco se v

    como superior (intelectualmente) ao negro, por exemplo. Na relao de dominao, a mulher tem

    que ser magra e frgil - dentre outras coisas. Quando a mulher incorpora essa fragilidade,

    incorpora a relao de dominao, assim, incorpora a viso doxa do mundo.

    Bourdieu v uma construo social da identidade por meio do corpo. Existe um

    processo de incorporao. A masculinidade, por exemplo, construo social e no apenas ter o

    rgo genital masculino - princpio da afirmao masculina eterna, ou seja, a relao de

    dominao no boa nem para os homens, pois tm que estar provando-se como homem.

    Seguindo essa idia, Bourdieu mostra que h uma viso androcntrica o homem est sujeito a

    presses de prova. Para Bourdieu a diviso sexual no s anatmica, mas, sim, construda.

    Assim, para ele a ordem sexual opera pela incorporao e esta se torna o habitus.

    A obra de Bourdieu traz a concepo de um universo atravessado por dominao

    (relao de fora). Ao lado da violncia real (...) existe uma violncia simblica que alimenta

    esta (QUINIOU, 2000, p.58). H, portanto, uma relao entre Bourdieu e Elias, uma vez que

    [...] a violncia simblica (...) essa forma de violncia exercida sobre um agente social com a

    cumplicidade dele (RPONSES apud QUINIOU, 2000, p.58).

    6 Forma como as pessoas compreendem o mundo, maneira que pessoas constroem a realidade, viso

    (culos) que eu vou ter do mundo a partir da h uma construo da sociedade. 7 A concordncia entre ambas as estruturas (cognitiva e social) Bourdieu da o nome de viso doxa do

    mundo princpio de viso social que determina todas nossas relaes (que vai fazer com que nos refletimos sobre ns mesmos e sobre os outros).

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    Para Marx uma classe no diretamente independente, s existe, na relao com

    outra no h burguesia sem proletariado e vice-versa. Para Bourdieu a diferena8 no esttica

    (pacfica), mas de luta (oposio). Dessa maneira, tanto o campo social de Bourdieu quanto a

    sociedade de Marx [...] so campos de luta para transformar ou conservar [...] tal relao

    (QUINIOU, 2000, p. 45-46).

    Para Bourdieu o comportamento, tanto individual como social, no est apenas

    relacionado ao econmico (ligado a ganhos materiais), estando tambm relacionado ao simblico

    (ligado a ganhos simblicos [...] qualquer ganho reconhecido como tal). O comportamento do

    indivduo determinado pelo capital cultural, capital simblico, capital poltico (ligado a um

    status de poder) e no apenas pelo capital econmico (QUINIOU, 2000, p. 48). Pode-se afirmar

    que Bourdieu, nesse aspecto, identifica-se com Elias, uma vez que rompe com o economicismo

    marxista.

    Michel Foucault (1926-1984) conta a histria das identidades9, desconstruindo a ideia

    da identidade fixa imutvel.10 Foucault no aceita ideia de que indivduo tem que aceitar a

    identidade proposta socialmente. Foucault no est preocupado com universalizao (igualdade),

    mas se mostra preocupado com novas formas de existncia que seriam diferentes, ou seja, pensa

    na possibilidade de outros meios que no seriam os j propostos pela sociedade.11

    Foucault no tenta trocar o modelo atual pelo grego no quer trocar o presente

    pelo passado mas sim mostrar um pensar no passado, para encontrar a relao de si mesmo e

    com os outros, para pensar no futuro de outro meio de vida.12 Foucault no quer buscar

    modelos nem comparaes, mas, sim, um paralelo fazer um exerccio do pensamento para

    refletir o futuro. Ele defensor das ideias das diferenas, no sentido de convivncia um com o

    8 Quando Marx diz classes, Bourdieu diz foras ou diferenas(...) e a sociedade se torna ento, de um modo similar, um campo de lutas entre essas foras ou essas diferenas (QUINIOU, 2000, p.45). 9 Tanto em histria da loucura como histria da sexualidade Foucault relata uma histria da construo do

    indivduo no ocidente. Foucault trabalha com a noo de sujeito uma vez que estava preocupado com a

    construo da personalidade contempornea. 10 Foucault desconstri a imagem iluminista (de identidade biolgica), mostrando que a identidade muda

    de acordo com situaes sociais. 11 Existia um modelo de gay na viso da sociedade com que Foucault no concordava. 12 Ao se transportar para a Grcia Romana, Foucault sai do sujeito que sujeitado pelas normas (cdigo de normalizao) para buscar um sujeito no sujeitado (que o comportamento no rgido pelos cdigos).

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    outro. No quer construir frmula mgica do equilbrio, estando apenas preocupado com uma

    forma de convivncia com o outro convivncia com as diferenas.

    Foucault trabalha com a teoria do poder disciplinar (de como sociedade se baseia

    numa forma de poder / h uma instncia que determina como devemos agir). Foucault13,

    contrariando Marx, que diz que o poder est centrado no Estado, relata que o poder est

    disseminado intimamente em toda a sociedade (fbricas, escolas...), isto , o poder no est

    localizado apenas numa instncia.14

    A ideia de libertao sexual, por meio de revoluo, descontenta Foucault, uma

    vez que, segundo ele (Foucault), lutar contra o poder o que canoniza o poder. Ao se assumir

    como gay voc se sujeita a uma estrutura de poder (est se rebaixando). Bourdieu tambm

    menciona, seguindo o raciocnio de Foucault, que, quando surge a preocupao com relao

    dominao, o dominado ratifica a sua dominao.

    Tanto Foucault como Bourdieu colocam que a relao entre sexos iguais pe a

    dominao masculina em xeque coloca em xeque toda a ordem social, por isso, ela to

    combatida.

    Foucault relata que o movimento feminista apresenta algo contestatrio v o

    movimento feminista com bons olhos. Bourdieu, por sua vez, enfatiza que as feministas, por se

    apoiarem em Foucault, reforam a dominao masculina15. Bourdieu cita, ainda criticando

    Foucault, que a histria da sexualidade a historia da sexualidade dos homens, ou seja, para

    Bourdieu, Foucault escreveu a histria da sexualidade masculina.

    13 Parsons neste quesito concorda com Foucault. 14 Foucault defende a ideia de que o poder difuso, isto , no est centralizado em instituio alguma,

    estando, sim, esparramado, ou seja, no h um grupo ou camada social que detm o poder, pois o poder circula na mo de todos apenas admite que alguns pudessem ter mais ou menos poder, entretanto, para ele, cada cidado detm uma parcela de poder, mesmo que pequena. 15 Apesar da crtica, no que diz respeito, a essa ligao movimento feminista e concepo foucaultiana, Bourdieu coloca que [...] a dominao masculina no se impe mais com a evidncia de algo que indiscutvel. Em razo, sobretudo, do enorme trabalho crtico do movimento feminista que, pelo menos

    em determinadas reas do espao social, conseguiu romper o circulo do reforo generalizado (...)

    distanciamento em relao s tarefas domsticas e s funes de reproduo (BOURDIEU, 1999, p.106-107).

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    Sexualidade para Foucault comportamento, como se usa o rgo genital, a forma

    como as pessoas vo fazer uso do rgo (baseadas nas regras criadas pela sociedade). Para ele,

    ser gay est ligado a um estilo de vida e no a fazer a relao sexual propriamente dita.

    Foucault reflete como o sujeito vai poder criar forma de resistncia estabelecer

    nova relao de poder. Para o autor, temos que esquecer o poder repressor e trabalhar com o

    Poder Disciplinar.16 E, ainda, diz que as sociedades modernas, em contraste especfico com o

    mundo moderno, dependem da criao do biopoder poder disciplinar.

    J Anthony Giddens17, por sua vez, mostra as mudanas de comportamento no campo

    da intimidade, relatando a transformao do papel da mulher e ainda a liberalizao da moral

    sexual. Enfatiza uma sexualidade liberta das necessidades de reproduo, assim como a liberdade

    ao prazer sexual. Giddens presume um grau significativo de igualdade sexual. As mulheres

    querem no apenas proporcionar, mas tambm receber o prazer sexual18. O comportamento

    sexual (sexualidade) deixou de ser algo herdado dado naturalmente. A sexualidade, na verdade,

    passa a ser uma dimenso construda pelo prprio indivduo - [...] um aspecto malevel do

    eu.19 Assim, Giddens mostra a construo da identidade na modernidade - acusa a passagem do

    tradicional para o moderno. Observa, dessa forma, uma revoluo no mundo privado que

    contamina o pblico.

    Pegando uma carona em Georg Simmel (18581918), notaremos que, para ele, a

    sociedade tambm no est estruturada fixa tal qual Durkheim havia teorizado, ao contrrio,

    entende que a sociedade flexvel e suas normas e regras so formuladas, a partir das relaes de

    interdependncia. Simmel, na verdade, mostra-se igual a Elias, no aspecto da interdependncia,

    entretanto, mesmo aceitando a ideia de configuraes que existe em Elias, notaremos que, no

    primeiro, h um rompimento com a histria. Um rompimento entre a sociedade tradicional (pr-

    16 Baseia no processo de incitar comportamento. Baseia-se em algo pelo qual os indivduos querem mais ou menos incorporar as normas. 17 Anthony Giddens, nascido em 1938, diretor da London School of Economics, idelogo da Terceira

    Via (social-democracia modernizada), hoje chamada de Governana Progressista, e conselheiro do primeiro-ministro britnico, Tony Blair. 18 Contrariando Bourdieu, no qual aparecem regras (condutas) mais tradicionais, em Giddens, notam-se

    regras mais modernas o comportamento confluente. 19 Indivduo parte da estrutura que reproduz; dessa forma, indivduo aparece como integrante das prticas construtivas.

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    moderna) e a sociedade moderna. Ou seja, em Simmel, todas as estruturas tradicionais se veem

    substitudas pelas formas da sociedade moderna. H sementes da sociedade moderna na

    sociedade tradicional e h resqucios da sociedade tradicional, na sociedade moderna. Contudo,

    numa viso geral, ele percebe um rompimento entre uma e outra sociedade. Rompimento do

    passado com o presente. Assim, temos um Simmel igual a Elias, no aspecto da interdependncia

    e um Simmel diferente do Elias no aspecto da historicidade.

    O cientista do sculo XIX, Durkheim, colocou-se preocupado com a quantidade de

    migrantes que saam do campo para a cidade (durante o processo industrial da poca). Durkheim

    acreditava que a migrao poderia ser problema, uma vez que os migrantes no poderiam se

    espelhar nas regras (deles) anteriores; era um estabelecido e os camponeses que migravam eram

    outsiders. Assim, ele chega a propor uma interveno do Estado. Dessa forma, ele aparece no

    texto de Elias, mais uma vez, j que Elias coloca os outsiders na condio de anmicos, ou seja,

    quando se d a implantao do acampamento h uma ruptura com a lei anterior (norma anterior

    de onde os outsiders vieram) onde os recm-chegados tero que se adaptar s outras regras. Os

    estabelecidos consideram os outsiders anmicos e, dessa forma, Elias usa Durkheim para ver

    como o estabelecido construiu a anomia dos outsiders.

    Vinculado ao interacionismo simblico, Anselm Strauss, desenvolve um estudo do

    indivduo e sociedade, a fim de entender a relao eu / ns. No que tange constituio das

    identidades individuais, d nfase socializao na vida adulta, contrapondo-se anlise

    freudiana que prioriza os primeiros anos de vida, uma vez que acredita na existncia de uma

    desestrutura daquilo que ocorre na infncia. Nada eterno e, da mesma maneira que as coisas

    mudam, ns tambm mudamos. A reavaliao traz a possibilidade de uma inovao e ainda de

    uma renovao da vida humana.

    Dentro de Mead existe o eu / self no qual h um dilogo entre o eu e o ns. Assim,

    teremos na relao do interacionismo trs aspectos:- (1) o eu consigo mesmo influenciado pelo

    ns (eu / ns). (2) o outro (ns) influenciado na relao do eu consigo e (3) o eu, percebendo

    como ele pode ser visto e tentando interferir nesse ns (outro / generalizado).

    Diferentemente, para Elias, o eu se v a partir do ns - o outro que d minha

    identidade. As pessoas se percebem de determinada forma, em virtude de uma interdependncia

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    (eu / ns). Isto , para Elias o ns reflete no eu e o outsider no o eu que vai mudar relao, mas

    um eu que se aceita inferior. As imagens que o ns (estabelecidos) atribui e os outros (outsiders)

    aceitam constitui no ponto de chegada do processo de investigao. No s tendo um grupo

    mais forte e outro mais fraco que vai ter essa relao outsiders. Para existir essa relao, o

    dominado tem que compartilhar o valor da maioria. Ou seja, existindo a menor fora, porm

    organizada aquela que busca um revide (luta) na busca do seu valor, no existir o chamado

    outsider. Quando a minoria passa a ter coeso (movimento negro, movimento feminino, de

    bairros, dentre outros) existe uma luta poltica e no uma relao outsiders.

    O outsider o eu que enxerga o mim, na viso do outro (v-se como inferior).

    Entretanto, pode-se dizer que necessrio um tempo do eu para o ns, isto , as pessoas chegam

    individualmente e num processo lento; a tendncia o eu, mais para a frente, constituir um

    ns.Talvez, hoje, passadas mais duas geraes, todos, em Winston Parva, fazem parte do ns.

    Reforando, Elias trabalha com a teoria das figuraes, combatendo a anlise da

    dicotomia e buscando levantar como se deram as configuraes (tanto dos estabelecidos quanto

    dos outsiders). Dando destaque ao processo de socializao, trabalha com conceitos intraclasse

    (no interior da prpria classe).

    O elemento central da teoria de Durkheim, que reporta ideia de coero, coincide

    com o peso que a sociedade tem sobre o indivduo. Para ele, no existe apenas a coeso (estado,

    leis...), mas, tambm, a coero. A sociedade exerce coero sobre o indivduo. A sociedade

    coage o indivduo. importante saber que Elias no reproduz o modelo de Durkheim. Ns, sim,

    enxergamos a influncia de Durkheim, mas ele (Elias) vai mais longe. Nesse sentido, chega ao

    conceito de habitus de Bourdieu.

    CONSIDERAES FINAIS

    Antes, tinha-se uma viso unvoca e masculina (estritamente masculina) sobre tudo

    sujeito do iluminismo. Mudou-se o sujeito? No, pois mudaram-se as ferramentas para

    compreender a sociedade, uma vez que o sujeito nunca foi unvoco. Temos, dessa maneira, que

    desconstruir a viso de identidade unvoca (sujeito iluminista) uma vez que no existe identidade

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    pr-determinada, ou seja, as identidades so construes sociais20 e histricas, isto , ser mulher

    no Brasil no a mesma coisa que ser mulher nos EUA, por exemplo. Mais, o ser mulher na

    dcada de 60 (sessenta) no o mesmo que ser mulher na dcada de 20. A mulher feminista luta

    por seus direitos.

    Identidades no so mais unitrias e definidas para sempre. No existe uma

    identidade nata, ou seja, as coisas mudam. Qualquer identidade provisria. Essa fixidez, pode-

    se dizer, nunca existiu.

    importante frisar que a construo social dos corpos est muito mais associada

    mulher.21 O corpo da mulher sofre preconceitos,22 ou seja, essa construo no , de forma

    nenhuma, neutra, baseando-se, sobretudo, na dominao da mulher. A mulher no tem autonomia

    do prprio corpo, por exemplo: at hoje a no permisso do aborto (no querendo de nenhuma

    maneira colocar-me como defensor de tal prtica) uma forma de controle da mulher. Mais, os

    homens velhos so charmosos, enquanto mulheres velhas so decadas. Entretanto, apesar de as

    mulheres no terem logrado a igualdade nos domnios econmicos e poltico, daremos nfase a

    Bobbio (2000, p.52) que disse que [...] nestas ltimas dcadas a transformao das relaes

    entre os sexos [...] talvez seja a maior revoluo de nossos tempos.

    REFERNCIA BIBLIOGRFICA

    BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Traduo de Marco Aurlio Nogueira. So Paulo:

    Paz e Terra, 2000.

    BOURDIEU, Pierre. A Dominao Masculina. Traduo de Maria Helena Kuhner. Rio de

    Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

    ___________. O Poder Simblico. Traduo de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand

    Brasil, 1989.

    20 A construo social da identidade se d atravs do corpo o que eu sou o meu corpo. Corpo e identidade no so coisas dissociadas. No compreender da formao das identidades no se pode cair no

    dualismo. Identidade corporal. No corpo e identidade. No so separados. Meu corpo materializao

    da identidade. Identidade corpo. 21 As formas de controle corporal ainda, infelizmente, atingem mais as mulheres. 22 Embora seja importante salientar que a construo social esteja associada a ambos os corpos (sexos).

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    Paulo: MartinClaret, 2002.

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    sociedades modernas. Traduo de Magda Lopes. 2. ed. So Paulo: Editora Unesp, 1993.

    __________. Poltica, Sociologia e Teoria Social: encontros com o pensamento social clssico e

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